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DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO

Uma relação possível na gestão da


educação básica pública?
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

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Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado, Prof.
Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo, Profa. Dra.
Regina Lúcia Mesti, Prof. Dr. Reginaldo Benedito
Dias.
Elma Júlia Gonçalves de Carvalho

DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO
Uma relação possível na gestão da
educação básica pública?

Eduem
Maringá
2020
Copyright © 2020 para a Autora.

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Capa: HUMA Multimidia.
Imagem da Capa: HUMA Multimidia.
Ficha catalográfica: Cicilia Conceição de Maria (CRB 9-1066)
Fonte: Dutch766 BT
Tiragem - versão impressa: 500 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)

Carvalho, Elma Júlia Gonçalves de


C331d Democratização e privatização: uma relação
possível na gestão da educação básica pública? /
Elma Júlia Gonçalves de Carvalho; prefácio Valdemar
Sguissardi. – Maringá : Eduem, 2020.
8670KB.

ISBN 978-65-86383-07-2 (IMPRESSO)


ISBN 978-65-86383-13-3 (E-BOOK)
DOI: 10.4025/9786586383133

1. Educação Básica. 2. Democratização -


Neoliberalismo. 3. Política e democratização I.
Título.

CDD 23.ed. 379.81

Cicilia Conceição de Maria (CRB 9-1066)

Editora filiada à

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá


Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá-Paraná - Fone: (44) 3011-4103
www.eduem.uem.br - eduem@uem.br
Para Lizia Nagel e Valdemar Sguissardi,
em agradecimento pelos vários anos de diálogo.
Sumário

Prefácio
Democratização-privatização como relação central da política de gestão da educação básica
pública.......................................................................................................................................................9

Apresentação ..........................................................................................................................................13

Introdução ..............................................................................................................................................15

Capítulo 1
A teoria liberal democrática..................................................................................................................29

Capítulo 2
A social-democracia ..............................................................................................................................45

Capítulo 3
A democracia e o neoliberalismo .........................................................................................................57

Capítulo 4
Políticas de democratização da gestão da educação básica pública brasileira.............................113

Capítulo 5
A relação entre os princípios de democratização e de privatização na gestão da educação básica
pública brasileira .................................................................................................................................137

Considerações finais ...........................................................................................................................181

Referências...........................................................................................................................................189
Prefácio
Democratização-privatização como relação central da
política de gestão da educação básica pública

A política de privatização educacional (ou de qualquer outra forma) é a


obtenção de lucros, que por sua vez se baseia na capitalização de
instituições e serviços educacionais; educação tornando-se capital. Trata-
se do desenvolvimento capitalista na educação (Rikowski, 2017, p. 401, grifo
do autor).

A leitura em primeira mão desta obra permite de imediato afirmar que estamos diante de
um estudo muito bem estruturado, consistente e necessário para a compreensão dos desafios
que se põem para a política de gestão da educação em geral e, em especial, da educação básica.
Dentre tais desafios, destaca-se aqui, como alvo privilegiado das análises, constatações e
reflexões da autora, o da relação entre democratização e privatização da educação básica no
contexto de vigência de um neoliberalismo exacerbado e de novas formas de sociabilidade do
capital em que o Estado, como o mercado, assume novas estruturas e novos papéis funcionais a
essas mudanças no modo hegemônico de acumulação.
Partindo do pressuposto de que o real concreto – no caso, a realidade da educação básica
no Brasil – não se explica por si, mas é produto cumulativo e progressivo de múltiplas
determinações ou fatores imediatos e mediatos de variada natureza, a autora procede a uma
sistemática análise dos eventos econômicos, políticos, jurídicos, entre outros que perpassam a
história do desenvolvimento capitalista nos séculos XX e XXI, principalmente a partir dos anos
1990 aos nossos dias, e que condicionariam e/ou determinariam a atual realidade educacional.
Nesta obra, têm lugar de destaque, além, naturalmente, da economia e de suas mudanças
em curso, os conceitos de Estado, de democracia, de público e de privado, estes dois últimos
como partes constitutivas daquele, onde ocupam, ora um, ora outro, lugar proeminente de
acordo com a menor ou maior democratização estatal e social em termos reais. Disso decorre o
caráter central da conceituação de Estado, que não é apenas uma instituição determinada pelo
modo de produção material da realidade, mas também, uma vez constituída no liberalismo
burguês, uma determinante dos rumos da economia, normatizando-a e regulando-a, de acordo
com sua prevalência no comando dos interesses públicos ou privados, caracterizados estes
mormente como privado-mercantis.
Para essa concepção de Estado – tão pertinente para a consistência do estudo – foi muito
oportuno o recurso aos escritos, já clássicos, do pensador greco-francês Poulantzas, que
identifica essa instituição liberal-burguesa como “[...] um palco de luta onde se confrontam as
classes na defesa de seus interesses distintos [...]”, não se tratando de mero “[...] reflexo do
econômico [...]”, “[...] mas [de] uma unidade conflitual entre as classes e frações de classes”
(Carvalho, 2020, p. 54). Trata-se de ver, então, o Estado “[...] como uma relação, como um lugar
de condensação material das relações de forças entre classes e frações de classe, constituído e
atravessado, em todas as partes, pelas contradições sociais”. Esta concepção permitiria “[...]
compreender as funções diferenciadas e contraditórias que ele [Estado] desempenha, ainda que
sob a hegemonia e a direção de uma fração de classe hegemônica” (Carvalho, 2020, p. 54).
Os recentes acontecimentos no contexto econômico-político e no âmbito dos três
poderes do Estado no Brasil mostram a pertinência dessa conceituação e como, em especial, as
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

medidas legislativas, que reduzem drasticamente os direitos dos trabalhadores e as ações sociais
do Estado, revelam as mudanças que a mundialização do capital e o recrudescer do ideário e
práticas neoliberais estão impondo à atuação desse Estado, ao tempo em que o transformam em
agente privilegiado do mercado. Ao Estado cabe apenas estabelecer as regras do jogo da
concorrência ‘perfeita’ – a ‘nova razão do mundo’(Dardot; Laval, 2016), de acordo com os
interesses privado-mercantis dominantes, nacionais e internacionais, e exercer a devida
regulação da obediência a essas regras pelos agentes do mercado e demais instituições sociais,
inclusive as educacionais. Contudo, como ressalta a autora, com base em Corsi (2000), seja por
essa regulação dos mercados e por sua parceria com grandes empresas, seja por sua sustentação
do mercado financeiro [do qual o Estado depende; vide os montantes da dívida pública que
atingem cerca de ¾ do PIB] e por sua potencial intervenção nas chamadas políticas anticíclicas,
sua atuação continua sendo de grande importância (Carvalho, 2020). Dir-se-ia que o Estado
continua ainda mais imprescindível para o funcionamento da economia, do mercado e, em
especial, para a acumulação do capital por parte dos grandes banqueiros e empresários que
fazem do ‘assalto’ ao fundo público, arrecadado pelo Estado, via impostos, contribuições e taxas,
uma de suas mais cuidadas e eficazes estratégias para os objetivos do lucro.
Outro conceito exemplarmente bem examinado neste estudo é o de democracia ao longo
da trajetória do pensamento liberal-burguês no “[...] processo histórico do desenvolvimento e
crise do capitalismo, bem como das concepções de Estado dele derivadas” (Carvalho, 2020, p.
137). Nesse processo, foi possível identificar alguns princípios e direitos – tais como
democracia, liberdade individual, propriedade e igualdade –, os quais foram “[...] criados pela
necessidade de os homens organizarem o novo modo de produzir a vida, no interior do qual a
produção generalizada de mercadoria ocupa o centro da vida econômica” (Netto; Braz, 2011, p.
85), e se tornaram fundamentais para o seu desenvolvimento (Carvalho, 2019, p. 137).
Entretanto, com o passar do tempo e a evolução da sociedade capitalista, com seus alvos centrais
– a mercadoria e o valor – ocupando o centro da vida econômica, com ou sem laissez-faire, esses
princípios e direitos logo se revelaram contraditórios, pondo em causa o próprio conceito de
democracia. Esta, “[...] que garantiria direitos a todos no nível político e jurídico, [...] encontra
limites para essa garantia, pois se baseia no individualismo no nível das relações
socioeconômicas” (Carvalho, 2020, p. 137).

No mundo atual, altamente competitivo e excludente, esta contradição se


aprofunda. As discussões e as práticas ditas democráticas e autônomas
trazem as marcas das contradições inerentes à sociedade, pois esta tanto faz
a apologia da democracia, da participação, da responsabilidade pessoal, da
cooperação e da solidariedade e encaminha novas formas coletivas de
sobrevivência quanto impulsiona os sujeitos a lutar individualmente e a
competir entre si para garantir suas vidas, fazendo prevalecer a lógica do
privado (Carvalho, 2020, p. 137).

A prevalência das dimensões do privado e, mais especificamente, dos interesses privado-


mercantis no nível do Estado acaba por aprofundar essas contradições, que contaminam as
políticas públicas em todos os campos da atuação estatal, incluindo, de modo cada vez mais
evidente, as relacionadas ao campo educacional. Cada dia mais, seja pela mudança nas funções
do Estado no âmbito da economia/mercado, seja pela força de uma legislação que congela os
recursos para a educação por 20 anos, seja ainda pela mudança na legislação atinente ao ‘Pré-
sal’, cujos recursos garantiriam a formação de fundo financeiro essencial para o atingimento da
meta de 10% do PIB para a educação até o ano 2024 (V. PNE 2014-2024), a educação, como dito
na epígrafe deste prefácio, ‘torna-se capital’, ao mesmo tempo em que irá prevalecer a política
de privatização educacional como uma forma de obtenção de lucros, “[...] que por sua vez se

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DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

baseia na capitalização de instituições e serviços educacionais” (Rikowski, 2017, p. 401, grifo


do autor). Então, poder-se-á verificar mais uma forma de desenvolvimento do capitalismo, agora
no campo educacional (Rikowski, 2017).
Nesta obra, faz-se uma competente demonstração de como as reformas ou mudanças no
sistema educacional no Brasil “[...] estão profundamente relacionadas ao processo de reforma
estrutural do Estado promovida a partir do Governo FHC (1995-2002) [...]” até Michel Temer
(2016-2018), relação que sequer arrefeceu durante os Governos Lula da Silva (2003-2010) e
Dilma Rousseff (2011-2015). Segundo a autora, os princípios e as orientações que nortearam as
mudanças na administração pública ao longo dos últimos 30 anos, tendo como diretriz destacada
o gerencialismo, possibilitam entender-se melhor o “[...] sentido da ênfase dada à
descentralização administrativa e à autonomia da gestão da educação [...]”, assim como
diagnosticarem-se “[...] as estratégias para integrar os princípios democratizadores e os
privatizadores no atual modelo de gestão das instituições públicas” (Carvalho, 2020, p. 136).
Pode-se, igualmente, ter uma esclarecedora exposição a respeito do sentido da
privatização que hoje se está praticando no âmbito do Estado e do campo educacional, como
parte do Estado. O atual modo de privatização, por exemplo,

[...] não se restringe à cessão de ativos públicos a proprietários privados, mas


também se refere à tendência de o Estado deixar de fornecer um serviço,
completa ou parcialmente; de introduzir a concorrência na estrutura e nos
mecanismos administrativos de produção dos serviços; de submeter bens e
serviços às regras do mercado; de incitar o recurso a fundos privados; de
encorajar a concorrência entre o setor privado e o público ou no interior do
setor público; de promover sociedades de economia mista, parcerias,
etc.(Carvalho, 2020, p. 138).

Muitos outros aspectos da política e da gestão educacionais mereceram lugar de destaque


nas páginas deste livro, permitindo sua melhor compreensão. Dentre eles, podem-se citar: a) as
atividades governativas, de que resultam, e a que se devem as denominadas crises de
governabilidade ou como se explicam; b) a relação de interdependência Estado-mercado, na
vigência de estágios avançados do neoliberalismo, em que instâncias estatais são submetidas à
estrita lógica mercantil e em que se fazem presentes conflitos e contradições, tanto econômicos
como políticos no desenrolar dessa relação; c) a valorização comercial dos serviços educacionais
transformados de direito em negócio no mercado das trocas, em que a educação transmuta-se
em mercadoria, bem de produção e de consumo; d) a concorrência, como razão fundamental da
existência da educação, assim como de qualquer outro setor ou atividade humana, que também
irá fazer recrudescer a produção e a oferta de produtos ditos educacionais para além de livros e
produtos didáticos e paradidáticos, Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (Brasil, 1993a) tais
como softwares, vídeos, canais de TV ou rádio; e) a obsolescência dos direitos sociais no campo
da educação e sua transferência para o mercado que se encarrega de satisfazê-los, agora como
necessidades ou frágeis direitos individuais, não mais universais; f) o fim da responsabilidade
estatal pública pela educação, que, vista e tratada como bem privado, será objeto de
concorrência, oferta e livre escolha; g) a apropriação do fundo público do Estado, em todas as
suas instâncias – federal, estadual e municipal – pelos empresários do setor privado/mercantil da
educação, os quais se substituem ao Estado na oferta e na comercialização desse serviço, antes
direito social universal; e h) a descentralização, a autonomia, a flexibilidade gerencial e a
participação, ressemantizados como conceitos para se tornar funcionais às necessidades do
capital no setor educacional da economia.
Como se disse, aí estão apenas alguns dos múltiplos aspectos da política e da gestão da
educação abordados neste estudo, cujo intento, como afirma a autora, foi “[...] alargar, o ângulo

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DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

de análise no entorno da problematização das políticas relacionadas à democratização da gestão


da educação” (Carvalho, 2020, p. 178).
Após concluída a leitura desta obra, impõe-se afirmar que o intento foi muito bem
sucedido, isto é, que, para o leitor atento, a compreensão de como se produzem a política e a
gestão da educação em tempos neoliberais deverá atingir novos patamares. Como todo adequado
diagnóstico da realidade, o estudo sugere formas e caminhos de luta para a preservação do
caráter público e democrático da educação como um dos direitos fundamentais, não do ser
humano individualizado, mas do ser humano como parte indissociável do ser universal, da
humanidade.
Para concluir este breve prefácio, é oportuna a transcrição do que a autora escreve, após
afirmar, apoiando-se em Peroni e Sheibe (2017), que a disputa atual na sociedade e no campo
educacional “[...] não está apenas entre duas concepções de democracia, mas entre dois projetos
societários [...]” (Carvalho, 2020, p. 183),

Enfatizamos ainda, que, mais do que um processo de desqualificação do


discurso e de práticas neoliberais, o principal desafio que se impõe
atualmente aos intelectuais e educadores é o de aprofundar a compreensão
teórica deste fenômeno (Carvalho, 2020, p. 185).

A contribuição deste livro para o enfrentamento desse desafio é inegável e certamente


isto lhe será reconhecido ao longo do tempo, dado que obras deste valor ainda são bastante raras
em nosso meio.

Piracicaba,
Valdemar Sguissardi
Prof. Dr. Titular (aposentado) da UFSCar

12
Apresentação

Neste livro, apresentamos os resultados das pesquisas ‘Políticas Públicas e Gestão da


Educação no Brasil – Fase II’ e ‘Redefinição das relações entre o público e o privado:
implicações para a privatização da gestão da educação básica pública brasileira’. Ambas têm por
objeto os encaminhamentos dados às políticas públicas a partir dos anos de 1990, quando, em
meio às novas relações entre Estado e sociedade, surge tendência de delegar responsabilidade
com a manutenção e o desenvolvimento das atividades desenvolvidas na escola pública para o
poder local, envolvendo a participação da comunidade na gestão da escola e recorrendo para a
parceria com a iniciativa privada, isto é, com empresas, ONGs ou cidadãos pela via do trabalho
voluntário.
A investigação faz parte de um projeto maior e de longo prazo desenvolvido pelo Grupo
de Pesquisa ‘Políticas Públicas e Gestão Educacional’, cadastrado no Diretório de Grupos de
Pesquisa do CNPq, contemplando temas relacionados às políticas públicas e à gestão da
educação no Brasil. Procurando dar continuidade às pesquisas desse grupo, pretendemos
contribuir para o aprofundamento teórico na compreensão dos ‘novos rumos da educação’ e dos
fundamentos que sustentam a formulação e a operacionalização das políticas educacionais,
especialmente no que se refere à gestão da educação em seu caráter democrático. Com base em
fontes bibliográficas e documentais, abordamos as principais mudanças políticas e
administrativas ocorridas no campo da educação básica pública brasileira a partir dos anos 1990,
as quais se traduziram na nova legislação da educação, especialmente nas Leis nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996 (Brasil, 2017a), e nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (Brasil, 2014a), bem
como em planos e projetos governamentais da União.
Especificamente, o livro corresponde ao objetivo de dar visibilidade às nossas
investigações, nas quais temos priorizado a análise do novo papel do Estado e da redefinição de
suas relações com o setor privado e com a sociedade civil no novo contexto de crise estrutural do
capitalismo. Nesse processo de reorientação, o Estado tem recuado em sua atuação como
prestador direto dos serviços públicos, o que de certo modo abala as antigas referências,
oportunizando novos questionamentos, particularmente a respeito das fronteiras entre o público
e o privado e do abandono de funções tradicionais do Estado na formulação de políticas e na
gestão da educação básica pública.
O livro decorre do projeto apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Maringá que, tendo recebido financiamento, por meio do Edital nº
144/2017-PPE, oportunizou a divulgação dos resultados de nossas pesquisas.
Introdução

Os temas descentralização administrativa e gestão democrática da educação pública1


ocupam um papel de destaque nas reformas educativas de diferentes países. Como
pesquisadora e docente na linha de pesquisa de ‘Políticas e Gestão em Educação’, observamos a
produção de uma vasta bibliografia sobre o assunto a partir dos anos de 1990. Nesse momento,
surge um debate que revela que a tendência atual das reformas educacionais e seus
desdobramentos é a aproximação com os novos padrões de gestão implementados no final da
década de 1980 e início da de 1990 em decorrência do rápido desenvolvimento tecnológico e da
nova ordem globalizada, bem como do novo papel assumido pelo Estado, cuja atuação se
caracteriza pela adoção de políticas neoliberais.
No cenário mundial contemporâneo, a educação é vista como elemento central na
construção do novo modelo econômico e do novo padrão de competitividade entre os países,
devendo os sistemas educativos, particularmente o da educação básica, atender às novas
exigências de qualificação da força de trabalho. Entre as alternativas para tornar a escola
eficiente, proliferam as críticas à centralização administrativa, pedagógica e financeira e ganham
cada vez mais força as propostas de descentralização, conforme a tendência mundial2 de
redefinição da política educacional e de reordenamento da gestão educacional no sentido de
fortalecer a autonomia das unidades escolares. A esse respeito, João Barroso (2000, p. 11),
professor da Universidade de Lisboa, afirma:

A administração escolar atravessa hoje, em muitos países, uma fase de


profunda transformação. Essa transformação traduz-se em diferentes
medidas, que têm por objetivo: alargar e redefinir o conceito de escola,
reconhecer e reforçar sua autonomia; promover a associação entre escolas e
sua integração em territórios educativos mais vastos, adaptar modalidades de
gestão específicas à diversidade de situações existentes.

Da Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien, na Tailândia, em


março de 1990, convocada simultaneamente por quatro agências internacionais: Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) e Banco Mundial (BM), resultaram posições consensuais que se tornaram bases dos

1
Cabe esclarecer que os termos gestão da educação e gestão escolar, embora se articulem, possuem conotações
distintas: “[...] O sentido do primeiro termo é mais amplo, abrange os sistemas educacionais, a esfera macro, ou
seja, o espaço das ações dos governos em suas diferentes esferas (federal, municipal, estadual). O do segundo
restringe-se à esfera micro, às incumbências dos estabelecimentos de ensino e, de modo específico, às tarefas
cotidianas da escola [...]” (Carvalho, 2016b, p. 90, grifo do autor), dentre as quais: avaliação do aluno, elaboração do
projeto político-pedagógico, organização do calendário escolar, acompanhamento das atividades de ensino-
aprendizagem, envolvimento com a comunidade, aplicação financeira dos recursos. As atividades próprias da gestão
educacional são detalhadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996, cujos Art. 9°, 10 e 11 (BRASIL, 2019) descrevem as competências e as atribuições dos diferentes entes
federados na oferta da educação. “[...] O que se depreende da lei é que, embora compartilhem responsabilidades,
cada um dos entes federados têm atribuições próprias no que diz respeito à oferta da educação. Assim, do ponto de
vista da definição da gestão educacional, cabe à União a coordenação (planejamento, acompanhamento e avaliação)
e a articulação dos níveis e sistemas; aos demais entes federados cabe organizar e manter seus respectivos sistemas
em consonância com as políticas e planos nacionais” (Carvalho, 2016b, p. 92).
2
Nas últimas décadas, vários países do mundo, como Austrália, França, Inglaterra, EUA, Nova Zelândia, Portugal,
Espanha, Argentina, Chile, Venezuela, México, Peru, Brasil, dentre outros, têm implementado mudanças nas
políticas educacionais, concentrando-as, principalmente, na descentralização educativa e na autogestão
institucional.
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Planos Decenais de Educação3 concebidos e elaborados pelo governo federal e pelos estados
como instrumentos de recuperação da educação básica.
Dentre os compromissos assumidos pelos líderes dos países em desenvolvimento de
maior população no mundo e registrados na Declaração Mundial de Educação para Todos,
destacam-se aqueles que se referem à democratização da gestão: promover o desenvolvimento
de um novo padrão de gestão educacional, com base na autonomia administrativa, financeira e
pedagógica das escolas públicas, e fortalecer a gestão democrática mediante maior participação
dos pais e da comunidade nos assuntos escolares, por meio de Associações de Pais e Mestres
(APMs) e de Conselhos Escolares.
Com a Conferência Mundial de Educação para Todos (Unesco, 1990), a educação
pública ganhou novos rumos. No Brasil, em particular, um dos eixos articuladores das políticas
educacionais encaminhadas pelo Estado foi apromoção do princípio da gestão democrática na
educação pública. Emergiram normas, projetos e discursos, oficiais ou não, cuja ênfase é a
participação da comunidade, por meio de grêmios estudantis e conselhos nas instituições
escolares. A participação da família passou a ser vista como estratégia para a melhoria da
qualidade do ensino (Banco Mundial, 1995).
A Lei de Diretrizes e Bases - Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 2019a)4
representou um passo decisivo nas mudanças referentes à gestão escolar: as propostas de
descentralização e de participação da comunidade na vida da escola passaram a ecoar
profundamente no setor educacional. Ao consagrar princípios como liberdade, autonomia,
flexibilidade, participação e democracia, a LDB imprimiu profundas mudanças no sistema
educacional brasileiro (Carvalho, 2012a). Essa proposta implicou mudanças não só no conceito
de gestão escolar, que passou a se basear na descentralização administrativa e financeira, mas
também nas questões pedagógicas. Democraticamente, cada escola poderá construir seu
próprio projeto político-pedagógico, organizar currículos e calendários, escolher seus dirigentes
e implantar o Conselho Escolar, sistematizar o regimento escolar, dentre outros,
institucionalizando a participação da comunidade em sua gestão administrativa.
Na Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (Brasil, 2014a), que aprova o Plano Nacional de
Educação - PNE (2014-2024), a “[...] promoção do princípio da gestão democrática da educação
pública [...]” consta como uma das diretrizes da educação brasileira. Na Meta 19, por exemplo,
consta: “[...] assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão
democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta
pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio
técnico da União para tanto” (Brasil, 2014a, p. 38). Uma das estratégias para a consecução
dessa meta é “[...] estimular a participação e a consulta de profissionais da educação, alunos (as)
e seus familiares na formulação dos projetos político-pedagógicos, currículos escolares, planos
de gestão escolar e regimentos escolares, assegurando a participação dos pais na avaliação de
docentes e gestores escolares” (Brasil, 2014a, p. 28).
A preocupação com essas questões justifica a escolha temática na pesquisa que deu
origem a este livro. Seu objetivo foi aprofundar a discussão e adquirir domínio sobre a questão
que se tornou central nos encaminhamentos políticos e no debate educacional a partir dos anos
de 1990.

3
“O Plano Decenal é um conjunto de diretrizes de política em processo contínuo de atualização e negociação, cujo
horizonte deverá coincidir com a reconstrução do sistema nacional de educação básica [...] essas diretrizes de
política servirão de referência e fundamentarão os processos de detalhamento e operacionalização dos
correspondentes planos estaduais e municipais. As metas globais que ele apresenta serão detalhadas pelos estados,
pelos municípios e pelas escolas, elegendo-se, em cada instância, as estratégias específicas mais adequadas a cada
contexto e à consecução dos objetivos globais do Plano” (Brasil, 1993b, p. 15).
4
O Artigo 3°, Inciso VIII, e os Artigos 12, 13, 14 e 15 prescrevem medidas relativas à gestão democrática e à
autonomia da escola.
16
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Da vasta bibliografia produzida sobre democracia nas reformas educacionais, elegemos


para análise uma amostragem composta pela produção dos principais autores que se dedicaram
a fornecer um panorama das nuances que permeiam o debate sobre as políticas educacionais e
sobre o tema especificamente, bem como as conotações conceituais que ele recebeu ao longo da
história.
Do conjunto dos argumentos que adensam teoricamente a leitura dos princípios
democratizadores e privatizadores e da relação entre eles, destacam-se os de alguns
pesquisadores, como Weber (1992); Mello (1991; 1992; 2002); Xavier (1992); Neves (1995);
Bussman (1995); Cardoso (1995); Hora (1997); Mousquer, Pereira e Huber (1998); Souza
(1998); Martins (2000); Bastos (2001); Dourado (2002); Lück (2009; 2011), que relacionam a
democracia a: descentralização administrativa; melhoria da qualidade do ensino segundo os
novos paradigmas produtivos; resgate do espaço público da escola por meio da participação de
todos os que nela atuam, direta e indiretamente, especialmente nos conselhos, colegiados e
outros, favorecendo a experiência coletiva e afastando o perigo das soluções centralizadas e
desprovidas de compromissos com os reais interesses da comunidade; aproximação entre escola
e comunidade; construção da identidade da escola; envolvimento da comunidade escolar nos
resultados do ensino; construção de um referencial estável, garantindo a continuidade de uma
política educacional ao longo de sucessivos governos e transparência no processo decisório.
No entanto, em termos de seu significado, o princípio da gestão democrática da educação
pública não está isento de ambiguidades. Alguns pesquisadores, como Frigotto (1995), Paiva e
Warde (1993), Gonçalves (1994), Torres (1995), Oliveira (1996), Jacobi (1996), Silva Jr. e
Sguissardi (2000), Afonso (2002a), Lima (2002a), Neves (2002), Shiroma, Moraes e Evangelista
(2004), Zanardini (2006), Peroni (2003; 2008; 2010; 2011; 2012; 2013; 2015), Krawczyk (2008),
Adrião (2008; 2015; 2017), Robertson (2012), Barroso (2013), Ball (2014), Shiroma e Santos
(2014), Shiroma e Evangelista (2014), Sguissardi (2008; 2014; 2015), analisando as políticas
educacionais5 a partir dos anos de 1990, apontam para um processo de privatização da educação,
no qual o Estado transfere responsabilidades para a sociedade civil. Apesar de vários deles se
demonstrarem favoráveis ao princípio da descentralização administrativa e da autonomia da
gestão escolar, temem suas consequências nas atuais circunstâncias. O principal receio é de que
a descentralização administrativa para os governos locais e a autonomia da gestão, reforçando a
responsabilidade das unidades escolares, em vez de significar uma democratização do poder do
Estado ou da gestão da escola, resultem no abandono da escola pública por parte do Estado. O
receio é de que isso seja apenas uma forma de transferir para a comunidade escolar, para os
conselhos escolares e APMs a responsabilidade pela resolução de seus problemas, mesmo que a
população já contribua, com pesados impostos, para a manutenção do ensino público.
A revisão bibliográfica de tais obras, cujos autores expressam diferentes pontos de vista,
tem por objetivo não apenas destacar essas diferenças, mas também chamar a atenção para
abordagens comuns a todos eles e também para perguntas suscitadas no debate mas que, não
sendo contempladas por tais autores, precisam ser examinadas. Por exemplo, considera-se
necessário refletir um pouco mais sobre o que é democracia nos dias de hoje e responder por
que esse assunto se faz tão presente. Qual é o verdadeiro sentido da proposta de democratização
nos atuais encaminhamentos das políticas educacionais?
O problema central do estudo é: seriam democratização e privatização dois lados de uma
mesma moeda, ou seja, dois polos aparentemente incompatíveis, mas solidamente
complementares, cuja associação impregna a formulação da política educacional? Seriam

5
Conforme Shiroma, Moraes e Evangelista (2004, p. 87): “UMA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO é mais
abrangente do que a legislação proposta para organizar a área. Realiza-se também pelo planejamento educacional e
o financiamento de programas governamentais, em suas três esferas, bem como por uma série de ações não-
governamentais que se propagam, com informalidade pelos meios de comunicação [...]”.
17
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

democratização e privatização princípios independentes e/ou unidades de uma mesma prática?


