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INTRODUÇÃO
A fotografia é um texto não verbal que guarda narrativas imagéticas. Ela está
intrinsecamente relacionada à construção de memórias dos indivíduos. A popularização dessa
tecnologia transformou a vida das pessoas e como elas comunicam e registram os momentos,
do trivial aos mais importantes. Casamentos, nascimentos, batizados, almoços em família,
viagens, passeios, entre outros tantos momentos, viraram registros pelas lentes fotográficas e
desta maneira são instrumentos de construção da memória. Para Silva:
Essas formas sociais do olhar apontam para a fotografia como resíduo imaginado da
realidade. O mesmo se define para a construção de memórias, e se retirarmos os aspectos
estéticos e artísticos, a fotografia se instrumentaliza na sociedade como registros de memória
e de seus elementos culturais.
Existe uma técnica fotográfica que foi bastante comum no século XX. Pessoas que
tiveram convívio com os avós, por exemplo, conheceram esse estilo fotográfico, afinal, essas
fotografias foram registros marcantes em suas vidas. Me refiro às fotopinturas, caracterizada
pela junção da fotografia e a pintura.
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Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Goiás.
Em verdade, a fotopintura foi inventada por André Adolphe Eugéne Disdéri,
fotógrafo francês, na segunda metade do século XIX, 1863 para ser mais exato. Disdéri
utilizou a base fotográfica em baixo contraste para reproduzir a imagem em uma superfície.
Tal técnica possibilitou ao fotógrafo (ou colorista, como era chamado) o manuseio do retrato
ao inserir tinta sobre ele. Esse trabalho possibilitou mudanças em relação a cor e outros
retoques, dando aos retratos, que antes seriam preto e branco, cor.
Essa técnica possibilitou a popularização do retrato entre classes mais pobres, já que
antes um retrato colorido era caro e privilégio de classes mais ricas que tinham condições de
contratar um pintor para fazerem os retratos de família. No Brasil, existem registros de
fotopinturas realizadas em 1866, no entanto, sua popularização só ocorreu na década de 1940
e perdurou fortemente até o início dos anos 1990.
A história e memória da minha família perpassa a fotopintura. Na casa de minha avó
tem uma parede inteira dedicada a elas. Familiares que já faleceram, outros que se
espalharam por diversos lugares do Brasil, os casamentos, os filhos. Todos registrados nos
retratos e na oralidade da matriarca que conta as histórias de cada personagem estampando
dentro de antigas e empoeiradas molduras.
A partir de um retrato de meus avós, por exemplo, é narrado como se conheceram, as
regras morais vigentes naquele determinado momento, aspectos políticos e econômicos. O
relato se estende pelos costumes e histórias de vida. Como meu avô saiu da Bahia ainda
criança. Com um grupo de retirantes, que incluía sua família, ainda criança veio se instalar
em Goiás. Aprendeu o ofício de tratorista e foi durante uma aragem de terra no sítio do meu
bisavô que conheceu minha avó.
Ela estava de casamento marcado com alguém escolhido pelos pais. Seria um bom
casamento, segundo os interesses da época. A família de minha avó só não contava que ela
iria retribuir aos gracejos do tratorista. Fugiram, casaram longe da cidade e dos pais. Ficou
viúva cedo e teve que trabalhar sozinha para o próprio sustento e dos filhos que ficaram.
Filhos retratados em diversas fases nas fotopinturas. Infância, adolescência e juventude.
Histórias particulares vão se tornando públicas e gerando identificação e semelhanças
com tantas outras narradas. Fotopintadas na imagem, na memória e na oralidade. Na parede
daquela casa, no interior de Goiás, elas cumprem um papel etnográfico, possibilitando uma
coleta direta, mais minuciosa possível dos fenômenos que observamos, por uma
impregnação, duradoura e contínua, e um processo que se realiza por aproximações
sucessivas. Isso garante uma observação direta dos comportamentos sociais a partir de uma
relação humana.
A partir dessas orientações, esse trabalho apresenta essas fotopinturas e possibilita
uma análise imagética, de leitura das imagens, e de como tais retratos eram constituídos e
suas posições ao representar as relações e momentos familiares, como um registro importante
na construção de memórias familiares e sociais. A partir dessa observação, será possível
elaborar leituras particulares e comuns de acordo com as visões e conhecimentos do leitor,
agregando com leituras interpretativas.
LEITURA A PARTIR DAS FOTOPINTURAS
Fotopintura de Francisco Nascimento Souto e Maria Dionisio Souto: juntos viveram um casamento de 40 anos.
Maria conheceu Francisco na festa de Nossa Senhora Da Guia, padroeira de um bairro periférico da cidade de
São Luís de Montes Belos, Goiás. O casal teve 13 filhos. A fotopintura é um ponto de partida para que Maria,
hoje viúva, conte como conheceu o marido e as peripécias que viveu ao longo dos anos ao lado dele.
Atualmente, sozinha, a maioria dos filhos casados, alguns mortos, a imagem demarca as memórias de Maria.
Fotopintura da família de Nercino Souza Pires e Sebastiana Fernandes Pires. A imagem amassada ou rasurada
são demarcadores do tempo. Quem guarda a fotopintura é Maria Alice, única filha do casal que ainda vive em
São Luís de Montes Belos. Ela chora ao narrar como a família, de origem nordestina, veio parar no interior de
Goiás. A vida difícil dos pais, que mesmo diante de tantas dificuldades foram sempre unidos. Essa união foi tão
forte que apenas três meses separam a morte dos dois. Nercino morreu de infarto enquanto trabalhava no
pequeno sítio da família. Sebastiana, morreu da mesma causa enquanto cochilava em uma cadeira de balanço na
varanda, mas Maria Alice prefere dizer que a mãe morreu de saudade.
A história de Ana Aparecida é contada pela minha avó. De seu rosto, a única lembrança que se guarda é a da
presente imagem. Segundo os relatos, Ana foi mãe solo de três filhos de pais diferentes. Na época, ela conheceu
as dores profundas do preconceito. Deixou os filhos com a mãe dela e mudou-se para Goiânia para trabalhar,
isso nos anos 1970. Todos os meses mandava uma pensão para ajudar na educação dos filhos. Sabe-se que Ana
se casou na capital Goiana e quando os filhos eram adolescentes, ela foi até São Luís de Montes Belos buscar os
três. Não se soube mais notícias de ninguém, nem mesmo uma carta. Dela restou apenas a fotopintura como
lembrança na parede da sala de minha avó, madrinha de Ana.
As irmãs Divina Rodrigues e Maria Rodrigues (Minha avó). Foram as duas filhas mulheres entre cinco filhos
homens. Divina brigou com Maria quando a mãe morreu. O motivo foi uma colcha de retalhos que nem existe
mais. Hoje, ambas idosas e de pazes seladas, compartilham as lembranças de uma vida inteira. A fotopintura das
duas foi feita durante a Festa do Divino Pai Eterno, em Trindade, nos anos 1960.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS