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DEFICIÊNCIA E

INCLUSÃO ESCOLAR

2ª EDIÇÃO
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

Reitor: Prof. Dr. Mauro Luciano Baesso. Vice-Reitor: Prof. Dr. Julio César Damasceno.
Diretora da Eduem: Profa. Dra. Terezinha Oliveira.
Editora-Chefe da Eduem: Profa. Dra. Luzmarina Hernandes.

CONSELHO EDITORIAL EQUIPE TÉCNICA

Presidente: Profa. Dra. Terezinha Oliveira. Projeto Gráfico e Design: Marcos Kazuyoshi
Editores Científicos: Profa. Dra. Ana Lúcia Sassaka, Marcos Roberto Andreussi. Fluxo
Rodrigues, Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer, Editorial: Edneire Franciscon Jacob, Vania Cristina
Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva, Profa. Dra. Cecília Scomparin, Marinalva Aparecida Spolon Almeida.
Edna Mareze da Costa, Prof. Dr. Eduardo Augusto Marketing: Gerson Ribeiro de Andrade.
Tomanik, Profa. Profa. Dra. Larissa Michelle Lara, Comercialização: Paulo Bento da Silva, Solange
Prof. Dr. Luiz Roberto Evangelista, Prof. Dr. Márcio Marly Oshima, Luciano Wilian da Silva.
Roberto do Prado, Prof. Dr. Mário Luiz Neves de
Azevedo, Profa. Dra. Maria Cristina Gomes
Machado, Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima,
Prof. Dr. Raymundo de Lima, Profa. Dra. Regina
Lúcia Mesti, Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias,
Prof. Dr. Sezinando Luiz Menezes, Profa. Dra.
Valéria Soares de Assis.
Elsa Midori Shimazaki
Edilson Roberto Pacheco
(Organizadores)

DEFICIÊNCIA E
INCLUSÃO ESCOLAR

PREFÁCIO
Solange Franci Raimundo Yaegashi

2ª EDIÇÃO
Revisada e Ampliada

Eduem
Maringá
2018
Copyright © 2018 para os Autores.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor.
Todos os direitos reservados desta edição 2018 para Eduem.
Todas as informações da obra, ora publicada, como as marcas registradas, os logos, as imagens e
quaisquer outros conteúdos utilizados, são de responsabilidade dos autores.

Projeto gráfico/diagramação: Mari & Lene Digitações Ltda.


Capa: Edilson Roberto Pacheco – Sobre a capa: “A palavra ‘Deficiência’ está sobre um retângulo
deficiente, falta um pedaço nele. Deixei a palavra ‘ciência’ em destaque no ‘Deficiência. A palavra
´inclusão’ está parcialmente ‘incluída’, propositadamente. Os tons de verde são homenagem à cor do
teu nome ‘Midori’”. (Edilson Roberto Pacheco, 2012)
Revisão: Enilda das Graças Pacheco (1ª edição) Annie Rose (2ª edição)
Normalização: Mari & Lene Digitações Ltda.
Fonte: Garamond
Tiragem - versão impressa: 1.500 exemplares
Financiamento: MEC-FNDE

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


(Eduem - UEM, Maringá – PR., Brasil)

D313 Deficiência e inclusão escolar / Elsa Midori Shimazaki ,


Edilson Roberto Pacheco (organizadores). – Maringá :
Eduem, 2018, 2 ed. Revisada e ampliada.
284 p. : Il., tabs., fotos (color).

Vários autores.
ISBN 978-85-7628-574-8

1. Inclusão escolar. 2. Atendimento Educacional


Especializado. 3. Surdez. 4. Deficiência intelectual. 5.
Deficiência física. 6. Tecnologia assistiva. 7. Família. I.
Shimazaki, Elsa Midori. II. Pacheco, Edilson Roberto, org.
III. Título.

CDD 21.ed. 371.9


Marinalva Aparecida Spolon Almeida (CRB 9-1094)

Editora filiada à

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá


Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá-Paraná - Fone: (0xx44) 3011-4103
www.eduem.uem.br - eduem@uem.br
DEDICATÓRIA

AO EDILSON ROBERTO PACHECO PELOS ANOS DE


COMPANHEIRISMO, CONVIVÊNCIA E PESQUISA.
COM MUITA SAUDADE.

MIDORI
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................... 11

CAPÍTULO 1
SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL EM PESQUISAS
Elsa Midori Shimazaki
Renilson José Menegassi
EDILSON ROBERTO PACHECO........................................................... 17

CAPÍTULO 2
FAMÍLIA E DEFICIÊNCIA
Miguel Cláudio Moriel Chacon ......................................................... 27

CAPÍTULO 3
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR
Leila Regina d´Oliveira de Paula Nunes
Catia Crivelenti de Figueiredo Walter
Carolina Rizzotto Schirmer................................................................ 45

CAPÍTULO 4
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO À PESSOA COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Elsa Midori Shimazaki
Nerli Nonato Ribeiro Mori................................................................ 79

CAPÍTULO 5
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES COMPLEXAS
DO PENSAMENTO E A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA
HISTÓRICO-CULTURAL
Dorcely Isabel Bellanda Garcia ......................................................... 97
CAPÍTULO 6
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO
PROFESSOR PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL
Esther Lopes
Maria Cristina Marquezine..................................................................115

CAPÍTULO 7
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO
DIA A DIA
Paulo Ferreira de Araújo
Rita de Fátima da Silva ........................................................................141

CAPÍTULO 8
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O
ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA
Márcia Aparecida Marussi Silva
Cristina Cerezuela
Sonia Maria Toyoshima Lima ............................................................165

CAPÍTULO 9
CARACTERÍSTICAS, ALTERAÇÕES MORFOFUNCIONAIS DA
DEFICIÊNCIA FÍSICA: LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES
Sonia Maria Toyoshima Lima
Márcia Aparecida Marussi Silva
Cristina Cerezuela ................................................................................187

CAPÍTULO 10
A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO NEONATAL PARA DIAGNÓSTICO DE
PROBLEMAS AUDITIVOS NA PRIMEIRA INFÂNCIA
Tereza Ribeiro de Freitas Rossi
Thaís Melo Seksenian ..........................................................................203

8
CAPÍTULO 11
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO DE
CRIANÇAS SURDAS
Ivani Rodrigues Silva
Aryane dos Santos Nogueira
Zilda Maria Gesueli ............................................................................. 219

CAPÍTULO 12
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS:
O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP
Josiane Fujisawa Filus
Paulo Ferreira de Araújo .................................................................... 237

CAPÍTULO 13
A FAMÍLIA E A CRIANÇA SURDA: ALGUMAS REFLEXÕES
Celma Regina Borghi Rodriguero
Solange Franci Raimundo Yaegashi.................................................. 261

SOBRE OS AUTORES............................................................................. 279

9
APRESENTAÇÃO

In memoriam
ao Prof. Dr. Edilson Roberto Pacheco

A publicação desta coletânea, em sua segunda edição


ampliada e revisada, tem por objetivo divulgar a experiência de
pesquisadores da Área de Educação Especial, construída ao longo de
suas carreiras. Nesse sentido, o livro Deficiência e inclusão escolar
apresenta contribuições relevantes e significativas sobre pesquisas
desenvolvidas por professores vinculados a várias Instituições de
Ensino Superior brasileiras, como: Universidade Estadual de
Maringá (UEM), Universidade do Centro-Oeste (Unicentro),
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Estadual
Paulista (Unesp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Universidade Adventista de Hortolândia (IASP), Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul (UFMS).
O livro é organizado em treze capítulos. No primeiro,
intitulado ‘Sobre educação especial em pesquisas’, Shimazaki,
Menegassi e Pacheco abordam as diferentes possibilidades de
pesquisa no campo da Educação Especial, enfocando a questão da
inclusão social.
O segundo capítulo, ‘Família e deficiência’, elaborado por
Chacon, enfoca as transformações na instituição familiar, discutindo
a deficiência no âmbito da família. Para o autor, há diferenças de
percepção dos vários membros da família sobre a deficiência. Tais
diferenças estão diretamente relacionadas ao grau de
comprometimento e visibilidade da deficiência, bem como à atenção
e à disposição interna de cada um para aceitá-la.
No terceiro capítulo, ‘Comunicação alternativa e inclusão
escolar’, Nunes, Walter e Schirmer discutem as dificuldades
enfrentadas por crianças e jovens que não possuem fala articulada,
bem como as dificuldades com as quais os professores se deparam
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

na prática pedagógica. Para os autores, a inclusão escolar do aluno


sem fala articulada envolve um trabalho conjunto de diferentes
profissionais. Além disso, defendem a necessidade de uma política
pública que garanta a formação inicial e continuada dos professores
para que possam refletir a respeito da prática pedagógica voltada
para o atendimento à diversidade do alunado.
No quarto capítulo, ‘Atendimento educacional especializado
à pessoa com deficiência intelectual’, Shimazaki e Mori enfocam as
transformações ocorridas em relação ao conceito de deficiência
intelectual. De acordo com as autoras, a forma de tratamento e a
educação oferecida as essas pessoas estão atreladas à concepção que
se tem deficiência. Contudo, as pesquisas atuais têm buscado
mecanismos para evitar a estigmatização desse público, uma vez que
a inclusão dos deficientes intelectuais, tanto nas escolas quanto nos
demais órgãos sociais, é de suma importância no contexto social
hodierno.
No quinto capítulo, ‘Aprendizagem e desenvolvimento das
funções complexas do pensamento e a deficiência intelectual na
perspectiva histórico-cultural’, Garcia aborda as contribuições de
teoria vygotskyana para a compreensão dos processos de
aprendizagem e desenvolvimento das funções complexas do
pensamento em pessoas com deficiência intelectual. Para a autora,
são inúmeras as dificuldades, tanto no âmbito escolar, quanto em
outros setores da sociedade, para se praticar a inclusão dos
indivíduos com deficiências. Contudo, apesar das contradições de
muitos discursos, a mídia tem mostrado experiências de inclusão de
pessoas cegas, surdas, com Síndrome de Down e com outras
necessidades educacionais especiais.
No sexto capítulo, ‘Grupo de estudo: contribuição na
capacitação do professor para a inclusão do aluno com deficiência
intelectual’, Lopes e Marquezine discutem o processo de formação
continuada de professores da rede estadual de ensino, enfocando a
importância do Grupo de Estudo. Para as autoras, os alunos com
deficiência intelectual estão inseridos na escola e esperam que, no
que tange ao processo de ensino e aprendizagem, algo seja feito por
eles, de modo que lhes sejam garantidos o ingresso, a participação e

12
APRESENTAÇÃO

o avanço a níveis mais elevados de ensino. Nesse sentido, o Grupo


de Estudo possibilita uma reflexão sobre a prática pedagógica,
permitindo aos educadores uma reflexão sobre as mudanças
necessárias para que a inclusão possa se tornar uma realidade.
No sétimo capítulo, Araújo e Silva, no texto ‘Aspectos gerais
da deficiência física e suas implicações no dia a dia’, enfocam a
questão das representações sociais sobre as pessoas com deficiência,
em particular as pessoas com deficiência física. Embora tenha
havido uma evolução conceitual do modelo médico para um modelo
educacional, no que se refere à forma como as pessoas com
deficiência física são tratadas, é necessário que haja, de fato, uma
intervenção nesse grupo, englobando, além das medidas
restauradoras, preventivas e de reabilitação, aquelas que direcionam a
um estado pleno de bem-estar e de conhecimento de si enquanto ser
no mundo. Assim, mesmo com a deficiência física, essas pessoas
precisam ter suas necessidades básicas atendidas, para tanto
necessitam ter autonomia e liberdade de ação.
No oitavo capítulo, ‘Recursos metodológicos e tecnologia
assistiva: o atendimento ao aluno com deficiência física’, Silva,
Cerezuela e Lima abordam os recursos metodológicos e a
implementação da tecnologia assistiva no ambiente escolar. De
acordo com as autoras, embora muitos alunos alcancem elevado
nível de compreensão receptiva da linguagem, apresentam
dificuldades acentuadas na fala e/ou na escrita, razão pela qual
precisam usar outras formas de sinalização e de códigos como meio
facilitador do processo de ensino aprendizagem e também para que
estabeleçam interação com os colegas e com o professor.
No nono capítulo, ‘Características, alterações
morfofuncionais da deficiência física: limitações e possibilidades’,
Lima, Silva e Cerezuela discorrem sobre a deficiência física, a forma
de aquisição da deficiência, as alterações muscoloesqueléticas, bem
como as limitações e as possibilidades de desenvolvimento do
processo ensino e aprendizagem. De acordo com autoras, para que o
professor possa realizar uma intervenção educacional adequada, ele
deve conhecer seus alunos, tanto no que se refere às características
pessoais, quanto à estruturação e construção do seu pensamento.

13
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

No décimo capítulo, intitulado ‘A importância da atenção


neonatal para diagnóstico de problemas auditivos na primeira
infância’, Rossi e Seksenian discutem a surdez e as alterações que
esta pode causar no desenvolvimento da comunicação oral. Para as
autoras, cabe aos profissionais da saúde, que atuam com bebês,
atentarem às causas, consequências e importância da prevenção da
deficiência auditiva, uma vez que o tratamento da surdez na infância
tem implicações muito sérias, que vão além do aspecto médico, já
que é o período em que a criança aprende a se comunicar e
compreender o contexto no qual está inserida.
No décimo primeiro capítulo, ‘Jogos educativos para o
processo de letramento de crianças surdas’, Silva, Nogueira e Gesueli
enfocam a importância dos jogos como recurso na construção da
leitura e da escrita. De acordo com as autoras, os jogos facilitam a
participação dos sujeitos surdos, a relação entre eles e o
enfrentamento de situações-problema que se colocam e precisam ser
resolvidas.
No décimo segundo capítulo, denominado ‘A inclusão
escolar na visão dos profissionais envolvidos: o caso do Município
de Hortolândia–SP’, Filus e Araújo discutem as formas de
atendimento realizado por diferentes profissionais às pessoas com
deficiência, nas áreas de educação, habilitação, reabilitação e
preparação para o trabalho. Os autores constataram que existe um
distanciamento entre os diferentes grupos de profissionais que
atendem crianças com necessidades educacionais especiais. Isto
provoca uma conduta de despreocupação ou isenção de
responsabilidade com o processo de inclusão.
Por fim, no décimo terceiro capítulo, ‘A família e a criança
surda: algumas reflexões’, Rodriguero e Yaegashi discorrem sobre as
reações da família diante do nascimento de um filho com surdez,
buscando compreender os psicodinamismos que se configuram
entre os membros da família e as formas de enfrentamento do
problema. A família, segundo as autoras, realiza a socialização
primária do indivíduo, ou seja, propicia-lhe a aprendizagem dos
papéis sociais, a formação da identidade social, enquanto que a
socialização secundária ocorre mais tarde, geralmente na fase escolar,

14
APRESENTAÇÃO

quando o indivíduo entra em contato com um grupo social mais


amplo. Portanto, a inserção social do indivíduo depende muito do
que aconteceu durante seus anos formativos, no contexto familiar.
Esperamos que os estudos e as reflexões contidos nesta obra
contribuam para o processo formativo de educadores, psicólogos,
psicopedagogos e fonoaudiólogos, fornecendo-lhes subsídios para
suas práticas profissionais.

Profa. Dra. Solange Franci Raimundo Yaegashi


Maringá, Junho de 2016
.

15
CAPÍTULO 1
SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL EM PESQUISAS
Elsa Midori Shimazaki
Renilson José Menegassi
Edilson Roberto Pacheco

Introdução

A educação especial é uma modalidade de educação escolar,


oferecida pelo sistema educacional, para o atendimento das pessoas
com necessidades especiais (BRASIL, 1996). São assim nomeadas as
pessoas que apresentam necessidades próprias e diferenças
acentuadas em relação aos demais alunos no domínio das
aprendizagens curriculares correspondentes à sua idade, sendo assim,
requerem recursos pedagógicos e metodologias educacionais
específicas.
Nos últimos anos as políticas de atendimento às pessoas com
necessidades especiais têm passado por transformações, dentre elas,
a que mais tem inquietado os professores e demais profissionais da
áreas afins, como a Psicologia, Fonoaudiologia e Linguística é a
questão da inclusão de todas as pessoas no ensino regular. Em 1994,
representantes de vários países se reuniram em Salamanca, Espanha,
e elaboraram uma declaração que recomenda que todas as pessoas,
independentemente das necessidades educacionais especiais, etnia,
gênero, origem cultural ou orientação de desejo sexual, ocupem os
mesmos espaços sociais e tenham acesso a todos os bens históricos e
culturais da sociedade.
Fundamentados na Declaração de Salamanca, os países que
se tornaram signatários começaram a discutir a inclusão, buscando
compreender, por meio de pesquisas, como ela poderia acontecer no
ambiente escolar. No Brasil a inclusão das pessoas com necessidades
educacionais especiais (NEE), tem sido discutida e legislada
amplamente, mostrando as tendências educacionais sobre o tema.
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Dentre várias pesquisas estão sendo elaboradas no pais, neste


volume, apresentamos algumas delas, que visam a apropriação dos
conhecimentos científicos pelas pessoas com NEE, em ralações
educacionais. Os resultados dessas pesquisas permitem entender
melhor como o processo de apropriação de conceitos científicos se
estabelece nessa população, levando a futuras pesquisas sobre
metodologias apropriadas ao trabalho em sala de aula a pessoas com
NEE.

Educação e Deficiência

A apropriação do conhecimento científico é a função


principal da educação escolar, como aponta Saviani (2000, p. 27) a
educação é o ato de produzir, de forma intencional e direta, em cada
indivíduo, “[...] a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto de homens”. A identificação dos
elementos da cultura que precisam ser assimilados pelos homens,
para se humanizarem é o objeto da educação, todavia, ao mesmo
tempo, é necessário buscar metodologias mais adequadas para atingir
esse objetivo, consideradas as diferenças que há entre as pessoas
com necessidades especiais e os ditos regulares. Assim, estabelece-se
a afirmação de que os conhecimentos científicos ensinados são os
mesmo, mas as abordagens são diferenciadas para essas duas
populações citadas.
Saviani (2000) alerta que é preciso aprender para pensar e
sentir, para querer ou avaliar e isso se faz por meio do trabalho
educativo. Dessa forma o conhecimento que interessa à educação é
aquele que vem do processo de aprendizagem e que é fruto do
trabalho educativo e social, o qual é a função da escola,
independente de ser o aluno regular ou com necessidades especiais.
Nesse aspecto, corroboramos com o autor e entendemos que a
escola, por meio dos instrumentos que os homens criaram e
desenvolveram durante a sua existência, tem a função de fazer com
que as pessoas se apropriem do conhecimento científico e produzam
conhecimento, considerados sempre seus limites próprios.

18
S OBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL EM PESQUISAS

Ainda para esse autor, a educação é própria dos seres


humanos. “[...] a compreensão dos seres humanos passa pela
compreensão da natureza humana” (SAVIANI, 2000, p. 17). O
homem necessita produzir continuamente a sua existência. “Para
tanto, em lugar de se adaptar à natureza, ele tem que adaptar a
natureza a si, isto é, transformá-la” (SAVIANI, 2000, p. 11). A
transformação se dá por meio da organização do trabalho, que
permite ao homem estabelecer a relação com os demais e com a
natureza de forma consciente. O desenvolvimento do trabalho
organizado é a condição para a humanização do homem,
provocando a transformação e o que se denominou hominização.
No processo de hominização, segundo Leontiev (1978), o homem
modificou a natureza e iniciou o desenvolvimento sócio-histórico,
superando assim, o desenvolvimento somente biológico. É preciso
que o homem se humanize, isto é, se aproprie da cultura produzida
pelo seu grupo, assim, cabe à escola auxiliar nessa apropriação,
principalmente no que se refere aos conceitos científicos, objetivo
maior do sistema escolar.
Para Saviani (2000), a escola identificaria a cultura e os seus
elementos, tentaria discernir o que é essência e o que é aparência.
Concordamos com o autor que a função da escola é ensinar o
conteúdo clássico, assim como os conteúdos que ajudarão o homem
a tornar-se humano. O termo ‘clássico’, aqui, é entendido como tudo
aquilo que resistiu ao tempo e aos modismos, configurando-se como
conhecimentos científicos primordiais ao desenvolvimento humano.
Na mesma linha de raciocínio, tendo o social como norte
principal, a educação é compreendida por Vygotsky (1999) como
influência e intervenção planejadas, com objetivos premeditados e
conscientes, nos processos de crescimento natural do organismo.
Portanto, a educação intervém nos processos de crescimento e os
orienta, o que nos leva a notar que a aprendizagem não é espontânea
e a função da escola é ensinar, sistematizar e permitir a apropriação
desses conhecimentos.
É por meio da educação que o indivíduo apropria-se das
experiências histórico-sociais, dos conhecimentos produzidos
historicamente e já existentes objetivamente no mundo no qual o

19
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

indivíduo convive. Dessa forma, hominiza e humaniza, tornando-se


humano.
Para a efetivação desse processo educacional, é necessário
que haja a mediação por meio de instrumentos e signos. Para
Vygotsky (1986), os instrumentos de trabalho fazem a mediação da
atividade humana, por sua vez, os signos mediatizam a atividade
psicológica. Para o autor, as funções psicológicas superiores são a
memória, a atenção, a percepção, o pensamento e a linguagem,
sendo que o trabalho pedagógico deve desenvolvê-las. Cabe ao
professor conhecer o desenvolvimento dos alunos, aquilo que seus
alunos já sabem, e propor situações que acionem positivamente as
funções mentais dos alunos e provoquem a criação de zonas de
desenvolvimento proximal, proporcionando condições para o seu
desenvolvimento.
Essa distinção entre as capacidades já consolidadas e aquelas
em processo de desenvolvimento foi feita por Vygotsky (1988), ao
discutir sobre a relação entre o aprendizado e o desenvolvimento.
Para o autor, podemos falar em desenvolvimento consolidado
quando referimos àquelas capacidades ou funções já internalizadas
que a pessoa é capaz de executar de forma independente e as que
estão em processo, são as chamadas zona de desenvolvimento
proximal. Essas capacidades podem ser consolidadas por meio de
intervenção pedagógicas e mediações sociais sobre os
conhecimentos científicos eleitos para serem apropriados.
A partir dessas considerações, a educação especial tem os
mesmos objetivos da educação como um todo, isto é, direcionar o
processo de aprendizagem a desenvolver as funções psicológicas
superiores para que os alunos se apropriem do conhecimento
histórico e social, permitindo-lhe os processos de hominização e
humanização.
A responsabilidade pela educação especial, devendo ser
oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, consta nos
artigos 203 e 208 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que
determina:

20
S OBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL EM PESQUISAS

[...] a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras


de deficiência e a sua promoção e integração à vida
comunitária é dever do Estado, assim como a garantia
à educação.
O dever do Estado com a educação será mediante a
garantia de: [...] III- atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL,
1988, p. 2).

Em 1996, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Base da


Educação Nacional que, em seu Capítulo V, artigos 58, 59 e 60,
delibera acerca da educação especial, definindo-a como “[...]
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos portadores de necessidades
especiais”. A lei preconiza que os sistemas de ensino devam
assegurar, aos alunos, currículo, métodos, recursos e organização,
específicos para atender as suas necessidades (BRASIL, 1996).
Essa modalidade de educação escolar perpassa todos os
níveis, modalidades e etapas de ensino oferecidos pelo sistema
educacional e tem como objetivo realizar o atendimento educacional
especializado às pessoas com deficiência, transtornos globais de
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, conforme
estabelece a Resolução 04 de 2009 (BRASIL, 2009). De acordo com
essa Resolução, a educação especial deve ser oferecida em forma de
atendimento educacional especializado preferencialmente em sala de
recursos multifuncionais ou em centro de atendimento especializado,
que têm como objetivo complementar e suplementar a educação
oferecida no ensino regular.
As salas de recursos multifuncionais têm expandido suas
implantações e atuações nas escolas especialmente da rede pública de
ensino, onde são trabalhadas as defasagens dos alunos com
deficiência intelectual, auditiva, visual, física, múltipla e
surdocegueira, assim como: transtornos do espectro autista,
transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos
invasivos sem outra especificação. Essas salas são espaços em que o
professor especializado atende esses alunos em período contrário ao

21
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

da escolaridade em sala regular, Para ajudar àquelas pessoas que, por


apresentar características diferentes da maioria, não se apropriam do
conhecimento científico somente na sala regular, no entanto, podem
tornar-se um receptáculo de qualquer dificuldade um pouco mais
acentuada que o sistema regular de ensino rejeita. Dessa forma, para
se tornar um espaço que cumpra a sua função de ‘complementar’ e
‘suplementar’ é necessária que seja feita uma avaliação criteriosa do
indivíduo e de suas necessidades especiais para que se efetive
adequadamente o encaminhamento para essas salas.
Outro aspecto a ponderar é que, muitas vezes, ao receber os
materiais que são auxiliares para o desenvolvimento das atividades
pedagogias em sala de aula, encaminhados pelo Ministério da
Educação, a escola não dispõe de espaço físico e, até mesmo, de
professores preparados e capazes de atender as diferenças dos
alunos. Portanto, é necessário que se viabilize espaço na escola, onde
todos possam ter acesso físico, para terem acesso ao currículo e seus
conhecimentos científicos.
A formação do professor em serviço também tem sido uma
preocupação constante, porque o especial da educação especial ainda
é pouco discutido nos cursos de formação inicial e o professor tem
encontrado alunos com características diferenciadas que exigem
alternativas de trabalho para acessar o conhecimento científico que
não se encerra ao longo da vida, não tendo sido preparado para isto.
Em 2011, a Presidência da República aprova o Decreto
7.611, que ratifica o atendimento educacional especializado às
pessoas com deficiência, transtorno global de desenvolvimento e
com e altas habilidades e superdotação, afirmando ser dever do
Estado a oferta de ensino gratuito “[...] ao longo da vida” (BRASIL,
2011a, p. 1). Todavia, em seu artigo primeiro, inciso VIII, assegura o
apoio técnico e financeiro às “[...] instituições privadas, sem fins
lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação
especial”.
O Decreto determina que, independente da idade, a pessoa
deve ser atendida, todavia, divide as responsabilidades do
atendimento com as instituições privadas de ensino, que atendem
exclusivamente alunos especiais. Ao rever a história do atendimento

22
S OBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL EM PESQUISAS

educacional às pessoas consideradas especiais, verificamos que a


maioria é feita em organização não governamental de caráter
filantrópico, segundo Ferreira (1998, p. 1), “[...] o acesso à educação
das pessoas deficiente é escasso e revestido de caráter de concessão e
de assistencialismo”. A concessão e o assistencialismo afastam-se da
educação legislada como direito de todos e do caráter científico que
ela deve ter.
Esse inciso foi interpretado como um retrocesso ao processo
à inclusão, contudo, o MEC/SECADI/DPEE, por meio da Nota
técnica nº 62/2011, esclareceu que

O apoio financeiro às instituições especializadas


mencionadas, referente ao atendimento de pessoas que
não estão matriculadas no ensino regular, destina-se,
especialmente, àquelas que se encontram fora da faixa
etária de escolarização obrigatória, em razão de um
processo histórico de exclusão escolar (BRASIL,
2011b, p. 1).

O apoio financeiro, por outro lado, poderia eliminar o


caráter filantrópico e fornecer uma educação com base científica,
pois todas as pessoas, independente da idade, têm direito de acessar
o conhecimento elaborado cientificamente e úteis à vida.
Ao ver tais contradições, corroboramos com Prieto (2004),
ao ressaltar que temos muitos desafios até conseguirmos acessar uma
educação de qualidade a todos. Um dos desafios, sem dúvida, é fazer
com que todas as pessoas, deficientes ou não, apropriem-se do
conhecimento escolar. Atualmente, a maioria das crianças entra e
permanece nas escolas, porém, um grande número não se apropria
do conhecimento científico adequadamente. De acordo com Brasil
(2013), cerca de 700 mil crianças chegam ao 6º ano do Ensino
Fundamental sem estarem alfabetizadas.
A escola, como parte da sociedade de classe, ainda exclui as
pessoas que nela não se adaptam. É necessário reorganizar o sistema
educacional e quando se trata de acessar o currículo, atendendo às
necessidades especiais dos alunos com deficiência, é necessário que
haja mudanças no projeto escolar, na atitude e na formação do

23
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

professor. Para isto, as pesquisas sobre a apropriação e o


desenvolvimento dos conhecimentos científicos nessa população são
imprescindíveis.
Entendemos que muitas são as mudanças necessárias para
um ensino de qualidade que responda às necessidades dos alunos,
principalmente os considerados diferentes nos padrões estabelecidos
pela sociedade, portanto, pesquisas e discussões precisam ser
realizadas. Dessa maneira, esta obra oferece um conjunto de
pesquisas sobre as deficiências em processos de inclusão escolar,
para auxiliar na reflexão à busca de uma educação com maior
qualidade no país aos portadores de necessidades especiais.

Considerações finais

A educação especial é uma área de conhecimento que precisa


de discussões e pesquisas certas e próprias, pois há ainda muitas
dificuldades, no sistema educacional brasileiro, em acessar o
conhecimento ao público alvo dessa modalidade de ensino. Para que
isso se efetive, é importante conhecer os fundamentos históricos e
legais e os pressupostos teóricos e metodológicos dessa modalidade
de ensino.
Para tanto, desejamos uma educação que não tenham caráter
filantrópico e assistencialista meramente, tanto em escolas especiais
como no ensino regular. Para isso teria que se efetivar a inclusão, tais
quais as propostas apresentadas nos documentos oficiais, porém,
não podemos nos esquecer que vivemos em uma sociedade de classe
e que a inclusão só vai ser possível quando todos tiverem, de fato e
de direito, as mesmas oportunidades de acesso ao bens culturais da
sociedade.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal. Diário Oficial


[da] União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em:
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26
Capítulo 2
FAMÍLIA E DEFICIÊNCIA
Miguel Cláudio Moriel Chacon

Introdução

Ao se recorrer às diferentes formas históricas assumidas pela


instituição familiar, percebe-se sempre uma busca de superação na
relação homem/mulher e, consequentemente, em sua constituição.
Desde a implantação da última forma de instituição familiar, a
monogâmica, até os dias de hoje, é notória a mudança nas funções e
na autoridade, tradicionalmente pré-determinadas, exercidas pelos
genitores ou membros responsáveis pelo núcleo familiar que se
forma, seja este baseado nos modelos anteriores de família ou nos
arranjos mais atuais. Desse modo, assiste-se, hoje, a uma transição
da família monogâmica para outra forma de instituição familiar cujo
arranjo, ainda sem denominação específica, é o que caracteriza a
família contemporânea.
De modo geral, mas nem sempre, essa família
contemporânea constitui-se de um homem, uma mulher e o(s)
filho(s), sendo que os pais não necessariamente são os genitores.
Essa família modificou-se em grande número de funções sociais e de
valores morais; é uma família em que os filhos (nem sempre
legítimos), desde cedo, passam a frequentar creches, escolas de
educação infantil ou instituições especializadas; uma família na qual
não apenas o homem é o provedor; uma família em que se percebe a
existência de um sentimento intergrupal, mas que não impede
relações e sentimentos extragrupais; uma família mediatizada pela
sociedade em todas as suas estruturas. Essa família, muito marcada
por alguns traços da família monogâmica no seu início, mas bastante
modificada já pelos meios de produção e reprodução, pela ciência,
pela tecnologia e pelos valores atuais de relacionamento, é a família
de hoje com a qual se trabalha (CHACON, 1995).
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Atualmente, discute-se não apenas as relações de poder entre


homens e mulheres, mas também as relações de poder entre pais e
filhos. Discute-se, na história, não apenas os direitos do homem ou
da mulher, mas também os direitos do(s) filho(s).
Uma família ‘saudável’, do ponto de vista psicológico,
caracteriza-se pela flexibilidade e troca de papéis entre seus
membros, enquanto que a marca de uma família ‘neurótica’ é a
rigidez ou a estereotipia dos papéis sociais que cada pessoa
desempenha e que, frequentemente, gera alianças simbióticas e
pactos ‘clandestinos’, que dificultam o envolvimento de todos e a
dinâmica das relações familiares (GLAT; DUQUE, 2003).
A família tanto pode ser ‘rede de apoio’ quanto ‘impeditiva’
no processo de desenvolvimento dos membros que a compõem,
sejam estes deficientes ou não. A dinâmica das relações familiares,
por serem estas mais transacionais do que fixas, muda na medida em
que se altera o número de seus membros, bem como suas funções
sociais e profissionais, levando-os a constantes processos de
adaptação, necessários à sua sobrevivência e à qualidade de vida
(QDV) de cada um dos seus membros e do grupo como um todo. A
saúde da família refletirá a QDV que levam seus membros e vice-
versa.
Apoiada no quadro conceitual construído por Woodili et al.
(2000), a QDV é entendida aqui como reflexo das condições de vida
desejadas por uma pessoa, nas quais os componentes ‘ser’,
‘pertencer’ e ‘tornar-se capaz’ foram divididos cada qual em três
subcomponentes, originando nove categorias distintas de avaliação,
definidas da seguinte maneira (WOODILI et al., 2000):

 ser: físico, psicológico e espiritual;


 pertencer: fisicamente, socialmente e comunitariamente;
 tornar-se capaz de: atividades práticas, atividades de
lazer e atividades de crença pessoal.

Apesar da importância que a sociedade concede à família,


sabe-se relativamente pouco sobre a dinâmica de suas relações, e
menos ainda quando um ou mais de seus membros possui algum

28
FAMÍLIA E DEFICIÊNCIA

tipo de deficiência. Os estudos a respeito da pessoa com deficiência


são muito mais numerosos do que os que enfocam a ‘dinâmica das
relações familiares’, sendo estas tão complexas, variadas e diferentes,
que tornam impossíveis as generalizações universais sobre sua
natureza e suas influências(POWELL, 1992).
Buscando dados científicos sobre a deficiência no âmbito
familiar, tomou-se por base a Revista Brasileira de Educação
Especial(RBEE), que apresenta relatos de pesquisas com temas
variados, entre eles, a família. No entanto, a maioria das pesquisas
em torno da família se concentra na análise de entrevistas ou das
falas de mães. Foi possível constatar a ausência total de trabalhos
publicados que tivessem como tema principal a figura paterna, e
quando o fazem, este é englobado à figura da mãe (utilizando-se a
terminologia genérica ‘pais’) e nunca separadamente. No que se
refere aos irmãos, a RBEE publicou, até 2009, três artigos sobre o
tema (MATSUKURA; CID, 2004; NUNES; AIELLO, 2004;
PETEAN; SUGUIHURA, 2005).

A mãe

Há, na literatura, uma vasta produção científica nacional cujo


objeto de estudo é a mãe de filhos com necessidades especiais
(CAMARGO; TOREZAN, 2004; CHACON, 1999; CUNHA;
ENUMO; CANAL, 2006; FROTA; OLIVEIRA, 2004;
MALASPINA; LAMÔNICA, 2004; MATSUKURA, 2007;
OLIVEIRA; MARQUES, 2005; OMOTE, 1980; e outros) e, em
geral, percebe-se que a relação mãe-filho deficiente exige
perseverança e atenção quanto ao aprendizado do filho acerca de
competências sociais, e, ao mesmo tempo, requer utilização de novas
formas de instrução, que não apenas o diálogo.
Niella (1993) convida a uma reflexão acerca da necessidade
que as mães têm de serem elas mesmas, sem o rótulo1 de mães
especiais, vistas muitas vezes como uma santa assexuada.
Estendendo essas reflexões para os outros membros da família,

1 Para Goffman (1988) esse rótulo é o estigma de cortesia que os membros da


família carregam.

29
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

igualmente importantes, especificamente o pai e os irmãos, verifica-


se que a autoestima e a vaidade nesses membros, muitas vezes,
chegam a ser prejudicadas ou mesmo esquecidas.
É comum a mãe tomar para si a atenção e o cuidado para
com seus filhos, pelo menos na primeira infância, pois a simbiose
nutricional iniciada com a amamentação requer mais a presença da
mãe que a do pai. Mannoni (1988), ao abordar a reação e a
percepção dos pais acerca do(s) filho(s) com deficiência, afirma que
é a mãe, muito mais que o pai, quem trava uma árdua batalha contra
a indiferença social. O pai é, geralmente, alguém omisso e cético
quanto à trajetória do filho deficiente, afastando-se do drama
familiar.
A tendência de olhar mais para a díade mãe-filho, segundo
Engels (1984), muito provavelmente seja fruto dos arranjos de
família por grupos, anteriores à condição monogâmica, em que não
se sabia com certeza quem era o pai de uma criança, mas se sabia
quem era a mãe. Para Shorter (1977), essa é uma tendência maior da
classe média, cuja necessidade de continuidade familiar favoreceu, no
final do século XVIII e início do século XIX, a primazia do amor
materno e a vida doméstica se construiu em torno desta díade.

O pai

A literatura tem mostrado que, de maneira muitas vezes


corporativa e pouco cuidadosa, tanto as mães quanto os
pesquisadores tem excluído o pai. As mães os excluem da
proximidade relacional com o próprio filho, e os pesquisadores os
excluem enquanto objeto de pesquisa (CHACON, 2010; CIA;
WILLIAMS; AIELLO, 2005; GLAT; DUQUE, 2003; MANNONI,
1988).
Apesar de a produção científica nacional ser ainda bastante
rara no que diz respeito ao pai, Glat e Duque (2003) contribuem
com uma obra intitulada Convivendo com filhos especiais: o olhar paterno.
Seguindo os procedimentos do método de história de vida, os
autores analisaram a dinâmica de ações e relações familiares a partir
dos depoimentos de 16 genitores masculinos, agrupados em quatro

30
FAMÍLIA E DEFICIÊNCIA

categorias temáticas: relações familiares cotidianas; visão do pai


sobre o filho especial; educação; e independência e integração social.
Além dessa obra, há a tradução de outras, igualmente importantes:
no livro intitulado Pais de crianças especiais: relacionamentos e criação de
filhos com necessidades especiais, Meyer (2003) convida 19 pais a falar
sobre a experiência de ter um filho especial e o quanto isso mudou a
vida deles, oferecendo uma perspectiva raramente divulgada sobre a
criação de filhos especiais; e Fournier (2009) publicou a obra
intitulada Aonde a gente vai, papai? em que relata sua vivência bastante
realística de pai de dois filhos com deficiência cognitiva.
A totalidade da responsabilidade em relação ao filho passa a
exigir o envolvimento direto do pai a partir da década de 1970,
evidenciando-se a redefinição dos papéis e a reorganização familiar,
momento em que se começa a reconhecer “[...] que os pais
desempenham papéis complexos e multidimensionais e que muitos
padrões de influência são indiretos. Além disso, cabe enfatizar que as
contribuições sociais da paternidade variam dependendo da época
histórica e do contexto cultural” (CIA; WILLIAMS; AIELLO, 2005,
p. 226).
Durante décadas, o pai desempenhou a função de provedor,
exercendo um modelo autoritário de relacionamento. Em
contraposição, na sociedade de hoje, o pai foi chamado a participar
do cuidado e da criação do filho, desempenhando uma função mais
holística de conhecimento e educação de seus descendentes, descrito
na literatura como a de ‘pai envolvido’, que é aquele que tem
disponibilidade emocional e contribui para a educação e o bem-estar
do filho, especialmente quanto ao desenvolvimento da sociabilidade
e da competência escolar (GOTTMAN; DECLAIRE, 1997).

Os irmãos

Powell (1992) fez análises pormenorizadas da relação fraterna


e coloca os irmãos como ‘agentes de socialização’, uma vez que, por
meio das interações longitudinais que estabelecem, ensinam
habilidades sociais uns aos outros. Acrescenta que os irmãos, via de
regra, vivem mais tempo juntos que com os próprios pais, e em

31
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

idade adulta e na ausência destes, tornam-se fontes adicionais de


amor um para o outro.
O sistema fraternal precisa ser visto tanto nos seus efeitos
negativos como positivos, uma vez que se trata de uma relação
muitas vezes competitiva em relação às atenções paterna e materna,
mas também se trata de uma relação em que se desenvolvem
tolerância e compreensão, capacidade de cooperação, resistência à
frustração, entre outros comportamentos e sentimentos. Com o
passar dos anos, os irmãos aprendem a adaptar-se e a compreender
melhor as diferenças que se apresentam na relação, estressando-se
menos.
Em pesquisa com irmãos de deficientes e de não deficientes
(CHACON, 2010) conclui que, ‘alguns fenômenos’, até então
socialmente percebidos como causadores de diferenças na relação
fraterna e atribuídos à presença da deficiência, não o são, pois entre
irmãos de não deficientes esses mesmos fenômenos comportam-se
de maneira bastante semelhante. Diferentemente dos irmãos de não
deficientes, os irmãos de deficientes precisam de informações
corretas sobre a deficiência de seus irmãos, bem como de apoio
terapêutico para elaborar sentimentos de medo, raiva, vergonha que
possam ter em função de sua condição. Cabe salientar também a
necessidade que esses irmãos têm de serem eles mesmos, sem o
rótulo de ‘irmãos de deficientes’ (estigma de cortesia).

Alguns aspectos da deficiência na dinâmica familiar

A descoberta da deficiência de um ou mais membro da


família, que não necessariamente coincide com o nascimento, é um
momento muito importante e ponto inicial de mudanças na
dinâmica familiar, pois a família real ocupa o lugar até então
ocupado psiquicamente por uma família idealizada. As reações dos
genitores e dos demais membros da família podem variar desde
‘desespero e perplexidade’ até a ‘absoluta neutralidade em relação à
descoberta’ (OMOTE, 1980). O choque da descoberta e as
diferentes maneiras de reagir podem levar ao uso de mecanismos de
defesa (CHACON, 1995; FOURNIER, 2009; MOCARZEL, 2004),

32
FAMÍLIA E DEFICIÊNCIA

entre eles o mais comumente utilizado é a negação 2, mecanismo que,


quando utilizado, pode retardar os processos de elaboração e
ressignificação dos valores e do estilo de vida, responsáveis pela
dinâmica das relações familiares. Nas palavras de Glat e Duque
(2003, p. 16) “[...] como a ave mística grega Fênix, a família terá que
renascer das suas próprias cinzas, em um longo processo de
adaptação a esta irreversível situação de vida”.
A ‘informação sobre a deficiência’ geralmente chega aos
genitores por algum profissional da saúde, via de regra o médico que
realiza o parto ou os que têm contato com os pais no
acompanhamento da gestação. A percepção imediata dos genitores,
no momento do nascimento, os conduzirá, inevitavelmente, à busca
de informações e, num primeiro momento, de auxílio médico.
Desses dados pode-se depreender a enorme importância que este
profissional tem na vida desses pais.
A formação em Medicina deve ser plena de conhecimento
sobre os mais variados tipos de deficiência, bem como de
procedimentos que quando inadequadamente realizados, tanto na
gestação quanto na concepção e atendimento pós-natal, podem ser
causa de deficiência. Ocorre que, ainda hoje, a formação médica é
precária no tocante à humanização para tratar esse assunto com o
cuidado que merece, e a literatura tem demonstrado que as
experiências desses pais junto aos profissionais da medicina têm
sido, no mínimo, ‘pouco cuidadosas’ ou ‘defensivas’ (CHACON,
1995; FOURNIER, 2009; GLAT; DUQUE, 2003; MOCARZEL,
2004).
Cada membro da família desenvolverá uma história que lhe
será própria e peculiar, desempenhando cada qual o seu papel que
deve ter flexibilidade suficiente para re-significar valores e padrões
de relacionamento. Cada personagem, no seu respectivo papel,
possui sua importância.

2 “A negação é uma defesa primitiva que consiste numa tentativa de desmentir


ou rejeitar a existência de uma realidade desagradável. [...] O termo ‘negação’
também é usado, de modo mais genérico, com referência a qualquer forma de
resistência” (CAMPBELL, 1986, p. 397, grifo nosso).

33
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

A literatura a respeito do choque da descoberta por volta do


nascimento de um filho com deficiência, ou mesmo a informação
em fase mais avançada do desenvolvimento mostra que é normal os
pais sentirem-se chocados e emitirem comportamentos, muitas
vezes, até de rejeição. Tanto o choque da descoberta, quanto
possíveis comportamentos de rejeição estão ligados à frustração de
não terem sido alcançadas suas expectativas de normalidade para o
filho.
No tocante ao estado emocional que os pais vivem nesse
período, a psicanálise denominou-o ‘luto’, por tratar-se de um estado
de perda de um filho idealizado, estado este que pode perdurar por
anos e que se manifesta por meio de sentimentos de tristeza,
depressão, rejeição, decepção, frustração, incompetência, raiva, bem
como manifestações comportamentais de choro, vergonha,
isolamento, agressividade e outros. Nas palavras de Omote (1980),
são reações que podem variar desde o ‘desespero e perplexidade’ até
a ‘absoluta neutralidade em relação à descoberta’.
É difícil a tarefa de informar os demais membros da família,
seja essa tarefa exclusiva do pai ou na companhia da mãe, pois
ambos se encontram em estado de choque (GLAT; DUQUE, 2003;
MOCARZEL, 2004).
Diante dessas considerações, algumas questões precisam ser
pensadas antes de se prosseguir nessa discussão. São elas:

1. Qual o papel da família de uma pessoa com deficiência


em sua relação com os profissionais da área? O de capaz
de cooperar no atendimento ou o de usuária também
dos serviços oferecidos a(s) pessoa(s) com
deficiência(s)?
2. Como seria ser pai, mãe ou irmão de uma pessoa com
deficiência?
3. O que mudaria em sua vida o fato de estar em alguma
das condições acima colocadas?3

3 Leitor, não se preocupe se o que vem a seguir não convergir especificamente


com o que você possa ter pensado. Apenas tente identificar nas considerações
a seguir suas possíveis convergências ou divergências.

34
FAMÍLIA E DEFICIÊNCIA

Há divergências de opinião a respeito das questões acima


levantadas. Alguns teóricos têm a família como parceira, outros a
têm como uma instância que necessita de atendimento especializado,
tanto quanto a pessoa com deficiência.
No XI World Congress on Mental Retardation, que aconteceu em
Nova Delhi, Índia, em 1994, de modo geral, os organizadores e
congressistas defendiam a ideia de que a família deve ser parceira no
atendimento e no desenvolvimento da pessoa com deficiência.
Contrapondo-se a essa concepção, há os que defendem a
necessidade do suporte também à família nos seus aspectos
emocionais e sociais. Convergente com estes ideários, Omote (2003,
p. 25) defende que:

[...] o atendimento à família de deficiente deve pautar-


se por uma perspectiva dupla: a de prover condições
favoráveis para o desenvolvimento da criança
deficiente e a de auxiliar cada familiar a enfrentar as
dificuldades decorrentes de sua condição [...].

Visto que a autoestima e a vaidade dos membros da família


(pai, mãe, irmãos, entre outros) podem ser prejudicadas ou mesmo
esquecidas, há a necessidade de acompanhá-la em atividades que
possibilitem valorizar e desenvolver seus sentimentos,
potencialidades, necessidades e expectativas.
Pais cujos filhos deficientes não são primogênitos, diante de
um filho cuja deficiência não seja imediatamente evidente pela
visibilidade, podem perceber a diferença ao comparar o
desenvolvimento desse filho com o dos filhos mais velhos. Outros
pais não conseguem atribuir as diferenças no desenvolvimento do
filho a algum tipo de deficiência – ainda que as evidências saltem aos
olhos – preferindo atribuí-las a características de um dos pais ou de
outros membros da família. Esses pais se irritam quando alguém lhe
chama a atenção para a diferença e podem demorar mais para
atender às necessidades de seus filhos. Trata-se do que
anteriormente se denominou ‘negação’, ou seja, um mecanismo de
defesa necessário, muitas vezes, para a manutenção da integridade

35
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

do ego4, bem como para a elaboração e ressignificação da dinâmica


das relações familiares.
Algumas famílias contam com a ajuda de outros membros,
como irmãos, avós, tios, primos, para auxiliar nos cuidados com o
recém-nascido e mesmo em idades mais avançadas. Devido ao
menor grau de envolvimento subjetivo que esses outros membros da
família têm com a criança – diferente daquele que se estabelece entre
a criança e os próprios pais –, encontram maior facilidade para
observar diferenças no desenvolvimento, as quais podem ser
provenientes da deficiência. Estes verbalizam com mais facilidade e
são repreendidos também com a mesma facilidade.
A despeito de toda evolução na diferença dos papéis de
gênero, é possível observar ainda hoje uma cisão nas representações
sociais dos papéis de pai e mãe, o que se deve a diferenças
socialmente criadas e que variam de uma cultura para a outra.
Burin (2006), em seus estudos sobre o âmbito familiar e a
construção do gênero, ao abordar o desenvolvimento de papéis
femininos, faz referência à teoria das identificações em psicanálise,
segundo a qual as meninas se identificam com a mãe, e os meninos
com a posição e o lugar do pai. Para a autora, nas famílias cujo pai se
encontra ausente, os meninos internalizam o ‘ser masculino’
baseados em

[...] imagens culturais de masculinidade, e de homens


que elegem como modelos masculinos. Isto é expresso
na frase mãe há uma só com uma presença muito
mais marcante, enquanto que se considera que pais há
muitos, com uma presença mais cultural ou simbólica
(BURIN, 2006, p. 79-80, grifo nosso).

Lima Filho (2002, p. 74) contrapõe a noção de continência


materna à de referência paterna, e, para o autor, a “[...] mãe é de um
filho só, de um filho por vez e de cada um dos filhos, pois reinventa

4 “Em psicologia psicanalítica, o ego é a parte do aparelho psíquico que


funciona como mediadora entre a pessoa e a realidade. Sua função primordial é
a percepção da realidade e a adaptação a ela” (CAMPBELL, 1986, p. 190-191).

36
FAMÍLIA E DEFICIÊNCIA

a maternidade a partir do estímulo que cada filho individualmente


traz para ela. O pai, ao contrário, é tribal”.
No tocante ao ‘apego’, pode-se dizer que se trata de um
sentimento de afeição que se constrói mais com a relação que com a
presença. Embora seja senso comum afirmar a presença maior da
mãe no desenvolvimento parental, isto não necessariamente se
transformará em vínculo de apego. Se assim o fosse, seria o ‘golpe
de misericórdia’ para o fim do relacionamento paterno.
O nascimento de um filho com deficiência suscita uma série
de receios em ambos os genitores, do que pode decorrer o ‘medo de
gerar outros filhos com as mesmas características’, que, por sua vez,
pode funcionar como uma espécie de bloqueio para novas
concepções. A esse respeito, Fournier (2009), pai de três filhos,
sendo os dois primeiros deficientes, trata desse sentimento não
apenas como característico de pais de deficientes, mas de pais de
maneira geral. Para o autor, “[...] fazer um filho é correr um risco [...]
Nem sempre ganhamos. No entanto, continuamos a fazê-los”
(FOURNIER, 2009, p.78). O autor relata que o nascimento do
terceiro filho foi incentivado pelo médico, que assim se colocou:

Vou falar com vocês sem rodeio. Estão numa situação


dramática. Já têm dois filhos deficientes. Se tivessem
mais um, será que, comparadas ao que são agora, as
coisas realmente mudariam muito? Imaginem, porém,
que, dessa vez, tenham um filho normal. Tudo muda.
Vocês não ficariam só no fracasso, seria o golpe de
sorte em suas vidas (FOURNIER, 2009, p. 72).

