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CESED – CENTRO DE ENSINO SUPERIOR E DESENVOLVIMENTO

UNIFACISA – CENTRO UNIVERSITÁRIO


CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

MICAELLE PAOLA GAMA MONTEIRO

A REINTEGRAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR: CONSIDERAÇÕES


ACERCA DA UNIDADE DE INTERNAÇÃO PADRE OTÁVIO SANTOS, NA
PARAÍBA

CAMPINA GRANDE – PB
2020
MICAELLE PAOLA GAMA MONTEIRO

A REINTEGRAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR: CONSIDERAÇÕES ACERCA


DA UNIDADE DE INTERNAÇÃO PADRE OTÁVIO SANTOS, NA PARAÍBA

Trabalho de Conclusão de Curso – Artigo


Científico – apresentado como
pré-requisito para a obtenção do título de
Bacharel em Direito pela UniFacisa –
Centro Universitário.
Área de Concentração: Direito Penal
Orientador: Prof.a da UniFacisa Ana Alice
Ramos Tejo Salgado, Dra.

Campina Grande – PB
2020
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
(Biblioteca da UniFacisa)
Trabalho de Conclusão de Curso – Artigo
Científico A reintegração do adolescente
infrator frente aos meios de
ressocialização, como parte dos
requisitos para obtenção do título de
Bacharel em Direito, outorgado pela
UniFacisa – Centro Universitário.

APROVADO EM_____/_____/______

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________
Prof.º da UniFacisa, Ana Alice Ramos Tejo
Salgado, Titulação. Orientador

_______________________________
Prof.º da UniFacisa, Gustavo Costa
Vasconcelos
Titulação.

_______________________________
Prof.º da UniFacisa, Sabrinna Correia
Medeiros Cavalcanti, Titulação.

A REINTEGRAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR: CONSIDERAÇÕES ACERCA


DA UNIDADE DE INTERNAÇÃO PADRE OTÁVIO SANTOS, NA PARAÍBA
Micaelle Paola Gama Monteiro1
Ana Alice Ramos Tejo Salgado2

RESUMO

A Constituição Federal e o ECA incubem à sociedade, à família e ao Estado a


efetivação de direitos a crianças e adolescentes. Neste ambiente jurídico de garantia
de direitos, estão incluídos também crianças e adolescentes que tenham praticado
atos infracionais e que devem ser aplicadas medidas socioeducativas. Logo, este
trabalho tem por objetivo avaliar o impacto do ambiente de cumprimento de medidas
socioeducativas no processo de ressocialização do menor infrator. Para tanto,
empregou-se uma abordagem qualitativa, por meio de análises bibliográficas e
documentais, com foco nos adolescentes infratores, permitindo analisar relatórios
emitidos pelas autoridades é focada em adolescentes infratores. Constatou-se que o
perfil dos jovens infratores no Brasil e, principalmente, nos estados no Nordeste,
caracteriza-se pela baixa escolaridade, vício em drogas e da vulnerabilidade
socioeconômica. Os investimentos e as políticas desenvolvidas pelo poder público
em prol da ressocialização desse público são insuficientes, culminando em sérios
problemas, como infraestrutura precária, dificuldades de acesso à educação e aos
serviços de saúde. Ao abordar o Lar do Garoto, foi possível identificar registros de
irregularidades, que envolvem maus-tratos e tortura. Conclui-se que cabe ao Estado,
na figura dos gestores públicos, garantir a vida e integridade corporal e mental
desses jovens para que se possa efetivar a reintegração social.

PALAVRAS- CHAVES: Adolescente. Infração. Reintegração social.

ABSTRACT

The Federal Constitution and ECA encourage society, the family and the State to
enforce the rights of children and adolescents. This legal environment for
guaranteeing rights also includes children and adolescents who have committed

1
Graduanda em Direito pela Unifacisa. Endereço eletrônico: micaellepaola@gmail.com

2
Professora Orientadora. Possui doutorado em Direito na área de concentração Transformações
do Direito privado, Cidade e Sociedade (linha de pesquisa Direito da Cidade) pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (2015). Professora da Universidade Estadual da Paraíba e do Centro
de Ensino Superior e Desenvolvimento (Unifacisa).
infractions and who must apply socio-educational measures. Therefore, this work
aims to assess the impact of the environment of compliance with socio-educational
measures in the process of re-socialization of the minor offender. To this end, a
qualitative approach was used, through bibliographic and documentary analyzes,
focusing on adolescent offenders, allowing the analysis of reports issued by the
authorities, focusing on adolescent offenders. It was found that the profile of young
offenders in Brazil and, especially, in the states in the Northeast, is characterized by
low schooling, drug addiction and socioeconomic vulnerability. The investments and
policies developed by the public authorities in favor of the resocialization of this public
are insufficient, culminating in serious problems, such as precarious infrastructure,
difficulties in accessing education and health services. When approaching Lar do
Garoto, it was possible to identify that the lives of seven young people, in the custody
of the State, were claimed. In addition to these claims, there are records of many
other irregularities, involving ill-treatment and torture. Therefore, considering the
State's responsibility for the lives of these young people, it is impossible not to lay the
blame for these actions on the responsible bodies, as well as public managers.

KEYWORDS: Adolescent. Infringement. Resocialization.