Em outros termos, seriam princípios que se opõem e se excluem mutuamente ou que se
complementam? Os contrários podem estar identificados ou estão em relação?
No texto, analisamos a relação entre esses princípios nos encaminhamentos das políticas
educacionais a partir dos anos de 1990, quando as condições históricas apontam para modelos
mistos ou ‘híbridos’ de gestão pública, nos quais se combina a ação do Estado com a do
mercado, em favorecimento desse último. Ou seja, procuramos visualizar essa relação no
contexto da adoção das políticas de orientação neoliberal.
Pautando-nos no materialismo histórico, partimos do pressuposto de que em todos os
fenômenos históricos e sociais existem aspectos contraditórios que lhes são inerentes e que
determinam seu desencadear e seu processo de desenvolvimento6: “[...] através do conflito
constante das forças contrárias e da sua conversão final mútua ou mutação qualitativa em formas
superiores” (Engels, 1978, p. 219).
Consideramos possível estabelecer a interdependência, a unidade, a identidade ou
conexão recíproca entre os dois termos - privatização e democratização - porque:
a) Cada um dos aspectos contraditórios no processo de desenvolvimento de uma coisa ou
de um fenômeno pressupõe a existência do outro aspecto que é seu contrário, os dois
coexistindo em unidade. Como é pouco provável a existência de fenômenos absolutamente
isolados, estes só se tornam inteligíveis quando se observa sua interação com outros fenômenos,
em uma relação dialética;
b) No jogo das contradições, os elementos em oposição não se excluem em absoluto: as
posições contrárias passam a agir umas sobre as outras, de modo que cada um dos aspectos
contraditórios tende a se transformar em seu contrário em determinadas condições, ou seja, por
um lado, opõem-se e, por outro, ligam-se, interagem, interpenetram-se, dependem um do
outro. Assim, a importância da questão decorre do fato de que os dois aspectos da contradição se
condicionam reciprocamente no encadeamento dos processos e, o que é ainda mais importante,
convertem-se um no outro. Segundo Engels (1976, p. 119), “[...] encontramos processos
antagônicos por natureza, cheio de contradições, contendo a transmutação de um extremo em
seu contrário”. De seu ponto de vista,

[...] certamente, desde que nos limitemos a focalizar as coisas como se


fossem estáticas e inertes, contemplando-as isoladamente, cada uma de per
si, no tempo e no espaço, não descobriremos nestas coisas nenhuma
contradição [...] Mas a coisa é diferente se quisermos focalizar os objetos
dinamicamente, acompanhados em sua mobilidade, vendo-os transformar-
se, viver, e influir uns sobre os outros.

c) Todos os aspectos contraditórios possuem, em determinadas condições, o caráter de


não-identidade: essa é a razão de se chamarem contrários; mas também pode existir uma
identidade, o que faz com que estejam ligados reciprocamente, residindo aí o caráter específico
e o caráter relativo da contradição (Engels, 1976; 1978).
A perspectiva metodológica da análise da política educacional brasileira é a de que os
aspectos históricos, sociais e educacionais, por muito diferentes que possam parecer, por mais
opostos que realmente sejam, mantêm uma conexão entre si. Dessa perspectiva, investigamos o
que permite a associação entre os princípios de democratização e de privatização na sociedade
atual. Procuramos as ligações, as condições, as dependências e, ao mesmo tempo, os efeitos e as
influências que caracterizam tais princípios. Consideramos que esse recurso oferece elementos

6
A história, na concepção dialética, é movida pela oposição entre os contrários. Nesse sentido, o caráter antitético
dos polos positivo e negativo só tem sentido na relação entre eles e não em cada um independentemente do outro,
sendo o progresso resultado da negação daquilo que existe (Engels, 1978).
18
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

importantes para o esclarecimento do caráter simultaneamente privatista e democratizante,


ambíguo e híbrido, das políticas que envolvem a gestão da educação básica pública.
Tal procedimento implica a compreensão das principais contradições da sociedade
capitalista, ou seja, da relação de interdependência e oposição entre duas verdades, duas práticas
distintas. Como, metodologicamente, está posto que a contradição social está na relação
recíproca entre as partes, no embate das forças que se relacionam e se antagonizam, sua
compreensão passa por distinguir os contrários, identificar os recursos usados na luta de um
contra o outro, observar como esses opostos se ligam em uma familiaridade íntima ou em uma
complementaridade estrutural.
Nesses termos, convém lembrar Branco (1989), que afirma que as contradições não se
identificam apenas no antagonismo, mas ocupam também o imenso domínio do não-
antagonismo.

[...] estudo concreto das situações dialéticas parece-me útil reconhecer a


necessidade de abandonar a noção clássica de luta dos contrários. A
expressão ‘luta’, mesmo que posta entre aspas, vicia a imagem do conhecer
real, na medida em que acentua o antagonismo entre os elementos
intervenientes na contradição, quando de facto não está suposta a supressão
de um elemento por outro, em conseqüência de um deles. Intervém aqui a
contradição não antagônica [...] Neste domínio do não-antagônico depara-
se-nos a forma dialéctica da cooperação e colaboração dos contrários. É
essencial compreender que nestes casos a contradição evolui-se – reproduz-
se – sem no entanto se resolver. A contradição não é sempre resolução. Ela
pode reproduzir-se situando-se num plano de funcionalidade onde,
portanto, não está em causa sua resolução, que, em qualquer dos casos, não
revestirá – nos domínios da natureza - a forma de superação por via da
supressão de um dos pólos da contradição (Branco, 1989, p. 227-228, grifo
do autor).

É necessário estudar o que há de específico em cada elemento da contradição,


reconhecer sua essência particular; no entanto, é impossível sem considerar o que existe neles
de universal. Compreender a contradição significa descobrir a relação recíproca entre o
específico e o universal no seio do mesmo fato. Em outras palavras, significa não apenas
compreender as ideias, mas também reconstruir o terreno social da luta; compreender as
formas de vida que estão se opondo, os conflitos de ordem econômica, as relações de trabalho,
de sobrevivência, os distintos princípios e valores que orientam os membros da sociedade e dão
dinamismo à história. Segundo Marx (198-?, p. 30), “[...] é preciso explicar [a] consciência a
partir das contradições da vida material, a partir dos conflitos existentes entre as forças
produtivas sociais e as relações de produção”.
Portanto, para pensar a questão da gestão democrática na educação básica pública de
forma mais ampla e concreta, consideramos fundamental recuperar o movimento da sociedade
atual em suas contradições básicas, focalizar os conflitos que fundamentam a produção das
políticas educacionais. Na perspectiva metodológica adotada, os conflitos não se resumem a
posicionamentos individuais ou de grupos opostos entre si, mas estão intimamente ligados às
relações sociais que os homens estabelecem para produzir a vida. Tais conflitos, que não são
iguais nem no tempo nem no espaço, decorrem das transformações vivenciadas no mundo do
trabalho e da produção.
No estágio atual do capitalismo, a prática industrial da automação objetivou o trabalho
humano na máquina; a modernização do setor produtivo levou a uma maior fragmentação do
trabalho; o avanço tecnológico e científico tem gerado superprodução e desvalorização dos bens;
massas crescentes de capital do setor produtivo têm sido deslocadas para o setor financeiro.

19
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Todos esses aspectos levaram a uma redução de postos de trabalho: o mercado não demanda
um grande contingente de trabalhadores para produzir riqueza, o que caracteriza uma situação
comumente denominada de desemprego estrutural, na qual grande parte dos homens enfrenta a
dificuldade de reprodução da vida na lógica do capital. Essas contradições manifestam-se no
interior do Estado e das demais instituições sociais.
Assim, considerando que os conflitos sociais e as políticas que deles decorrem são
inerentes às transformações vivenciadas no mundo do trabalho e da produção, para verificar a
possível relação de complementariedade entre os princípios democratizadores e privatizadores
na gestão da educação utilizamos um procedimento de dupla aproximação, cujos distintos
objetivos, no entanto, convergem para um mesmo resultado.
De um lado, ponderamos sobre a historicidade do tema nas diferentes etapas do
capitalismo de forma a situar as modificações ocorridas no Estado a partir dos anos de 1990.
Estas são abordadas em sua relação com a nova crise do capitalismo e da política do Estado do
bem-estar social e também com as alterações vivenciadas no mundo do trabalho, merecendo
destaque as novas facetas da relação entre público e privado e o surgimento do setor público
não-estatal. Acompanhar as mudanças na forma do trabalho e caracterizar as políticas
produzidas ou adotadas nas diferentes etapas do capital parece ser um bom caminho para a
compreensão da proposta de gestão democrática para além de sua particularidade e para a
descoberta dos motivos sociais e históricos que a justificam. Essa abordagem do conceito e das
formas históricas do Estado na sociedade capitalista não pode prescindir da contribuição de
autores como Locke (1998); Smith (1996); Rousseau (1997); Marx (1996; 198-?); Engels (1976;
1978; 198-?); Mill (1991; 1996); Weber (1997; 1998); Keynes (1984); Friedman (1988); Hayek
(2010); Poulantzas (1977; 1990); Giddens (2001; 2005); Ianni (1989); Hirsch (1977; 2010);
Harvey (2011), entre outros.
De outro lado, abordamos o tema no presente, o que pressupõe ultrapassar a oposição
entre centralização e descentralização e examinar a correspondência entre sociedade, Estado e
educação como uma relação que não se dá de forma direta, mas é mediada por contradições.
Procuramos sistematizar informações sobre as novas diretrizes educacionais e, ao mesmo
tempo, analisar o processo de redefinição de atuação do Estado em relação à educação pública,
acompanhando as mudanças ocorridas no seio da sociedade capitalista a partir dos anos 1990.
Algumas considerações prévias devem ser feitas no sentido de explicitar a perspectiva de
análise, qual seja, a de que a descrição das políticas governamentais por si só é insuficiente para
compreender suas causas.
Em primeiro lugar, a proposta de democratização da gestão na educação básica pública
não ocorre em um espaço vazio, mas em um contexto histórico característico do capitalismo. As
mudanças na forma da gestão não começam nem terminam na escola, nem são exclusividade do
setor educacional. Fazem parte de um processo de mudança estrutural da sociedade capitalista,
constituem uma readequação da educação às novas formas de produzir, cujo processo implica
não apenas a redefinição do papel do Estado e o abandono de suas funções dirigistas e
centralizadas, como também a redefinição do conceito de público e privado. A democratização
da gestão da educação não pode ser estudada no âmbito restrito da instituição escolar. Pensar a
educação significa compreendê-la como algo mais amplo do que a atividade escolar, significa
ultrapassar os limites da prática pedagógica e analisá-la como um fenômeno social, ou seja,
como algo que vai sendo construído a partir das necessidades materiais surgidas nos distintos
momentos da sociedade humana. Por outras palavras, a dinâmica das relações sociais é a base
das mudanças na estrutura e no funcionamento da escola (Carvalho, 2012a).
Em suma, analisar a proposta de democratização da gestão na educação básica pública
pressupõe investigar os vínculos entre Estado, educação e sociedade capitalista. A
democratização da gestão, associada à descentralização, à autonomia e à participação social, só
pode ser compreendida em todos os seus aspectos se for analisada como um fenômeno próprio
20
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

do atual estágio do capitalismo, ou seja, como uma particularidade deste momento histórico. Em
outras palavras, a questão deve ser inserida no âmbito da materialidade histórica em que é
produzida.
Em segundo lugar, entendemos que as novas ‘concepções hegemônicas’ (Neves, 2005),
que substituem os velhos preceitos educacionais, expressam mudanças sociais. Essa
compreensão é fundamental para se entender os novos movimentos sociais e apreender os novos
rumos da prática educativa e sua significação no interior da sociedade.
Dessa perspectiva, a ênfase nos aspectos legais, estruturais, políticos e administrativos
teria como objetivo fornecer ao futuro profissional da educação subsídios para a compreensão de
que as mudanças vivenciadas pelo sistema organizacional da educação estão relacionadas às
transformações mais amplas da sociedade, ao mundo do trabalho e da produção, bem como às
suas repercussões nos demais aspectos das relações humanas e na consciência dos homens,
especialmente na forma como o Estado interfere na sociedade e nas políticas públicas que ele
elege como prioritárias.
Como a política educacional expressa as relações entre Estado e sociedade, as ações do
Estado devem ser vistas não como uma particularidade, mas como manifestação das relações
sociais. Isto significa que o Estado não deve ser considerado como uma entidade em si e sim
como uma instituição que resulta da e age sobre a materialidade social que o constitui, sendo, ao
mesmo tempo, produto e modelador das relações entre os homens. Ou seja, o papel do Estado
decorre das relações econômicas de produção e reprodução das relações sociais, do
desenvolvimento das forças produtivas e das condições de troca. Nas palavras de Marx (198-?, p.
301):

[...] tanto as relações jurídicas como as formas de Estado não podem ser
compreendidas por si mesmas nem pela chamada evolução geral do espírito,
mas se baseiam [...] nas condições materiais de vida [...] na produção social
da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e
independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a
uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas
materiais. O conjunto destas relações de produção forma a superestrutura
jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de
consciência social. O modo de produção material condiciona o processo da
vida social, política e espiritual em geral [...].

O Estado não paira acima da sociedade ou do bem comum, mas é expressão política da
estrutura de classes inerente à produção. Embora o Estado constitucional se coloque como
representante dos interesses gerais, não está acima dos embates e das disputas sociais, mas,
profundamente envolvido neles, insere-se e define-se pelos próprios conflitos e contradições da
vida material, sendo simultaneamente um fator de coesão e regulação social, intervindo na
constituição das relações de classe. Esse aspecto ressalta das análises de Poulantzas (1986, p.
46-47, grifo do autor): “[...] o Estado está em relação com as contradições próprias dos diversos
níveis de uma formação mas, na medida em que representa o lugar onde se reflete a articulação
desses níveis a ponto de condensação de suas contradições, ele é testemunho da contradição
da sociedade consigo própria”.
As contradições que se manifestam na forma do Estado na sociedade capitalista decorrem
da contradição estrutural e fundante entre a socialização da produção e a apropriação privada do
produto mediante a exploração do trabalho. Nesse processo, a tendência é a constante
acumulação ou concentração de capital, a substituição da força de trabalho humano por
máquinas e equipamentos e a queda na taxa de lucro. A forma política, concretizada no aparelho
do Estado, expressa essa contradição à medida que este desempenha um papel inegável na
preservação da propriedade e no processo de acumulação e de valorização do capital, sendo
21
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

também pressionado a incorporar certas demandas impulsionadas por lutas sociais e políticas
como forma de amenizar os conflitos entre capital e trabalho e preservar as relações sociais.
Caracteriza-se, assim, como Estado democrático e de direito. No caso, as políticas
sociais/educativas7 expressam as relações contraditórias entre Estado e sociedade, conforme
explica Montaño (2008, p. 30-31):

[...] o Estado contraditória e concomitantemente desenvolve uma função


pública (diminui as desigualdades sociais) e uma função privada (garantia do
status quo, da propriedade privada e da acumulação capitalista). Se o Estado
é, com a socialização política, um espaço de luta hegemônica, assim como
também é o instrumento prioritário para o desenvolvimento de processos de
aproximação a certos graus de igualdade e/ou justiça social – podendo
reduzir (mesmo que minimamente) certas desigualdades –, este também
constitui geneticamente instrumento de reprodução da ordem, da defesa da
propriedade privada e da acumulação capitalista (apropriação privada da
riqueza produzida).

Como ‘arena de confrontação’(Poulantzas, 1977; 1990), o Estado

[...] reflete não apenas as vicissitudes das lutas sociais, as tensões nos
acordos e desacordos entre grupos sociais e elites, mas também as
dificuldades e contradições que resultam da tentativa de estabelecer uma
ação coerente e unificada dentro da moldura de um dado projeto cultural,
social e político específico. A política pública, inda que parte de um projeto
de dominação, é ao mesmo tempo uma arena de luta e como caixa de
ressonância para a sociedade civil. Quando a política pública é definida e
implantada, tensões e contradições, acordos e desacordos entre movimentos
sociais, elites, grupos burocráticos, indivíduos e comunidades ocorrem
diariamente (Torres, 2001, p. 42).

Portanto, a forma política deve ser considerada como resultado das contradições sociais.
Estas repercutem na estrutura do próprio Estado capitalista, engendram a realização concreta
de suas ações e dão forma à sua organização. Isto significa que a forma do Estado resulta do
conjunto complexo das relações sociais e não apenas da vontade ou imposição de uma classe em
particular, ou seja, ele é gerado e reproduzido por indivíduos ativos, mas sob condições que
fogem à sua consciência imediata e ao seu controle. O sentido dessa afirmação encontra-se em
Engels (198-?, p. 98):

Os homens fazem sua história, quaisquer que sejam os rumos desta, na


medida em que cada um busca seus fins próprios, com a consciência e a
vontade do que fazem; e a história é, precisamente, o resultado dessas
numerosas vontades projetadas em direções diferentes e de sua múltipla
influência sobre o mundo exterior. Também tem importância, portanto, o
que os inúmeros indivíduos desejem. A vontade move-se sob o impulso da
reflexão ou da paixão [...] Já vimos, porém, por um lado, que as muitas
vontades individuais que atuam na história acarretam quase sempre
resultados muito diferentes – e às vezes, inclusive, opostos – aos objetivos
visados, e, portanto, os fins que os impelem têm uma importância

7
Conforme Morgado (2000, p. 55), “[...] uma política educativa é a tradução operatória de intenções em opções e em
prioridade, é uma realidade tangível que existe ao mesmo tempo nos textos e nos factos. Facto é que a política
educativa surge como resultado de um conjunto de seleções efectuadas num quadro plural de valores que a
sociedade veicula (ideológicas, culturais, econômicas, filosóficas, religiosas), processo este que claramente
denuncia as prioridades sociais que devem ser asseguradas e cristalizadas via sociedade escolar”. Ou seja, a política
educativa se expressa por diplomas legais que captam e expõem as práticas sociais.
22
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

puramente secundária no que diz respeito ao resultado total. Por outro lado,
deve-se indagar que forças propulsoras agem, por seu turno, por trás desses
objetivos e quais são as causas históricas que, na consciência dos homens, se
transformam nesses objetivos.

Essa concepção histórica de que são as contradições que, em última instância, produzem
as mudanças sociais e educativas embasa nossa proposta de análise da democratização da gestão
escolar no momento presente.
Considerar a contradição nessa análise implica pensar o movimento de passagem de uma
forma de acumulação de capital para outra e compreender as formas de vida que estão se
opondo: a passada (indústria da produção de massa sob a regulação taylorista/fordista e política
do bem-estar social) e a presente (reorganização do mesmo sistema produtivo com base na
produção flexível/enxuta, globalização/mundialização do capital, financeirização da economia e
política do Estado-mínimo). Implica colocar em comparação as duas formas de trabalho, os
novos e os velhos comportamentos, hábitos e valores humanos. Relacionando-se a retrospectiva
histórica à análise do presente, é possível entender que aquilo que aparece como inovação,
modernidade, mudança pode ser apenas uma nova roupagem para o que existia antes. Dessa
forma, procuramos aprofundar a compreensão de que os termos democracia, descentralização,
autonomia e participação foram construídos historicamente.
Na análise da democratização da gestão escolar no momento presente, utilizamos
publicações oficiais brasileiras (legislação, planos e projetos governamentais). Os objetivos são
fornecer ao leitor um quadro das propostas e dos argumentos que justificam as atuais políticas
educacionais, verificar os aspectos similares entre elas e apontar os aspectos que confirmam a
tendência mundial das reformas. Além dessas fontes, recorremos a estudos atuais (teses,
dissertações, livros e artigos de revistas especializadas) para analisar tanto as diferentes
tendências do debate quanto os desdobramentos das políticas e das propostas de reforma
educacional.
O marco de referência é o debate ocorrido entre os anos 1970 e 1990. Foi a partir do final
da década de 1970, com a articulação de uma forte crítica ao Estado autoritário, centralizador e
burocrático, que a defesa de uma administração centrada nos princípios de autonomia e gestão
democrática foi se intensificando no interior da sociedade a ponto de se “[...] eleger a temática
da democratização da educação e a da sua gestão como eixo fundamental das ações políticas das
diversas entidades que constituíram o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, durante e
após o Congresso Constituinte” (Rosar, 1999, p. 166). A partir da década de 1990, a ênfase das
reformas educacionais e da reorganização institucional dos sistemas de ensino incidiu sobre a
descentralização do sistema e a democratização da gestão escolar.
Embora o tema da gestão educacional democrática seja objeto de vasta bibliografia e de
amplo debate, não observamos o estabelecimento de relações entre o discurso que conclama a
democratização e a política de privatização da educação básica8. Além disso, em geral, as análises
sobre a democratização restringem-na a aspectos internos e exclusivos do sistema educacional.
A redefinição do padrão de gestão é entendida como um estímulo às inovações e à melhoria da
qualidade do ensino e como uma forma de assegurar seu caráter participativo. Outras análises,

8
Essa necessidade é reforçada pelos dados apresentados pelo Caderno Série Estudos e Pesquisas da ANPAE –
Associação Nacional de Política e Administração da Educação, O estado da arte sobre política e gestão da educação
no Brasil: 1991-1997, publicado em 1999. Ao longo da década de 1990, muitos estudos têm denunciado o processo
de privatização do ensino superior direta ou indireta, isto é, por meio da introdução de mecanismos de
administração e gerenciamento estilo coorporativo-empresarial e da busca de recursos junto ao mercado
(Sguissardi, Silva Jr., Chauí, Catani, e outros). No entanto, muito pouco tem sido discutido a respeito da educação
básica, nível em que o processo tem sido mais sutil e mais velado, afinal de contas o ensino fundamental
obrigatório e gratuito é assegurado na Constituição Federal como direito de todo o cidadão e dever do Estado,
Artigos 205 e 208. Por isso, consideramos a necessidade de mais estudos sobre esse nível de ensino.
23
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

embora mais abrangentes, tratam-na como um fenômeno condicionado apenas à esfera política,
ou seja, à forma mais ou menos autoritária do poder estatal na sociedade (descentralização e
centralização)9.
Justifica-se, assim, que este trabalho esteja direcionado por uma perspectiva histórica e
que investigue a relação de complementaridade/interpenetração dos princípios
democratizadores e privatizadores subjacentes às propostas de descentralização administrativa,
de autonomia da gestão, de parceria e de participação social, as quais, assumidas pela política
educacional brasileira, orientam os fazeres educativos.
Para analisar tal relação nos encaminhamentos políticos da atualidade e, assim, poder
problematizar as concepções de gestão que orientam as políticas educacionais brasileiras,
procuramos contextualizar historicamente a construção da ideia de democracia, de
descentralização, de autonomia, de privatização, de participação. Essa é a fundamentação
conceitual de nossa análise.
A gestão democrática tornou-se lugar comum, tanto nos textos oficiais relativos às
políticas públicas educacionais surgidas a partir da década de 1990 como na literatura produzida
por educadores e não educadores. A democratização da gestão, aparece associada à ideia de
qualidade, participação da comunidade, descentralização, cooperação e escolha de diretores no
espaço escolar. Quase sempre despojada de historicidade e de fundamentação teórica, essa
repetição, meramente descritiva e operacional, induz a uma utilização dos conceitos como se
fossem abstrações que, em qualquer circunstância, poderiam dar maior eficiência às práticas
escolares. Por entender que esses termos são construções teóricas que têm origem na produção
da vida material e, assim, assumem significados distintos de acordo com cada momento
histórico, consideramos que, por meio de uma análise teórica/histórica, poderemos
recontextualizá-los em relação às necessidades e aos desejos da sociedade atual, desvelar seus
novos significados e sentidos e explicar por que, apesar das expressões permanecerem, as
mudanças ocorridas na sociedade lhes atribuem um significado diferente.
O livro está organizado em cinco capítulos, que obedecem às seguintes orientações
gerais.
No capítulo primeiro, ‘A teoria liberal democrática’, retomamos, em grandes linhas, as
principais matrizes teóricas do pensamento liberal produzidas nas diferentes etapas do
capitalismo, principalmente no que diz respeito ao papel atribuído ao Estado e às suas formas de
atuação. Esse retorno ao passado foi indispensável para a compreensão daquilo que aparece
como inovação, mudança, progresso e também para o entendimento dos atuais procedimentos
políticos e administrativos no campo da gestão.
Nesse capítulo, procuramos relacionar as mudanças sociais que marcaram a formação e o
desenvolvimento do capitalismo com os fundamentos teóricos do liberalismo que configuraram
o modelo de Estado liberal, especialmente o binômio Estado/indivíduo, a distinção entre público
e privado, particularmente no domínio econômico, e a não intervenção estatal na esfera social e
no mercado.
No segundo capítulo, ‘A social-democracia’, fazemos uma breve análise das tendências
que emergiram a partir da década de 1930 e discorremos sobre o novo formato assumido pelo
9
Isso pode ser constatado nos resultados da pesquisa, O estado da arte..., na categoria Gestão dos Sistemas
Educacionais: a produção de pesquisas no Brasil. As “[...] reformas democráticas da gestão dos sistemas estaduais
e municipais ocupam papel predominante nestes estudos. Em geral, são análises e avaliações específicas que foram
realizadas em determinados períodos e por determinadas equipes e partidos quando assumiram o poder [...]
Publicações recentes situam a gestão da educação como uma questão que extrapola a questão técnica
demonstrando sua forte dimensão política ao identificar a especificidade da sua função pública e seu papel na
construção da cidadania. Como elementos constitutivos de uma nova prática da Gestão de Sistemas
Educacionais que possui compromisso com a democratização da sociedade, a literatura da área destaca, dentre
outras, a autonomia e a participação. De um lado, a participação conquista e constrói novos espaços, de outro a
autonomia garante e assegura novas formas de conquistas” (Gracindo; Kenski, 1999, p. 180-181, grifo do autor).
24
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Estado liberal em face da profunda crise da produção capitalista. Adquirindo um formato


interventor, ele passou a desempenhar um papel estratégico no planejamento e no
desenvolvimento econômico, bem como na mediação dos conflitos sociais. A partir de 1930 até
1990, ocorreu uma ampliação dos direitos políticos (direito de voto e de organização dos partidos
de massa), sociais (saúde, educação, seguridade social, habitação) e trabalhistas (direito ao
trabalho e à liberdade de trabalho, salário mínimo, fixação da jornada de quarenta horas
semanais, férias anuais acrescidas de um terço do valor do salário, direito à liberdade sindical,
direito de greve). A nova relação entre Estado e sociedade foi responsável pelo chamado modelo
social-democrata que se manteve em alta na Europa ocidental e Estados Unidos até meados da
década de 1970.
No terceiro capítulo, ‘A democracia e o neoliberalismo’, analisamos as profundas
mudanças ocorridas na sociedade capitalista a partir da década de 1990. Levando em
consideração aspectos como globalização da economia, reestruturação produtiva, crescente
incorporação da ciência e da tecnologia ao setor produtivo, flexibilização da produção e
desemprego estrutural, focalizamos as políticas educacionais e, em seu âmbito, as propostas de
autonomia da gestão escolar.
Ainda nesse capítulo, discutimos as modificações ocorridas nos padrões de intervenção
estatal e a emergência de um novo modelo de Estado, denominado de terceira via ou liberal-
social, cujos mecanismos e formas de gestão mais flexíveis e descentralizadas redirecionaram as
políticas públicas e, particularmente, as da educação. Consideramos que as propostas de
reforma do Estado brasileiro, encaminhadas a partir dos anos 1990 com base nas orientações
políticas do neoliberalismo de terceira via10 e do novo modelo de administração - denominada
gerencial, tiveram como referência as propostas da new public management11e reinventing
government12.
Assim, por meio da legislação e dos diversos programas governamentais, foram criados
mecanismos de flexibilização, descentralização, autonomia, ampliação da participação da
sociedade civil e de parceria entre o setor público e o privado (especialmente ONGs e terceiro
setor). Ao mesmo tempo em que o Estado foi abandonando seu papel de executor e prestador de
serviços, embora mantendo o papel de regulador e coordenador (centralizador), promoveu a
progressiva descentralização ou transferência da execução de vários serviços sociais para a
sociedade civil e outras esferas de governos (estados, municípios e instituições). Dentre os que
passaram à condição de ‘serviços públicos não exclusivos do Estado’ (Brasil, 1995a), contam-se
a educação, a saúde, a cultura e a pesquisa científica. Por meio desses procedimentos,
usualmente, a União se desresponsabiliza total ou parcialmente pelo custeio das políticas
empreendidas e, em nome da propalada democratização, abre caminho para a ampliação do
público para além do estatal, redefinindo as fronteiras entre público e privado, bem como para a
desconstrução do Estado do bem-estar intervencionista e para a construção de um novo modelo
denominado social-liberal.