Alguns tipos de deficiência impõem limitações mais severas e


requerem muito investimento no desenvolvimento das
potencialidades da pessoa afetada para que esta possa desenvolver ao
máximo seu potencial e a sociedade possa acolhê-la ao máximo. No
entanto, a família precisa permitir que a pessoa com deficiência passe
pelas experiências necessárias e não faça para ela aquilo que ela
possui condições de fazer por si só. Pais superprotetores de maneira
geral prejudicam o desenvolvimento dos filhos e os criam de forma

37
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

dependente, o que os leva a se sentirem temerosos com o futuro,


pois, uma vez dependentes, sempre precisarão de alguém.
Quanto a ‘dar ou não mais atenção ao filho com deficiência
que aos outros filhos’, Droeven (2009, p. 226) considera que “O
legitimado dentro da maioria dos imaginários contemporâneos é que
os pais neguem as diferenças em sua relação com os filhos, ao
mesmo tempo em que é impossível não fazê-las”. Trata-se de uma
questão que se faz presente em muitas histórias de vida, bem como
na literatura e na religião.
Em Congresso Nacional das APAEs, realizado em João
Pessoa-PB, ao apresentar os resultados de pesquisa sobre irmãos
(CHACON, 2010, p. 2, grifo do autor) um dos pais presente assim
se colocou:

Aos 77 anos, médico, dirigente apaeano por muitos


anos, com dois filhos superdotados (um engenheiro e
um arquiteto) e dois filhos deficientes (uma mulher
com 49 anos e um homem com 45 anos) com paralisia
cerebral e deficiência severa, cometi dois erros sérios:
apegá-los muito a nós e liberar os irmãos normais da
problemática. É um alerta que faço aos pais: a gente
quer que os outros filhos vivam a sua vida e às vezes,
acabam cobrando que demos mais atenção aos
especiais.

Em pesquisa sobre a diferenciação parental entre irmãos,


Plomin (1992, p. 84) relata um estudo sobre as diferenças na
experiência e adaptação de gêmeos idênticos. Seu estudo mostra que
essa correlação não tem por origem fatores genéticos e conclui que:
“[...] os gêmeos reagem ao tratamento diferenciado de seus pais
segundo seu estado, depressão ou bem-estar: na medida em que são
tratados diferentemente por seus pais, os gêmeos diferem”.
O caso bíblico de Jacó, José e seus irmãos retrata a
preferência explícita do pai Jacó por José, preferência esta que se
evidenciava pelo protecionismo, pela diferença na vestimenta, no
trato e no cuidado para com José, e ainda no desejo de que José não
fosse homem dado à guerra e à caça para não correr o risco de

38
FAMÍLIA E DEFICIÊNCIA

morrer ou de se machucar. A preferência era tão evidente que os


irmãos, tomados pelo ciúme, levaram José para o campo e o
abandonaram à própria sorte, jogando-o em uma cova profunda,
simulando sua morte ao pai. Jacó ficou em luto por muitos anos até
chegar ao seu conhecimento que o filho predileto, dado como
morto, ainda estava vivo e era o governador do Egito.
A partir de todas essas considerações sobre a família, é
possível inferir que se trata de uma estrutura mais transacional do
que fixa, e que a dinâmica das relações nela existente é direcionadora
do olhar de cada um dos seus membros para com o outro e para
consigo mesmo. Como demonstrou Bianchetti (2002, p. 4), “[...] o
olhar é uma maneira de posicionar-se no/frente ao mundo. O olhar
é uma linguagem que se constrói e se realiza no contato com os
outros, nas inter-relações”.

Considerações finais

No decorrer do tempo, pode-se perceber que há diferenças


de percepção dos vários membros da família sobre a deficiência,
podendo esta ser percebida logo ao nascimento, após alguns meses
ou mesmo depois de alguns anos. Tais diferenças estão diretamente
relacionadas ao grau de comprometimento e visibilidade da
deficiência, bem como à atenção e à disposição interna de cada um
para aceitá-la, pois para alguns, ainda que as evidências estejam
saltando aos olhos, não conseguem atribuir as diferenças no
desenvolvimento a algum tipo de deficiência e preferem atribuí-las a
características de um dos membros da família.
A informação sobre a deficiência de uma criança geralmente
chega por meio de algum profissional, normalmente o médico
pediatra, cujo contato com os pais no período de gestação, por
acompanhar o pré-natal, é mais frequente. Mas quando a deficiência
não possui alto grau de visibilidade e comprometimento, os
familiares só percebem ao longo do desenvolvimento.
O choque ao saber da deficiência do filho é um sentimento
prevalecente nos pais, assim como comportamentos de rejeição.
Tanto um comportamento quanto outro é apontado na literatura

39
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

como normal nesse tipo de relacionamento, e ambos estão ligados à


frustração de expectativas.
A diferença de papéis na criação de um filho ainda se faz
presente. Tal cisão nas representações sociais do que é ser pai e ser
mãe vem desencadeando grandes modificações, na medida em que
se alteram as formas de constituição familiar, cujos arranjos varia de
uma cultura para a outra em alguns aspectos.
Para viver com um mínimo de qualidade de vida (QDV), os
pais necessitam de melhor rendimento e do ‘benefício de prestação
continuada’ (BPC). A saúde da família refletirá na QDV de cada um
de seus membros, e vice-versa.
Pais de pessoas com deficiência precisam atentar para o
sentimento de medo de gerar outros filhos com as mesmas
características, bem como a existência de baixa expectativa em
relação à independência dos filhos.
Ainda outra questão, digna da atenção dos pesquisadores, é
necessidade de olhar com mais cuidado para a família enquanto
objeto de estudo, pois o nascimento de uma pessoa com deficiência
no âmbito familiar atinge todos os membros da família e cada qual a
seu modo é afetado. Isso gera uma gama de variáveis que podem
fornecer importantes elementos para se compreender melhor a
dinâmica das relações familiares.
Em vista disso, é importante afirmar que as famílias de
pessoas com deficiência possuem necessidades diferenciadas, e suas
dinâmicas diferem em alguns aspectos das dinâmicas das outras
famílias. Isso porque as relações familiares ficam parcialmente
afetadas pela presença da deficiência em graus diferenciados
dependendo da modalidade da deficiência e do seu entorno.
Portanto, é preciso olhar para os efeitos positivos das relações, e
com o passar dos anos, os familiares adaptam-se e compreendem
melhor as diferenças na relação.
Diferentemente das demais famílias, essas precisam obter
informações corretas, bem como apoio terapêutico. Cabe salientar
ainda a necessidade que os pais, mães e irmãos têm de serem eles
mesmos sem os estigmas de cortesia que lhes são atribuídos.

40
FAMÍLIA E DEFICIÊNCIA

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44
Capítulo 3
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO
ESCOLAR
Leila Regina d´Oliveira de Paula Nunes
Catia Crivelenti de Figueiredo Walter
Carolina Rizzotto Schirmer

Introdução

No cotidiano da escola inclusiva, observa-se a crescente


presença de alunos com paralisia cerebral que exibem graves
dificuldades motoras e de comunicação oral. Neste texto, serão
consideradas as dificuldades enfrentadas por crianças e jovens que
não possuem fala articulada, bem como as dificuldades com as quais
os professores se deparam e as soluções apontadas pelas novas áreas
do conhecimento. Assim, serão discutidos os temas de inclusão
escolar, acessibilidade, tecnologia assistiva, comunicação alternativa e
formação do professor. Por fim, serão descritos e discutidos alguns
resultados de estudos recentes sobre essa temática, realizados pelo
grupo de pesquisa da UERJ intitulado Linguagem e comunicação na
pessoa com deficiência.

Inclusão escolar

O processo de inclusão escolar e social de pessoas com


deficiência tem sido amplamente pensado e debatido na literatura
especializada nas últimas décadas. A complexidade dessa questão foi
tratada igualmente em âmbito legal, de forma expressiva a partir da
Constituição Federal de 1988, que preconizava o atendimento
educacional especializado às pessoas com deficiência,
preferencialmente no ensino regular (BRASIL, 1988). Seguindo essa
tendência, estão a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

LDB (BRASIL, 1996) e as Diretrizes Nacionais para Educação


Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001a), as quais dispõem
sobre a organização dos sistemas de ensino e a formação de
professores. Outras referências relevantes são a Política Nacional
para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência(BRASIL,
1999), o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), o
Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001b), Educação Inclusiva:
direito à diversidade – documento orientador (BRASIL, 2005), a
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (BRASIL, 2007), e a Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2009), entre outras.
Assim, a legislação federal tem sido referência para a
fomentação das políticas públicas educacionais dos estados e
municípios (GLAT; FERNANDES; PLETSCH, 2008). Contudo, a
promulgação de leis e diretrizes políticas ou pedagógicas não garante,
necessariamente, as condições para seu devido cumprimento.
Os argumentos teórico-empíricos favoráveis à educação
inclusiva têm sido apresentados clara e repetidamente na literatura
científica, ressaltando a extensão de seus benefícios a alunos com e
sem deficiência e seus professores. Forte liderança dos gestores,
equipe colaborativa, adaptações curriculares, aproveitamento dos
profissionais de apoio, intenso envolvimento da família e formação
inicial e continuada de qualidade para os profissionais de magistério
são apontados na literatura científica como componentes essenciais
ao desenvolvimento da educação inclusiva para alunos com
deficiências, até mesmo as mais severas (DOWNING; PECKHAM-
HARDIN, 2007).
Com efeito, a recente literatura sobre formação de
professores tem destacado a relevância do trabalho colaborativo de
professores especiais e generalistas na coordenação e implementação
do atendimento educacional de qualidade aos alunos com deficiência
(CAPELLINI; MENDES, 2007). Quando a deficiência implica
dificuldades de locomoção e comprometimento da comunicação
oral, frequentes nos alunos com paralisia cerebral, tornam-se vitais
questões relacionadas à acessibilidade.

46
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

Acessibilidade

A acessibilidade constitui-se em uma das mais antigas e


legítimas reivindicações das pessoas com deficiência. Com efeito, ao
final dos anos de 1940, o termo ‘acessibilidade’ foi cunhado quando
ainda eram polemizados temas paradigmáticos do modelo da
integração, notadamente em educação especial. Na época, o conceito
de acessibilidade estava associado, exclusivamente, aos serviços de
reabilitação profissional, para designar as condições de acesso das
pessoas com deficiência física ao mercado de trabalho e à vida em
comunidade. Assim, a abrangência desse conceito parecia limitada a
assuntos que tratavam das chamadas barreiras físicas ou
arquitetônicas. Nos anos de 1980, os movimentos sociais liderados
por pessoas com deficiência, em todo o mundo, alertaram a
sociedade sobre as barreiras físicas e arquitetônicas e ampliaram o
conceito de acessibilidade para além das edificações, apontando para
as chamadas barreiras ambientais, as quais envolviam tacitamente as
barreiras atitudinais.
De acordo com Paula e Bueno (2006, p. 1), “Compreende-se
assim que uma cidade sem barreiras é uma cidade onde os
preconceitos foram minorados”. Na década seguinte, foram
identificados outros obstáculos, as chamadas barreiras de
comunicação e de transporte, tanto para as pessoas com limitações
motoras quanto para aquelas com outras deficiências (NUNES;
NUNES SOBRINHO, 2008).
O referencial teórico herdado do modelo médico que, por
décadas, emoldurou o pensamento em educação especial, ressalta as
tecnologias como suporte à atuação médica e à reabilitação. No caso,
a ação terapêutica centrava-se na doença e nas estratégias de
minimização de problemas decorrentes da incapacidade. Contudo, o
paradigma da educação inclusiva vem exigindo a revisão de
conceitos e práticas, no sentido de assegurar a valorização do sujeito,
não mais no papel de paciente, mas sim como ator da própria
(re)habilitação. Assim, o modelo inclusionista transfere o foco sobre
a deficiência da pessoa para seu potencial funcional, desejos e
habilidades.

47
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

A nova nomenclatura de tecnologias assistivas (TA)1 ou


ajudas técnicas aponta para uma categorização baseada na
abordagem funcional. Algumas modalidades dessas ajudas técnicas,
além das órteses e próteses, favorecem a mobilidade, a adaptação de
veículos, a adequação postural, a acessibilidade às tecnologias de
informação e a acessibilidade comunicativa (NUNES; NUNES
SOBRINHO, 2008).

Acessibilidade comunicativa e a comunicação alternativa e


ampliada

Comunicação constitui um processo contínuo, no qual os


interlocutores adaptam-se uns aos outros e mutuamente corregulam
seus comportamentos, possibilitando a criação de sentido (BRYEN;
JOYCE, 1985; FOGEL, 1993). A fala é a modalidade comunicativa
mais usada, mas não é a única. Gestos manuais, posturas corporais e
expressões faciais podem ser igualmente empregados nas interações
comunicativas face a face. Com efeito, pessoas que, devido a fatores
psicológicos, neurológicos, emocionais, físicos e/ou cognitivos,
mostram-se incapazes de usar a fala articulada, podem se expressar
por meio dessas outras modalidades comunicativas. Nesse sentido,
comunicação alternativa e ampliada (CAA) é uma área de
conhecimento multidisciplinar, relativamente recente, dedicada a
estudar habilidades e recursos comunicativos junto a pessoas não
oralizadas e a prover condições para a acessibilidade comunicativa
dessa população.
A comunicação alternativa envolve o uso de gestos manuais,
expressões faciais e corporais, símbolos gráficos (bidimensionais
como fotografias, gravuras, desenhos, a linguagem alfabética e
tridimensionais como objetos reais e miniaturas), voz digitalizada ou
sintetizada, entre outros, como meios de efetuar a comunicação face

1 A TA é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que


engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços, que
objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação
de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua
autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social (BRASIL, 2007).

48
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

a face de indivíduos incapazes de usar a linguagem oral


(GLENNEN, 1997; HANLINE; NUNES; WORTHY, 2007;
NUNES, 2003). A comunicação ampliada ou suplementar tem um
duplo propósito: promover e suplementar a fala ou garantir uma
forma alternativa se o indivíduo não se mostrar capaz de
desenvolver a fala (NUNES, 2003). Os sistemas de comunicação
alternativa constituem, segundo Capovilla (1998), verdadeiras pontes
que permitem interligar o espaço que permeia o isolamento e
estabelecer com a pessoa sem fala articulada uma relação humana
bidirecional ou multidirecional, que é condição essencial ao seu
desenvolvimento cognitivo e social.
A expressão ‘acessibilidade comunicativa’, porém, não se
restringe à disponibilização de recursos, sejam eles de tecnologias de
alto ou de baixo custo. Tão ou mais importante do que isso é a
presença de interlocutores interessados em interagir e acolher as
mensagens da pessoa não falante. Assim, são fundamentais a
aceitação e o incentivo ao emprego de formas alternativas de
comunicação, inclusive pelo próprio grupo social. Isso implica a
utilização do sistema alternativo de comunicação, tanto pelo
membro não oralizado como por todos os seus potenciais
interlocutores.
Segundo pesquisadores como Soto e Von Tetzchner (2003),
os contextos inclusivos favorecem a interação entre alunos usuários
de comunicação alternativa e seus pares falantes.
O desenvolvimento das competências linguística e
comunicativa pelo aluno usuário de sistema de comunicação
alternativa acontece em um ambiente em que as pessoas envolvidas
no diálogo respeitem o tempo de resposta do aluno que se comunica
por meio de gestos, expressões faciais e/ou sistemas pictográficos
ou alfabéticos de comunicação. Além disso, é essencial uma forma
compartilhada de comunicação em sala de aula, ou seja, que haja no
ambiente um número razoável de pessoas mais competentes do que
ele na compreensão e no uso dessa forma alternativa de linguagem,
inscrita nas rotinas escolares (BUZOLICH; LUNGER, 1995).
Von Tetzchner e Grove (2003) referem-se a esse fenômeno
como ‘acessibilidade comunicativa’. É importante destacar que

49
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

quando se fala em comunicação alternativa, há muito mais em jogo


que uma prancha de símbolos ou um sistema computadorizado. A
comunicação alternativa fundamenta-se na ideia de possibilitar à
pessoa com deficiência o uso da linguagem e de instrumentos que
lhe permitam superar o obstáculo da disfunção e favorecer seu
desempenho comunicativo.
Assim, se se concebe a escola como locus por excelência para
a apropriação pelo aluno dos elementos e processos culturais e não
apenas como ambiente de socialização, importantes transformações
se fazem necessárias para que, de fato, a escola se caracterize como
inclusiva. O emprego planejado e consistente da tecnologia assistiva
(TA), e mais especificamente dos recursos da comunicação
alternativa e ampliada e a formação de professores são dois fatores
fundamentais para o sucesso da educação inclusiva (NUNES, 2009).

Recursos da comunicação alternativa e ampliada e a formação


do professor

Usualmente, a formação inicial do professor nas instituições


de ensino superior o prepara para lidar com uma turma
aparentemente homogênea, composta por alunos ditos ‘normais’.
Contudo, no cotidiano escolar, ao se deparar com um aluno sem fala
articulada, o professor frequentemente experimenta toda a sorte de
sentimentos ambivalentes, pois ele não se apropriou, em sua
graduação, do conhecimento sobre recursos e estratégias específicas
que apoiam esses alunos na perspectiva escolar. Muitos alunos com
deficiência apresentam severos distúrbios na comunicação e, nesse
sentido, o processo de interação torna-se comprometido e, por
conseguinte, o professor não consegue desenvolver estratégias que
favoreçam o processo de ensino e aprendizagem.
Um aluno com deficiência física e não oralizado, por
exemplo, enfrenta dificuldades em realizar de forma autônoma
muitas das tarefas rotineiras, como comunicar-se, ler, escrever,
manusear materiais pedagógicos, etc. Não participando ativamente
das atividades escolares, esse aluno fica em desvantagem, perdendo
oportunidades de aprender e conviver com seus colegas. As

50
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

adaptações das estratégias instrucionais e do material pedagógico e


escolar constituem elementos críticos no processo de ensino e
aprendizagem desse alunado. Por exemplo, a acessibilidade
comunicativa para tais alunos pode ser favorecida quando o
professor promove a chamada ‘aprendizagem cooperativa’, definida
por Soto (2009) e Johnson e Johnson (1994) como uma estratégia
instrucional na qual um grupo pequeno e heterogêneo de alunos,
com o mesmo status, trabalham juntos para atingir objetivos comuns
de aprendizagem. Tais estratégias caracteristicamente linguísticas e
interativas possibilitam a aquisição de habilidades sociais e de
conversação para alunos falantes e não falantes.
Para oferecer um ensino de qualidade a todos os educandos,
a escola precisa reorganizar sua estrutura de funcionamento,
metodologias e recursos pedagógicos e, principalmente,
conscientizar e garantir que seus atuais e futuros profissionais
estejam preparados para essa nova realidade, promovendo a
formação continuada e em serviço do professor (GLAT; BLANCO,
2007). Com efeito, o professor deverá construir uma base de
conhecimentos sobre a tecnologia assistiva e, em especial, sobre a
comunicação alternativa e ampliada.
A adaptação de materiais pedagógicos e a inserção de
recursos da tecnologia assistiva e da comunicação alternativa podem
igualmente favorecer o processo de ensino e aprendizagem em sala
de aula. Por exemplo, alguns alunos apresentam dificuldades em
acompanhar a turma e seu ritmo para aprender a ler é diferenciado.
Para auxiliá-los, com o recurso de softwares especiais, o professor
especializado poderá produzir textos apoiados por símbolos gráficos
e, assim, favorecer a compreensão dos alunos, especialmente aqueles
com comprometimento cognitivo. Imerso no contexto de símbolos
pictográficos e alfabéticos, o aluno poderá realizar leitura global e ter
acesso a novos conhecimentos de forma mais autônoma
(ANDRADE; CORREIA, 2007; CORREA; CORREIA, 2007;
SCHIRMER, 2007).
O professor poderá, igualmente, elaborar livros ou adaptar
clássicos de histórias infantis e outros relacionados a atividades do
dia a dia. Livros paradidáticos podem ser transcritos ou reescritos de

51
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

forma simplificada e reimpressos com letra ampliada para atender


alunos em início do processo de alfabetização ou que apresentem
baixa visão. Um acervo é passível de ser adaptado para a escrita
Braille, com fitas adesivas coladas na página correspondente do
próprio livro (PELOSI; SOUZA; SCHREIB, 2007).
Livros eletrônicos contando com auxílio de voz gravada e
músicas ou mesmo livros adaptados que forneçam feedback de voz
para apoiar o processo de leitura são ainda outros recursos que,
sintonizados com os diferentes estágios de apropriação da leitura e
da escrita e empregados de forma criativa pelo professor, podem
fazer a diferença na vida desses alunos (PELOSI; SOUZA;
SCHREIB, 2007). Da mesma forma, símbolos gráficos
tridimensionais e bidimensionais disponibilizados em cartões
isolados ou dispostos em pranchas de comunicação podem afetar
positivamente as linguagens receptiva e expressiva dos alunos,
especialmente daqueles que, além da ausência de fala articulada,
apresentam deficiência intelectual.
No Brasil, devido às dimensões do país, os conhecimentos
específicos sobre tecnologia assistiva (TA) e especificamente a
comunicação alternativa ainda estão restritos a pequenos grupos e,
quando abordados na perspectiva da educação inclusiva, são
praticamente inexistentes. Os professores e profissionais da saúde,
como os terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, salvo raras
exceções, desconhecem os recursos da TA e seu potencial educativo
e pedagógico (PELOSI, 2008; PELOSI; NUNES, 2010).
Pesquisas recentes apontam para diversos benefícios gerados
pela inserção da comunicação alternativa e ampliada (CAA) no
ambiente escolar, tanto para os alunos não falantes quanto para seus
professores e colegas (ALENCAR; OLIVEIRA; NUNES, 2003;
DELIBERATO, 2009; DELIBERATO; SILVA, 2007; MANZINI,
2009; NUNES et al., 2008; NUNES, 2009; SILVA; BALDRIGH;
LAMÔNICA, 2007).
Outros estudos, contudo, visaram avaliar os efeitos da oferta
de cursos de formação inicial e continuada para professores que
atuam na inclusão dos alunos com deficiência severa de
comunicação. Estes, por sua vez, necessitam de recursos da

52
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

comunicação alternativa e ampliada e informática acessível em suas


salas de aula (PELOSI, 2000, 2008; PELOSI; NUNES, 2010;
SCHIRMER, 2010).

Pesquisa em formação continuada de professores no emprego


dos recursos da tecnologia assistiva (TA) e comunicação
alternativa e Ampliada (CAA)

Serão apresentados a seguir relatos de dois estudos realizados


para introduzir os recursos da CAA em sala de aula e avaliar os
efeitos dessa ação.

A CAA e as interações em sala de aula de uma escola especial 2

Uma pesquisa-ação foi realizada com o objetivo de favorecer


a comunicação em sala de aula de uma escola especial para alunos
com deficiências físicas e deficiências múltiplas da cidade do Rio de
Janeiro, por meio do emprego dos recursos da comunicação
alternativa e ampliada. Participaram do estudo a professora, as
assistentes de pesquisa e sete jovens com paralisia cerebral, sendo
dois deles oralizados e cinco com comprometimento grave na
oralização. O estudo, que teve a duração de 11 meses, envolveu 23
sessões vídeo gravadas de observação da interação entre professora e
alunos, conduzidas quinzenalmente em sala de aula e reuniões
semanais da equipe de pesquisa da qual fazia parte a professora da
turma.
Nessas reuniões, eram realizadas as seguintes atividades:
leitura de textos sobre comunicação alternativa e ampliada (CAA);
oferta de software Boardmaker3para confecção de pictogramas; oferta

2 Projeto de pesquisa financiado pela FAPERJ (proc. 26110235/2007) e CNPq


(proc. 473360/2007-1). Parte desse trabalho foi publicado em: Nunes (2009).
3 Software utilizado para a criação de pranchas e cartões de comunicação e
também material lúdico e pedagógico. É um banco de dados gráfico que
contém mais de 5000 símbolos denominados Picture Communication Symbols
(PCS). Os símbolos de comunicação pictórica foram criados no início dos
anos de 1980 pela fonoaudióloga americana Roxanna Mayer Johnson e

53
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

de caixas de comunicação com pictogramas para os alunos; oferta de


sugestões de pranchas de comunicação e softwares para comunicação
escrita, e demonstração (conduzida pelas assistentes de pesquisa) de
como utilizar pranchas para estabelecer conversação com os alunos
em sala de aula. No entanto, o elemento-chave desse conjunto de
procedimentos foi a observação e a análise de trechos de sessões
videogravadas do desenvolvimento de atividades pedagógicas
realizadas pela professora em sala de aula. Tais análises foram feitas
em sessões semanais de discussão com a professora e toda a equipe
de pesquisa. Na oportunidade, a professora era convidada a
expressar sua opinião sobre seu próprio desempenho e o de seus
alunos e a ouvir os comentários dos demais participantes. Nessas
reuniões da equipe de pesquisa com a professora eram tomadas as
decisões sobre os procedimentos a serem implementados em sala de
aula. Então, a professora descrevia suas dificuldades em relação ao
conteúdo pedagógico bem como sua percepção a respeito do auxílio
da comunicação alternativa na aquisição de novos conceitos pelos
alunos. Foi destacada a importância de observar a atuação das
especialistas em sala de aula junto aos alunos, o que, segundo a
professora, favoreceu a aprendizagem de novas formas de se
relacionar com a turma, beneficiando-se da introdução dos recursos
de CAA no contexto escolar.
Com efeito, após a introdução da CAA, observou-se a
tendência crescente nos comportamentos da professora de fazer
varredura das opções de resposta com sistema pictográfico 4,
formular perguntas abertas5, oferecer feedback corretivo6, incentivar a

compõem, atualmente, o conjunto de símbolos mais difundido em todo o


mundo (SCHIRMER, 2010).
4 A professora auxilia o aluno a emitir uma resposta em uma interação,
apontando sucessivamente para pictogramas que poderiam representar a
resposta do aluno.
5 A professora formula verbalmente uma questão que exige do aluno resposta
diferente de ‘sim’ ou ‘não’.
6 A professora emite verbalização que se segue a uma resposta do aluno,
corrigindo-a e oferecendo a resposta correta.

54
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

comunicação de cada aluno7, e, notadamente, favorecer a


comunicação entre alunos8.
Isso atesta que a professora foi se tornando gradativamente
mais sensível às questões de comunicação em sala de aula. Assim, no
desenvolvimento de diversas tarefas pedagógicas, ela possibilitou a
expressão dos alunos por meio do uso de pranchas simples,
preparadas previamente com o conteúdo em pauta. Com efeito, o
levantamento do vocabulário funcional para cada aluno foi
empregado para a elaboração de pranchas personalizadas com as
quais os alunos tiveram oportunidade não só de desempenhar tarefas
pedagógicas como de estabelecer diálogos com a professora, com as
assistentes de pesquisa e consigo próprios. Assim, os alunos
puderam expressar sentimentos, relatar eventos ocorridos em suas
vidas e descrever membros da família e solicitar que os colegas
desempenhassem determinadas ações. Contudo, os alunos ainda
apresentavam muita dificuldade em respeitar o turno do colega,
solicitando continuamente a atenção da assistente de pesquisa. Dessa
forma, a professora foi orientada a ensinar as regras do diálogo aos
alunos, orientando cada um a esperar sua vez de comunicar. Na
figura 1 são apresentados exemplos de mensagens pictográficas
elaboradas pelos alunos.

7 Comportamento verbal ou não verbal da professora para estimular cada aluno


a comunicar seus desejos, sentimentos e pensamentos para as demais pessoas
na sala de aula.
8 Comportamento verbal ou não verbal da professora para incentivar os alunos a
interagirem uns com os outros.

55
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Figura 1 – Mensagens enviadas para os colegas de turma.

Fonte: Acervo das autoras.

A disposição dos alunos em sala de aula, sentados em


semicírculo, a disponibilização de pranchas e cadernos de
comunicação, o incentivo para a conversa de cada aluno com o
colega e a maior agilidade na troca de turnos da professora com cada
aluno favoreceu, sobremaneira, a expressão de ideias de todos os
alunos.
Em suma, as reuniões nas quais a professora e as assistentes
de pesquisa observavam e comentavam a respeito das sessões
videogravadas em sala de aula parecem ter se constituído em uma
significativa oportunidade de aprimoramento pedagógico. Nessas
ocasiões, a professora teve a possibilidade de observar seu próprio
fazer pedagógico sob múltiplas perspectivas. Essa tomada de
consciência é, para Vygotsky (1989, p. 294), uma generalização, pois
“[...] perceber as coisas de outro modo é, ao mesmo tempo, adquirir
outras possibilidades de ação em relação a elas [...], generalizando um
processo próprio de minha atividade, eu adquiro a possibilidade de
uma outra relação com ela”.

56
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

Uso dos recursos de Tecnologia Assistiva (TA) no processo


educacional por professora em formação continuada9

No Brasil, a tecnologia assistiva (TA) tem sido amplamente


divulgada nos últimos anos, porém ainda são poucos os estudos
que têm abordado a questão do uso de recursos de TA por pessoas
com deficiência para o aumento da autonomia no contexto escolar.
A relação entre a educação e as novas tecnologias, embora bastante
discutida, continua sendo um grande desafio para o professor e
para a escola. Por isso, torna-se necessário que os professores, em
sua formação continuada, tenham acesso ao conhecimento teórico
e prático voltado a essa área. Compreendemos que a formação
continuada não se trata de um repasse de um saber fora de sala de
aula, mas sim de uma possibilidade de rever a escola e a prática
educativa e analisar as potencialidades de uma intervenção
colaborativa sistemática entre os profissionais da escola e os
pesquisadores. Assim, o presente estudo propôs o levantamento e a
descrição dos recursos de TA de alto custo, utilizados em sala de
aula por uma professora, após participar de sessões
individualizadas de treinamento em sua formação continuada.
Este estudo constituiu, na verdade, uma continuação do
estudo apresentado no tópico anterior, porém com o objetivo
precípuo de introduzir os recursos de alta tecnologia ou tecnologia
de alto custo.
Os procedimentos, desenvolvidos ao longo de cinco meses
em nove sessões de aproximadamente 60 minutos de duração,
envolveram a apresentação e a demonstração realizada por uma das
pesquisadoras, fonoaudióloga especialista em CAA e TA, no
emprego de vários softwares especialmente destinados a favorecer a
comunicação e a escrita de alunos sem fala articulada. Depois dessa
demonstração, a professora da turma de educação especial
confeccionou pranchas e cartões de comunicação, material
pedagógico adaptado e recursos de acessibilidade ao computador.

9 Pesquisa financiada pela FAPERJ (proc. 26110235/2007) e pelo CNPq (proc.


473360/2007-1). Parte desse trabalho foi publicado em: Schirmer (2009).

57
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Para a coleta de dados, foram empregados protocolos de registros de


observação, gravadores de som e filmadora digital.
A sala de aula da referida professora já havia sido equipada
com computador e impressora jato de tinta colorida e com os
seguintes softwares:Boardmaker, Speaking Dinamically Pro (SDP)10,
Widgit11 (para escrever com símbolos), teclado Intellikeys12 e um
acionador13, além de uma plastificadora para ser usada na confecção
das pranchas de comunicação.
Os dados mostraram que a professora foi capaz de
confeccionar e utilizar os seguintes materiais pedagógicos adaptados
e recursos de informática acessíveis destinados à CAA (BERSCH;
PELOSI, 2007).
Materiais pedagógicos adaptados:

 Xerox ampliada – foi utilizada com os alunos com baixa


visão ou deficiência física para ampliar material
pedagógico em sala de aula. Geralmente as cópias

10 Software que permite a criação de pranchas dinâmicas, com as quais o aluno


visualiza sua prancha principal no monitor do computador e, ao acessar um
símbolo, que representa outro tema, automaticamente surge outra prancha,
para que ele possa falar sobre o assunto desejado. Também pode ser utilizado
para a realização de atividades pedagógicas interativas (SCHIRMER, 2009).
11 Trata-se de um processador integrado de textos e símbolos. Esse recurso
permite que o aluno escreva e, simultaneamente, os símbolos pictográficos são
incluídos como uma segunda alternativa para a leitura (ANDRADE;
CORREIA, 2007). Ele incorpora diversas ferramentas e tem por finalidade
facilitar a aprendizagem e a alfabetização de pessoas com dificuldade de
comunicação, bem como a tarefa do professor que organiza as atividades
(CORREA, 2007).
12 Teclado alternativo no qual letras e números aparecem ampliados. Ele também
possui uma lâmina calculadora e uma com mouse expandido (SCHIRMER,
2010).
13 Acionadores são chaves de contato momentâneo, colocadas em qualquer parte
do corpo, com as quais o usuário detém algum controle ativo de movimento.
Eles simulam o clique da tecla do mouse, permitindo comandar o computador
por meio de softwares especiais. Assim, o acionador pode ser ativado com
pressão (tocar a mão, o pé, a cabeça), com tração (puxar o braço), com sopro
ou piscada, etc. (SCHIRMER, 2010).

58
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

ampliadas eram coladas em papel cartão e plastificadas


possibilitando aos alunos maior facilidade de manuseio.
 Cartões pictográficos – produzidos com papel cartão e
plastificados, os cartões contendo pictogramas, letras,
palavras e números foram empregados com os alunos
com baixa visão ou deficiência física.
 Porta cartões – confeccionado com caixas de papelão,
com tampa coberta por velcro, permite a aderência de
cartões contendo pictogramas, palavras e letras móveis.
 Plano inclinado – é uma superfície plana, oblíqua em
relação à horizontal, que pode ser de madeira, metal,
acrílico ou papelão. Como recurso de TA, foi utilizado
para melhorar a visualização dos alunos com deficiência
motora ou visual do texto e de gravuras.
 Livros de história adaptados – foram confeccionados a
partir da transcrição, do reconto ou da criação de uma
história inédita. Neles foram impressas gravuras
acompanhadas de texto escrito em letra bastão ampliada
e com símbolos pictográficos. Como recursos de TA,
foram utilizados para facilitar a leitura e compreensão de
usuários de CAA não alfabetizados e ainda como
instrumento de apoio para o processo de alfabetização.
A professora participante da pesquisa montou uma
gibiteca e escolheu a elaboração de uma revista do
personagem Homem Aranha, para que a história fosse
contada pelos alunos da turma aos demais colegas da
escola. Foi mostrado à professora que os jogos
utilizados em sala de aula também poderiam sofrer
adaptações para que os alunos não oralizados
conseguissem brincar com eles com autonomia.
Contudo, jogos adaptados não chegaram a ser
produzidos. Na figura 2, estão apresentados alguns
exemplos de páginas de livros que foram adaptados pela
professora.

59
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Figura 2 – Exemplos de páginas de livros adaptados.

Fonte: Laboratório de Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa


(LATECA, UERJ, 2010).

 Atividade pedagógica adaptada com símbolos gráficos –


para que a turma participasse da feira literária que estava
sendo montada na escola, foi escolhida uma música
apreciada por todos para ser adaptada. Após a votação,
foi escolhida a música O barquinho e transcrita pela
professora e pelos alunos, que utilizaram símbolos
pictográficos (como mostra a figura 3). Durante a
apresentação, enquanto a música era tocada, os alunos
da turma exibiam a letra da música escrita com
pictogramas que fora confeccionada em cartolina para
que os participantes das demais turmas acompanhassem.
A seguir, foram apresentadas pelos alunos da turma
perguntas escritas com símbolos, para que os colegas da
escola respondessem oralmente.

60
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

Figura 3 – Letra de música redigida com palavras e pictogramas.

Fonte: Laboratório de Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa


(LATECA, UERJ, 2010).

 Alfabeto móvel – recurso que possibilitou ao aluno


escrever usando letras em cartões de papelão, mas que
poderiam ser confeccionadas em madeira ou EVA
(lâminas emborrachadas), em cubos de madeira, com
imã, coladas sobre tampinhas etc.

Materiais destinados à CAA:

a) Cartões de comunicação – diversos cartões com os


símbolos PCS do software Boardmaker, separados por
categorias, foram distribuídos nas caixas de
comunicação (como mostra a figura 4) e nos murais da
sala de aula.

61
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Figura 4 – Caixa de comunicação com símbolos agrupados por


categoria semântica.

Fonte: Laboratório de Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa


(LATECA, UERJ, 2010).

A primeira atividade pedagógica desenvolvida pela turma


utilizando esse recurso foi a seguinte: solicitou-se que cada aluno
escolhesse um colega para que este cumprisse uma ordem escrita
com pictogramas, a qual só seria cumprida depois que o colega
escolhido lesse a mensagem. Essa atividade oportunizou o primeiro
episódio efetivo de interação entre uma aluna com paralisia cerebral
e um aluno que oralizado. A aluna solicitou que o seu colega
empurrasse sua cadeira de rodas da sala para o refeitório na hora da
merenda.

b) Estratégias de comunicação– durante as atividades


pedagógicas da professora junto aos alunos, observou-se
que gestos indicativos, gestos expressivos, vocalizações,
uso de ‘sim’ e ‘não’ com sorriso e movimentos de cabeça
foram modalidades comunicativas usadas juntamente
com as pranchas de comunicação.
c) Pranchas de comunicação– nas pranchas de
comunicação foram colocados vários símbolos que

62
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

representam mensagens. Essas pranchas foram


confeccionadas individualmente, respeitando as
diferentes necessidades educacionais dos alunos. Os
símbolos do PCSforam impressos em papel ofício,
sendo separados por categorias e cores. Foram utilizadas
pastas de plástico coladas na posição vertical ou
horizontal. As folhas de papel ofício contendo os
pictogramas foram plastificadas e encadernadas para a
montagem final das pranchas de comunicação (como
mostra a figura 5).

Figura 5 – Prancha de comunicação contendo símbolos, imagens e


palavras referentes ao repertório comunicativo do aluno.

Fonte: Laboratório de Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa


(LATECA, UERJ, 2010).

d) Pranchas com alfabeto – folha de papel contendo todo


o alfabeto. O aluno aponta ou olha para a letra que
deseja escrever e o colega ou seu acompanhante vai
compondo o texto.

63
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

e) Pranchas temáticas – além das pranchas personalizadas


(prancha de comunicação pessoal), foram utilizadas
pranchas para múltiplos usuários nos diversos ambientes
escolares e em diferentes eventos (festa junina, por
exemplo). Assim relatou a professora:

A turma faz parte de uma escola especial municipal, na


qual existem alunos de diferentes níveis cognitivos,
síndromes diversas e deficiências motoras leves,
moderadas e severas. Numa atividade na oficina da
CAA, os alunos selecionaram os símbolos PCS para
confeccionar diferentes pranchas temáticas em
cartolina plastificada, os quais dariam uma orientação
espacial dos diferentes ambientes da escola. Dessa
forma, todos os alunos da escola, assim como os
demais professores, familiares, funcionários e
visitantes, estariam se apropriando dos recursos
alternativos de comunicação. Esses cartões foram
espalhados pela escola, sinalizando a localização das
rampas e escadas de acessos aos diferentes andares,
salas de aulas, salas de atendimentos de música,
educação física, leitura, banheiros, secretaria, direção,
sala de recursos de comunicação alternativa e ampliada,
cozinha, refeitório, cozinha experimental e clube das
mães.

f) Mesa com símbolos – foram colocados símbolos de


‘sim’ e ‘não’ sobre a mesa da cadeira de rodas ou da sala
de aula e essa prancha fixa era normalmente coberta por
uma folha de papel plastificada, que protegia os símbolos
e ainda liberava o uso da mesa para outras finalidades
(como alimentação, escrita, pintura).
g) Vocalizadores – os alunos utilizaram os vocalizadores
das marcas Go Talk 9+ e 20+. Os vocalizadores são
recursos mais sofisticados, que contêm as pranchas de
comunicação com voz gravada. Sobre as teclas do
vocalizador são colocadas imagens (fotos, símbolos,
figuras), palavras que correspondem ao conteúdo sonoro

64
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

gravado ou texto que será transformado em voz


sintetizada. Na figura 6 está exibido o vocalizador Go
Talk.

Figura 6 – Vocalizador Go Talk.

Fonte: Laboratório de Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa


(LATECA, UERJ, 2010).

Recursos de informática acessível

a) Teclado expandido – utilizou-se o Intellikeys, que é um


teclado alternativo, no qual as letras e os números
aparecem ampliados. Esse recurso permite que o aluno
com baixa visão ou deficiência motora escreva.

65
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Figura 7 – Aluna escrevendo no teclado Intellikeys.

Fonte: Laboratório de Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa


(LATECA, UERJ, 2010).

b) Software Boardmaker – foi empregado para confeccionar


pranchas de comunicação, atividades lúdicas e
pedagógicas.
c) SoftwareSpeaking Dinamically Pro (SDP) – disponibiliza a
voz sintetizada quando o aluno aponta cada uma das
figuras. Assim relatou a professora:

As atividades pedagógicas são desenvolvidas em sala


de aula a partir de aulas-passeio. Assim, realizamos um
passeio ao hipermercado para observar as diferentes
categorias dos alimentos, como ficam distribuídos e
ainda quais eram os diferentes recursos alternativos de
comunicação utilizados para comunicação com clientes
que possuíssem necessidades especiais. Em sala de
aula, foram desenvolvidas diferentes atividades
pedagógicas. A princípio, foram criadas pranchas com
perguntas e respostas utilizando os símbolos PCS. Os
alunos apresentaram boa compreensão, ouviram a voz
do computador verbalizando a pergunta e, pela

66
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

varredura automática, acessavam a resposta correta


dentre três, quatro ou cinco opções. Para aqueles
alunos que apresentavam uma pequena dificuldade de
compreensão, o procedimento para a realização da
atividade era o mesmo, com apenas duas alternativas
de respostas. Na terceira forma de atividade, destinada
a alunos com severos comprometimentos intelectuais,
as duas alternativas de respostas eram corretas (uma
era o símbolo pictográfico que representava o alimento
e a outra era a fotografia tirada no local do passeio e
inserida no software). Dessa forma os alunos tiveram a
oportunidade de ir se apropriando do significado do
símbolo de uma forma lúdica, já que, para eles, o
computador é sempre um brinquedo e uma forma de
ter alegria.

Figura 8– Prancha construída no computador com o software


Speaking Dinamically Pro.

Fonte: Laboratório de Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa


(LATECA, UERJ, 2010).

d) SoftwareWidgit (escrevendo com símbolos – ECS) – sobre


o uso desse software assim relatou a pesquisadora:

67
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Durante uma atividade na oficina das múltiplas


linguagens, os alunos estavam trabalhando um
conteúdo relacionado à água. Quando a professora
colocou o CD com a música Planeta Água, um aluno
com paralisia cerebral severa começou a pular na
cadeira e olhar para o corredor; sinalizando com o
olhar que desejava alguma coisa que estava fora da sala.
A professora dessa oficina solicitou a presença da
professora da oficina da CAA que perguntou o que o
aluno desejava. O aluno, sorrindo, olhou para a folha
de papel ofício que estava com a letra da música escrita
e olhou para o computador. Imediatamente a
professora entendeu e perguntou ao aluno se ele
desejava que a música fosse transcrita com os símbolos
PCS. A resposta foi positiva e ao chegar à sala da
oficina de CAA, a atividade de transcrição foi
desenvolvida com a utilização do ECS e de algumas
fotografias da aula-passeio inseridas no software. A
solicitação do aluno oportunizou a interação das duas
oficinas em uma mesma atividade e ainda a exposição
do produto final da atividade durante a semana da
amostra pedagógica que ocorria na escola
mensalmente.

e) Mouse adaptado – foi utilizado mouse convencional


adaptado com uma saída para acionador.
f) Acionador – foram utilizados acionadores de pressão, de
acordo com as necessidades específicas de cada aluno.

68
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR

Figura 9 – Aluna executa exercícios com acionador.

Fonte: Laboratório de Tecnologia Assistiva e Comunicação Alternativa


(LATECA, UERJ, 2010).

Considerações finais

Foram muitas as ações na rotina escolar que a professora


implementou durante e após o treinamento em TA e CAA. Ela
conseguiu, ao longo do processo, avaliar o nível de participação de
seus alunos, percebendo suas habilidades e necessidades e, com os
recursos de TA e CAA, buscou minimizar as dificuldades
enfrentadas por eles. Segundo Bersch e Machado (2007), o tema
relativo ao material escolar e pedagógico adaptado deve despertar no
professor generalista e no professor especializado a atenção e a
criatividade para resolução de possíveis barreiras que impeçam a
aprendizagem de seus alunos.
Pensar a respeito da inclusão escolar do aluno sem fala
articulada envolve um trabalho conjunto de diferentes profissionais.
Além do trabalho colaborativo entre as diferentes áreas do
conhecimento, há necessidade de uma política pública que garanta a
formação inicial e continuada de professores para que possam
refletir sobre sua prática pedagógica voltada para o atendimento à

69
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

diversidade do alunado. Os recursos de tecnologia assistiva, e


especificamente de comunicação alternativa e ampliada, precisam ser
igualmente disponibilizados aos alunos em suas escolas, uma vez que
tais recursos se constituem em elementos críticos para a efetiva
inclusão escolar.

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76
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77
Capítulo 4
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO À
PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Elsa Midori Shimazaki
Nerli Nonato Ribeiro Mori

Introdução

Com o propósito de subsidiar os profissionais da educação


em relação às questões voltadas à deficiência intelectual, neste
trabalho é apresentado um breve panorama das transformações
desse conceito. Para tanto, faz-se necessário apontar suas principais
conceituações, pois a forma de tratamento e a educação oferecida às
pessoas, na maioria das vezes, estão atreladas à concepção que se
tem de deficiência intelectual. Por essa razão, acredita-se que uma
revisão dos conceitos, que foram sendo elaborados e modificados
com o tempo e circunstâncias, contribui para a melhor compreensão
das práticas pedagógicas junto às pessoas com deficiência intelectual,
tanto nas instituições de ensino especializadas como nas escolas
regulares.

Fundamentos da Educação Especial

No decorrer da história, o modo de se fazer referência a essas


pessoas passou por diversas transformações e, ainda hoje, a
denominação é uma questão que tem gerado muitas discussões no
meio acadêmico. O ponto do qual se parte para traçar esse
panorama diz respeito ao momento em que os termos utilizados
carregam conotações preconceituosas, fruto (talvez) de um cenário
social que classifica e premia (ou não) as pessoas de acordo com sua
capacidade produtiva.
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Almeida (2004, p. 34), ao fazer apresentação e análise das


definições de deficiência intelectual, afirma que o termo ‘retardo
mental’, questionado no Brasil, “[...] tem sido utilizado nos Estados
Unidos por mais de 50 anos”. A autora opta pelo termo ‘retardo
mental’, por ser utilizado nas referências consultadas, mas reconhece
a necessidade de mudança.
Na Conferência Internacional sobre Deficiência Intelectual,
realizada em Montreal (Canadá) em 2004, a Organização
Panamericana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde
aprovaram o documento Declaração de Montreal sobre a deficiência
intelectual, no qual é utilizado o termo ‘deficiência intelectual’ em
quase todos os parágrafos, e recomendam às Organizações
Internacionais,

Incluir a Deficiência Intelectual nas suas


classificações, programas, áreas de trabalho e iniciativas
com relação à pessoas com deficiências intelectuais
e suas famílias a fim de garantir o pleno exercício de
seus direitos e determinar os protocolos e as ações
desta área (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE, 2004, p. 4, grifo nosso).

Aqui é utilizado o termo ‘deficiência intelectual’ por ser


considerado adequado visto que se compreende que a deficiência
refere-se ao intelecto e não ao funcionamento da mente como um
todo. Outra razão para essa opção é a confusão que geralmente se
faz, há muitos séculos, entre os termos ‘deficiência mental’ e ‘doença
mental’. Tal confusão deve-se, possivelmente, ao fato de os
deficientes intelectuais terem sido internados, nos séculos XVII e
XVIII, em orfanatos, manicômios, prisões e outras instituições,
juntamente com delinquentes, idosos, doentes mentais e pobres
(JIMÉNEZ, 1997).
A respeito disso, Mendes (1996, p. 17) informa que “[...] o
primeiro passo no estudo independente da condição da deficiência
mental ocorreu no início do século XIX, quando se estabeleceu a
diferenciação entre a idiotia e a loucura”. É importante lembrar,
também, que o termo ‘deficiência intelectual’ já havia sido utilizado

80
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

em 1995, no simpósio organizado pela Organização das Nações


Unidas, em Nova York intitulado Deficiência intelectual: programas,
políticas e planejamento para futuro.

Um pouco da história das transformações do conceito

Até o século XVIII, quase não havia estudos científicos sobre


a deficiência intelectual e nos que eram desenvolvidos não se
diferenciava ‘doença mental’ de ‘deficiência mental’. Esquirol (1722-
1840), médico que estabeleceu essa diferenciação, ao escrever sobre
isso, considerava que o estado da pessoa com doença mental pode
variar, todavia, o ‘idiota’ é imutável. Portanto, o que prevalecia era
“[...] a falta de inteligência e irrecuperabilidade atribuída à condição”
(SHIMAZAKI, 1994, p. 68).
O médico francês Philippe Pinel (1745-1826) escreveu os
primeiros tratados sobre deficiência intelectual e Jean Marie Gaspard
Itard (1777-1838), também médico francês, avaliou durante seis anos
o ‘menino selvagem de Aveyron’ (que recebeu o nome de Victor), na
tentativa de ensiná-lo a falar e a escrever. Para tanto, o médico
estabelecia as relações entre objetos do uso cotidiano e os
respectivos desenhos. Depois substituía os desenhos pelas letras ou
palavras. Edouard Onesimus Seguin (1812-1880) avançou os estudos
de Itard no atendimento às pessoas com deficiência intelectual.
Tentou elaborar um método de educação para ‘crianças idiotas’.
Jiménez (1997, p. 23-24) afirma que Seguin foi o primeiro autor de
Educação Especial que “[...] fez referência, nos seus trabalhos, à
possibilidade de aplicação desses mesmos métodos no ensino
regular”.
Ao estudar os casos de pessoas com deficiência intelectual,
Pinel, Itard e Seguin começaram a contestar a imutabilidade, a
irrecuperabilidade e o determinismo hereditário e propunham que as
pessoas com deficiência intelectual recebessem atendimento
educacional, além do atendimento médico. Influenciada por Itard e
Seguin, a educadora italiana Maria Montessori começou a defender,
já no século XX, a educação e o tratamento psicológico aos
deficientes, além do atendimento médico.