1 INTRODUÇÃO

Este estudo versará sobre o processo de reintegração do adolescente infrator


frente aos meios de ressocialização, focando, principalmente, na importância do local
de internação para o cumprimento de medidas socioeducativas. As discussões serão
feitas com base no entendimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e
complementadas com o estabelecido pelo Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE), por serem ferramentas jurídicas base para a aplicação de
medidas socioeducativas.
O entendimento e a jurisprudência quanto a prática de infração por menores
sofreu mudanças conceituais ao longo do tempo. De modo geral, essas alterações
revelam concepções sociais quantos às raízes do ato infracional, ao passo que,
também estão ligadas ao modo como a sociedade encara a necessidade e a
possibilidade de reintegração deste menor. Atualmente, atos infracionais cometidos
por menores são vistos como uma demanda além de penal, que, portanto, deve
envolver componentes educacionais e de assistência social.
A aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, sancionado em 1990,
estabelece uma nova visão jurídica e social do menor – para efeitos da lei, indivíduos
até 18 anos. Isto porque, embora a Constituição Cidadã de 1988 já garantisse o
Princípio da Prioridade Absoluta de menores, é o ECA que instrumentaliza, através
de mecanismos e preceitos, sua importância nas políticas públicas voltadas à
infância e à juventude.
Com base no Princípio da Prioridade Absoluta, o menor é um indivíduo em
desenvolvimento, o que o torna vulnerável. Desta forma, a destinação de recursos
deve ser privilegiada quando se trata de crianças e adolescentes, além disso, esses
indivíduos devem ter garantidos a primazia de atendimento nos serviços públicos e a
preferência na criação de políticas públicas.
Tanto a Constituição Federal quanto o ECA incubem à sociedade, à família e
ao Estado a efetivação de direitos a crianças e adolescentes, baseados no Princípio
do Melhor Interesse. Ou seja, através da inter-relação desses princípios, os menores
devem ter garantidos – mesmo em caso de ausência de atuação da família – os
direitos de proteção, evolução, transmissão de afeto e acolhimento; isto para que,
lhes seja ofertado um ambiente que permita bom desenvolvimento biopsicossocial.
Neste ambiente jurídico de garantia de direitos, estão incluídos também
crianças e adolescentes que tenham praticado atos infracionais. De acordo com o
artigo 28 da Constituição Federal, menores são penalmente inimputáveis, isto
porque, mesmo que cometam um injusto penal não possuem arsenal de consciência
suficiente para serem considerados culpados. Assim sendo, em caso de ato
infracional, à criança ou ao adolescente devem ser aplicadas medidas
socioeducativas – por exemplo, advertência e, em casos mais graves envolvendo
adolescentes, internação.
Contudo, adolescentes submetidos à internação ou em regime de semi-
liberdade, por muitas vezes, são expostos a instituições em situação precária. O mau
gerenciamento do dinheiro destinado as crianças e os adolescentes, agregado
também o despreparo corporativo despertam questionamentos. Assim, discute-se o
processo de reintegração social no adolescente infrator submetido a medidas
socioeducativas, analisando os meios de ressocialização.
Por conseguinte, sob respaldo do Estatuto da Criança e do Adolescente, o
presente artigo tem por objetivo avaliar o impacto do ambiente de cumprimento de
medidas socioeducativas no processo de ressocialização do menor infrator. É
apresentada uma evolução histórico-normativa de prática de atos infracionais por
adolescentes. Em seguida, são elencadas as medidas socioeducativas previstas no
Estatuto da Criança e do adolescente e discutidos os critérios para a determinação
de tais mediadas.
Ainda, é apresentada uma evolução histórico-normativa do local destinado ao
cumprimento da mais grave das medidas socioeducativas, internação. Após,
investigam-se as adversidades encontradas no Centro Socioeducativo Padre Otávio
Santos, o Lar do Garoto, do Estado da Paraíba. Foram dados coletados
bibliograficamente em canais governamentais, no tocante a garantia de direitos.
A escolha pelo foco no ambiente de internação se dá pela compreensão de
vulnerabilidade do menor infrator, como um ser em desenvolvimento – e por muitas
vezes fragilizado por outras demandas sociais –, quando submetido a ambientes
insalubres e inadequados e pelo entendimento da importância do local de convívio
no processo de formação de um cidadão de direitos e deveres.
Este tema tem relevância social ao se considerar que estes menores, no
momento de cumprimento de medidas de internação, estão sob responsabilidade do
Estado. Avaliar até que ponto tem sido negados ou relativizados os direitos destes
menores permite o alerta para quais medidas podem ser adotas para que
efetivamente estas sejam medidas socioeducativas e não punitivas ou torturantes.
Lutar pela garantia de um local digno de cumprimento de medida de socioeducação
é uma forma de favorecer a reintegração desse menor a sociedade de forma ativa,
permitindo que a reincidência não seja a única opção enxergada.
Assim sendo, a pesquisa foi conduzida por análise do estabelecido pelo ECA,
da regulamentação através do SINASE e levantamento bibliográfico sob o tema;
como forma de trazer uma análise jurídica-legal, mas também permitindo a
problematização de como, na prática, este processo têm acontecido.