10
A política da ‘terceira via’ edificou-se na década de 1990, em meio aos movimentos dos ‘novos democratas’, nos
Estados Unidos, e no ‘novo trabalhismo’, na Inglaterra, ligados, respectivamente, a Bill Clinton e a Tony Blair.
“Para disseminar esse novo projeto político e construir um consenso internacional em torno dele, foi organizado,
em 1999, um movimento denominado de Cúpula da Governança Progressista destinado a reunir
periodicamente chefes de governo de diversos países” (Carvalho; Garcia, 2016, p. 67, grifo do autor).
11
Desde os anos 1980, o movimento de modernização administrativa tem ocorrido em vários países, como Reino
Unido, Nova Zelândia, Austrália e países escandinavos, os quais importam conceitos e técnicas do setor privado
para o setor público, dando início ao processo de reforma gerencial. Nos anos 1990, essa reforma estendeu-se para
os EUA, Chile, Portugal, Brasil e México.
12
Esta proposta é sistematizada pelos autores norte-americanos David Osborne e Ted Goebler, no livro intitulado
Reinventando o governo (1998). As teses desses autores constituíram um ponto de referência para a administração
Clinton, sendo retomadas no Relatório do Vice-Presidente Al Gore (EUA), Reinventar a administração pública
(1996).
25
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

No quarto capítulo, ‘Política de democratização da gestão da educação básica pública


brasileira’, levando em conta as alterações no papel do Estado e no modelo de gestão pública dos
anos de 1990, destacamos os principais aspectos das reformas educacionais, especialmente no
campo da gestão da educação, e buscamos desvelar o sentido da proposta de democratização.
Com base nas discussões efetuadas nos capítulos anteriores, formulamos a hipótese de
que existe um processo de globalização ou mundialização econômico-financeira com
desdobramentos políticos, culturais e educacionais. São indicativas desse processo a
internacionalização de fóruns de consulta e de decisão política e a influência crescente das
agências internacionais (OCDE, FMI, BID, Banco Mundial e etc.), lideradas pelos ‘países
centrais’, na elaboração das políticas internas dos ‘países de periferia’, por meio de programas
de cooperação (Barroso, 2003b; Ball, 2014). Uma ‘agenda globalmente estruturada’ (Dale, 2004)
“[...] fixa, não apenas as prioridades, mas igualmente as formas como os problemas se colocam e
se equacionam [...]”, desempenhando, assim, um papel decisivo na normalização da política
educativa (Teodoro, 2001a, p. 128).
Esse quarto capítulo foi dividido em duas partes.
Na primeira, concentrando-nos na análise da política educacional adotada a partir dos
anos de 1990 e registrada em decretos, leis, resoluções, pareceres, planos e projetos, fazemos
uma breve incursão histórica pela legislação e pelos debates que a acompanharam desde a
primeira metade do século XIX. Isso se deve à compreensão de que a análise da política
educacional atual implica considerar limites que ultrapassam esse período, já que a discussão
não é recente: reveste-se de novas características em função da nova forma de organização e de
gestão do trabalho. Também procuramos abordar o debate sobre autonomia, descentralização
administrativa e participação social ao longo do tempo, destacando a polêmica entre democracia
e privatização, descentralização/autonomia e centralização, a fim de marcar as diferenças e
compreender com mais propriedade as raízes históricas das discussões e dos encaminhamentos
da atualidade.
Na segunda parte, com base em documentação (legislação, programas, projetos
governamentais), procuramos apreender as tendências das reformas educativas brasileiras a
partir dos anos de 1990 no campo da gestão, tendo como referência a questão da democracia e
da descentralização administrativa.
No quinto capítulo, ‘A relação entre os princípios de democratização e de privatização na
gestão da educação básica pública brasileira’, mantendo a perspectiva de que as políticas
educacionais não podem ser examinadas independentemente das alterações nas bases
produtivas, da reorganização do capital e da modificação dos padrões de intervenção estatal,
analisamos as reformas da educação, visando revelar uma dimensão peculiar e pouco estudada
da reforma educacional em curso. Procuramos demonstrar que as propostas de democracia,
descentralização, autonomia e participação correspondem ao momento em que os processos
produtivos adquirem bases flexíveis que ressignificam os conceitos no sentido privatista e
mercantilista, e o Estado adota um novo modelo de gestão pública que expressa a redefinição de
suas relações com o mercado e com a sociedade.
Essa nova prática, porém, não resulta necessariamente na ampliação da participação da
sociedade no processo de decisão e de controle político e administrativo; o resultado pode ser o
incremento de técnicas de fomento, a divisão de encargos com o campo privado, o incentivo a
novas formas de colaboração e parceria entre o público e o privado ou a transferência de
responsabilidades públicas para terceiros, isto é, para instituições privadas, Organizações
Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).

26
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Assim, a ideia de gestão democrática pode corresponder a uma política de ‘privatização’.


Nesse sentido, o Estado transfere para o terceiro setor ou para o setor público não-estatal13 a
execução e a prestação de serviços sociais, desvinculando-se de muitas funções que antes eram
de sua competência, sem, no entanto, transferir patrimônio (propriedade) e sem abrir mão do
controle sobre eles. Ocorre que esse controle assume formas indiretas e passa a ser
complementado pela participação social direta, num sistema de cogestão (Brasil, 1995a).
De nossa perspectiva, nesse terreno racional e material, é possível desenvolver a hipótese
de que existe uma contraditória unificação dos opostos na composição das políticas públicas
atuais. Ou seja, sobre essas bases, as forças políticas são impelidas a modificar qualitativamente
o conceito de descentralização administrativa, de autonomia da gestão e de participação da
sociedade civil. Assumindo uma nova conotação em relação ao passado, possibilita a
interdependência entre os princípios de democratização e de privatização.
Embora a privatização esteja vinculada ao ajuste ou à contenção do gasto público, vai
muito além desse objetivo, podendo inclusive lhe ser contrária. De acordo com Gentili (2000, p.
2),

[...] a privatização educacional não se tem traduzido necessariamente numa


redução dos recursos estatais destinados ao financiamento dos serviços
escolares, senão numa realocação de verbas que, em alguns casos, têm
inclusive sofrido um significativo aumento (como as políticas de avaliação;
reformas curriculares; a modernização periférica do sistema escolar
mediante a compra de computadores e antenas parabólicas; bem como o
financiamento público de ações assistencialistas e filantrópicas
desenvolvidas por entidades da sociedade civil) [...].

Segundo o autor, a modalidade mais visível de privatização educacional vincula-se à


delegação de responsabilidades públicas para entidades privadas e tem como um dos
mecanismos mais frequentes “[...] o afastamento do governo na prestação de serviços
educacionais, como o decorrente aumento da oferta privada nesse campo”. Contudo, existem
outras formas menos evidentes que passam a invadir espaços que o Estado ocupava ou
hipoteticamente deveria ocupar.

[...] Assim o que está em jogo não é o afastamento da ação estatal senão sua
reconfiguração [...]. Sob a influência dessas políticas, estimula-se uma série
de ações delegatórias à sociedade civil (como a adoção de alunos e de
escolas), consagra-se o discurso oficial acerca das virtudes do Terceiro
Setor, incentivam-se as atividades do voluntariado e promovem-se iniciativas
de filantropia empresarial destinadas a substituir ou a complementar as
responsabilidades que os governos recusam, ou assumem apenas
parcialmente (Gentili, 2000, p. 1-2).

13
A expressão esfera pública não-estatal, de acordo com o PDRE (Brasil, 1995a), tem o sentido de pública por se
dedicar ao público ou ao interesse geral e de não-estatal “[...] porque não fazem parte do aparelho do Estado, seja
porque não utilizam servidores públicos ou porque não coincidem com os agentes políticos tradicionais” (Bresser-
Pereira; Grau, 1999, p. 16). A suposta existência desse espaço intermediário, de natureza ‘semipública’ e/ou
‘semiprivada’ representa, conforme Silva Jr. e Sguissardi (2000, p. 98), uma “[...] redefinição das esferas pública e
privada, que no contexto de um Estado reformado, possibilitou a entrada do capital nesses espaços sociais,
desencadeando sua reorganização conforme a lógica do privado”. Para os autores, “[...] tais dimensões se
movimentam indefinida e ambiguamente para criar a ilusória emergência desses espaços intermediários, quando
de fato, o que ocorre é uma clara redefinição dessas esferas diante da necessidade de expansão estrutural própria
do capital” (Silva Jr.; Sguissardi, 2000, p. 99).
27
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

De acordo com Dale (1994, p. 110-111),

[...] o que está envolvido não é tanto a deslocação directa do público para o
privado, mas um conjunto muito mais complexo de mudanças nos
mecanismos institucionais através dos quais são regulados o que continua a
ser essencialmente sistemas educativos estatais [...] O que está em questão
são novas formas e combinações de financiamento, fornecimento e regulação
da educação [...].

Portanto, nos encaminhamentos da política educacional da atualidade, o termo


privatização encontra-se relacionado a múltiplas e diferentes formas, dentre as quais a
transferência de atividades, contratação de serviços, incentivos e isenções fiscais, compra de
materiais e de gestão das instituições públicas para institutos e organizações privadas e não-
governamentais. Muitas vezes “[...] a privatização é vista como uma liberação – quando os
agentes são liberados das regulações governamentais – e uma mercantilização – quando são
criados novos mercados que proporcionam alternativas aos serviços do governo ou aos sistemas
de distribuição estatal” (Belfield; Levin, 2004, p. 17) ou, ainda, quando a gestão das escolas
públicas é submetida à lógica das empresas privadas e aos interesses do mercado.
Adrião (2017, p. 17) chama a atenção para a tendência mais recente de privatização da
gestão educacional. Ao analisar as alterações na maneira de o Estado brasileiro se organizar para
o cumprimento de seu dever quanto à garantia do direito à educação básica, a autora destaca:
“[...] as estratégias que vigoram nesse começo de século, e que passam a compor programas de
governos de diversos estados e municípios brasileiros [...]” têm como “[...] objetivo a
transferência da gestão da educação pública para o setor privado [...]”, por meio de parcerias,
contratos de gestão ou mecanismos equivalentes.
Nesse processo, Adrião (2017, p. 25) evidencia as formas pelas quais vem sendo
operacionalizada a privatização da gestão da educação básica brasileira: a atuação das entidades
privadas não lucrativas (fundação e institutos), que atuam no campo educacional alinhando
investimento social corporativo (filantrópico) e negócios – denominado de ‘filantrocapitalismo’,
e a “[...] transferência da gestão de redes ou sistemas de ensino [público] para organizações
com FINS de lucro”. Para a autora, “[...] a transferência da gestão da escola e dos sistemas de
ensino público para setores privados, com ou sem fins de lucro [...]”, ou ainda a “[...] adoção,
por redes públicas, dos sistemas privados de ensino” (Adrião, 2017, p. 17-18) têm se constituído
em estratégias que objetivam “[...] transformar as redes públicas em um campo para seus
negócios” (Adrião, 2017, p. 30) ampliando o mercado educacional e suas possibilidades de lucro.
O agravante nessa relação é o reconhecimento ou legitimação, por meios legais, da participação
do setor privado, lucrativo ou não, na ampliação da oferta da educação básica, mediante a
possibilidade de transferência de recursos públicos para esse setor (Teixeira; Duarte, 2017).
Enfim, tais considerações nos induzem a afirmar que a reconfiguração da ação estatal produz
novas relações entre Estado, sociedade e mercado na formulação e na execução de políticas e
que esferas anteriormente antagônicas podem se reconciliar em um terreno comum. Nesse
sentido, a oposição à administração burocrática/centralizada, em nome da
democracia/autonomia, pode servir de sustentáculo para a combinação desses princípios, que
antes aparentavam ser contraditórios.
Esperamos que os resultados e conclusões apresentados no livro contribuam para o
debate que tende a pôr em dúvida a tese da democratização e afirmar, ao menos como hipótese,
o predomínio de processos privatizadores na gestão da educação básica pública brasileira.

28
Capítulo 1

A teoria liberal democrática

O grande destaque dado à descentralização, à participação e à gestão democrática da


educação pública a partir do final da década de 1980 associa-se ao trânsito da concepção
autoritária, burocrática e centralizadora do Estado, vigente durante a ditadura militar, para uma
visão democrática, participativa e colegiada, a ser seguida pelo governo civil.
A bandeira da descentralização/participação confunde-se com a da oposição à
centralização/burocratização. A descentralização administrativa favoreceria a desburocratização
da educação, imprimindo-lhe maior eficiência e produtividade. A oficialização da
democratização da gestão da educação, por meio de dispositivos legais e de programas
governamentais, associada aos discursos apologéticos, tem contribuído em grande medida para
a aceitação das proposições sem maiores questionamentos sobre seu sentido por parte dos
educadores e gestores. Distanciar-se dessas apologias não é fácil quando se é tributário de ideais
democráticos. Uma das formas de fazê-lo é dar ao termo democratização um tratamento que
incorpore seu significado histórico. Dessa forma, pode-se compreender e questionar os
fundamentos das tendências administrativas da educação atual.
A utilização dos termos democracia, autonomia, participação e privatização requer uma
reflexão sobre seu significado teórico mais profundo. De acordo com Herbert Marcuse (1979, p.
95, grifo do autor), “[...] os nomes das coisas não são apenas indicativos de sua maneira de
funcionar mas sua maneira (real) de funcionar também define e fecha o significado da coisa,
excluindo outras maneiras de funcionar”. Em outras palavras, para Marcuse (1979, p. 98, grifo
do autor), “[...] o fato de um substantivo específico ser quase sempre ligado aos mesmos
objetivos e atributos explicativos transforma a sentença numa fórmula hipnótica que,
infinitamente repetida, fixa o significado na mente do receptor [...]”, impondo sua aceitação sem
questionamentos. De um lado, os termos a que vimos nos referindo são utilizados de forma
imprecisa e abrangente, diluindo os conceitos e favorecendo a obtenção de consenso; de outro, a
maior parte dos educadores quer receitas genéricas, aceita discursos sedutores que não os
desafiem à reflexão. Assim, o procedimento é confortável para todos.
Neste capítulo, na intenção de projetar luzes sobre as relações entre os princípios
democratizadores e privatizadores na atual proposta de gestão democrática da educação básica
pública, procuraremos recuperar o significado desses termos e acompanhar historicamente sua
construção na sociedade capitalista. Para tanto, retomaremos o pensamento dos principais
teóricos políticos do liberalismo clássico.

O liberalismo clássico

O pensamento liberal é expressão da sociedade capitalista. A durabilidade de seus


princípios fundamentais (individualismo, liberdade, propriedade privada, igualdade,
participação, democracia) até a atualidade deve-se à longevidade do próprio capitalismo.
Retomá-los, relacionando-os aos fatores históricos que os produziram e os modificaram ao
longo do tempo, é uma forma de compreender a sociedade contemporânea e, principalmente, o
objeto deste estudo.
No século XVII, como resultado das profundas transformações, características da
passagem do feudalismo para o capitalismo, a sociedade organizou a produção de forma
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

inteiramente diferente da anterior, estabelecendo novas relações dos homens entre si e destes
com a natureza.
No período feudal, os homens produziam basicamente para satisfazer suas necessidades
de consumo. A produção não visava os mercados, era autossuficiente, e a economia tinha por
base uma agricultura de subsistência. A terra era a representação máxima de riqueza e de poder
e quase a única forma de existência do homem; dela dependiam suas vidas e a ela os homens
ligavam-se por relações de dependência pessoal e compromissos mútuos. No interior dessas
relações, o indivíduo era indissociavelmente membro de uma comunidade, ou seja, o senhor da
terra tinha deveres para com todos os dependentes e servos e estes não se percebiam como
criadores de si, mas sim como um prolongamento do senhor. Isto significa dizer que a realidade
objetiva tornava impossível aos homens se realizar e se pensar individual e autonomamente.
Porém, a partir do século XVII, o comércio internacional representou um novo modo de
os homens produzirem a vida material e foi em torno dele que a sociedade passou a se organizar.
Tornando-se uma grande força transformadora, introduziu, nas diferentes regiões, elementos
de modificação e dissolução da forma de produção feudal, principalmente a troca com objetivo
principal de lucro.
As mudanças colocaram em xeque não apenas a prática social fundada nas antigas
relações de servidão e de dependência, mas também as concepções dela derivadas. À medida
que a relação comercial passava a predominar, os homens iam se tornando gradativamente livres
e independentes. As novas relações econômicas mudaram não só seus hábitos e
comportamentos, mas também o papel das instituições. Smith (1996), no livro III de A riqueza
das nações, dá a dimensão de como o comércio os foi libertando dos laços feudais de
dependência. Quando o excedente da produção passou a ser gasto pelo senhor feudal, não mais
com sua clientela, mas com sua própria pessoa, e este passou a comprar produtos supérfluos
para satisfazer sua ‘vaidade e insensatez’, forjaram-se elementos de dissolução das relações
feudais. Isto é, à medida que os senhores feudais não davam mais garantia material de vida a
seus vassalos e servos, estes também não lhes deviam mais lealdade e obediência. Perdendo o
poder e a autoridade sobre seus clientes, no sentido de fazer cumprir a lei dentro de seus
domínios, os senhores, consequentemente, não conseguiam estabelecer a ordem e a boa
administração entre os habitantes do campo. Isso favoreceu o declínio econômico e político da
aristocracia enquanto classe dominante, ao mesmo tempo em que a burguesia emergia, criando
uma nova correlação de forças, cuja consequência foi o fortalecimento e a centralização do poder
nas mãos do rei, dando origem ao Estado burocrático moderno14.
O novo modo de viver, pautado na troca, era apoiado politicamente pelas autoridades
reais. O Estado passou a ter a finalidade não mais de defender os interesses da Igreja ou da
nobreza feudal, mas, rompendo com as amarras políticas do mundo feudal, tornou-se um poder
capaz de atender aos novos interesses sociais, voltados para produzir, comercializar e acumular
riquezas. Essa nova forma de produzir a vida deu origem às principais ideias do liberalismo, as
quais se constituíram como elementos de oposição aos direitos feudais de sucessão,
primogenitura, e ao poder absoluto baseado no direito divino dos reis e na racionalidade
religiosa – leis ‘divinas’.
14
Segundo Mendonça (2000a, p. 21-22), é possível identificar o Estado Moderno com a formação dos estados
absolutistas por meio da “[...] difusão da justiça real, a regularização da tributação, a diferenciação de instrumentos
de governo e implantação de rede administrativa por todo o território [...]”, a qual era orientada por um triplo
balizamento: a consolidação da ideia de soberania [concentração, centralização do poder nas mãos do rei], a
despatrimonialização [consolidação da esfera público-estatal], mediante “[...] no plano jurídico, a separação entre
direito público e privado; no plano administrativo, a constituição de uma burocracia racional; no plano militar, a
formação de um exército permanente custeado por rendas públicas; no plano financeiro, a separação entre rendas
e patrimônio estatal e rendas e patrimônio dos governantes e funcionários [...]” e a despersonalização do poder
“[...] clara distinção entre o poder público e o seu titular, em o que não se constitui uma esfera efetivamente
pública [...]”.
30
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Hobbes, no século XVII, sustentando-se no discurso do ‘direito natural’ dos indivíduos


em nome da razão humana, foi quem primeiro formulou, para a autoridade do Estado e do
soberano, um fundamento legitimador essencialmente independente da racionalidade ético-
religiosa ou da ideia de que o poder político do rei é encarnação do poder divino. Em Leviatã,
publicado em 1651, explica que o direito positivo e o Estado de direito, como produtos culturais,
resultados das convenções humanas e legitimados pelo consenso, tornaram-se fundamento das
hierarquias políticas (Hobbes, 1997).
Nesse mesmo período, Locke, em Dois tratados sobre o governo, publicado em 1690,
rejeitando os preceitos religiosos de legislação e justiça com os quais se legitimavam as relações
econômicas, sociais e políticas feudais, defendia que os homens não eram orientados pela razão
divina, mas por sua própria razão. Para ele, a razão levava os homens a se tornar membros de
uma sociedade política. Por meio de um ‘pacto social’, os indivíduos, livres e iguais por decisão
voluntária, concordavam em se submeter a um governo que os protegia e os amparava com leis
aprovadas por mútuo consentimento dos homens e que eram aplicadas por juízes imparciais,
mantendo-se, assim, a harmonia geral da sociedade. Ao firmar tal contrato, do qual se originava
a sociedade política, os indivíduos não renunciavam a seus direitos naturais, pelo contrário,
buscavam garanti-los e protegê-los juridicamente mediante normas/regras positivas, legitimadas
pelo consenso. Desse pacto derivavam o poder político e suas formas de realização,
constituindo-se o Estado e sua estrutura máxima.
A finalidade do Estado era garantir esses direitos ‘naturais’ afirmando uma concepção de
cidadania baseada na igualdade jurídica entre os homens. Todos tinham direito à vida, à
liberdade, à proteção das leis, à propriedade privada do próprio corpo e das terras, de dispor de
sua força de trabalho como desejassem, de escolher seu próprio caminho, reforçando a ideia de
homem autônomo, senhor de sua própria vontade.
O Estado era uma instituição racional necessária para a organização da sociedade; por
isso, não devia limitar nem tolher os indivíduos; ao contrário, devia permitir o desenvolvimento
de todas as suas potencialidades. Também devia, mediante ordenação legal, garantir a
conservação da propriedade (derivada do trabalho) de todos os membros da sociedade civil e,
tanto quanto possível, proteger os interesses do homem que, pelo seu próprio esforço, adquirira
propriedade e riqueza. Segundo Locke, os empreendimentos individuais resultariam em
benefício público. Em outras palavras, o bem geral era fruto das ações particulares (Locke,
1998).
Nessa visão, está contida a ideia de que o indivíduo é o único responsável por sua
existência e o sucesso e mérito individual são determinados pelo esforço de cada um. Segundo
esse princípio, a sociedade civil seria um campo de luta de interesses privados e um espaço de
desigualdades naturais e o individualismo, um dos fundamentos da sociedade moderna.
Com base nesse novo conceito de homem, de sociedade e de Estado, Locke propunha a
organização de um novo Estado, diferente do sistema de poder feudal. Conforme Wood (2011,
p.41), o “[...] feudalismo ocidental resultou na fragmentação de uma forma muito particular de
poder político [...]”, ou seja, apoiado na propriedade privada e no poder de classe, não apenas o
fragmentou e parcializou, mas também o privatizou. Isto porque “[...] a condição para que o
senhor mantivesse sua terra era ser ele o obrigado a se transformar num fragmento do Estado
investido exatamente das funções que lhe dava o poder de extração dos excedentes” (Wood,
2011, p. 42). Portanto, a propriedade privada, ao mesmo tempo, oferecia ao senhor feudal a
autoridade política e também o poder de apropriação de excedentes, tornando possível a “[...]
característica essencial do feudalismo [...]” – “[...] privatização do poder político” (Wood, 2011,
p. 43). Com isso, a relação de exploração e a fragmentação do Estado afetaram a configuração do
poder político, tornando possível sua privatização. Em outros termos:

31
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

A fragmentação do Estado, o fato de serem as relações feudais a um só


tempo método de governo e um modo de exploração, significou também que
muitos fazendeiros livres passaram a se tornar, junto com suas propriedades,
súditos e senhores privados, abrindo mão de trabalho excedente em troca de
proteção pessoal, numa relação de dependência que era política e econômica.
Como muitos produtores independentes tornaram-se dependentes, uma
parcela maior de produção caiu sob o controle da exploração direta e pessoal
e das relações de classe [...] (Wood, 2011, p. 43).