81
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

No início do século XX, Binet e Simon, elaboram a primeira


escala de inteligência (ALMEIDA, 2004). A partir de então, a
inteligência passa a ser medida e torna-se possível certificar as
mudanças no quociente intelectual (QI). Foguel (1972) mostra que
Binet e Simon assim classificaram a deficiência:

 débeis mentais – pessoas com QI entre 50-70, descritas


como inadaptadas socialmente, imediatistas, todavia
educáveis;
 imbecis – pessoas com QI entre 25-30, caracterizadas
pela pobreza de linguagem, pensamento lento e
conteúdo simples;
 idiotas – pessoas com QI abaixo de 25, descritas como
aquelas que não aprendiam a falar, a controlar os
esfíncteres e a se defender de perigos.

Os testes padronizados de inteligência, ainda atualmente


aplicados, foram divulgados e utilizados de forma ampla nas décadas
de 1910 e 1920. Nas duas décadas subsequentes houve mudanças
nas pesquisas e posicionamentos contrários aos testes de inteligência.
Vygotsky (1997) criticou os psicólogos do desenvolvimento e
educadores que se preocuparam em tabular as deficiências das
crianças. Ele argumentava que a avaliação deve considerar os pontos
fortes e as possibilidades de educação dessas pessoas. Portanto, para
ele, o diagnóstico deve demonstrar o que a pessoa com deficiência
pode realizar em circunstância pedagógica adequada.
Almeida (2004), ao elaborar uma revisão das definições de
deficiência intelectual, informa que a primeira definição foi
apresentada por Tredgold (1908), para quem a

Deficiência intelectual era um estado de defeito mental


a partir do nascimento ou idade mais precoce em
função do desenvolvimento cerebral incompleto e, em
consequência disso, a pessoa afetada se tornava
incapaz de desempenhar suas tarefas como membro da
sociedade (ALMEIDA, 2004, p. 34).

82
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

De acordo com Telford e Sawrey (1988), esse conceito


mostra uma pequena alteração na definição proposta por Doll em
1941, que elencou seis características essenciais para que a pessoa
fosse considerada deficiente: ‘incompetência social’, devido à
‘subnormalidade social’, resultante de uma ‘paralisação no
desenvolvimento’; ‘imaturidade’; ‘origem constitucional’ (hereditária
ou adquirida); ‘incurável’ por meio de tratamento e ‘irremediável’ por
meio de treinamento.
Nota-se, portanto, que os conceitos apresentados em 1908 e
1941 concebem a deficiência intelectual como incurável e as
definições são fundamentadas nos pontos fracos das pessoas, isto é,
na incapacidade do indivíduo.
Em 1961, Rick Heber definiu a deficiência intelectual como:

[...] um funcionamento intelectual geral abaixo da


média, que se origina durante o período de
desenvolvimento e está associado a deficiências no
comportamento adaptativo, funcionamento intelectual
subnormal que se origina no período de
desenvolvimento (estabelecido do zero aos 16 anos) e
está associado com déficit no comportamento
adaptativo (SHIMAZAKI, 1994, p. 45).

É importante salientar que o ‘funcionamento intelectual’ era


verificado por meio de teste de inteligência, e o ‘comprometimento
no comportamento adaptativo’se referia à adaptação ao entorno.
Para Almeida (2004), a definição de Heber significou avanços em
relação às conceituações elaboradas anteriormente no que se referia
à incurabilidade.
A partir dessa definição, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) subdividiu a deficiência mental em quatro níveis: profunda,
severa, moderada e leve. Era considerada deficiente mental profundo
a pessoa que apresentasse o quociente intelectual abaixo de 20 e que
se mostrasse dependente para a realização de qualquer atividade. No
grupo dos deficientes mentais severos incluíam-se as pessoas com o
QI entre 20 a 35, as quais, assim como aquelas com deficiência
mental profunda, apresentavam outros comprometimentos

83
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

associados à deficiência, o que, dependendo do grau de


comprometimento intelectual, fazia com que tivessem dificuldade
acentuada para atingir maiores níveis de abstração. Apresentavam,
no entanto, possibilidades de desenvolvimento das habilidades de
cuidados pessoais e poderiam ser independentes na realização de
atividades diárias. Os deficientes mentais moderados, com QI entre
36 a 52, eram caracterizados como ‘treináveis’ e tinham, segundo a
definição, poucas perspectivas de aprendizagem dos conteúdos
escolares. Os deficientes mentais leves, com QI entre 53 e 70,
caracterizados como ‘educáveis’, eram considerados incapazes de se
beneficiar suficientemente do programa oferecido pelo ensino
regular, mas poderiam desenvolver-se em assuntos acadêmicos até o
nível de 1ª a 4ª séries1, com programa especial. Poderiam adaptar-se
socialmente e até mesmo proverem o próprio sustento. As pessoas
com essa característica eram identificadas, geralmente, na idade
escolar, época em que se exige maior elaboração e desempenho
mental. O fato de determinados problemas só surgirem na idade
escolar levou vários pesquisadores a questionarem o papel da escola
como produtora do fracasso escolar de alunos com deficiência
mental leve2.
Essas caracterizações têm sido contestadas por professores e
pesquisadores que, em seu cotidiano e em seus estudos, comprovam
que as pessoas, independentemente do nível de QI, podem atingir
níveis mais elevados de aprendizagem, se incluídas em situação de
ensino e aprendizagem com mediação adequada. Os estudos
realizados por Ide (1992) mostrar que pessoas tidas como deficientes
mentais leves apropriam-se dos conhecimentos escolares. Da mesma
forma, Shimazaki (1994) atesta que, ao trabalhar com um grupo de
deficientes mentais classificados como moderados, estes foram
capazes de formar conceitos mais elaborados, chegando à abstração
e generalização. O conceito de Heber foi revisto por Grossman, em
1973, que definiu a deficiência mental como “[...] o funcionamento

1 Com a instituição, no Brasil, do Ensino Fundamental de 9 anos, essa


denominação deixou de ser usada e, atualmente, considera-se que o primeiro
ciclo da educação básica vai do 1° ao 5° anos.
2 A esse respeito, consulte os trabalhos de Smolka (1993).

84
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

intelectual geral abaixo da média, existindo concomitantemente com


déficits no comportamento adaptativo e manifestado no período de
desenvolvimento” (GROSSMAN, 1973, p. 35, tradução nossa).
Nessa versão, se estende o período de desenvolvimento até os 18
anos de idade.
A Associação Americana de Deficiência Mental (AAMD),
presidida por Grossman, revisou o conceito em 1983, e atribuiu
maior ênfase ao comportamento adaptativo que ao potencial
abstrato que implica a inteligência, além de referir-se aos cuidados
pessoais e à vida das relações (família, comunidade, entre outros).
Almeida (1994) destaca que essa definição elaborada pela AAMD
contribuiu para a definição de outros sistemas de classificação, como
da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1993b), Classificação
estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID–9) e
Manual estatístico de diagnóstico e perturbações mentais (DSM-III).
A Classificação estatística internacional de doenças e problemas
relacionados à saúde, por meio do Código internacional de doenças –
10 (CID-10), publicado em 1993 (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
DA SAÚDE, 1993a), entende a deficiência intelectual como
desenvolvimento incompleto do funcionamento intelectual, que se
caracteriza pelo comprometimento, durante o período de
desenvolvimento, das faculdades que determinam o nível global de
inteligência, isto é, das funções cognitivas, de linguagem, da
motricidade e do comportamento social. O ‘retardo mental’, termo
utilizado no Manual Estatístico de Diagnóstico e Perturbações
Mentais (DSM-III), pode acompanhar outro transtorno mental ou
físico, ou ocorrer de modo independente e se classifica como:
retardo mental leve; retardo mental moderado; retardo mental grave;
retardo mental profundo; outro retardo mental e retardo mental não
especificado. Tal classificação é aceita até os dias atuais.
Já o Manual estatístico de diagnóstico e perturbações mentais (DSM-
IV), publicado em 1994, estabelece três critérios para o diagnóstico
de retardo mental, sendo o primeiro o funcionamento intelectual
significativamente inferior à média; o segundo, as limitações
significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das
seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, vida

85
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos


comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas, trabalho,
lazer, saúde e segurança, e o último, o início deve ocorrer antes dos
18 anos. Nessa definição, o funcionamento intelectual
significativamente abaixo da média é definido como um QI de cerca
de 70 ou menos. Todavia, mesmo com o QI abaixo de 70, se não
existirem déficits ou prejuízo significativos no funcionamento
adaptativo, a pessoa não deve ser diagnosticada como deficiente
intelectual. O DMS-IV aponta também os níveis de deficiência, que
são: retardo mental leve (QI de 50-55 a aproximadamente 70);
retardo mental moderado (QI de 35-40 a 50-55); retardo mental
severo (QI de 20-25 a 35-40); retardo mental profundo (QI abaixo
de 20 ou 25); retardo mental, gravidade inespecificada (quando existe
forte suposição de retardo mental, mas a inteligência da pessoa não
pode ser testada por instrumentos padronizados).
Em 1992, a então Associação Americana de Retardo Mental
(AAMR) definiu que a deficiência intelectual

[...] se refere a limitações substanciais no


funcionamento atual dos indivíduos, sendo
caracterizado por um funcionamento intelectual
significativamente abaixo da média, existindo
concomitante com relativa limitação associada a duas
ou mais área de condutas adaptativas, indicadas a
seguir: comunicação, autocuidado, vida no lar,
habilidades sociais, desempenho na comunidade,
independência na locomoção, saúde e segurança,
habilidades acadêmicas funcionais, lazer e trabalho. A
deficiência intelectual se manifesta antes dos 18 anos
(LUCKASSON et al., 1992, p. 17).

Ao analisar essa definição, Almeida (1994) explica que a


expressão ‘limitações substanciais’ referem-se a dificuldades em
aprender a realizar tarefas do cotidiano, e as capacidades pessoais
correspondem a ‘limitações substanciais de ordem conceitual, prática
e inteligência social’. Essas três áreas são especificamente afetadas na
deficiência intelectual, enquanto que outras capacidades pessoais

86
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

(como saúde e temperamento) não são. O funcionamento intelectual


é definido pelo QI, isto é, por meio de teste de inteligência. Todavia,
nessa definição, o QI não é o único determinante da classificação,
pois para ser considerada deficiente intelectual, além do baixo QI, a
pessoa deve apresentar defasagem em duas ou mais áreas de
condutas adaptativas, e o diagnóstico deve ter sido elaborado antes
dos 18 anos de idade. Portanto, o diagnóstico de deficiente
intelectual precisa considerar três condições necessárias: o QI
inferior a 70-75; a deficiência ter se manifestado no período de
desenvolvimento e comprometimento em duas ou mais áreas das
condutas adaptativas.
Assim, enfatiza-se, novamente, a influência da AAMR no
conceito da deficiência intelectual apresentado pelo DMS-IV. Essa
associação redefine o sistema de classificação dos níveis de
deficiência em quatro níveis de apoio:

 intermitente: apoios de curto prazo se fazem necessários


às transições da vida (por exemplo, a perda de um
emprego);
 limitado: apoio regular durante um período curto (por
exemplo, o treinamento para o trabalho);
 extensivo: apoio constante, com comprometimento
regular, sem limite de tempo (por exemplo, apoio de
longo prazo no trabalho ou na vida doméstica);
 generalizado: apoio constante e de alta intensidade,
possível necessidade de apoio para manutenção da vida
(ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE RETARDO
MENTAL, 2002).

Esses apoios são recursos e estratégias que visam promover o


desenvolvimento, a educação, os interesses e o bem-estar pessoal e
que melhoram o desempenho do indivíduo.
Como mostra Luckasson et al. (2002), essa definição foi
revista quando a deficiência intelectual foi tomada como uma
incapacidade que se origina antes dos 18 anos e se caracteriza por
limitações significativas no funcionamento intelectual e no

87
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

comportamento adaptativo, expressos nas habilidades sociais,


conceituais e práticas.
As habilidades conceituais referem-se ao conhecimento e uso
da linguagem oral e escrita, dos conceitos matemáticos e à
independência na locomoção; as habilidades sociais estão voltadas à
área interpessoal, à aquisição de comportamento, responsabilidade,
autoestima, enquanto que as habilidades práticas referem-se às
atividades práticas e cotidianas. Segundo essa conceituação, ao se
discutirem as limitações na inteligência, devem ser consideradas
outras dimensões, a saber, comportamento adaptativo; participação;
interações e papéis sociais; saúde e contexto.
De acordo com a definição da 10ª edição da AAMR (2002),
devem ser consideradas cinco hipóteses:

a) As limitações no funcionamento atual devem ser


consideradas no contexto dos ambientes da comunidade
próprios da faixa etária e da mesma cultura do indivíduo.
b) A avaliação deve considerar a diversidade cultural e
linguística e também as diferenças nos fatores de
comunicação, sensoriais, motores e comportamentais.
c) As limitações frequentemente coexistem com as
capacidades.
d) Ao se descrever as limitações é desenvolver um perfil dos
apoios necessários.
e) Com os apoios personalizados, apropriados durante um
determinado período, o funcionamento cotidiano da
pessoa com retardo mental, em geral melhora
(ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE RETARDO
MENTAL, 2002).

Outros documentos que se referem a pessoas com


deficiência intelectual são os seguintes: em 1994, o Ministério da
Educação (MEC) divulgou o documento Política Nacional da
Educação Especial – em 1994 (BRASIL, 1994). Esse documento, no
qual corrobora a definição de deficiência intelectual apresentada por
Luckasson et al. (1992). O mesmo acontece com o Decreto nº

88
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

3.298,de 20 de dezembro de 1999 (BRASIL, 1999). Já o documento


Educação inclusiva: atendimento educacional especializado para o deficiente
mental, publicado pelo MEC em 2005 (BRASIL, 2005a), discute as
diferentes conceituações da deficiência e cita que, em 1980, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs três níveis da doença:
deficiência, incapacidade e desvantagem social. O documento
objetiva orientar os sistemas de ensino para o atendimento
educacional das pessoas com deficiência intelectual.
Em 2003, o MEC, por meio da Secretaria de Educação
Especial, criou o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade.
Nesse documento, ao apresentar os conceitos utilizados na educação
especial/censo escolar, define a deficiência intelectual como “[...]
limitações significativas tanto no funcionamento intelectual como na
conduta adaptativa na forma expressa em habilidades práticas,
sociais e conceituais” (BRASIL, 2005b, p. 16). É importante destacar
que, nesse documento, a síndrome de Down é definida como um
grupo diferente da deficiência intelectual.
O documento Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) foi elaborado
por um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria de Educação
Especial (SEESP/MEC) e discutiu e sistematizou as diretrizes para
nortear a educação especial. Apresenta como alunado do
atendimento educacional especializado as pessoas com deficiência,
os que possuem transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação. Nesse documento são considerados
alunos deficientes “[...] aqueles que têm impedimentos de longo
prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial” (BRASIL,
2008, p. 3).
A Resolução CNE/CEB n° 4/2009, fundamentada no
Decreto-lei n° 13/2009, definiu como alunos deficientes aqueles que
têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual,
mental ou sensorial. É importante ressaltar que, nesses documentos,
aparecem a deficiência intelectual e a mental como categorias
diferentes (BRASIL, 2009).
No Brasil, a definição adotada é a mesma ou semelhante à da
Associação Americana, todavia é preciso considerar que o grupo de

89
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

pessoas denominadas como deficientes intelectuais não apresenta


característica homogênea. Há vários fatores que contribuem para o
desenvolvimento do indivíduo, portanto, ao educar alguém com
deficiência intelectual, é necessário considerar as questões culturais,
sociais e linguísticas em que o indivíduo vive. Os rótulos podem
gerar expectativas comportamentais absolutas e reações negativas
pela sociedade, entretanto, as pessoas com deficiência intelectual
podem apresentar níveis elevados de elaboração cognitiva, desde que
as condições de ensino e aprendizagem sejam favoráveis.
Entre os trabalhos de relevância na área, é fundamental
destacar os trabalhos de Vygotsky, especialmente a obra Fundamentos
da defectologia (1997), na qual são apresentadas discussões teóricas e
críticas na esfera do estudo da deficiência, bem como relatos de
experiências práticas junto às pessoas deficientes. O autor ressalta
que a educação oferecida às pessoas deficientes deve preocupar-se
com as possibilidades, sempre no sentido de transcender a
deficiência. Assim fez Vygotsky ao trabalhar com as pessoas
deficientes, como cita Luria (1987, p. 34).

Ao trabalhar com as deficiências, Vygotsky concentrou


a sua atenção nas habilidades que as crianças
deficientes tinham, habilidades estas que poderiam
formar a base para o desenvolvimento de suas
capacidades integrais. Interessa-se mais por suas forças
que por suas deficiências. Consistente no seu modo
global de estudo, rejeitava as descrições simplesmente
quantitativa das crianças, em termos de traços
psicológicos unidimensionais, refletidos nos resultados
de dois testes. Em vez disso, preferia confiar nas
descrições qualitativas da organização especial de seus
comportamentos.

A partir do momento em que o ensino direcionado às


pessoas deficientes passar a se preocupar com o desenvolvimento de
suas capacidades, certamente, pode-se esperar que ocorram algumas
mudanças qualitativas no quadro educacional. Evidentemente, os
talentos variam de uma pessoa para outra, de modo que é possível

90
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

buscar uma forma de transcender a deficiência. Segundo Vygotsky


(1997), a educação dada aos deficientes deve ser centrada na
superação e na compensação e nunca na deficiência.
Ao trabalhar com as pessoas com deficiência intelectual, o
professor pode e deve, por meio da mediação social, criar e
consolidar funções que estão em fase de amadurecimento. A pessoa
com deficiência intelectual, quando deixada agindo por si mesma,
terá maiores dificuldades em atingir o pensamento abstrato. O
professor deve ajudá-la a fazer abstrações, bem como organizar e
oferecer os instrumentos necessários que possibilitem ao aluno
reorganizar sua atividade cognitiva. O professor e a escola
constituem uma instância mediadora para o desenvolvimento dos
processos psíquicos superiores.

Considerações finais

Ao verificar as transformações do conceito de deficiência


intelectual, nota-se que a preocupação com a educação dessas
pessoas ainda é recente, e os pesquisadores têm buscado
mecanismos para não estigmatizá-las. Os rótulos podem encaminhar
para a reação negativa, pois instauram ideias preconcebidas em
relação às capacidades.
Constatamos que, desde a primeira classificação da
deficiência intelectual, os testes psicométricos são utilizados para
determinar o QI da pessoa com suspeitas de deficiência. Acredita-se
que esses testes sejam apenas uma das formas de reconhecer a
pessoa com deficiência intelectual e fornecer aportes ao trabalho
docente. Tais testes devem ser refeitos constantemente e as condutas
adaptativas devem ser consideradas.
Os educadores precisam pensar nas possibilidades de fazer
com que os alunos se apropriem dos conteúdos escolares,
independente do seu provável QI. Para isso, é necessário buscar
estratégias que efetivamente oportunizem a participação da pessoa
com deficiência intelectual em tudo o que for possível, junto às
demais pessoas, sejam elas deficientes ou não.

91
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

No âmbito escolar, o convívio das pessoas com deficiência


intelectual e os demais alunos se faz necessário, em alguns
momentos e em algumas situações, principalmente quando as
atividades são mais desafiadoras. Da mesma forma, é importante
alterar, modificar e adaptar o currículo de modo a possibilitar o
acesso à participação social de todos.
A inclusão dos deficientes intelectuais, tanto nas escolas
como nos demais órgãos sociais, tem se constituído em um desafio,
pois a sociedade atual valoriza as habilidades intelectuais e exige
conhecimento escolar dos seus integrantes. Portanto, é fundamental
que sejam desenvolvidos mecanismos para que as pessoas com
deficiência intelectual possam se apropriar do conhecimento e
utilizá-lo em seu dia a dia. É dessa forma que se contribui para a
verdadeira cidadania.

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95
Capítulo 5
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS
FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO E A
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA
HISTÓRICO-CULTURAL
Dorcely Isabel Bellanda Garcia

Introdução

Este texto tem o objetivo de refletir sobre as contribuições


da teoria histórico-cultural, desenvolvida por psicólogos soviéticos,
para a compreensão dos processos de aprendizagem e
desenvolvimento das funções complexas do pensamento em pessoas
que apresentam deficiência intelectual1.
O enfoque central do texto será nos estudos realizados por
Vygotsky (1997) sobre defectologia, em especial sobre a deficiência
intelectual, a que o autor se refere como ‘crianças mentalmente
atrasadas’.
Góes (2002) explica que, dos estudos sobre defectologia de
Vygotsky foram abstraídas questões referentes a indivíduos com
deficiência, em especial buscando formas alternativas e recursos
especiais para o desenvolvimento e a educação dessas crianças.
Vygotsky dedicou maior tempo de seus trabalhos ao estudo
sistemático da vida e do desenvolvimento das crianças (pedologia) e
ao estudo sobre pessoas com deficiência intelectual ou transtornos
de desenvolvimento (defectologia). Ocupou funções relativas a essas
especificidades em institutos, departamentos e comitês. Realizou
pesquisas, discutiu o trabalho educativo e esteve envolvido em
atividade clínica. Sua dedicação ocorreu, principalmente, devido ao

1 As ocorrências da terminologia deficiência mental foram substituídas no texto


por deficiência intelectual (exceto nas citações diretas).
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

interesse na compreensão e busca do aprimoramento dos processos


educativos.

Quanto a essa articulação de esforços, Kozulin (1994)


lembra que a produção de Vygotsky foi orientada tanto
para questões teóricas quanto para o atendimento a
demandas práticas. Na década de 1920, depois do
período que abrangeu a Primeira Guerra Mundial, a
Revolução Russa e a Guerra Civil, era imenso o
número de crianças e jovens abandonados, órfãos ou
desligados da família, que apresentavam doenças
decorrentes de desnutrição, deficiências, distúrbios
emocionais, transtornos de conduta ou envolvimento
em delinquência e prostituição (GÓES, 2002, p. 97).

Para melhor entendimento de seu trabalho sobre defectologia


é importante ter uma visão geral de suas atividades. Essa abordagem
teórica, fundamentada em princípios marxianos, demonstra que o
que diferencia o homem de outras espécies animais, o que é
essencialmente humano, decorre de sua vida em sociedade e
considera o trabalho como o responsável pela formação e
transformação do homem que produz cultura. O trabalho, por meio
de instrumentos físicos, é deflagrador das mudanças humanas, tanto
nos aspectos físicos como psíquicos (GARCIA, 2005).
O homem significa o mundo e a si próprio por meio da
experiência social. A compreensão da realidade e as formas de agir
ocorrem devido à mediação do outro, por signos e instrumentos. O
desenvolvimento humano não segue um curso linear, evolutivo, mas
sim um processo dialético complexo. No decorrer do
desenvolvimento da criança vão sendo realizadas trocas entre a ela e
o objeto e, principalmente, entre a ela e as pessoas que com quem
convive.

Nesse processo, os signos e significados culturais vão


sendo internalizados. A passagem do plano
interpsíquico para o intrapsíquico é realizado por meio
da regulação intensa de pessoas que se fazem presentes
na vida da criança. A consciência, gradativamente, vai

98
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO E A
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

sendo dirigida por necessidades que antes de serem


individuais são sociais, produto do trabalho mediato e
imediato (GARCIA, 2005, p. 66-67).

Ao entrar em contato com os significados das diversas


formas de comunicação, socialmente elaborados, por meio da
interferência de pessoas, a criança introjeta e desenvolve
características específicas de percepção, memória, atenção,
raciocínio, abstração e demais capacidades, as quais passam a fazer
parte do seu mundo. A mediação dos signos e significados é
responsável por recriar a atividade psíquica, de maneira que aspectos
do coletivo são apropriados individualmente (GARCIA, 2005).
Para Vygotsky, as leis gerais do desenvolvimento são iguais
para todas as crianças. Entretanto, existem muitas especificidades na
organização sociopsicológica da criança com deficiência intelectual,
uma vez que seu desenvolvimento solicita caminhos diversos e
recursos especiais.
As suposições mais abrangentes unem-se à ideia de
compensação, considerada pelo autor como um processo primordial
do desenvolvimento de indivíduos com deficiência intelectual. Esse
processo está presente em todos os seres humanos.

No homem, ocorrem compensações de ordem


orgânica, pelas quais um órgão substitui outro ou
realiza as funções deste. Mas, para compreender o
funcionamento humano, é essencial considerar as
compensações sociopsicológicas, que são distintas
(embora possam ser vistas como análogas) das
orgânicas. No plano sociopsicológico, as possibilidades
compensatórias do indivíduo concretizam-se na
dependência das relações com outros e das
experiências em diferentes espaços da cultura (GÓES,
2002, p. 99).

De acordo com essa abordagem teórica, a compensação é


entendida como aspecto básico na formação da criança com

99
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

deficiência intelectual, uma vez que o desenvolvimento está atrelado


à qualidade das vivências.
Para Góes (2002), ao apresentar uma deficiência intelectual
específica, o desenvolvimento do ser humano vai depender das
condições concretas proporcionadas pelo grupo em que está
inserido, que pode ser rico em estímulos ou empobrecido. A
deficiência por si só não vai determinar o destino dessa criança, mas
sim o trabalho a ser desenvolvido com ela, as formas de cuidado e a
educação recebida. Portanto, é possível compreender que as
experiências proporcionadas à criança serão responsáveis pela
viabilização de seu processo de desenvolvimento.
Para a abordagem histórico-cultural, o principal aspecto
presente no desenvolvimento psíquico da criança refere-se à
apropriação dos conhecimentos adquiridos pelas gerações anteriores,
conhecimentos estes que não são transmitidos filogeneticamente. A
internalização dos conhecimentos concretiza-se na atividade que a
criança realiza com os objetos e os fenômenos do mundo que a
cerca. Para que a atividade se efetive, é necessária a comunicação
prática e verbal com as pessoas que a rodeiam.
Também Leontiev (2004) aponta elementos que ajudam no
entendimento de crianças que apresentam deficiência intelectual.
Segundo ele, a manifestação de atraso no desenvolvimento
intelectual de crianças é encontrada no mundo todo. Essas crianças
demonstram dificuldades em apresentar resultados satisfatórios em
ritmos e nas condições consideradas normais. No entanto, as
experiências demonstram que quando essas mesmas crianças são
inseridas em ambientes adequados e trabalha-se com elas com
metodologia apropriada, em sua grande maioria, conseguem
progressos significativos e até mesmo superar suas dificuldades.
Essas constatações levam a um olhar diferenciado para o
entendimento das verdadeiras causas da deficiência intelectual e aos
seguintes questionamentos: Qual a verdadeira causa da deficiência
intelectual? O atraso é real, irreversível ou foi consequência de más
condições, de falta de um trabalho adequado no decorrer do
desenvolvimento da criança? Os diagnósticos dados por médicos e
psicólogos são fidedignos ou seus laudos contribuem para engrossar

100
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO E A
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

a lista dos diagnósticos não confiáveis? Quais são os critérios


adotados?
Para Leontiev (2004) seria errôneo atribuir o resultado às
formas de diagnóstico e seleção, pois se trata também de má
compreensão da natureza das deficiências intelectuais.
Segundo o mesmo autor, o estudo do desenvolvimento
psíquico da criança evidencia largas possibilidades em seu processo,
nem sempre exploradas. O preocupante é o grande número de
diagnósticos e prognósticos que são desprovidos de fundamentos
seguros.
Nesse sentido, devem ser considerados aspectos importantes,
concernentes à deficiência intelectual, tais como as disposições
biológicas; as particularidades intelectuais (principalmente as
referentes à atividade nervosa superior); a importância das
particularidades emocionais; o campo das motivações da
personalidade da criança. Além disso, as condições sociais em que a
criança vive e se desenvolve, os métodos pedagógicos utilizados, a
necessidade de ajuda especial são aspectos fundamentais.

O desenvolvimento intelectual da criança e a formação de


ações mentais

A criança muito cedo entra em contato com a comunicação


verbal no ambiente em que está inserida. De acordo com Leontiev
(2004, p. 348), ela “[...] trava conhecimento com as palavras, começa
a compreender a sua significação e a utilizá-las ativamente na sua
linguagem”.
A linguagem, constituída de conteúdos decorrentes da
experiência histórica dos homens, de sua prática sócio-histórica, é
considerada um dos aspectos mais importantes para o
desenvolvimento mental do ser humano. É por meio da linguagem
que a criança entra em contato e se apropria do saber acumulado
pela humanidade e dos conceitos sobre o mundo que a rodeia. Para
a apropriação desses conhecimentos e conceitos, a criança deve
utilizar processos cognitivos adequados.

101
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

São duas as hipóteses sobre como esses processos são


formados, mas aqui, de antemão, devem ser rejeitadas.
Primeiramente a que defende que as funções intelectuais e cognitivas
da criança são inatas e simplesmente avivadas pelos fatores externos.
A segunda afirma que as experiências individuais são responsáveis
pela formação de ações mentais.
Para Leontiev (2004, p. 349-350), a formação de ações
mentais segue outro percurso:

A apropriação dos conceitos, das noções dos


conhecimentos supõe, portanto, a formação na criança
das operações mentais adequadas. E para isso, elas
devem ser elaboradas nela ativamente. Elas aparecem,
primeiramente, sob a forma de ações exteriores que o
adulto forma na criança e que em seguida apenas são
transformadas em operações mentais intelectuais
interiores.

As ações mentais são realizadas em forma de operações


externas com os objetos, com o auxílio de um adulto. Nesse
momento, a transformação já está ocorrendo. Em um segundo
momento, as ações passam para o plano da linguagem, quando
ocorre a verbalização. Essa mudança segue o curso apontado e
automatiza-se aos poucos. Somente na etapa posterior é que a ação é
totalmente transposta para o plano mental, sofrendo novamente
alterações até a aquisição de todos os traços peculiares pertinentes
aos processos interiores do pensamento.
Algumas considerações sobre crianças com deficiência
intelectual são importantes: se a finalidade do ensino é proporcionar
às crianças determinados conhecimentos, sem muita preocupação
com o meio ou com as operações por elas utilizadas na resolução
dos problemas escolares que lhe são dados, e se não se atentar para o
fato de que determinadas mudanças só são possíveis no momento
seguinte, o desenvolvimento das operações mentais pode ficar
comprometido.
Vygotsky (1989) fez diversas críticas às teorias para as quais
as funções intelectuais do homem decorrem de um processo

102
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO E A
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

maturacional, demonstrando que a cultura deve ser compreendida


como aspecto presente na natureza de cada indivíduo. Nesse
processo, os elementos maturacionais representam papel secundário,
visto que o desenvolvimento do psiquismo ocorre devido a
mudanças complexas que envolvem aspectos quantitativos e
qualitativos, passando de funções elementares para funções
complexas superiores. No processo de desenvolvimento,
distinguem-se duas linhas, que se diferenciam de forma qualitativa:
os processos elementares, cuja origem é biológica, e as funções
psicológicas superiores, de origem sociocultural.
É na interação com outras crianças e com adultos mais
experientes que a criança apropria-se dos signos e dos significados
criados culturalmente. Nesse sentido, como já foi dito, a fala ocupa
papel privilegiado no desenvolvimento dos processos psíquicos,
pois, por meio dela, inicialmente, a criança controla o ambiente e,
depois, passa a controlar o próprio comportamento. No processo de
desenvolvimento, a fala passa a fazer parte de todas as ações da
criança, que se depara diariamente com situações a serem resolvidas.
Vygotsky (1989) explica que em um primeiro momento, a criança
realiza a ação e, somente depois, fala sobre ela. Com o
desenvolvimento da linguagem e sua internalização, a ação vem
acompanhada da fala; posteriormente a isso, a fala precede a ação,
ou melhor, organiza a ação; é, portanto, pensamento.
Para Vygotsky (1989), a passagem da fala interna para a
externa é representada pela fala egocêntrica, considerada o suporte
para a fala interior, que, por sua vez, diminui com o
desenvolvimento do pensamento, mas não deixa de existir
completamente. Com o passar do tempo, a criança utiliza a
linguagem para si mesma, como instrumento com função
planejadora na resolução de problemas, não tendo o intuito de
requerer a colaboração do adulto. A linguagem passa a ser utilizada
não só de modo interpessoal, mas também intrapessoal. No
processo de desenvolvimento da criança, desde o início de sua vida,
as atividades de que participa adquirem significados específicos
relacionados ao contexto e pressupõem ações mediadas. Tais ações
são definidas pela cultura, a qual é responsável por instrumentalizar

103
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

o ser humano em sua ação no mundo, e os instrumentos adquiridos


nessa inter-relação possibilitam a troca entre os indivíduos,
proporcionando mudanças.
Segundo Luria (1991), a generalização é a função principal da
linguagem, sem a qual não haveria possibilidade de adquirir as
experiências das gerações passadas. Além da generalização, a
linguagem é também a base do pensamento e uma forma para
regular o comportamento. De acordo com ele, as experiências
desenvolvidas com crianças com deficiência intelectual,
denominadas por Luria de oligofrênicas, demonstram que a
participação da linguagem na formação de novas conexões segue um
percurso diferenciado daquele que seguem as demais crianças. A
incapacidade de realizar uma análise verbal independente da tarefa
existente e de formular uma regra de ação significa que a
participação da linguagem na formação de novas conexões está
bastante limitada. No entanto, as crianças com menor
comprometimento não diferem muito ao utilizar a linguagem.

A criança oligofrênica pode descrever com facilidade,


verbalmente, as características que percebeu
visualmente, mas é incapaz de distinguir, com a ajuda
da linguagem, características relativamente menos
importantes e de fixar o seu significado de sinal; por
outras palavras, é incapaz de fazer um trabalho
complexo de análise e síntese que leve à formação de
uma regra estável de ação (LURIA, 1991, p. 133-134).

Duas das características presentes nas crianças com


deficiência intelectual na formação de conexões complexas, e que
são responsáveis por muitos problemas pedagógicos, são a
dificuldade e a lentidão na concretização de novas ligações quando
da realização de tarefas mais elaboradas, bem como a prostração do
hábito adquirido. Além disso, são aspectos observados nos
indivíduos que possuem comprometimento intelectual: a
incapacidade de utilizar as informações obtidas no processo de
comunicação verbal; a impossibilidade de percepção das instruções
verbais de forma generalizada, transformando-as em regra de ação, e

104
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO E A
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

a dificuldade em utilizar a linguagem como forma de pensamento


autônomo.

As investigações demonstraram que a dificuldade


criada pelo sistema dinâmico motor da linguagem
constitui um fator psicológico importante que obsta à
realização de ações complexas pela criança
mentalmente atrasada. Há outro fato que determina as
dificuldades da criança mentalmente atrasada em
regular as suas próprias ações mediante a palavra.
Como já dissemos, a linguagem da criança só pode
regular seus processos motores se os processos
nervosos subjacentes à linguagem forem mais móveis e
mais concentrados do que os processos nervosos em
que se baseiam as reações motoras. Mas as conexões
da linguagem da criança oligofrênica são ainda menos
móveis do que as suas reações motoras, e convertem-
se com facilidade em formas estereotipadas (LURIA,
1991, p. 139).

As diferenças entre os processos nervosos superiores de uma


criança que possui deficiência intelectual e de uma criança da mesma
idade, considerada normal, podem ser sintetizadas na maneira como
assimilam, transformam e colocam em uso os recursos e os
significados da linguagem. Em outras palavras, as funções
psicológicas superiores da criança considerada normal formam-se
em virtude da comunicação com adultos; a linguagem, por sua vez,
transforma-se rapidamente de meio de generalização em
instrumento de pensamento e em instrumento que possibilita regular
o comportamento.
Na criança que apresenta deficiência intelectual, o fenômeno
é muito diferente. No decorrer do desenvolvimento, a assimilação da
linguagem também é realizada por essas crianças, mas existe um “[...]
desvio patológico nos processos nervosos [...]” que não permite o
aparecimento de sistemas complexos e móveis de conexões,
importantes para o funcionamento normal da linguagem (LURIA,
1991, p. 140). As conexões da linguagem da criança com deficiência
intelectual não correspondem, portanto, ao papel ativo, significativo

105
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

para a formação da atividade intelectual, necessária para a regulação


do comportamento. Transtornos na participação da linguagem na
formação de processos mentais elaborados e deficiência nas funções
reguladoras e generalizadoras são aspectos importantes que
caracterizam a criança com deficiência intelectual.

Recursos especiais, mediação necessária

Segundo Góes (2002), Vygotsky salienta que existem


aspectos fundamentais a serem considerados na forma como a
sociedade é constituída: a vida social está organizada de acordo com
as condições de desenvolvimento ditas ‘normais’. A sua dinâmica, os
instrumentos utilizados, os ambientes estão dispostos de forma
adequada para o tipo biológico estável do ser humano que não tem
nenhuma dificuldade de adaptação. A inserção da criança na cultura
depende de funções e aspectos que, em termos de vivência e
subsistência, partem do princípio de que o indivíduo possui todos os
seus órgãos intactos e não conta com nenhuma deficiência. O
desenvolvimento humano que apresenta características atípicas
provavelmente encontrará dificuldades em apropriar-se da cultura
em um primeiro momento.
Diante da condição da deficiência intelectual, faz-se
necessário criar condições culturais diferenciadas que mobilizem as
forças compensatórias e contribuam para a descoberta de caminhos
alternativos de desenvolvimento. Os recursos diferenciados e
especiais, que promovem a acessibilidade, o acolhimento e a inserção
do indivíduo na sociedade, para que a apropriação da cultura seja
possibilitada. A deficiência orgânica deve ser considerada, mas são as
condições sociais e culturais que possibilitam ao ser humano o
desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores. Leontiev
(2004) assegura que o homem, ao nascer, é apenas um candidato à
humanidade, e tornar-se-á homem no convívio com outros homens.
Com base nesse entendimento, é possível afirmar que as funções
elementares não podem ser consideradas determinantes no processo.

106
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO E A
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

Na linha desses argumentos, a educação de pessoas


com deficiência deve voltar-se para a construção das
funções psicológicas superiores e não privilegiar as
funções elementares. Essa formulação advém de um
raciocínio sobre a deficiência, que pode ser assim
resumido: o núcleo orgânico da deficiência não é
modificável pela ação educativa; as funções
elementares prejudicadas são sintomas que derivam
diretamente desse núcleo e, por isso, são menos
flexíveis. O funcionamento superior está
secundariamente ligado ao fator orgânico e depende
das possibilidades de compensação concretizadas pelo
grupo social; daí mostra-se mais suscetível à ação
educativa. Desse modo, a educação do cego ou do
surdo, por exemplo, não pode ser orientada para a falta
de audição ou de visão e, sim, para o potencial de
desenvolvimento das funções humanas complexas
(GÓES, 2002, p. 100-101).

Em vista disso, a educação especial tem como especificidade


proporcionar experiências que, por diversos caminhos, possam
trabalhar com os mesmos objetivos gerais, aspecto que se faz
necessário para o desenvolvimento cultural da criança, que também
precisa ser inserida no ambiente social em espaços diversificados.
No que diz respeito ao trabalho, Vygotsky critica as atividades
mecânicas e repetitivas, que são executadas em oficinas com pessoas
que apresentam deficiência intelectual, como, por exemplo, cestos e
escovas feitos por cegos; tapetes e cabides feitos por deficientes
intelectuais e/ou venda dos produtos em situações que causam
constrangimento.
Outro aspecto é a supervalorização da deficiência intelectual,
restringindo a consideração da criança em si. A pessoa em seu
aspecto global é deixada em segundo plano, seja referente às suas
possibilidades ou à complexidade de seu funcionamento. O autor
alerta que quem deve ser educada em primeiro lugar é a criança, e
não a ‘criança deficiente’.

107
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Uma sequência de ações configura esse equivocado


modelo educacional. Para começar, o diagnóstico
tende a empregar parâmetros para identificar
características estáveis com o fim de classificar.
Negligencia os aspectos dinâmicos e as potencialidades
da criança, estabelecendo níveis predeterminados para
seu desenvolvimento. Esse diagnóstico não só dá
modelos para a avaliação de desempenho escolar como
também condiciona o planejamento educacional, ao
apontar para os limites do que e do quanto é passível
de ser ensinado (GÓES, 2002, p. 102).

Segundo Góes (2002), Vygotsky propõe novas diretrizes para


o diagnóstico e para a educação, numa visão diferenciada que
considere o desenvolvimento de forma ativa, levando em conta as
capacidades e as possibilidades de cada criança. Os objetivos
educacionais almejados e estabelecidos para as crianças com
deficiência intelectual devem ser os mesmos esperados para as
demais crianças.
É preciso considerar que as crianças com deficiência
intelectual podem necessitar de um ensino em tempo mais
prolongado, e com recursos e procedimentos especiais, sua
aprendizagem pode alcançar níveis menos elevados, mas os
conteúdos trabalhados e a preparação para a vida futura devem ser
iguais aos almejados para as demais crianças. Isso significa dizer que
não existem limites predeterminados para o que ela irá atingir e que
suas possibilidades não podem ser subestimadas. Entretanto, isso
não significa que o indivíduo com deficiência intelectual ou com
qualquer outra deficiência desenvolverá capacidades iguais àquelas
das crianças que não apresentam nenhum comprometimento.
Nesse sentido, consideram-se algumas técnicas e
procedimentos fundamentais no trabalho desenvolvido com o aluno
com deficiência intelectual, as quais devem enfatizar a mediação a ser
realizada pelo educador para a aprendizagem e o desenvolvimento
das potencialidades da criança, e também investir na compensação
para libertar a criança das impressões perceptuais concretas.
Portanto, o educando deve ser desafiado, conduzido ao processo de

108
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO E A
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

generalização do pensamento, ao desenvolvimento de suas funções


psicológicas superiores.
Desse modo, a mediação torna-se mais efetiva na medida em
que as possibilidades do aluno são consideradas, no sentido de dar-
lhe crédito e ajudá-lo em seu desenvolvimento, colaborar para o que
pode funcionar como ‘alimento’, motivá-lo a realizar suas atividades
e contribuir em suas conquistas futuras.
Por outro lado, aceitar passivamente a criança e o modo
como se apresenta pode não se constituir em benefícios para ela,
visto que é primordial movê-la para a superação de suas dificuldades.
Isso significa dizer que os limites da criança devem ser respeitados,
mas o educador precisa ter sempre a convicção de que a criança
pode melhorar e modificar-se. Por isso é necessário o
comprometimento e o empenho tanto do mediador, como do
indivíduo em busca dos objetivos almejados.
A mediação pedagógica com materiais apropriados, realizada
pelo professor, é essencial na formação dos conceitos científicos e
no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Sua ação
precisa ser direcionada para a organização de conteúdos que
possibilitem ao aluno exercitar seus processos mentais,
proporcionando diferentes níveis de desenvolvimento.

Figura 1 – Material escolar.

Fonte: Acervo da autora.

109
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Para Vygotsky (1989), o processo de desenvolvimento da


criança não se adianta ao processo de aprendizagem, ou melhor,
caminha de forma mais lenta. Segundo o autor, é a aprendizagem
que promove o desenvolvimento, que, por sua vez, possibilita novas
aprendizagens. Desse entendimento surge o que Vygotsky
denominou de zona de desenvolvimento proximal, que se refere à
distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de
desenvolvimento potencial da criança. É aí que o ensino deve atuar,
possibilitando possível desenvolvimento.
A compreensão desses processos é importante para que a
escola possa planejar ações que favoreçam o desenvolvimento do
aluno. A maneira como a mediação docente é realizada representa
fator primordial para promover aprendizagem, e, consequentemente,
o desenvolvimento. A mediação aqui mencionada não diz respeito a
qualquer interação, mas sim à organização de um ensino cujos
conteúdos sejam trabalhados de modo a permitir a reflexão dialética,
que busca apreender as leis sociais e históricas dos fenômenos reais,
nas suas contradições, e, dessa forma, os objetivos possam ser
pensados nas suas relações, presentes em um dado contexto
(GARCIA, 2005).
Góes (2002) relata que o desenvolvimento da criança com
deficiência intelectual é concomitantemente semelhante e diferente
daquele apresentado por uma criança ‘normal’, razão pela qual os
objetivos educacionais devem ser os mesmos. No entanto, para que
sua educação e desenvolvimento ocorram, condições especiais
fazem-se necessárias. Caminhos diversificados e recursos especiais
são peças-chave no trabalho com essas crianças e esses aspectos não
devem ser entendidos como restritos à escolarização ou às
metodologias de ensino, embora sejam indispensáveis. Muitas
condições estão envolvidas nesse processo, como os espaços da
cultura e as mudanças no modo de pensar do grupo social. A
comunidade deve ser reeducada para contribuir para a formação da
pessoa com deficiência intelectual.

A necessidade de uma compreensão abrangente das


proposições é confirmada, ainda, pelo modo como são
apresentadas críticas, proposições e projeções sobre a

110
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO E A
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

vida dos indivíduos com deficiência, as quais implicam


questões de ordem política, ética, socioeducacional e
escolar. Isso pode ser ilustrado por afirmações de
Vygotsky quanto à inserção desses indivíduos na
sociedade. Para ele, o grupo social é responsável por
garantir que, no futuro, eles não sejam tratados ou se
sintam como seres deficientes. Os avanços do
conhecimento permitirão a melhoria da saúde e a
prevenção ou, talvez, a correção de deficiências, como
a cegueira e a surdez. Mas a preocupação maior e a
expectativa do autor estão na mudança de mentalidade
(GÓES, 2002, p. 106).

Entendidos de forma abrangente, os caminhos diferenciados


podem considerar os recursos auxiliares, especiais, ou seja, devem
abranger formas de procedimentos de ação, equipamentos, técnicas
e outros, mas o principal propósito é permitir a interação social, a
participação e a apropriação da cultura, desenvolver a linguagem e as
formas de significar o mundo, possibilitando o aprimoramento dos
níveis de pensamento.

Considerações finais

São inúmeras as dificuldades para praticar a inclusão com os


indivíduos que apresentam alguma deficiência. Segundo as Diretrizes
Curriculares, as escolas devem receber esses alunos com as devidas
adaptações necessárias. Mesmo os alunos sendo recebidos nas
escolas e nelas permanecendo, eles podem não receber o
atendimento de que necessitam, podendo ficar à margem dos
acontecimentos e com atividades rotineiras, pois muito pouco é
realizado para atender às peculiaridades de sua diferença. É notória a
falta de recursos humanos, materiais, projetos pedagógicos
inovadores da escola de forma ampla. O que se fazem necessários
não são apenas pequenos ajustes no âmbito escolar, mas a
modificação da escola.
Vygotsky teceu críticas significativas à escola especial de seu
tempo e persistiu na ideia de uma educação especial condizente com

111
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

a condição não típica de que o aluno necessitava. Esses alunos não


podem contar apenas com oportunidades semelhantes, mas devem
ter seus direitos iguais e garantidos como seres humanos e
participantes de diferentes esferas sociais. Sendo assim, devem
receber condições diferenciadas de desenvolvimento e educação,
possibilitando maior dignidade para sua existência e vivência
cultural.
A perspectiva de inclusão encontra dificuldades significativas
também fora do âmbito escolar, em falas contraditórias, ações e
atitudes diversas. Apesar das contradições de muitos discursos e
realizações, é possível verificar em nossos dias a concretização de
transformações significativas: a mídia mostra trabalhos expressivos
de pessoas cegas, surdas, com síndrome de Down ou com quaisquer
outras necessidades especiais que atuam em associações próprias
com o intuito de reivindicarem seus direitos. Por exemplo, a prática
da dança por jovens e crianças com problemas de locomoção faz
parte de cenas atuais, as quais, no entanto, ainda convivem com
cenas antigas.

Referências

GARCIA, Dorcely Isabel Bellanda. Implicaçõesda mediação no


desempenho de crianças com dificuldades escolares, em uma
sala de recursos. 2005. 162 f. Dissertação (Mestrado em
Educação)-Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2005.

GÓES, Maria Cecília Rafael. Relações entre desenvolvimento


humano, deficiência e educação: contribuições da abordagem-
cultural. In: OLIVEIRA, Marta Kohl; SOUZA, Denise Trento;
REGO, Teresa Cristina (Org.). Psicologia, educação e as
temáticas da vida contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002. p.
95-114.

LEONTIEV, Alexis. O desenvolvimento do psiquismo. São


Paulo: Centauro, 2004.

112
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO E A
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

LURIA, Alexandre Romanovich. O papel da linguagem na formação


de conexões temporais e regulação do comportamento em crianças
normais e oligofrênicas. In: LURIA, Alexandre Romanovich;
LEONTIEV, Alexis Nikolaevich; VYGOTSKY, Lev Semenovich.
Psicologia e pedagogia I. 2. ed. Lisboa: Estampa, 1991. p. 121-
141.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. São


Paulo: Martins Fontes, 1989.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. Fundamentos da


defectologia.Madri: Visor, 1997. (Obras escogidas, tomo V).

113
Capítulo 6
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA
CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR PARA A INCLUSÃO
DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Esther Lopes
Maria Cristina Marquezine

Introdução

A inclusão educacional ou escolar do aluno com deficiência


no ensino regular tem sido um dos temas mais discutidos nos meios
educacionais, desde meados da década de 1980.
Dada a importância do assunto, a produção científica na área
tem crescido em ritmo quase exponencial nos últimos anos, pois
muito se tem pesquisado e estudado, buscando a compreensão do
tema. Tal busca está baseada na necessidade de aprofundar os
conhecimentos para o atendimento à diversidade que essa política
traz para o interior das salas de aula, de todos os níveis e
modalidades do sistema educacional.
A legislação nacional aborda, permite e orienta a implantação
da educação inclusiva nas escolas brasileiras, bem como as políticas
públicas, nela baseada, incentivam a igualdade e o direito à educação
para todos, como foi explicitado por Aranha (2004, p. 13) no
documento intitulado Educação inclusiva: a fundamentação filosófica, da
Secretaria de Educação Especial do Ministério de Educação.

[...] O Brasil tem definido políticas públicas e criado


instrumentos legais que garantem tais direitos. A
transformação dos sistemas educacionais tem se
efetivado para garantir o acesso universal à
escolaridade básica e a satisfação das necessidades de
aprendizagem para todos os cidadãos.
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

A existência de políticas públicas e de instrumentos legais


pode ser constatada, mas não se pode dizer o mesmo com relação à
transformação dos sistemas educacionais, pois decorridas quase duas
décadas do início da discussão e quinze anos do advento da
Declaração de Salamanca (documento que dá sustentação ao
movimento pela inclusão), dúvidas e indecisões ainda permeiam os
meios educacionais.
A Constituição Federal, Carta Magna da Nação, promulgada
em 1988, traz em seu texto orientações para essa nova maneira de
fazer educação, revelada no Inciso III do artigo 208, que trata da
garantia de “[...] atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino [...]”, como um dever do Estado (BRASIL, 1988).
O termo ‘preferencialmente’, na letra da lei, tem levado
administradores e responsáveis pela educação, nos diversos níveis e
instâncias da administração pública, a encararem a recomendação de
atender o aluno com deficiência no ensino regular como opção. Isso
se torna mais evidente quando se trata da inclusão do aluno com
deficiência intelectual.
Os legisladores têm demonstrado preocupação com o
cumprimento da lei maior no que diz respeito aos direitos do aluno e
também no que tange aos direitos e deveres dos professores que
promovem o processo de ensino e aprendizagem desse aluno.
Entretanto, o alegado despreparo dos professores do ensino regular
para receber em suas salas de aula alunos com deficiência tem se
configurado como uma das principais barreiras para que a política de
inclusão se torne realidade no cotidiano de escolas de todo o país
(GLAT; NOGUEIRA, 2002).
Isso pode ser confirmado na própria LDB que, em seu artigo
59, reconhece a importância desse aspecto como pré-requisito para a
inclusão, ao estabelecer que:

[...] Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos


com necessidades especiais:
[...]
III – professores com especialização adequada em
nível médio ou superior, para atendimento

116
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR
PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

especializado, bem como professores do ensino regular


capacitados para a integração desses educandos nas
classes comuns;
[...] (BRASIL, 1996).