2 PRÁTICA DE ATOS INFRACIONAIS POR MENORES: EVOLUÇÃO HISTÓRICO-


NORMATIVA
As sociedades buscam, no transcorrer dos séculos, punir atos que de algum
modo dificultem o convívio comunitário. Quando estes eram praticados por infantes
foi comum ao longo da história há diferentes modos de punir, principalmente em
relação a idade do indivíduo.
O Direito Romano, através da distinção entre púberes e impúberes, foi
percursor no estabelecimento de legislação penal mais branda a menores, sendo o
exame físico do órgão genital o método de caracterização mais utilizado. De modo
geral, as penas variavam de reparação do dano a açoite e eram considerados
prontos a receber punição aqueles já biológica e fisicamente capazes de procriação;
cabendo a inimputabilidade total àqueles menores de 7 anos (OLIVEIRA, 2003).
Acredita-se que foi o Código Francês, de 1971, que iniciou um processo
contemporâneo de olhar além da punição, nos casos de menores infratores. Isto
porque defendia a reeducação e atenuação de penas para estes indivíduos. Contudo
a ideia de jornadas de trabalho compensadoras, por exemplo, atuasse apenas como
uma falsa ideia de compensação moral e resultasse em submissão dos menores a
condições sub-humanas e favorecesse a reincidência no crime (SILVEIRA, 1985
apud OLIVEIRA, 2003).
O percurso legislativo brasileiro, no entendimento de como lidar com os casos
de menores infratores, desenvolveu-se de forma historicamente semelhante, embora,
comparativamente, seja marcado pela lentidão no entendimento e na execução de
legislação específica para tratar destes casos.
A situação de crianças e adolescentes que praticavam crimes começa a
preocupar a sociedade a partir da entrada em vigor da Lei Áurea3, em 1888. Isto
porque muitos menores passaram a viver nas ruas, em situação de alta
vulnerabilidade social; aumentando consideravelmente o número de registros de
pequenos furtos, principalmente nas grandes cidades do Império, realizado pelos
menores, para sobrevivência (LONDOÑO, 1991 apud OLIVEIRA; ASSIS, 1999).
Aprovado pelo Decreto no 847, de 11 de outubro de 1890, o Código Penal da
República dos Estados Unidos do Brasil, defendia que não era considerado
criminoso qualquer indivíduo menor de nove anos completos e aqueles entre nove e
quatorze anos que cometessem infração sem discernimento. Aqueles considerados
conscientes de suas ações deveriam ser recolhidos a estabelecimentos disciplinares

3
Lei nº 3.353 de 13 de maio de 1888 que extinguiu a escravidão no Brasil
industriais (BRASIL, 1890). A partir deste ponto histórico é possível perceber que na
legislação brasileira o processo de socioeducação passa a sempre considerar o local
de cumprimento das medidas.
A primeira legislação especial para crianças e adolescentes, no Brasil, foi
promulgada através do Decreto no 17.943-A de 1927, o Código de Menores Mello
Matos. Este Código representou, à época, um avanço, por acabar com a
prerrogativa de tratamento igualitário de condenação e prisão entre menores e
adultos, além de instituir a existência do Juiz de Menores – responsável por
centralizar as decisões nestes casos -; contudo, também reflete os conflitos sociais
da época (CAVALCANTE; CAMPOS, 2016).
Isto porque era caracterizado pela discriminação entre crianças e menores, em
uma visão higienista marcada pela ideologia repressiva e encarceradora
(CAVALCANTE; CAMPOS, 2016). Eram considerados menores os que cometiam
delitos, sendo os de zero a quatorze anos inimputáveis e os que tivessem entre
quatorze e dezoito anos submetidos a processo especial (ZANELLA; LARA, 2015).
A visão higienista do Código pode ser justificada porque ele excluía a necessidade
de cometimento de delito para recolhimento institucional, passando a incluir menores
abandonados ou em situação de vulnerabilidade que pudesse induzir à delinquência;
em, teoricamente, uma visão de proteção social do sujeito (ZANELLA; LARA, 2015),
mas na prática uma visão de preservação das aparências elitistas das metrópoles.
O incômodo causado pelos menores que cometiam delitos – principalmente,
por sua situação de abandono e vulnerabilidade social – foi grande objeto de estudo
para autores dessa época que relatavam a situação caótica que essas crianças
viviam. Nesse sentido,

O que se faz necessário é uma urgente providência da polícia e do


Juizado de Menores no sentido da extinção desse bando e para que
recolham esses precoces criminosos, que já não deixam a cidade
dormir em paz o seu sono tão merecido, aos institutos de reforma de
crianças ou às prisões (AMADO, 1984, p.11).