Nesse sentido, na sociedade feudal, poder econômico e poder político não estariam
formalmente separados. Porém, o desenvolvimento do modo de produção capitalista, com base
na propriedade privada, na expropriação completa do produto do trabalho e na separação dos
produtores diretos dos meios de produção, assegurou a exploração da força de trabalho de forma
assalariada e a troca de mercadoria, bem como tornou possível outras formas de domínio
político. Conforme explica Wood (2011, p. 43): “[...] O Estado tomou das classes apropriadoras
o poder político direto e os deveres não imediatamente associados à produção e à apropriação,
deixando-as com poderes privados de exploração depurados de funções políticas e sociais”.
Portanto, diferentemente das formas anteriores de domínio político e em novas condições
materiais de vida, o Estado revelou-se como uma esfera aparentemente ou relativamente
autônoma do econômico (relações de produção e distribuição, de acumulação de capital e
extração e apropriação de excedentes). Essa materialidade específica tornou-se possível porque
no capitalismo os “[...] poderes de apropriação de mais-valia15 e de exploração não se baseiam
diretamente nas relações de dependência jurídica ou política, mas sim na relação contratual
entre produtores livres – juridicamente livres e livres dos meios de produção – e um apropriador
– que tem a propriedade privada absoluta dos meios de produção” (Wood, 2011, p. 35).
Portanto, a “[...] esfera política no capitalismo tem um caráter especial porque o poder de
correção que apoia a exploração capitalista não é acionado diretamente pelo apropriador nem se
baseia na subordinação jurídica ou política do produtor a um senhor apropriador” (Wood, 2011,
p. 35). Isso porque,

[...] no capitalismo, o mercado tem uma força própria, que impõe a todos,
capitalistas e trabalhadores, certos requisitos sistêmicos impessoais de
concorrência, acumulação e maximização de lucros. Como dependem do
mercado para todas as suas necessidades, todos os atores econômicos são
obrigados, para sobreviver, a atender a esses requisitos independentemente
das suas próprias necessidades e carências pessoais (Wood, 2014, p. 22).

Nesses termos, a conversão de todas as coisas em mercadorias, inclusive a força de


trabalho, e a regulação das relações sociais pelas ‘leis’ do mercado permitiram ao capitalista
prescindir do poder político direto, de forma que “[...] novas formas de controle direto de classe
passam para mãos impessoais do Estado” (Wood, 2011, p. 46).
Contudo, apesar da aparente ‘autonomia’ ou ‘separação relativa’ da forma política estatal,
a esfera econômica nela se apoia firmemente, ou seja, a “[...] propriedade privada absoluta, a
relação contratual que prende o produtor ao apropriador, o processo de troca de mercadorias
exigem formas legais, aparato de correção e as funções policiais do Estado” (Wood, 2011, p. 35).
Historicamente, esse aspecto revela a necessidade que o capital tem da presença do Estado para

15
“A criação do valor é função do trabalho; mais precisamente, a criação de valor se opera mediante o processo de
trabalho: o valor não resulta da distribuição, da circulação ou do consumo de bens – o valor é gerado na
produção material [....] Com efeito, a determinação do caráter produtivo ou não do trabalho relaciona-se ao fato
de ele criar valor que pode ser apropriado por capitalistas [...]” (Netto; Braz, 2011, p. 125, grifo do autor).
32
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

se desenvolver e se reproduzir, bem como a base que fundamenta o modo específico de


democratização nessa sociedade.
A consolidação da reprodução social, por meio da troca de mercadorias, tornou necessária
a constituição de formas políticas e jurídicas que assegurassem os vínculos contratuais por
meios estranhos aos contratantes. Por um lado, para assegurar a compra e a venda da força de
trabalho, feita mercadoria, o Estado moderno tornou os indivíduos, juridicamente, sujeitos de
direito, ou seja, livres e iguais para as trocas e acordos interpessoais (Mascaro, 2013). Por outro
lado, ao consolidar-se como um ente separado dos agentes que portavam e transacionavam
mercadorias (indivíduos e classes sociais) e enquanto sede de direitos individuais, o Estado se
configurou com um organizador do interesse geral ou representante dos indivíduos para a
defesa do bem-comum/bem público.
O Estado representaria, portanto, a união dos indivíduos (agentes econômicos) para a
defesa de seus direitos naturais: igualdade, liberdade e propriedade privada. Ao teorizar sobre
essa distinção, Locke (1998, p. 460, grifo do autor) argumenta:

Portanto, sempre que qualquer número de homens estiver unido numa


sociedade de modo que cada um renuncie ao poder executivo da lei da
natureza e coloque nas mãos do público, então, e somente então haverá uma
sociedade política ou civil. E tal ocorre sempre que qualquer número de
homens no estado de natureza entra em sociedade para formar um corpo
político sob um único governo supremo, ou então quando qualquer um se
junta e se incorpora a qualquer governo já formado. Pois, com isso, essa
pessoa autoriza a sociedade ou, o que vem a ser o mesmo, o legislativo desta
a elaborar leis em seu nome segundo exija o bem público, a cuja execução
sua própria assistência (como se fossem decretos de sua própria pessoa) é
devida [...].

Assim, “[...] em face dos indivíduos e suas interações, que passam a identificar a vida
privada, o Estado se inscreve como interesse distinto: público” (Mascaro, 2013, p. 57, grifo do
autor), ou seja, uma esfera na qual as pessoas privadas se reúnem na condição de público.
O processo histórico, que conduziu os homens a um pacto social e à criação de uma
sociedade política para a preservação de seus direitos naturais, dando origem ao aparato estatal
separado das classes sociais e dos indivíduos, é que conduz a discussão sobre a participação nos
assuntos do Estado. Locke (1998, p. 418), ao considerar a monarquia absoluta “[...] incompatível
com a sociedade civil [...]” preconizava a devolução do governo aos homens, por meio do governo
civil representativo ou assembleia eleita, entendendo-o como um poder que não estaria acima
dos homens, vindo de fora, mas que fosse estabelecido por comum acordo entre todos. Porém,
para ele, o direito de governar seria dado apenas aos homens de fortuna, já que os melhores
representantes seriam os homens com maior capacidade para adquirir propriedade e melhorá-
las, sendo, pois, a propriedade o título efetivo da cidadania. Ele considerava também que os que
viviam das mãos para a boca jamais poderiam elevar seu pensamento acima disso, não estando,
portanto, aptos para participar da vida pública.
Assim, no século XVII, o direito divino dos reis foi substituído pelo direito de liberdade
natural. A sociedade passou a ser vista como uma associação voluntária de homens, os quais, sob
um contrato social, reuniam-se de maneira absolutamente livre e espontânea. O indivíduo era
colocado no centro do mundo, proprietário de sua própria pessoa e do que fosse capaz de
adquirir mediante suas capacidades – o que deu origem ao individualismo. Constituía-se, assim,
o fundamento intelectual essencial para a crença no valor e nos direitos do indivíduo racional e
livre, legitimando as novas bases de poder e as novas relações sociais.
À medida que impulsiona os comportamentos humanos no sentido de sua autonomia, o
individualismo pode ser considerado tanto como uma das principais características da sociedade
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DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

moderna quanto um elemento fundamental do liberalismo. Segundo Marx (1996, p. 26, grifo do
autor):

Quanto mais se recua na História, mais dependente aparece o indivíduo e,


portanto, também o indivíduo produtor, e mais amplo é o conjunto a que
pertence [...] Só no século XVII, na sociedade burguesa, as diversas formas
do conjunto social passaram a apresentar-se ao indivíduo como simples meio
de realizar seus fins privados, como necessidade exterior. Todavia a época
que produz esse ponto de vista, o do indivíduo isolado, é precisamente
aquela na qual as relações sociais (e, deste ponto de vista, gerais) alcançam o
maior grau de desenvolvimento [...].

Isto significa que o homem só é individualizado mediante o processo histórico. Ou seja, o


desenvolvimento da sociedade burguesa tornou possível aos homens produzir-se
individualmente, a ponto de se considerar capazes de determinar autonomamente os rumos da
sua vida. Em tais relações, os direitos e os deveres políticos representam a proteção dos
interesses privados, ou seja, da liberdade individual e da condição de proprietários, abrindo
novas perspectivas de liberdade e de progresso.
No século XVIII, os princípios liberais foram ampliados. A burguesia e a nova nobreza se
enriqueceram com a participação nas companhias privilegiadas de comércio, a exploração
colonial e a expansão do comércio. A ampliação do mercado consumidor em escala mundial
provocava a necessidade de aumentar a produção e diminuir o tempo nela gasto para a obtenção
de lucros maiores. Este novo dinamismo criou novas formas de divisão do trabalho, levando ao
abandono do artesanato e ao desenvolvimento da manufatura.
Com o desenvolvimento da produção manufatureira-industrial, a média burguesia, que
não participava das companhias privilegiadas de comércio, aplicou seu capital diretamente na
produção. Para esse setor da sociedade, que se lançava em uma nova forma de produzir, a
política mercantilista e o Estado Absolutista representavam um entrave, pois seu corpo
legislativo (a concessão de monopólios, as leis de navegação, os regulamentos sobre as colônias,
as taxas que restringiam as importações, as subvenções e os incentivos [reembolsos e isenções
fiscais] a exportadores) limitava o direito de propriedade e impedia a livre concorrência.
A intervenção do Estado na economia provocava, então, críticas por parte da burguesia
ligada à produção industrial, que se ressentia da política mercantilista, cada vez mais
bloqueadora de sua iniciativa e do livre desenvolvimento de suas atividades. A burguesia
nascente, precisando de novos mercados, de liberdade para produzir e comercializar, via-se
obrigada a se libertar dos entraves criados pelo monopólio do comércio e pelos privilégios dele
decorrentes.
Acompanhando essas mudanças ocorridas na sociedade, Adam Smith condenou o
controle estatal da economia, combateu os monopólios e defendeu a livre concorrência como
forma mais adequada para a produção de riqueza dentro de uma nação. O Estado preconizado
por Smith deveria garantir a defesa da propriedade privada e a liberdade de mercado, evitando
criar obstáculos à produção, à circulação e ao consumo das mercadorias.
Na teoria de Smith caberiam poucas funções ao Estado, pois ele considerava que o bem-
público era fruto da ‘mão invisível’ do mercado; isto é, cada indivíduo, livre das restrições
políticas, poderia realizar seus próprios interesses e, mesmo que de maneira não intencional,
mas natural e espontânea, mediante seu próprio esforço, poderia melhorar sua própria condição.
Isto constituiria a principal fonte de bem-estar e progresso, não só individual, mas também
social (Smith, 1996, v.1, livro III, cap. II). Assim, ele reforçava a ideia de que o bem público seria
a soma de empreendimentos e esforços particulares.

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DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Constata-se, nessa elaboração teórica, que o que estava em questão era a superação de
uma época histórica e o consequente estabelecimento de uma nova ordem, na qual os homens
pudessem prescindir da intervenção do Estado, no grau proposto anteriormente pelo
mercantilismo. A liberdade econômica era, portanto, uma exigência de libertação da produção
das instituições do Antigo Regime. Consequentemente, a liberdade econômica requeria
liberdade política.
Smith deixou transparecer que as leis que regem o mercado na esfera da economia
deveriam também estar presentes na educação. Analisando a escola de sua época, ele observava
que nelas não existia a livre concorrência e que a responsabilidade pela manutenção da educação
era em grande parte do poder executivo. Por isso, Smith indagava: essas dotações públicas terão
contribuído de uma maneira geral para promover o objetivo da instrução? Contribuíram para
estimular a diligência dos professores e melhorar suas capacidades? Orientam o curso da
educação para objetivos mais úteis, tanto no nível individual quanto no público? Para ele não era
difícil encontrar uma resposta provável a estas perguntas. As dotações públicas não contribuíam
para melhorar a competência do professor e atender aos objetivos da educação; pelo contrário,
tornavam-no negligente no ensino e, consequentemente, as instituições não podiam ser
consideradas de boa qualidade. Por isso, defendia a livre concorrência e o favorecimento da
rivalidade/emulação entre os concorrentes como ponto de partida para o bom desempenho;
acreditava que, se os professores recebessem o pagamento de seus próprios alunos, seriam
obrigados a desempenhar melhor sua profissão, para obter melhor remuneração (Smith, 1996, v.
2, cap. I, parte III, Art. II).
Desse modo, considerava que a instituição pública corrompia a diligência dos seus
professores e tornava impossível a existência de bons professores particulares, devido à injusta
concorrência existente entre os professores de escolas/colégios subvencionados pelo governo e
professores particulares. Por assumir a defesa da livre concorrência, Smith não concebia como
de encargo público todo o sistema de ensino. Segundo ele, apenas a escola de primeiras letras
destinada ao trabalhador e ao setor mais pobre da sociedade, denominada por ele ‘gente
comum’, deveria merecer a atenção do Estado.
O financiamento da escola pública também não deveria ficar inteiramente a cargo do
Estado; deveria ser cobrado do trabalhador comum aquilo que ele pudesse pagar, para que o
mestre não negligenciasse sua atividade. Aquela parte da instrução que ultrapassasse os
interesses gerais e dissesse respeito aos interesses particulares dos cidadãos não deveria ser
sustentada pelo Estado, mas por aqueles que dela tivessem necessidade.
Assim, com base em tais concepções, em argumentos de defesa das vantagens da
economia de mercado contra o Estado intervencionista, dos direitos ‘naturais’ do homem contra
toda forma de despotismo (Bobbio, 1997), concepções essas características do liberalismo, o
poder político emancipou-se do religioso e o poder econômico, do poder político, permitindo a
concessão de direitos civis e fixando as regras fundamentais da sociedade e do Estado
capitalista.

A democracia como forma de governo

À medida que a sociedade burguesa foi se consolidando, os homens foram assumindo


novos comportamentos. O contrato de trabalho, a troca e a circulação de mercadorias, a livre
iniciativa e a livre concorrência entre proprietários exigiam sujeitos autônomos, legalmente
livres e iguais. Originaram-se, assim, os sujeitos que, em oposição aos laços de dependência
próprios das relações feudais, conforme sua capacidade de produção e de competição, eram
responsáveis individualmente por sua subsistência. Percebendo-se como livres e autônomos, os
indivíduos voltavam-se para seus interesses e necessidades particulares, passando a encarar o
conjunto social como simples meio de realizar seus fins privados. Portanto, nessa sociedade,
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DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

composta pela somatória de indivíduos isolados e autônomos proprietários de si mesmos e do


que pudessem adquirir mediante suas capacidades, havia a necessidade de algo que os
vinculasse. Foi essa necessidade que deu origem um novo princípio fundamental da sociedade
burguesa: a democracia, ideal inspirado no pensamento político de Rousseau.
Diferentemente de Locke, para quem o Estado tinha o dever de defender o direito de
propriedade individual e assegurar ao conjunto dos homens meios para realizar seus fins
privados, Rousseau (1997) colocava a vida privada em segundo plano, acentuando a ‘igualdade’,
não apenas como ponto de partida, mas como objetivo. Para ele, o Estado e a sociedade civil
expressavam a vontade geral dos indivíduos/interesse comum. Ao viver em sociedade, o
indivíduo não representava sua vontade, mas a de todos, devendo abrir mão de seu interesse
particular. Seu ‘eu’ particular/egoísta estaria representado no bem comum, que era soberano.
Dessa forma, o Estado, como encarnação da sociedade política, era apresentado por Rousseau
como defensor do interesse público em sobreposição ao privado.
Essa preocupação de Rousseau revela a natureza contraditória do homem burguês: ser
homem (real) de negócios – ‘homem egoísta’ – voltado para os seus interesses particulares, mas,
ao mesmo tempo, ser um ‘público-cidadão do Estado’, um homem (abstrato, moral) que é parte
do coletivo, que tem interesses comuns, que é solidário, preocupado com o próximo e com o
bem comum (Rousseau, 1997). Essa divisão entre ‘homem egoísta’ e ‘homem público-cidadão’
é resultado da dicotomia entre público e privado no interior do Estado Moderno, produzida
pelas contradições inerentes às relações sociais capitalistas (Marx, 1986). Ou seja, é produto da
divisão do trabalho (separação entre produção social e apropriação privada) e da distribuição
desigual tanto quantitativa quanto qualitativa do trabalho e de seus produtos, ou seja, da
propriedade. Assim, o interesse moderno coletivo não existe apenas na representação, como
‘interesse geral’, mas se apresenta na realidade como dependência recíproca dos indivíduos
pelos quais o trabalho está dividido. À propriedade privada moderna corresponde o Estado
moderno; com efeito, seu distanciamento da sociedade civil possibilita a interpretação de que
ele é um terreno neutro e pode servir de árbitro, de mediador e conciliador das exigências
conflitantes, ou seja, a interpretação de que a contradição entre público e privado pode ser
administrada institucionalmente.
Para Rousseau, a realização do ‘eu comum’ como parte da vontade geral implicaria o
contrato social estabelecido por consentimento unânime. Segundo esse contrato, cada associado
se alienaria sem reservas, ou seja, abdicaria de todos os seus direitos particulares em favor da
comunidade. Na verdade, como todos abdicariam, ninguém perderia (Rousseau, 1997); pelo
contrário, como os compromissos seriam mútuos e, como ele afirma, “[...] ao cumpri-los, não se
pode trabalhar por outrem sem trabalhar para si mesmo [...]”, os cidadãos se colocariam em
condições de igualdade (Rousseau, 1997, p. 96). Assim, o contrato socialreorganiza sob novas
bases a relação entre o público e o privado.
Essa concepção representou um avanço nas formulações liberais, pois o contrato implica
uma relação assimétrica entre comando-obediência sobre a qual se funda todo o pensamento
político moderno.
O contrato não cria um Estado separado do corpo coletivo, pois o próprio povo deve ser o
legislador. Isto representa um direito que ele jamais pode alienar sob pena de perder sua
liberdade, definida no sentido de ‘obediência à lei prescrita por ele mesmo’, com base na
autonomia e na autodeterminação. Para Rousseau (1997, p. 158), o “[...] soberano nada mais é
do que um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo”.
Portanto, conforme Rousseau (1997), em Do contrato social, livro II, capítulos I e II, a
soberania consiste em elaborar leis e em declarar a vontade geral como um direito inalienável e
indivisível (os poderes não podem ser tomados separadamente). No entanto,
independentemente da forma de governo (monarquia, aristocracia ou democracia), ela pode ser
delegada em suas funções executivas, pois o que importa é que ela represente sempre o
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DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

interesse público. Dessa forma, ele faz distinção entre soberania e governo ou entre legislar e
executar. Governo para ele é a força física que executa as leis. Portanto, não é na execução, mas
na definição que se manifesta a soberania.
A concepção rousseauniana do direito político pode ser considerada essencialmente
democrática, não pelo fato de o autor ter defendido a democracia como forma de governo, mas
sim por ter sustentado a tese de que a autoridade e a soberania dependem de sua vinculação
com o povo. Ao transformar o súdito em cidadão, dando proeminência e divulgação à cidadania,
ele abriu trilha para a concepção democrática e para a discussão sobre o desenvolvimento e o
exercício da autonomia no âmbito político, a qual passa a ser entendida como a capacidade do
cidadão de legislar sobre si mesmo.
Assim, por identificar soberania com vontade coletiva dos cidadãos, defendendo-a como
um de seus atributos inalienáveis e intransferíveis, Rousseau é considerado o fundador da teoria
democrática contemporânea, de uma democracia que, cabe lembrar, nasceu de uma concepção
individualista de sociedade civil. Nessa teoria, a soberania e o bem coletivo representam o que
há de comum na vontade dos indivíduos singulares/atomizados, sendo o Estado o elo do
indivíduo com a sociedade, a ‘representação da coletividade social’, que está acima dos
interesses particulares e tem a função positiva de realização dos indivíduos e de proteção da
propriedade privada.

A aliança entre o liberalismo e a democracia

Ao se encerrar o século XVIII tem origem a grande indústria. A concorrência entre os


donos de manufatura resultou no constante aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho e no
aparecimento das máquinas, que executavam operações semelhantes às das mãos humanas e
com mais velocidade e precisão. Com a mecanização da produção, o capitalismo atingiu uma
etapa de extraordinário desenvolvimento.
No entanto, a partir da segunda metade do século XIX, a sociedade industrial começa a
enfrentar suas crises e a revelar suas contradições. Do ponto de vista econômico, a contradição
reside, de um lado, no fato de a produção ser coletiva, enquanto os meios de produção e de
apropriação do produto do trabalho são privados e, de outro, no fato de o aperfeiçoamento das
máquinas tornar supérflua parte da massa de trabalho humano, que se torna cada vez mais
excluída do processo produtivo. As lutas de classes surgidas entre 1830 e 1848 constituem o
germe dos conflitos dos tempos atuais, evidenciando cada vez mais a incompatibilidade entre a
produção e a distribuição de riqueza.
A burguesia, na fase final da luta contra o passado feudal, representado na nobreza e no
clero feudais, passara a enfrentar uma nova luta, qual seja, a luta contra a organização política da
classe operária. Ao desvelar-se a natureza contraditória das relações capitalistas, o princípio de
que o livre desenvolvimento das forças individuais teria como consequência a melhoria das
condições de vida individual e social, tal como propunha o liberalismo clássico, revelava-se
inatingível para um número cada vez maior de pessoas.
Nesse processo, o proletariado foi produzindo uma ideologia própria, oposta ao
pensamento liberal e inspirada nos princípios do socialismo. O Manifesto do Partido Comunista,
escrito por Marx e Engels em 1848, é considerado um marco teórico dessa produção. Tal
documento foi escrito com objetivos eminentemente políticos: “[...] despertar nos operários
uma consciência clara e nítida do nível violento de antagonismo que existe entre a burguesia e o
proletariado, para que, na hora precisa, possam promover a revolução socialista” (Marx; Engels,
198-?,v. 1, p. 46-47).
Aléxis de Tocqueville (1982), teórico liberal e estadista francês, entendia que o
descontentamento dos pobres decorria do fato de a propriedade não repousar sobre bases
igualitárias, reconhecendo ser este o estopim revolucionário. Os conflitos entre burguesia e
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DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

proletariado explodiram num processo de efervescência revolucionária por quase toda a Europa.
Diante das circunstâncias que ameaçavam sua existência, a burguesia viu-se obrigada a rever
suas posições. No discurso proferido na Câmara dos Deputados, em 27 de Janeiro de 1848,
Tocqueville (1998) alertava para o fato de que o grande campo de batalha seria a propriedade,
em torno da qual surgiriam grandes agitações políticas e novas revoluções.

[...] Sem dúvida, a desordem não está nos fatos mas entrou bem
profundamente nos espíritos. Olhai o que se passa no seio dessas classes
operárias [...] Não vedes que pouco a pouco se propagam em seu seio
opiniões, idéias, que de modo nenhum irão apenas derrubar tal lei, tal
ministro, mesmo tal governo, mas a sociedade, a abalá-la sobre as bases nas
quais hoje repousa? Não ouvi que entre elas se repete constantemente que
tudo o que se acha delas é incapaz e indigno de governá-las? Que a divisão
dos bens feita até o presente no mundo é injusta? Que a propriedade
repousa em bases que não são equitáveis? E não credes que, quanto tais
opiniões tomam raízes, quando se propagam de uma maneira quase geral,
quando penetram profundamente nas massas, devem cedo ou tarde, não sei
quando, acarretar as mais temíveis revoluções? [...] Creio que dormimos no
momento em que estamos sobre um vulcão [...] (Tocqueville, 1998, p. 582).

Para Tocqueville, o momento era novo e exigia do homem algo novo. Os homens não
podiam mais querer o progresso da sociedade em bases antigas. Entendendo que as revoluções
de 1848 tinham como objetivo a república social e democrática, defendia a necessidade de
modificação da forma de governo e sugeria o Estado democrático em oposição ao aristocrático.
Para atender aos reclamos da classe operária e evitar a explosão de novas revoltas populares, ele
propunha a abertura do caminho para a igualdade política, para a descentralização e para a
participação de todos os cidadãos na política, com a adoção do sufrágio universal. A democracia
para ele estaria associada a um processo impossível de ser detido.

O gradual desenvolvimento da igualdade é uma realidade providencial. Dessa


realidade, tem ele as principais características: é universal, é durável, foge
dia a dia à interferência humana; e, para seu progresso contribuíram todos
os acontecimentos, assim como todos os homens. Seria prudente imaginar
que um movimento de tão remotas origens pudesse ser detido por uma
geração? Pode-se conceber que, após ter destruído o sistema feudal e
vencido os reis, irá a democracia recuar ante a burguesia e classe rica? Agora
que se tornou tão forte, e tão frágeis seus adversários, deter-se-á ainda?
(Tocqueville, 1998, p. 9).

De acordo com Engels (198-?), a democracia e o sufrágio universal transformaram-se em


uma bandeira de luta da classe operária, pois a república democrática era vista como via de
transição para o socialismo. Isso produziu uma mudança substancial nas condições de luta, ou
seja, a “[...] rebelião do antigo estilo, o combate nas barricadas que, até 1848, fora decisiva em
tôda parte, estava consideravelmente ultrapassada” (Engels, 198-?, p. 103). O autor formulou
uma nova concepção do processo revolucionário, a qual implicava rever a “antiga tática” e travar
as lutas operárias por meio das vias legais e democráticas.
Embora a democratização fosse vista com receio pela burguesia, pois poderia se tornar
uma ponte para o socialismo, os sistemas políticos tiveram que lhe abrir espaços diante da
inevitabilidade dessas forças históricas. O liberalismo político passou a buscar as formas de
legitimação do poder nas teses contratualistas, que implicava o consentimento dos cidadãos, a
instituição do voto e a representação, a autonomia dos poderes e a eliminação do poder central.
O próprio modo de atuação do Estado foi modificado, de forma a promover a estabilidade dos
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DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

conflitos e preservar a propriedade privada. Assim, os conflitos e as lutas sociais foram


transformados em um jogo institucionalizado de competição pelo poder e de conservação da
ordem estabelecida.
A própria burguesia, que, no passado, tinha levantado a bandeira da liberdade e da
igualdade contra o mundo feudal, não podia, no século XIX, explicitar seu posicionamento de
classe. Era preciso oferecer uma nova base de coesão social, coerente com a manutenção dos
valores e das instituições liberais. O caminho encontrado foi o da articulação entre democracia e
liberalismo, ou seja, procurava-se democratizar as relações políticas e garantir direitos políticos,
como o sufrágio universal, a liberdade de constituição de partidos políticos, o direito de
plebiscito e de iniciativa popular. A igualdade civil, materializada na conquista de alguns direitos
civis e na proteção de todos com base em leis comuns, não alterava a desigualdade social. Por
conseguinte, a democracia e a cidadania revelavam-se indispensáveis para a reprodução das
relações sociais, neutralizando os componentes desagregadores da oposição.
O que torna possível o nexo entre democracia e liberalismo é que ambos têm um ponto
de partida comum: o indivíduo. Ou seja, o Estado democrático funda-se no direito privado, em
vontades particulares como meio da formação de uma vontade comum (Bobbio, 1993).
Conforme Vieira (1992, p. 66), democracia (cujo valor supremo é a soberania popular) e
liberalismo (cujo valor supremo é a liberdade política) fazem uma aliança “[...] a ponto de
ocorrer a identificação da democracia com o regime liberal-democrático, transformado
unilateralmente em exclusiva forma de democracia”.
Na luta contra as condições que ameaçavam sua existência, a burguesia reproduziu um
ideário que justificava as condições de vida de então e amenizava o espírito revolucionário. O
liberalismo democrático do final do século XIX é a expressão desse esforço. No encontro do
ideário democrático com o pensamento liberal, apesar de existirem concepções distintas de
liberalismo e democracia, esta, em consequência da luta competitiva pelo voto do povo, passou a
ser um meio de adquirir o poder. O princípio da soberania popular foi assim reduzido ao
sufrágio universal e este, ao direito de escolha dos representantes políticos.
A própria separação entre o econômico e o político no capitalismo permitiu que a
democracia pudesse ser “[...] confinada a uma esfera ‘política’ formalmente separada, enquanto
a ‘economia’ seguia regras próprias” (Wood, 2011, p. 174).
Desde então, a representatividade e a participação políticas se transformaram em
questões centrais do pensamento político e em condição indispensável para a realização da
democracia. Receando que os poderes governamentais populares pudessem se tornar objeto de
abusos ou de efeitos indesejados, como foi o caso da experiência democrática conduzida pelos
jacobinos, autores liberais, como Tocqueville e Stuart Mill, consideravam que o Estado deveria
adotar mecanismos para institucionalizar essa participação ampliada. Por isso, no século XIX, a
democracia adquiriu o sentido de uma representatividade política nascida do pacto/consenso e
do ato de autorização, formalizado coletivamente, para que um homem ou uma assembleia de
homens tivessem o direito de representar todos.
Partidário da liberdade, Stuart Mill (1996) condenava o conformismo e considerava que
um povo só seria livre se não ficasse esperando que o Estado fizesse algo por ele e deixasse de
responsabilizar o Estado por todo o mal que lhe acontecesse. Por isso, considerava a intervenção
governamental e a centralização administrativa como um mal para a liberdade, para o progresso
humano e para o bem-estar social16. Ele era favorável à descentralização, à autonomia e à ação
voluntária porque considerava que elas favoreciam uma infinita variedade de experiências, a
diversidade de modos de ação, e habituavam o povo a agir com autonomia e resolver seus
problemas por iniciativa própria (Mill, 1996).