O processo de formação continuada dos professores tem


sido objeto de muitos estudiosos, entre os quais se destacam Glat e
Pletsch (2004), Guijarro (2005), Marquezine (2006); Mazzota (1993),
Plescht (2009), Resende e Fortes (2005), entre outros.
Esses autores preocupam-se com a formação do professor
em todos os aspectos, quer na graduação, na especialização ou,
ainda, no processo de formação continuada que deve ser oferecido
àqueles que já estão em serviço.
Resende e Fortes (2005, p. 1) afirmam que a formação
continuada pode ser compreendida

[...] como processo que ocorre ao longo da carreira e


vida, principalmente articulada ao contexto de atuação
profissional, num movimento de autoconhecimento e
de conhecimento dos diversos fatores que interferem
na docência. Aos poucos o professor vai assumindo
posturas e desenvolvendo autonomia em contextos
sócio-históricos que naturalmente sofrem constantes
transformações e em velocidade que vem aumentado
vertiginosamente em função da produção acelerada de
conhecimentos.

Ao profissional da educação, nos dias atuais, não se admite


manter atitude de conformação com os conhecimentos que recebeu
na graduação ou em alguns eventos de atualização. É preciso
desenvolver uma postura de estudioso vigilante que acompanha as
constantes transformações e percebe as interferências e mudanças
que provoca e exige no processo de ensino e aprendizagem.

Todos os docentes têm que ter conhecimentos básicos


teórico-práticos em relação à atenção a diversidade, a
adaptação do currículo, a evolução diferenciada e às
necessidades educacionais mais relevantes, associadas a

117
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

diferentes tipos de deficiência, situações sociais ou


culturais (GUIJARRO,2005, p. 12).

A formação continuada, embora divulgada e praticada nos


últimos anos, possui uma história. Rodrigues e Esteves (1993) já
afirmavam que, dada a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de
uma formação inicial completa e suficiente para o profissional,
existia certo consenso em se considerar a formação docente como
uma forma de educação permanente que não se esgotava na
formação inicial, para o que foram criados os cursos de formação
continuada.
Considerando o grupo de estudo como modalidade de
capacitação continuada – que atua na formação de profissionais
capazes de, na dinâmica da relação teoria-prática, construir outra
lógica de ensino, com compromisso de mudança em sua prática
pedagógica e, em consequência melhorar a educação – buscou-se, na
literatura, argumentos para conceituar tal modalidade de formação.
Em citação feita por Silva e Pacca (2005, p. 2), atribuída a Rousseau,
é encontrado o seguinte conceito de grupo:

Os grupos são um estar sendo, um conjunto, uma


pluralidade, uma multiplicidade, uma forma em
permanente formação de seres humanos necessários
uns aos outros, relacionados através do conflito entre
um e todos, ligados por uma tarefa, um objetivo
comum, uma matriz de relações (SILVA; PACCA,
2005, p. 2).

Desse modo, o grupo de estudo pode ser considerado um


encontro para troca de experiências, construção e reflexão coletiva.
A Declaração de Salamanca traz recomendações para a
continuidade da formação do professor, com vistas à atuação em
todos os níveis e modalidades de ensino, a qual é tratada como
formação em serviço: “[...] A formação em serviço, quando possível,
deverá efetuar-se em cada escola mediante a interação com
formadores recorrendo ao ensino a distância e outras técnicas de
autoaprendizagem” (UNESCO, 1994, p. 28, grifo nosso).

118
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR
PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

O documento aborda ainda o treinamento especializado em


educação especial:

[...] A capacitação de professores especializados deverá


ser reexaminada com vista a lhes permitir o trabalho
em diferentes contextos e o desempenho de um papel-
chave nos programas relativos às necessidades
educativas especiais. [...] (UNESCO, 1994, p. 12).

Vitaliano e Manzini (2003, p. 201) advertem que

[...] é necessário que os professores tenham acesso a


conhecimentos sobre os mecanismos que lhes
possibilitem cobrar o cumprimento das determinações
contidas nos documentos oficiais, em particular, as
relacionadas aos recursos a serem disponibilizados nas
escolas, com vistas a melhorar as suas condições de
trabalho.

Portanto, o desconhecimento de tais mecanismos também


constitui uma barreira para a efetivação da inclusão escolar.
Na proposta de formação continuada para os professores da
rede estadual, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná
conceitua grupo de estudo como “[...] uma modalidade de formação
continuada descentralizada”, da qual podem participar profissionais
de educação e comunidade escolar, e que consiste em encontros de
estudo, com conteúdos voltados a sua área de formação e/ou
interesse (PARANÁ, 2009, p. 1).
O documento apresenta ainda as seguintes características do
grupo de estudo:

[...]
3. A natureza do Grupo de Estudo está vinculada à
leitura, reflexão, discussão e trabalho sobre
determinada área do conhecimento educacional, cujo
objetivo é propiciar subsídios teórico-práticos para o
enriquecimento pedagógico.

119
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

4. O Grupo de Estudo fundamentado nos princípios


de uma gestão, que valoriza os profissionais da
educação como agentes do processo educativo,
oportuniza o momento coletivo de aprendizagem,
aprofundamento, debates e reflexões conduzidos pelos
participantes.
5. A ausência de docentes externos deve-se,
justamente, ao fato de tratar-se de grupo de estudo que
pressupõe atividade autônoma dos profissionais
envolvidos como sujeitos do aprendizado (PARANÁ,
2009, p. 1).

A formação e o funcionamento de grupo de estudo


dependem do interesse e do compromisso dos participantes para
com a área na qual estão envolvidos e na qual buscam
aprofundamento teórico e enriquecimento pedagógico.
Para que o estudo em grupo funcione de maneira correta,
faz-se necessário que entre os participantes sejam estabelecidos
pontos que promovam o bom funcionamento e a boa convivência,
como: número de participantes, comprometimento individual e
coletivo, elaboração de cronograma, definição do tempo de duração
e do local onde serão realizados os encontros, seleção coletiva de
temas e de textos. É importante lembrar sempre que o objetivo do
encontro é a leitura, a reflexão, o debate dos temas propostos e a
troca de experiências educacionais, com vistas a dar continuidade ao
processo de formação.
A esse respeito, Alarcão (1998, p. 106), enfatiza que:

[...] a formação continuada deve visar ao


desenvolvimento das potencialidades profissionais de
cada um, a que não é alheio o desenvolvimento de si
próprio como pessoa. Ocorrendo na continuidade da
formação inicial, deve desenrolar-se em estreita ligação
com o desempenho da prática educativa.

O estudo, as reflexões e as discussões em um grupo de


estudo diferem das mesmas atividades em um curso de atualização,
por exemplo, tendo em vista que, no grupo, os temas ou problemas

120
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR
PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

abordados são escolhidos pelos participantes, e, se devidamente


organizado, pode se configurar como uma estratégia eficiente entre
as demais formas de capacitação continuada ou formação em
serviço. No entanto, como qualquer atividade de formação
continuada não pode e não deve ser algo pontual ou improvisado,
razão pela qual o grupo precisa ser planejado e organizado
previamente.
Nesse sentido, este trabalho se configura como um recorte da
pesquisa desenvolvida por Lopes (2010) e orientada por Marquezine.
Neste estudo, há o entendimento da urgência de serem estabelecidas
ações que possam dar conta de adequar as escolas para que os alunos
– a que se referem as Diretrizes Curriculares para a Educação
Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001) – tenham seus direitos
garantidos, e também emerge a reflexão sobre os aspectos do
questionamento que norteia a presente pesquisa.
A questão fundamental para o início da educação inclusiva é
pensar em como organizar a escola e as situações de ensino, a fim de
que seja possível conciliar o atendimento às necessidades de
aprendizagem comuns a todos os alunos, sem perder de vista as
necessidades concretas de cada um, ao mesmo tempo em que se
atendem as necessidades específicas dos alunos em situação de
inclusão, dadas as dificuldades estabelecidas pelas deficiências ou
outras situações que os colocam nessa condição.
A pesquisa1 desenvolvida por Lopes (2010) foi delineada com
o objetivo de investigar a ação dos grupos de estudo e as
transformações ocorridas no ambiente escolar, tendo em vista que o
movimento pela inclusão educacional ou escolar aponta para uma
mudança de paradigma na escola. Para tanto, um dos objetivos da
investigação consiste em conhecer a realidade da escola, locus da
pesquisa, no que tange às formas e aos instrumentos utilizados pelos
professores e equipe pedagógica para a avaliação dos alunos, com
vistas à percepção das necessidades educacionais especiais e
promoção de adaptações, adequações e flexibilizações curriculares
necessárias.

1 É importante evidenciar que esse trabalho fez apenas um pequeno recorte


sobre a ação do grupo de estudo na comunidade escolar.

121
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Um questionamento se colocou quando da realização da


pesquisa: como dar conta desse objetivo, se alguns dos profissionais
envolvidos na pesquisa não tinham conhecimento sobre a inclusão e
seus desdobramentos e os que detinham algum conhecimento, ao
tomar ciência dos objetivos, começaram a expressar suas dúvidas?

Método

No momento em que os participantes do grupo


apresentaram suas expectativas de conhecimento, revisão e
aprofundamento teórico sobre o assunto e questionaram sobre a
possibilidade de, no decorrer da pesquisa, desenvolver uma atividade
que se configurasse como capacitação para eles, abriu-se a discussão
sobre o assunto e chegou-se à conclusão de que a realização de um
grupo de estudo seria uma estratégia interessante e possível. Então,
fez-se levantamento da disponibilidade de cada participante, visando
à realização dos encontros em horário que não interferisse na rotina
da escola e permitisse a participação de todos os interessados.
A proposta foi levada ao conhecimento da Secretaria
Municipal da Educação, de uma cidade do norte do Paraná, que não
só a aprovou, como solicitou que se permitisse a participação dos
integrantes da dupla avaliadora e, se houvesse interesse, de
professores participantes do projeto piloto dessa pesquisa, que eram
de outra escola. A solicitação foi atendida. Os profissionais
participantes do projeto piloto foram informados sobre a realização
do grupo de estudo e convidados a fazer parte dele.
Uma reunião preparatória foi agendada e, com a presença de
12 pessoas, foram levantados os temas de interesse do grupo e
elaborado o cronograma de realização dos encontros.
Participaram dessa fase da pesquisa oito mulheres,
profissionais da educação: duas professoras especializadas, uma
professora de classe regular, uma diretora, duas integrantes da equipe
pedagógica e duas integrantes da dupla avaliadora de alunos com
necessidades educacionais especiais, na área da deficiência intelectual
e uma das autoras desse trabalho (doravante denominada de
pesquisadora), que atuou como coordenadora, a pedido do grupo.

122
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR
PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Todas estavam interessadas em conhecer ou aprofundar


conhecimentos sobre inclusão e seu desenrolar na escola e, mais
especificamente, na sala de aula, onde o processo de ensino e
aprendizagem acontece.
Para caracterização das participantes do grupo foi definido
código PE seguido dos números de 1 a 8, com vistas a garantir o
anonimato e a proteção dos participantes da pesquisa, a saber:

PE1 – diretora do estabelecimento de ensino: pedagoga, com


especialização em Psicopedagogia, licenciada em Ciências,
com habilitação em Biologia; atua na rede municipal de
educação, como professora e diretora há 31 anos.
PE2 – integrante da equipe pedagógica, supervisora de
ensino, pedagoga, com especialização em Didática e
Metodologia de Ensino; atua na rede municipal de educação
há 11 anos.
PE3 – professora da classe comum do ensino regular,
pedagoga, com especialização em Cultura, Tecnologia e
Ensino de Línguas; atua na rede municipal de educação há 4
anos.
PE4 – professora dasala de recursos, pedagoga, com
especialização em Educação Especial Generalista; atua na
rede municipal de educação há 11 anos, dos quais 7 em classe
especial e sala de recursos, na área da deficiência intelectual.
PE5 – integrante da equipe pedagógica, orientadora
educacional, pedagoga, com especialização em
Psicopedagogia; atua na rede municipal de educação há 30
anos e na equipe pedagógica há 4 anos.
PE6 – professora de sala de recursos, pedagoga, com
especialização em Educação Especial Inclusiva; atua na rede
municipal de educação há 8 anos e na sala de recursos há 3
anos.
PE7 – integrante da dupla avaliadora, psicóloga com
especialização em Psicanálise e em Neuropsicologia Clínica
(em andamento); atua profissionalmente há 15 anos, dos

123
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

quais 13 em educação especial, como avaliadora para a


educação especial e inclusão.
PE8 – integrante de dupla avaliadora, graduada no Curso
Normal Superior, com especialização em Educação Especial
numa perspectiva inclusiva; atua na rede municipal de
educação há 10 anos, dos quais 4 como avaliadora para a
educação especial e inclusão.

A falta ou o pouco conhecimento declarado das participantes


sobre o processo inclusivo e seus desdobramentos levou à realização
do grupo de estudo, que aconteceu em oito encontros, com duração
que variou de duas a quatro horas, com três horas de leituras prévias
(embora fosse de conhecimento que as participantes dedicariam
mais tempo para essa atividade), totalizando 24 horas.
As atividades desenvolvidas no grupo de estudo consistiram
em leitura e discussão de textos científicos, de documentos
internacionais e nacionais sobre o tema e também da legislação sobre
a educação especial e educação inclusiva. Além disso, foram
possibilitadas trocas de experiências, análise e discussão de relatórios
de avaliação dos alunos e estudo de casos. Os textos e documentos
estudados foram selecionados pelas participantes.
Os temas discutidos nas reuniões do grupo versaram sobre as
principais dificuldades encontradas pelos professores no cotidiano
da sala de aula para promover a participação e a aprendizagem dos
alunos com necessidades educacionais especiais (doravante NEE).
Na reunião preparatória, o tema principal foi a inclusão do aluno
com NEE no ensino regular – área intelectual. Nos encontros do
grupo de estudo foram discutidos os seguintes temas2:
1º Encontro (2h) – Fundamentação teórica e aspectos legais
da educação inclusiva, com base nos documentos internacionais,
nacionais e estaduais que tratam da inclusão educacional e social de
alunos com NEE, a saber:

2 Os textos que embasaram todo o desenvolvimento do grupo encontram-se


arrolados nas referências bibliográficas sugeridas, ao final deste texto.

124
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR
PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

 Declaração Mundial sobre Educação para Todos


(DECLARAÇÃO..., 1990).
 Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994).
 Declaração Internacional de Montreal sobre inclusão
(DECLARAÇÃO..., 2001).
 Constituição Federal (BRASIL, 1988).
 Lei nº 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA (BRASIL, 1990).

2º Encontro (3h) – Continuação do estudo dos aspectos


legais:
 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº
9.394/96, capítulo V (BRASIL, 1996).
 Diretrizes Nacionais para Educação Especial na
Educação Básica – Resolução nº 2/ 2001 CNE/CEB e
Parecer nº 17/2001 (BRASIL, 2001).
 Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008).
 Deliberação nº 02/2003 – CEE/PR (PARANÁ, 2003).
 Diretrizes Curriculares da Educação Especial para a
Construção de Currículos Inclusivos –
SEED/SUED/DEE/PR (PARANÁ, 2006a).
 Inclusão e diversidade: reflexões para a construção do
Projeto Político Pedagógico – SEED/DEE/PR
(PARANÁ, 2006b).

3º Encontro (2h) – Conceituação flexibilização/adequação


curricular e adaptações curriculares de grande porte e de pequeno
porte, a partir de documentos emanados do MEC e artigos
científicos resultantes de pesquisas realizadas por estudiosos da área
(BRASIL, 2000a, 2000b).
4º Encontro (2h) – Importância do currículo escolar e do
projeto político pedagógico da escola no processo de inclusão
(VASQUES, 2008).

125
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

5º Encontro (2h) – Inclusão do aluno com deficiência


intelectual.
6º Encontro (4h) – Avaliação educacional do aluno com
deficiência intelectual no contexto escolar; análise de relatórios de
alunos da escola avaliados e inseridos na sala de recursos e
levantamento de flexibilizações, adaptações e adequações
curriculares necessárias e possíveis no cotidiano escolar.
7º Encontro (2h) – Reflexões sobre o papel da sala de
recursos e da classe comum no processo de inclusão do aluno com
deficiência intelectual (PARANÁ, 2004, 2008).
8º Encontro (4h) – Organização de flexibilizações,
adaptações e adequações curriculares.

No decorrer dos encontros emergiu a ideia e a consequente


necessidade, revelada pelas participantes, de se construir um plano
de intervenção para ser aplicado com os alunos com NEE que
frequentassem a sala de recursos. Esse plano foi elaborado com o
envolvimento direto das participantes (PE2, PE3, PE4) e da
pesquisadora, visto que os alunos estavam matriculados e
frequentando a sala regular e a sala de recursos da escola que já havia
sido escolhida. As demais participantes colaboraram indiretamente,
dando sugestões.
As áreas escolhidas para intervenção foram português e
matemática, pelo fato de serem nessas áreas que os alunos
apresentam maiores dificuldades de acordo com informações
emitidas pelas participantes PE2, PE3 e PE4 e colhidas dos
relatórios de avaliação psicoeducacional, elaboradas no contexto
escolar.
Os conteúdos selecionados recaíram sobre aqueles que
estavam propostos para serem trabalhados pela professora da classe
regular. Com esses conteúdos foram construídos dois quadros
demonstrativos, apresentados a seguir. No primeiro, estão descritos
os conteúdos da área de matemática que constavam no planejamento
da 4ª série3 para o período em que a pesquisa estava sendo

3 Referente ao Ensino Fundamental de oito anos.

126
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR
PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

desenvolvida. No segundo, estão descritos os conteúdos de


português estabelecidos para o mesmo período e que foram
selecionados para o desenvolvimento de adaptações/flexibilizações/
adequações.

Quadro 1 - Conteúdos de Matemática


Conteúdo Atividade Dificuldade Flexibilização/adequação*

As quatro Situações- Assimilação do Retomada dos conteúdos essenciais,


operações problema sistema de tais como: construção dos números;
Sistema numeração valor posicional do algarismo no
monetário número.
Números Construção e utilização de jogos
fracionários diversificados (dados, dominós, jogo
Medida de de memória).
comprimento: Exercícios de raciocínio lógico.
metro Temporalização das atividades.
(múltiplos e Exploração do jogo como estratégia
submúltiplos) pedagógica.

*Outras poderão ser sugeridas no decorrer do desenvolvimento do plano de


intervenção.

Quadro 2 – Conteúdos de Português


Conteúdo Atividade Dificuldade Flexibilização/adequação*

Leitura de Desinteresse Atividades para despertar o prazer


imagens, por atividade pela leitura.
estabelecim que envolva a Desenvolvimento da percepção da
ento de leitura de leitura como uma fonte essencial para
relação textos. produção de textos.
entre os Retomada de leitura de imagens
textos. simples, apenas com palavras,
ampliando para frases e a produção
Leitura de textos.
Leitura de tiras de histórias em
quadrinhos.
Observação da coerência textual no
decorrer da leitura.
Leitura de poemas, fábulas.
Discussão sobre fatos atuais, capítulo
de novela.

127
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Produção e Segmentação Definição do conteúdo do texto.


reestruturaç das palavras Levantamento de vocabulário sobre o
ão de Vocabulário tema escolhido.
textos. limitado Ditado do vocabulário do aluno para
Gramática: o professor (produção coletiva).
concordânci Produção de texto coletivo.
a verbal, Produção de texto a partir de imagens
Escrita adjetivos, em sequência.
pronomes Organização de frases, para compor
pessoais, um texto.
demonstrati Identificação do domínio da
vos e de gramática no próprio texto.
tratamento. Reestruturação do texto em conjunto
Ortografia. (professor e aluno).

*Outras poderão ser sugeridas no decorrer do desenvolvimento do plano de


intervenção.

Considerando a faixa etária dos alunos assistidos (11 a 14


anos) e o nível de escolaridade (4ª série do ensino fundamental de
oito anos) em que se encontram, optou-se pela utilização de jogos
como atividade pedagógica, e para que os alunos se apropriassem de
determinados conteúdos, houve necessidade de serem retomados
aspectos das áreas do desenvolvimento, como atenção,
concentração, memória, raciocínio lógico, organização do tempo e
do espaço.
Os jogos foram ferramentas pedagógicas poderosas e de
grande versatilidade. O desenvolvimento desses materiais com fins
pedagógicos foi precedido de criteriosa seleção, adequação às
necessidades educacionais dos alunos e domínio das regras e
especificidades de cada jogo.
Para trabalhar com os jogos, além de uma análise do
conteúdo curricular, foi realizado um planejamento de ações que
viabilizassem o alcance dos objetivos propostos com as atividades.
Seguem alguns exemplos de jogos sugeridos e praticados na
sala de recursos, no período de intervenção, para o trabalho com as
áreas de desenvolvimento de matemática e de português.

128
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR
PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Jogo 1 – Valor lugar do algarismo*


Material
8 dados modificados (considerando-se que os alunos estudavam unidade de
milhar)
Tabela Valor (UDCU) para anotações

Descrição das peças


Faces dos dados com quantidade de 0 a 5
Dois de cada cor, sendo uma cor para cada casa (UCDU)

Descrição do jogo
Pode ser jogado com o número de dados múltiplos de dois e não há o
estabelecimento do número de participantes (1 a N). No início do jogo
estabelece-se a cor de cada casa na tabela. Se os alunos estão estudando apenas
unidade (de 0 a 9), joga-se com dois dados. Caso os dois dados caiam com a face
5 para cima, registra-se 0. Se estiver trabalhando unidade e dezena joga-se com
quatro dados e, assim por diante. Ao acrescentar nova casa, acrescentam-se dois
dados de cor diferente.

Valor pedagógico do jogo


Atua no desenvolvimento da atenção, concentração e memória e propicia a
compreensão do valor lugar do algarismo no número, além de desenvolver e
exercitar o raciocínio lógico para cálculo.
* Jogo criado pela pesquisadora em parceria com participante do Grupo 1 – PE3

Observação: Para este jogo, foi importante estabelecer o


número de rodadas, quando utilizado na sala de recursos, pois o
envolvimento dos alunos era muito grande, de forma que, se fossem
deixados à vontade, permaneceriam todo o tempo do AEE
envolvidos nessa atividade.

Jogo 2 – Jogo 1 ou 5 (adição e multiplicação)


Material
5 dados
Papel e lápis para anotações

Descrição do jogo
Não há estabelecimento do número de jogadores, mas deve-se estabelecer o
valor de cada jogada. Jogam-se todos os dados, de uma só vez, mas o valor da
jogada depende da posição dos dados, pois se calcula o valor das faces dos dados
jogados.

129
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Faces com valor isolado


Face 1 – vale 100 pontos (isolada)
Face 5 – vale 50 pontos (isolada)

Faces com valores combinados


Três dados com a face 1 – valem 1000 pontos.
Três dados com a mesma face, exceto a face 1, multiplica-se o número da face
por 100. Ex.: três dados com a face nº 4 = 400 pontos.
Somam-se os pontos, separam-se os dados somados e pode-se fazer outras
tentativas. Se uma das faces for igual à dos dados separados, 1 ou 5, soma-se o
valor das faces iguais e anota-se o valor da jogada. Se for diferente, o jogador
perde tudo (risco).
O jogador pode optar por não continuar jogando e anotar o valor da primeira
tentativa.
Se na primeira tentativa todas as pedras forem aproveitadas, o jogador ganha os
pontos e mais uma chance, sem risco.
Ao jogar os dados, se nenhuma face for 1, 5 ou qualquer outra 3 vezes, o
jogador passa a vez e anota-se zero para a jogada.

Valor pedagógico do jogo


O próprio jogador deve somar seus pontos em cada rodada. A partir da segunda
rodada, o valor anotado deve ser o total, de forma que, ao final do jogo, o valor
seja o produto de todas as rodadas.

Jogo 3 – Speed*
Materiais
É composto por 60 cartas, com as seguintes características: 6 cores, 6 diferentes
gravuras em quantidade de 1 a 5, sendo 12 cartas de cada quantidade (duas de
cada cor).

Descrição do jogo
É o jogo de cartas mais rápido, para 2 jogadores, a partir dos 6 anos. Deve durar
de 3 a 5 minutos. Os jogadores sentam-se um de frente para o outro. Baixam-se
as 60 cartas, repartidas entre os jogadores (30 cartas para cada jogador). Cada um
põe suas cartas de face para baixo em um monte. Cada jogador põe a carta
superior de seu monte no meio da mesa, com a face da carta para baixo,e olha as
três cartas seguintes. Ao som do comando ‘já’, cada um dos jogadores vira ao
mesmo tempoa sua carta do meio da mesa e o jogo começa. Sobre essas duas
cartas inicialmente viradas, os jogadores colocam suas cartas tão rápido quanto
possível, de modo desordenado (ou melhor, em qualquer momento e sobre as
duas cartas superiores dos montes que vão se formando), figura com figura, ou
cor com cor, ou número de figuras com número de figuras.
Os jogadores podem tirar em qualquer momento novas cartas de seu monte,

130
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR
PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

porém não podem ter nuncana mão mais de três cartas. Ganha o jogador que
primeiro terminar as cartas de seu monte. Se nenhum jogador puder baixar
cartas (por não coincidir nem figura, nem cor, nem quantidade), embaralham-se
novamente as cartas baixadas até esse momento. Em seguida, cada jogador
escolhe uma carta com a facepara baixoe vira-a ao comando. Com essas duas
cartas o jogo continua e, frequentemente, várias rodadas são jogadas.

Valor pedagógico do jogo


Desenvolve a atenção, concentração, discriminação visual e rapidez.
* Jogo alemão desenvolvido por Reinhard Staupe. Tradução livre das
características e regras do jogo, pela pesquisadora

Jogo 4 – Jogo da memória


Materiais
Cartas com figuras ou palavras, aos pares. O número de cartas varia de acordo
com a faixa etária e o nível de compreensão dos jogadores.

Descrição do jogo
É um jogo bastante conhecido e com inúmeras variações.
O número de jogadores é indeterminado, podendo ser jogado até mesmo
individualmente.
O objetivo do jogoé encontrar os pares de cartelas idênticas. Os jogadores
devem ficar sentados em círculo ou de frente uns para os outros. As cartas são
embaralhadas e dispostas sobre a mesa com a face virada para cima. Os
participantes têm um minuto para visualizarem as peças. Passado o tempo,
viram-se rapidamente todas as peças com a face para baixo, tomando cuidado
para não tirar nenhuma peça do lugar. Cada jogador, na sua vez, tentará
encontrar as peças que formam par. Quando acertar, pega o par para si e joga
novamente até errar. Quando não acertar vira a peça com a face para baixo
novamente e passa a vez. Ganha o jogo quem, ao final, obtiver o maior número
de pares.

Valor pedagógico do jogo


Estimula a capacidade intelectual da criança, desenvolvendo habilidades como
atenção, concentração e memorização.

Jogo 5 –Dominó de operações


Materiais
20 peças retangulares divididas, contendo de um lado um número e do outro
uma operação matemática.
Dado

131
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Descrição do jogo
É um jogo para desenvolver as quatro operações matemáticas fundamentais.
Pode ser jogado por uma dupla ou por dois grupos de alunos. Os jogadores
sentam-se em círculo ou de frente um para o outro. As peças são distribuídas em
número igual entre os jogadores ou grupos. Joga-se o dado para definir quem
inicia o jogo. O primeiro jogador/grupo coloca uma peça sobre a mesa, com a
face para cima. O jogador seguinte coloca uma peça em um dos lados da que
está sobre a mesa, desde que nela haja uma escrita ou resultado equivalente.
Assim o jogo prossegue. Ganha o jogador ou o grupo que primeiro conseguir
usar todas as suas peças.

Valor pedagógico do jogo


Auxilia no trabalho com as quatro operações e desenvolve o domínio da
tabuada.

É importante não esquecer que as atividades pedagógicas


devem ser oportunizadas a todos os alunos, tanto os com NEE
como os da sala regular. Espera-se que a escola não transforme a
sala de recursos em mais um espaço no qual os alunos com
deficiência sejam isolados dos demais.
Além dos jogos, outras estratégias foram sugeridas para
flexibilizar os conteúdos da área de português, envolvendo também
aspectos importantes do desenvolvimento como memória, atenção,
concentração, raciocínio lógico, linguagem, sequência lógica,
considerando as dificuldades apresentadas pelos alunos na produção
de textos. Sejam elas:

Estratégia 1 – Tempestade de ideias


Um tema é selecionado e os alunos vão falando palavras relacionadas a ele. O
professor anota as palavras no quadro de giz, compondo uma lista.
Oralmente, os alunos elaboram frases com as palavras da lista, as quais vão
sendo registradas pelo professor.
O professor e os alunos fazem a leitura das frases elaboradas, destacando as que
têm sequência lógica. Depois, solicita aos alunos que as coloquem em ordem,
numerando-as e registrando o texto em seus cadernos. Ao final, escolhem um
título para a produção coletiva. A produção de texto pode ser feita
individualmente, sendo que a frase selecionada é usada como título.

132
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR
PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Estratégia 2 – Observando minha rotina


O professor estabelece um período do dia, para que o aluno anote ou memorize
suas ações, por exemplo, da hora em que se levanta até o momento em que
chega à escola.
Na sala de aula, o professor recolhe as anotações dos alunos ou solicita que
relatem a rotina para que ele registre as ações no quadro de giz ou em papel kraft,
observando a ordem cronológica das ações. Se o aluno diz ‘tomei café’; ‘me
levantei’ e ‘escovei os dentes’, o professor interfere, questionando o que
aconteceu primeiro, a fim de que a descrição das ações obedeça a uma sequência
lógica.
Depois, os alunos copiam a rotina que é comum a todos e ilustram o texto.

Estratégia 3 – História em sequência


Essa é uma excelente estratégia para desenvolver as habilidades de leitura e
produção de texto. Existem várias histórias em sequências em livros didáticos,
mas o professor pode criar as suas, a partir dos interesses dos seus alunos.
Para desenvolver a habilidade lógico-temporal, podem ser apresentados ao aluno
quadrinhos aleatórios que compõem uma história, para que, a partir da leitura
dos fragmentos, o aluno ordene os quadrinhos em sequência lógica, numerando-
os ou recortando-os e colando-os em seu caderno ou folha avulsa.
Para aumentar o nível de complexidade da atividade, o professor pode oferecer
uma sequência de quadrinhos para que os alunos relatem oralmente ou por
escrito a história, respeitando a sequência lógico-temporal.

Conforme relato das professoras, as atividades foram


desenvolvidas tanto com os alunos da sala de recursos quanto da
classe do ensino regular na qual se encontram incluídos.

Discussão de resultados

A escola, locus da pesquisa, demonstrou que, na modalidade


de ensino que oferece, combina o acesso do aluno com deficiência
intelectual à sala de recursos e à classe regular, possibilitando a ele
participar tanto de atividades especializadas desenvolvidas no
contexto do ensino regular e conduzidas por professores
especializados, como de atividades de ensino regular desenvolvidas
em classe comum.
De acordo com os depoimentos das participantes do grupo
de estudo esse trabalho configurou um momento bastante
significativo em sua ação profissional, o que ficou evidenciado em

133
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

seus relatórios avaliativos (escritos) sobre a atividade, nos quais


declararam a importância da experiência, como mostram os
fragmentos a seguir:

O fato de estarmos juntas estudando maneiras de fazer


com que todos os alunos sejam incluídos, de maneira
consciente, no processo de ensino e aprendizagem, é
muito importante, pois a troca de opiniões e,
principalmente de experiências faz com que todos os
envolvidos sejam beneficiados com atitudes realmente
válidas e eficientes no trabalho pedagógico, pensando
sempre no aluno como foco das atividades escolares
(PE8).

Os encontros foram muito proveitosos, posto que


proporcionaram ação-reflexão-ação, na sala de
recursos da escola em que trabalho, bem como
enriquecimento e ampliação de conhecimentos (PE6).

Além do relatório, as participantes que atuavam na escola


locus da pesquisa passaram por duas sessões de entrevista. Na
primeira sessão, a pesquisadora direcionou as perguntas do roteiro
semi-estruturado para conhecer a realidade da escola. Na segunda
sessão, a entrevista pós-intervenção teve o objetivo de avaliar o
trabalho desenvolvido durante a pesquisa, do que se destaca o
seguinte depoimento:

Ah! Esse foi o fator fundamental. Porque é assim, você


ter uma ideia do que é uma coisa é diferente de você
saber o que é a situação. Então, o grupo de estudo foi
o que impulsionou tudo, a troca, o entender, o estudar
a questão, o porquê daquilo, entendeu? [...] Mudou a
cabeça das professoras que participaram desse grupo.
E vai mudar das outras também. Então, eu acho que o
grupo de estudo veio certinho. Primeiro o grupo de
estudo, depois a gente partiu para a ação. Então, tudo
foi muito bem organizado. E foi assim, o que ajudou
em tudo. O que eu tenho que dizer, ajudou na

134
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR
PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

experiência profissional de estar lendo a respeito disso.


[...] Mas, eu acho que tem que continuar o grupo de
estudo. É, ele deve continuar, porque as dúvidas, elas
vão aparecendo no decorrer das atividades. [...] eu acho
que o grupo de estudo tem que continuar, não pode
parar porque vêm mais ideias, vêm mais dúvidas
(PE4).

Portanto, fica evidenciado que a realização do grupo de


estudo cumpriu com o que a literatura (PARANÁ, 2006a;
ALARCÃO, 1998) versa sobre a importância desse trabalho na
formação permanente e continuada ou em serviço dos profissionais
da educação.
Como resultado desse processo, um relatório foi elaborado e
enviado à secretária municipal de educação, que emitiu certificado a
todas as participantes. Além disso, a realização do grupo de estudo
levou ao desenvolvimento do plano de intervenção como estratégia
para pôr em prática os conhecimentos obtidos, aprofundados ou
revistos no decorrer dos encontros. Os alunos foram beneficiados
com os esforços das participantes no desenvolvimento de estratégias
para flexibilização/ adaptação de objetivos, conteúdos, metodologia
e avaliação (BRASIL, 2000b).

Considerações finais

Espera-se que esse grupo de estudo não tenha sido apenas


um momento ímpar, mas o desafio para muitos outros que
certamente acontecerão, seja como proposta da mantenedora, seja
por iniciativa dos próprios professores, envolvendo todos os
profissionais da escola.
Os alunos com NEE (deficiência intelectual) estão inseridos
no cotidiano da escola e esperam que, no que tange ao processo de
ensino e aprendizagem, algo seja feito por eles, para eles e com eles,
de modo que lhes sejam garantidos o ingresso, a participação e o
avanço a níveis mais elevados de ensino (BRASIL, 2008).
Isso porque, quando se pensa na inclusão, a ideia principal
“[...] é a de que a escola não desista de ninguém (e o termo ninguém

135
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

é extraordinariamente radical), pelo menos até o final da escolaridade


básica” (RODRIGUES, 2006, p. 11).
Sabe-se que o caminho para a educação inclusiva é longo e
que ainda há muito a ser realizado para que os alunos com
deficiência intelectual participem real e ativamente do processo de
ensino e aprendizagem no ensino regular e para que sejam
efetivamente nele incluídos. Em vista disso, há espaço para que os
educadores que acreditam em mudanças possam continuar
estudando e colocando em prática seus conhecimentos, abrindo
clareiras, o que implica novos estudos, novas pesquisas e novas
intervenções.

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profissionalização docente. In: VEIGA, lma Passos Alencastro
(Org.). Caminhos da profissionalização do magistério.
Campinas, SP: Papirus, 1998. p. 99-122.

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140
Capítulo 7
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS
IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA
Paulo Ferreira de Araújo
Rita de Fátima da Silva

Introdução

Discutir sobre a questão da deficiência remete a aspectos que


vão das representações pessoais às sociais. A esse respeito, Ribas
(1981), Silva (1986) e Carmo (1991) mostram que, no passado,
pessoas com alguma deficiência foram rotuladas como incapazes e
ineficientes, sendo comparadas até mesmo a criaturas demoníacas.
Tal concepção está relacionada à falta de conhecimento e
esclarecimento da população da época, aliada às crenças religiosas e
ao misticismo. Hoje, as atribuições pejorativas se devem tanto ao
desconhecimento científico quanto à supervalorização da aparência
na sociedade atual.
Entretanto, esse entendimento foi sendo minimizado, graças
ao desenvolvimento dos trabalhos na área da educação. A atividade
física, por exemplo, surgiu como meio de reabilitação, reinserção e
integração social, que possibilitou às pessoas em condição de
deficiência uma participação mais ampla na sociedade. Por meio dos
benefícios alcançados com essa prática, a condição de deficiência
passou a despertar interesse e veio a constituir-se em objeto de
estudo de diferentes áreas, que ampliaram o conhecimento existente
sobre os aspectos relativos à deficiência e as suas consequências
sobre essas pessoas.
A literatura existente aponta que, a partir da Segunda Guerra
Mundial, muitos atendimentos foram institucionalizados para as
pessoas com deficiência, com vistas a reintegrar os sequelados à
sociedade, para prevenir distúrbios secundários e até para quebrar
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

estigmas. Muitas dessas pessoas foram incentivadas, em tratamentos


médicos, a praticar esporte. O interesse estava na manutenção ou
promoção da saúde, e as atividades físicas e esportivas, competitivas
ou não, foram orientadas e estimuladas, visando possibilitar
benefícios aos praticantes para que estes alcançassem uma melhor
qualidade de vida.
A esse respeito, Araújo (2011) afirma que, na tentativa de
visualizar a trajetória do atleta em condição de deficiência física, é
preciso entender o contexto em que acontecem essas práticas, a fim
de se ter um histórico preciso que dê conta de mapear sua real
significação na vida dessas pessoas. O mesmo autor ressalta:

Não devemos olhar este movimento somente pela


ótica dos eventos esportivos e pela calorosa emoção
externada pelas pessoas envolvidas como: técnicos,
dirigentes e atletas, pois têm a facilidade de
desconsiderar o contexto que possibilitou o estado
atual. Vale lembrar que o movimento que envolve as
pessoas em condição de deficiência foi construído
dentro de um contexto em que o reconhecimento e a
valorização da pessoa vêm antes da prática esportiva, e
o resultado dessa prática apenas referenda o potencial
e não as dificuldades impostas pelas limitações da
condição da deficiência que, em sua grande maioria,
redimensiona as capacidades de cada pessoa
(ARAÚJO, 2011, p. 123).

Atualmente, no Brasil, há uma grande demanda de pessoas


em condição de deficiência em busca da prática desportiva, em
eventos competitivos, devido aos espaços cedidos pela mídia durante
os Jogos Paraolímpicos e aos benefícios funcionais, psicológicos e
sociais que essa prática proporciona. Assim, por meio da mídia,
percebe-se que atletas em condição de deficiência quebram seus
próprios limites nessas competições.
Nesse sentido, a questão que se coloca é: essa relação se
mantém também no âmbito acadêmico/escolar, uma vez que se sabe
que a presença dessas pessoas nos bancos escolares ainda não

142
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA

representa a demanda existente? Tal como o esporte, a escola pode


contribuir para a promoção da qualidade de vida das pessoas em
condição de deficiência? Como? Quais obstáculos ainda devem ser
superados?
Por acreditar no fenômeno chamado inclusão e nas grandes
contribuições (físicas, emocionais, sociais, cognitivas) que a inclusão
pode proporcionar às pessoas em condição de deficiência é que esta
reflexão é aqui proposta.
É importante lembrar a trajetória histórica que possibilitou à
pessoa em condição de deficiência ter acesso à educação física
escolar: no pós-guerra, especialmente na Inglaterra e nos Estados
Unidos, a reabilitação dos veteranos estava relacionada a trabalhos
que objetivavam amenizar o impacto negativo causado na sociedade
pela volta dos soldados feridos da guerra (ADAMS, 1985). Os
horrores da guerra deixaram sequelas em muitos deles, que acabaram
retornando a seu país de origem com graves comprometimentos
motores e distúrbios emocionais. Entretanto, esse período foi
também marcado pela transformação de valores, que proporcionou a
eles melhores condições de vida, pois passaram a ser vistos como
sobreviventes da guerra. Souza (1994) afirma que, nesse período, a
prevenção e a reabilitação foram incrementadas e a prática esportiva
serviu para prevenir distúrbios secundários.
O pós-guerra criou uma situação de emergência, pois as
pessoas que conseguiam voltar para suas casas iam a óbito na
primeira semana, devido a complicações secundárias e diversas da
paraplegia, como escaras em decúbito e infecções renais.
Na época, Guttmann, médico neurologista, trabalhou com
pacientes portadores de lesões na coluna e mostrou que, se ao
paraplégico fosse dispensado cuidado disciplinado em tempo integral
e treinamento especial, poderia ter expectativa de vida completa,
evitando as complicações secundárias que colocavam sua vida em
risco. Assim, Guttmann, que era um esportista dedicado e praticante
especialmente de esgrima, procurou inserir o esporte como um
recurso da fisioterapia, por apreciar as qualidades e os benefícios
emocionais, fisiológicos e sociais que o esporte proporcionaria a seus
praticantes.

143
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Então, ao introduzir as atividades esportivas como parte


essencial do tratamento médico para recuperação das incapacidades
geradas pelas lesões medulares, Guttmann iniciou a prática
desportiva entre as pessoas em condição de deficiência, adaptando-a
ao processo de reabilitação. Segundo Mattos (1994), uma série de
modalidades esportivas foi incluída nos programas de tratamento e
estas foram adaptadas às necessidades de cada paciente de acordo
com sua condição.
O programa era composto por atividades físicas, esportivas
ou de lazer propostas às pessoas em condição de deficiência física
com sequelas de poliomielite, lesão medular, lesão cerebral,
amputação, mas com importância e valor terapêuticos, evidenciando
benefícios físicos e psíquicos.
Esse trabalho esportivo, vinculado à reabilitação, foi
divulgado por Guttmann e tomou novos rumos, a partir dos quais
surgiram novas organizações que direcionaram os esportes a outras
deficiências.

Assim, o trabalho de reabilitação buscou, no esporte,


não só o valor terapêutico, mas o poder de restabelecer
ou estabelecer novos caminhos, o que resultou em
maior possibilidade de interação das pessoas lesadas.
Por intermédio do esporte, a reabilitação estava
retornando à comunidade um deficiente, capaz de ser
eficiente, pelo menos no esporte (ARAÚJO, 1998, p.
20).

Segundo Adams (1985, p. 4), a educação física era um


programa que visava ao desenvolvimento de corpos e mentes fortes.
Por volta de 1920, as atividades físicas eram enfatizadas nos
programas de teorias educacionais, de sorte que: “[...] os exercícios,
os jogos e os esportes para deficientes físicos, como uma parte
integrante da prática médica, obtiveram uma maior proeminência
após a Segunda Guerra Mundial”.
Até então, o enfoque da participação das pessoas em
condição de deficiência era médico, e os programas eram
denominados ‘ginástica médica’, pois se preocupavam com o alívio

144
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA

de distúrbios físicos e doenças, por meio de exercícios preventivos e


corretivos. Após sofrerem influência de diversas culturas, passaram a
ser conhecidos como educação física corretiva, preventiva,
ortopédica, reabilitativa, terapêutica, entre outros (PEDRINELLI;
TEIXEIRA, 1994).
Segundo esses autores, com o passar do tempo, houve uma
evolução conceitual do modelo médico para um modelo educacional
que, por sua vez, enfatiza o desenvolvimento do potencial do
participante, a fim de aprimorar seu domínio motor, por meio da
aprendizagem de habilidades e do desenvolvimento de capacidades
físicas e motoras.

Amputação

De acordo com Adams (1985), a amputação pode ser


conceituada como a remoção de um membro ou parte dele.
Diehl (2006, p. 100) define amputação como:

[...] uma lesão ósseo-muscular adquirida, em geral por


algum trauma que afeta o sistema nervoso periférico,
causa sequelas graves e leva à necessidade da retirada
do membro um poço acima da lesão, como medida de
segurança, para garantir a saúde do indivíduo.

Em geral, as amputações podem ser classificadas como


congênitas e adquiridas. As congênitas ocorrem quando, dentro do
ventre materno, o bebê não se desenvolve adequadamente nos três
primeiros meses de gestação. Já a amputação adquirida pode ocorrer
na fase pós-natal e é causada por doenças, tumores e traumas
(WINNICK, 1990).
Para Adams (1985), as principais causas de amputação
podem ser assim definidas:

 congênitas: a ausência de uma parte ou de todo o


membro, ao nascimento, não é uma ocorrência
incomum. Essas anormalidades podem afetar somente
os dedos ou, em casos mais graves, os quatro membros.
145
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

A amputação pode ser indicada para aqueles que


nasceram com membros defeituosos, mas ela nem
sempre é recomendada, pois alguns indivíduos usam o
membro malformado como apoio para ajudar a
controlar a prótese;
 tumores: em alguns casos, uma amputação pode ser
necessária para interromper uma doença maligna. Uma
parte de um membro pode ser removida, mas, na
maioria dos casos, todo o membro é amputado;
 traumas: uma amputação traumática é o resultado de um
distúrbio físico repentino que pode remover um
membro ou causar uma lesão extensa que somente um
procedimento cirúrgico pode remover. Os acidentes de
automóveis, com armas de fogo e com maquinário
pesado podem causar muitas amputações;
 doenças: as doenças que causam problemas
circulatórios, como diabetes e arteriosclerose, podem
tornar-se graves o suficiente para requerer uma
amputação de um membro (geralmente a perna). Nesses
casos, o sangue circulante não é suficiente para permitir
a troca celular normal, motivo pelo qual a remoção de
um membro ou parte dele é indicada.

De acordo com Diehl (2006), as pessoas que têm um


membro (superior e/ou inferior) amputado continuam tendo a
sensação de que o membro retirado ainda faz parte de seu corpo,
podendo sentir dores e até mesmo ter a sensação de que o membro
se move. Essa sensação é denominada de ‘membro fantasma’.
Quando um indivíduo tem um membro amputado,
permanecem gravados os registros dos movimentos daqueles
segmentos do corpo, sem que o cérebro reconheça aquela ausência.
É necessário algum longo período, muitas vezes anos, para que o
cérebro assimile a inexistência do membro amputado, deixando de
mandar comandos a ele e permitindo a formação de um novo
esquema corporal (DIEHL, 2006).

146
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA

Classificação das amputações

Winnick (1990) afirma que as amputações podem ser


classificadas de acordo com o local e o nível de ausência do membro
ou segundo o ponto de vista funcional. Para Diehl (2006), a
classificação pode ser definida como parcial ou total: a primeira
ocorre quando apenas uma parte do membro atingido é retirada; a
segunda quando o membro é retirado por completo.
Adams (1985) declaram que a amputação que é realizada em
uma articulação é considerada como uma desarticulação e,
dependendo da situação da amputação, pode ser denominada
‘amputação aberta’ (quando falta pele sobre a superfície atingida) ou
fechada (o coto propriamente dito).
Diehl (2006, p. 103) acrescenta que:

[...] é recomendado que a pessoa com amputação


fortaleça a musculatura do coto, pois esse reforço é
necessário no uso de prótese. Exercícios que
promovam o fortalecimento, como flexão e extensão,
seja nas aulas de Educação Física, quando possível, ou
dirigidos pela fisioterapia, irão auxiliar na adaptação da
prótese e fazer com que o amputado lide melhor com
a dor fantasma e tenha melhor percepção e consciência
da inexistência daquele membro.

O quadro a seguir foi construída com base em Winnick


(1990) e indica a classificação das amputações, conforme entende
esse autor.

147
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Quadro 1 – Classificação de amputações


Classe A1 Bilateral acima o joelho
Classe A2 Unilateral acima do joelho
Classe A3 Bilateral abaixo do joelho
Classe A4 Unilateral abaixo do joelho
Classe A5 Bilateral acima do cotovelo
Classe A6 Unilateral acima do cotovelo
Classe A7 Bilateral abaixo do cotovelo
Classe A8 Unilateral abaixo do cotovelo
Classe A9 Amputações combinadas de membros superiores e inferiores
Fonte: Winnick (1990).

Distrofia muscular

De acordo com Winnick (1990, p. 233).

[...] a distrofia muscular engloba um grupo de doenças


hereditárias que se caracterizam por uma fraqueza
progressiva e difusa de vários grupos musculares. As
células do ventre dos músculos se degeneram e são
substituídas por tecido adiposo e conjuntivo. A
distrofia em si não é fatal, mas as complicações
secundárias da fraqueza muscular predispõem o
indivíduo a distúrbios respiratórios e problemas
cardíacos.

Diehl (2006, p. 103) afirma que distrofia muscular é a “[...]


degeneração do tecido muscular, medular ou ósseo e, muitas vezes,
acontece de forma irreversível, não havendo tratamento, nem
atividade física que amenize esse processo”.
A distrofia pode ser subdividida em vários tipos, entre os
quais se destacam as principais subdivisões e suas respectivas
conceituações, de acordo com Winnick (1990, p. 295, tradução
nossa):

 Distrofia Muscular Miotônica: também conhecida como


doença de Steinert, manifesta-se pela fraqueza muscular
e afeta o sistema nervoso central, coração, olhos e

148
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA

glândulas endócrinas. É uma doença de evolução lenta,


que geralmente ocorre entre os 20 e os 40 anos de idade.
A distrofia muscular miotônica congênita é rara,
ocorrendo quase que exclusivamente em bebês de mães
que apresentam a forma adulta da doença.
 Distrofia Muscular Facio-escapulo-umeral: esse tipo
afeta inicialmente os músculos dos ombros e do rosto e,
em alguns casos, o quadril e a coxa. Em geral, a
expectativa de vida é normal, já que esse tipo de distrofia
pode cessar por si mesma a qualquer momento.
Geralmente se manifesta durante a adolescência ou na
idade adulta
 Distrofia Muscular das Cinturas dos Membros: a
degeneração pode começar pela cintura pélvica ou
escapular, acabando por comprometer ambas. Ao
contrário do tipo facioescapuloumeral, a degeneração
continua, em ritmo lento. Esse tipo de distrofia pode
ocorrer a qualquer momento a partir da fase final da
infância, embora geralmente ocorra na adolescência. A
incidência das distrofias facioescapuloumeral e das
cinturas dos membros é equivalente em homens e
mulheres.
 Distrofia Muscular do tipo de Duchenne (DMD): é a
forma mais comum e grave da doença na infância, tendo
incidência maior entre os meninos. Os sintomas
geralmente ocorrem entre os 2 e os 6 anos. A distrofia
do tipo Duchenne é normalmente denominada de
distrofia muscular pseudo-hipertrófica. A aparência de
pseudo-hipertrófico, particularmente dos músculos da
panturrilha e do antebraço, é causada pelo acúmulo
excessivo de tecido adiposo e conjuntivo dos espaços
intersticiais entre as células musculares degeneradas.
Ainda não se sabe precisamente como isso ocorre, mas
o gene responsável pela distrofia de Duchenne já foi
identificado. Uma proteína, a distrofina, está ligada a
esse gene. Essa proteína, como várias outras, permite o

149
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

funcionamento adequado das células musculares. Sem


ela, essas células acabam morrendo. As pessoas com a
distrofia tipo Duchenne não têm a distrofina. Pesquisas
têm demonstrado que a distrofina acopla-se às outras
proteínas ao redor das fibras musculares, muito
provavelmente auxiliando a fixação das fibras no tecido
conjuntivo circundante.