As diversas mudanças político sociais no Brasil e internacionais, motivaram,


em 1979, a aprovação – através da Lei 6.697/79 – de um novo Código de Menores.
Tanto o Código Mello Mattos (1927) quanto a citada Lei (1979) revelam uma nova
percepção social de necessidade da intervenção estatal sobre a questão da infração
de menores, contudo, esses códigos punham em segundo plano a prevenção dos
atos; focando na assistência, proteção e vigilância (ESTEVES, 2016).
Dentre as maiores características do Código sancionado em 1979 estava a
vinculação da ressocialização ao encarceramento, muitas vezes em situações
indignas (LAGO, 2015). Além disso, embasava-se na ideia de situação irregular, que
de modo genérico considerava a criança e/ou adolescente carente ou delinquente
como foco de processo doutrinador. Não havia, portanto, concepção do Princípio de
Melhor Interesse, de modo que, não havia preocupação de manutenção dos vínculos
familiares e sociais (SALGUEIRO, 2018).
Neri e Oliveira (2010, apud ESTEVES, 2016), citam que os códigos de
menores embora trouxessem um ideal de inovação tratavam os menores como
objetos de direitos e não sujeitos de direitos. Ou seja, legalmente, mesmo havendo
os preceitos de proteção e assistência estes indivíduos eram vistos como seres a
serem tutelados e sobre quem alguém – Estado e/ou família – deveria exercer poder.
O Código de Menores de 1979 foi legalmente substituído pelo o Estatuto da
Criança e dos Adolescentes (ECA). Aprovado em 1990, o Estatuto da Criança e dos
Adolescentes é fruto da construção conjunta da sociedade civil, da comunidade
acadêmica e da militância política. Resulta de reflexões interdisciplinares e é focado
no cuidado e na emancipação de crianças e adolescentes, representando a nova
visão da criança cidadã, expressa deste a Constituição Federal de 1988 (KRAMER;
NUNES; PENA, 2020).
O ECA estabelece ainda o papel da sociedade na garantia de direitos de
menores, passando de expectadora das decisões de Juiz de Menores a participante
ativa e decisiva na solução de problemas que envolvam menores de idades. Neste
contexto, inclui-se o Conselho Tutelar, que tem como função proteger a criança
sempre que haja ameaça ou violação de seus direitos.

3 O PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO PARA O ADOLESCENTE INFRATOR


COM BASE NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O entendimento dos princípios-base defendidos pelo ECA é essencial para a


compreensão da problemática em torno do processo de ressocialização no Brasil,
principalmente, em regiões do interior como é o caso da realidade em Campina
Grande, Paraíba. Isto porque, mesmo trinta anos após sua aprovação ainda persiste
imenso abismo entre a teoria legal e sua real efetivação.
Como já citado, a Constituição Federal de 1988 e o ECA instituem a
concepção de que crianças e adolescentes são cidadãos e que, por isto, devem ter
garantia de direitos como vida, saúde, educação, alimentação, profissionalização,
dignidade e respeito. Baseado em Neri e Oliveira (2010), os menores passam a ser
sujeitos de direitos que embora tenham deveres, também possuem vontades e
gozam de direitos. A base do ECA é defender a vulnerabilidade dos menores. Para
o Estatuto crianças, de 0 a 12 anos completos; e adolescentes, de 12 a 18 anos, são
sujeitos peculiares por estarem em fase de desenvolvimento psicossocial; e por
serem mais vulneráveis a situações de risco e abandono devem ter equitativamente
mais atenção nas políticas públicas (MONTE et al., 2011).
Através de seu artigo 104, o Estatuto regula a inimputabilidade de menores,
também prevista no Código Penal. Diferentemente do que acontecia no Código Mello
Matos, o ECA defende uma inimputabilidade de caráter absoluto, ou seja, é
considerado apenas o desenvolvimento biológico/etário, não existindo exceções.
Assim sendo, entende-se que menores de dezoito anos são incapazes de entender o
caráter de ilicitude de infrações cometidas (CHAVES, 2010).
É considerado adolescente em conflito com a lei o indivíduo entre 12-18 anos
que comete ato infracional. Só podendo ser caracterizado infrator quando violou
legislações que caracterizem crime ou contravenção penal; lhe foi atribuído ou
imputado o cometimento de ato infracional; e quando após processo, com respeito às
garantias, o adolescente é considerado responsável (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA,
2006).
Dentre as garantias processuais estão o pleno e formal conhecimento da
atribuição do ato infracional; igualdade na relação processual; defesa técnica por
advogado; assistência judiciária gratuita e integral, caso necessário; direito de ser
ouvido pessoal por autoridade competente e de solicitar a presença de pais ou
responsáveis em qualquer fase do procedimento (BRASIL, 1990).
Há ainda a necessidade de que os atos infracionais sejam avaliados como
resultantes de diversos fatores. O tipo de ato infracional cometido, assim como, a
gravidade e reincidência são considerados na decisão de qual medida
socioeducativa deve ser aplicada (COELHO; ROSA, 2013). O ECA prevê a
possibilidade de seis medidas de socioeducação, a saber: advertência, obrigação de
reparo do dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção
em regime de semiliberdade; ou internação em estabelecimento educacional
(BRASIL, 1990).
Independente da medida socioeducativa aplicada, devem ser garantidas a
escolarização e a profissionalização, o respeito a identidade e a singularidade do
adolescente (MONTE et al., 2011). Deste modo, há a garantia legal de que a
concepção não deve ser apenas de sanção legal; mas, conectado aos Princípio de
Melhor Interesse e de Prioridade Absoluta, assim como, no entendimento do
adolescente como ser vulnerável, as medidas socioeducativas devem favorecer o
processo de educação e ressocialização.
Por considerar a importância do convívio comunitário o Estatuto privilegia
medidas desenvolvidas em comunidade. No mesmo sentido, por considerar a
importância da família no processo de socioeducação, o ECA prevê medidas a
serem aplicadas a pais ou responsáveis de adolescentes infratores. Dentre as quais
destacam-se a inclusão em programas de auxílio, orientação e tratamento a
dependência; encaminhamento para tratamento psicológico ou psiquiátrico;
obrigação de matricular o menor e acompanhar sua frequência e aproveitamento
escolar e obrigatoriedade de encaminhar menor a tratamento especializado
(BRASIL,1990).

