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EU E A MINHA CARA DE MAU

Eu sempre acreditei que tivesse uma cara de mau.

Assim, tipo uma carranca social que sempre me protegia das pessoas na rua.

Muitas vezes vi gente trocando de calçada para não cruzar comigo.

Uma vez uma senhora entrou numa loja apressada quando me viu caminhando na direção
dela.

Para mim isso funcionava como um tipo de superpoder: - As pessoas me temiam.

Mas eu acho que eu estava errado. Na verdade, não era bem cara de mau que as assustava.

Há uns 3 dias fui ao supermercado. Na hora de passar no caixa as poucas coisas que escolhi,
cinco ou seis itens no máximo, a mulher do caixa pegou o saco de batatas, levantou no ar,
olhou para mim e falou secamente:

- Isso aqui vai dar uns vinte reais o senhor quer levar assim mesmo?

Fiquei meio assustado com a postura dela e falei que sim, que iria levar as batatas mesmo
custando quase vinte reais.

Aí ela pegou o potinho de fermento, olhou o preço e falou e disse com o rosto olhando para o
alto:

- Esse aqui está a por seis reais ,mas, ali na gôndola, na parte de baixo, têm alguns que vão
vencer a validade por esses dias e o preço está bem menor. Olha, tem alguns com até com
três reais a menos de diferença. O senhor não quer levar o outro mais barato não?

Já era provocação!

- Senhora, eu não quero um produto com prazo de validade curto!

- Ah, mas fermento não estraga não meu senhor. Leva o outro que é mais barato.

E ficou me olhando com um sorriso falso (isso eu conheço bem).

Para finalizar essa história, ela olhou as mercadorias todas esperando para serem passadas no
scanner, olhou para mim mais uma vez e, muito séria falou:

- Como é que o senhor pretende pagar isso tudo? Com cartão ou com dinheiro?

Isso até seria uma pergunta normal que os caixas fazem. O problema é que ela ainda não havia
passado nada. Esse tipo de pergunta se faz quando é informado o preço final.

- Vou pagar com cartão de débito. Obrigado.

Finalmente começou a passar a mercadoria pelo scaner.

Mas, como vocês sabem, eu sou um cientista social. Sim, e me valho dessa prerrogativa para
pesquisar, a todo instante, costumes, comportamentos divergentes e essa postura dela
significava algo. Perguntei:
- Desculpa, mas, porque a senhora me fez tantas perguntas sobre os valores das mercadorias
antes de passar no caixa?

Ela continuou a passar as compras e, sem olhar para mim, respondeu:

- O senhor não imagina o número de pessoas que desistem da compra na hora que eu falo o
valor. Me dá um trabalhão fazer o estorno de todas as mercadorias. Por isso que eu alerto as
pessoas.

A fala dela me tocou profundamente. Isso é um alerta para um problema. As pessoas estão
tendo dificuldade de pagar por aquilo que elas compravam regularmente. Os valores
aumentaram de tal de tal forma e tão subitamente, que as pega de surpresa na hora de pagar
a compra.

Ela respirou fundo e concluiu:

- Sabe senhor eu tenho um olho clínico e identifico rapidamente aquelas pessoas que vão me
dar trabalho aqui no caixa.

Dito isso, saí cabisbaixo, porque finalmente percebi que não tenho cara de mau: tenho cara de
outra coisa.

Bem que Bia me disse para fazer a barba e parar de usar essas camisetas surradas.

Por João Oliveira

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