Lesões medulares

Entre as ‘deficiências’ conhecidas na atualidade, há que se


destacar a lesão na medula óssea.
Segundo o Manual de Legislação em Saúde da Pessoa com
Deficiência (BRASIL, 2006), lesão medular é a alteração da estrutura
da medula.
Diehl (2006) afirma que a coluna é parte integrante do
Sistema Nervoso Central (SNC), e qualquer dano que ela venha a
sofrer causará prejuízos irreparáveis. A medula é formada e
protegida por 24 vértebras que possuem divisão e inervação em todo
o seguimento da coluna. Elas são dividas em 7 vértebras cervicais,
com 8 pares de nervos, 12 vértebras torácicas, com 12 pares de
nervos e 5 vértebras lombares, com 5 pares de nervos. São
representadas por suas inicias, por exemplo, C5 seria a vértebra
número 5 da região cervical.
De acordo com Adams (1985), a coluna é canelada e possui
aproximadamente 45 cm de comprimento e 1 cm de diâmetro
(apesar do diâmetro diminuir consideravelmente nos níveis
inferiores) e também possui 31 pares de nervos espinhais, que
constituem a medula espinhal.
Suas principais funções são prover um centro para as ações
reflexivas e conduzir os impulsos elétricos do cérebro para uma
determinada região ou levá-los ao cérebro. Os autores lembram que
a medula espinhal não se regenera quando lesionada e suas funções
motoras permanecem comprometidas. Dependendo do local, a lesão
pode ser completa ou incompleta: a primeira ocorre quando não
existe nenhuma função motora ou sensitiva abaixo do nível da lesão;

150
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA

a segunda, quando alguma função residual, motora ou sensitiva está


localizada abaixo da lesão.
A esse respeito, Winnick (1990, p. 250, tradução nossa)
afirma que:

[...] o local da lesão é importante porque dá noção das


funções que podem ter sido afetadas. Verifica-se a
extensão da lesão medular por meio de testes de
músculos, reflexos e sensibilidades. Entende-se melhor
o real impacto da lesão observando os músculos que
ainda podem ser usados, a força desses músculos e o
que se pode fazer com eles, de modo funcional, no
contexto das habilidades básicas e da higiene (comer,
vestir-se, ir ao banheiro), do movimento (cadeira de
rodas, deambulação, transferência da cama), das
habilidades para o trabalho e habilidades ligadas à
Educação Física.

A lesão medular pode ser degenerativa, e a perda gradativa


das funções das células nervosas deve-se a infecções genéticas,
herdadas pelos pais do indivíduo (DIEHL, 2006).

Causas de lesão medular

As causas das lesões medulares são inúmeras, dependendo da


situação em que o indivíduo se encontra antes da lesão na espinha.
De acordo com Winnick (1990), nos Estados Unidos, a estimativa
de pessoas que sofrem de lesões medulares é de cerca de 7.800
pessoas a cada ano, e essas lesões são derivadas de causas diversas.
Segundo o autor, os percentuais relativos às causas de lesão
medular são os seguintes: 24% são causados por atos de violência
(como tiros e lutas), outros 22% são causados por quedas; 8% são
causados por lesões esportivas e cerca de 44% são causados por
acidentes automobilísticos, um dos principais responsáveis por
lesões na medula. De acordo com o autor, a grande incidência de
lesões ocorre em adolescentes em idade escolar, ou seja, jovens que

151
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

ainda estão cursando ou vão cursar o Ensino Médio e o maior índice


está entre os jovens do sexo masculino, cerca de 82%.
Adams (1985, p. 157) declaram que:

[...] os acidentes de automóveis são a principal causa de


lesão de medula espinhal nos Estados Unidos, mas as
lesões resultantes de acidentes de motocicletas e de
motopatinete estão aumentando de forma alarmante.
As outras causas de lesão medular são quedas de locais
altos, combate militar, acidentes de avião, esportes
como futebol, esqui, surfe e mergulho (em águas
rasas).

Existem também as lesões medulares degenerativas, sendo


elas definas por Diehl (2006, p. 97) como:

 Enfermidade de Werdinig (Hoffman): conhecida pelo


nome de boneca de pano, é a degeneração que provoca
hipotonia muscular, paralisia flácida, deformações
articulares e insuficiência respiratória. Quando adquirida
na infância, sua evolução é rápida e fatal; se tem início
na juventude, desenvolve-se mais lentamente.
 Síndrome Wohlfar-Kugelberg: degeneração das antenas
anteriores medulares, sua evolução é lenta e raramente é
fatal.
 Enfermidade de Charcot-Marie-Tooth: degeneração dos
nervos da fíbula, ocasionando a atrofia dos membros
inferiores. Sua evolução é muito lenta.
 Ataxia de Friedreich: degeneração medular que começa
entre os 2 anos e os 20 anos de idade, caracterizando-se
por perda do equilíbrio da marcha e da motricidade
óculo-manual, problemas de sensibilidade, deformação
óssea, cifose, escoliose. A evolução da degeneração é
variável.

152
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA

Classificação das lesões medulares

De acordo com Diehl (2006), dependendo do local da


medula espinhal onde ocorre a lesão, pode-se definir se o indivíduo
perderá parcial ou totalmente a sensibilidade do corpo. Logo, isso
também poderá definir se o indivíduo lesionado perderá parcial ou
totalmente o controle dos movimentos abaixo do local lesado.
Adams (1985) afirmam que o local da lesão é o fator mais
importante nas afecções e traumas medulares. Diehl (2006), por seu
turno, declara que, de acordo com a altura da lesão ocorrida, o
indivíduo pode ficar em situação de tetraplegia, paraplegia ou
também, dependo do caso, pode ocorrer uma paralisia parcial.
Assim,

[...] indivíduos com lesões na altura das vértebras


cervicais podem ficar tetraplégicos, pois é dessa região
que saem informações nervosas para os membros
superiores; lesões nas regiões torácica e lombar podem
levar a uma paraplegia, pois o SNC deixa de levar
informações ao tronco e aos membros inferiores.
Quando a lesão é nas vértebras sacrais ou coccígeas,
ocorre uma paralisia parcial dos membros inferiores,
afetando principalmente a parte mais distal dos
membros. É importante [lembrar] que lesões acima da
C4, local onde SNC comanda o sistema
cardiorrespiratório, podem levar à morte, se o
indivíduo não for socorrido adequadamente (DIEHL,
2006, p. 98).

De acordo com o Manual de Legislação em Saúde da Pessoa


com Deficiência (BRASIL, 2006), a paraplegia pode ser
compreendida como a paralisia dos membros inferiores e a
hemiplegia, como a paralisia de um dos lados do corpo. De acordo
com Diehl (2006), as lesões podem ser classificadas de acordo com o
local de ocorrência, do que decorrem consequências específicas,
como mostra o quadro a seguir.

153
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Quadro 2 – Classificação de lesões medulares de acordo com o local


de ocorrência e suas consequências
Altura da
Classificação Consequências
lesão
Acima da C4 Tetraplegia alta Perda das capacidades respiratórias, perda
sensitiva e do controle motor dos quatro
membros e tronco.
Cervicais Tetraplegia Perda sensitiva dos quatro membros e do
abaixo da C4 tronco.
Torácica Paraplegia alta Perda sensitiva e do controle motor dos
membros inferiores e do tronco.
Lombares Paraplegia baixa Perda sensitiva e do controle motor da
musculatura do quadril e dos membros
inferiores.
Sacrais e Paralisia parcial Perda parcial da sensibilidade e do controle
coccígeas motor da musculatura do quadril e dos
membros inferiores.
Fonte: Diehl (2006, p. 98).

Adams (1985, p. 159) afirmam que a paraplegia “[...] é um


termo que se refere à paralisia de ambas as pernas e parte inferior do
tronco, que pode ser resultante de uma lesão medular ou torácica”.
De acordo com Winnick (1990), além dessas características, podem
ocorrer com indivíduos lesados as úlceras de decúbito, que podem
ser causadas pela falta de inervação na pele e pelo fluxo sanguíneo
escasso para a pele. Essas úlceras estão sempre propensas a ocorrer
em locais onde há pontos de pressão, ou uma proeminência óssea
próxima da pele, por exemplo, nas nádegas, na pelve ou nos
tornozelos. Essas feridas demoram a cicatrizar e podem infeccionar
com facilidade. Para que isso não ocorra, um dos métodos mais
recomendados é a prevenção da pele e também a frequente mudança
de posição do paciente na cama.
É importante ressaltar que, dependendo da lesão, o indivíduo
pode recuperar-se, mas tudo depende de sua força de vontade, ou
seja, ele deve aceitar a situação em que se encontra, e o fato de estar,
por um tempo, impossibilitado de realizar algumas de suas tarefas
não deve ser motivo de outros problemas de saúde. Para tanto, o
indivíduo deve permanecer motivado, pois a motivação o auxiliará
em sua reabilitação.

154
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA

Paralisia cerebral

Conforme Adams (1985), a paralisia cerebral pode ser


definida como perturbação da função muscular que acontece após
destruição ou falta congênita dos neurônios motores superiores,
decorrentes de situações como convulsões, alterações do
comportamento ou retardo mental.
Segundo o Manual de Legislação em Saúde da Pessoa com
Deficiência, a paralisia cerebral pode ser compreendida como:

[...] qualquer comprometimento de funções


neurológicas devido a lesões cerebrais congênitas
(anomalias do desenvolvimento durante o primeiro
trimestre da gravidez) ou adquiridas (ocasionadas por
um parto difícil ou por um traumatismo acidental
durante os primeiros meses de vida) (BRASIL, 2006, p.
51).

Frug (2001, p. 46) define paralisia cerebral como:

[...] um distúrbio do movimento e da postura,


persistente, surgido nos primeiros anos de vida,
causado por uma lesão cerebral não progressiva, sendo
variável pela interferência do desenvolvimento do
Sistema Nervoso Central (SNC) [...].
A paralisia cerebral (PC) é a sequela de uma agressão
encefálica que se caracteriza primordialmente por uma
alteração persistente, porém não variável, do tônus, da
postura e do movimento, surgida na primeira infância,
e não é somente secundária a uma lesão, mas deve-se
também à insuficiência que a referida lesão exerce
sobre a maturação neurológica [...].

A paralisia cerebral pode ou não ser acompanhada de retardo


mental, epilepsia e distúrbios emocionais. A incidência de crianças
com paralisia cerebral é de 2%, entretanto, essa informação varia de
acordo com as etapas de vida infantil, os critérios selecionados, o

155
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

tempo e o tipo de comunidade estudados (HERNÁNDEZ;


RODRÍGUEZ; NEUS, 1997).
De acordo com Diehl (2006), crianças com paralisia cerebral
podem ter comprometimento mental, mas há muitos casos em que
apresentam somente o comprometimento motor.

Causas de paralisia cerebral

Os fatores que levam uma criança a ter paralisia cerebral são


inúmeros e, segundo Adams (1985), ocorrem entre três períodos de
vida:fase pré-natal (mais frequente), fase natal (frequente); fase pós-
natal (menos frequente).
De acordo com Hernández, Rodríguez e Neus (1997), em
cada fase, podem ser definidos alguns fatores predominantes. Sejam
eles:

 Período pré-natal (intrauterino): podem-se encontrar


causas genéticas, cromossômicas; infecções
intrauterinas; doenças como diabetes materna, ou ainda
traumatismo e efeito de algumas drogas como o álcool.
 Período perinatal ou natal: corresponde ao momento do
parto. Classicamente, a causa mais conhecida é o
sofrimento fetal durante o parto, o que produz anoxia
ou falta de irrigação sanguínea no cérebro do bebê,
ocasionando paralisia cerebral.
 Período pós-natal: as infecções (sobretudo as
meningites), as intoxicações e os traumatismos
cranioencefálicos são as principais causas que deixam
sequelas.

Para Adams (1985), as causas da paralisia cerebral podem ser


as seguintes:

 Fase pré-natal:distúrbios funcionais da mãe, como


hipertensão sanguínea, doença renal ou diabetes podem
causar hemorragias no cérebro da criança;

156
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA

incompatibilidade entre o sangue da mãe e do feto (fator


RH); infecções nos primeiros meses de gravidez;
doenças do plasma que causam desenvolvimento
anormal do cérebro.
 Fase natal: lesão cerebral durante o parto, por trabalho
de parto prolongado ou dificultado, ou qualquer outra
alteração que leve à falta de oxigênio para o bebê por
mais do que alguns minutos durante o parto; parto
prematuro.
 Fase pós-natal: doenças como encefalite e tosse;
oxigenação insuficiente no sangue, como um
envenenamento gasoso; trauma, como acidente vascular
cerebral; tiros de revólver ou lesões cranianas.

Classificação da paralisia cerebral (PC)

Segundo Diehl (2006), existem três tipos de paralisia cerebral,


conhecidas como PCespásticas, PC atetoica, PC atáxica,as quais, na
compreensão de Adams (1985, p. 81) podem ser assim
caracterizadas:

 Paralisia espástica: é caracterizada por reflexos hiperativos


e músculos flexores contraídos, o que produz um
movimento duro e sem plasticidade. A deficiência mental
frequentemente está associada a esse tipo de paralisia
cerebral.
 Paralisia atetoide: é caracterizada por movimentos
involuntários, incoordenados e sem propósito, com
vários graus de tensão. Esses movimentos fazem com
que a pessoa se contraia constantemente. Os movimentos
extenuantes são menos graves quando o indivíduo está
relaxado.
 Paralisia atáxica:é caracterizada pela incoordenação da
atividade ou função, ou ambas, por causa do distúrbio do
senso cinestésico. O atáxico tem que se concentrar para
não cair, e sua marcha assemelha-se àquela de uma pessoa

157
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

intoxicada. Na maioria dos casos, o tônus muscular é


fraco.

Segundo Hernández, Rodríguez e Neus (1997), a paralisia


cerebral espástica pode se apresentar em grau grave ou moderado. A
grave ocorre nas pessoas que sofrem de tetraplegia e, devido à
infecção do tônus muscular em todo o corpo, o indivíduo tem
poucas oportunidades para mover-se, já que seu estado de contração
muscular permanente não lhe permite executar movimentos
voluntários e ainda impede o movimento mais sensível. Já no caso
moderado, os indivíduos têm uma mobilidade mais funcional e
podem ser autônomos em algumas atividades da vida diária. Alguns
grupos musculares apresentam um tônus muscular alto, e o
indivíduo pode ter controle parcial de seus movimentos, mas o
desenvolvimento motor e o equilíbrio são mais lentos.
No caso da paralisia cerebral espástica moderada, o indivíduo
pode apresentar, por exemplo, um quadro de hemiplegia ou até
mesmo de diplegia. Frug (2001) afirma que hemiplegia é definida
como um comprometimento motor de um dos lados corpo,
podendo ocorrer um prejuízo maior nos membros superiores. Caso
haja comprometimento dos quatro membros do corpo, é
considerada como dupla hemiplegia ou tetraplegia. O quadro a
seguir resume os tipos de paralisia cerebral.

Quadro 3 – Classificação dos tipos de paralisia cerebral de acordo


com os membros afetados
Nomenclatura Extremidades afetadas
Monoplegia Um membro afetado.
Paraplegia Membros inferiores afetados.
Hemiplegia Ambos os membros afetados de um lado do corpo.
Envolvimento de ambas as pernas, com leve envolvimento
Diplegia
dos braços.
Três membros afetados, com frequência as duas pernas e
Triplegia
um braço.
Quatro membros afetados, as pernas geralmente espásticas e
Quadriplegia
os braços discinéticos.
Fonte: Adams et al. (1985, p. 81).

158
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA

Há indivíduos que podem apresentar um quadro misto, ou


seja, possuem paralisia espástica com postura e movimentos
coreoatetoides.
Frug (2001, p. 48-49) declara que:

[...] os prejuízos que caracterizam a paralisia cerebral na


maior parte das vezes podem ser associados com
epilepsia, retardo mental, dificuldades no aprendizado,
distúrbios visuais, distúrbios da fala e perda auditiva.
Está claro que tais prejuízos associados devem ser
diagnosticados e tratados, a fim de se oferecerem ao
paciente todas as oportunidades de otimizar seu
potencial. [...].

[...] Os graus de paralisia cerebral variam no que se


refere ao comprometimento, desde uma limitação
mínima, até os casos em que o paciente será sempre
dependente, tamanhos os prejuízos presentes.

Ainda de acordo com Frug (2001, p. 48-49) a paralisia


cerebral não é progressiva nos primeiros anos de vida e o defeito
motor pode ser modificado de acordo com a evolução do Sistema
Nervoso Central (SNC) do indivíduo e os fatores externos, como
problemas de linguagem, auditivos e visuais, identificados e tratados
com conveniência e para a comodidade do indivíduo.
Quanto ao diagnóstico e classificação da deficiência,
Cantarelli (1998) destaca algumas tendências, sejam elas: o modelo
médico, o modelo psicopedagógico, o modelo social. Segundo a
autora, o modelo médico enfatiza as bases orgânicas da deficiência, a
fim de diagnosticá-la por meio de fatos etiológicos, cabendo apenas
ao médico diagnosticar e aos profissionais apenas identificar
aspectos que confirmem o já realizado diagnóstico. Já no modelo
psicopedagógico, o diagnóstico depende da teoria psicológica na
qual as ações pedagógicas se fundamentam e podem centrar-se no
quociente intelectual, no nível de maturidade psicomotora, no
estágio do desenvolvimento cognitivo, no nível de pensamento
conceitual, no repertório comportamental, entre outros. O

159
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

diagnóstico pode ser dado pelo psicólogo, fonoaudiólogo ou


psicopedagogo. No modelo social, questionam-se os processos de
diagnóstico e o encaminhamento aos serviços especiais, pois o
diagnóstico dirigido à mera identificação é muito criticado devido ao
rótulo atribuído às pessoas em condição de deficiência.
Atualmente, visa-se à inclusão de pessoas em condição de
deficiência física em programas de esportes, jogos e exercícios com
uma grande variedade de atividades, as quais podem ser realizadas
em clínicas, hospitais, escolas, faculdades ou instituições. Tais
programas têm como objetivo principal o comportamento
progressivo do praticante, fazendo com que este se torne o mais
independente possível e integrado aos seus companheiros não
deficientes.
A reabilitação buscou na atividade física com vertentes
educacionais novos caminhos para possibilitar a interação das
pessoas em condição de deficiência física com a sociedade,
evidenciando suas capacidades residuais por meio do esporte
(ARAÚJO, 1998).
A esse respeito, autores como Seaman e Depauw (1982),
ressaltam que os objetivos a serem desenvolvidos no âmbito da
educação física escolar com pessoas em condição de deficiência
física devem considerar e respeitar as limitações e as potencialidades
individuais do aluno, bem como adequar as atividades propostas.
Além disso, os objetivos devem englobar:

 o desenvolvimento da autoestima;
 a melhoria da autoimagem;
 o estímulo à independência;
 a interação com outros grupos;
 a experiência intensiva com suas possibilidades de
limitações;
 o contato com outras pessoas, deficientes ou não;
 o desenvolvimento das potencialidades do educando;
 a vivência de situações de sucesso, possibilitando a
autovalorização e a autoconfiança;

160
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA

 a melhoria das condições organofuncionais (aparelhos


circulatório, respiratório, digestivo, reprodutor e
excretor);
 o aprimoramento das qualidades físicas, entre elas
resistência, força, velocidade;
 o desenvolvimento das habilidades físicas, como
coordenação, ritmo, equilíbrio;
 a possibilidade de acesso à prática do esporte como lazer,
reabilitação e competição;
 o estímulo das funções do tronco e dos membros
superiores;
 a prevenção de deficiências secundárias;
 o estímulo à superação de situações de frustração.

Considerações finais

A observância dos aspectos que envolvem as pessoas em


condição de deficiência física visa ampliar conceitos antigos,
estabelecidos pela sociedade, que eram baseados nos graus das
deficiências. Essa ampliação vem permeada pelas concepções que
eclodiram, ao longo dos anos, e passaram a centrar-se no potencial
remanescente, buscando a superação das expectativas da população
em geral e, principalmente das pessoas com deficiência.
Vários são os estudos que chamam a atenção para o aumento
do número de novos casos, por ano, de deficiência física adquirida.
Isso mostra a urgente necessidade de se repensar a estrutura
atitudinal e arquitetônica das relações entre pessoas, visando a um
desenho universal de mundo. Nesse modelo, as instituições, as leis,
os ambientes, os serviços e as pessoas ‘encarnam’ uma atitude de
aceitação ativa e respeito também ativo em relação à pessoa em
condição de deficiência, assim como em relação a todo aquele que se
encontra em situação de desvantagem, seja ela derivada de
deficiência ou não, temporária ou permanentemente.
Além disso, é possível notar que a própria pesquisa que
envolve a questão da deficiência tem colaborado para que, em última

161
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

instância, aumente a expectativa de vida dessas pessoas. Basta que se


perceba, por exemplo, o caso das pessoas com lesão medular. Tudo
isso deve provocar um realinhamento de ações no meio social mais
amplo e, principalmente, no âmbito da formação dos profissionais
das mais diferentes áreas.
Dessa forma, pode-se afirmar que a intervenção nesse grupo
de pessoas deve englobar, além das medidas restauradoras,
preventivas e de reabilitação, aquelas que direcionam a um estado
pleno de bem-estar e de reconhecimento de si enquanto ser no
mundo. Portanto, essas intervenções devem levar a pessoa a sentir-
se apta a participar de diversas situações cotidianas,
independentemente da condição de ter ou não uma deficiência, pois
é acima de tudo uma pessoa ‘inteira’. Isso significa dizer que, sendo
ou não uma pessoa em condição de deficiência física, todo e
qualquer indivíduo, em sua relação com o mundo, possui
necessidades básicas de sobrevivência, como habitação, alimentação,
saúde, vestuário, relação familiar, educação, lazer, contato com a
natureza e, principalmente, estar com e entre os outros. Todas essas
condições podem vir a propiciar qualidade de vida, desde que tais
condições estejam ao seu alcance.
Muitas vezes, dada a situação de dependência em que se
encontra, a pessoa em condição de deficiência física é
impossibilitada de conquistar por si mesma o atendimento às suas
necessidades básicas para viver digna e satisfatoriamente. Contudo,
também é lícito afirmar que um número crescente de pessoas com
deficiência tem conseguido ‘alforriar-se’ e conquistar uma vida com
mais liberdade de ação. Apesar disso, ainda é preciso perceber que a
palavra utilizada foi ‘conquista’, e, na maioria das vezes, para isso é
necessária uma ação particular de grande vontade e desejo de
alcançar o que se quer, o que, para uma maioria ensinada a sentir
pena de si e acreditar-se em estado de doença, fica muito difícil de
vislumbrar. Nesse sentido, a escola tem muito a contribuir para a
mudança que se faz necessária.
Portanto, é importante pensar sobre o grande número de
pessoas em condição de deficiência que há no Brasil e indagar-se:
Quantas delas conseguem atingir o patamar de independência

162
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA

econômica, social, cultural, educacional e política? Se se acredita que


essas pessoas são seres humanos que pensam, sentem, agem e criam,
por que não proporcionar situações e oportunidades para que elas
possam se desenvolver na escola e, assim, serem vistas e aceitas
como seres humanos que, embora possuam seus limites, contam
também com capacidades? Não nascemos prontos... apenas
nascemos... predispostos a potenciais.

Referências

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163
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

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164
Capítulo 8
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA
ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM
DEFICIÊNCIA FÍSICA
Márcia Aparecida Marussi Silva
Cristina Cerezuela
Sonia Maria Toyoshima Lima

Introdução

Este texto tem o objetivo de discutir os recursos


metodológicos e a implementação da tecnologia assistiva (TA) no
ambiente escolar, com vistas ao acesso dos educandos com
deficiências à cultura elaborada e seu desenvolvimento acadêmico e
social. A TA é um termo recentemente inserido na cultura
educacional brasileira, mas a criação de instrumentos para a
adaptação e a superação humana em relação às condições da
natureza constitui um fato histórico que marca a origem da vida em
sociedade.
Historicamente, os seres humanos, por meio de suas ações,
produzem suas condições materiais de vida. Como já ressaltaram
Marx e Engels (2007), é a organização dos homens em coletividade
que constituiu e constitui o ser humano. Ao modificar a natureza
para satisfazer suas necessidades de existência e de sobrevivência, os
homens criam objetos para sua adaptação e intervenção no contexto,
modificando-o. Esse, uma vez alterado, modifica o próprio homem,
num processo dialético em que há o desenvolvimento dos meios de
produção desses objetos e dos conhecimentos necessários a essa
produção.
Essa premissa do desenvolvimento da história da
humanidade é demarcada pela condição humana de criar a própria
sobrevivência. Para o homem, é necessário viabilizar condições para
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

suprir suas necessidades primárias de comida, bebida e moradia.


Entretanto, a busca do que é indispensável para a vida humana não
ocorre simplesmente pelo fato de adaptar-se ao meio, porque essa é
a condição dos animais menos desenvolvidos, mas sim para suprir
todos os seus anseios individuais e da coletividade da qual faz parte.
Na contemporaneidade, com as tecnologias desenvolvidas, os
conhecimentos científicos elaborados e objetivados no decorrer
história da humanidade, a interação e a intervenção humana
acontecem de formas diferenciadas. O ser humano nasce em um
mundo desenvolvido, e como afirma Leontiev (2004, p. 285), “[...] o
indivíduo é colocado diante de uma imensidade de riquezas
acumuladas ao longo dos séculos [...]”. Portanto, o ser humano deve
se relacionar com os outros seres humanos e com os fenômenos do
mundo à sua volta para se desenvolver e se humanizar.

O homem não nasce dotado das aquisições históricas


da humanidade. Resultando estas do desenvolvimento
das gerações humanas, não são incorporadas nem nele,
nem nas suas disposições naturais, mas no mundo que
o rodeia, nas grandes obras da cultura humana. Só
apropriando-se delas no decurso da sua vida ele
adquire propriedades e faculdades verdadeiramente
humanas. Esse processo coloca-o, por assim dizer,
aos ombros das gerações anteriores e eleva-o
muito acima do mundo animal (LEONTIEV, 2004,
p. 301, grifo nosso).

Com o grifo, destacou-se o desenvolvimento sobre os


‘ombros das gerações anteriores’, por se entender que somente pelo
relacionamento com um ser mais desenvolvido é que o homem pode
se desenvolver. As aquisições da cultura material (instrumentos
físicos) e da cultura intelectual (instrumentos simbólicos) são os
propulsores da história. E é nesse contexto de humanização que
deve se dar o desenvolvimento da educação na perspectiva da
educação inclusiva, e que se quer contemplar o atendimento
pedagógico diferenciado no ambiente escolar.
O atendimento pedagógico ofertado aos alunos que

166
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA

apresentam deficiência física, no contexto das classes comuns do


ensino regular, demanda dos professores, comprometidos com a
educação na perspectiva da inclusão a constante reflexão e análise
das possibilidades de ensino e aprendizagem, tendo em vista os
diferentes graus de complexidade de uma proposta pedagógica de
qualidade para todos os alunos.
Essa ideia está presente na base do documento intitulado
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva, do Ministério da Educação (BRASIL, 2008). Esse
documento apresenta orientações para a implementação de ações e
de formas de organização escolar que possibilitem às escolas atender
todos os alunos conjuntamente, segundo os preceitos da educação
inclusiva.
Essa política nacional expressa as discussões que têm sido
travadas, nas últimas décadas, em movimentos sociais, políticos,
econômicos e filosóficos. Na área da deficiência física, importante se
faz refletir sobre o acesso e a permanência dos alunos no contexto
do ensino regular. Isso implica uma ação dos sistemas de ensino no
sentido de instrumentalizar os professores para o atendimento
pedagógico aos alunos e a disponibilização de recursos diversos que
apoiem as pessoas com necessidades educacionais especiais, para que
estas possam se apropriar do conhecimento científico e interagir no
ambiente escolar em condições adequadas de segurança, locomoção
e comunicação.

Definição de recursos pedagógicos

É fundamental que haja clareza, especialmente das


instituições de ensino, do que vem a ser um recurso pedagógico e
como este pode ser utilizado pelos professores no atendimento
educacional aos alunos que apresentam deficiência física, para que as
barreiras que limitam a aprendizagem desses sujeitos sejam
superadas, proporcionando a todos os alunos a plena inserção e a
participação nas atividades do cotidiano escolar.
Professores e equipe pedagógica da escola devem refletir
constantemente sobre sua prática, atentos ao planejamento e ao

167
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

desenvolvimento das atividades propostas aos alunos com


deficiência física no contexto do ensino regular, de modo a
oportunizar experiências que possibilitem aos alunos se
desenvolverem por meio da apropriação dos conhecimentos
científicos, mesmo que de forma alternativa, ou seja, com a
utilização de recursos pedagógicos.
Entende-se que o termo ‘recurso’ pode ser utilizado em uma
diversidade de situações na escola, como as relacionadas ao campo
humano, arquitetônico, mobiliário e instrumental, da comunicação e
de tecnologias alternativas, de atividades metodológicas, entre
outras. A definição que interessa aqui, diz respeito aos instrumentos
utilizados para o ensino e a aprendizagem dos alunos com
deficiência física, ou seja, o estímulo concreto, o instrumento que
possa ser manipulável pelo aluno com deficiência física e, ao mesmo
tempo, tenha uma finalidade pedagógica, caracterizando-se, assim,
como um dos mediadores entre o aluno com deficiência física e o
conhecimento científico elaborado no contexto do ensino regular.
A escolha e a necessidade de utilização ou não do recurso
pedagógico na sala de aula vai depender da atividade proposta pelo
professor e do grau de comprometimento do aluno com deficiência
física. Em algumas atividades, o professor precisará apenas do
quadro de giz; em outras, o uso de um computador se faz necessário
para que o aluno consiga selecionar símbolos e palavras com
autonomia, lembrando que alunos com maior comprometimento
necessitarão de alguém que os ajude a selecionar tais símbolos.
Todos esses recursos possuem uma finalidade que é sempre
pedagógica e caracterizam-se por serem instrumentos manipuláveis a
serviço da aprendizagem dos alunos que apresentam deficiência
física.

Adaptação de recursos metodológicos e tecnológicos:


acessibilidade ao currículo no ensino regular

Os espaços educacionais que se propõem a atender alunos


com deficiência física na perspectiva da educação inclusiva precisam
estar devidamente dotados de equipamentos e recursos pedagógicos

168
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA

adequados às necessidades educacionais desses alunos. Esses


recursos dizem respeito aos apoios técnicos, tecnológicos, físicos e
materiais específicos (utilizados para permitir aos alunos com
necessidades educacionais especiais o acesso ao currículo), tais como
mobiliários anatômicos e adaptados, ambientes com acessibilidade,
entre outros.
A necessidade de adaptação desses recursos pedagógicos se
deve ao fato de que, muitas vezes, a forma e a estrutura como o
conteúdo está constituído impossibilita sua utilização pelo aluno
com deficiência física. Nesse caso, as adaptações são necessárias para
dar acesso pleno a esse aluno, assim como aos demais alunos, no
contexto da sala regular.
Quando se trata de adaptações dos conteúdos curriculares,
pensa-se em possibilidades educacionais de metodologias com a
utilização de tecnologias diversificadas, para que o professor e o
aluno possam se posicionar frente às dificuldades de ensino e
aprendizagem. O ponto de partida é sempre o currículo regular, mas
pressupõe-se a necessidade de adaptação deste, quando necessário,
para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com
deficiência física. Assim, não se trata de um novo currículo, mas de
um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, com adoção
de estratégias funcionais, adaptações metodológicas dos conteúdos,
dos objetivos, de avaliação, de temporalidade e de espaço físico, para
que o professor atenda às necessidades globais e peculiares de todos
os alunos.
Assim, com a utilização do currículo comum no atendimento
aos alunos com deficiência física no ensino regular, é proeminente
que as instituições de ensino elaborem ajudas técnicas, recentemente
denominadas na cultura educacional brasileira como ‘tecnologias
assistivas’, termo que diz respeito ao favorecimento da autonomia no
ambiente escolar.

169
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Aspectos metodológicos e tecnológicos e a apropriação de


conteúdos científicos por alunos com deficiência física

Segundo Vygotsky (1991), a aprendizagem é um fator


fundamental no processo de desenvolvimento mental. Os conteúdos
escolares são instrumentos que favorecem o desenvolvimento das
funções mentais superiores, ou seja, o conhecimento, especialmente
aquele elaborado no contexto da educação escolar, possibilita a
transformação dos processos cognitivos dos alunos, fazendo que
ultrapassarem os limites de sua experiência.
Nesse sentido, o ensino de conteúdos científicos é relevante
para que ocorram transformações nos processos psíquicos dos
alunos, mesmo os que apresentam um comprometimento acentuado
de ordem física. A esse respeito, Omote (2004) lembra que há uma
quantidade de argumentos ‘infundados e inferiorizantes’ que
precisam ser desmitificados em relação à pessoa com necessidades
educacionais especiais, a qual, muitas vezes, é rotulada e
estigmatizada.
Omote (2004, p. 8) ressalta que

A ênfase dada na necessidade ou conveniência de


estarem os deficientes e não deficientes juntos e
realizarem juntos as atividades de aprendizagem
escolar, que pode ser inegavelmente uma oportunidade
privilegiada para ambas as partes, pode também levar
algumas pessoas a interpretarem equivocadamente e
fazerem uma super simplificação de conceitos tão ricos
como a aprendizagem na diversidade. Nessa confusão,
os objetivos precípuos da educação escolar podem ser
completamente desvirtuados, talvez para todos os
alunos, talvez apenas para os alunos deficientes. Hoje
certamente não há mais dúvida nenhuma de que à
escola cabe parcela da responsabilidade pela formação
integral da criança. Entretanto, ainda não estamos
convencidos de que a aprendizagem de conteúdos
acadêmicos de disciplinas específicas como português
e matemática possa ser uma meta secundária da
escolarização. Sem o domínio competente dessas

170
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA

linguagens e de ferramentas fornecidas pelas diferentes


disciplinas, certamente não há como alguém exercer a
sua cidadania na plenitude.

Há necessidade dos alunos se apropriarem de conceitos


científicos, tendo eles ou não necessidades educacionais especiais.
Do contrário, a valorização da diferença em si mesma, somada ao
esvaziamento dos conteúdos escolares, acabará por reafirmar as
desigualdades. À medida que não há aprendizagem, ou esta não se
efetiva a contento, não há mudança nos processos mentais do
sujeito.
Nesse sentido, a ideia da democratização do ensino com a
oferta de educação para todos no interior da escola, demanda que ela
cumpra seu papel de proporcionar situações de ensino para que haja
a internalização dos conteúdos escolares nos sujeitos.
As diferenças biológicas, as limitações e os possíveis
impedimentos não podem ser ignorados, como se o sujeito não
apresentasse nenhuma necessidade especial. E, mais que isso, é
preciso entender qual é a necessidade educacional especial que o
aluno apresenta visto que isso não serve apenas para a mera
constatação da diferença, mas sim visa à prática de mediações
adequadas para potencializar a aprendizagem e o nível de
desenvolvimento dos alunos, possibilitando-lhes a superação de
algumas dificuldades acadêmicas decorrentes das limitações de seu
organismo.
Compreendendo com clareza a distinção do aluno com
necessidade educacional especial, seja ela de ordem física, biológica,
cognitiva, emocional, sensorial ou de comportamento, os
professores poderão dar destaque à importância da utilização de
práticas educacionais diferenciadas em alguns momentos, como
recursos educativos e metodologias alternativas, ou outras mediações
que se fizerem necessárias para que o aluno se desenvolva.
Há que se levar em conta que, às vezes, somente o
atendimento no ensino regular não responde a todas as necessidades
especiais dos alunos. Alguns precisam de uma equipe
multiprofissional (composta por professores com formação em
educação especial, pedagogos com conhecimentos na área da
171
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

deficiência física, terapeuta ocupacional, psicólogo e fonoaudiólogo)


para atendê-los de forma integral. Portanto, é fundamental a atuação
dessa equipe multiprofissional na escola em que estudam alunos com
deficiência.
Nesse ambiente escolar, estimulador e desafiador, rico em
possibilidades de aprendizagem e de desenvolvimento humano, os
aspectos metodológicos aliados às tecnologias atuais possibilitam ao
professor meios para que o aluno com deficiência física tenha acesso
ao currículo, proporcionando a melhoria de sua independência para
a realização de tarefas escolares e a construção da autonomia nos
diversos ambientes da escola.
Para tanto, em um processo de instrumentalização contínua,
é fundamental a formação continuada dos professores, a fim de que
lhes seja possibilitado aprofundar continuamente seus
conhecimentos. Além disso, é importante a interlocução com outros
profissionais que estudam a área da deficiência física, para que as
práticas pedagógicas sejam organizadas e sistematizadas, e
contemplem intervenções pedagógicas que deem respostas às
dificuldades de aprendizagem dos alunos com deficiência física.
O uso da tecnologia ou da informática educacional auxilia o
processo de ensino e aprendizagem, pois disponibiliza de forma
alternativa o ensino de linguagens e códigos específicos de
comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologia assistiva.
Assim, alunos que se encontram impossibilitados de se expressar
graficamente, podem ver na tela do computador o produto de seu
trabalho escolar, a expressão de suas ideias, o que eleva sua
autoestima, dada a compreensão de suas capacidades.
É importante enfatizar ainda que, ao longo de todo processo
de escolarização, esse atendimento aos alunos que apresentam
necessidades especiais em função da deficiência física deve estar
contemplado na proposta pedagógica da escola, instituindo, assim,
uma nova cultura escolar, na qual sejam previstas diferentes formas
de encontros desses alunos com os conhecimentos científicos,
possibilitando sua aprendizagem e desenvolvimento.

172
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA

O uso de recursos pedagógicos diversificados

Os recursos pedagógicos são considerados de suma


importância para que o aluno com deficiência física possa participar
de atividades curriculares de forma autônoma e independente.
Porém, antes de o professor planejar e selecionar os recursos a
serem utilizados pelo aluno com necessidade especial, uma avaliação
criteriosa deverá ser realizada, a fim de que o professor conheça as
possibilidades e as dificuldades do aluno na realização das atividades
escolares. Como subsídio para o planejamento do professor, é
necessário, por exemplo, que este saiba quais são as reais
possibilidades de comunicação de seu aluno; com quem, quando e
como ele se comunica; se o aluno utiliza com habilidade seu canal
sensorial (visual e auditivo); qual é o seu comprometimento motor
(membros superiores e inferiores); quais são suas habilidades
cognitivas; e, por fim, quais são as áreas do conhecimento pelas
quais demonstra maior interesse.
De posse dessas informações e também com auxílio dos
familiares do aluno, o professor poderá definir os instrumentos
manipuláveis de que o aluno com deficiência física necessitará para
que tenha acesso aos conteúdos científicos e interaja com o
professor e com os colegas de sala.
Como defende Vygotsky (1991), no princípio da interação, o
convívio escolar, em ambientes educativos por excelência
(construídos com intencionalidade de favorecer a aprendizagem de
todos os alunos), possibilita trocas cognitivas que podem promover
a aquisição de conhecimentos científicos a todos os alunos,
independentemente de suas condições físicas, sociais, intelectuais,
linguísticas ou outras. Esses conhecimentos contribuem para o
desenvolvimento psíquico do aluno tendo ele ou não uma
necessidade educacional especial.

Acessibilidade e apropriação do currículo

A inclusão é um movimento histórico e social que vem


garantir a todas as pessoas o acesso à cultura elaborada pela

173
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

sociedade. Essa realidade social promove um movimento dos


educadores, de todas as áreas de conhecimento, em busca de
alternativas de intervenções pedagógicas para atender o aluno em
todas as necessidades educacionais.
De acordo com os estudos de Góes (2002), para garantir que
a escola seja para todos e que não seja ‘a mesma’ escola para todos, é
indispensável compreender as especificidades do aluno incluso, para
que, assim, possam ser oferecidas condições diferenciadas para seu
desenvolvimento e educação.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) prevê que os espaços escolares
devem disponibilizar, entre as atividades de atendimentos
especializados, o enriquecimento curricular com o serviço de
tecnologia assistiva (TA), que, segundo Bersch (2008), deverá ser
implantado nas salas de recursos multifuncionais. No âmbito da TA
está toda a gama de recursos e serviços que contribuem para
promover ou ampliar as habilidades funcionais de pessoas com
deficiências e, em decorrência, promover a sua inclusão também na
sociedade e de forma independente.
Para se compreender a abrangência do conceito da TA, é
necessário considerar ainda outras definições que envolvem a
acessibilidade do aluno deficiente no contexto escolar, o que é
garantido pelo Decreto-lei nº 5296, de 3 de dezembro de 2004
(BRASIL, 2004), o qual se constitui em um avanço para as
discussões das práticas inclusivas e define, em seu artigo 8º, as
seguintes garantias:

I - acessibilidade: condição para utilização, com


segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços,
mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações,
dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas
e meios de comunicação e informação, por pessoa
portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;

II - barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite


ou impeça o acesso, a liberdade de movimento, a
circulação com segurança e a possibilidade de as

174
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA

pessoas se comunicarem ou terem acesso à


informação; [...]

V - ajuda técnica: os produtos, instrumentos,


equipamentos ou tecnologia adaptados ou
especialmente projetados para melhorar a
funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou
com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia
pessoal, total ou assistida; [...]

IX - desenho universal: concepção de espaços,


artefatos e produtos que visam atender
simultaneamente todas as pessoas, com diferentes
características antropométricas e sensoriais, de forma
autônoma, segura e confortável, constituindo-se nos
elementos ou soluções que compõem a acessibilidade.

As barreiras são classificadas em quatro categorias:


urbanísticas, nas edificações, nos transportes, nas comunicações e
nas informações. Para que ocorra a inclusão, é necessário superar as
barreiras que impedem as condições adequadas de acesso e
integração ao ambiente que o deficiente frequenta. Para tanto, um
dos caminhos é promover a divulgação e discussões sobre a
ampliação do conceito de acessibilidade.
Na escola, promover a acessibilidade é garantir a igualdade de
condições de desenvolvimento do aluno deficiente e dos demais
alunos. Por esse motivo, a acessibilidade não pode envolver um ou
outro aspecto, mas sim todo o contexto escolar, que deve promover
o acesso e a permanência sem obstáculos ou constrangimentos,
viabilizando a participação efetiva da pessoa na comunidade e no
ambiente. Assim, a ampliação do conceito de acessibilidade envolve
seis dimensões descritas no quadro a seguir:

175
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Quadro 1 – Dimensões da acessibilidade


Dimensão da
Descrição
acessibilidade
Elimina barreiras em todos os ambientes físicos (internos e
Arquitetônica
externos) da escola, incluindo o transporte escolar.

Transpõe obstáculos em todos os âmbitos da comunicação,


Comunicacional considerada nas suas diferentes formas (falada, escrita,
gestual, língua de sinais, digital, entre outras).
Facilita o acesso ao conteúdo programático oferecido pelas
Metodológica escolas, ampliando estratégias para ações na comunidade e
na família, favorecendo a inclusão.
Possibilita a acessibilidade a todos os instrumentos,
Instrumental utensílios e equipamentos utilizados na escola, nas
atividades de vida diária, no lazer e na recreação.
Combate o preconceito e a discriminação em todas as
normas, programas, legislação em geral que impeçam o
Programática
acesso a todos os recursos oferecidos pela sociedade,
promovendo a inclusão e a equiparação de oportunidade.
Extingue todos os tipos de atitudes preconceituosas que
Atitudinal impeçam o pleno desenvolvimento das potencialidades da
pessoa com deficiência.
Fonte: Instituto de Tecnologia Social (2008).

De acordo com o Comitê de Ajudas Técnicas da


Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (CORDE),
Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de
característica interdisciplinar, que engloba produtos,
recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços
que objetivam promover a funcionalidade, relacionada
à atividade e participação, de pessoas com deficiência,
incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua
autonomia, independência, qualidade de vida e
inclusão social (COMITÊ DE AJUDAS TÉCNICAS,
2007, p. 1).

176
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA

Como se pode observar, a TA abrange recursos e serviços, e


esses não se restringem à sala de aula, mas abarcam todos os espaços
e ambientes escolares. Para Bersch (2007), ‘recurso’ é o equipamento
utilizado pelo aluno, que o auxilia no desempenho de uma atividade,
já o ‘serviço’ é aquele que diz respeito aos problemas funcionais do
aluno nos espaços escolares. Portanto, segunda a autora, utilizar a
TA na escola é buscar com criatividade mecanismos para que o
educando realize a atividade que lhe é proposta como conteúdo
sistematizado. É criar alternativas para que ele se comunique, ande,
estabilize-se, consiga utilizar os materiais escolares e acessar os
espaços escolares. Enfim, promover a TA é fazer com que o aluno
tenha condições de acessibilidade ao currículo escolar.
Nesse sentido, a inclusão deve respeitar as diferenças e
superar os desafios que essas diferenças impõem. Bersch (2007)
apresenta uma lista de questionamentos, os quais são considerados
pertinentes porque compreendem que fazer TA na escola é resolver
problemas funcionais. Para tanto, são postos os seguintes
questionamentos em relação ao aluno e às condições que a escola
oferece a ele:

 Como poderei avaliar se ele [o aluno] não consegue


escrever como os outros?
 Meu aluno é mais lento para escrever, ler e falar. Será
que acompanhará o ritmo da turma no aprendizado?
 Parece que ele entende tudo, mas não fala e não
consegue escrever. Como poderei saber o que ele quer,
[do que] gosta, [o que] aprendeu ou quais são as suas
dúvidas? Existe alguma forma alternativa de ele
comunicar o que deseja?
 Todos estão utilizando a tesoura e se sentem orgulhosos
por isso. Como posso fazer para que o meu aluno com
deficiência não se sinta excluído e incapaz?
 O que faremos na aula de educação física?
 Ele conseguirá se alimentar sozinho?

177
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

 Quem ficará responsável por acompanhá-lo no


deslocamento dentro da escola?
 Ele precisará de ajuda para ir ao banheiro? Quem o
auxiliará? Existe algum jeito de ele ser mais
independente? (BERSCH, 2007, p. 32).

Essas questões aparentemente simples envolvem o contexto


da sala de aula e preocupam o professor que pretende realizar uma
inclusão responsável. Criatividade e empenho são necessários para
que as alternativas propostas vençam as barreiras impostas e
ampliem os momentos de aprendizagem.
Assim, a título de ilustração, serão apresentadas a seguir
algumas sugestões de materiais adaptados que favorecem a
aprendizagem do aluno.

Sugestões de materiais adaptados

Materiais como cadernos adaptados oferecem ao aluno com


movimentos involuntários a possibilidade de escrever entre pautas.
As linhas seguram os movimentos involuntários da mão do aluno
quando este utilizar o lápis sobre o papel. O espaço entre as linhas
pode ser variável, dependendo da necessidade de cada aluno. São
exemplos desses materiais o caderno de elástico e o caderno de
madeira imantado (Figura 1a). O caderno de elástico é
confeccionado em madeira, com furos nas duas laterais. Nesses
furos é passado um elástico de um lado a outro, formando linhas
entre as quais serão escritos os conteúdos curriculares no contexto
do ensino regular e as tarefas de casa.

178
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA

Figura 1a – Caderno elástico e caderno de madeira imantado.

Fonte: Acervo das autoras.

Figura 1b – Caderno tripé.

Fonte: Acervo das autoras.

Já o caderno de madeira imantado, como a própria


designação já indica, é confeccionado em madeira com material
imantado para fixar as letras com ímãs. Esse material favorece a
coordenação visomotora, a noção espacial de parágrafo e a
sequenciação. É ideal para trabalhar com aqueles alunos que ainda
não apresentam coordenação motora fina no manuseio de lápis e
papel.
Outros objetos são as pranchas de comunicação (Figura 2),
que correspondem a recursos tanto para as necessidades básicas dos
alunos de interagirem, quanto para a necessidade de realização de
algumas atividades escolares.

179
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Figura 2 – Prancha de comunicação.

Fonte: Acervo das autoras.

O parapodium (Figura 3) é um material confeccionado em


madeira, fórmica, duralumínio, velcro e espuma. Destinado a
crianças que não realizam marcha e necessitam permanecer em pé,
esse equipamento colabora para a melhoria da postura do tronco,
dos membros inferiores e também para a manutenção do equilíbrio,
Assim, auxilia o aluno na realização das atividades porque possibilita
que o aluno tenha uma postura mais adequada.

Figura 3 – Parapodium.

Fonte: Acervo das autoras.

O suporte para livros (Figura 4) é um material adaptado, de


fácil confecção, que melhora muito o desempenho do aluno em sala
de aula porque evita que o aluno abaixe a cabeça para acompanhar a
leitura dos livros didáticos. A posição traz mais conforto ao aluno

180
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA

que consegue permanecer em atividade por mais tempo. É feito com


três planos de madeiras unidos, apoiados sobre a carteira escolar.

Figura 4 – Suporte para livros.

Fonte: Acervo das autoras.

A colmeia (Figura 5) é um recurso semelhante a um teclado


de computador, que impede que o aluno, ao digitar, aperte teclas
indesejadas devido aos os movimentos involuntários. Esse material é
confeccionado com placa de plástico ou acrílico com perfurações
correspondentes a cada tecla, fixada no teclado para dar segurança e
firmeza ao teclar.

Figura 5 – Colmeia e suporte para teclado.

Fonte: Acervo das autoras.

Três modelos de mouses adaptados são aqui apresentados

181
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

(Figura 6). O primeiro é um mouse comum com saída para o


acionador de pressão. O segundo apresenta-se como uma esfera
gigante (com 7 cm de diâmetro), que possibilita o movimento do
cursor na tela, exigindo menor necessidade de controle motor fino
por parte do usuário. Possui dois botões grandes com funções
equivalentes às teclas esquerda e direita do mouse convencional e um
visual muito atraente, com cores vivas. O terceiro mouseé um
acessório com botões de toque RTC que substitui o mouse comum,
permitindo ao usuário com dificuldades motoras usar o computador
pelo toque em seus botões, que são fixos. É composto de sete
botões individuais de baixo esforço, com as seguintes funções:
movimentar o cursor para direita, esquerda, acima e abaixo (quatro
botões); simular as teclas direita e esquerda do mouse convencional
(dois botões); arrastar e regular velocidade do cursor (um botão).