16
Segundo Bobbio (1997, p. 121), o bem-estar “[...] é aquele que os indivíduos conseguem encontrar por si mesmos,
desde que sejam livres para buscar seu próprio interesse”.
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DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Dessa forma, a democracia era identificada cada vez mais com a ideia de autonomia e de
autogoverno e com a ampliação da participação do cidadão, o que implicava a liberdade de
consciência (pensamento autônomo) e a responsabilidade pessoal. Por isso, Stuart Mill defendia
que o principal pré-requisito de um bom governo seria estimular a liberdade de opiniões, o
esforço e o desenvolvimento dos indivíduos, pois o livre desenvolvimento individual era a
essência do bem-estar e o principal ingrediente para o progresso tanto individual quanto social.
Em uma sociedade cujo fundamento é o individualismo, a liberdade é essencial para que
o indivíduo possa desenvolver sua autonomia, saiba escolher o que é melhor para si e para a sua
vida. O governo que melhor desenvolver essas qualidades no povo teria maior probabilidade de
promover o progresso e a civilização, ‘palavras-chave’ na sociedade daquele período.

Democracia liberal e educação

Diante da preocupação com o uso adequado da liberdade política pela classe


trabalhadora, Stuart Mill considerava que o cidadão deveria estar devidamente preparado para
expressar sua vontade de forma consciente e assumir responsabilidades. Sob o argumento de
que as “[...] as pessoas incultas não podem ser juízes competentes” (Mill, 1996, p. 525), ele
defendia que as mentes fossem educadas pelo governo para que os indivíduos pudessem se
desenvolver moral e intelectualmente, de maneira a fortalecer a ação coletiva e debilitar os
interesses egoístas. Cabia ao Estado habituá-los “[...] a agir por motivos públicos e
semipúblicos” (Mill, 1991, p. 153), ensiná-los não apenas a aceitar e a reivindicar, mas também a
“[...] manejar a instituição” política (Mill, 1981, p. 10) e “[...] exercitar o direito ao sufrágio
universal” (Mill, 1981, p. 19). De seu ponto de vista, a instrução também decorria da
participação política. Ou seja, a educação para a democracia surgiria no próprio exercício da
prática democrática.
Nesse contexto, a educação ainda era entendida como um recurso decisivo para a
consolidação e a preservação da República e para a derrota definitiva dos resquícios do Antigo
Regime, mas também para criar um espírito contrarrevolucionário. Tendo como objetivo a
moderação, a convivência harmoniosa entre as classes, a colocação dos interesses nacionais
acima dos individuais, poder-se-ia, através da educação, restabelecer a ordem social e assegurar
a impossibilidade de insurreição da classe operária. O caráter cívico e patriótico, o sentimento
de nacionalidade e a solidariedade seriam virtudes públicas valorizadas para unir os espíritos
isolados numa comunidade universal e construir uma cidadania democrática.
Em tais circunstâncias, tanto as finalidades quanto as estratégias educativas estavam
submetidas a referenciais exteriores às subjetividades, ou seja, a uma cultura cívica e à
codificação jurídica/legal coletiva e universal pré-construída. A finalidade era que as
individualidades se subordinassem à universalidade. Por isso, para Mill (1991), oferecer
educação a todos seria a primeira tarefa dos dirigentes da sociedade. Porém, seguindo a tradição
do pensamento liberal, ele também fazia objeção a que o Estado assumisse a direção da
educação. Em outros termos, caberia ao Estado impor aos pais a obrigação legal de dar instrução
elementar aos filhos, mas o ensino deveria ser livre, não cabendo ao poder público “[...] reclamar
o monopólio sobre ele [...]” (Mill, 1996, p. 527) e nem assumir seu controle total, pois isto
significaria um atentado aos princípios da liberdade e da autonomia. Ele entendia que a
intervenção da autoridade pública na vida da comunidade e na economia de uma nação deve ser
restringida ao mínimo, que “[...] o laissez-faire deve ser a prática geral [...]” e “[...] qualquer
desvio dessa prática é um mal-certo” (Mill, 1996, p. 522). Para os teóricos liberais do século XIX,
era necessário remover as barreiras do desenvolvimento das economias nacionais, já que o
capitalismo industrial entrava em uma era transnacional. Na prática, isso significava a tentativa
de eliminar as intervenções do Estado, pois estas obstaculizavam o desenvolvimento da
produção, limitando sua atuação.
40
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Embora reconhecesse a educação como um meio para que o indivíduo e toda a


comunidade progredissem e admitisse que o Estado tinha o dever de impor a educação
universal, Stuart Mill considerava que, em primeira instância, cabia aos pais prover com seus
próprios recursos a educação dos filhos. Caso não cumprissem essa obrigação, o autor sugeria
que as despesas fossem pagas por alguma outra fonte, ou seja, “[...] uma provisão dada pelo
governo e a caridade voluntária: entre a interferência do governo e a interferência da parte de
associação de indivíduos, que subscrevem seu próprio dinheiro em prol dessa finalidade, como
as duas grandes Sociedades Escolares” (Mill, 1996, p. 527). Isto significa que os governos, antes
de assumir essa função, precisavam considerar a probabilidade de o serviço ser oferecido por
uma ação privada e voluntária. A ajuda governamental, portanto, só deveria ser manifestada em
última instância: “[...] seus recursos pecuniários serão aplicados, quando for exeqüível, em
ajudar os esforços privados, mais do que substituí-los [...]”, acionando “[...] seu mecanismo de
recompensas e honrarias que suscitar tais esforços” (Mill, 1996, p. 548).
Diferentemente desses encaminhamentos do pensamento liberal do século XIX, a
educação no século XX transformou-se em um amplo serviço público, ou seja, tornou-se um
direito universalizado (obrigatório e gratuito em estabelecimentos oficiais) que o Estado tinha o
dever de garantir constitucionalmente ao lado de outros direitos sociais. É o que analisaremos a
seguir.

As duas faces da democracia

Os debates sobre a democracia no século XIX foram marcados pela defesa ou pela
rejeição do sentido radical de soberania popular (como princípio de legitimidade do contrato
social) tanto pelos defensores do Antigo Regime quanto por pensadores liberais. Os primeiros
preconizavam a tradição e o costume da velha e ordeira sociedade e nenhuma mudança em
oposição a tudo que fosse novo; alguns dos segundos eram totalmente hostis à Revolução
Francesa, embora aceitassem os valores éticos e cívicos do ideário democrático (liberdade,
igualdade). Outros ainda se preocupavam com antídotos para os efeitos perversos da experiência
democrática conduzida pelos jacobinos. Dessa forma, podemos afirmar que, desde o seu
nascimento, nem a democracia era um valor universal nem existiu um consenso em torno desse
ideal.
É conveniente sublinhar que, mesmo de forma não muito clara, a democracia possuía
naquele momento, e possui até hoje, dupla face ou duas lógicas diferentes que correspondem
aos antagonismos entre as duas classes sociais (proprietários e trabalhadores assalariados) e aos
conflitos no interior da esfera política. Uma face consiste na concepção democrática
liberal/burguesa, na liberdade política (sufrágio universal, livre expressão das vontades
individuais, partidos políticos de bases amplas e competitivas, pluripartidarismo) que legitima a
ordem social burguesa. A outra expressa a concepção democrática proletária/socialista, dotada
de um novo sentido e de uma nova função, que defende a participação popular em todas as
instituições sociais, pressupondo a autonomia social e política, a distribuição igualitária do poder
econômico e político, o que, levado às últimas consequências, contribui para superar as relações
capitalistas e construir o socialismo.
Assim, a democracia como forma de governo foi abraçada tanto pelo movimento liberal
quanto pelo movimento socialista, o que revela o caráter ambíguo do termo: ele tanto pode ser
compatível com o liberalismo/capitalismo como também estar em oposição a ele.
Lênin, apesar de perceber os limites da democracia burguesa e que, em um sentido
rigorosamente consequente, ela é impossível, mesmo no regime capitalista, não deixou de
reconhecer que a “[...] democracia tem uma enorme importância na luta da classe operária por
sua emancipação” (Lênin, 1978, p. 122), pois, de sua perspectiva, a ‘democracia proletária’
favorece a conquista, a destruição e a superação do Estado burguês pelas classes trabalhadoras.
41
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Assim, a república democrática é vista como um estágio necessário que conduz à ‘ditadura do
proletariado’ e, posteriormente, à construção de uma forma de Estado inteiramente nova sob o
regime socialista (Marx; Engels, 198-?; Marx; Engels, 1987). A nova forma do Estado
representaria a emancipação ou a autonomia do proletariado em face das relações capitalistas de
produção e a construção de uma sociedade sem classes. A socialização dos meios de produção, a
supressão da divisão do trabalho em suas diferentes dimensões e, finalmente, a destruição do
Estado burguês, mediante a desestatização crescente das práticas administrativas (Saes, 1998)
seriam os pré-requisitos para a transformação social e política que tornaria possível alcançar a
democracia socialista, caracterizada pela ausência de classes e pelo autogoverno.
Lênin, portanto, reconhece a dupla possibilidade da democracia política. Na concepção
leninista, a democracia direta, de massa, seria oposta à democracia representativa e parlamentar,
significando ao mesmo tempo um elemento essencial para a consciência revolucionária do
proletariado e sua ação coletiva transformadora (Saes, 1998). Modifica-se, portanto, de modo
mais ou menos substancial, a ideia de transição para o socialismo. Sua concepção influenciou
profundamente o pensamento da esquerda, que passou a considerar a necessidade de constituir
um Estado dotado de características organizacionais inéditas, no qual a democracia direta seria
entendida como a ‘verdadeira’ democracia.
Todavia, Lênin defendia a ideia de uma organização política centralizada, burocratizada,
disciplinada e administrada politicamente por uma vanguarda representante da classe operária17.
A centralização não excluía uma ampla autonomia local que, segundo Lênin, permitiria “[...] a
supressão completa de todo o burocratismo e toda a ordem do alto, contanto que as comunas e
as regiões mantenham espontaneamente a unidade do Estado” (Lênin, 1978, p. 90, grifo do
autor). Assim, concordando com Engels, propunha a autonomia provincial, ou seja, a “[...]
administração autônoma completa na província, no distrito, na comuna, com funcionários eleitos
por sufrágio universal. Supressão de todas as autoridades locais e provinciais nomeadas pelo
governo” (Lênin, 1978, p. 91).
Em oposição a Lênin e Trotsky, Rosa Luxemburgo defendeu a democracia operária com
plena participação18 por meio de conselhos e a autonomia das massas de trabalhadores para a
construção do socialismo. Também os acusou de abandonar o conceito marxista de ‘ditadura do
proletariado’.
Considerava ela que, para criar uma democracia socialista em oposição à democracia
burguesa, era preciso começar pela destruição da dominação de classe e, simultaneamente, pela
construção do socialismo. Ou seja, começar pela tomada do poder, pela ‘ditadura do
proletariado’, que consistiria na ampliação da democracia e não em sua eliminação:

[...] Mas essa ditadura consiste na maneira de aplicara democracia, não


na sua supressão; ela se manifesta nas intervenções enérgicas e resolutas
pondo em causa os direitos adquiridos e as relações econômicas da
sociedade burguesa, sem o que a transformação socialista não pode ser
realizada. Mas tal ditadura precisa ser obra da classe, não de uma pequena
minoria que dirige em nome da classe; quer dizer, ela deve, a cada passo,

17
Não há consenso acerca da transição do capitalismo para o socialismo. Segundo Martins (2001), o Partido Social-
Democrata Russo, criado em 1898, dividiu-se em duas alas: os bolchevistas, liderados por Lênin, que pretendia um
partido combativo, disciplinado e centralizado, e os mencheviques, liderados por Martov, que pretendia uma
participação ilimitada e ativa da maioria do povo nas decisões. Essa cisão marcaria definitivamente o movimento
internacional dos trabalhadores e o debate sobre a democracia e a transição ao socialismo.
18
A prática democrática envolve duas formas distintas de participação – a participação indireta, por meio da
representatividade política e da delegação de poderes, e a participação direta nas decisões. A diferença entre elas
que, enquanto a primeira é fundada na determinação de outrem, a segunda indica autodeterminação, autogoverno,
implica, portanto, em não ser governado por ninguém, isto é, na ação efetivada pelo próprio sujeito enquanto
criador de leis e regras da existência social e política.
42
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

resultar da participação ativa das massas, ser imediatamente influenciada por


elas, ser submetida ao controle público no seu conjunto, emanar da
formação política crescente das massas populares (Luxemburgo, 2017, p.
101, grifo do autor).

Em outros termos, Rosa Luxemburgo defendia uma ‘ditadura de classe’ e não a de um


grupo ou partido, ou seja, “[...] a mais ampla e ilimitada democracia, opinião pública”
(Luxemburgo, 2017, p. 95-96, grifo do autor), o que implicava imprensa livre, eleições gerais,
direito de associação e autonomia da massa de trabalhadores. Ao mesmo tempo, no entanto,
entendia que a democracia plena era impossível na sociedade burguesa.
Nesse sentido, embora se posicionassem de maneira diferente dos liberais na questão da
democracia e do papel do Estado capitalista, alguns teóricos socialistas também a defendiam.
Wood (2011, p. 242, grifo do autor) esclarece qual seria a dimensão da democracia socialista:
“[...] A democracia que o socialismo oferece está baseada na reintegração da economia à vida
política da comunidade, que se inicia pela sua subordinação à autodeterminação democrática
dos próprios produtores”. Em outros termos:

Assim, as lutas no plano da produção, mesmo quando encaradas pelos seus


aspectos econômicos como lutas em torno dos termos de venda da força de
trabalho ou de suas condições de trabalho, permanecem incompletas, pois
não se estendem até a sede do poder sobre a qual se apoia a propriedade
capitalista, que detém o controle da produção e apropriação. Ao mesmo
tempo, batalhas puramente políticas em torno do poder de governar e
dominar continuarão sem solução enquanto não implicarem, além das
instituições do Estado, os poderes políticos que foram privatizados e
transferidos para a esfera econômica. Nesse sentido, a própria diferenciação
entre o econômico e o político – a divisão simbólica de trabalho entre classes
e Estado – é precisamente o que torna essencial a unidade das lutas
econômicas e políticas, e o que é capaz de tornar sinônimos socialismo e
democracia (Wood, 2011, p. 49, grifo do autor).

No século XX, a democracia não deixou de ser bandeira de luta e, apesar dos regimes
totalitários, fossem eles fascistas, comunistas ou nacionalistas, o sentido do termo foi ampliado.
A democracia passou a ser entendida como o caminho, no interior do Estado capitalista, para a
conquista de direitos jurídicos e políticos e, posteriormente, para o usufruto deles. Assim, o
alargamento de suas bases seria materializado pela ampliação formal de direitos políticos e pela
conquista de direitos sociais que marcou, ao longo do século, as reivindicações dos movimentos
sociais e as lutas operárias, organizadas em partidos e sindicatos. Dessa forma, a democracia,
além de política, iria se caracterizar, também, por sua tendência à instauração da democracia
social.

43
Capítulo 2

A social-democracia

As ideias centrais do liberalismo clássico giravam em torno da não intervenção do Estado


nos assuntos econômicos e na vida dos indivíduos e da defesa da propriedade privada, da livre
competição, da livre iniciativa e da igualdade de direitos. De acordo com Hobsbawn (1998), a
partir da segunda metade do século XIX, o programa liberal encontrou condições materiais para
sua realização: as inovações tecnológicas revolucionárias e a integração sistemática da ciência
aos processos produtivos, cujo salto qualitativo foi a implantação de indústrias baseadas na
eletricidade, na química e no motor de combustão, em substituição à tecnologia a vapor, e a
utilização do ferro levaram a um aumento significativo da produção. As atividades extrativas
(mineração, ferro e aço), a construção de infraestrutura (portos, ferrovias), o avanço dos meios
de comunicação (telégrafo, rádio, cinema) e a ampliação das atividades comerciais
intensificaram a concorrência e permitiram o desenvolvimento da produção em uma velocidade
inaudita.
Porém, após um período de expansão sem precedentes, a economia mundial entrou em
crise19, com a paralisação do comércio e da indústria, o decréscimo nas taxas de lucro, falências
e bancarrotas, bem como o desaparecimento do dinheiro e do crédito (Engels, 1985). Isso gerou
algumas depressões agudas entre 1873 e meados de 1890.
A saída encontrada pelo sistema capitalista foi a transformação da livre concorrência em
seu contrário: o monopólio20 e o oligopólio, ou seja, a centralização e a concentração do capital
de grandes empresas na forma de trustes ou cartéis, visando o controle do mercado e a
eliminação da concorrência. O movimento de concentração de capitais dissolveu a autonomia do
capital individual e transformou o esquema de propriedade, configurando novas formas de
sociabilidade. As corporações financeiras que, a princípio, concentravam suas operações no
financiamento do giro dos negócios passaram a destinar recursos para novos empreendimentos
e para fusões de capitais. A fusão do capital bancário com o capital industrial conduziu aos
oligopólios (empresas sob o comando de gigantescas corporações financeiras) e à subordinação
do capital industrial ao financeiro (Hilferding, 1985; Lênin, 1985). A característica central dessa
fase do capital, periodizada como imperialista21, é a internacionalização dos circuitos produtivos

19
Os processos de reprodução social são fundamentalmente desencadeadores de crise. Para Marx, a chave
fundamental para a compreensão da organização da economia capitalista e de suas crises cíclicas é a competição
intercapitalista e o fenômeno da superprodução de capital ou subconsumo. Isso significa dizer que o capital
contém uma tendência desenfreada à acumulação, que o torna periodicamente excessivo a uma dada taxa de lucro,
significa que “[...] as condições de realização tendem a ser ultrapassadas de modo recorrente pelo vigor assumido
pela acumulação; significa que as proporções e o equilíbrio são continuamente rompidos e socialmente repostos
nas crises; significa que o processo de produção, ao longo do movimento expansivo, se torna independente do
processo de circulação, e a crise, enquanto superprodução ou de realização dinâmica, não é senão o
‘estabelecimento forçado da unidade’ que é intrínseca a estes processos” (Mazzucchelli, 1985, p. 31, grifo do
autor).
20
Cabe ressaltar que a etapa monopolista teve origem no início do século XX, consolidando-se após a Segunda
Guerra Mundial, e que a Grande Depressão é considerada como marco fundamental de encerramento da etapa
concorrencial.
21
Apesar de Lênin ver o imperialismo como um fenômeno puramente capitalista, muitos dos imperativos que
impeliram as nações industriais capitalistas impeliram igualmente as nações socialistas, à medida que ambas
estavam integradas ao sistema econômico mundial (Toffler, 1997).
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

e financeiros, a exportação de capitais e de indústrias centralizados monopolisticamente e a


partilha territorial do globo entre as maiores potencias capitalistas.
No capitalismo monopolista/imperialista ocorreu uma nova divisão internacional do
trabalho. De um lado, nações exportadoras de mercadorias industrializadas e de capitais, de
outro, nações consumidoras e fornecedoras de matérias-primas, revestindo a economia mundial
de uma nova dinâmica (Mandel, 1985). A concorrência deixou de se limitar às empresas e
passou a abranger nações inteiras, sendo seus efeitos o protecionismo da economia de cada
nação-Estado e os grandes conflitos armados. O ideal de nacionalismo22 também sofreu
modificações, transformando-se em arma mundial de luta contra os grupos capitalistas rivais
para ampliar as fronteiras nacionais, em termos da expansão do capital, dos mercados e dos
territórios (Sweezy, 1986).
A crise dos anos de 1930 desencadeou-se no seio dessa nova configuração política e
econômica e teve maior profundidade do que a anterior. No limiar dos anos de 1930, a economia
mundial mergulhou na mais catastrófica depressão da história do capitalismo. A ‘Grande
Depressão’ produziu o desemprego massivo em todo o mundo, o excesso de produção fez os
preços despencarem em uma velocidade vertiginosa, provocando a falência sucessiva de
empresas, arrastando consigo grandes blocos de capitais, desempregando milhões de pessoas e
espalhando o pânico financeiro. O consequente cenário de desesperança e incertezas quanto às
possibilidades de sobrevivência tornava mais agudas as tensões e as contradições do capitalismo.
Nessa nova fase, diante das novas formas de sociabilidade do capital, o Estado foi levado
não só a assumir novos papéis, mas também a assumir uma nova estrutura e uma nova forma de
organização, cujas marcas são a crescente intervenção na economia, a estruturação das políticas
sociais e o aumento da burocracia estatal.

Social-democracia e Estado do bem-estar social

Levando em conta que a natureza e o papel do Estado variam historicamente, podemos


afirmar que, a partir da década de 1930, surgiu um novo formato de Estado, cujo papel
estratégico é o planejamento do desenvolvimento econômico nos Estados-nação, com a garantia
de direitos, a ampliação da participação política da classe operária e a promoção de políticas
governamentais conforme as reivindicações populares. O desdobramento dessa nova relação
entre Estado e sociedade é o modelo social-democrata desenvolvido até a década de setenta do
século XX.
Em vários países da Europa, a ampliação da participação política das classes populares
levou os partidos social-democratas, trabalhistas e socialistas ao poder. De acordo com
Przeworski (1989), diante da inviabilidade das insurreições armadas e apesar dos dilemas e
incertezas23, foi dado o passo em direção à participação eleitoral. Considerava-se que a

22
Segundo Hirsch (2010, p. 81, grifo do autor), os sentidos de nação e de nacionalismo são produtos do modo de
produção capitalista e de sua forma de socialização. Ou seja: “[...] Com a representação da nacionalidade, a
sociedade capitalista, marcada e fragmentada pela individualização e dividida pelos antagonismos sociais, pode ser
entendida como uma ligação disponível e portadora de sentido, como uma unidade. Através disso, ela adquire na
consciência de seus membros contornos, ligações e fronteiras, conferindo aos indivíduos um lugar visível no espaço
e no tempo e transmitindo um sentimento de filiação e de segurança existencial”. Portanto, “[...] a nação moderna
e o nacionalismo formam o campo sobre o qual é refundada simbolicamente a ligação social, a constituição da
sociedade sob as condições de socialização capitalista”.
23
A escolha da estratégia eleitoral constitui um dilema para os socialistas e outros partidos de esquerda. Nesse
momento, eles visualizavam dois caminhos para a superação do capitalismo e para o avanço do socialismo. A
discussão concentrava-se na opção entre a ação ‘direta’ e a ação ‘política’. A opção entre a revolução, a exemplo da
Revolução Russa, e a luta por reformas por meio de instituições políticas não deixou de gerar controvérsias,
tornando-se tema da III Internacional e motivo de divisão entre os próprios partidários do socialismo (Przeworski;
Wallerstein, 1998).
46
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

democracia e o sufrágio universal eram uma oportunidade para se mobilizar e fortalecer o


movimento operário. Ascendendo ao poder por vias eleitorais, os operários poderiam promover
alguns de seus interesses de curto prazo, caso em que a construção da sociedade socialista seria
de longo prazo, por meio da acumulação de reformas e da multiplicação de pequenas
conquistas.
A princípio, ao participar do governo em vários países europeus, os partidos trabalhistas e
social-democratas não dispunham de nenhum tipo de política econômica própria que os
diferenciasse dos demais partidos políticos. Conforme Przeworski e Wallerstein (1998), foi a
adoção da política econômica keynesiana que viabilizou a socialdemocracia e forneceu o objetivo
que justificaria a participação dos socialistas em cargos políticos dos governos capitalistas. A
teoria keynesiana ofereceu aos social-democratas um novo caminho para as reformas. A resposta
para a crise não seria mais cortar os salários ou os custos de produção, mas estaria na
intervenção do Estado; esta seria uma forma de regular a crise e revigorar a economia para
manter o pleno emprego e melhorar a distribuição de renda, e, atenuando os efeitos da
desigualdade social, promover o bem-estar dos cidadãos (Przeworski; Wallerstein, 1998). O
pleno emprego tornou-se uma meta realista, significando ‘o começo do casamento entre a
esquerda e a economia keynesiana’ que constituiria o Estado de bem-estar social após a
Segunda Guerra Mundial.