3.1 As medidas de Semiliberdade e de Internação em estabelecimento


educacional

O Regime de Semiliberdade pode ser implantado desde o início do


cumprimento da medida ou como etapa de transição para o regime aberto;
permitindo que atividades externas sejam realizadas independente de autorização
judicial. Para esta medida o ECA não determina prazo de aplicação (BRASIL, 1990).
Neste regime, o adolescente retorna ao estabelecimento de internação
durante a noite; por isto, o local deve ter boa estrutura física com espaços
adequados para alimentação e convivência. Ademais, devem ser ofertadas ações de
educação – crítica, que propicie o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades,
além de, objetivar a construção de uma crença de que é possível mudar -,
aprendizado profissional, saúde, noções de higiene e outras coisas necessárias para
o desenvolvimento saudável (MONTEIRO et al., 2011).
Por ser uma medida rigorosa de privação de liberdade, a internação deve ser
aplicada como última possibilidade de sócio educação, apenas quando outras
medidas não podem ser aplicadas (ANDRADE, 2014). O ECA prevê em seu Artigo
121 que a internação deve estar sujeita aos princípios da brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. E
só deve ser aplicada quando o ato infracional foi cometido mediante grave ameaça
ou violência a pessoa, reincidência de infração grave ou quando houver
descumprimento reiterado e sem justificativa de medida anterior (BRASIL, 1990).
A internação, em termos legais, não pode exceder três anos; de modo que, ao
se atingir este limite o adolescente deve ser colocado em regime de semiliberdade
ou de liberdade assistida. Devendo ainda a manutenção da medida ser reavaliada a
cada seis meses, sendo, entre outros, garantidos os direitos de ser tratado com
respeito e dignidade; permanecer internado em local próximo do domicilio de pais ou
responsáveis; e a contactar diretamente representante do Ministério Público e
peticionar contato com qualquer autoridade, além de, receber sobre sua situação
processual sempre que solicitar (BRASIL, 1990).
O local de internação ou cumprimento da medida de semiliberdade assume no
ECA papel de destaque, estando diretamente ligado aos direitos dos adolescentes
privados de liberdade. Além disso, o ECA estabelece que é dever do Estado zelar
pela integridade física e mental dos internos, podendo, quando necessário, adotar
medidas de contenção e segurança.

4 EVOLUÇÃO HISTÓRICO NORMATIVA DO LOCAL DE INTERNAÇÃO PARA


CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Através do decreto n° 21.518, de 13 de junho de 1932 – portanto, ainda sob