Figura 6 – Mouses adaptados.

Fonte: Acervo das autoras.

182
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA

Considerações finais

Aqui foram apresentados alguns recursos metodológicos e


tecnológicos que auxiliam os alunos com deficiência física no
contexto do ensino regular. Esses recursos otimizam o acesso aos
conteúdos científicos, contribuindo com o processo de ensino e
aprendizagem.
Buscou-se na teoria histórico-cultural elementos para analisar
a importância do ensino dirigido a alunos com necessidades
educativas especiais no contexto regular, evidenciando ser este um
espaço fundamental para a aprendizagem dos alunos com deficiência
física.
Em seus estudos acerca da psicologia e da pedagogia das
deficiências, Vygotski (1983) defende que todas as crianças
apresentam possibilidades de desenvolvimento, diferenciando
apenas o modo como se desenvolvem.
Nesse sentido, fica evidenciada a necessidade de uma
educação voltada a todos os alunos, na qual os processos
pedagógicos contemplem ações mediadoras apropriadas,
entendendo-as como processos de interação que proporcionam a
apropriação dos conteúdos escolares. A ideia fundamental pauta-se
na evidência de que, por meio de mediações adequadas, a criança
pode compensar socialmente a deficiência, desenvolver-se
satisfatoriamente, e, por conseguinte, apropriar-se dos
conhecimentos historicamente elaborados pela humanidade.
Para tanto, é importante compreender a existência de
algumas nuances que envolvem o processo de ensino e
aprendizagem de alunos com deficiência física. Embora muitos
alunos alcancem elevado nível de compreensão receptiva da
linguagem, apresentam dificuldades acentuadas na fala e/ou na
escrita, razão pela qual precisam usar outras formas de sinalização e
de códigos como meio facilitador do processo ensino e
aprendizagem e também para que estabeleçam interação com os
colegas e com o professor.
A necessidade de recursos metodológicos e tecnológicos
diferenciados destinados a alunos que apresentam a deficiência física

183
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

é um fato que deve ser considerado, para que os alunos possam se


apropriar dos conteúdos científicos no ambiente escolar. Percebe-se
também que as adequações metodológicas e os recursos
tecnológicos alternativos favorecem todos os alunos, pois a ruptura
com os padrões existentes de ensino permite a ampliação de
estratégias diversificadas que acabam por beneficiar a aprendizagem
de todos os alunos.
Constata-se, assim, a necessidade de ressignificação do
processo de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência física
e de maior reflexão dos professores sobre a prática pedagógica no
sentido de oportunizar a interação aluno-aluno.
Às instituições de ensino cabe, além de incluir os alunos,
pensar na organização do ensino como atividade para todos, de
forma a contemplar momentos coletivos, cuja atividade pedagógica
coincida com o objeto e a necessidade da atividade de aprendizagem,
permitindo que os alunos se apropriarem de novos conhecimentos.
Cada educando é único em suas especificidades ao apropriar dos
conhecimentos científicos existentes e no modo de se desenvolver
histórica e socialmente. Portanto, incluir um aluno exige os
atendimentos especializados para que o acesso ao currículo se
consolide.
Em vista disso, a escola atual carrega um novo e grande
desafio: comprometer-se com estudos teóricos a respeito do
processo de desenvolvimento dos alunos com deficiência física,
principalmente no que diz respeito às suas potencialidades,
dificuldades e possibilidades de transformação física e psíquica.

Referências

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especializado: conceitos que apoiam a inclusão escolar de alunos
com deficiência. In: MANTOAN, Maria Teresa Eglér (Org.). O
desafio das diferenças nas escolas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p.
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184
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA

BERSCH, Rita. Tecnologia assistiva. In: SCHIRMER, Carolina


Rizzotto; BROWNING, Nádia; BERSCH, Rita. Atendimento
educacional especializado: deficiência física. Brasília, DF:
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BRASIL. Decreto-lei nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Diário


Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 dez.
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Acesso em: 15 maio 2010.

GÓES, Maria Cecília Rafael. Relações entre desenvolvimento


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Trento; REGO, Teresa Cristina (Org.). Psicologia, educação e as
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São Paulo: Centauro, 2004.

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DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

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VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. São


Paulo: Martins Fontes, 1991.

186
Capítulo 9
CARACTERÍSTICAS, ALTERAÇÕES
MORFOFUNCIONAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA:
LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES
Sonia Maria Toyoshima Lima
Márcia Aparecida Marussi Silva
Cristina Cerezuela

Introdução

O movimento mundial em defesa da inclusão promove


grandes avanços no que dizem respeito ao atendimento educacional
das pessoas com necessidades educacionais especiais. No Brasil, as
políticas inclusivas garantem o direito a esses indivíduos
(JANNUZZI, 2004; MANTOAN; PRIETO; MAZZOTTA, 1996).
Contudo, contrapondo aos avanços teóricos é possível identificar
que ainda há muitas dificuldades relacionadas às práticas pedagógicas
direcionadas às pessoas com necessidades educacionais especiais
(GALVÃO FILHO; DAMASCENO, 2006). As dificuldades que
mais se destacam no ensino estão relacionadas à estrutura física dos
ambientes escolares, que prejudicam o acesso dos alunos,
principalmente quando estes possuem deformações ósseas que
afetam os membros superiores e/ou inferiores, a coluna vertebral e
as articulações, deficiências estas que podem ser temporárias ou
definitivas. Essa situação interfere na movimentação e nas ações
relacionadas ao desenvolvimento das atividades educacionais.
Para que se possam identificar aspectos relacionados aos
alunos com deficiência física, necessário se faz definir quem é a
pessoa com deficiência física, a forma de aquisição da deficiência, as
alterações musculoesqueléticas, bem como as limitações e as
possibilidades de desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizagem.
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Definindo deficiência física

A deficiência física define-se por alterações musculares,


ósseas, articulares e/ou que acometem uma pessoa, em tal grau que
limita sua capacidade de locomoção, articulação e postura, tendo
como consequência a redução da força e da movimentação. A
consequência desses fatores reflete-se na interferência e/ou limitação
à execução de atos cotidianos como o de sentar-se, locomover-se e
manipular materiais durante o processo de desenvolvimento
pedagógico.
Além de definir deficiência física, igualmente importante é
identificar sua origem, suas características, alterações
morfofuncionais e os mecanismos de respostas de alunos com
amputação, lesões raquimedulares, espinha bífida, distrofia muscular,
encefalopatia crônica não evolutiva da infância (paralisia cerebral –
PC), poliomielite (paralisia infantil), para que, assim, seja possível a
aproximação das possibilidades dos movimentos remanescentes.

Identificando algumas deficiências físicas

Amputação

As causas mais frequentes de amputação nas crianças,


segundo Pedrinelli e Teixeira (2005), são as malformações
congênitas ou adquiridas, as infecções, os traumas e as neoplasias
(alterações celulares anormais, que pode ser malignas ou benignas).
A amputação congênita pode acontecer quando há
malformação durante o processo de crescimento e desenvolvimento
do bebê na vida intrauterina, por alterações celulares anormais na
gestação. O termo ‘congênito’ não tem nenhuma conotação de
hereditariedade, embora esta não possa ser excluída como agente
causal, até porque pode ou não causar anomalia no bebê.
Os fatores maternos que podem causar malformações fetais
são alcoolismo, ingestão de drogas lícitas e ilícitas como a

188
CARACTERÍSTICAS, ALTERAÇÕES M ORFOFUNCIONAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA: LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES

talidomida1, ingestão de medicamentos sem orientação médica,


diabetes, infecções que possam ocorrer no primeiro trimestre de
gestação como rubéola, toxoplasmose, baixos níveis de ácido fólico
(causando defeitos no tubo neural) e os fatores amnióticos2.
A amputação adquirida pode ocorrer em função de traumas
decorrentes de acidentes, infecções, tumores e de vasculopatias
periféricas, as quais acometem geralmente pessoas de 50 anos ou
mais e têm como consequência a retirada de um membro (superior
ou inferior), ou de um ou mais ossos das mãos ou dos pés. A parte
do(s) membro(s) amputado(s) que permanece é identificada como
‘coto de amputação’ e o local em que o osso foi seccionado
corresponde ao ‘nível de amputação’.
Para se ter uma boa função do coto, este deve ser amputado
o mais longamente possível, para que a pessoa possa apresentar
melhor mobilidade e adaptabilidade às próteses, bem como ter boa
circulação sanguínea.
Ao sofrer uma amputação, a pessoa terá a sensação de
existência da parte ausente do(s) membro(s) amputado(s), que é
definido por Lima, Chamlian e Masiero (2006) como ‘sensação do
membro fantasma’.Relatam os autores que a sensação é tão fidedigna
que a pessoa amputada de membros inferiores pode tentar ficar em
pé, andar ou até apoiar-se sobre as extremidades perdidas; no caso

1 Trata-se de um medicamento desenvolvido na Alemanha, em 1954, utilizado


inicialmente como sedativo. A comercialização, em 1957, gerou milhares de
casos de uma síndrome que acomete o feto, caracterizada pela aproximação ou
encurtamento dos membros junto ao tronco, interferindo na formação do
bebê. Utilizado durante a gravidez, também pode provocar problemas visuais,
auditivos, lesões na coluna vertebral e, em casos mais raros, problemas
cardíacos e do tubo digestivo. Em 1961, a retirada desse medicamento do
mercado mundial foi imediata. No entanto, em 1965, foi descoberto o seu
efeito benéfico no tratamento em hanseníase, o que gerou a reintrodução do
medicamento no mercado brasileiro (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS
PORTADORES DA SÍNDROME DA TALIDOMIDA, 2007).
2 Os fatores amnióticos que podem causar malformações fetais, segundo
estudos realizados no centro histórico de Cambridge e registrados por Robin
(2010), acontecem quando há baixos níveis de fluido nos primeiros meses da
gravidez, pois o feto pode ser comprimido contra as paredes do útero, e isso
pode causar malformações de partes do corpo em crescimento.

189
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

de amputação de membros superiores, a pessoa pode tentar pegar


objetos. Outra constatação é sobre a dor localizada na parte residual
do membro amputado, denominada ‘dor no coto de amputação’,
intercorrência que pode interferir no desenvolvimento das atividades
de ensino e aprendizagem.
Para propiciar o desenvolvimento educacional dos alunos
com amputação, deve-se estimular as funções remanescentes e
buscar atingir a funcionalidade, a estabilidade e a movimentação,
com descobertas de possibilidades individuais, o que contribui para
o desenvolvimento de habilidades funcionais e a aceitação da não
presença do(s) membro(s) amputado(s).

Lesões raquimedulares

Segundo Mancussi (1998), embora as lesões raquimedulares


(coluna vertebral e medula) acometam principalmente jovens, com
idade variando entre 18 e 35 anos, na proporção de quatro homens
para uma mulher, atualmente muitas crianças têm sido vítimas desses
traumas.
A pesquisa realizada por Campos, Ribeiro e Listik (2008)
informa que as quedas e acidentes automobilísticos são as principais
causas de acidentes que vitimam de 0 a 20 anos. No Brasil, além
dessas causas, as mais frequentes são os acidentes com arma de fogo,
e ainda outros fatores de menor incidência, como os acidentes
esportivos, os com arma branca, saltos e mergulhos em piscina, rio e
mar.
As lesões raquimedulares causam alterações e disfunções
morfofisiológicas com consequências na funcionalidade e
manifestações sensoriais e motoras. Os acidentes ocorridos podem
incidir em uma compressão medular, ruptura de uma ou mais
vértebras com rompimento de feixes medulares, infecção nos feixes
medulares e, por vezes, desvio do alinhamento vertebral.
Os traumas raquimedulares podem originar lesões
irreversíveis na força e nos movimentos de flexão, hiperextensão
e/ou rotação da coluna. Os níveis de lesões mais frequentes,
segundo Defino (1999), são na região cervical (C) C4, C5 e C6, o que

190
CARACTERÍSTICAS, ALTERAÇÕES M ORFOFUNCIONAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA: LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES

causa tetraplegia e, no nível inferior, são mais comuns na região


torácica (T), na T12, e na região lombar (L), na L1, o que causa
paraplegia.
O termo ‘tetraplegia’ refere-se à perda da função motora
e/ou sensitiva nos segmentos cervicais da medula espinhal, devido à
lesão nos filamentos neuronais no interior do canal vertebral. Resulta
em alterações das funções dos membros superiores, tronco,
membros inferiores e órgãos pélvicos, não sendo incluídas nessa
categoria as lesões do plexo braquial e nervos periféricos fora do
canal vertebral, que causam a paralisia3 e/ou paresia.
O termo‘paraplegia’refere-se à perda da função motora e/ou
sensitiva nos segmentos torácicos, lombares e sacrais da medula
espinhal, secundária à lesão dos elementos neurais no interior do
canal vertebral. Esse termo pode ser utilizado para definir as lesões
da cauda equina e cone medular, mas não para as lesões do plexo
lombossacro e lesões dos nervos periféricos, localizadas fora do
canal vertebral.
Como indica Defino (1999), a American Spinal Injury
Association (ASIA) e a International Medical Society of Paraplegia
(IMSOP) estabeleceram uma classificação neurológica e uma
avaliação 4 da função motora que tem por objetivo avaliar a gravidade
da lesão medular. A informação precisa ser conhecida porque a
classificação neurológica está baseada na sensibilidade e na função

3 Segundo Machado (2005), a diminuição da forma muscular denomina-se


paresia, e a ausência total de força, que impossibilita o movimento denomina-
se paralisia.
4 A avaliação da função motora, também realizada de ambos os lados de
músculos denominados ‘músculos-chaves’, são em 10 pares de miótomos e a
força muscular é graduada de acordo com a escala: 0 - paralisia total; 1 -
contração palpável ou visível; 2 - movimento ativo eliminado pela força da
gravidade; 3 - movimento ativo que vence a força da gravidade; 4 - movimento
ativo contra alguma resistência; 5 - normal e nãotestada(NT). A escala consiste
nas avaliações das transecções medulares e dos músculos que, segundo Defino
(1999), foram selecionados: C5 - flexores do cotovelo; C6 - flexores do punho;
C7 - extensores do cotovelo; C8 - flexores do dedo (falanges média e distal);
T1 - abdutores (dedo mínimo); L2 - flexores do quadril; L3 - flexores do
joelho; L4 - dorsiflexores do tornozelo; L5 - extensor longo dos dedos; S1 -
flexores plantares do tornozelo.

191
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

motora, e uma avaliação da sensibilidade tátil e sensibilidade


dolorosa de 28 dermátomos5 de ambos os lados.
A avaliação da deficiência de acordo com a escala, conforme
descreve Defino (1999), consiste em cinco graus de incapacidade.
Sejam eles:

 Lesão completa: não existe função motora ou sensitiva


nos segmentos sacrais S4-S5.
 Lesão incompleta: preservação da sensibilidade e perda
da força motora abaixo do nível neurológico,
estendendo-se até os segmentos sacrais S4-S5.
 Lesão incompleta: a função motora é preservada abaixo
do nível neurológico, e a maioria dos músculos-chaves
abaixo do nível neurológico possui grau menor ou igual
a 3.
 Lesão incompleta: a função motora é preservada abaixo
do nível neurológico e a maioria dos músculos-chaves
abaixo do nível neurológico possui grau maior ou igual a
3.
 Normal: sensibilidade e força motora normais.

O fato é que, ao identificar as lesões, é possível adaptar


materiais de apoio (como canetas, lápis ou quaisquer outros) que
possam estimular a informação sensorial do tato, da dor, do calor,
do frio, da posição corporal para a escrita e para a leitura, o que
proporcionará informação conforme o nível da lesão para estimular
os movimentos sensório-motores e, assim, desenvolver atividades
pedagógicas de acordo com a força e os movimentos remanescentes.

Espinha bífida

O nome genérico engloba um amplo grupo de malformações


da coluna vertebral como a meningocele, mielomeningocele e

5 Dermátomo: qualquer área cutânea que contém fibras nervosas provenientes


de uma única raiz posterior ao nervo espinhal.

192
CARACTERÍSTICAS, ALTERAÇÕES M ORFOFUNCIONAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA: LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES

lipomeningocele (aberta ou ulcerada e fechada). A espinha bífida, de


acordo com Cuberos, Motta e Ruiz (1997) consiste em uma série de
malformações congênitas que apresentam em comum uma
característica fundamental que é uma fenda da coluna vertebral, que
ocorre por volta dos 28 dias de gestação. Essa fenda é resultado do
não fechamento do tubo neural ou, segundo outra teoria, da rotura
posterior ao fechamento do tubo.
A gravidade desses problemas depende fundamentalmente da
altura ou nível da lesão, bem como de sua extensão. Os principais
níveis neuromusculares são: nível torácico superior, nível torácico
inferior, nível lombar superior, nível lombar inferior, nível sacro. As
lesões associadas podem ser: hidrocefalia; alterações neurológicas
com paralisias flácidas das extremidades inferiores com perda da
sensibilidade abaixo do nível da lesão vértebra e medular; alterações
ortopédicas e alterações das funções urológicas e intestinais que se
manifestam por incontinência de esfíncteres.
Quando há deformidades em quaisquer níveis da coluna
vertebral, a anomalia perfaz um quadro de escoliose, lordose e
cifose. A escoliose é quase sempre do tipo paralítica, com grandes
curvas dorsolombares do que decorrem repercussões funcionais
graves na marcha e, como o posicionamento é instável, há uma
perda da autonomia funcional. A cifose é outro problema grave do
ponto de vista funcional, porque origina uma distorção da forma
respiratória devido a deformações do tronco e ulceração da pele da
zona cifótica, que é associada à incontinência urinária.
A mielomeningocele acarreta uma limitação grave que afeta
de forma permanente as atividades e, dependendo da localização da
lesão, pode surgir paralisia da cintura pélvica e das extremidades
inferiores, com perda de sensibilidade quando a lesão é dorsolombar.

Distrofia muscular

A literatura médica descreve mais de trinta tipos de distrofia,


cada tipo possui características específicas quanto ao início da
apresentação dos sintomas, grupos musculares mais comprometidos
e progressão da doença. A mais comum, segundo Nussbaum,

193
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

McIness e Willard (2001), é a distrofia muscular de Duchenne


(DMD), doença neuromuscular de origem genética, que acomete
principalmente o sexo masculino6, determinada por uma mutação no
gene da distrofina, situado no cromossomo X.
Essa distrofia ocasiona a substituição do tecido muscular por
tecido adiposo e conjuntivo e apresenta como característica principal
o enfraquecimento progressivo da musculatura esquelética, o que só
é notado quando a criança começa a andar. As primeiras
características, segundo Fabris (2004), são o aumento do volume das
panturrilhas, decorrente do grande esforço a que os músculos
gastrocnêmios são submetidos para compensar o déficit dos
músculos anterolaterais das pernas para auxiliar o equilíbrio na
marcha. As consequências desse fato, segundo a Associação
Brasileira de Distrofia Muscular (2009), são marcha vacilante, quedas
frequentes, dificuldade para subir escadas e levantar-se da posição
sentada. E, por ser uma doença de progressão, qualquer esforço
muscular que cause o mínimo de fadiga, contribuirá para a
deterioração do tecido muscular.
Os meninos afetados desenvolvem fraqueza muscular por
volta de 3 a 5 anos, e com o avanço da idade, diversos sintomas de
enfraquecimento manifestam-se de forma gradual e ascendente, ou
seja, da musculatura de membros inferiores para a musculatura do
tronco e dos membros superiores, ocasionando problemas posturais,
cifoescoliose e deformidades em flexão de membros superiores e
inferiores. O processo de enfraquecimento desencadeia distúrbios
cardíacos, insuficiência respiratória crônica e contraturas que
ocorrem devido ao posicionamento contínuo na posição sentada.
Embora ainda não exista nenhum medicamento capaz de bloquear

6 No sexo feminino, ocorre a inativação de um dos cromossomos X, e essa


inativação faz com que as mulheres sejam apenas portadoras do gene da
distrofia, não apresentando o quadro clínico. Há exemplos raríssimos de
meninas com distrofia muscular de Duchenne (DMD). Segundo Campos,
Ribeiro e Listik (2008), se uma mulher portadora do gene da distrofia gerar um
filho do sexo masculino, a probabilidade de a criança vir a ser afetada é de
50%.

194
CARACTERÍSTICAS, ALTERAÇÕES M ORFOFUNCIONAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA: LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES

ou retardar o processo de degeneração do músculo, há registros de


muitos avanços na ciência.
Silveira (2010) alerta que, ao receber um aluno com distrofia
muscular de Duchenne, a escola deve proporcionar a retirada das
barreiras arquitetônicas para facilitar o deslocamento do aluno,
principalmente quando este se utilizar de cadeira de rodas. Outro
aspecto a ser considerado é que o aluno continue tendo facilidade
para acessar objetos e materiais utilizados nas atividades
pedagógicas, pois proporcionar atividades desafiadoras fará diferença
para que ele avance e ultrapasse os limites de sua vida na escola e em
seu dia a dia.

Encefalopatia crônica não evolutiva da infância – paralisia


cerebral (PC)

Como indica Rotta (2002), essa patologia foi descrita pela


primeira vez por Little, em 1843, e em 1897 sugeriu a expressão
‘paralisia cerebral’ (PC). Mais tarde, em 1937, o ortopedista William
Phelps descreveu vários tipos a partir de um grupo de crianças que
apresentavam transtornos motores devido à lesão do sistema
nervoso central (SNC). Com o Simpósio de Oxford, em 1959, a
expressão ‘paralisia cerebral’ passou a ser conceituada como
encefalopatia crônica não evolutiva da infância, sendo definida como

[...] sequela de uma agressão encefálica, que se


caracteriza, primordialmente, por um transtorno
persistente, mas não invariável, do tono, da postura e
do movimento, que aparece na primeira infância e que
não só é diretamente secundário a esta lesão não
evolutiva do encéfalo, senão devido, também, à
influência que tal lesão exerce na maturação
neurológica (ROTTA, 2002, p. 1).

Como o termo ‘paralisia cerebral’ (PC) ainda é o mais usual


na literatura e no meio social, essa é a nomenclatura utilizada neste
texto. A paralisia cerebral é o resultado de uma lesão encefálica
permanente que acontece no período pré-natal, perinatal ou pós-

195
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

natal. Dependendo da localização, da intensidade, do tempo de


duração da lesão (causada por anóxia) é que são caracterizadas as
alterações motoras e/ou sensoriais.
Dessa forma, a paralisia cerebral define-se por uma lesão
encefálica não progressiva e não hereditária, causada por problemas
gerados na vida intrauterina ou extrauterina, com incidência nos
primeiros anos de vida, tendo como resultante a dificuldade no tono
muscular, na postura, nos movimentos musculares de coordenação
motora grossa e/ou motora fina, na deambulação e dificuldade de
fala. Nos casos mais graves, também há alterações intelectuais,
visuais e auditivas.
Segundo Diament (1996) e Rotta (2001), os fatores causais
no período pré-natal são: infecções, parasitoses (rubéola,
toxoplasmose, HIV), ingestão de drogas lícitas e ilícitas (crack,
álcool), radiações, fatores maternos como anemia grave, desnutrição,
diabetes, hipotensão ou hipertensão, gestante idosa e traumas
abdominais durante o período gestacional.
Os fatores causais no período perinatal são trauma
obstétrico, anomalia de posição do feto duração do trabalho de
parto, parto instrumental (no qual há utilização inadequada do
fórceps), hemorragia intracraniana, anóxia (causada por nó no cordão
umbilical, quando o cordão está envolvido no pescoço do bebê, ou
demora no nascimento), o que gera uma diminuição e/ou
insuficiência de oxigenação sanguínea especialmente no cérebro.
Os fatores causais no período pós-natal são infecções (como
meningite), traumas cranioencefálicos, intoxicações, ataques
apneicos ou cianóticos, hipoglicemia, distúrbios metabólicos (como
hipocalcemia, hipoglicemia), hipotermia, ou ainda desnutrição, que
interfere de forma decisiva no desenvolvimento do cérebro da
criança.
Os aspectos de prevenção durante esses três períodos devem
ser considerados, pois os fatores de ocorrência da paralisia cerebral
podem ser minimizados e/ou erradicados. Andrade (1999) que, até o
momento, não há medicamentos nem operações que possam curar
paralisia cerebral, mas há diversas e inovadoras possibilidades de
melhorar e minimizar seus efeitos a médio e longo prazo.

196
CARACTERÍSTICAS, ALTERAÇÕES M ORFOFUNCIONAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA: LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES

Alterações morfofuncionais da paralisia cerebral

Existem várias formas de se proceder à classificação das


alterações morfofuncionais e, neste estudo, optou-se por enfocá-las
quanto aos aspectos neuroanatômicos, por enfatizar o sintoma
motor. São classificadas como: espástica (piramidal), coreoatetósica
(extrapiramidais), atáxicas e mistas. Os comprometimentos delas
derivados dependem da localização e da extensão de disposição, e se
manifestam como monoplegia/ monoparesia,
hemiplegia/hemiparesia, diplegia/diparesia, triplegia/triparesia e/ou
tetraparesia.
Nas formas espásticas,há hipertonia muscular extensora e
adutora dos membros inferiores, hiper-reflexia profunda e sinal de
Babinski, e ainda déficit de força localizado ou generalizado,
dependendo da extensão. Segundo Rotta (2002), podem se
apresentar como leve, moderada ou grave.
Nas formascoreoatetósicas,as pessoas apresentam
movimentos involuntários, lentos, amplos, flutuantes e
incoordenados. O tônus muscular pode ter variação para mais
(discinesia) ou para menos (distonia) durante a movimentação, com
dificuldade na manutenção da postura. Movimentos coreicos são
contrações involuntárias rápidas, irregulares e sem ritmo, que surgem
também durante o repouso, mas que desaparecem com o sono.
Movimentos atetóticos são contrações involuntárias, lentas,
ondulantes, incoordenadas, de grande amplitude, principalmente no
pescoço e na face.
Nas formas atáxicas, há alterações do equilíbrio e da
coordenação motora associadas à hipotonia muscular.
Nas formasmistas,há diferentes combinações de transtornos
motores com transtornos de linguagem, auditivo, ocular, e, em
alguns casos, com crises convulsivas, deficiência intelectual, além de
outros transtornos.
As alterações funcionais, segundo Brasil (2004), dificultam os
movimentos de coordenação motora fina e grossa. De modo que,
para desenvolver tarefas motoras, o tempo de resposta de cada
pessoa com paralisia cerebral, principalmente com espasticidade,

197
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

deverá ser respeitado. Nesse caso, na escola, é importante evitar


oferecer objetos pesados para que o aluno os manuseie e também
evitar a solicitação de movimentos que exijam agilidade, porque o
aluno terá dificuldade de modificar a posição corporal, pegar e/ou
lançar materiais.
Como alguns alunos com paralisia cerebral têm dificuldades
de comunicação, o professor deverá buscar alternativas de
comunicação durante o processo de ensino e aprendizagem e
avaliação. Por exemplo, o uso de tabuleiro com desenhos, letras do
alfabeto, computador, ponteiras podem funcionar como meios de
obter respostas às alterações apresentadas, sendo determinantes na
educação (GALVÃO FILHO; DAMASCENO, 2006).

Poliomielite

No Brasil, a poliomielite está erradicada há mais de 20 anos,


porém há necessidade de identificá-la porque consiste em uma
infecção viral aguda que produz uma larga faixa de doenças clínicas,
desde nenhum sintoma até uma paralisia e, por vezes, a morte.
A infecção é transmitida pelo circuito orofaríngeo fecal. O
ser humano é o único reservatório natural do vírus. Se a infecção
viral for de curta duração, há o aparecimento de anticorpos que
neutralizam as partículas virais, sem doença clínica. Mas se a resposta
imune for lenta, o vírus atingirá diretamente as estruturas nervosas, o
que provoca infecção no sistema nervoso central.
A lesão neuronal é causada pela multiplicação do vírus, e a
gravidade da doença dependerá do número e da localização dos
neurônios envolvidos. Os alvos prediletos do vírus são os neurônios
motores no corno anterior da medula, os neurônios motores dos
núcleos dos nervos cranianos no tronco cerebral, área motora do
córtex cerebral.

Considerações finais

Para realizar uma intervenção educacional, o professor


deverá conhecer todos seus alunos, tanto no que se refere às

198
CARACTERÍSTICAS, ALTERAÇÕES M ORFOFUNCIONAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA: LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES

características pessoais, quanto à estruturação e construção de seu


processo de desenvolvimento. Após essa identificação, há a
necessidade de proporcionar experiências que estabeleçam relações
durante todo o processo de ensino, atentando para as respostas de
aprendizagem de cada aluno. É necessário, pois, haver adaptação,
visto que é uma estratégia que terá sucesso na aprendizagem porque
há o respeito às características pessoais, adequação das atividades
propostas, as quais devem proporcionar a aquisição de habilidades
para autonomia educacional e de vida pessoal.

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202
Capítulo 10
A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO NEONATAL PARA
DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS AUDITIVOS NA
PRIMEIRA INFÂNCIA
Tereza Ribeiro de Freitas Rossi
Thaís Melo Seksenian

Introdução

A audição é um sentido essencial para a linguagem oral, a


qual é adquirida e desenvolvida por meio da interação com o outro e
favorece o desenvolvimento social, emocional e cognitivo saudável
do indivíduo.
A experiência sensorial é de extrema importância para o
desenvolvimento do sistema nervoso central, pois o indivíduo
precisa receber os estímulos sonoros para que a maturação do
sistema auditivo possa ocorrer (BERNI et al., 2010).
No final do sexto mês gestacional, o aparelho auditivo está
formado completamente e funcionando de forma adequada, o que
demonstra sua grande importância para o desenvolvimento
neuropsicomotor da criança (HILÚ; ZEIGELBOIM, 2007). Se,
nesse período, ocorrer uma perda auditiva significativa da audição,
essa maturação poderá ficar comprometida, e a criança poderá ter
dificuldade na aquisição da fala (RIBEIRO; MITRE, 2004).
A tênue relação existente entre audição e aquisição da
linguagem oral é peculiar ao ser humano. Quanto mais pobre for a
estimulação da fala, menor e menos efetiva será sua aquisição. Essa
relação torna o diagnóstico precoce da surdez extremamente
importante (ZOCOLI; RIECHEL; ZEIGELBOIM, 2006).
Nesse sentido, a surdez, mesmo sendo de grau leve, pode
acarretar alterações no desenvolvimento da comunicação oral. Por
essa razão, programas voltados à atenção neonatal para diagnóstico e
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

acompanhamento audiológico são implantados, assim como


programas para reabilitação (BERNI et al., 2010, p. 122).
O grau de comprometimento da maturação neurológica
depende diretamente do tipo e do grau da perda auditiva, do fato da
perda ser congênita ou adquirida, da época em que foi detectada e da
intervenção precoce, ou seja, do uso de aparelho de amplificação
sonora individual (AASI) e da aplicação de atividades que
promovam o desenvolvimento em todas as áreas, com especial
atenção à aquisição de linguagem e habilidades de comunicação
(RIBEIRO; MITRE, 2004).
Assim, de acordo com Zocoli, Riechel e Zeigelboim (2006) o
tratamento da surdez na infância tem implicações muito sérias que
vão além do aspecto médico, já que esse é o período em que o
mundo é apresentado à criança e a possibilidade de não
compreendê-lo pode afetar de forma irreversível o processo de
comunicação.

Classificação da perda auditiva quanto ao tipo

De acordo com Lopes Filho (1994), as perdas auditivas


podem ser classificadas em: condutivas, neurossensoriais ou mistas,
conforme mostra o quadro a seguir, cuja descrição é feita de acordo
com Santos, Lima e Rossi (2003).

TIPOS DE
PERDA DESCRIÇÃO
AUDITIVA
Perdas auditivas São causadas por uma alteração que ocorre na orelha
condutivas externa (meato acústico) e /ou média (membrana
timpânica, cadeia ossicular, janela oval e redonda e tuba
auditiva).
Perdas auditivas Afetam a cóclea e/ou nervo auditivo e as causas que
neurossensoriais levam a esse tipo de perda são múltiplas e de difícil
diagnóstico.
Perdas auditivas Apresentam características condutivas e neurossensoriais.
mistas

204
A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO NEONATAL PARA DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS AUDITIVOS NA PRIMEIRA INFÂNCIA

Classificação da perda auditiva quanto ao grau

De acordo com Silman e Silverman (1991), a classificação é


baseada na média dos limiares das frequências de 500, 1000 e 2000
Hz. Assim, segundo os autores, a média encontrada deverá ser
avaliada de acordo com os seguintes referenciais:

 Audição normal: até 25 dB


 Perda auditiva leve: de 26 a 40 dB
 Perda auditiva moderada: de 41 a 55 dB
 Perda auditiva moderadamente severa: de 56 a 70 dB
 Perda auditiva severa: de 71 a 90 dB
 Perda auditiva profunda: maior que 91 dB

A surdez infantil afeta a comunidade, seja do ponto de vista


econômico ou do ponto de vista psicossocial, pois não envolve
apenas o indivíduo, mas também a família e a sociedade em geral
(OLIVEIRA; CASTRO; RIBEIRO, 2002).
A incidência da surdez é alta (30:10.000 nascimentos) entre as
doenças passíveis de triagem ao nascimento, sendo 100 vezes mais
prevalente do que a fenilcetonúria e dez vezes mais que o
hipotireoidismo, rotineiramente triados em berçários (SOARES;
MARQUES; FLORES, 2008). No Brasil, até a década de 1990, o
diagnóstico ocorria muito tardiamente, por volta dos dois ou três
anos de idade, o que prejudicava muito o prognóstico, pois é nos
primeiros anos de vida que a criança necessita de informações para
adquirir a linguagem oral (LIMA; ROSSI; FRANÇOZO, 2010).
A identificação precoce de alterações auditivas permite que
os casos positivos sejam encaminhados para intervenção médica
e/ou para programas de reabilitação (LIMA; ROSSI; FRANÇOZO,
2010).Entretanto, é importante ressaltar que as alterações auditivas
são de difícil reconhecimento, já que os recém-nascidos têm
aparência saudável. Desse modo, o diagnóstico da surdez
frequentemente ocorre em um período tardio, quando a criança já

205
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

apresenta um atraso no desenvolvimento da linguagem oral (LIMA;


ROSSI; FRANÇOZO, 2010).
Sabe-se ainda que, na população em geral, a surdez
neurossensorial severa ou profunda varia de quatro a seis para cada
1000 nascidos vivos, ou de um a três para cada grupo de 1000
indivíduos, conforme aponta o Comitê Brasileiro Sobre Perdas
Auditivas na Infância (2000). Essa incidência aumenta em
determinadas populações de forma drástica, como é o caso de
crianças que permanecem em unidades de terapia intensiva neonatal
(UTI), cuja prevalência encontrada foi de 10,2% (LIMA; ROSSI;
FRANÇOZO, 2010).
Alguns fatores de risco para surdez apresentam-se ligados
intimamente a sérios agravos à saúde que podem comprometer a
sobrevida do recém-nascido (TIENSOLI; GOULART; RESENDE,
2007).
O Joint Committee on Infant Hearing (2007) sugere os
indicadores de risco para selecionar os neonatos que devem passar
por avaliação. Esse mesmo comitê identificou condições de saúde
que podem se desenvolver em bebês e requerem uma nova
avaliação. Santos, Lima e Rossi (2003) apontam os seguintes
indicadores:
a) Indicadores de risco de surdez em neonatos (do
nascimento até 28 dias) com história familiar de deficiência auditiva
congênita:

 infecção congênita (sífilis, toxoplasmose, rubéola,


citomegalovírus e herpes);
 peso ao nascimento inferior a 1500 gramas;
 anomalias craniofaciais (malformações de pavilhão
auricular, meato acústico externo, ausência de filtrum
nasal, implantação baixa da raiz do cabelo);
 hiperbilirrubinemia;
 medicação ototóxica por mais de cinco dias
(aminoglicosídeos ou outros, associados ou não aos
diuréticos de alça);

206
A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO NEONATAL PARA DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS AUDITIVOS NA PRIMEIRA INFÂNCIA

 meningite bacteriana;
 boletim Apgar de 0-4 no primeiro minuto ou 0-6 no
quinto minuto.
b) Indicadores de risco para de surdez em bebês de 29 dias
até dois anos de idade:
 preocupação dos pais e/ou responsáveis com relação a
audição, fala, linguagem e/ou atrasos de
desenvolvimento;
 meningite bacteriana e outras infecções associadas à
perda auditiva neurossensorial;
 trauma craniano associado à perda da consciência ou
fratura no crânio;
 estigmas ou outros achados associados a síndromes que
incluam perda auditiva neurossensorial e/ou condutiva;
 medicações ototóxicas, incluindo (mas não limitadas a)
agentes quimioterápicos ou aminoglicosídeos utilizados
em casos múltiplos ou em combinação com diuréticos
de alça;
 otite média persistente ou recorrente com secreção
durante pelo menos três meses.

c) Crianças que necessitam de monitoramento audiológico


periódico (de 29 dias até três anos de idade):
 histórico familiar de perda auditiva na infância;
 infecções congênitas (citomegalovírus, rubéola, sífilis,
herpes, toxoplasmose);
 neurofibromatose tipo II e distúrbios neurovegetativos;
 otite média persistente ou recorrente com efusão;
 deformidades anatômicas e outros distúrbios
neurovegetativos;
 otite média persistente ou recorrente com efusão;
 deformidades anatômicas e outros distúrbios que afetam
a tuba auditiva.

207
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

O seguimento de forma longitudinal dessas crianças por uma


equipe multidisciplinar é imprescindível, pois possibilita a detecção e
a intervenção precoce nos desvios do desenvolvimento e a
abordagem dos fatores de risco associados ao atraso do
desenvolvimento (TIENSOLI; GOULART; RESENDE, 2007).
Por essa razão, o Comitê Brasileiro sobre Perdas Auditivas na
Infância (CBPAI) recomenda a implantação da Triagem Auditiva
Neonatal Universal (TANU) para todas as crianças, do nascimento
até os três meses de idade. O Joint Committee on Infant
Hearing(2007) recomenda que todo recém-nascido deve ter a
audição avaliada, tendo em vista a grande incidência de alterações em
bebês que não estão inseridos em um grupo com indicador de risco.
Em casos de surdez confirmada, deve haver intervenção educacional
até os seis meses de idade (HILÚ; ZEIGELBOIM; 2007).
A Triagem Auditiva Neonatal Universal (TANU), também
conhecida como ‘teste da orelhinha’, compreende a realização de
procedimentos comportamentais e eletrofisiológicos para a
identificação da surdez (SOARES; MARQUES; FLORES, 2008),
que deve ser iniciada ainda no berçário. O termo ‘triagem’ refere-se
ao processo de aplicar a um grande número de indivíduos
determinadas medidas rápidas e simples que identificarão alta
probabilidade de doença na função testada. Não é um procedimento
de diagnóstico, mas sim uma forma de identificar, entre indivíduos
assintomáticos, aqueles que são suspeitos de apresentar a doença e
que, por essa razão, requerem procedimentos de diagnósticos mais
elaborados (SOARES; MARQUES; FLORES, 2008).
É importante ressaltar que, de acordo com dados do Joint
Committee on Infant Hearing (2000), essa triagem apenas identifica
o risco, por si só não traz benefícios para a saúde da criança.
Segundo esse comitê, a triagem auditiva só se constitui completa se a
criança passar por identificação, confirmação e intervenção.
Assim, os programas de triagem auditiva são desenvolvidos
com os objetivos de: diagnosticar de forma precoce a surdez na
infância; realizar acompanhamento periódico para confirmar os
achados das avaliações anteriores; identificar a surdez, se essa for
progressiva e de manifestação tardia e; avaliar o desenvolvimento

208
A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO NEONATAL PARA DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS AUDITIVOS NA PRIMEIRA INFÂNCIA

auditivo. Para que tais objetivos sejam atingidos, é necessário que os


pais sejam orientados de forma adequada sobre a importância da
audição e dos cuidados com a audição da criança (TOCHETTO,
2008).
Esses programas ainda preconizam que todos os bebês sejam
avaliados no primeiro mês de vida, o diagnóstico seja realizado até
os três meses de idade e a intervenção seja iniciada até os seis meses.
Nos casos de recém-nascidos com indicador de risco para deficiência
auditiva (IRDA), apesar de resultados normais na triagem,
recomenda-se o monitoramento auditivo por apresentarem risco
para perda progressiva ou aparecimento tardio (SOARES;
MARQUES; FLORES, 2008).
De acordo com Azevedo (2004), os critérios utilizados em
triagem auditiva correspondem aos seguintes identificadores: ‘passa’
(quando não há probabilidade de perda) e ‘falha’ (quando há
probabilidade de perda auditiva e necessita de avaliação completa). A
triagem auditiva deve compor um programa mais amplo de saúde
auditiva, incluindo prevenção primária, secundária e terciária. A
prevenção primária é ‘pré-patogênese’, anterior à perda auditiva, ou
seja, evita a sua ocorrência.
São consideradas medidas de prevenção primária as
campanhas de imunização, em especial contra rubéola, meningite e
caxumba; a conscientização e a orientação à população e a
profissionais de saúde e de educação para maior controle dos fatores
etiológicos da surdez; melhoria da assistência à saúde da gestante e
do neonato de UTI, com a administração cuidadosa de
medicamentos ototóxicos e controle dos níveis de bilirrubina;
controle dos níveis de ruído e aconselhamento genético
(AZEVEDO, 2004).
A prevenção secundária refere-se à identificação de perdas
auditivas transitórias e passivas de tratamento com recuperação total
da audição, tais como as perdas condutivas por alterações de orelha
média. E, por fim, a prevenção terciária ocorre quando há
identificação de perdas auditivas irreversíveis, como as perdas
neurossensoriais, nas quais a adaptação de prótese e terapia

209
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

minimizam as alterações auditivas, mas sem revertê-las


(AZEVEDO, 2004).
Os procedimentos de triagem auditiva eletrofisiológica são
objetivos, ou seja, não necessitam de participação ativa do avaliado.
Os mais utilizados são o Potencial Evocado Auditivo de Tronco
Encefálico (PEATE) e, mais recentemente, a triagem com Emissões
Otoacústicas por Transientes (EOAT) (DURANTE et al., 2004).

Procedimentos objetivos para avaliação audiológica

O Potencial Auditivo Evocado de Tronco Encefálico


(PEATE) foi desenvolvido e usado especificamente para triagem
auditiva em meados dos anos de 1980. O sistema automatizado
compara a resposta do lactente com um padrão de resposta do
molde ‘normal’, obtido de uma grande amostra populacional de
recém-nascidos (LIMA; ROSSI; FRANÇOZO, 2010).
O exame consiste em registrar a atividade bioelétrica
desencadeada por um estímulo sonoro ao longo da via auditiva até o
tronco encefálico (SANTOS; LIMA; ROSSI, 2003). Para tanto, é
utilizado um equipamento eletrônico composto por um computador
mediador, gerador de sinal acústico, amplificador e registrador. O
procedimento permite a captação da atividade proveniente das
estruturas que compõem a via auditiva, para tanto, são colocados
eletrodos de superfície, conectados no couro cabeludo e mastoide ou
lóbulo da orelha. Utiliza-se, geralmente, o estímulo clique para
desencadear respostas elétricas do tronco encefálico, por apresentar
um amplo espectro de frequências, que permite a estimulação de um
número de fibras maior, embora não permita a seletividade de
frequências, sendo que apenas as mais agudas são enfatizadas, por
volta de 3000 a 6000 Hz (SANTOS; LIMA; ROSSI, 2003). As
respostas evocadas consistem em sete ondas, que podem ser geradas
por uma ou mais estruturas ao longo da via auditiva.
Por meio dessa audiometria de tronco encefálico, pode-se
realizar o estudo do limiar eletrofisiológico e pesquisar a integridade
da via auditiva, identificando as ondas I, III e V e verificando os
tempos de latência absoluta e os intervalos de ocorrência das ondas

210
A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO NEONATAL PARA DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS AUDITIVOS NA PRIMEIRA INFÂNCIA

(latência interpicos) I-III, III-V e I-V (SANTOS; LIMA; ROSSI,


2003).
Segundo os mesmos autores, as aplicações principais dessa
audiometria incluem:

 testagem da função auditiva em neonatos e em crianças


cuja avaliação por procedimentos audiológicos de rotina
é difícil;
 mensuração objetiva da audição em adultos para fins
diagnósticos e legais;
 avaliação da maturação do sistema auditivo central em
crianças;
 detecção de tumores do nervo acústico;
 diagnóstico eletrofisiológico topográfico de patologias
que afetam a fossa posterior, além da avaliação do grau
de coma e morte encefálica.

Já atriagem com Emissões Otoacústicas por Transientes


(EOAT) tem por objetivo detectar a ocorrência da perda auditiva, já
que as emissões otoacústicas estão presentes em todas as orelhas
funcionalmente normais e deixam de ser observadas quando os
limiares auditivos encontram-se acima de 20-30 dB NA, ou seja, esse
exame não quantificará a perda auditiva (SANTOS; LIMA; ROSSI,
2003).
Existem dois tipos de Emissões Otoacústicas (EOA): as
emissões otoacústicas espontâneas e as emissões otoacústicas
evocadas. As EOA espontâneas são estímulos tonais emitidos
naturalmente pela cóclea na ausência de estimulação acústica. São
detectadas em aproximadamente 70% das orelhas normais e não se
tornaram um teste clínico útil. Já as EOA evocadas são utilizadas
clinicamente e encontram-se agrupadas em duas formas: as EOAT,
que são eliciadas por estímulos breves como cliques e estão
presentes nas orelhas de indivíduos com audição normal e as EOA
por produto de distorção (EOAPD), que são evocadas por dois tons
puros de longa duração, apresentados simultaneamente com

211
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

frequências diferentes, porém relacionadas (SANTOS; LIMA;


ROSSI, 2003).
A presença das EOA indica que o mecanismo receptor
coclear pré-neural é capaz de responder ao som de um modo
normal. Esse teste avalia os biomecanismos cocleares, com a
vantagem de ser rápido, não invasivo, objetivo, sensível ao
diagnóstico da perda auditiva, seletivo por frequência e com
aplicabilidade em locais sem tratamento acústico.
Dessa maneira, as EOA possibilitam a triagem de um grande
número de recém-nascidos (DURANTE et al., 2004) e ainda
apresentam inúmeras aplicações clínicas, como mostram Santos,
Lima e Rossi (2003):

 diagnóstico diferencial da perda auditiva;


 triagem auditiva;
 monitoramento da progressão de perda auditiva já
estabelecida ou dos efeitos de tratamentos;
 avaliação das condições do sistema coclear eferente;
 identificação da pseudo-hipoacusia.

É consenso estabelecido pelo National Institute of Health


(NIH)que a triagem auditiva neonatal seja feita com as EOA e os
casos em que a criança não apresenta funcionamento de células
ciliadas sejam submetidos a uma triagem confirmatória com o
PEATE (BORGES et al., 2006). O modelo recomendado da triagem
auditiva neonatal universal inicia-se com as EOA e as conclusões ou
desfechos possíveis são os seguintes: todos os recém-nascidos com
resultados negativos recebem alta (os com indicadores de risco para
a deficiência auditiva vão para monitoramento); todos aqueles com
resultados positivos passam por outra triagem com EOA e,
continuando positivo o resultado, vão para o exame de PEATE; os
casos não confirmados no PEATE serão agendados para novo
exame dentro dos seis primeiros meses; e os casos confirmados
serão agendados para ratificar a existência da surdez, tipo e grau de
comprometimento auditivo (BORGES et al., 2006).

212
A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO NEONATAL PARA DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS AUDITIVOS NA PRIMEIRA INFÂNCIA

Esse modelo pode ser melhor visualizado no fluxograma a


seguir:

Fonte: Fluxograma adaptado pelo grupo do Programa de Triagem Auditiva


Neonatal dos lactentes que permaneceram em Alojamento Conjunto – Centro de
Atendimento Integral à Saúde da Mulher (CAISM/Unicamp), formado pelas
professoras doutoras Maria Cecília Marconi Pinheiro Lima, Maria de Fátima de
Campos Françozo, Maria Francisca Colella dos Santos e Tereza Ribeiro de Freitas
Rossi, a partir da proposta do Joint Committee on Infant Hearing (2007).

O índice de evasão nos programas de triagem auditiva é alto,


principalmente porque os pais ou responsáveis não retornam para a
retestagem de seus bebês, e isso é considerado o principal empecilho
para o sucesso desses programas. Entre os motivos listados para o
não comparecimento aos retornos recomendados estão: a falta de
informação dos pais quanto às causas, aos sintomas e ao impacto da
deficiência auditiva sobre o desenvolvimento global da criança; a
ideia comum entre as mães de que seus filhos não têm risco de
apresentar a perda auditiva; e, por fim, a ansiedade desencadeada nas
mães pela situação de seu filho estar sendo testado (TOCHETTO,
2008).

213
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Segundo o Joint Committee on Infant Hearing, cerca de


metade dos recém-nascidos que não passam na primeira triagem
deixam de ter um apropriado seguimento para confirmar a presença
de uma perda auditiva e/ou iniciar serviços adequados de
intervenção precoce. Em vista disso, a legislação tem desempenhado
uma função importante na expansão de programas de Triagem
Auditiva Neonatal (TAN), que é obrigatória em apenas alguns
municípios, onde todos os recém-nascidos já estão sendo triados e
encaminhados. Em vista disso, nos últimos anos têm sido elaboradas
leis que definem a obrigatoriedade da TAN em municípios, estados e
também em âmbito federal (SOARES; MARQUES; FLORES,
2008).
No Brasil, observa-se que várias maternidades iniciaram
programas de triagem auditiva neonatal. A portaria n° 2073/GM, de
28 de setembro de 2004, instituiu a Política Nacional de Atenção à
Saúde Auditiva, que tem por finalidade desenvolver estratégias e
identificar os determinantes e condicionantes das principais
patologias e situações de risco que levam à perda auditiva (LIMA;
ROSSI; FRANÇOZO, 2010).
Nessa perspectiva, pode-se inferir que cabe aos profissionais
da saúde que atuam com bebês estarem atentos às causas, às
consequências e à importância da prevenção da deficiência auditiva.
De acordo com Soares, Marques e Flores (2008), são esses
profissionais que fornecem orientações sobre o assunto e, diante de
suspeitas, encaminham a criança aos profissionais especializados,
como o fonoaudiólogo (responsável pela avaliação audiológica do
lactente por meio da triagem, avaliação diagnóstica e
monitoramento) e o médico otorrinolaringologista (responsável pelo
diagnóstico médico da surdez, identificação etiológica, avaliação,
seguimento, diagnóstico e condutas clínicas ou cirúrgicas). Esses
especialistas estão preparados para o diagnóstico em tempo
oportuno e para a intervenção por meio da estimulação auditiva,
adaptação do Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) e
orientação familiar, a fim de atenuar os efeitos negativos da surdez
na infância (SOARES; MARQUES; FLORES, 2008).