A política econômica da social-democracia: do liberalismo clássico ao


intervencionismo estatal

A crise vivenciada pelo capitalismo mundial a partir dos anos de 1930 diferenciou-se das
anteriores. A interdependência das economias capitalistas em função da monopolização e da
oligopolização levou-a a assumir um caráter internacional. Nesse novo contexto recessivo, a
solução dos problemas por meio da regulação automática e autônoma do próprio mercado
revelou-se impossível. Expressando esse momento do capitalismo, Keynes (1984) postulou que
o livre jogo das forças do mercado, por si, não poderia conduzir à estabilização da economia e
que havia a necessidade de se substituir a ‘mão invisível’ do mercado pela intervenção do
Estado.
Em seu diagnóstico da crise, Keynes (1984) constatou que a repartição desigual da
riqueza e das rendas e o desemprego24 eram os maiores males que abalavam o sistema capitalista
contemporâneo e os tomou como questões centrais de sua teoria. Por entender que o
desemprego decorria primordialmente de um investimento inadequado, defendeu a tese de que,
se fosse possível submeter o investimento ao controle, o pleno emprego também seria
controlado. Para isso, sugeria a ação direta e indireta do Estado sobre o investimento privado
para obter o volume adequado de investimento e, assim, assegurar a demanda global de bens de
consumo, tornar os novos investimentos rentáveis e garantir níveis mais elevados de emprego.
Ele atribuía ao Estado uma ampla agenda: organizar a produção; racionalizar as forças do
mercado; manter a demanda global pelo investimento de forma a igualar a demanda efetiva;
atuar sobre a oferta e a demanda da moeda para estabilizar preços; manter o controle rigoroso
do volume de moeda disponível para o sistema bancário por meio de compra e venda de títulos;
manter o controle da taxa de juros; arrecadar impostos, com fins de distribuição; redistribuir
rendas; reorganizar as condições de trabalho; regular e fixar salários e preços para estabilizar
preços, manter alta a parte dos lucros no rendimento nacional, assegurar a taxa de crescimento
desejada e evitar as “[...] flutuações imprevistas nos valores de capital que podem modificar a

24
De acordo com Santana (1996), o desemprego atingia 15 a 20 % das populações dos países industrializados e
alternativas concretas como a Revolução Russa de 1917 desafiavam ainda mais os intelectuais e os
implementadores da política econômica capitalista.
47
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

propensão para consumir” (Keynes, 1996, p. 118). Enfim, com o fim de aliviar a crise e conter a
queda na taxa de lucro, o Estado deveria adotar medidas econômicas para recuperação e garantia
do bom funcionamento do sistema capitalista, tornando as regras de competição mais estáveis e
previsíveis sem, contudo, alterar seus alicerces.
Entre os mecanismos previstos pela política keynesiana constavam o estímulo ao aumento
da renda nacional, a preservação da acumulação privada de capital, a cooperação com a iniciativa
privada e o empreendimento de obras públicas. Para o aumento da renda nacional, ele propunha
uma política de obras públicas e outras formas de gasto estatal (investimentos ou
empreendimentos). Porém, os investimentos públicos não poderiam expandir a capacidade de
produção da economia, para competir com a iniciativa privada, nem gerar superprodução, ou
seja, deviam ser ‘improdutivos’25. Os investimentos improdutivos significavam, na verdade, uma
nova forma de aumentar a renda e o consumo, pois geravam ocupação da capacidade ociosa
existente no setor produtivo.
Portanto, por meio de investimentos públicos suplementares, o Estado preencheria a
lacuna deixada pela variação e pela insuficiência de investimentos privados, contrabalançando o
volume de investimentos necessários para a manutenção dos altos níveis de emprego. O gasto
estatal era o instrumento principal da política keynesiana no combate ao desemprego, na
diminuição das desigualdades, na distribuição de rendas e na redução da magnitude das
flutuações cíclicas.
Desse modo, a interpenetração de recursos estatais e recursos privados como condição
para a expansão capitalista produziu o processo denominado de ‘publicização do privado’26, no
qual os recursos do Estado eram empregados para o financiamento do setor privado.
Em vez de salários monetários mais elevados, na política keynesiana, os serviços sociais
seriam o melhor meio de elevar o nível de vida da classe assalariada. Não se tratava
simplesmente de obter o volume adequado de investimentos, mas de assegurar a demanda de
bens de consumo para torná-los mais rentáveis, aumentando o potencial produtivo do país e
impulsionando taxas de crescimento em longo prazo. Portanto, a tributação só podia se
conformar com o interesse público caso visasse novos investimentos, pois o que importava era
que o capital fosse mobilizado para o desenvolvimento de uma nova riqueza produtiva e para a
geração de empregos. Nesse caso, a intervenção do Estado deveria estar associada ao controle da
economia, evitando que ela ficasse à mercê de uma liquidez especulativa que poderia conduzir à
estagnação da capacidade produtiva, deprimindo a eficácia marginal do capital, desestabilizando

25
Considera-se como improdutivo aquele trabalho que não contribui diretamente para a valorização do capital como
um todo, ou seja, não produz mais-valia. No entanto, não se pode negar que contribuem indiretamente para a
expansão das atividades produtivas, circulação e realização do valor e, portanto, para a valorização do capital.
Frigotto (1984), em A produtividade da escola improdutiva, revela que os gastos improdutivos são necessários à
produção. Dessa perspectiva, a escola funciona como um indutor das indústrias produtivas, comportando-se em
relação ao “[...] ciclo econômico, como qualquer gasto de consumo, componente da demanda efetiva. Sua
especificidade educacional não se põe para o ciclo, senão do ponto de vista de criar um circuito privado de
apropriação destes gastos, primeiramente; e, secundariamente, funciona como condutor das indústrias da
educação: papel, mobiliário, construção civil, gráfica e editorial” (Oliveira; Borges, 1980, p.7 apud Frigotto, 1984, p.
158). Devemos lembrar, no entanto, que uma questão sempre possui dois lados. Assim, a ampliação do acesso à
escola é também resultado da luta das classes populares pelo direito à educação.
26
De acordo com Oliveira, a “[...] publicização, na prática social-democrata deste século, universalizada a partir da
Grande Depressão, é uma operação mediante a qual o público se privatiza à condição de que o privado não apenas
se exponha à publicidade, mas se transforme pelos critérios do público. Em outras palavras, o macro-acordo que é
o Estado do Bem-Estar opera privatizando parte da riqueza pública, desde que esse novo privado seja modificado
pelo interesse público, que não é uma simples soma de referidos interesses privados. Assim, subsídios fiscais, por
exemplo, que são recursos públicos, podem ser dados ao serviço privado da economia, desde que os resultados
advindos dessa operação não sejam apenas dependentes da vontade dos proprietários do capital [...]” (Oliveira,
2001, p. 10, grifo do autor).
48
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

o incentivo ao investimento e fomentando o desemprego para toda a comunidade (Keynes,


1996).
Keynes sistematizou novas bases teóricas para definir a função do Estado. Ao assumir os
‘controles centrais necessários para assegurar o pleno emprego’, o Estado passaria,
naturalmente, por ‘uma considerável extensão de suas funções tradicionais de governo’.
À medida que o Estado ampliou seu poder e suas funções, passou a se dedicar ao
desenvolvimento da economia como um todo, de forma tanto direta quanto indireta. O apoio
direto ao processo de acumulação passou a ser feito por meio de investimentos, subsídios,
definição de taxas de importação, promoção do desenvolvimento de indústrias auxiliares
(infraestrutura), atuação nas áreas da economia que não concorressem com as empresas
privadas e nas quais os empresários privados não estivessem dispostos a investir, venda de
produtos e serviços para empresas privadas, fornecimento de insumos para uma economia
rentável, regulação do setor privado. Indiretamente, a intervenção se deu por meio de políticas
sociais compensatórias, que atenuavam os efeitos distributivos do funcionamento do mercado e
promoviam o bem-estar dos cidadãos. Dessa forma, as contradições entre capitalismo e
democracia de massas puderam ser processadas pelo Estado social-democrata.
Em consequência da política keynesiana, foram privilegiados a intervenção e o controle
centralizado, o que fortaleceu as instituições de âmbito nacional em detrimento da
descentralização da política administrativa, ou seja, da autonomia local e regional.

O modelo burocrático de gestão pública: racionalidade técnica e centralização


administrativa

No cenário de monopolização e oligopolização da economia, de expansão da concorrência


intercapitalista, de aumento dos conflitos e desigualdades sociais, de conflitos bélicos entre as
nações, de crises cíclicas do capital e de necessidade de planificação da economia nacional, o
Estado precisou ampliar e diversificar suas funções, devendo, portanto, reformular seus
instrumentos e estratégias de administração e de organização. A ‘modernização’ ou a
‘burocratização’ (organização racional/legal) da máquina estatal seguiu os pressupostos dos
modelos clássicos da teoria da administração científica de Taylor, Ford e Fayol. Tratava-se de
adaptar a estrutura organizacional e funcional às novas condições sociais.
Com a administração concebida como científica, o processo de trabalho tornou-se
dissociado da especialidade e do conhecimento dos trabalhadores, passando a não depender
absolutamente de suas capacidades, mas inteiramente das políticas gerenciais. Criava-se, então,
uma nova estrutura administrativa: na fábrica surgiam os departamentos de programação e
controle de produção, tempos e métodos, controle de qualidade, arranjo industrial,
ferramentarias, etc. À gerência científica caberia planejar, programar as tarefas, avaliar e
controlar a execução de todos os elementos do processo do trabalho. Para Braverman (1987), o
resultado prático foi a economia das faculdades físicas e mentais que consumiam tempo do
trabalhador. Por meio da racionalização, da divisão e da simplificação do trabalho, reduziram-se
ao mínimo os movimentos de cada operário, que deveria fazer sempre o mesmo movimento e
executar a mesma operação. Isso repercutiria no aumento da produtividade.
Com o objetivo de dinamizar a divisão do trabalho, controlando-o em todos os níveis da
organização da empresa, desde o planejamento do processo de produção até sua execução, Fayol
estabeleceu os princípios básicos para a administração, os quais facilitariam a gerência de
empresas, fossem elas industriais, comerciais, políticas, militares ou de qualquer outro tipo.
Eram eles: divisão/especialização do trabalho, autoridade e responsabilidade, disciplina, unidade
de comando, unidade de direção, subordinação do interesse particular ao interesse geral,
remuneração [adequada às capacidades], decisões centralizadas, hierarquia burocrática, ordem,

49
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

coordenação e controle, estabilidade do quadro de pessoal, iniciativa, união de pessoal [espírito


de solidariedade e lealdade] (Fayol, 1975).
Transferido para a administração pública, esse modelo resultou em uma burocracia
hierarquizada, baseada na racionalização e na padronização de métodos e procedimentos cada
vez mais técnicos (Weber, 1997). Em seu estudo sobre a burocracia, Weber (1963, 1997)
procurou identificar as principais características dos sistemas modernos de administração e
definiu a administração burocrática como um tipo de poder institucionalizado e oficializado,
cuja legitimidade é baseada em normas e regulamentos racionalmente definidos e previamente
estabelecidos. Nessa estrutura/organização racional, a divisão do trabalho e a programação
sistemática do trabalho são pré-fixadas por regras e técnicas, havendo uma adequação dos meios
aos objetivos/fins.
Na era da industrialização, o modelo organizacional burocrático, conforme o autor,
tornou-se necessário em todas as instituições sociais, tanto na área privada quanto na pública.
Não foi uma exclusividade da sociedade industrial e democrática: o Estado soviético também
possuía uma estrutura extremamente centralizada, burocrática e disciplinada, especialmente no
período stalinista (1928-1953).
A burocratização exige formação profissional (treinamento especializado, concursos
públicos para a ocupação de cargos), remuneração com salários fixos em dinheiro, com direito a
aposentadoria na maioria dos casos, disponibilidade para exercer o cargo como profissão única
ou principal, perspectiva de carreira, hierarquia funcional formal, clara definição das
competências, progressão por tempo de serviço e eficiência, separação entre administração e
propriedade, impessoalidade, imparcialidade, eficiência técnica, objetividade, disciplina,
controle rígido dos processos de trabalho, divisão do trabalho baseada na especialização
funcional, racionalidade, cálculo entre regras e resultados (Weber, 1998). Todos esses aspectos
demarcam essa forma de controle administrativo, considerada mais compatível com as novas
condições históricas da sociedade capitalista. À medida que essa sociedade se torna mais
democratizada, o Estado aumenta seu poder e sua dimensão.
No decorrer do século XX, o Estado foi aumentando continuamente sua presença em
todas as esferas da vida econômica e social, provocando com isso um crescimento extraordinário
do aparato administrativo e uma consolidação da burocracia em todos os níveis. O
intervencionismo estatal passou a ser orientado por princípios de racionalidade técnico-
burocrática e de fortalecimento das instituições nacionais de representação, em detrimento da
descentralização político-administrativa, ou seja, da autonomia local e regional. A própria
natureza do funcionamento da burocracia moderna foi excessivamente desfavorável ao
desenvolvimento da autonomia político-administrativa (Weber, 1997). Em face das exigências de
um planejamento central, a descentralização seria considerada um obstáculo ou uma solução
cara e antieconômica (Weber, 1998).
Isso não significa, porém, que tenham deixado de existir movimentos adeptos da
tendência descentralizada e da autonomia em oposição à organização burocrática e
centralizadora, tanto nos países capitalistas, quanto nos socialistas, principalmente a partir dos
anos de 1960.
Ao longo do século XX, a tendência intervencionista e a organização centralizada e
burocrática do Estado foram alvos de questionamentos e contestações. Lentamente, foram
gestados diferentes movimentos a respeito do redirecionamento da ação política, da autonomia e
da participação direta no interior das diversas organizações sociais. A defesa da autonomia
significou, ao mesmo tempo, o desejo de ruptura com os modelos capitalistas de organização e
de gestão das instituições e de criação de novas formas de organização do processo de trabalho,
nas quais eram propostas a abolição de hierarquias, da divisão do trabalho entre planejamento e
execução, a representação por delegação de poder e também a criação de uma nova realidade
social (Bruno, 1986; Martins, 2001). Portanto, a perspectiva socialista quase sempre esteve
50
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

implícita nas lutas do movimento operário por autonomia, expressando uma oposição direta ao
sistema capitalista. A autogestão foi assim transformada em um elemento de contradição, pois
sua defesa implicou a negação da condição de homem-mercadoria, a destruição dos processos
de valorização do capital e a afirmação de novas formas de controle e gestão da produção e da
vida social.
A partir dos anos 1960, houve uma proliferação dos movimentos políticos e sociais
(movimentos estudantis, comissões de fábrica, associações de bairro, cooperativas, comitês de
greve), cujo eixo de decisão eram as assembleias de base. A defesa do ideal de autogestão
influenciava profundamente o movimento dos trabalhadores e os movimentos sociais e políticos
que se opunham aos regimes ditatoriais e totalitários. De acordo com Bruno (1999), nesse
período, as lutas autônomas também eram redirecionadas: diversificando-se, o foco passou a
incidir prioritariamente contra as formas de poder e de controle vigentes dentro e fora dos locais
de trabalho, ou seja, contra a disciplina/burocratização sindical e partidária e contra as formas de
poder dentro da empresa. Até os anos de 1980, o ideal de autogestão foi totalmente assimilado
por esses movimentos.
A generalização das insatisfações com o modelo taylorista/fordista, o aceleramento das
mudanças tecnológicas e a crise do Estado-providência indicavam a necessidade de uma nova
distribuição de poder e de um novo modelo de organização social. Nos anos de 1980, em razão
do fim do regime soviético e da reorganização produtiva e financeira dos mercados, novos
enfoques foram dados ao debate democrático. As mudanças de paradigmas e a ressignificação
dos conceitos serão tema do próximo item, cujo objetivo é esclarecer melhor o significado do
conceito de autonomia no âmbito da educação atual.

A redefinição e a ampliação do conceito de democracia

A fórmula keynesiana de recomposição capitalista produziu uma profunda alteração nas


relações entre as classes sociais e entre Estado e sociedade, bem como nas relações ocorridas no
espaço institucional representado pela democracia.
A intervenção estatal, articulando o financiamento da reprodução do capital e, ao mesmo
tempo, da força de trabalho, atuou sobre a acumulação de capital e a distribuição de renda,
amenizando os conflitos e as contradições decorrentes das lutas intercapitalistas e do aumento
da pobreza em meio à abundância (riqueza) e evitando os perigos do socialismo. Manter o
equilíbrio do sistema é conciliar esses dois eixos ou, mais precisamente, manter a unidade
dialética entre a reprodução da força de trabalho e a do capital, por meio de investimentos
privados e de prestação de serviços sociais. Essa dialética levou a inusitados desdobramentos,
alterando profundamente a forma de reprodução do capital, a natureza da democracia burguesa
e o conteúdo das lutas políticas no interior do Estado.
No decorrer do século XX, mais especificamente a partir da década de 1930, o chão da
fábrica deixou de ser o único palco de conflitos entre capital e trabalho, dividindo-o com o
aparato estatal. O Estado transformou-se em uma arena onde se disputam espaços de influência
sobre planos de ação e de distribuição do excedente do capital – fundo público – entre a classe
trabalhadora sindicalizada, a classe média e as poderosas associações econômicas de capital
monopolista, aprofundando os antagonismos e tornando ainda mais complexos os conflitos
sociais.
As mudanças nos padrões de financiamento do Estado repercutiram também o conteúdo
das lutas políticas no interior seu do Estado. De um lado, as classes assalariada e média lutam
pela ampliação de bens e serviços sociais públicos e por aumentos nos salários reais, corroídos
pela inflação; de outro, o setor oligopolista, à medida que o fundo público influi decisivamente
sobre a taxa de lucro, luta por parcelas crescentes da riqueza pública geral, ou, mais
especificamente, por recursos públicos que tomam a forma estatal nas economias capitalistas
51
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

(Oliveira, 1998a). Ambas as dimensões integram dialeticamente a conformação público-estatal,


convertendo o fundo público em um dos componentes essenciais das novas reivindicações
democráticas, redefinindo e redimensionando o próprio sentido da democracia. Esta deixa de
ser vista como uma categoria exclusivamente política, ou seja, que estabelece um tipo específico
de relações entre Estado e sociedade civil – caracterizadas pelos princípios de liberdade,
pluripartidarismo, sufrágio universal, eleições periódicas, regime constitucional, distribuição de
poder, autonomia das instituições e participação direta nas decisões –, e se converte em
reivindicação por melhoria na distribuição de renda e na garantia de direitos sociais.
As consequências mais significativas dessas mudanças foram a ampliação dos direitos
modernos, com base nos valores de antimercado (cultura, saúde, educação, etc.)27, a criação de
políticas de bem-estar social e a organização dos trabalhadores por meio do estreitamento dos
laços entre as massas populares e de sua unificação em práticas coletivas e solidárias. Com as
negociações coletivas (salários, segurança no trabalho, seguridade social), a criação de
sindicatos, a formação de cooperativas e de associações comunitárias e os movimentos e partidos
de massa, serão os grupos e não os indivíduos os protagonistas da vida política.
No novo modelo de articulação entre Estado e sociedade, o primeiro deixa de ser visto
apenas como instrumento de dominação. Apesar de reconhecerem que as instituições políticas e
jurídicas estão comprometidas com grupos economicamente dominantes, autores como
Gramsci (1984), Poulantzas (1977; 1986; 1990) e Hirsch (1977; 2010) se inserem no debate que
amplia a dimensão política do Estado e procura compreender suas novas funções no capitalismo
contemporâneo. Ao fazê-lo, acrescentam novos elementos que ampliam as teorias marxistas
tradicionais em relação ao Estado e às mudanças sociais.
Segundo Poulantzas (1977; 1990), o Estado contemporâneo, mais do que ‘um comitê
executivo da burguesia’(Marx, 198?), integralmente produzido pelas classes dominantes e por
elas monopolizado, é um palco de luta onde se confrontam as classes na defesa de seus
interesses distintos. Portanto, não é um bloco monolítico ou um “[...] simples apêndice – reflexo
do econômico” (Poulantzas, 1986, p. 18), mas uma ‘unidade conflitual’ entre as classes e frações
de classes. De sua perspectiva, o Estado deve ser entendido como uma ‘relação’, como um lugar
de condensação material das relações de forças entre classes e frações de classe, constituído e
atravessado, em todas as partes, pelas contradições sociais, o que permite compreender as
funções diferenciadas e contraditórias que ele desempenha, ainda que sob a hegemonia e a
direção de uma fração de classe hegemônica.
Nesse sentido, as políticas públicas resultam do conflito, da correlação de forças e de
consensos, sempre provisórios, entre os interesses divergentes das classes que atuam na
sociedade. Ao repercutir na organização do Estado, tais conflitos possibilitam uma política de
conquistas e concessões parciais aos trabalhadores. Resulta daí a concepção de que o poder do
Estado é produto de um movimento contraditório, ou seja, as políticas estatais não estão
estabelecidas a priori, mas são produto da ‘correlação de forças’ entre as classes. Tal correlação,
embora seja inerente às esferas econômica e social, repercute também na própria esfera política
do Estado.
A ressignificação dos valores democráticos transformou o Estado, conforme concepção
formulada por Poulantzas (1977; 1986), em uma arena de confronto e negociação entre as
classes para “[...] demarcar, de maneira cada vez mais clara e pertinente, os lugares de utilização

27
Segundo Corrêa (1999, p. 174), o reconhecimento dos direitos sociais e trabalhistas surgiu nos textos
constitucionais do século XX por obra dos movimentos reivindicatórios dos trabalhadores a partir do século XIX e
da agudização dos conflitos de classe na relação capital/trabalho. Dentre esses direitos estão incluídos: “[...] o
direito de trabalho e à liberdade de trabalho, direito ao salário mínimo, à jornada de quarenta e quatro horas
semanais de trabalho, ao descanso semanal remunerado, a férias anuais remuneradas acrescidas de um terço do
valor do salário, direito à liberdade sindical, direito de greve [...] direitos à saúde, à educação, à seguridade social, à
habitação, enfim, direitos aos meios de vida e de trabalho”.
52
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

e distribuição da riqueza pública [...]” (Oliveira, 1998b, p. 28). Desse modo, os conflitos
inerentes às relações sociais de produção, ao ser deslocados para o sistema político (setor
público), palco de lutas considerado mais apropriado para conciliar os interesses antagônicos,
transformam os conflitos e lutas sociais em um jogo político institucionalizado, tornando
possível considerar a esfera pública e a democracia representativa como irmãs siamesas
(Oliveira, 1998b).
Em síntese, a crescente e necessária intervenção do Estado na economia é determinada
pelo caráter expansionista e centralizador do capital, o que demonstra que a política econômica
é influenciada pelas condições históricas concretas em que a sociedade se desenvolve. A política
keynesiana expressa os esforços do Estado para promover condições gerais para o
desenvolvimento capitalista, para a solução dos problemas sociais mais graves e que poderiam
pôr em perigo a estabilidade política e social. No jogo intrincado das forças sociais, a política de
crescimento econômico e de ampliação dos lucros privados é obrigada tanto a passar por
políticas sociais quanto a tomar decisões democráticas a respeito da alocação dos investimentos
e da distribuição de renda. Isto significa que as políticas públicas não são meramente
estabelecidas de cima para baixo, mas são resultantes da relação de forças dos diversos poderes
em conflito. Significa também que a democracia é uma questão de fundamental importância na
sociedade capitalista, particularmente para a classe operária, pois “[...] a democracia põe a sol
aberto os conflitos da sociedade capitalista na esfera política; limita a liberdade dos capitalistas
na utilização do Estado na defesa de seus interesses, fortalece a classe operária em suas
pretensões [...]” (Sweezy, 1986, p. 194).
Cabe ressalvar que o sentido conferido à democracia nos governos social-democratas é o
de representatividade política, com mediação dos partidos, e não o de participação direta nas
decisões institucionais, como reivindicavam os movimentos políticos de esquerda que
defendiam a autogestão sem qualquer intermediação. A institucionalização das lutas políticas no
interior do Estado, mediada pela atuação dos partidos, transforma a democracia representativa
em um governo de líderes políticos selecionados pela escolha eleitoral por meio da competição
entre os partidos (Weber, 1998).
Ao mesmo tempo, tal institucionalização demanda uma organização partidária especial.
Da mesma forma que ocorre na economia e na administração pública, as formas mais modernas
de organização partidária, inclusive dos partidos democráticos de massa, passam a se organizar
racional e burocraticamente, com base na liderança de funcionários partidários, na disciplina
partidária, na organização hierárquica rigorosa e interlocal dos partidos. Definem-se, assim,
programas e táticas e selecionam-se candidatos mais eficientes e influentes.
A organização burocrática, especialmente na estrutura política, tem amplas
consequências sociais. Na descrição da estrutura e dos procedimentos dos partidos
democráticos, Weber revela uma democracia reduzida a uma espécie de ‘método’ para a seleção
de líderes e à competição política por votos, na qual os eleitores são vistos como meros
consumidores no mercado de votos (Weber, 1999). Tal concepção é muito semelhante à de
Schumpeter (1984), que apresenta a democracia, sobretudo, como uma democracia indireta,
representativa, na qual a participação se restringe ao exercício do voto.
A burocracia também pode ser inibidora da democracia: quanto mais centralizada for
aadministração do Estado, mais aumenta o poder da burocracia. Como muitas decisões passam
a ser tomadas por funcionários de cargos burocráticos – o chamado corporativismo –, as
questões políticas são transformadas em questões meramente técnicas. Dessa forma, o debate
deixa de existir, a participação é apenas indireta e a burocracia estatal é fortalecida. Assim,
Weber (1999) critica a ‘democratização passiva’, condena a despolitização e a conversão dos
políticos em dóceis funcionários públicos ou demagogos diletantes.
Essa preocupação de Weber parece bastante pertinente se considerarmos que o
alargamento do poder econômico e intervencionista do Estado e a adoção da planificação e da
53
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

racionalização técnica nas decisões políticas nos países democráticos implicaram a expansão da
burocracia e o fortalecimento do Poder Executivo em detrimento do Legislativo e do Judiciário.
Assim, tal como no sistema produtivo, o sistema político torna o Poder Executivo a autoridade
central, na qual está o monopólio dos poderes e das responsabilidades.
Esses fenômenos não podem ser desprezados: se, por um lado, podem colocar em perigo
a governabilidade democrática e promover o descrédito na democracia representativa, por outro,
criam condições para a ampliação da democracia direta e da autonomia, conforme será discutido
posteriormente.
Para os defensores da autonomia, a burocracia partidária e a prática política dos partidos,
cuja representação se funda na delegação de poderes, legitimam as condições que sustentam a
democracia representativa e, assim, contribuem para a perpetuação da participaçãodas massas
apenas por intermediários, reforçando a ideia de que a sociedade precisa estar dividida entre
dirigentes e dirigidos. Esses aspectos contribuíram para reforçar o posicionamento de oposição
à democracia representativa e de defesa da participação direta, que enfraqueceria o poder
daqueles que sempre decidiram por todos, ou seja, dos políticos profissionais, dos gestores
tecnocratas e burocratas que detêm o controle das decisões, e romperia com a relação
dirigido/dirigente.