vigência do Código Mello Matos – foi aprovado no Brasil o regulamento do Instituto
Sete de Setembro; destinado a recolher em depósito, por ordem do Juiz de Menores,
menores abandonados e delinquentes. O decreto previa que houvesse separação
entre meninos e meninas com turmas organizadas com base na idade. O
adolescente acolhido pelo instituto ficava durante oito dias em processo de
observação, sendo proibido de receber visitas e isolados dos demais menores; além
de que, era privado de manter sobre seu domínio bens pessoais como roupas ou
pertences de valor (BRASIL, 1932).
Em 5 de novembro de 1941, foi elaborado o Serviço de Assistência a Menores
(SAM) pelo decreto n° 3799, que tinha por finalidade de sistematizar e orientar os
serviços de assistência a menores desvalidos e delinquentes, internados em
estabelecimentos oficiais e particulares, aplicação prevista em seu artigo 2°.
As instalações físicas dos institutos eram inadequadas. Sendo comum que os
menores fossem amontoados em situações inóspitas, além disso, problemas como o
despreparo e a omissão de técnicos e dirigentes; sendo frequentes os
espancamentos. Alguns juízes passaram a condenar o SAM como fábrica de
delinquentes, escolas do crime, lugares inadequados, sistema desumano, ineficaz e
perverso (FALEIROS, 2005).
Frente a esse descaso e com o intuito de mudar a situação, foi criada, em
1964, a Fundação de Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e as instituições executoras,
as Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor (FEBEM). Ambas tinham como
finalidade criar e pôr em prática as políticas de bem-estar de menores em situações
de vulnerabilidade, principalmente. Contudo, na prática não representaram
rompimento no modelo vigente até então.
A FUNABEM foi extinta pelos mesmos motivos que o SAM o fora: condições
físicas insalubres e inadequadas e maus-tratos sofridos pelos menores internos nas
unidades oficiais, que iam desde a violência física, estupros, uso de psicotrópicos e
toda sorte de ações resultavam no comprometimento da individualidade e da
capacidade de pensar crítico dos menores (LUPPI, 1987; ALTOÉ, 1990).
Atualmente, além de todas as leis vigentes que versam sobre menores - como
o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal –, Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e o Conselho Nacional
de Direitos de Crianças e Adolescentes (CONANDA); em 2012 a Presidente Dilma
sancionou a Lei 12.594, que institui o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE). Um progresso imenso para o sistema socioeducativo, pois
além de abranger um caráter jurídico, compreende também os atributos
administrativos e financeiros, incluindo os sistemas estaduais e distritais.
No artigo 1º, § 1o da Lei do SINASE ficam claros os deveres das instituições e
de cada ente federativo. A União passa a ser a maior responsável pela condução do
sistema, através da formulação e coordenação da política nacional de atendimento
socioeducativo, da assistência financeira e da avaliação do sistema. Os estados,
distritos e municípios devem criar, desenvolver e manter os programas de execução
das medidas (BRASIL, 2012).
Contudo o Relatório do Conselho Nacional do Ministério Público, em 2019,
alerta para o fato de a União ainda não ter efetivamente participado do custeio e
financiamento das ações, limitando-se ao cofinanciamento para a construção de
alguns centros socioeducativos. Ou seja, a União tem ajudado as gestões estaduais
apenas pontualmente, no repasse de recursos para estruturação física e, depois, não
auxilia com as despesas de custeio e manutenção: pessoal, alimentação,
transportes, reformas, atividades pedagógicas, saúde e tudo o mais que é necessário
para a oferta continuada do atendimento socioeducativo (CONSELHO NACIONAL
DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2019).
Considerando a legislação vigente, os locais para cumprimento dos regimes
de semiliberdade ou internação devem cumprir com requisitos estruturais e
organizacionais, assegurando os direitos dos menores. Quanto à estrutura devem
ser edificados de forma totalmente independente de estabelecimentos penais e
contar com alojamentos em boas condições de higiene e salubridade.
Quanto a organização técnica, devem existir recursos humanos e estratégias
de segurança compatíveis com as necessidades da unidade e regimento interno
claro quando ao funcionamento da entidade – incluindo atribuições e
responsabilidades dos membros da equipe e educadores, medidas disciplinares e de
concessão de benefícios. Além disso, a direção da unidade pode adotar,
excepcionalmente, medidas de proteção de interno – caso haja risco à integridade
física do interno ou de outrem – desde que haja comunicação imediata ao Ministério
Público e ao responsável do menor (BRASIL, 1990; BRASIL, 2012).
Dentre os direitos dos menores em internação que envolvem diretamente o
local de internação, somados aos anteriormente citados, estão: ter acesso a objetos
necessários para higiene e asseio pessoal; receber escolarização e
profissionalização; receber visitas, ao menos, semanalmente, ter acesso a meios de
comunicação social e comunicar-se com familiares e amigos; realizar atividades
culturais, esportivas e de lazer; receber assistência religiosa, caso deseje, sendo
respeitada sua crença; e ter sob sua posse seus objetos pessoais, com garantia de
que haja local seguro para que sejam guardados (BRASIL, 1990).
Conclusivamente, entende-se que atualmente, com base em diversos
dispositivos legais, o local de cumprimento das medidas de sócio educação em
regime de semiliberdade ou internação deve ser capaz de garantir a preservação de
direitos a menores infratores. Principalmente, porque o período de cumprimento de
medidas socioeducativas deve ser visto como um processo educativo e que propicie
a ressocialização deste sujeito e não como punição ou tortura de qualquer natureza.

5 PERFIL DOS ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS


SOCIOEDUCATIVAS

Os dados advindos dos sistemas de informação são importantes para o


planejamento de medidas preventivas, através do conhecimento profundo do perfil
dos internos e, consequentemente, das vulnerabilidades a que são expostos. Além
disso, comprovam o abismo entre a teoria da legislação e a efetivação de direitos a
todos os menores, como previsto.
Volpi (2005), ao analisar 4.245 crianças e adolescentes privados de liberdade
em 26 estados no ano de 1996, destacou a relação entre pobreza e trabalho infantil
de crianças e adolescentes, 52,6% não trabalhavam, 47,3% trabalhavam, mas só
6,8% possuíam carteira assinada. Destes, 96,6% não concluíram o ensino
fundamental, a faixa etária varia dos 12 (1,2%) aos 18 anos (82,2%). Os usuários de
drogas contam 53% contra 47,7 de não usuários. A maioria das ocorrências é de
roubo (33,4%), seguido de furto (23,8%), latrocínio e homicídio possuem números
menores, porém crescentes.
Levantamento Anual do SINASE em 2017, realizado em todos os estados e
no Distrito Federal, analisou a gestão estadual no processo de socioeducação e na
política de condução das unidades. Seus resultados apontam um aumento
progressivo no número de adolescentes em atendimento socioeducativo quando
avaliados os períodos de 2013 a 2017, contudo, houve diminuição no número de
internação e aumento no número de medidas de semiliberdade na série histórica.
O Levantamento Anual do SINASE em 2017 trouxe ainda pela primeira vez
dados sobre adolescentes LGBTIs. Apenas os estados do Acre, Alagoas,
Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais Paraíba e Rio Grande do Norte
divulgaram dados que contabilizam esses adolescentes. O Artigo 35, inciso VIII do
Estatuto da Criança e do Adolescente, garante a não discriminação do gênero do
adolescente. Nesse sentido, o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo
(2013) dispõe em suas diretrizes e eixos operativos sobre a garantia do direito à
sexualidade dos e respeito à dignidade sexual dos adolescentes socioeducativos.