214
A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO NEONATAL PARA DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS AUDITIVOS NA PRIMEIRA INFÂNCIA

Considerações Finais

Devido ao fato de a surdez infantil ser considerada


atualmente um problema de saúde pública, dada sua elevada
prevalência e significativas consequências, é importante preconizar a
troca de informações e de conhecimento entre as áreas da
fonoaudiologia e da pediatria, a fim de estabelecer uma relação
interdisciplinar e oferecer qualidade no atendimento à criança surda
(SOARES; MARQUES; FLORES, 2008).

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215
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

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216
A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO NEONATAL PARA DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS AUDITIVOS NA PRIMEIRA INFÂNCIA

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217
Capítulo 11
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE
LETRAMENTO DE CRIANÇAS SURDAS
Ivani Rodrigues Silva
Aryane dos Santos Nogueira
Zilda Maria Gesueli

Introdução

Os grupos sociais nos quais todos nós estamos inseridos


desenvolvem várias práticas de base cultural que levam à construção
de significados e ao desenvolvimento de diferentes habilidades.
Em uma sociedade grafocêntrica como esta da qual
participamos, os atos de ler e de escrever são habilidades
culturalmente determinadas e bastante valorizadas, principalmente
no ambiente escolar.
Soares (1998, p. 48-49) define os conceitos de ler e escrever
dizendo que estes são “[...] um conjunto de habilidades,
comportamentos, conhecimentos, que compõe um longo e
complexo continuum”. A autora destaca que são vários os níveis de
complexidade dessas práticas, pois uma pessoa pode saber ler e
escrever um simples bilhete, uma lista de compras, uma tese de
doutorado ou uma longa história. Isso revela a necessidade de
compreensão do fenômeno do letramento e da ideia de que não
existe apenas um tipo de letramento, mas vários níveis em que os
sujeitos podem se encontrar. A autora destaca ainda que o nível de
letramento pode sofrer influência de fatores sociais, culturais e
econômicos, portanto é necessário que existam ‘condições para o
letramento’.
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Ao contrário dos termos já bastante conhecidos, como


alfabetização e analfabetismo, a palavra ‘letramento’1 foi
recentemente inserida no vocabulário das áreas da linguística e da
educação (SOARES, 1998).
Na medida em que o analfabetismo vai sendo superado e um
número maior de indivíduos está aprendendo a ler e a escrever e
ainda a sociedade se tornando cada vez mais grafocêntrica, já não
basta apenas saber ler e escrever: é necessária a prática dessas
habilidades (SOARES, 1998). Enfrenta-se, agora, uma realidade em
que não basta apenas saber ler e escrever, mas importa saber fazer
uso dessas tecnologias, respondendo às exigências que a sociedade
faz delas.
O termo letramento, derivado do inglês literacy, que significa,
“[...] estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e
escrever” (SOARES, 1998, p. 17), passou a ser utilizado com uma
acepção semelhante, dadas as novas necessidades que estavam
surgindo em relação aos usos da leitura e da escrita.
Soares (1998, p. 18) define o termo letramento como “[...] o
estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo
como consequência de ter-se apropriado da escrita [...]” e de estar
envolvido nas práticas sociais de leitura e de escrita. A autora destaca
ainda que, quando não só se aprende a ler e a escrever, mas também
se aprende a fazer uso desse aprendizado, o indivíduo sofre
transformações de ordem social, cultural, cognitiva, linguística, entre
outras.
Entretanto, a autora expõe que os teóricos que pretendem
definir o letramento esbarram em certa dificuldade, uma vez que o
termo varia muito em relação ao ambiente em que se está falando do
letramento, aos indivíduos, às condições para a leitura e a escrita.
Enfim, são vários os valores, os usos e as funções que vão
influenciar a definição do letramento, dependendo do grupo que se
está analisando.
Terzi (2001) expõe a noção de que crianças, cujo ambiente
familiar é letrado, tendem a apresentar melhores condições iniciais

1 Uma das primeiras ocorrências do termo foi em 1986, no livro No mundo da


escrita, de Mary Kato (SOARES, 1998).

220
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO DE CRIANÇAS SURDAS

de aprendizagem da leitura e da escrita nas primeiras séries escolares.


As crianças que já têm contato com situações de letramento em seu
ambiente familiar (em conversas com adultos, durante leitura de
histórias, entre outros momentos) passam pelos anos iniciais de
escolarização com maior facilidade. O mesmo não ocorre com
aquelas crianças cujo ambiente familiar propicia pouco (ou nenhum)
contato com práticas de letramento.
Heath (1982, 1983) analisa três diferentes comunidades
quanto aos eventos de letramento entre adultos e crianças. A autora
considerou os eventos como aqueles em que a escrita é parte das
interações e dos processos interpretativos dos sujeitos. As três
comunidades observadas por ela apresentavam práticas de
letramento bastante diferenciadas. Cada comunidade contava com
sua própria orientação para o letramento, o que vinha a contribuir
para que, ao se inserir no ambiente escolar, a criança – oriunda de
uma comunidade na qual práticas de letramento fugissem aos
padrões esperados pela escola – fosse classificada como menos
capacitada para a escrita. Com essa pesquisa, Heath ressalta que deve
ser considerada a orientação de letramento do grupo ao qual a
criança pertence, para que, no ambiente escolar, sejam atendidas suas
necessidades específicas.
Como afirma Terzi (2001, p. 167), “[...] o processo de
letramento está intrinsecamente ligado às estruturas e significações
culturais”. Nesse sentido, as orientações de letramento da
comunidade na qual a criança está inserida, sua história de
letramento e as práticas de sua família são conhecimentos que
devem ser levados em consideração ao se lidar com a leitura e a
escrita.
As questões de letramento parecem complexas quando se
pensa em ambientes nos quais apenas ouvintes estão envolvidos e,
mais ainda, quando se pensa sobre essas questões na área da surdez,
uma vez que esses problemas parecem ganhar uma complexidade
ainda maior.
A surdez é um comprometimento sensorial que acarreta
dificuldades de detectar e perceber os sons (SANTOS; LIMA;
ROSSI, 2003). Dessa forma, para os surdos, a aquisição de uma

221
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

língua visuogestual se dá de forma mais natural do que a aquisição de


uma língua oral-auditiva, para a qual ele não possui o atributo
essencial que é a audição.
Crianças ouvintes, antes mesmo do processo de
escolarização, vivenciam em seu ambiente familiar cotidianamente a
aquisição incidental de vários conhecimentos. Além disso, quando
entram para a escola, muitas delas já têm o domínio de uma
modalidade da língua, a oral. A escola, que tem uma visão de língua
como código, vê-se na função apenas de ensinar as regras de uso de
outra modalidade da língua que a criança já adquiriu, a escrita
(PEREIRA, 2006).
Com as crianças surdas isso acontece de uma forma um
pouco diferente. Geralmente essas crianças são filhas de pais
ouvintes e convivem com familiares que se utilizam da modalidade
oral para comunicação. Como não possuem uma língua comum para
interação com seus pais e familiares, muitas das aquisições
incidentais de conhecimento são perdidas pela criança surda, e,
consequentemente, a criança inicia a escolaridade sem uma língua
completamente adquirida (SILVA, 2003).
Ao ingressar no primeiro ano, a situação torna-se ainda mais
complexa porque muitos dos professores não estão preparados para
o trabalho com crianças surdas e sentem-se desorientados em
relação ao aluno ‘diferente’. Muitas vezes, os professores não
acreditam que as dificuldades apresentadas pelo aluno surdo sejam
decorrentes, não do comprometimento sensorial que possuem, mas
da falta de uma língua que possibilite a significação das práticas
escolares (SILVA, 2003).

Objetivo e justificativa

Em vista disso, este trabalho propõe um novo olhar sobre o


processo de letramento de crianças surdas, enfatizando a
importância do aspecto visual da leitura e da escrita como um fator
constitutivo desse processo. Dada a característica visual da língua de
sinais, o trabalho com a imagem é significativo no processo de
construção de conhecimento desses alunos. A língua de sinais, por

222
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO DE CRIANÇAS SURDAS

sua vez, constitui-se como traço identitário correlacionado à cultura,


portanto, o dizer na língua de sinais constitui a base para o encontro
com o objeto escrito na sala de aula.
Neste estudo, são apresentadas reflexões que aconteceram no
âmbito de um programa de apoio escolar, o qual recebe alunos
surdos de 7 a 11 anos, que estão em diferentes níveis de escolaridade
e frequentam escolas regulares. Com isso, tem-se o intuito de propor
diferentes atividades de escrita e contribuir com os letramentos
(BARTON, 1994) desses alunos, a partir do trabalho com diferentes
portadores de textos, em um ambiente lúdico. O objetivo de tais
atividades é o de motivar os alunos a participarem da construção de
textos em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e também em
português escrito e de proporcionar uma ressignificação dessas
atividades por crianças surdas que já têm história de fracasso escolar.
Barton (1994), nessa nova visão de letramento, afirma que os
aspectos social, psicológico e histórico devem estar integrados.
Portanto, o letramento precisa ser entendido como uma atividade
social, sendo melhor descrita a partir das práticas comunicativas que
acontecem nos eventos de letramento vivenciados pelas pessoas.
Existem diferentes práticas das quais as pessoas fazem uso em
diferentes situações sociais. Para o autor, o letramento é uma
maneira de o indivíduo se representar o mundo, a si mesmo e aos
outros. Desse modo, ao longo de sua história, o indivíduo vivencia
inúmeros eventos de letramento, sendo que estes estão relacionados
a uma história social.
Neste estudo, serão apresentadas algumas situações de uso da
escrita de um grupo de crianças surdas, no âmbito de um projeto
que envolve o trabalho de um profissional da área de artes e um de
fonoaudiologia. Preocupados com o desenvolvimento da linguagem
e da expressividade de crianças surdas, esses profissionais criaram
um ambiente rico para a construção de conceitos, tanto em libras
como em português. O trabalho foi desenvolvido com o uso de um
jogo (cara a cara) que, além de oferecer um ambiente lúdico para os
alunos surdos, estimula a criatividade e a atenção, possibilita a
inserção desses sujeitos no mundo da escrita, enriquece o
vocabulário do grupo (tanto em português como em libras) e ainda

223
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

oportuniza a compreensão de novos conceitos, que são


problematizados de forma reflexiva, à medida que aparecem e,
posteriormente, são incorporados à linguagem das crianças.

O contexto da pesquisa

Os registros desse trabalho foram gerados a partir de notas


de campo, de reuniões com os familiares dos alunos surdos, de
observações das atividades realizadas com alunos surdos em um
centro de pesquisas e ainda de conversas informais com os alunos
ou com seus familiares nas dependências em que é desenvolvido um
programa de apoio às crianças surdas.
O centro de pesquisas tem como meta promover a inserção
da criança ou do adolescente surdo na comunidade. Para tanto,
oferece programas nos quais a leitura e a escrita são abordadas como
práticas sociais.
O trabalho do programa acompanha as mudanças ocorridas,
principalmente nos últimos anos, momento em que tem sido
rediscutido o campo da surdez e avaliada a proposta de ensino
bilíngue para surdos. Há um novo horizonte que se descortina na
área da surdez, com propostas de mudanças e novas reflexões sobre
o surdo e a surdez. Nesse sentido, os trabalhos realizados no centro
de pesquisa vão ao encontro dessas novas tendências no campo
escolar com a criança e o adolescente surdo, visto que promove
orientação à família dos alunos surdos, divulga informações sobre o
que é a surdez, promove cursos de libras e a discussão sobre os
direitos dessa população junto à sociedade e ainda presta assessoria
aos professores do ensino regular e especial e supervisão dos
trabalhos por eles desenvolvidos. Além disso, congrega profissionais
de diferentes áreas (fonoaudiologia, pedagogia, arte educação,
linguística, psicologia, serviço social). Esse trabalho interdisciplinar
visa atingir não só a criança e o adolescente surdo, mas também sua
família e a comunidade na qual a criança/o adolescente e sua família
estão inseridos.
No que diz respeito à surdez, o centro tem se voltado
principalmente para as questões de aquisição e desenvolvimento da

224
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO DE CRIANÇAS SURDAS

linguagem, privilegiando a língua de sinais, a escrita e a oralidade.


Desde 1991, o centro tem contado com a participação de
professores surdos inseridos em sala de aula, e no trabalho com as
famílias, enfatizando o uso da língua de sinais e a constituição da
identidade do surdo. Essa necessidade resultou de um processo de
reflexão sobre a identidade linguística do surdo, ou seja, ao aceitar a
língua de sinais como língua natural, o indivíduo volta-se também
para a aceitação de sua identidade surda, pois língua e identidade
estão intrinsecamente aliadas.
Por outro lado, o fato de o centro reconhecer o papel
importante da libras não implica necessariamente que seus
profissionais a vejam como a única solução para os problemas dos
surdos na salas de aula. Faz-se necessária, ainda, uma reflexão sobre
a concepção de surdez, as implicações político-pedagógicas
subjacentes a ela, a questão língua e identidade, além de se pensar em
metodologias para o ensino do português como L2.
De acordo com a proposta de ação desse programa, o
trabalho linguístico realizado com os grupos de alunos (inseridos na
escola pública regular) tem procurado oferecer um modelo de apoio
à escolaridade que fuja dos moldes tradicionais de reforço escolar, o
qual enfatiza mais o aprendizado mecânico em detrimento do real
significado social da aquisição da escrita e da leitura. Nesse sentido,
o trabalho centra-se nos seguintes pontos: o que é, para que serve,
como e quando usar a escrita.
Partindo de uma concepção de surdez que se pauta na
diferença, privilegia a libras como a língua mais acessível ao sujeito
surdo e considera o português (oral e escrito) como sua segunda
língua, o programa Escolaridade e Surdez divide suas atividades em
três grandes blocos, com base em Geraldi (1974), com ênfase nas
atividades de compreensão de textos e de produção da linguagem
escrita, em três momentos complementares:

 Prática de leitura de textos – o objetivo é levar o aluno


surdo a ampliar sua capacidade de leitura, assim como
resgatar dentro do grupo a relatividade das leituras
(intertextualidade). A partir disso, possibilitar a esses

225
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

alunos condições de aprofundar assuntos polêmicos e


atuais, de modo que o aluno surdo relacione a leitura
com a realidade a sua volta e a veja a leitura como um
canal de comunicação com o mundo.
 Prática de produção de textos – o objetivo é possibilitar
ao aluno surdo oportunidades significativas de produzir
textos e lidar com as condições de produção da escrita
(quando, para quem, o que, por que se escreve). Tais
atividades pretendem valorizar o aluno como produtor
de textos (autor) e, em consequência, fazer com que ele
compreenda as funções sociais da escrita, a partir de
diferentes gêneros de textos.
 Prática de análise linguística – a partir das práticas de
leitura e de produção de textos, o objetivo é
instrumentalizar o aluno surdo para a produção e a
consequente autocorreção de seus textos, levando-o a
familiarizar-se com as convenções da escrita.

Com essa proposta, recorre-se ao trabalho com a escrita e


com diferentes gêneros textuais: poesia, conto, artigo de jornal,
notícia, história em quadrinhos e outros que sejam interessantes aos
alunos, de acordo com a faixa etária em que se encontram. Vale
apontar, ainda, algumas discussões que aconteceram nos momentos
de montagem do jogo ‘cara a cara’, o que será apresentado a seguir.

O jogo

No programa de apoio que aconteceu durante o segundo


semestre de 2008, deu-se a construção conjunta de um jogo com as
crianças surdas. Para isso, elas deveriam compreender as regras do
jogo e sua jogabilidade, ou seja, a maneira como poderia ser utilizado
o referido jogo e teriam ainda que utilizar materiais (pedaços de
madeira, cartolinas, lápis de cor, giz de cera, cola, etc.) para
montarem o jogo cara a cara (à semelhança do Guess Who?,
produzido pela Hasbro, numa versão brasileira distribuída pela
marca Estrela). O processo de construção desse jogo pelas crianças

226
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO DE CRIANÇAS SURDAS

surdas (auxiliadas pela professora de artes e pela fonoaudióloga


responsável pela apresentação das atividades de leitura e escrita) deu
margem à elaboração de diferentes conceitos pelos alunos e à
reflexão sobre inúmeras questões como as diferenças entre as
pessoas, o respeito a essas diferenças, o autorretrato, documentos de
identidade, utilização de nomes próprios, entre outras.
Paralelamente ao trabalho de apresentação do jogo, de
acordo com as metas do projeto, as crianças tiveram que lidar com a
questão do nome próprio, uma vez que teriam que nomear os
personagens do jogo. Foram levantadas hipóteses sobre como os
nomes seriam escolhidos e decidiu-se que seriam usados os das
pessoas que frequentavam o no centro de pesquisas. A partir dessa
premissa, as crianças percorreram as dependências da instituição
perguntando o nome das pessoas que estavam no local. Em todos os
momentos, a maior parte da comunicação se deu em língua de sinais,
e um adulto acompanhou as crianças para ajudá-las caso houvesse
alguma dificuldade na interação com as pessoas (ouvintes) que
participaram dessa atividade.
Depois disso, já em sala, houve discussão sobre os nomes
colhidos: quais deles já eram conhecidos; se eram de pessoas
desconhecidas, próximas ou familiares; quais eram femininos e quais
eram masculinos. Os nomes colhidos foram utilizados durante a
atividade de arte: no computador, cada criança digitou os nomes
coletados, observando as várias possibilidades de cores e formatos
de letras a serem escolhidos para a escrita de nomes, como mostra a
Figura 1.

227
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Figura 1 – Lista de nomes próprios2.

Fonte: Acervo das autoras.

Após esse momento preliminar, foram feitas cartelas com


nomes e imagens de figuras femininas e masculinas.
Durante a confecção do jogo, foi possível observar as
dificuldades que as crianças tiveram na identificação do gênero, uma
vez que, para elas, ainda não estavam claras as características que
uma palavra (no caso o nome próprio), deve ter para representar
algo (pessoa ou coisa) do gênero masculino ou feminino. Em geral,
para realizar essa tarefa, as crianças seguiam uma única pista: se o
nome terminava em ‘a’,era um nome feminino; e terminava em ‘o’,
era masculino. Daí a dificuldade com nomes terminados em L, N, E,
R, S, etc.
Outra etapa do projeto consistiu na elaboração do
autorretrato. Para tanto, foram oferecidos às crianças os seguintes
materiais: tinta guache, folha sulfite, pincéis de diferentes tamanhos e

2 Os nomes que compõem o quadro foram digitados pelas crianças surdas e


aparecem repetidos pela necessidade de elaboração de cartelas idênticas para a
confecção do jogo.

228
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO DE CRIANÇAS SURDAS

um espelho. Elas deveriam se olhar no espelho e pintar a si mesmas


da maneira como se percebiam, com a finalidade de explorarem
diferentes expressões (rosto zangado, alegre, triste, etc.) e os sentidos
desses conceitos em libras e em português. Após a elaboração do
autorretrato, as crianças foram estimuladas a desenhar vários rostos
diferentes, dessa vez em tamanho reduzido e com caneta hidrocor
preta. Desenharam não só rostos com formatos mais padronizados,
como também rostos quadrados, de extraterrestres, entre outros.
Lápis de cor foi o material utilizado para a pintura desses desenhos
que, posteriormente fariam parte do jogo cara a cara.
É interessante notar que a maioria das crianças atribuiu ao
personagem desenhado o próprio nome ou os nomes de colegas.
Depois, as cartelas foram coladas às peças de madeira para compor o
jogo, como mostra a figura a seguir.

Figura 2 – Cartelas com nome próprio e imagem.

Fonte: Acervo das autoras.

O objetivo do jogo é descobrir o personagem da carta


escolhida pelo grupo adversário. Para tanto, um grupo elabora
perguntas a respeito das características dos personagens das cartelas
do grupo adversário. Dependendo da resposta, o grupo que
elaborou a pergunta elimina peças do tabuleiro a sua frente.

229
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

A descrição dos personagens foi feita com o auxílio de uma


folha para anotação de respostas, ou seja, uma espécie de legenda,
conforme mostra a figura a seguir.

Figura 3 – Folha de anotação de resposta utilizada no jogo.

Fonte: Acervo das autoras.

Esse material foi utilizado com a finalidade de ajudar as


crianças na elaboração de suas perguntas, para que percebessem as
características que poderiam ser destacadas em cada personagem e,
ao mesmo tempo, pudessem marcar suas respostas. Isso exigiu delas
uma relação estreita com a escrita de nomes e com noções de
descrição de pessoas, o que foi exaustivamente explorado a partir
das perguntas constantes da folha de anotação.
Para utilizarem o jogo, muitos exemplos foram dados às
crianças, a fim de que entendessem sua jogabilidade. Muitas vezes,
foi necessário que se fizessem perguntas para que as crianças
notassem as características que se destacavam nos desenhos das
cartelas. Para a realização do jogo, algumas vezes foram formados
dois grandes grupos, outras vezes as crianças formaram grupos
menores, ou ainda formaram duplas. Nesse processo, procurou-se
agrupar crianças que se utilizavam de formas de comunicação o mais
semelhantes possível.

230
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO DE CRIANÇAS SURDAS

Discussão de resultados

Muitos estudos apontam a importância do nome próprio da


criança no período inicial de aquisição da escrita. Tais estudos
revelam a precocidade do aparecimento do nome próprio nas
produções das crianças em início de alfabetização, sobretudo nos
desenhos (BOSCO, 2005).
Nas salas de alfabetização, geralmente há exposição das letras
dos nomes dos alunos, as quais são reproduzidas, de forma variada,
na escrita inicial da criança, o que marca, de modo especial, o acesso
da criança à escrita. Exemplo disso é a produção (reproduzida na
Figura 4) de um aluno ouvinte (André, 7 anos), do 2º ano de uma
escola estadual, que havia sido encaminhado à clínica de
fonoaudiologia, com a queixa de dificuldades escolares.

Figura 4 – Exemplo de escrita inicial.

Fonte: Acervo das autoras.

Pode-se observar que, nessa produção, há várias letras do


nome da criança em arranjos aleatórios, o que mostra que há uma
relação mais próxima dessa criança com algumas letras em particular,
as quais marcam sua posição diante das demais letras.
Segundo Bosco (2005, p. 8),

[...] a realização escrita do próprio nome coloca-se,


desde o início, como locus privilegiado em nossas
discussões. As crianças por nós observadas

231
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

apresentam, além da assinatura, textos inteiros


compostos com letras do seu nome. Dado o papel que
ele assume no percurso da relação da criança com a
escrita, impõe-se, a nosso ver, uma reflexão sobre seu
estatuto, sobre sua especificidade, considerando que
não é qualquer escrito que está em jogo nesse modo
singular de escrever: trata-se de letras do nome da
criança, significante que nomeia um sujeito em sua
língua materna, e seu traçado sobre o papel resulta na
realização de uma marca em que o sujeito está
investido.

Para essa autora, a criança ‘recorta e costura’, de formas


variadas, as sequências em que aparece escrito seu nome (fenômeno
observado no texto apresentado na Figura 4), e isso pode constituir,
em algum momento desse percurso, o motor propulsor da escrita.
Na prática em sala de aula em que emerge o trabalho com a
linguagem (escrita, oral ou de sinais), é necessário que as atividades
com a língua/linguagem não sejam apresentadas como algo
estanque, com fim em si mesmas, mas, ao contrário, como algo que
tem relação com a criança, com sua vida, enfim, algo que lhe faça
sentido.
Portanto, nas atividades de construção do jogo pelo grupo de
crianças surdas, foram promovidas reflexões sobre todos os aspectos
envolvidos na maneira como a própria criança se expressa,
considerando os recursos que utiliza. Assim, foi possível explorar,
entre outros pontos, singularidades em relação ao nome próprio e as
hipóteses que as crianças levantavam em relação a ele. Dessa forma,
como explica Geraldi (2005, p. 66),

A reflexão linguística [...] se dá concomitantemente à


leitura, quando esta deixa de ser mecânica para se
tornar construção de uma compreensão dos sentidos
veiculados pelo texto, e à produção de textos, quando
esta perde seu caráter artificial de mera tarefa escolar
para se tornar momento de expressão da subjetividade
de seu autor, satisfazendo necessidades de
comunicação a distância ou registrando para outrem e

232
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO DE CRIANÇAS SURDAS

para si próprio suas vivências e compreensão do


mundo de que participa.

É importante chamar a atenção para o fato de que é singular


a maneira como crianças surdas lidam com o nome próprio e o das
pessoas a sua volta. Um fato interessante que veio à tona neste
estudo foi a necessidade de as crianças surdas refletirem sobre o
próprio nome, para considerarem a questão do gênero, após a coleta
de nomes para a montagem do quadro (Figura 1), que foi o primeiro
passo em direção à construção do jogo. Apesar de já terem idade
para reconhecerem a diferença entre nomes masculinos e femininos
na época do estudo, foi observado que tais crianças apresentavam
ainda grandes dificuldades em compreender a noção de gênero. Por
não serem ouvintes, não lidavam com o nome próprio da mesma
maneira que os ouvintes, já que estes, corriqueiramente, identificam-
se com seu próprio nome desde a mais tenra idade.
Para o grupo de alunos surdos, o aspecto sonoro de seus
nomes (e também o de seus pais) não era algo que chamava a
atenção. O que se mostrou mais saliente para esses sujeitos foi o
sinal3 que tinham dentro da comunidade surda, o qual não era algo
que poderia ser classificado como masculino ou feminino, por
exemplo. A pouca saliência do gênero no cotidiano das crianças
surdas chamou a atenção por ser um aspecto da gramática do
português que elas ainda não haviam compreendido e, portanto, não
sabiam usar adequadamente como um recurso linguístico em suas
produções escritas.
Como alerta Fernandes (2003), a dificuldade com o aspecto
lexical, apresentada pela maioria dos sujeitos surdos, está relacionada
com sua experiência visual. Isso significa dizer que, por causa da
experiência propiciada pelo mundo surdo, via libras, essas crianças
lidam com a escrita de forma diferente daquela observada em grupos
de ouvintes. Em geral, o contato com o léxico da língua portuguesa
é algo bastante fortuito nesse grupo de crianças, seja por não

3 Na comunidade surda não é referido o nome das pessoas, mas o seu sinal,
adquirido no decorrer da vida e que guarda semelhança com algum traço físico
ou psicológico da pessoa.

233
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

conseguirem ouvir, seja por não terem relações mais estreitas com
atividades de leitura. Em relação aos nomes, percebeu-se que essas
crianças apresentaram dificuldades em relação à identificação dos
nomes de seus pais, já que, no mundo surdo, a identificação
privilegia o sinal e não o nome.
Para as crianças surdas, os nomes de seus pais não estão
salientes no cotidiano, dada a dificuldade de comunicação oral que
restringe muito do que poderia lhes ser dito pela família, incluindo aí
o nome próprio.
Em muitas ocasiões, quando se esperava que a criança surda
escrevesse o nome de seus pais, em geral, aparecia apenas o nome da
mãe, o qual havia sido mais requisitado em seu meio, seja porque a
mãe estava mais presente no cotidiano da criança, seja porque a
escola se reportava à mãe, por meio de bilhetes, quando eram
agendadas reuniões, por exemplo.
Substituir os termos ‘papai’ ou ‘mamãe’ por nomes
masculinos e femininos corresponde, assim, a uma etapa posterior
de aquisição, e isso deve ser requisitado pelo adulto que, agindo
dessa forma, dá oportunidade para que a criança surda reflita sobre
essa questão. Por não serem solicitadas em seu meio social, as
crianças surdas não sentem a necessidade de designar seus pais pelos
nomes próprios e seguem identificando-os apenas pela categorização
mais genérica: pai e mãe.

Considerações finais

Acreditamos que o jogo pedagógico constitui-se em um


recurso importante na construção da leitura e da escrita, por facilitar
a participação dos sujeitos, a relação entre eles e o enfrentamento de
situações-problema que se colocam e precisam ser resolvidas por
eles. Nesse caso, a situação-problema que se colocou quando da
construção do jogo foi a designação de nomes masculinos e
femininos, que demandou das crianças surdas uma reflexão e uma
solução, momentânea ou não.
Em relação ao uso dos nomes próprios pelas crianças surdas
pode-se supor que há regras diferenciadas com as quais lidam para

234
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO DE CRIANÇAS SURDAS

entenderem a noção de gênero se comparamos com o grupo de


crianças ouvintes. Pode-se perceber que, para a criança surda, não é
a sonoridade do nome próprio que adquire maior saliência, mas sim
seu aspecto visual.
Foi importante observar como se davam os processos de
leitura de nomes e de imagens, a busca pela correspondência de
gênero, e a exploração do caráter visual da escrita do português e de
libras, além do aspecto lúdico e visual do jogo em questão.
A partir da necessidade de se pensar em estratégias
diferenciadas para o ensino dos surdos, este projeto sinaliza para a
importância do uso de estratégias visuais (REILY, 2003) na
produção de conhecimento pelo grupo de alunos surdos e oferece
contribuições tanto para a área de arte/educação quanto para a
aquisição da escrita.

Referências

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written language. Oxford: Blackwell, 1994. Diponível em:
<http://www.wiley.com/WileyCDA/Section/id-
302475.html?query=David+Barton>.

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escrita da criança. 2005. 282 f. Tese (Doutorado em Linguística)-
Instituto de Estudos da linguagem, Universidade Estadual de
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Artmed, 2003.

GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo:


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DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

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narrativa pelo aluno surdo. In: SILVA, Ivani Rodrigues;
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TERZI, Silvia Bueno. A construção da leitura: uma experiência


com crianças de meios iletrados. Campinas, SP: Pontes, 2001.

236
Capítulo 12
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS
PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO
MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP
Josiane Fujisawa Filus
Paulo Ferreira de Araújo

Introdução

Quando analisamos o processo histórico percorrido pela


pessoa com deficiência até chegarmos à atual política de inclusão
escolar que a envolve, podemos observar muitas lutas e conquistas.
Na guerra repleta de muitas batalhas, vitórias e derrotas se alternam
a busca por reconhecimento de direitos e os deveres dos cidadãos.
Uma guerra travada em todas as frentes: política, econômica, social,
e que foi dificultada pelo desconhecimento, gerador do preconceito,
que algumas vezes limitou e em outras impossibilitou as ações
efetivas para o benefício da população.
Na Figura 1, a seguir, é possível visualizarmos uma breve
síntese dos acontecimentos relacionados à educação da pessoa com
deficiência. Ao longo do tempo, notamos que essa população era
excluída, ficava à margem de todo o desenvolvimento, e conforme
as mudanças sociais, políticas e econômicas foram acontecendo,
houve um movimento de aproximação da sociedade em direção às
pessoas com deficiência.
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Figura 1 – Aproximação da sociedade em direção às pessoas com


deficiência.

Fonte: Filus (2011).

Como mostra a Figura 1, as primeiras iniciativas de


institucionalização das pessoas com deficiência foram em asilos,
depois em hospitais e posteriormente em instituições especializadas.
Assim, o enfoque médico definia o processo de institucionalização e
circundou a escola quando da inserção dessa população. Ainda hoje,
em uma fase de implementação da inclusão em diversos países, o
diagnóstico, os tratamentos e o vínculo da deficiência com a área
médica servem de desculpa para muitos educadores que não querem
se comprometer com o atual desafio. Outro entrave tem sido o
distanciamento da área médica com a escola. Atualmente, as crianças
com deficiência têm atendimento fonoaudiológico, psicológico,
fisioterapêutico, entre outros, nas instituições especiais. Muitos
professores da escola regular não conhecem a rotina de seus alunos
com deficiência, desconhecem o trabalho contraturno na escola
especial, e esse desconhecimento dificulta ainda mais a inclusão.

238
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP

No Brasil, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional (BRASIL, 1996) adotou a inclusão como princípio
norteador da educação e muitas escolas têm encontrado obstáculos
em seu trabalho com essas pessoas. As dificuldades recaem sobre a
formação dos professores, o preconceito de gestores e pais, a falta
de estrutura física, a falta de recursos pedagógicos, entre outros
aspectos (GARCEZ, 2004; MOREIRA, 2006; BRIANT, 2008). No
entanto, o principal problema da educação brasileira é o acesso a
uma escola de qualidade, que há muito tempo não tem sido
prioridade do país. Nesse contexto, pensar a inclusão das crianças
com deficiência nas instituições de ensino requer reflexões,
reformulações e paciência, pois o caminho é mais longo do que
podemos imaginar.
Ao analisarmos a produção de documentos brasileiros
relacionados às pessoas com deficiência, percebemos que muitos
foram produzidos a partir de 1988 com base na Constituição
Federal. Nesse contexto, o ano de 1988 marca essa mudança de
olhar para a pessoa com deficiência, o que significa que não
necessariamente a sociedade renovou seu modo de ver, mas sim que
a população com deficiência se fez ‘ser vista’.
Apesar dessa busca por visibilidade, a criação de documentos
não garante uma prática coerente com a lei. Muitas reflexões e
discussões têm sido levantadas a respeito das dificuldades do
cotidiano escolar. Para Joaquim (2006), a proposta de escola
inclusiva efetivou a sua democratização, abrindo as portas para
diferentes grupos sociais, porém na prática sua dinâmica não mudou.
A prática docente continua a mesma: aulas expositivas,
conhecimento subdividido em áreas específicas, avaliações de
conteúdo, minimizando as oportunidades de os alunos
demonstrarem conhecimento relacionado à sua vivência, ignorando
inclusive sua capacidade de criação e desconsiderando a influência
das relações afetivas no processo de aprendizagem.

Essa escola tradicional, na qual atua a grande maioria


dos professores, é a mesma escola que convive com a
violência gerada pelas desigualdades sociais, com salas
superlotadas e com a falta de recursos humanos ou

239
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

materiais, e que luta cotidianamente para superar essas


dificuldades ou conviver com elas. E assegurar o
direito a um ensino de qualidade, nessas condições,
tem sido um forte argumento para a existência do
apoio educacional especializado, considerado um
recurso capaz de colaborar no processo de apropriação
e produção de conhecimentos de uma parcela de
alunos que esteve excluída por longo tempo do
processo educacional, neste caso, os alunos com
necessidades educacionais especiais, que, obviamente,
necessitem de recursos especiais (JOAQUIM, 2006, p.
3).

Concordamos que esse modelo educacional precisa ser


superado com o objetivo de que uma escola para todos seja
concretizada. A escola inclusiva necessita de serviços conjuntos com
outras instituições, especialmente os de saúde e assistência social,
pois acreditamos que essa aproximação possa prevenir e sanar
muitos problemas que têm a escola como sua válvula de escape.
Diante desse contexto, as amarrações e arrumações
apresentadas no trajeto da história da educação das pessoas com
deficiência no mundo e no Brasil culminam em uma atualidade
repleta de muitos nós. Essa realidade tem sido relatada por diversos
autores (CARVALHO, 2000; FREITAS; RODRIGUES; KREBS,
2005; OMOTE, 2004, 2008) e por alunos graduandos dos cursos de
licenciatura ávidos por respostas para as dúvidas geradas em suas
observações e estágios na região em que vivemos. Na tentativa de
organizar as amarrações e arrumações e tentar trazer algumas
respostas para o trabalho em uma escola que se pretende inclusiva, a
proposta desta pesquisa é a de analisar e compreender de que forma
o município de Hortolândia, SP, tem se organizado para atender a
essa população em suas escolas municipais.

Metodologia

Para esta pesquisa, desenvolvemos uma investigação


qualitativa, a qual, segundo Demo (2009), trabalha com o lado

240
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP

subjetivo dos fenômenos, buscando depoimentos que se


transformam em dados relevantes, oriundos de pessoas simples.
O município pesquisado foi Hortolândia, SP, o qual atende
crianças com deficiência no Centro Integrado de Educação e
Reabilitação ‘Romildo Pardine’ (CIER) a referência do trabalho em
Educação Especial, caracterizando-se em um serviço municipal
destinado exclusivamente aos moradores de Hortolândia que oferece
atendimento às pessoas com deficiência nas áreas de educação,
habilitação, reabilitação e preparação para o trabalho. Atualmente, o
Centro está dividido em CIER Educação e CIER Saúde
(HORTOLÂNDIA, 2011).
A cidade de Hortolândia possui registros de crianças com
deficiência incluídas na rede municipal de ensino desde 1993.
Entretanto, um serviço de atendimento específico a essas crianças só
foi organizado a partir de 2009, aderindo ao Serviço Itinerante,
enquanto um projeto piloto destinado a seis escolas de Ensino
Fundamental. Nesse ano (2009), foram atendidos cerca de 50 alunos
com deficiências intelectual e auditiva. Não encontramos registro
desses atendimentos e números mais precisos, uma vez que não
havia coordenação no grupo de professoras itinerantes, não e havia
reuniões conjuntas e tampouco momentos para troca de
experiências ou informações.
Esse contexto foi organizado no ano de 2010, quando se
estabeleceu uma coordenação para esse grupo e houve a
descentralização dos atendimentos; aqueles que se encontravam no
CIER foram incluídos nas escolas regulares. Para tanto, foi
necessária a contratação de quinze professores com Habilitação em
Deficiência Mental, Auditiva e Visual. Em todas as vinte e uma
escolas de Ensino Fundamental do município havia alunos com
deficiência incluídos e o serviço itinerante das professoras
especialistas foi organizado em Blocos de Atuação.
Conforme a Secretaria de Educação de Hortolândia
(HORTOLÂNDIA, 2011), os blocos funcionam de formas
diferentes nas Escolas de Ensino Fundamental (EMEF) e nas
Escolas de Educação Infantil (EMEI). Nas EMEF, o serviço
funciona assim: cada professora tem um bloco de escolas, três ou

241
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

quatro unidades, nas quais há os dias delimitados para ela frequentar


durante o período de trabalho, matutino ou vespertino. Cada
professora passa então dois períodos por semana em cada escola,
nas quais estão estabelecidos os alunos que devem passar pelo
atendimento educacional especializado (AEE). Os atendimentos são
realizados durante 50 minutos, no horário de aula do aluno, o qual é
atendido no mínimo uma vez por semana, de acordo com o número
de alunos com deficiência da unidade de ensino. No ano de 2010, o
município recebeu treze salas de recursos onde são realizados o
AEE, e as escolas que não as têm disponibilizam espaços como
biblioteca, sala de informática ou alguma sala ‘vaga’ para o
atendimento.
Como principal critério de seleção dos sujeitos, participantes
deste estudo, consideramos o tempo de trabalho na função, sendo
incluídos na pesquisa aqueles que atuavam desde o ano de 2010 nas
escolas do município. Adotamos esse critério de seleção uma vez
que os serviços do AEE se organizaram a partir de 2010 e,
consequentemente, aqueles sujeitos que participaram de todo o
processo possuem maior experiência para contribuir com esta
pesquisa. Desse modo, incluímos apenas um diretor e um
coordenador de cada escola, desde que estivessem em sua respectiva
função desde o início do ano de 2010. Para a seleção dos
professores, contamos com o auxílio da gestão da escola, pois
incluímos no estudo os professores regentes e os de Educação Física
que tiveram alunos com deficiência em suas turmas nos anos de
2010 e 2011. Excluímos da pesquisa as professoras especialistas
contratadas no final do ano de 2010 e no início de 2011.
Diante desses critérios, apresentamos a relação numérica dos
participantes da pesquisa na Tabela 1, a seguir.

242
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP

Tabela 1 – Número de sujeitos pesquisados


Sujeitos n
Diretor 20
Coordenador 13
Professor Regente 41
Professor de Educação Física 13
Professora Itinerante 17
Total 104
Fonte: Filus (2011, p. 116).

Registramos as contribuições dos sujeitos mediante entrevista


semiestruturada, seguindo um roteiro de questionamentos proposto
especificamente para esse fim. A análise do discurso foi utilizada
para verificar como os envolvidos no processo de inclusão
educacional avaliam as situações que vivenciam em relação a esse
tema. Essa análise abrange a compreensão da língua e da fala, e entre
esses dois elementos situa-se o discurso. É o discurso que liga as
significações de um texto às condições sócio-históricas desse texto.
Dessa forma, a linguagem enquanto discurso não é formada apenas
pelos signos para comunicação, mas é interação, produção social,
manifestação da ideologia. Portanto, o estudo da linguagem não
pode ser desvinculado de suas condições de produção, fora da
sociedade, pois os processos que a constituem são histórico-sociais
(BRANDÃO, 2004).
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas - FCM da Unicamp,
sob o número de processo 0396.0.146.000-09/2009. Os
participantes, após receberem as informações referentes à pesquisa,
consentiram em contribuir para o trabalho assinando o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.

Discussão dos resultados

Diretores

Por meio das entrevistas realizadas, observamos que a


chegada das crianças com deficiência nas escolas acontece de duas

243
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

formas: por encaminhamento do CIER ou pela matrícula dos pais.


No ano de 2010, houve a descentralização dos serviços do CIER
devido à inclusão de muitos de seus alunos nas escolas regulares.
Assim, de acordo com a localidade da residência, o aluno era
encaminhado para a escola municipal mais próxima. Nesse caso, a
escola tinha acesso ao prontuário do aluno que até então só
frequentara a escola especial, e havia a necessidade de conversar com
os pais para saber mais detalhes sobre o comportamento da criança,
além do auxílio dos profissionais da escola especializada.
A grande maioria dos diretores (95%) revelou que as crianças
com deficiência são matriculadas como as demais, os pais vão até a
escola mais próxima de sua residência e realizam a matrícula, mesmo
aqueles casos encaminhados pelo CIER.
Nas entrevistas com os sujeitos, constatamos que o
município apresenta uma organização relativa à inclusão de crianças
com deficiência, seguida por todas as escolas e centralizada na escola
de educação especial do município, o CIER. Mesmo com a
descentralização desse serviço e a presença das professoras de
Educação Especial itinerantes nas escolas, as informações e dúvidas
ainda são sempre destinadas ao CIER. Percebemos uma dificuldade
por parte da escola em incorporar esses conhecimentos,
continuando a remeter tudo o que se refere à deficiência para uma
instituição fora da escola. A ausência de formação dos profissionais
também aponta a necessidade de busca por aspectos que ainda não
estão presentes na escola, com outros profissionais, especialmente os
da área da saúde.
Nesse cenário, outro ponto relevante é a identificação que
ocorre em casos em que as crianças, após um período na escola,
apresentam problemas ou defasagens na aprendizagem e por isso
chamam a atenção dos professores. Observamos que há uma
organização das escolas, ou seja, um protocolo comum a seguir
nesses casos. De acordo com a maioria dos diretores (85,5%), essa
identificação acontece inicialmente pela observação da professora de
sala, que utiliza avaliações diagnósticas, também citadas como
sondagens, para verificar o nível de desempenho escolar dos alunos.
Constatando defasagens ou ausência de progresso na aprendizagem,

244
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP

além da observação do comportamento da criança, a professora


contata a gestão da escola. Há duas escolas (20%) que também
analisam esses casos. Três diretores (15%) revelaram que a
professora especialista também é convocada para participar desse
processo de análise.
Com o consenso desses profissionais, é elaborado um
relatório sobre o comportamento e o desenvolvimento do aluno em
sala de aula. Esse relatório é chamado de ‘encaminhamento’, o qual é
apresentado aos pais ou responsáveis pela criança e estes têm a
incumbência de levá-lo até o CIER para agendar uma consulta com
a equipe de profissionais a fim de que essa criança passe por
avaliações que confirmem ou não a suspeita da escola. Três diretores
(15%) citaram casos de famílias que não levam as crianças para essa
avaliação, e que a escola tem que cobrar constantemente e ainda
ameaçar acionar o Conselho Tutelar. Segundo alguns diretores, essa
negativa dos pais está relacionada ao preconceito, pois no município
o CIER é reconhecido como ‘a escola das crianças com deficiência’,
ou seja, muitos pais receiam levar seus filhos para a avaliação
pensando que eles possam ter que ficar estudando lá.
A centralização dos serviços de Educação Especial no CIER,
ao longo dos anos, formou no município essa designação de que ali
são tratadas apenas crianças com deficiência. Mesmo o município
organizando uma equipe de saúde para avaliações nessa instituição,
muitos pais têm receio e mesmo preconceito em ter seus filhos
associados a esse local. Assim, algumas diretoras relatam a
necessidade de convencer os pais a levarem seus filhos para uma
avaliação que tem por objetivo não apenas diagnosticar, mas
também auxiliar essas crianças em seu desenvolvimento escolar.
Nesse sentido, na organização municipal observamos um
distanciamento dos serviços de identificação (escola), diagnóstico
(profissionais da saúde), e atendimento (escola e saúde). A
morosidade e a burocracia desses encaminhamentos dificultam o
progresso escolar de muitos alunos que necessitam dessa atenção
especial. Destacamos, assim, a necessidade de diminuir essa
distância, facilitando o atendimento dos alunos com necessidades
especiais.

245
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Todos os diretores entrevistados por nós pontuaram que


existiu a necessidade de adquirir materiais após a chegada das
crianças com deficiência. Grande parte citou a prefeitura, por meio
da verba de subvenção, como a maior auxiliadora nesse processo,
pois a prefeitura envia os recursos financeiros e os diretores
adquirem os materiais. Cinco diretores (25%) citaram o auxílio das
professoras especialistas que listam os materiais mais necessários.
Além disso, quatro diretores (20%) citaram a aquisição da
Sala de Recursos, o que se deu pelo intermédio da prefeitura junto
ao MEC. Segundo a Secretaria de Educação de Hortolândia (2011),
foram treze as escolas que receberam essas Salas em 2012.
Questionados sobre o modelo de trabalho realizado no
município para a inclusão de crianças com deficiência nas escolas,
todos os diretores entrevistados se mostraram satisfeitos com as
ações da Secretaria. Quatro diretores (20%) apontaram que a
distribuição do trabalho, antes realizado apenas no CIER, favoreceu
a ampliação do atendimento, visto que muitos pais não podiam levar
seus filhos até a instituição especial. Outros cinco (25%)
comentaram que a presença das especialistas em Educação Especial
na escola trouxe segurança ao trabalho de todos, pois muitos se
sentem despreparados para o trabalho com crianças com deficiência.
Três diretores (15%) levantaram a necessidade do tempo integral de
trabalho das professoras especialistas em apenas uma unidade de
ensino.
Dois diretores (10%) citaram, como melhoria do trabalho de
inclusão, a contratação de estagiárias, estudantes de Pedagogia, que
auxiliam individualmente os alunos com deficiência em sala de aula.
Um diretor sugeriu o aumento do número de profissionais da saúde
que atendem as crianças encaminhadas, pois considera a lista de
espera muito grande, o que torna o atendimento lento e prejudica o
desempenho escolar do aluno.
Verificamos que as escolas, por meio de seu diretor, ainda
não se responsabilizam pela criança com deficiência, apontando
sempre a necessidade de mais profissionais para lidar com esses
alunos. Chamamos isso de ‘transferência de responsabilidade’, pois
constatamos que as crianças com deficiência ainda não são

246
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP

consideradas como ‘da escola’ e por isso devem ser assistidas por
outros profissionais, segundo os diretores, mais preparados.
Essa transferência de responsabilidade por parte da escola,
em não assumir por completo as ações referentes à criança com
deficiência, perpassa principalmente pela busca pela escola de
qualidade, que consta nos discursos, porém não se concretiza na
prática, conforme sugerem os estudos de Silva (2006). Para este
autor, a minimização dos problemas estruturais da educação (baixos
salários, classes superlotadas, formação de professores, etc.) refletiria
em um menor impacto sob a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais, uma vez que a escola atenderia a todos, em
sua forma mais democrática, e assim os ajustes a serem pensados
seriam menos radicais.
A partir do contato com a organização do município e as
ações dos diretores, percebemos que as escolas têm acumulado
funções como estas, de cobrar os pais sobre o atendimento prestado
a seus filhos. Em alguns casos, essa cobrança ultrapassa os limites de
obrigação da escola, ou seja, de ordem pedagógica, e muitos gestores
realizam um trabalho assistencial às famílias. Apontamos assim a
necessidade da integração da Secretaria de Educação a outros órgãos
municipais, como a Saúde e a Assistência Social, a fim de sanar essas
lacunas na inclusão escolar das crianças com deficiência.
Muitos diretores (50%) citaram a inclusão escolar como ‘algo
novo’, do qual todos estão aprendendo e que a prefeitura tem feito o
que está ao seu alcance. Salientamos que apesar de ser um processo
em andamento, essa fala não pode ser utilizada como um ‘chavão’
para justificar os entraves da inclusão escolar e muito menos para
tirar a responsabilidade dos diretores nesse processo, como se não
pudessem ser cobrados por algo que ‘acabou de começar’. Enquanto
parte de uma organização municipal, os gestores devem ser
coparticipantes de todo o processo e assumir suas responsabilidades
dentro das escolas, prestando todo o apoio necessário a alunos,
professores e funcionários.
Constatamos assim que o discurso dos diretores está
vinculado a uma visão assistencialista da deficiência, pautada na
questão médico-corretiva, ou seja, a preocupação está voltada para o

247
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

atendimento médico dessa criança a fim de que uma ‘cura’ possa


normalizá-la para seguir o curso de seus estudos como os demais
alunos. Essa concepção da deficiência, observada nos discursos,
forma uma barreira para a inclusão escolar, visto que possibilita aos
diretores transferir sua responsabilidade para outros setores
extraescolares. Essa forma de pensar e representar a pessoa com
deficiência reforça a ideologia dominante que quer refletir o
oferecimento de condições para os direitos humanos, mas que, na
realidade, busca a ausência de qualidade da educação para continuar
mantendo o controle sobre as classes.
Portanto, faz-se necessário lutar contra esse poder dominante
e todos os envolvidos na educação devem assumir suas
responsabilidades. O diretor exerce um grande papel na inclusão de
crianças com deficiência. Enquanto gestor da escola, ele é, ao
mesmo tempo, o representante legal do município e o representante
da sociedade, atuando como interlocutor dessas duas instâncias.
Desse modo, o diretor interage com outros órgãos do município,
como Segurança, Obras e outros, a fim de reivindicar recursos para
sua escola, sejam adaptações ou adequações. Considerando seu papel
na gestão da escola e seu contato inicial com a criança que é
matriculada e a sua chegada à escola, ele deve estar inteirado não
apenas das leis e normas do município como também ser co-
responsável pelo desenvolvimento pedagógico do aluno, a par de
todos os processos que envolvem a inclusão escolar.

Coordenadores pedagógicos

A respeito da matrícula dos alunos com deficiência, sua


identificação e encaminhamento, assim como a aquisição de
materiais, verificamos nas entrevistas com os coordenadores os
mesmos pontos destacados nos relatos dos diretores: o município
segue um protocolo para matrícula e encaminhamento de casos
supeitos, como também aguarda as necessidades aparecerem para
buscar as adaptações necessárias. No entanto, notamos nos
discursos desses profissionais que as coordenadoras são menos
envolvidas com essas etapas, no sentido de indicarem as

248
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP

necessidades e não atuarem tão diretamente nas intervenções como


os diretores. Acreditamos que isso se deve à própria função do
cargo, que destina aos coordenadores a intermediação da
administração com o fazer pedagógico do professor. Ressaltamos no
Quadro 1 os pontos relevantes das entrevistas com as
coordenadoras.