A centralização e a burocratização da gestão da educação

No decorrer do século XX, o capitalismo alterou a forma de produção e também as


funções dos partícipes dessa produção. No âmbito das empresas, a organização interna dos
processos de trabalho demandava uma grande quantidade de trabalhadores reunidos em um
mesmo local, onde cada um era obrigado a se especializar em uma única tarefa. Em decorrência
da natureza dos processos técnicos, rígidos, padronizados, sincronizados, rotineiros e racionais
de trabalho, cronometrados milimetricamente, pré-determinados por máquinas, voltados para a
maximização da produção e à redução dos custos da mercadoria, o trabalhador qualificado era
aquele que executava tarefas manuais singulares com habilidade, precisão e rapidez28. O desafio
era acostumar/disciplinar a força de trabalho a sistemas padronizados e rotinizados. À educação
caberia formar o novo tipo de trabalhador, moldar nele os comportamentos, valores, hábitos e
habilidades necessários às novas condições da produção.
Evidentemente, ao lado de funções que exigem habilidades meramente físicas, existem
também funções que exigem trabalhadores com níveis mais elevados de qualificação e instrução.
Isto se explica pelo fato de que o controle dos processos de trabalho passou às mãos da gerência.
No mesmo sentido, o processo de concentração e centralização do capital (fusões e
incorporações) tornou os quadros nos escritórios e nos setores produtivos das empresas
modernas mais complexos, fazendo emergir complexas hierarquias gerenciais e, ao mesmo
tempo, colaborando para a centralização do poder decisório. A administração tornou-se um
elemento chave para a expansão do capitalismo monopolista, tendo efeitos sobre a educação.
Nesse momento, em nome do crescimento econômico, da mobilidade social e do
desenvolvimento do ‘capital humano’, coube-lhe especialmente contribuir para a formação de
habilidades básicas para o processo de industrialização e para a ocupação de cargos
burocráticos/técnicos e administrativos nos setores públicos ou privados (Fayol, 1975).

28
Esse nível de exigência mínima de qualificação do trabalhador explica-se pelo declínio do trabalho qualificado. Isto
significa que quanto mais a ciência é incorporada ao processo de trabalho, tanto menos é necessário que o
trabalhador compreenda o processo produtivo. Portanto, a qualificação necessária passa a ser a especialização
técnica, implicando na própria desqualificação do trabalhador. Segundo Braverman (1987, p. 373, grifo do autor),
“[...] a demanda de trabalho mais instruído não pode, portanto, ser explicada pelas mudanças tecnológicas e
correlatas necessárias à maioria das funções [...]”.
54
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Conforme as necessidades de expansão do capital, a educação escolar foi se tornando


cada vez mais função do Estado, sendo associada à ampliação dos direitos de cidadania e da
política de bem-estar social para a maioria dos cidadãos. Assim, os sistemas educacionais
passaram a ser mantidos, estabelecidos, organizados e reconhecidos pelo Estado.
Com sua política intervencionista, o Estado de Bem-Estar Social teve um papel decisivo
no estabelecimento da escola de massas (a escola pública, obrigatória e laica), a qual foi
imprescindível para a preparação de indivíduos para o trabalho, mas não apenas para isso. A
escolarização universalizada também foi reconhecida como indispensável para a integração e o
controle social e para a construção da unidade nacional, o que implicava reunir identidades
dispersas, fragmentadas e plurais em torno de um ideário político e cultural comum.
Considerando essa nova função social da escola, o Estado atuou no sentido de ‘universalizar’ o
acesso à educação, impondo a escolaridade obrigatória e alargando a oferta escolar.
Por meio de regulamentos e normas, foi criado um rigoroso sistema de classificação,
divisão e homogeneização dos alunos, de uniformização dos métodos de ensino e de prescrição e
controle do trabalho docente. A estrutura do sistema escolar também foi modificada,
especialmente no que se refere à divisão funcional do trabalho e à implantação da especialização
de funções docentes, mas também no que se refere à seriação do espaço, do tempo (horários
detalhados) e dos saberes (compartimentação em matérias e de alunos com a divisão de
classes/anos de escolaridade).
Tais mudanças correspondem à introdução de critérios de racionalidade na organização
do trabalho pedagógico e na administração da escola. Princípios e regras burocráticos e
centralizadores extrapolaram os muros da empresa e invadiram outras dimensões da vida social,
como as organizações estatais, os partidos políticos e demais instituições sociais.
Consequentemente, influenciou as formas de organização e de administração educativas,
caracterizando assim o que Lima (1994; 2001; 2002a) denomina de ‘taylorização do trabalho
educativo institucionalizado’.
A organização escolar, com a função de responder às demandas do mundo do trabalho e
da vida social, assemelhava-se a grandes empresas burocráticas. Adotavam-se leis rígidas e
regulamentos escritos que poderiam ser postos em prática por todas as escolas, a hierarquia na
autoridade, uma estrutura formal, a centralização do poder, a racionalização, o parcelamento do
trabalho pedagógico, a especialização e a divisão entre planejamento e execução. Ficando os
especialistas responsáveis pelo planejamento racional do trabalho educacional, os quais “[...]
pensam, programam e supervisionam a decodificação da programação preestabelecida [...]”
(Frigotto, 1984, p. 169), cabia ao professor executar em sala de aula os planejamentos
previamente formulados, cujos conteúdos eram selecionados e organizados sequencialmente da
mesma forma que os critérios de avaliação eram previamente definidos.
Nessa visão taylorizadada educação, a organização pedagógica também passou a ser
regida pelos princípios da divisão do trabalho. Nas propostas curriculares, as áreas de conteúdo
eram organizadas rígida e fragmentadamente, tanto no que diz respeito à seleção dos assuntos
quanto ao sequenciamento das disciplinas, enfatizava-se a repetição mecânica das tarefas
padronizadas e a memorização por parte dos alunos. Visava-se, portanto, a uniformidade de
respostas e a padronização de procedimentos. A efetividade da educação revelava-se na
capacidade de produzir a solução ou resposta desejada. A principal crítica a esse modelo
pedagógico é que ele exige pouca capacidade de pensamento e julgamento, não oferecendo
condições para o desenvolvimento da criatividade e da autonomia, sendo o produto resultado da
forma como foi organizado o processo.
Do ponto de vista da administração do sistema, a definição da política educacional está
relacionada à centralização da política e da administração do sistema escolar no Ministério da
Educação, “[...] com destaque para a centralização e o controle burocrático de normas de
aplicação universal e uniforme” (Lima, 2001, p. 38). Do ponto de vista jurídico-normativo, suas
55
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

estruturas organizacionais estão pré-determinadas uniformemente para todos os


estabelecimentos de ensino do país, desde a definição de currículos até a elaboração de
calendários.
A correspondência entre o modelo taylorista/fordista de produção e a organização escolar
tem sido alvo de amplas discussões e de oposições na literatura educacional, especialmente nas
últimas décadas. Ao mesmo tempo, presenciamos gradualmente a ampliação da participação
ativa do aluno no processo de ensino/aprendizagem e da comunidade no processo do sistema
educacional, conforme abordaremos nos próximos capítulos.
Com base nos aspectos apontados, procuramos demonstrar que o modelo
taylorista/fordista e a política keynesina tornaram-se fundamentos indispensáveis para a
acumulação de capital em sua fase monopolista. Porém, a partir do final da década de 1970, a
convivência com um novo período de crise deu origem à construção de um novo padrão de
acumulação, o capital flexível, e a novas formas de organização e de gestão do trabalho, pautadas
na descentralização, na participação e na autonomia, entendidas como mecanismos de
ampliação da democracia. Estes são os aspectos que abordaremos a seguir, em mais um passo
para delinear historicamente os significados atribuídos à democracia, tendo em vista que nosso
objetivo principal é a compreensão da relação de complementaridade entre os princípios
democratizadores e privatizadores contidos nos encaminhamentos das políticas educacionais a
partir dos anos de 1990.

56
Capítulo 3

A democracia e o neoliberalismo

Conforme abordamos anteriormente, no capitalismo monopolista, o Estado passou a


desempenhar novas funções, seja como mediador das forças sociais, institucionalizando as
relações, seja como dinamizador da economia, produzindo serviços e mercadorias.
Desempenhou também funções complementares e reguladoras em vários setores da economia,
sobretudo como produtor de valor, convertendo o fundo público em atividade econômica para
assegurar novos padrões de acumulação e de sobrevivência do capital29. Por meio dessas
intervenções, foi possível a manutenção do equilíbrio do ciclo econômico durante algum tempo.
A partir do final da década de 1970, o capitalismo mundial enfrentou um novo período de
crise, identificada, sobretudo, com o esgotamento do modelo de acumulação taylorista/fordista,
da administração keynesiana e do Estado de Bem-Estar Social. O Estado perdeu sua capacidade
de regular a economia por meio da alocação de fundos, indispensáveis tanto para a realização do
capital quanto para a ampliação do trabalho e da renda (salários indiretos). A partir de então,
vivenciaram-se profundas alterações sociais. Surgiram novas relações de trabalho, descobriram-
se e implantaram-se novas tecnologias, estabeleceram-se novas relações entre as nações,
fundaram-se novas identidades coletivas, adotaram-se novas práticas e fronteiras políticas, novos
padrões de vida e de relacionamento, novos movimentos sociais e novas formas de organização e
gestão, tanto no setor público quanto no privado.
Neste terceiro capítulo, exploraremos as principais mudanças administrativas,
organizacionais, políticas, econômicas e sociais ocorridas a partir dos anos de 1990, pois
consideramos que sua compreensão é fundamental para a análise das reformas no sistema
educacional e dos sentidos atribuídos atualmente à descentralização administrativa e à
autonomia da gestão.

O cenário da nova crise do capital

O conceito de crise é um marco para se apreender as mudanças vivenciadas na sociedade


no final do século XX. A crise pode ser definida como um momento particular em que as
contradições constitutivas do capitalismo se exteriorizam e se ‘resolvem’ momentaneamente, de
forma a restaurar transitoriamente o equilíbrio desfeito. Marx a define como “[...] expressão da
negatividade do capital, representando a crítica que o faz aos seus limites, e como elemento
constitutivo da dinâmica capitalista no seu processo de superação e de reposição de suas
contradições” (Silva, 2003, p. 48). Nesse sentido, a crise também pode constituir um processo
de renovação do capitalismo, isto é, de instauração de um novo ciclo econômico.
As crises do capitalismo resolvem momentaneamente as contradições, mas não as
suprimem, pois elas são inerentes ao sistema. Por essa razão, as contradições indicam, ao
mesmo tempo, a natureza limitada desse regime de produção e de sua determinação histórica,
criando condições para sua própria superação (Mazzucchelli, 1985). Entretanto, enquanto isso
não ocorre, “[...] o desenvolvimento capitalista avança reiterando o conjunto de suas

29
É interessante observar que esse fenômeno coincidiu não só com repetidas crises e crescimento do desemprego,
mas também com a ameaça socialista desencadeada com a Revolução Russa (1917) e bastante acentuada após a
Segunda Guerra Mundial, em decorrência da divisão do mundo em dois blocos: o capitalista e o socialista.
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

contradições e, ao desencadear novos fenômenos e processos, instaura novas contradições”


(Netto; Braz, 2011, p. 176).
Harvey (2005a, p. 44), com base em Marx, lembra-nos que o crescimento econômico no
capitalismo é “[...] um processo de contradições internas, que, frequentemente, irrompe sob
formas de crise”. A análise de Marx nos levou à percepção de que há várias causas para as crises
capitalistas e, dentre as mais determinantes, podemos citar a queda na taxa de lucro.
Considerando a natureza contraditória da produção capitalista, a crise é entendida como
expressão da queda tendencial da taxa de lucro, decorrente do aumento progressivo do capital
constante (meios de produção) em relação ao capital variável (força de trabalho). Isto porque, à
medida que há um avanço das forças produtivas, ou elevação do capital constante no capital
global, há um acentuado decréscimo da taxa de lucro. Em outros termos,

[...] o desenvolvimento das forças produtivas, ao incluir a elevação da


composição orgânica do capital, determina o estreitamento da base sobre a
qual se apóia o próprio processo de valorização. Vale dizer, cada parte
alíquota do capital coloca em movimento uma massa de trabalho vivo cada
vez menor, que redunda, mesmo com a progressiva elevação da taxa de mais-
valia, numa contração da taxa de lucro (Mazzucchellli, 1985, p. 36).

O investimento no incremento das forças produtivas, seja para diminuir o tempo


socialmente necessário para a produção de mercadorias seja para aumentar a produtividade do
trabalho e a taxa de acumulação, tende a negar as bases da própria valorização do capital, ou seja,
o trabalho vivo como criador do valor e de mais-valia, já que o capital variável é o único que
produz e reproduz valor. Ao mesmo tempo em que o capital é compelido para sua valorização
progressiva, acaba se desvalorizando ao investir capital constante e, então,“[...] restringe-se ao
limite a produção [...]” resultando na redução da utilização da força de trabalho ou desemprego
(Netto; Braz, 2011, p. 168).
Outro aspecto a ser considerado é que o capitalismo “[...] ao generalizar a produção
mercantil, generaliza a separação compra/venda e, com ela, a própria possibilidade de crises”
(Mazzucchelli, 1985, p. 29). O capital possui uma tendência recorrente de ultrapassar suas
próprias possibilidades de realização e reprodução, “[...] o que torna a superprodução uma
característica intrínseca a esse regime de produção, já que está condicionada de modo específico
pela lei geral da produção do capital: produzir até o limite estabelecido pelas forças produtivas
[...] sem ter em conta os limites reais do mercado ou das necessidades respaldadas com
capacidade de pagamento” (Mazzucchelli, 1985, p. 30). Consequentemente, há uma
‘superprodução de valores de uso’, ou seja, “[...] a oferta de mercadorias se torna excessiva em
relação à procura (demanda) [...]” e “[...] todo ou parte do valor de troca criado (na produção)
não pode ser realizado (através da venda no mercado)” (Netto; Braz, 2011, p. 168). Assim, a
crise, enquanto crise de superprodução, ou a superacumulação de capital, significa o

[...] bloqueio da reprodução ampliada do capital, significa ao mesmo tempo


uma massa de mercadorias que não alcançou sua conversão em dinheiro, ou
de uma massa de valores de uso que não se realizou como valor. Desse
modo, a possibilidade formal das crises, que emerge da fratura no
intercâmbio nos atos de compra e venda e da substantivação do valor em
dinheiro, se converte em real [...] (Mazzucchelli, 1985, p. 32, grifo do autor).

Nesses termos, segundo Netto e Braz (2011, p. 168), “A crise, imediatamente, é a


interrupção desse movimento: a mercadoria produzida não se converte (mais) em dinheiro. O
movimento do capital fica suspenso: a reprodução ampliada – isto é, a acumulação – não pode
prosseguir”.
58
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Dessa perspectiva, a atual crise estrutural do capitalismo pode ser interpretada como
“[...] crise de formação (produção/realização) de valor, onde a crise capitalista aparece, cada vez
mais, como sendo crise de abundância exacerbada de riqueza abstrata” (Alves, 2011, p. 3). Seu
sentido não seria o de “[...] estagnação e colapso da economia capitalista mundial [...]”: “[...] sob
a ótica do capital, crise significa tão-somente riscos e oportunidades históricas para
reestruturações sistêmicas visando a expansão alucinada da forma-valor” (Alves, 2011, p. 4, grifo
do autor).
Na tentativa de caracterizar os elementos constitutivos essenciais da atual crise estrutural
do capitalismo, podemos dizer que o colapso do modelo-econômico do pós-guerra, composto
pela indústria de produção de massa, pela política keynesiana e pelo Estado do bem-estar social,
teve origem em uma profunda recessão econômica, na qual se combinaram, pela primeira vez,
em todo o mundo, baixas taxas de crescimento da produção e da produtividade com altas taxas
de inflação, exacerbando-se a instabilidade dos mercados financeiros mundiais. Segundo
Anderson (1995), estes dois processos destruíram os níveis necessários de lucro das empresas e
desencadearam fenômenos inflacionários e de desemprego em massa, os quais não podiam
deixar de culminar em uma crise generalizada das economias de mercado.
A nova crise do capital, além dos traços tradicionais de queda da taxa de lucro, “[...] pelo
aumento do preço da força de trabalho, conquistado no pós-45 e pela intensificação das lutas
sociais dos anos 60” (Antunes, 2007, p. 29) e de superprodução, teve como diferencial “[…] o
predomínio do capital fictício, do crédito governamental e da especulação, que deu origem
ao capitalismo-cassino de dimensões globais […]” (Kurz, 1995 apud Alves, 1998, p. 114, grifo do
autor). Nesse sentido,

[...] o grande deslocamento do capital para as finanças foi a conseqüência da


incapacidade da economia real, especialmente nas indústrias de
transformação, de proporcionar a taxa de lucro adequada. Assim, o
surgimento de excesso de capacidade e de produção, acarretando perda de
lucratividade nas indústrias de transformação a partir do final da década de
1960, foi a raiz do crescimento acelerado do capital financeiro a partir da
década de 1970 [...] (Brenner apud Antunes, 2007, p. 30).

Somam-se a isso o desmoronamento do sistema de Bretton Woods30 entre 1971 e 1973 e a


alta do preço internacional do petróleo por decisão da Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (OPEP) em 1973 e em 1979.
Segundo Hobsbawn (1997, p. 19), “[...] a crise afetou várias partes do mundo de maneiras
e graus diferentes, mas afetou todas elas, fossem quais fossem suas configurações políticas,

30
Bretton Woods foi o nome dado aos acordos estabelecidos em uma Conferência realizada em junho de 1944, que
reuniu 45 países, dentre os quais o Brasil. A Conferência ocorreu com a finalidade de definir um sistema de regras,
instituições e procedimentos para regular a economia internacional de modo a torná-la previsível e estável e evitar
uma nova tendência recessiva. Os acordos deliberados resultaram nas seguintes propostas fundamentais: 1) o
dólar, mantendo sua paridade com o ouro, seria a moeda padrão do sistema financeiro mundial e os países
membros a utilizariam para financiar seus desequilíbrios comerciais; 2) a criação de um sistema de cooperação
econômica institucionalizado internacionalmente, dotado de ação política e de agências especializadas; 3) a criação
de um fundo a ser utilizado na reconstrução dos países no pós-guerra ou na ajuda para solucionar problemas
transitórios de desajustes na balança comercial dos países, que resultou na fundação do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), atualmente parte
do Banco Mundial; 4) a criação de um organismo institucional para tratar do comércio entre os países, que
resultou no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e, mais recentemente, nos Acordos Gerais de
Comércio e Serviços (AGCS) no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). O sistema Bretton Woods
entrou em crise no final dos anos de 1960 quando, por um lado, os países eram obrigados a emitir suas próprias
moedas para manterem o câmbio ‘fixo’, criando pressões inflacionarias em suas economias e, por outro, já se
notava alguma valorização das moedas mais importantes em relação ao dólar, de modo que a moeda norte-
americana já não podia seguir cumprindo sua função de dinheiro padrão.
59
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

sociais e econômicas [...]”, trazendo sérias ameaças à acumulação de capital e à governabilidade


dos regimes democráticos. As diferentes formas de enfrentá-la, com vistas à recuperação da
capacidade de auferir taxas de lucros mais altas, traduziram-se em um novo estágio do
capitalismo mundial, conforme se verá a seguir.

Reestruturação produtiva e autonomia: a substituição do modelo taylorista/fordista


pelo modelo de produção flexível

O contexto de profunda recessão econômica e de aumento nas pressões competitivas


internacionais levou as empresas, de um lado, a buscar espaços mais amplos de acumulação por
meio da globalização da economia e, de outro, a reestruturar e reorganizar a produção,
abandonando o binômio ‘taylorismo/fordismo’ e criando um novo padrão de acumulação
capitalista31 denominado de ‘acumulação flexível’ (Harvey, 2000).
Em razão do esgotamento do padrão de produção taylorista/fordista e de sua incapacidade
para responder à retração do consumo, bem como do desemprego estrutural que se manifestava,
teve início um processo de reestruturação da produção e do trabalho. As tentativas para
dinamizar o processo produtivo e, ao mesmo tempo, reverter a queda na taxa de lucro e criar
condições renovadas para a exploração da força de trabalho, deram origem ao toyotismo e à era
da ‘acumulação flexível’ (Antunes, 2007).
Segundo Harvey (2000, p. 140), a acumulação flexível, como forma de superar a rigidez do
sistema taylorista/fordista, apoia-se na

[...] flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos


produtos e dos padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de
setores da produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de
serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.

Assim, foi possível atender às novas necessidades do mercado, incluindo as rapidamente


cambiáveis.
Sennett (2000) identifica três aspectos estruturais e organizacionais na moderna forma
de flexibilidade dos processos de trabalho: especialização flexível da produção, reinvenção
descontínua das instituições e concentração do poder sem centralização.
A‘especialização flexível’, segundo ele, consiste na tentativa de colocar produtos mais
variados no mercado e, assim, responder com mais rapidez às instáveis demandas de consumo.

31
De acordo com Harvey (2005a, p. 41): “A teoria de Marx do crescimento sob o capitalismo situa a acumulação de
capital no centro das coisas. A acumulação é o motor cuja potência aumenta no modo de produção capitalista [...]”,
independentemente da vontade individual do capitalista. Ou seja, para Marx (apud Harvey, 2005a, p. 42), “[...] a
competição faz o capitalista sentir as leis imanentes da produção, como leis coercitivas externas. Essas leis forçam
cada capitalista a manter constantemente o aumento de seu capital para preservá-lo; no entanto, ele não consegue
aumentá-lo, exceto por meio da acumulação progressiva”. Harvey (2005a, p. 42-43, grifo do autor) descreve as
condições para o progresso da acumulação: “1) A existência de um excedente de mão-de-obra, isto é, um exército
de reserva industrial que pode alimentar a expansão da produção. Portanto, devem existir mecanismos para o
aumento da força de trabalho, mediante, por exemplo, o estímulo ao crescimento populacional, a geração de
correntes migratórias, a atração de elementos latentes – força de trabalho empregada em situações não
capitalistas: mulheres, crianças, etc. – para o trabalho, ou criação de desemprego pelo uso de inovações que
poupam o trabalho. 2) A existência no mercado de quantidades necessárias (ou oportunidades de obtenção) de
meios de produção – máquinas, matérias-primas, infraestrutura física e assim por diante –, que possibilitam a
expansão da produção conforme o capital seja reinvestido. 3) A existência de mercado para absorver as quantidades
crescentes de mercadorias produzidas. Se não puderem ser encontradas necessidades para os bens, ou se não
existir demanda efetiva (necessidade retraída pela incapacidade de pagamento) então desaparecerão as condições
para a acumulação capitalistas. Em cada um desses aspectos, o progresso da acumulação talvez encontre uma
barreira que, uma vez atingida, provavelmente precipitará uma crise de determinada natureza [...]”.
60
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

A produção em massa dos bens homogeneizados (uniformes e padronizados), próprios do


fordismo foi substituída pela variação produtiva de bens, cujos pequenos lotes são diferenciados
de acordo com o gosto dos consumidores individuais. Com efeito, os processos de produção de
base rígida, operando em imensas linhas de montagem, com grandes estoques de produtos
duráveis, envolvendo uma potenciação imensa do trabalho manual e desenvolvendo-se com base
em uma lógica de adestramento, vão dando lugar aos processos de base modular e de produção
enxuta. O ataque à rotina padronizada desmantelou a velha linha de montagem, substituindo-a
por ilhas de produção isoladas, fragmentando e dispersando todas as esferas e etapas da
produção, introduzindo processos flexíveis – ‘flextempo’, horários flexíveis, trabalho domiciliar,
trabalho por tarefas.
Essa forma de produção exige, ainda, rápidas tomadas de decisão e dá origem a novos
métodos de gerenciamento do trabalho, o que Sennett (2000) denomina ‘reinvenção
descontínua das instituições’. Segundo ele, a prática administrativa moderna é mais abertas à
reinvenção das hierarquias piramidais, isto é, as hierarquias verticais, rígidas e claramente
definidas são substituídas por redes mais frouxas. O gerenciamento descentralizado implica o
desaparecimento da figura do supervisor, permite que os trabalhadores tenham mais controle de
suas próprias atividades e tende a adotar modelos de organização cooperativa e discursiva, cujas
tomadas de decisão envolvem os trabalhadores.
O autor conclui que a tecnologia, aliada à flexibilização, vem desmantelando as antigas
estruturas burocráticas de poder e que o novo princípio fundamental é o da ‘autorregulação’,
segundo o qual atribui-seao trabalhador mais responsabilidade por sua própria eficiência,
produtividade ou permanência no trabalho – liberdade/autonomia para controlar seu próprio
trabalho. Ou, conforme Kuenzer (2000), a internalização do controle é combinada com a
responsabilização do grupo pela consecução das metas na célula da produção. Por exemplo,
“[...] o grupo recebe uma tarefa com baixo nível de detalhamento, recebe recursos para executá-
la e tem autonomia para se estruturar durante o processo de desenvolvimento do trabalho [...] as
tarefas de planejamento e controle são entregues aos próprios elementos do grupo” (Fleury;
Vargas, 1983, p. 35-36). Ou seja, equipes de projetos ou força-tarefa, equipes reunidas para
resolver problemas de curto prazo, têm a liberdade de cumprir as metas de maneira que
julgarem mais adequada.
Nessa nova fase, o trabalhador torna-se, ele próprio, uma fonte potencializada de
autoexploração e de produção de mais-valia (Teixeira, 1998). Essa forma de envolvimento seria a
‘captura da subjetividade’ operária pelo capital, expressão empregada por Alves (2005) para
descrever o processo pelo qual “[...] não é apenas o fazer e o saber operário que são capturados
pela lógica do capital, mas a sua disposição intelectual-afetiva que é constituída para cooperar
com a lógica da valorização” (Alves, 2005, p. 54, grifo do autor). Os ‘círculos de controle de
qualidade’ (CQQs), a ‘qualidade total’ e o sistema kaizen (shiroma, 1993; Antunes, 1999; 2002)
são expressões dos novos procedimentos que promovem a valorização da subjetividade dos
trabalhadores.
Portanto, a oposição à acumulação rígida própria do taylorismo-fordismo, o envolvimento
dos trabalhadores e a valorização do trabalho em grupo ganha relevo no toyotismo como
‘estratégia de gestão da força de trabalho’. Como aponta Netto e Braz (2011, p. 227, grifo do
autor):

[...] O capital empenha-se em quebrar a consciência de classe dos


trabalhadores: utiliza-se o discurso de que a empresa é sua casa e que eles
devem vincular seu êxito pessoal ao êxito da empresa; não por caso, os
capitalistas já não se referem a eles como operários ou empregados –
agora, são colaboradores, cooperadores, associados, etc..