Atualmente a questão da retificação de nome de registro de pessoas


transexuais se configura como um importante desafio colocado ao sistema
judiciário, pois na medida em que há pouco estudos e experiências práticas
envolvendo o assunto, a tendência, tem sido, esbarrar com entendimentos,
salvo algumas exceções, que atrelam a identidade de gênero ao sexo
biológico (VASCONCELOS; OLIVEIRA,2015). Até novembro de 2017,
existiam 17.811 adolescentes cumprindo medidas de internação no país e
2.160 em regime de semiliberdade, com maior prevalência de indivíduos do
sexo masculino e de cor não especificada e parda. Sendo a Região Nordeste
a com maior número de adolescentes em medida de socioeducação; nesta
região prevaleceram os atos infracionais de roubo, homicídio e latrocínio
(BRASIL, 2019).

No Estado da Paraíba, em 2017, o número de internos era de 434


adolescentes; enquanto existiam 23 em regime de semiliberdade; sendo o sexo
masculino e a idade entre 16-17 anos os mais comuns. Pode ser destacado a queda
no número atos infracionais no estado entre 2014-2017. Além disso, o relatório
aponta que me 2017 ocorreram 7 óbitos em unidades socioeducativas no estado,
sendo, portanto, o segundo estado no país com maior número de óbitos em unidades
– ficando atrás apenas do estado de Pernambuco (BRASIL, 2019). Todas estas
mortes ocorridas no estado da Paraíba aconteceram em uma única unidade,
conforme detalhado na seção posterior.
Assim sendo, os dados aqui apresentados apontam para um perfil de
vulnerabilidades entre os adolescentes infratores; com predomínio de situações de
pobreza; sendo indivíduos do sexo masculino e de cor parda os mais expostos as
medidas de privação de liberdade. Ademais, os dados do Nordeste e da Paraíba
revelam uma interiorização da violência juvenil, principalmente, de crimes
patrimoniais – que tendem a ser ligados a sobrevivência individual ou familiar; e o
número de óbitos em unidades de internação paraibanas pode indicar as
consequências dos problemas nas instituições e a falha do Estado na garantia de
zelo por esses adolescentes.
6 O LAR DO GAROTO: A REALIDADE DE UMA UNIDADE DE INTERNAÇÃO NO
INTERIOR DA PARAÍBA