Quadro 1 – Pontos relevantes apresentados pelos coordenadores


Participação dos pais no processo de inclusão
Horas de trabalho coletivo sem a presença de todos os envolvidos
(especialistas e EF)
Recursos são providenciados à medida que as necessidades aparecem
Atividades diferenciadas para alunos com deficiência
Envolvimento restrito com a inclusão escolar
Fonte: Filus (2011, p. 143).

Nesse sentido, situamos o discurso dos coordenadores


pautado na questão pedagógica, ou seja, a preocupação está voltada
para o aprender desse aluno e como fazê-lo. Para isso, a
coordenação da escola conta com a participação de todos os
envolvidos: diretores, pais e professores. De acordo com o discurso,
o modelo de trabalho de inclusão tem acontecido a contento e
conforme sugerem as leis que regem a educação.
Mesmo demonstrando uma visão diferenciada do diretor a
respeito do aluno com deficiência, seu discurso conformista segue a
lógica da ideologia dominante, que prega o acolhimento dessa
população na escola. Nos relatos apresentados aparentemente
percebemos uma postura tranquila das coordenadoras no tocante ao
processo de inclusão, não apontando muitos entraves ou aspectos a
serem melhorados. Consideramos que provavelmente alguns
coordenadores tenham se sentido coagidos em relatar apenas as
situações positivas do processo. Levantamos essa hipótese, porque
no contato inicial com as coordenadoras, notamos que muitas não
queriam que a entrevista fosse gravada, e mesmo acontecendo
individualmente com a garantia do Termo de Consentimento da
pesquisa sobre o sigilo do sujeito, ainda houve a necessidade de

249
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

maiores explicações e até de conversas de convencimento para que a


participação na pesquisa ocorresse.
Verificamos, portanto, um receio de grande parte das
coordenadoras em fazer parte da pesquisa, justificado pelo controle
exercido sobre seu trabalho, o que talvez justifique a ausência de
apontamentos mais contundentes em relação ao processo de
inclusão escolar. Conforme prevê a ideologia dominante, os
coordenadores têm auxiliado na manutenção das representações
sobre os direitos das pessoas com deficiência, o que mascara as reais
intenções da classe dominante, ou seja, as de continuar promovendo
uma educação de má qualidade que não forma cidadãos conscientes
de seus direitos e deveres.

Especialistas em Educação Especial

Em relação à função e à intervenção desses profissionais,


pudemos verificar pelas entrevistas que estes integram o modelo de
trabalho de inclusão do município; no entanto, consideram sua
atuação mais vinculada ao aluno do que à comunidade escolar,
diferentemente do que prevê o Decreto relativo ao Atendimento
Educacional Especializado (AEE) (BRASIL, 2008). Em seus
parágrafos 1º e 2º, o AEE é definido como o conjunto de atividades,
recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados
institucionalmente, prestado de forma complementar ou
suplementar à formação dos alunos no ensino regular, e que deve
integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a participação da
família e ser realizado em articulação com as demais políticas
públicas.
Além disso, as professoras especialistas se mostram satisfeitas
com o apoio recebido da gestão escolar, professores e alunos para
desenvolver seu trabalho que, segundo elas, interfere no processo de
inclusão, pois possibilita maior desenvolvimento escolar dos alunos
com deficiência.
Salientamos outros aspectos precisam ser levados em conta,
particularmente a falta de apoio de algumas unidades escolares no
que tange à forma como representam a pessoa com deficiência bem

250
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP

como a divisão de responsabilidades na interferência sobre o


processo de inclusão, que não deve ser visto apenas como tarefa da
professora especialista, mas de toda a comunidade escolar.
Situamos o discurso das professoras especialistas fortemente
ligado à questão psicopedagógica, pois consideram sua atuação mais
voltada ao atendimento individualizado do aluno, a fim de melhorar
seu desempenho escolar. A própria organização do município
permitiu a incorporação dessa função, visto que o atendimento é
realizado individualmente, em local separado, com o objetivo,
portanto, de levar até o aluno aquilo que ele teria na escola especial.
O ideal seria que esse profissional estivesse junto à sala de aula,
auxiliando o professor para que as atividades se realizassem
efetivamente como inclusivas, e não que fizesse um trabalho à parte,
como tem acontecido. O trabalho individualizado objetivando que
os deficientes produzam tanto quanto os ‘normais’ vai ao encontro
da ideologia dominante imposta à sociedade, mais uma vez
alardeando os direitos humanos, mas agindo com o fito de que os
anormais não sejam parasitas (JANNUZZI, 2004), porém
produtivos ao sistema econômico.

Professores de Educação Física

De acordo com o que foi levantado nas entrevistas com os


professores de Educação Física, pudemos perceber que estes não
participam do processo de identificação e encaminhamento de
crianças para avaliação, mesmo contando com conhecimentos
referentes à formação vinculada à área da saúde que auxiliariam
nessa etapa. Também constatamos que esses professores não
recebem informações sobre o aluno com deficiência, tendo que
buscá-las junto à gestão escolar. Em relação às mudanças na
metodologia das aulas, percebemos que o grupo se dividiu, porém
todos apontaram para as adaptações das atividades. Nos últimos dois
pontos, o engajamento da família e a ação municipal na inclusão
escolar, verificamos o distanciamento dos professores de EF com a
inclusão escolar, porque pouco comentaram sobre essas temáticas e

251
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

alguns revelaram não ter conhecimentos ou informações a esse


respeito.
Acreditamos que a própria organização da escola possa
favorecer esse distanciamento da área da EF no processo de inclusão
escolar. A rotatividade das turmas, o número reduzido de aulas, o
número excessivo de alunos por sala somados à postura do
professor que não teve conhecimentos em sua formação, que
convive com os problemas da educação brasileira (baixos salários,
falta de incentivo, entre outros), podem ser fatores que consolidem
ainda mais esse distanciamento.
Julgamos relevante salientar a individualidade de cada
professor entrevistado, como sugere Seabra Junior (2006). Para este
autor, cada professor, no interior de sua individualidade, tem
convicções e perpectivas contruídas sobre diferentes pilares,
conforme o momento histórico e político vivenciado. Assim, sua
atuação deve ser entendida como uma inter-relação de diferentes
aspectos, além dos conhecimentos acadêmicos, pois o envolvimento
com a causa e a busca por diferentes metodologias e possibilidades
perpassam pelos conceitos e pré-conceitos vividos e compreendidos
por cada sujeito no decorrer de suas vidas.
Analisando os discursos dos professores, podemos observar
que, pelo pouco comprometimento, suas concepções estão pautadas
na vertente médico-corretiva que considera a criança com deficiência
como um paciente que precisa de cuidados e, portanto não tem seu
espaço nas práticas da escola. A isenção de responsabilidade com
esses alunos, somada às abordagens tecnicistas que ainda rondam a
prática pedagógica na EF, continuam a reforçar a ideologia
dominante, que espera que cada nicho de profissionais esteja
preocupado apenas com o seu fazer, não havendo interações e
discussões, uma vez que esses momentos de reflexão podem ser
estopins para reivindicações maiores, as quais ameaçariam a ordem
vigente.
Destacamos o papel dos gestores e administradores da
Educação de Hortolândia para o oferecimento de cursos de
formação continuada para uma sensibilização seguida de
conhecimentos sobre as deficiências, a fim de promover mudanças

252
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP

‘de dentro para fora’, para que os professores de EF se sintam


responsáveis e participantes efetivos da inclusão escolar das crianças
com deficiência. Um caminho necessário é o oferecimento de
momentos de reflexão entre os professores, não só para trocarem
informações sobre os alunos com deficiência, como também para
discutirem acerca das condiçõe atuais da educação brasileira.

Professores

Verificamos mediante as entrevistas que os professores


consideram as informações que recebem sobre os alunos com
deficiência insuficientes para o desenvolvimento do trabalho
pedagógico, visto que os pais não dão informações, o CIER é
moroso no diagnóstico e no envio de relatórios e informações.
Ademais, notamos que as informações repassadas não satisfazem as
dúvidas dos professores em relação ao fazer pedagógico, uma vez
que estes não conhecem as limitações e as possibilidades dos alunos,
apenas chegam ao seu conhecimento o nome ou a classificação da
deficiência.
A respeito da identificação e do encaminhamento de crianças
para possível diagnóstico, observamos que os professores têm
conhecimento e agem a partir de um protocolo já existente no
município, conforme podemos constatar nos relatos dos diretores e
coordenadores. Além disso, um número grande de professores (14)
citou não ter realizado nenhum encaminhamento, considerando que
ministram aulas para as últimas séries do Ensino Fundamental I, e
nessas situações a maioria das crianças já chega com o laudo médico
da deficiência. Se compararmos esse dado com os fornecidos pela
Secretaria de Educação de Hortolândia (HORTOLÂNDIA, 2011),
percebemos que a porcentagem maior de alunos incluídos está nas
séries finais do Ensino Fundamental Ciclo I, fato que nos possibilita
constatar que as maiores dificuldades dos professores surgem nessas
séries finais, nas quais os alunos já têm o diagnóstico.
Corroborando com o dado anterior, identificamos que quase
todos os professores realizam modificações na metodologia das
aulas, que envolvem principalmente a utilização de atividades

253
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

diferenciadas, uma prática que não favorece a inclusão escolar desses


alunos, visto que pelos relatos dos professores essas atividades estão
descontextualizadas do conteúdo ministrado ao restante da turma.
Sobre o engajamento da família na inclusão escolar, os
professores demonstraram uma visão negativa desse relacionamento,
classificando a relação como difícil e observamos dois extremos em
relação aos responsáveis pelas crianças: os pais superprotetores e os
omissos. Destacaram também que há necessidade de um maior
entrosamento entre as duas instâncias.
A maioria dos professores se mostra insatisfeita com o
modelo de atuação municipal no que se refere à inclusão e apontam
como falhas a demora para informações e atendimentos do CIER, a
falta de formações e preparo para professores e funcionários, a
maior frequência e presença da especialista na sala de aula e o fato de
haver muitos alunos em sala de aula.
Diante desses dados, podemos verificar que os professores
têm buscado se adequar, às situações que acontecem no cotidiano da
sala de aula. Sem informações suficientes sobre os alunos e
considerando-se despreparados devido à pouca formação inicial e
pouco oferecimento de formação continuada, eles se utilizam de
atividades diferenciadas para conseguir um bom andamento das
atividades no contexto da sala de aula. No entanto, mostram-se
preocupados com o desenvolvimento de toda a turma, pois não
conseguem dar atenção a todos de maneira a favorecer um bom
desempenho escolar. Assim, não estão satisfeitos com a inclusão
escolar no formato que acontece no município, porque acreditam
que além de mais informações e capacitações, há a necessidade de
uma presença constante da especialista em Educação Especial na
sala de aula, assim como troca de informações com profissionais da
saúde que atuam com os alunos com deficiência.
Ao analisarmos o discurso dos professores, de modo geral,
percebemos que está centrado na questão médico-corretiva, uma vez
que consideram a criança com deficiência como necessitada de
atenção mais especializada do que aquela que podem oferecer na
escola. Com o pensamento arraigado nas limitações dos alunos, os
professores se mostram insatisfeitos com a inclusão, o que poderia

254
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP

ser um pontapé inicial para reflexões a respeito da ideologia imposta


sobre o discurso desse processo. No entanto, o que percebemos são
professores desmotivados e angustiados, sem muitas forças para
lutar não apenas por melhores condições de trabalho, mas também
pelo aprendizado de alunos que se tornem cidadãos participativos e
questionadores da realidade.

Considerações finais

Após analisarmos os grupos envolvidos na inclusão escolar,


diretores, coordenadores, professores regentes, professores de
Educação Física e professores itinerantes, buscamos nesta seção
resgatar os pontos mais importantes e reunir as informações a fim de
apresentar um panorama geral de como tem acontecido esse
processo na visão dos envolvidos.
Constatamos que a organização proposta pelo município de
Hortolândia, SP, para a inclusão das crianças com deficiência na
escola regular é seguida por todas as unidades de ensino.
Inicialmente, observamos que a matrícula de crianças com
deficiência é realizada da mesma forma que a das demais: os pais se
dirigem à escola mais próxima de sua residência e preenchem uma
ficha com informações sobre a criança. Diretores e coordenadores
relatam que nesse momento alguns pais não indicam a deficiência da
criança, a qual será identificada no decorrer do ano letivo pelo
professor. Essa situação dificulta a busca por recursos e adaptações
na escola, já que atualmente as escolas esperam as necessidades
aparecer para providenciar as adequações necessárias.
A identificação e o encaminhamento de um aluno para
avaliação do CIER são realizados a partir das observações da
professora de sala, que comunica a coordenação. Após realizarem
um relatório conjuntamente, os pais são comunicados e ficam
responsáveis por levar seu filho para essa avaliação. Coordenadores e
professores de sala destacam que o CIER demora a realizar as
avaliações devido à fila de espera dos serviços, acrescentando que
muitos pais não levam seus filhos geralmente por receio de encarar
uma possível deficiência. De acordo com a gestão escolar, os pais

255
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

têm uma visão preconceituosa da instituição CIER como a escola


das crianças com deficiência, o que prejudica ainda mais esse quadro.
A direção da escola, as professores especialistas e os professores de
EF não participam desse processo de identificação e
encaminhamento. Acreditamos que professores especialistas e de EF
teriam muito a contribuir na identificação e encaminhamento de
crianças, uma vez que possuem conhecimentos e experiências, tanto
dos aspectos biológicos quanto comportamentais que permitiriam
maiores reflexões e talvez melhores possibilidades antes de realizar o
encaminhamento.
Esses momentos de reflexão, objetivando a troca de
informações sobre os alunos, poderiam ser mais estimulados com
Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) que envolvessem
todos esses grupos. Verificamos que algumas conversas acontecem
rapidamente no dia-a-dia, o que é insuficiente para trocar
informações e compartilhar experiências referentes às crianças. Os
HTPCs são realizados nas escolas uma vez por semana, porém as
professoras especialistas e os de EF não participam, tendo HTPC
com seus pares (HTPC para os professores de EF da rede, e HTPC
para professoras especialistas).
Acreditamos que esse distanciamento entre os profissionais
auxilia na promoção de comportamentos isolados de cada grupo,
como observamos nos relatos das professoras especialistas, que se
sentem mais responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem do
aluno durante os seus atendimentos, não se ocupando com os
demais envolvidos, professores e funcionários a fim de trazer
conhecimentos e estabelecer o vínculo da Educação Especial com o
ensino regular, estabelecido no Decreto relativo ao AEE. De forma
mais omissa, os professores de EF demonstraram durante as
entrevistas uma despreocupação ou isenção de responsabilidade com
o processo de inclusão.
Assim, com a definição e distanciamento das ações dos
sujeitos, os professores de sala encontraram como metodologia mais
viável a utilização de atividades diferenciadas destinadas aos alunos
com deficiência. Essa prática, em nosso entender, caracteriza uma
exclusão desse aluno, visto que as atividades estão geralmente

256
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP

descontextualizadas do conteúdo passado aos demais alunos da sala.


Mesmo que essas crianças estejam atrasadas em relação ao
desenvolvimento cognitivo e mesmo motor, a inclusão prevê uma
reformulação de todo o ensino, no qual as oportunidades sejam
oferecidas de acordo com as potencialidades de cada aluno.
Sabemos, contudo, que a formação inicial e a promoção de
formação continuada não são suficientes para capacitar esses
professores, uma vez que esses cursos não dão conta do fazer
pedagógico, restringindo-se apenas aos aspectos característicos de
cada deficiência. Destacamos que uma ‘receita’ de como planejar e
aplicar aulas inclusivas não é possível, pois acreditamos que cada
turma é única, devendo ser consideradas as características desses
alunos no planejamento das atividades. Afirmamos que com
criatividade e respeito às diferenças cada professor conseguirá
formular novas possibilidades, mas isso só acontecerá se as barreiras
do preconceito forem vencidas, já que percebemos que a visão
biológica da deficiência, somada a uma percepção assistencialista
incutida no histórico de vida de cada professor, dificulta a ampliação
do olhar para a promoção de oportunidades aos alunos.
A ação municipal para a inclusão das crianças com deficiência
acontece de forma satisfatória para os gestores, diretores e
coordenadores e as professoras especialistas. Não obstante, os
professores de sala criticam o modelo de atuação do município e
apontam várias necessidades de mudança, como maiores
informações e ampliação dos atendimentos do CIER, cursos de
formação para professores e funcionários, maior frequência ou
presença constante da especialista na sala de aula e redução do
número de alunos na sala.
Percebemos que os discursos dos envolvidos giram
principalmente em torno da questão médico-corretiva da deficiência,
o que não permite que esses profissionais da escola se sintam
responsáveis pelo aluno com deficiência. Além disso, com base na
visão do aluno como ‘necessitado de atendimento médico com vistas
à cura’ ou normalização, os professores não conseguem perceber sua
atuação como necessária ou mesmo proveitosa para as crianças. A
distância entre os professores envolvidos na inclusão escolar e sua

257
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

postura diante do processo nos permitiu apontar que reafirmam a


ideologia dominante que prega um atendimento assistencialista aos
deficientes, com vistas aos direitos humanos, mas que sua real
intenção é camuflar a formação de uma sociedade consumista e
conformada.
Concluímos que o processo de inclusão no município de
Hortolândia apresenta uma organização que precisa de ajustes,
principalmente na visão dos professores, responsáveis pela criança
com deficiência. Essas arrumações dizem respeito a cursos de
formação continuada que atendam as dúvidas e angústias referentes
ao fazer pedagógico, com atividades e metodologias que realmente
favoreçam a inclusão escolar e a presença constante das especialistas
em Educação Especial para dar suporte ao professor. Destacamos,
também, uma aproximação dos professores de EF com o processo,
uma vez que vinculados à área da Saúde detêm conhecimentos de
aspectos biológicos e de desenvolvimento humano que possibilitam
um olhar diferenciado sobre as questões relativas a comportamentos
motores atrasados. Salientamos ainda que o espaço da aula também
favorece contribuições importantes para a inclusão das crianças.
Acreditamos, ainda, que se faz necessária a criação de um
vínculo da escola com a área da Saúde, que poderia acontecer por
meio da inserção de profissionais desse segmento no ambiente
escolar através de reuniões com os professores ou mediante
atendimento às crianças com deficiência na escola.

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260
Capítulo 13
A FAMÍLIA E A CRIANÇA SURDA: ALGUMAS
REFLEXÕES
Celma Regina Borghi Rodriguero
Solange Franci Raimundo Yaegashi

Introdução

Os estudos sobre a família e sua importância no


desenvolvimento dos filhos têm sido alvo de interesse de
profissionais de diferentes áreas (FERRIOLLI; MARTURANO;
PUNTEL, 2007; MILANI; LOUREIRO, 2008; RODRIGUERO,
2001; YAEGASHI, 2007).
De acordo com Boarini (2003), o primeiro grupo ao qual o
ser humano pertence é a família, instituição que vem se
transformando e ganhando novos contornos sociais. E, a família,
como outras instituições, vem passando por mudanças que
redefiniram sua estrutura, seu significado e o seu papel na sociedade.
Assim, independente de seu formato, a família está inserida dentro
de um contexto sociocultural e apresenta um caráter dinâmico em
seu funcionamento que faz com que, por meio dos vínculos afetivos,
seus membros desenvolvam os próprios códigos de referências e de
crenças que resultam em uma cultura familiar própria (ORSI, 2003).
Para Ackerman (1986), a estabilidade da família e de seus
membros está na dependência direta do padrão de equilíbrio e
intercâmbio emocional, no qual o comportamento de um membro é
afetado por todos os outros. Assim, problemas na vida familiar
como, por exemplo, o nascimento de um filho com necessidades
educacionais especiais podem ter efeitos de diferentes alcances sobre
a saúde mental da família e de seus componentes.
Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo refletir
sobre as reações da família diante do nascimento de um filho com
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

surdez, buscando compreender os psicodinamismos que se


configuram entre os membros da família e as formas de
enfrentamento do problema.
O texto foi subdividido em duas partes. Na primeira,
procurou-se abordar a família como instituição necessária na
construção da identidade da criança. Na segunda, por sua vez,
procurou-se realizar uma discussão a respeito das reações da família
diante do nascimento de um filho com necessidades educacionais
especiais.

A família como matriz de identidade

Considerando a perspectiva histórico-cultural de Vygotsky


(1984), de que a criança, de maneira gradativa, a partir da
convivência em sociedade e das interações realizadas com os adultos
que a cercam, vai apropriando-se dos instrumentos mentais,
produtos do próprio homem no decorrer da história, pode-se
compreender a preocupação de pesquisadores como Foucault
(1983), D’Antino (1988), Glat (1996), Saint-Claire (1970), Schmid-
Giovannini (1980) entre outros, com a família, no sentido de que ela
representa como lembra Glat (1996), o primeiro e o mais próximo
grupo social com o qual o indivíduo mantém as relações pessoais
mais íntimas e, em se tratando de indivíduos com necessidades
especiais, em muitos casos, as únicas.
Saint-Claire (1970) destaca que o contexto familiar merece
atenção especial e que, quando o estado de saúde e o meio são
satisfatórios, a criança com necessidades especiais deve permanecer
nele, pelo menos até a idade escolar, ou seja, cinco ou seis anos. A
autora faz essa afirmação considerando a grande dúvida da família
em manter a criança deficiente1 em casa ou interná-la em uma
instituição, para que seja atendida adequadamente. Ressalta, ainda, a

1 A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação


Inclusiva (BRASIL, 2008), define o público alvo do atendimento educacional
especializado e traz a terminologia pessoa com deficiência, no entanto, neste
texto optamos por manter a terminologia utilizada pelo autor do conteúdo
citado.

262
A FAMÍLIA E A CRIANÇA SURDA: ALGUMAS REFLEXÕES

grande importância do fator afetivo para a criança, na convivência


com a família, e sustenta que a privação de amor e o abandono, são
talvez as únicas coisas que a criança não é capaz de superar.
Foucault (1983), por sua vez, concebe a família como um
espaço de sobrevivência e evolução da criança, pois os laços de
família servirão para organizar e funcionar como matriz para o
indivíduo adulto.
De acordo com Glat (1996), em muitos momentos se
subestima o fato de que o indivíduo passa a maior parte de seu
tempo com a família, que é a primeira instância que moldará seus
valores, sua concepção de mundo e sua autoimagem. Além disso,
para os indivíduos com necessidades especiais, os horizontes sócio-
afetivos parecem mais limitados.
É importante frisar que todo ser humano, nasce em uma
família específica, com características próprias, pertencente a uma
cultura específica e ocupando uma posição socioeconômica dentro
desta cultura. E, mesmo no grupo familiar, o indivíduo já nasce
ocupando uma posição determinada, por exemplo, de filho mais
velho, de filho mais novo, etc.
Nesta perspectiva, entende-se, como lembra Glat (1996), que
a família realiza a socialização primária do indivíduo, ou seja,
propicia-lhe a aprendizagem dos papéis sociais, a formação da
identidade social, enquanto que a socialização secundária ocorre
mais tarde, geralmente na fase escolar, quando o indivíduo entra em
contato com um grupo social mais amplo. Portanto, o tipo de
inserção social do indivíduo dependerá muito do que aconteceu
durante seus anos formativos, no contexto familiar.
Para D’Antino (1988), a família, sendo microestrutura social,
foi e será sempre o primeiro e de fundamental importância ‘berço do
indivíduo’ e tem como função principal satisfazer as necessidades
físicas, afetivas e sociais da criança. Sendo ‘berço’, atua como
mediadora original entre a criança, o mundo social e as relações
sociais mais amplas, auxiliando-a na formação de sua primeira
identidade social.
Luckman (apud GLAT, 1996), por sua vez, afirma que a
criança nasce em uma estrutura social já existente e numa concepção

263
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

de mundo já reforçada socialmente. As relações sociais diretas ou


primárias são determinadas pela estrutura social e concepção de
mundo, sendo essas determinadas pela estrutura familiar. Assim, o
nascimento de um filho com necessidades especiais pode alterar por
completo essa estrutura familiar, conforme veremos no próximo
item desse texto.

A família e o filho com necessidades educacionais especiais

De acordo com Ribas (1995), a expectativa do casal,


enquanto espera um bebê, é a da chegada de um filho perfeito e
saudável. Por isso, a constatação da deficiência de um filho causa à
família um grande sofrimento. Neste sentido, Saint-Claire (1970)
relata, a partir de suas investigações, que, quer sejam as famílias ricas
ou pobres, simples ou mais sofisticadas, todas, sem exceção, fazem o
mesmo questionamento: por que meu filho é diferente? Por que não
é como os outros? A autora destaca como de grande importância,
nesse momento, a atitude dos pais e a do médico, advertindo que os
erros médicos podem eventualmente aumentar o sofrimento dos
pais e prejudicar a criança. Assim, o período que se percorre até a
determinação do diagnóstico pode ser essencial para o
atendimento/desenvolvimento da criança. Além disso, as falsas
esperanças dadas aos pais podem causar ao final uma desilusão
maior.
Powell e Ogle (1992) assinalam que a notícia de uma
deficiência obriga a família a rever seus sonhos e expectativas em
relação à criança, ou seja, a notícia de uma deficiência muda, de
forma definitiva, a vida de cada membro da família. E o tempo de
adaptação, para que a família reveja seus sonhos e aceite a
deficiência, varia de uma família para outra, sendo, para algumas
famílias, um processo longo e difícil e, para outras, parece ocorrer
com maior facilidade. Afirmam ainda, que qualquer família, enfrenta
uma série de períodos críticos, períodos esses, de transição que
geram tensões (nascimento de mais um filho, entrada na escola etc.).
E, para a família que tem um filho com deficiência, a tensão desses
momentos pode ser mais aguda.

264
A FAMÍLIA E A CRIANÇA SURDA: ALGUMAS REFLEXÕES

Kirk e Gallagher (1987) relatam que as famílias, em sua


maioria, mais especificamente os pais, enfrentam duas crises
principais com o nascimento de um filho deficiente. A primeira é a
causada pela ‘morte simbólica’ da criança que deveria ter nascido e a
segunda refere-se às providências e cuidados, questões proporcionais
às necessidades especiais requeridas pela deficiência.
Krynski (1993), por sua vez, classifica as reações dos pais em
relação ao nascimento de um filho deficiente em fases: a primeira
das quais é a do alarme, imediata à constatação do problema,
caracterizada por angústia, rejeição e revolta; a segunda fase implica
em culpa, fruto dos sentimentos de rejeição e a consequente
superproteção compensadora; a terceira fase, que se estabelece lenta
e progressivamente diante da realidade irreversível, é o reajuste,
portanto, das condições das fases anteriores e caracteriza-se pela
racionalização, sublimação e negociação entre tipos de sentimentos e
comportamentos.
Nesta mesma perspectiva, Miller (1995) cita também quatro
fases de adaptação vivenciadas pela maioria das famílias que têm
crianças com necessidades especiais: 1) sobrevivência; 2) busca; 3)
ajustamento e 4) separação.
Segundo a autora, a fase de ‘sobrevivência’ caracteriza-se
pelas tentativas dos pais de continuarem caminhando apesar do
sentimento de desamparo, do sentir que algo fora de seu controle
retirou de seu filho a chance de uma vida plena. Assim, “[...]
sobreviver significa reagir e enfrentar; envolve uma multidão de
emoções desconfortáveis que podem incluir o medo, a confusão, a
culpa, a vergonha e a raiva” (MILLER, 1995, p. 40). Esta fase é
diferente para cada um, pode durar uma semana ou anos, cada um
passa por esse período a seu modo e no seu próprio tempo. Dessa
forma, sobreviver significa enfrentar e enfrentar quer dizer fazer o
que for preciso, resolver um problema por vez.
As reações de sobrevivência são normais, necessárias e não
são ‘más’, ‘erradas’ ou ‘fracas’, apenas representam as maneiras como
as pessoas se sentem quando ouvem notícias tristes ou assustadoras
e, portanto, tais sentimentos não devem ser julgados. Esse processo
inicia-se com um estado de choque, que significa uma sensação de

265
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

dormência, incredulidade e desorientação e cuja função é proteger


tanto o corpo quanto a mente da sobrecarga da notícia.
Ocorre ainda, segundo a autora, o período de luto e perda,
no qual pode ser experimentada enorme dor pela perda dos sonhos
relativos à criança e à família. O luto é pela criança que merece as
mesmas chances que qualquer outra pessoa na vida e por aquilo que
ela nunca poderá vivenciar. A negação, outro sentimento
experimentado, é um mecanismo de proteção utilizado quando não
se está pronto para lidar com o problema e suas implicações. Ela
pode ser classificada como escolhida, quando caracterizada pelo
raciocínio de que se o problema for ignorado, irá embora; ou pode
ser inconsciente, quando se olham os fatos e realmente acredita-se
que não são verdadeiros.
A segunda fase, por sua vez, caracteriza-se pela ‘busca’, que
“[...] representa um período de ação, de movimentação para além da
fase reativa da sobrevivência. É o despertar de uma fonte de energia,
o início de um senso de controle sobre suas emoções e sua vida”
(MILLER, 1995, p. 65).
A família, durante toda a vida, terá períodos de busca com o
filho. Esta busca pode ser externa, tendo início quando ainda se está
sobrevivendo e consiste na procura de um diagnóstico e serviços de
saúde. Normalmente, o processo de busca externa oferece novas
perspectivas sobre a deficiência, pois possibilita o contato com
outras famílias. Cada família define e lida com a ideia da deficiência à
sua maneira e de acordo com o seu sistema de valores pessoais,
religiosos, crenças culturais, bem como com a personalidade
individual de cada membro da família. Pode, por outro lado, ser
interna quando se tenta encontrar uma identidade como pai ou mãe
de uma criança com necessidades especiais. Esta fase se inicia
também durante a sobrevivência e pode continuar por muito tempo.
Assim, “[...] a busca interna implica a procura por compreensão. A
vida mudou e não se sente que se tem domínio sobre ela” (MILLER,
1995, p. 41). Podem se modificar ainda as prioridades, os
relacionamentos e as amizades. Além disso, pode ser necessário
alterar planos de volta ao trabalho no caso da mãe, ter outros filhos,
mudar de residência ou cidade.

266
A FAMÍLIA E A CRIANÇA SURDA: ALGUMAS REFLEXÕES

A terceira fase do processo de adaptação caracteriza-se pelo


‘ajustamento’. Nesta fase, a busca externa passa a ocupar um tempo
menor, ocorre uma mudança de atitude e, segundo a autora, mais
importante que a aquietação do processo de busca externa é a
acomodação da atitude em relação a ela. A passagem do processo de
busca ao de ajustamento implica em alguns períodos importantes,
nos quais se reconhece que não existem curas rápidas e nem
soluções fáceis, as mudanças levam tempo para acontecer e se está
lidando com um processo de vida; algumas das questões que surgem
não têm respostas e é preciso se acostumar a viver com a
ambiguidade e a incerteza; a maioria das preocupações sobre o
futuro a longo prazo, não poderá ter solução no decorrer dos
primeiros anos de vida da criança, uma vez que inúmeros fatores
poderão afetar o futuro; e, finalmente, há uma conscientização de
que continuamente ocorrem avanços em áreas que poderão
significar melhorias na vida da criança.
Por fim, a quarta fase caracteriza-se pela ‘separação’. Na
verdade, esta separação é um processo gradativo e normal, que tem
início no nascimento e ocorre em pequenos passos no decorrer da
infância, sendo que cada um deles representa um passo em direção à
independência, à medida que o filho cresce e se distancia da família e
esta o libera. Esse processo é necessário para o desenvolvimento.
Mas, em se tratando de crianças com necessidades especiais, esse
processo pode ocorrer de forma alterada ou mais gradativa. Como
essas crianças podem se mostrar incapazes de iniciar procedimentos
de separação por si cabe aos pais o papel de ajudá-las a se tornarem
mais independentes. A separação, nesse caso, tem que ser iniciada,
planejada ou supervisionada pelos pais, o que não faz parte da
ordem natural das coisas, pois, em geral, tanto pais quanto filhos se
engajam nas atividades de separação.
O processo de ajustamento envolve a questão da aceitação.
Esta pode ser definida como “[...] receber de bom grado e sem
protestos; perceber como apropriado e condizente” (MILLER, 1995,
p. 98). No entanto, segundo a autora, essa definição é questionável,
uma vez que não parece coerente que pais aceitem de bom grado e
sem protestos a deficiência do filho. Uma segunda definição seria,

267
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

“[...] admitir a existência da situação, digeri-la e conviver com ela, da


melhor maneira possível” (MILLER, 1995, p. 99). É, portanto,
reconhecer que a criança apresenta necessidades especiais, é absorver
o fato e fazer o melhor possível disso, é reconhecer que o problema
existe o que requer a compreensão do significado do problema na
vida da família.
Nesta mesma perspectiva, Telford e Sawrey (1983)
argumentam que raramente a aceitação se constitui num ato de fé,
que se processa de uma vez. É, ao contrário, um processo contínuo
e permanentemente mutável, que flutua em níveis, momentos e
contextos diferentes, sendo que muitos pais não vão além da
aceitação parcial, ou seja, aceitam o diagnóstico, mas rejeitam suas
implicações prognósticas. Ajustamento, portanto, “[...] é ver o
mundo como ele é e ver a si mesmo como você é. Implica avançar
além das emoções intensas da sobrevivência, sentindo menos a
sensação de urgência da etapa da busca, à medida que se obtém um
sentido de controle e equilíbrio sobre a vida diária” (MILLER, 1995,
p. 85).
Powell e Ogle (1992) destacam que a primeira preocupação
dos pais de uma criança deficiente está em ‘obter um diagnóstico
exato’ em ‘como informar os irmãos’ e em ‘estabelecer rotinas para
as funções familiares’.
Segundo Maggiori e Marquezine (1996), o conhecimento
imediato ou tardio do diagnóstico de algum tipo de deficiência pelos
pais refere-se sobremaneira ao vínculo estabelecido entre a criança e
o grupo familiar, ou seja, quando o diagnóstico é tardio, o vínculo já
se estabeleceu e os pais já se adaptaram ao convívio da criança e, em
muitos casos, já perceberam de maneira inconsciente o problema, o
que de certa forma pode facilitar ou amenizar o processo de
aceitação. Muitas vezes, os pais preferem afastar-se do contato com
o mundo, por não se sentirem capazes de corresponder às
expectativas criadas em torno deles, uma vez que, segundo as
autoras, na fantasia de algumas pessoas, “[...] os pais de crianças
portadoras de necessidades especiais devem amá-las com
enternecido carinho, aceitando-as plenamente, exibindo-as como um

268
A FAMÍLIA E A CRIANÇA SURDA: ALGUMAS REFLEXÕES

troféu conferido pelos céus” (MAGGIORI; MARQUEZINE, 1996,


p. 508).
É importante ressaltar que a família de deficientes funciona
como qualquer sistema familiar em que as ações de cada membro
influenciam as ações dos outros. E, como afirmam Powell e Ogle
(1992), as famílias de deficientes têm que enfrentar as pressões e as
exigências sociais de hoje, assim como as outras famílias. No
entanto, devido às circunstâncias, têm que enfrentar, também, as
exigências especiais da criação de um filho com deficiência.
As famílias de deficientes são como todas as outras no
sentido de que suas necessidades variam, sendo que cada família é
única e existem numerosos fatores que influenciam em como seus
membros enfrentam e se portam diante do desafio de incorporar o
deficiente à estrutura familiar. Assim, ao mesmo tempo em que as
famílias manifestam vulnerabilidade, manifestam também extrema
força. Como afirmam Powell e Ogle (1992, p. 61), “[...] os pais e as
famílias aguentam e aprendem a viver com a dor [...] com frequência
transformam uma situação difícil numa experiência rica e
compensadora”.
Porém, como salientam Maggiori e Marquezine (1996), um
fato que acontece com frequência é a dificuldade de falar sobre a
criança, o que pode revelar o sentimento de vergonha, a busca de
justificativas para esconder o filho, a tentativa de poupá-lo da
convivência e exposição a estranhos, o que poderia suscitar
perguntas referentes ao problema. Para as autoras, ao se tratar do
fator deficiência,

[...] observa-se que em nossa cultura a alfabetização é


destacada como necessidade básica para obtenção de
ascensão social. Para esses pais o fator alfabetização é
fundamental para que eles demonstrem para a
sociedade que seu filho conseguiu atingir um mínimo
de status socialmente esperado (MAGGIORI;
MARQUEZINE, 1996, p. 508).

269
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

É preciso notar que, como salientam as autoras, os mesmos


sentimentos vivenciados pelos pais – rejeição, culpa, vergonha,
piedade e mágoa – são também sentidos pelos irmãos.
Outra preocupação manifestada pelos pais de pessoas com
necessidades especiais diz respeito à sua velhice e morte, caso em
que o filho ficaria abandonado. Em muitos casos, os pais passam a
preparar os irmãos da criança deficiente para que estes cuidem da
mesma na ausência deles.
Telford e Sawrey (1983) também abordam a diversidade das
reações dos pais quando da chegada de um filho deficiente. Afirmam
que essas reações variam muito e a questão é como enfrentar os
problemas de modo que o desenvolvimento da família, como um
todo, seja facilitado e não dificultado. Isto por que as atitudes e
comportamentos da família acabam definindo o comportamento do
indivíduo com necessidades especiais o que pode facilitar ou limitar
o desenvolvimento do mesmo.
Os autores sinalizam algumas das reações mais comuns da
família quando do nascimento de uma criança com problemas: 1)
‘enfrentamento realista do problema’: muitos pais conseguem
enfrentar de forma sadia e construtiva os problemas originados pela
presença da criança com deficiência. Encaram as decisões iniciais e
as tensões adicionais de modo realista e integrado, da mesma forma
como enfrentam outras crises e tensões da vida; 2) ‘negação da
realidade da deficiência’: muitos pais, motivados por forças sociais e
pessoais (estereótipo cultural da criança ideal, expectativa dos pais de
que sua prole desempenhe com sucesso os papéis que a sociedade e
os mesmos lhe atribuem, etc.), reagem negativamente à evidência da
inadequação de seus filhos; 3) ‘autocomiseração’: é possível que
sejam experimentados alguns sentimentos de autocomiseração
exceto no caso em que os pais não são capazes de assumir uma
atitude realista e objetiva diante da incapacidade do filho; 4)
‘sentimento de ambivalência em relação à criança’: as atitudes
familiares, mesmo que predominantemente positivas, têm momentos
de ressentimento e rejeição; 5) ‘projeção’: é uma defesa comum
contra os sentimentos de ansiedade. É o caso em que a ansiedade,
que se refere à culpa pessoal, a sentimentos de ressentimento e

270
A FAMÍLIA E A CRIANÇA SURDA: ALGUMAS REFLEXÕES

hostilidade, pode ser diminuída responsabilizando-se outras pessoas,


ou seja, “[...] os pais se tornam ansiosos em decorrência das
situações que emergem a partir da criança deficiente, amiúde
projetam as causas das deficiências da criança em bodes expiatórios
convenientes” (TELFORD; SAWREY, 1983, p. 184); 6)
‘sentimentos de culpa, vergonha e depressão’: a vergonha, segundo
os autores, refere-se à reação dos outros, é mais direcionada no
sentido das outras pessoas, envolve a expectativa da ridicularização
ou da crítica de outras pessoas. A culpa refere-se a sentimentos
individuais de auto-reprovação ou autocondenação sendo, portanto,
mais auto-dirigida e envolvendo a auto-responsabilização, o remorso
pessoal e um sentimento de diminuição do valor pessoal. A
depressão resulta dos sentimentos de culpa ou auto-
responsabilização acompanhados da ansiedade e auto-conceito
rebaixados, assim, os sentimentos de depressão são experiências
frequentes nas pessoas movidas pela vergonha e pela culpa; 7)
‘padrões de dependência mútua’: pode desenvolver-se uma situação
de dependência circular, quando um dos pais investe grande parcela
material e emocional no cuidado da criança deficiente. A família e a
criança exercem efeitos recíprocos entre si e a modificação em um,
afeta o outro e, vice-versa.
No entanto, estas reações são comuns a qualquer situação de
frustração ou conflito e não especificamente dos pais de crianças
com necessidades especiais. Ocorre que a presença de uma criança
com necessidades especiais na família, constitui uma tensão adicional
e, assim, é possível que as reações defensivas aconteçam com maior
frequência e em maior grau nessas famílias.
É importante não esquecer que o indivíduo com
necessidades especiais é membro de uma família e que esta, por sua
vez, é parte de um contexto social mais abrangente. Assim, os
padrões culturais predominantes na sociedade têm um impacto
sobre esse indivíduo. No entanto, como afirmam Telford e Sawrey
(1983, p. 168), “[...] a família individual é o grande agente mediador
primário através do qual essas unidades sociais mais amplas exercem
sua influência sobre o indivíduo”. Segundo os autores, a família é um
pequeno sistema social que contém subsistemas menores, e o que

271
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

acontece a um membro da família afeta os subsistemas dos quais ele


faz parte e, consequentemente, o que afeta o subsistema acaba
refletindo-se no sistema como um todo. No sentido inverso,
qualquer tensão na família acaba por repercutir sobre os subsistemas
e sobre o indivíduo. Cabe lembrar ainda que, como a maioria dos
grupos sociais, as famílias desenvolvem padrões internos de
alinhamentos e realinhamentos. Assim sendo, como afirmam os
autores, qualquer modificação acentuada no sistema familiar requer
um realinhamento dos indivíduos e uma redefinição de seus papéis,
ou seja, a tomada de decisão visando a reestruturação familiar.
Sinason (1993) refere-se ao fato de que, para os pais, os
filhos serão sempre filhos, independentemente da idade, de modo
que o comportamento superprotetor de alguns pais para com os
filhos pode não ser necessariamente devido às incapacidades
apresentadas. Sinaliza, ainda, a necessidade de se reconhecer que:

[...] enquanto todas as crianças trazem uma mistura de


prazeres e preocupações para seus pais, o genitor de
uma criança portadora de deficiência frequentemente
permanece de plantão, como um genitor ativo por
mais tempo que a maioria (SINASON, 1993, p. 92).

Para Omote (1996) a situação de crise e as dificuldades


originadas pelo nascimento de uma criança deficiente, pelo que isso
significa para a família, independente da natureza da deficiência pode
determinar, muitos dos modos de funcionamento dessas famílias.
É importante ressaltar, segundo Sinason (1993), que os pais
de crianças deficientes precisam planejar com antecedência, além de
tentar fornecer a eles tanta independência quanto for possível. Outro
ponto a ser levantado é que quando os pais pensam já ter se
habituado à diferença de seus filhos, percebem que muitos de seus
amigos estão se tornando avós e isto pode gerar novamente um
senso de perda, sentimento este percebido claramente pelo
indivíduo. Além disso, é difícil para os pais pensarem nas perdas
sentidas por seus filhos adultos.
Uma importante questão a ser abordada, do ponto de vista
do autor, diz respeito ao desenvolvimento sexual, por que, em

272
A FAMÍLIA E A CRIANÇA SURDA: ALGUMAS REFLEXÕES

muitos casos, este é ignorado por pais e profissionais, que procuram


‘esquecer’ que adolescentes e adultos deficientes também têm
desejos sexuais. Para o autor, quando se nega a sexualidade dos
adultos portadores de deficiência, danifica-se seu potencial de
desenvolvimento emocional. Por outro lado, salienta que por trás da
questão da negação esconde-se um enorme medo, o de que os
adultos deficientes tenham filhos.
Omote (1996) aborda a questão da sexualidade do deficiente
destacando que esta ocupa intensamente as famílias. A partir do
momento em que, de diferentes maneiras, o deficiente começa a
expressar sua sexualidade, começam a surgir também inúmeras
preocupações e dificuldades. De acordo com o autor, parece que
muitos dos problemas surgem em função da dificuldade dos pais em
lidarem com a questão da sexualidade, na medida em que esta é um
ponto pouco esclarecido e cheio de ambivalências. Para o autor, a
preocupação dos pais com a sexualidade do deficiente parece
emergir apenas quando ela começa a manifestar-se efetivamente e,
nesse momento, as reações são ambivalentes e a tendência é a de
infantilizar o deficiente, como se desse modo fosse possível negar a
sua sexualidade.
Por fim, independente do tipo de deficiência da criança, o
papel da família consiste em ajudá-la a tornar-se um membro ativo
da sociedade, evitando situações de superproteção e/ou qualquer
outra conduta que impeça as tentativas de autonomia por parte da
criança (YAEGASHI, 2007).

Considerações finais

O presente estudo possibilitou uma melhor compreensão a


respeito das reações da família quando do nascimento de uma
criança surda. Embora seja difícil lidar com a notícia do nascimento
de um filho com necessidades educacionais especiais, aos poucos os
pais elaboram o ‘luto’ pelo filho perfeito que desejavam ter. Após as
reações iniciais de medo, ansiedade, culpa, rejeição, dentre outros
sentimentos, inicia-se o processo de aceitação do problema, mas isso
não acontece com todas as famílias, uma vez que algumas

273
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

permanecem com a dificuldade de aceitar e lidar com o filho


deficiente.
Para Schmid-Giovannini (1980) o primeiro passo a ser dado
pela família que tem uma criança surda é procurar integrá-la como
membro ativo da comunidade familiar. Assim, a criança surda terá
maior facilidade para integrar-se à comunidade das pessoas ouvintes.
Com o apoio da família, o surdo encontrará menor dificuldade em
conviver com as pessoas ouvintes, o que lhe propiciará ser um
elemento ativo desta sociedade.
Por fim, é importante acrescentar que a realização desse
estudo não esgotou o tema em questão, ao contrário, fez emergir
inúmeras inquietações que podem e devem ser investigadas por
outros pesquisadores que se interessam pela Educação e, em
especial, pelo ensino das crianças surdas.

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277
SOBRE OS AUTORES

Aryane dos Santos Nogueira


Aluna do Curso de aprimoramento da FUNDAP no Centro de
Estudos e Pesquisas em Reabilitação da Universidade Estadual de
Campinas, Graduada em Fonoaudiologia pela Universidade Estadual
de Campinas

Carolina Rizzotto Schirmer


Professora da Universidade Cândido Mendes. Mestre em Medicina e
Ciências da Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (2004). Doutora pela Faculdade de Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

Catia Crivelenti de Figueiredo Walter


Graduação em Fonoaudiologia - USC-Bauru (1985), possui
mestrado e doutorado em Educação Especial (Educação do
Indivíduo Especial) pela UFSCar-PPGEEs (2000 e 2006). Pós
doutorado em Comunicação Alternativa (PROPED-UERJ). É
professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro - UERJ.

Celma Rodrigueiro Borges


Professora Assistente do Departamento de Teoria e Prática da
Educação da Universidade Estadual de Maringá. Possui mestrado e
doutorado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da
Universidade Estadual de Maringá.

Cristina Cerezuela
Professora da Educação Básica do Estado do Paraná na modalidade
Educação Especial atuando em Sala de Recurso Multifuncional e
docente em cursos de pós-graduação lato sensu na área da Educação
(UEM e Instituto Paranaense de Ensino). Mestre e Doutora em
Educação pela Universidade Estadual de Maringá.
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Dorcely Isabel Bellanda Garcia


É professora do Departamento de Educação, na Universidade
Estadual do Paraná (UNESPAR), Campus de Paranavaí. Possui
graduação em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá.
Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Estadual de Maringá.

Edilson Roberto Pacheco (in memoriam)


Era professor Adjunto do Departamento de Matemática da
Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO,
Guarapuava- PR. Doutor em Educação Matemática pela
Universidade Júlio Mesquita – UNESP, de Rio Claro.

Elsa Midori Shimazaki


Professora adjunta associada do Departamento de Teoria e Prática
da Educação e da Pós-graduação em Educação da Universidade
Estadual de Maringá. Doutora em Educação pela Universidade de
São Paulo. Pós-Doutora em Letras pela Universidade Estadual de
Maringá.

Esther Lopes
Professora da Educação Básica atuando na área da Educação
Especial - Secretaria de Estado da Educação. Pedagoga, especialista
em Educação Especial. Mestre em Educação pela Universidade
Estadual de Londrina.

Ivani Rodrigues Silva


Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação da
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas, Professora do Curso de Fonoaudiologia da Universidade
Estadual de Campinas, Doutora em Educação Bilíngue pelo
Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de
Campinas.

280
S OBRE OS AUTORES

Josiane Fujisawa Filus


Professora Faculdade de Educação da Universidade Estadual da
Grande Dourados-MS, Doutora em Educação Física pela
Universidade Estadual de Campinas.

Leila Regina d´Oliveira de Paula Nunes


Professora titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Doutora (Ph D) em Special
Education - Vanderbilt University

Márcia Aparecida Marussi Silva


Técnica pedagógica do Núcleo Regional de Educação de Maringá –
Secretaria de Estado de Educação do Paraná, setor de Educação
Especial e Inclusão Educacional, docente em cursos de pós-
graduação lato sensu na área de Educação Especial (UEM e Instituto
Paranaense de Ensino). Doutora em Educação pela Universidade
Estadual de Maringá.

Maria Cristina Marquezine


Pedagoga, Psicóloga, Mestre em Psicologia Escolar, doutora em
Educação e docente do Departamento de Educação e do Programa
de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina.

Miguel Cláudio Moriel Chacon


Professor doutor do Departamento de Educação Especial e docente
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Filosofia e Ciências da Unesp, Campus de Marília.

Nerli Nonato Ribeiro Mori


Professora titular do Departamento de Teoria e Prática da Educação
e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Maringá. Doutora em Educação pela USP. Pós-Doutora
em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos.

281
DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR

Paulo Ferreira de Araújo


Professor titular do Departamento de Atividade Física Adaptada e
diretor da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual
de Campinas.

Renilson José Menegassi


Professor do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias e do
Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual de
Maringá. Doutor em Letras pela UNESP/Assis. Pós-Doutor em
Letras pela UNICAMP.

Rita de Fátima da Silva


Professora dos cursos de Educação Física, Pedagogia e
Administração da Faculdade Adventista de Hortolândia/IASP.
Doutora em Atividade Motora Adaptada pela Faculdade de
Educação Física - UNICAMP.

Solange Franci Raimundo Yaegashi


Professora Associada do Departamento de Teoria e Prática da
Educação da Universidade Estadual de Maringá. Doutora em
Educação pela Universidade Estadual de Campinas.

Sonia Maria Toyoshima Lima


Doutora em Atividade Física Adaptação e Saúde (Universidade
Estadual de Campinas - UNICAMP), professora do Departamento
de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá.

Tereza Ribeiro de Freitas Rossi


Professora doutora do curso de Fonoaudiologia do Centro de
Estudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel Porto da
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas – Unicamp.

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S OBRE OS AUTORES

Thaís Melo Seksenian


Fonoaudióloga, com aprimoramento em Fonoaudiologia na área de
surdez pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual
de Campinas – Unicamp.

Zilda Maria Gesueli


Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação da
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas, Professora do Curso de Fonoaudiologia da Universidade
Estadual de Campinas. Doutora em Educação pela Universidade
Estadual de Campinas.

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