No estado da Paraíba, com a vigência da Lei Federal 8.69/90, o ECA, a lei


5.743 em 1993 alterou o nome da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor Alice
de Almeida (FEBEMAA) para Fundação Desenvolvimento da Criança e do
Adolescente Alice de Almeida (FUNDAC). A FUNDAC é responsável por coordenar e
assessorar, no estado, o atendimento de adolescentes que cumprem medidas
socioeducativas (GOVERNO DA PARAÍBA, 2020).
O Centro Socioeducativo Lar do Garoto Padre Otávio Santos, leva o nome de
um homem que dedicou a sua vida ao trabalho educativo com menores, buscando
desviá-los da conduta criminosa. Membro da igreja, a atenção suplicada ao estado
por essas crianças, era incansavelmente atendida por ele. Foi quem deu os primeiros
e principais passos para a construção do Centro Socioeducativo, tão indispensável
atualmente na região do agreste paraibano.
Situado na cidade de Lagoa Seca, interior do estado da Paraíba, abrange toda
a região metropolitana de Campina Grande e atua como unidade de internação para
adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação. Relatórios feitos
por órgãos de controle indicam que, desde a década passada, o centro é marcado
por problemas de ordem estrutural e organizacional; além de, conflitos de facções –
razão para reiterados pedidos de transferências feitos pelos internos (MAIOR, 2017).
Estes conflitos alcançaram estopim em junho de 2017. Após a fuga de seis
adolescentes, iniciou-se uma rebelião no local, com objetivo de atingir adolescentes
abrigados na área segura e isolada do centro. Esta área é reservada a jovens de
facções diversas, homossexuais, os “caguetas” – aqueles que de alguma forma
deduram companheiros -, e os acusados de praticarem ato infracional análogo a
estupro. A resposta dos agentes de segurança foi através de tiros e agressões. A
rebelião e sua forma de contenção resultaram na morte de 7 internos,
majoritariamente, queimados (OAB-PB, 2017).
Dois dias após a tragédia, o Comitê Estadual para Prevenção e Combate a
Tortura da Paraíba (CEPCT), o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CEDCA), o Conselho Estadual de Direitos Humanos na Paraíba
(CEDH), a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados da Paraíba
(OAB-PB), o Conselho Regional de Psicologia, a Defensoria Pública do Estado da
Paraíba e a Assembleia Legislativa da Paraíba, após receberem várias denúncias
sobre a tragédia, realizaram uma inspeção na unidade de internação (OAB-PB,
2017). O Relatório de Visita produzido pelas entidades envolvidas na inspeção,
revela irregularidades de natureza diversa, em uma análise embasada no ECA, no
que defende o SINASE, a legislação nacional e tratados internacionais.
Sumariamente, a unidade apresenta problemas de ordem estrutural,
técnica-organizacional, políticopedagógica e de saúde pública.
Estruturalmente, o local possuía: a) extrema superlotação, já que, abrigava
quatro vezes mais internos que sua capacidade; b) ambiente insalubre, com
presença de lixo amontoado, umidade e mofo nos alojamentos, ausência de
banheiros e material para higiene pessoal dos internos – a certo ponto, o relatório
cita que internos utilizavam pedaços de colchão como papel higiênico (Anexo A); c)
desestrutura para realização de atividades pedagógicas, com salas de aula sem
carteiras ou portas; ou ainda, alagadas; d) falta de ambiente próprio para realização
de refeições e para visitas íntimas, neste caso, para os internos que já possuem
algum tipo de vínculo marital.
O quesito técnico-organizacional é marcado, principalmente, pelo número
insatisfatório do corpo técnico, falta de profissionalização e fortalecimento de
vínculos e inabilidade do trabalho multidisciplinar e intersetorial. Havia falta de
seguranças, insatisfatória formação e número de agentes socioeducadores – com
suspeitas de facilitação da entrada de drogas e armas à unidade, além de relatos de
abusos de diversas naturezas -, baixo número de profissionais da assistência
psicossocial e jurídica e não integração entre as necessidades destes profissionais
com os de base da unidade – seguranças, gestores e agentes.
As inadequações estruturais e técnico-organizacionais conduzem, em certa
medida, às político-pedagógicas e de saúde pública. No campo políticopedagógico, a
equipe técnica não produzia o Plano Individual de Atendimento, assim como, a
unidade não possuía um Plano Pedagógico e Regimento Interno – que deve contar
com clara definição das medidas disciplinares e avaliação de funcionários. Há
citação de punição com redução do tempo de visitas dos familiares. Além disso,
embora houvesse relato e boa avaliação de cursos profissionalizante, há conflito
entre os horários de profissionalização e educação básica, impedindo a adesão dos
internos às duas modalidades.
Importantes aspectos podem ser considerados no campo da saúde pública, a
iniciar pela questão da superlotação de alojamentos, mas envolvendo outras áreas
da administração pública: a) ausência de tratamento de água, não havia, a tempo da
inspeção, plano claro de coleta, tratamento e distribuição de na unidade; além de
armazenamento inadequado da água para consumo (Anexo B); b) falta de
articulação com a Rede de Atenção à Saúde (RAS), com dificuldade de acesso as
Unidades Básicas de Saúde e acesso interno a serviços de assistência médica e
odontológica; c) falta de plano de ação em caso de necessidade de isolamento
sanitário, sendo encontrado interno com catapora compartilhando alojamento (Anexo
C).
De modo geral, é possível perceber a interação entre as inadequações de
diferentes naturezas, como uma cascata de problemas que resulta na dificuldade de
ressocialização destes internos, fazendo com que o cumprimento dos princípios de
brevidade, excepcionalidade e respeito à condição da pessoa em desenvolvimento
seja em muitos níveis descumprido.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve por objetivo avaliar o impacto do ambiente de cumprimento


de medidas socioeducativas no processo de ressocialização do menor infrator, com
foco no Centro Socioeducativo Lar do Garoto Padre Otávio Santos, situado no
interior do estado da Paraíba. Nesse sentido, foram empregadas análises
bibliográficas e documentais acerca da temática.
Constatou-se que o perfil dos jovens infratores no Brasil e, principalmente, nos
estados no Nordeste, caracteriza-se pela baixa escolaridade, vício em drogas e da
vulnerabilidade socioeconômica destes indivíduos que, embora não sejam
justificativas diretas dos seus delitos, demonstram pontos de atenção que devem
servir como base para as ações desenvolvidas pelo Estado, pela sociedade e por
parte da família.
Nota-se que os investimentos e as políticas desenvolvidas pelo poder público
em prol da ressocialização desse público são insuficientes, culminando em sérios
problemas, como infraestrutura precária, dificuldades de acesso à educação e aos
serviços de saúde. Nesse sentido, esse aglomerado de inconformidades pode gerar
consequências severas como, como o agravamento do quadro dos infratores, o
desencadeamento de violência nos centros de reabilitação e, em casos extremos, a
morte dos adolescentes.
Ao abordar o Lar do Garoto, foi possível identificar que as vidas de sete
jovens, sob custódia do Estado, foram ceifadas. Para além desses sinistros, há
registros de muitas outras irregularidades, que envolvem maus-tratos e tortura. Logo,
considerando a responsabilidade do Estado sobre a vida desses jovens, é impossível
não dispor sobre os órgãos responsáveis, assim como os gestores públicos, a culpa
por estas ações.
Ademais, ao considerar a crescente onda de violência envolvendo jovens, é
urgente a efetivação dos princípios legislativos, não devendo as medidas
socioeducativas serem encaradas como punição ou tortura, mas efetivamente, como
um caminho que conduza a ressocialização destes indivíduos, promovendo uma
concepção deles próprios e da sociedade de que é possível uma vida fora do crime.

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ANEXOS

ANEXO A – Colchões expostos na parte externo do alojamento.

Fonte: OAB-PB, 2017

ANEXO B – Adolescente com catapora junto com outros internos.

Fonte: OAB-PB, 2017


ANEXO C – Água armazenada em baldes na porta dos quartos.

Fonte: OAB-PB, 2017

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