61
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

A terceira característica do regime flexível é a ‘concentração de poder sem centralização’


(Sennett, 2000). A gerência centralizadora, autoritária e burocrática, característica do
taylorismo/fordismo, tornou-se um empecilho para se enfrentar a concorrência acirrada, que
exige respostas rápidas às mudanças científico-tecnológicas, e o dinamismo frenético do
mercado. Na nova lógica empresarial, que exige mais eficiência, a gestão administrativa apoia-se
em novos valores, a autoridade burocrática é substituída pela autonomia democrática e o
gerenciamento e a liderança são as chaves para a vantagem competitiva.
O novo líder já não centraliza o poder: ele coordena e agiliza a tomada de decisões por
parte das próprias equipes de trabalho, devendo ter capacidade para influenciar as pessoas. Sua
tarefa não é ditar normas, mas organizar as ações, trabalhar na diversidade, conviver com outras
opiniões e estabelecer trocas mútuas. É um ‘administrador do processo’, ou seja, seu papel é
“[...] facilitar uma solução entre o grupo e mediar entre cliente e equipe [...]” (Sennett, 2000,
p. 129, grifo do autor).
Portanto, a flexibilização expressa mudanças na forma do trabalho nos setores dinâmicos
da economia, ou seja, a ênfase na flexibilidade está mudando o próprio significado do trabalho.
Segundo Sennett (2000, p. 9), “[...] atacam-se as formas rígidas de burocracia e também os
males da rotina cega. Pede-se aos trabalhadores que sejam ágeis, estejam abertos a mudanças a
curto prazo, assumam riscos continuamente, dependam cada vez menos de leis e procedimentos
formais”.
A racionalidade técnica, burocrática e normativa é substituída por competências de
interação e pela responsabilidade pessoal, as quais tornaram o trabalho mais funcional,
ajustando-o às incessantes mudanças de uma sociedade cada vez mais competitiva, exigente e
sujeita permanentemente a imprevistos. O trabalho em grupo, a cooperação, a participação, a
autonomia e a gestão descentralizada do trabalho tornaram-se aspectos relevantes para a prática
administrativa moderna. Dissemina-se a ideia de que estes aspectos contribuem para as
modificações na posição do trabalhador dentro da empresa e para a ‘democratização’ das
relações de trabalho. Para o autor, isso muda radicalmente a estrutura de poder dentro da
empresa: a autoridade centralizada dá lugar ao ‘exercício flexível de poder’, ou seja, à
horizontalidade do poder de decisão e à atribuição de cargos mais fluída (Sennett, 2000). Tal
estrutura é típica da gestão por projetos ou por equipes temporárias de trabalho. Para Tofller
(2001, p. 118), “[...] estamos passando da burocracia para a ad-hocracia [...]”, ou seja, forças-
tarefas, ‘grupos’ ad hoc e gerência por projetos proliferam na burocracia do governo e no mundo
dos negócios, alterando as estruturas organizacionais e os quadros de autoridade. Segundo
Carvalho (2016a, p. 83), como consequência,

[...] há o desmantelamento das estruturas burocráticas. Estas vão sendo


substituídas por novos procedimentos de gerenciamento, como a
descentralização (desaparecimento da figura do supervisor e maior controle
das atividades por parte dos demais trabalhadores) e a organização
cooperativa e discursiva (participação dos trabalhadores na concepção do
processo produtivo e na busca de soluções para os problemas
frequentemente encontrados, como forma de melhorar a qualidade dos
produtos, minimizar conflitos e ampliar a produtividade em favor da
acumulação capitalista).

Para os fins deste estudo, importa ressaltar que, no contexto da economia flexível, não
entendemos a democratização apenas como uma questão de colaboração, ajuda, auxílio e
participação. Seu real significado precisa ser analisado como algo inerente às necessidades
materiais dessa nova etapa das relações capitalistas. A ênfase na ideia de democratização
também não significa que dentro da empresa o controle esteja desaparecendo, mas que ele está

62
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

apenas sendo reajustado. A maior flexibilidade na organização do trabalho não significa


necessariamente mais liberdade para o trabalhador. Pelo contrário, representa formas mais sutis
de centralização, controle e regulação dos processos de trabalho, como o monitoramento por
meios eletrônicos (e-mails, celulares, computação móvel, intrarredes de comunicação),
denominado por Lima (1994) de ‘neo-taylorismoou taylorismo informático’. Assim, de forma
sutil, os princípios tayloristas permanecem e continuam atualíssimos. Segundo Lima (1994, p.
120-121),

[...] a modernização significará, para o futuro, racionalização, eficácia,


eficiência, alcance da solução certa, optimização, relação favorável,
custo/benefício, progresso [...] Nesse sentido, Taylor é revisitado e a
ideologia tayloriana é objecto de metamorfoses várias [...] travestidas de
novos conceitos, de novas tecnologias e de objetivos aparentemente (pós)
modernos.

Na verdade, o que se verifica na prática é que o trabalho é fisicamente descentralizado,


mas o controle sobre o trabalhador é mais direto. Ao mesmo tempo, a contestação da velha
ordem burocrática não significa a adoção de menor estrutura institucional:

[...] A estrutura permanece nas forças que impelem as unidades ou


indivíduos a realizar; o que fica em aberto é como fazer isso, e o topo da
organização flexível raras vezes oferece as respostas. Está mais em posição
de fazer a contabilidade de suas exigências do que indicar um sistema pelo
qual elas podem ser cumpridas (Sennett, 2000, p. 65).

Ocorre, portanto, a reinvenção da burocracia por meio da ‘concentração sem


centralização’.
É importante ressaltar também que essas mudanças organizacionais têm sido relativas. A
programação flexível atinge apenas um grupo de trabalhadores, não se aplica a todos. Ao lado de
trabalhadores flexíveis, subsistem trabalhadores nos moldes tradicionais do
taylorismo/fordismo. Ao lado das maciças fusões e diversificações corporativas, mantêm-se os
pequenos negócios e estruturas organizacionais de tipo artesanal doméstico, familiar,
paternalista, cujos mecanismos de controle de trabalho são distintos. Com efeito, o que existe na
prática são estratégias tayloristas/fordistas, flexíveis e a combinação entre ambas.
Essas novas características da gestão não se reduzem a novas formas de organização das
empresas para enfrentar a competição inerente à nova economia de mercado. Elas também
revelam que novas formas de pensar e se organizar socialmente condicionam as demais formas
de organização política e social da atualidade, compelindo os indivíduos a buscar autonomia
pessoal diante das estruturas coletivas, baseadas no valor normativo das tradições ou do poder
do Estado, desvinculando-se das lealdades institucionais. Desse ponto de vista, o
comprometimento com os desejos individuais de consumo, de propriedade e de liberdade
individual, a apologia crescente da autonomia individual, da liberdade de fazer escolhas, de
realizar os interesses particulares e o desprezo pela ética geral ou pelos princípios coletivos são
manifestações das novas condições da existência humana. Isso significa que os avanços
tecnológicos e a flexibilização dos processos produtivos resultam não apenas em novas formas
de organização e gestão do trabalho, novos padrões de vida e de relacionamento, mas também
em novos papéis para as instituições.
Cabe dizer que essas mudanças foram acompanhadas por alterações nas políticas
econômicas e sociais levadas a efeito pelos Estados nacionais: estes desempenharam um papel

63
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

primordial na desregulamentação dos mercados, das relações de trabalho32, das barreiras


comerciais e das antigas conexões entre iniciativas pública e privada. Pinto (2007, p. 54)
comenta:

Assim, todo esse processo de transformações de ordem econômica que se


instaura a partir dos anos de 1970 [...] somente pôde ser efetivado mediante
um conjunto de políticas estatais que flexibilizaram, mais ou menos,
conforme o caso, as barreiras institucionais constrangedoras das
conseqüências destrutivas do sistema do livre mercado sobre as condições
nacionais de desenvolvimento econômico e social, especialmente no caso das
economias periféricas.

É inerente a esse processo de reestruturação produtiva um movimento de ‘reinvenção’


dos poderes e das funções do Estado, cujas repercussões abrangem o campo educacional. Cabe,
portanto, discutir alguns dos aspectos principais que caracterizam a nova tendência da atuação
estatal.

As novas formas de sociabilidade

À medida que se expandem, a globalização e a flexibilização produzem mudanças rápidas


e profundas no mundo do trabalho, modificando os padrões de sociabilidade e a consciência dos
homens. A sociedade denominada de pós-moderna é, assim, constituída por um tecido
complexo e extremamente diferenciado de ‘atores’ sociais. Enquanto a competitividade
capitalista avança com o desenvolvimento de novas tecnologias, a reestruturação, a flexibilização
e a desconcentração do espaço físico produtivo, desencadeia uma crescente redução do
proletariado fabril, estável, que existiu na vigência do binômio taylorismo/fordismo e, em
consequência, o enorme incremento do ‘subproletariado’ fabril e do número de excluídos.
O resultado é a criação do setor frequentemente denominado de trabalho precarizado, no
qual se incluem os ‘terceirizados’, os subcontratados33, os part-time, entre tantos outros
semelhantes que proliferam em tantos cantos do mundo e aos quais se candidatam muitos
imigrantes. Grande parte do trabalho feminino, que atinge mais de 40% da força de trabalho nos
países avançados, também tem sido absorvida por esse trabalho precarizado e
desregulamentado. Há um incremento dos assalariados médios e de serviços, dentre os quais já
se presenciam também traços de desemprego tecnológico. Os mais ‘velhos’ (cerca de 40 anos)
são frequentemente excluídos do mercado de trabalho34, no qual, ao mesmo tempo, se observa

32
A “[...] flexibilização da produção exige que se flexibilizem as leis que regulamentam o uso e a alocação da força de
trabalho pelas empresas”. Isso implicou alterações na legislação trabalhista, na redução dos direitos dos
trabalhadores e em novas formas de flexibilização das normas salariais (Pinto, 2007, p. 54). No Brasil, podemos
citar como exemplos: a Lei nº 8.949, de 9 de dezembro de 1994, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) ao declarar a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados (Brasil, 1994a); a
Lei nº 9.601, de 21 de janeiro de 1998, regulamentando o contrato temporário e deixando implícita uma tendência à
informalidade (Brasil, 1998j); a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 (Brasil, 2017g), alterando “[...] a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) aprovada no Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943; a Lei nº
6.019, de 3 de janeiro de 1974; a Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990 e a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991”.
Todas tiveram como objetivo adequar a legislação às novas relações de trabalho.
33
As grandes corporações contam hoje com uma rede de pequenas e microempresas e com um enorme contingente
de trabalhadores domésticos, artesanais, familiares, que funcionam como peças centrais nessa cadeia de
subcontratação (Teixeira, 1998).
34
“[...] As atuais condições da vida empresarial encerram muitos preconceitos contra a meia-idade, dispostos a negar
o valor da experiência passada das pessoas. A cultura empresarial trata a meia-idade como avessa ao risco, no
sentido do jogador” (Sennett, 2000, p. 107). “A valorização da juventude é uma conseqüência, pois os jovens
possuem um “Eu” mais maleável, além de disporem de energia física para enfrentar as exigências do trabalho
flexível” (Sennett, 2000, p. 111).
64
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

uma inclusão precoce e criminosa de crianças, particularmente nos países de industrialização


intermediária e subordinada.
Isso demonstra que, na era da reestruturação produtiva, das flexibilizações e das
desregulamentações, a produção da ‘mais-valia’ é potencializada enormemente, ao passo que a
classe assalariada se torna mais fragmentada, complexa e heterogênea. Essa classe se encontra
dividida entre qualificados e desqualificados, estáveis e precários, homens e mulheres, nacionais
e imigrantes, inseridos e excluídos, sem falar das divisões que decorrem da inserção
diferenciada dos países e de seus trabalhadores na nova divisão internacional do trabalho.
Por um lado, para uma grande parte da humanidade, o mercado de trabalho flexível
resulta na impossibilidade de reprodução da vida na lógica do capital (Rifkin, 1996; Forrester,
1997). Por outro, esse mesmo trabalho influencia as formas de pensar, sentir e agir das pessoas,
criando condições para a emergência de um novo paradigma social, no qual se acentuam as
desigualdades e tensões envolvendo raça, sexo e idade.
Para Hobsbawn (1997), vivemos em um mundo cambiante, em uma era de
decomposição, de incerteza e de crises. Sennett (2000) e Tofller (2001) afirmam que, nessa
sociedade, as pessoas são forçadas a lidar com a descartabilidade, a novidade e as perspectivas de
obsolescência instantânea. O movimento flexível do capital dá origem a novos hábitos, valores,
crenças, costumes, estilos de vida e linguagens que se opõem às formas compartilhadas pelos
homens até então e resultam em profundas mudanças na psicologia humana.
De acordo com Sennett (2000), no modo de acumulação taylorista/fordista, embora os
trabalhadores executassem funções especializadas e o processo produtivo estivesse centralizado
e minuciosamente controlado, padronizado, sincronizado, a organização do trabalho coletivo, a
estabilidade no emprego e a perspectiva de carreira no interior da empresa tendiam a unificar os
trabalhadores, produzindo comportamentos como lealdade, compromisso mútuo, confiança,
solidariedade e estabelecimento de metas de longo prazo.
A flexibilização produtiva oferece às pessoas mais liberdade para moldar suas vidas,
porém, flexibiliza as relações e o caráter. Como não existem mais regras fixas, encoraja-se a
espontaneidade e a autonomia, que, vistas em si mesmas, aparecem como virtudes progressistas
e a dependência mútua é apresentada como um mal. Incentiva-se o indivíduo a se desprender do
próprio passado, das coisas ou pessoas e se concentrar no momento imediato, o que favorece
ligações tênues e superficiais. Em lugar da experiência acumulada, valoriza-se a mobilidade
ocupacional, a disposição e a capacidade para correr riscos, para provar continuamente e
‘sempre começar de novo’, pois, em uma ‘sociedade dinâmica as pessoas passivas murcham’. De
acordo com Sennett (2000), ‘não há mais longo prazo’, os indivíduos agem sob a pressão das
necessidades básicas de sobrevivência. A capacidade de correr riscos envolve permanecer na
ambiguidade e na incerteza, o indivíduo deve ter habilidade para lidar com o desconhecido, com
a vulnerabilidade e a instabilidade e, caso não seja bem sucedido, deve ser capaz de mudar o
‘jogo’ e lidar com o fracasso. Consideramos provir daí a valorização das ‘habilidadese
competências socioemocionais’ como fundamentais para o trabalho.
Em essência, no ambiente de competição total, o melhor vence, não importa de onde
venha ou as armas que use. Vivemos em um tempo em que tudo pode e tudo vale ou nada mais
vale, um tempo marcado por valores e práticas individuais. A desintegração dos velhos padrões
de relacionamento social é perturbadora, pois os novos comportamentos criados e assumidos
como condição necessária à sobrevivência na sociedade extremamente competitiva fomentam a
crescente individualização. A passividade e o conformismo político, a indiferença em relação ao
outro, a desagregação do tecido social fazem emergir particularismos nacionais, culturais e
religiosos. A intolerância, o racismo e a xenofobia representam obstáculos à consciência de
classe e à ação coletiva, especialmente vinculada ao mundo do trabalho.
No contexto do capital flexível, da fragmentação social, da reestruturação produtiva, da
flexibilização e da desregulamentação das relações de trabalho, da desconstrução do espaço
65
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

físico característico do binômio taylorismo/fordismo, das mudanças nos padrões de


sociabilidade e na consciência dos homens, o compromisso, a lealdade, a confiança e a
solidariedade são suplantados pelo egoísmo do espírito competitivo, cimentado pela ideologia do
mérito. Assim, a individualidade e a subjetividade são, cada vez mais, associadas à ideia de
autodeterminação, autorrealização e autorresponsabilização dos sujeitos por suas escolhas, por
seu destino e por sua sobrevivência.
Esse processo de individualização, associado à expansão da cidadania de mercado –
satisfação/insatisfação imediata dos indivíduos no consumo –, não afeta apenas os modos de
sociabilidade e as formas de consciência, mas também as representações políticas. Ao mesmo
tempo em que contribui para o aumento das formas economicistas de ação, cujos padrão é o do
consumo individualizado e das formas subjetivas de poder, favorece também a perda do conceito
de relação social de classe como referência, esvaziando as formas de sociabilidade a ela
relacionadas e as dimensões políticas e ideológicas dela derivadas.
Em síntese, a flexibilização não dá e nem pode dar orientação precisa para a conduta na
vida comum. As mudanças nos processos de produção implicam profundas transformações nas
demais relações entre os homens, tornando a vida mais fragmentada, dilacerada, banalizada,
superficial, esvaziada, desconexa, contraditória, efêmera, indeterminada, incerta e
individualizada. A essas relações novas corresponde também uma forma de pensar, denominada
de pós-modernismo35.
Na condição pós-moderna, os relacionamentos com as coisas, os lugares, as pessoas, as
empresas e a estrutura de informação e conhecimento são alterados. Dela emerge um novo
ethos, no qual ganham destaque o indivíduo, a autorrealização, a responsabilidade individual e a
autonomia (moral, intelectual e afetiva) dos sujeitos. O individualismo ou o ‘novo
individualismo’ (Giddens, 2005), como outra face da globalização, transformou o sujeito, e este,
ao se libertar das estruturas, deixa de ser agente de papéis para se assumir como ‘ator social’
(Touraine, 1999), ou seja, que toma parte ativa nas opções e nas decisões políticas que lhe
dizem respeito. Essa nova condição tem consequências não só sobre o papel da escola, mas
também sobre a administração dos sistemas educativos (Zanardini, 2006), aspectos que
abordaremos no desenvolvimento do texto.
Conforme discutimos até aqui, as representações que os homens partilham, os orientam
e os ensinam a atuar no mundo em que vivem são produtos de condições sociais e históricas.
Assim, à desintegração dos velhos padrões de relacionamento social correspondem mudanças
nos moldes tradicionais de fazer política, dando origem a novos sujeitos políticos, novas
fronteiras políticas e a um novo conceito de democracia.
As mudanças globais na capacidade de produção se caracterizam pela reestruturação
produtiva, pela disseminação internacional do sistema toyotista, pelas “[...] fusões intersetoriais
que uniram a produção, a comercialização, as propriedades de imóveis e os interesses
financeiros de novas maneiras, produzindo diversos conglomerados” (Harvey, 2011, p. 41), pela
crescente centralização e autonomização da atividade financeira e pelo predomínio do poder do

35
Segundo Chauí (2001, p. 22-23): “[...] o pós-modernismo relega à condição de mitos eurocêntricos totalitários os
conceitos que fundaram e orientaram a modernidade: as idéias de racionalidade e universalidade, o contraponto
entre a necessidade e a contingência, os problemas da relação entre subjetividade e objetividade, a história como
dotada de sentido imanente, a diferença entre natureza e cultura etc. Em seu lugar, afirma a fragmentação como
modo de ser da realidade; preza a superfície do aparecer social ou as imagens e sua velocidade espaço-temporal;
recusa que a linguagem tenha sentido de interioridade para vê-la como construção, desconstrução e jogo de textos,
tornando-a exatamente como o mercado de ações e moedas toma o capital; privilegia a subjetividade como
intimidade emocional e narcísica, elegendo a esquizofrenia como paradigma do subjetivo, isto é, a subjetividade
fragmentada e dilacerada; define a filosofia, a ciência e a arte como narrativas, isto é, como elaborações imaginárias
de discursos auto-referidos. Realiza três grandes inovações tecnológicas: substitui a lógica da produção pela da
circulação, substitui a lógica do trabalho pela da comunicação; e substitui a luta de classes pela lógica da satisfação-
insatisfação imediata dos indivíduos no consumo”.
66
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

setor especulativo sobre todas as áreas da economia. Surgem, assim, não apenas interligações
entre as economias globais mais sofisticadas, mas também novas formas de atuação do poder
estatal. Todo esse processo de mudanças só pôde ser efetivado mediante um conjunto de
políticas estatais de liberalização e privatização, de “[...] desregulamentação dos mercados e das
relações de trabalho, das barreiras comerciais e das antigas conexões entre as inciativas privada
e pública” (Pinto, 2007, p. 60), bem como de cortes nos gastos públicos.
Nesse contexto, abrem-se novas possibilidades para a atuação política de indivíduos e de
organizações e instituições internacionais e para a regulação global, as quais transpõem as
fronteiras do Estado-nação, levando o cidadão a construir um novo conceito de si enquanto ator
social. É o que abordaremos a seguir.

Globalização/mundialização: autonomia e soberania nacional

Segundo Fonseca (1997, p. 2), a globalização é a síntese das transformações radicais


operadas na economia mundial desde o início dos anos de 1980:

1) a terceira revolução tecnológica (tecnologias ligadas à busca, ao


processamento, à difusão e à transmissão de informações; inteligência
artificial; engenharia genética); 2) a formação da área de livre comércio e
blocos econômicos interligados (Mercado Comum Asiático, a União
Europeia e o Nafta) [como uma nova forma de o capitalismo imperialista
constituir mercados regionais cativos, mais amplos e fortemente
protegidos]; 3) a crescente interligação patrimonial e a interdependência dos
mercados industriais e financeiros, em escala planetária, ou seja, não apenas
entre as principais economias capitalistas, mas com participação também
dos países socialistas.

Globalização, portanto, refere-se àqueles processos que, movidos por forças econômicas
e políticas e atuantes em uma escala global, para além das fronteiras nacionais, integram
mercados, organizações e comunidades por meio de novas combinações espaço-temporais que
comprimem a distância e unifica os espaços (Harvey, 2000). Conforme Hirst e Thompson
(1998, p. 26), em termos econômicos, o conceito de globalização é distinto do de economia
internacional. Esta “[...] é um sistema em que os processos determinados no nível das
economias nacionais ainda dominam e os fenômenos internacionais são resultados que
emergem do desempenho preciso e diferencial das economias nacionais”. Já, em uma economia
globalizada, “[...] as diferentes economias são incluídas e rearticuladas no sistema, nos
processos e transações internacionais”. Assim, o “[...] sistema econômico internacional torna-se
autônomo e socialmente sem raízes, enquanto que os mercados e a produção tornam-se
realmente globais”. Com isso, “[...] as políticas internas, sejam de corporações privadas, sejam
de reguladores públicos, agora têm que levar em conta rotineiramente os determinantes
predominantemente internacionais de suas esferas de operações”.
A mundialização é a expressão empregada por Chesnais (1996) para se referir a algo que
vai além de uma nova etapa do processo de internacionalização do capital. O autor a relaciona
com uma “[...] nova configuração do capitalismo mundial e novos mecanismos que comandam
seu desempenho e sua regulação” (Chesnais, 1996, p. 13). Desse ponto de vista, a
mundialização implica um modo específico de funcionamento, se comparada com etapas
anteriores do desenvolvimento capitalista. O funcionamento do capitalismo foi alterado por um
novo regime de acumulação predominantemente financeiro ou pelo domínio do capital
financeiro, centrado no poder das instituições bancárias, fundos de pensão, fundos de
investimento, seguradoras e outras empresas financeiras especializadas, como força autônoma
diante do capital industrial (Alves, 1999).
67
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Nesse novo regime de acumulação, predominantemente financeiro, o avanço tecnológico


ocorrido nas áreas de telecomunicação e informática possibilitou a integração, em tempo real, de
praticamente todos os mercados financeiros do mundo. É possível, assim, transferir diariamente
milhões de dólares de um país a outro sem o controle dos bancos centrais, cuja esfera de
atuação é fundamentalmente nacional. Com a formação de um mercado financeiro globalizado, a
tendência de desterritorialização da economia se torna crescente.
Uma repercussão importante da mudança no padrão de expansão capitalista é o grau sem
precedentes de autonomia alcançado pelo sistema financeiro, o qual chega a ameaçar a
autonomia política e econômica das nações (Ianni, 1999). Com o colapso da política keynesiana,
a ruptura do acordo de Bretton Wodds em 1971 e a adoção de taxa de câmbio flexível em 1973, o
capital financeiro passou a ter um papel predominante no monitoramento/disciplinamento dos
mercados internacionais e das condições políticas fiscais e monetárias dos Estados-nação.
Vivencia-se, assim, um processo em que a regulação36 transnacional das políticas sobrepõe-se às
instâncias nacionais, fragilizando instituições e práticas típicas do Estado-nação.
Para Soares (1998), a importância do Banco Mundial hoje não decorre apenas do volume
de seus investimentos e da abrangência de sua área de atuação, mas também do posicionamento
estratégico no processo de reestruturação econômica dos países periféricos e semiperiféricos.
Sua atuação se faz por meio de políticas de ajuste estrutural adequadas aos novos requisitos do
capital globalizado, da imposição de condições para a concessão de empréstimos e da
interferência direta na formulação da política interna, em termos de aconselhamento
econômico, assistência técnica e influência sobre a própria legislação dos países (Fonseca,
1998). Assim, os organismos supraestatais internacionais têm produzido a chamada
‘desterritorialização da política’, que debilita em maior ou menor grau o poder de decisão dos
Estados-nação sobre suas políticas internas e redefine as condições de sua soberania e
autonomia (autoridade política e social) (Hirst; Thompson, 1998; Oliveira, 1999; Gómez, 2000).
Evidentemente, tal interferência na definição das políticas internas se apresenta como
um novo desafio para os movimentos que defendem a democracia, a participação social, a
autonomia e a autogestão. Na perspectiva dos movimentos autonomistas, o processo de
globalização da economia e de transnacionalização do capital (integração dos grandes grupos
econômicos entre si) constrói novas bases para a autoridade social e política, minando
gravemente os princípios e as práticas autônomas, identificadas tradicionalmente com a ideia de
autogoverno e cidadania democrática de base territorial soberana, ou seja, de uma nação que se
autogoverna com base em mecanismos de soberania popular.
Interferências semelhantes vêm ocorrendo no campo da educação e das políticas
públicas, as quais, até recentemente, ainda revelavam certa autonomia diante das organizações
supranacionais, especialmente o Banco Mundial (BM) e a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). As reformas educacionais com ênfase na
democratização da gestão, embora apontem a necessidade de fortalecimento do poder local, da
base comunitária, da descentralização e da participação direta de seus membros, têm, como
contraponto, a influência do poder global, das elites transnacionais e das organizações
multilaterais. Revelam-se, assim, as contradições entre autonomia, democracia e globalização:
36
De acordo com Barroso (2005, p. 728): “O conceito de regulação está igualmente associado ao controlo de
elementos autónomos mas interdependentes e, neste sentido, é usado, por exemplo, em economia, para identificar
a intervenção de instâncias com autoridade legítima (normalmente estatais) para orientarem e coordenarem a
acção dos agentes económicos (a regulação dos preços, a regulação do comércio, da energia etc.). Para lá destas
acepções mais correntes, a elucidação do significado de regulação conheceu um notável incremento com o
desenvolvimento da teoria dos sistemas. De um modo geral, a regulação é vista como uma função essencial para a
manutenção do equilíbrio de qualquer sistema (físico ou social) e está associada aos processos de retroacção
(positiva ou negativa). É ela que permite ao sistema, através dos seus órgãos reguladores, identificar as
perturbações, analisar e tratar as informações relativas a um estado de desequilíbrio e transmitir um conjunto de
ordens coerentes a um ou vários dos seus órgãos executores”.
68
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

ao mesmo tempo em que o discurso político conclama o cidadão para a participação ativa, há
uma centralização na definição dessas políticas que extrapola as instâncias nacionais (Ball,
2014), o que nos leva a interrogar sobre o sentido dessa autonomia e dessa participação.
Contudo, cabe lembrar Afonso (2001, p. 23):

[...] a globalização não é um fenômeno unívoco, coerente e consensual; não é


um fenômeno que contenha aspectos e dimensões com consequências
apenas positivas ou desejáveis; não expressa somente decisões, relações,
tensões e influências que partam unidireccionalmente e impositivamente do
nível global para os níveis regional, nacional ou local, ou que tenham apenas
como objectivo organizar ou garantir interesses voltados para a acumulação
capitalista e para a dominação (globalização hegemónica). Quando se fala de
globalização, também se pode ter em mente, quer a expressão de
movimentos sociais de resistência, quer as experiências e iniciativas
concretas de mudança social [...]

Nesses termos, embora as instâncias de regulação supranacionais atuem na reorientação


dos Estados e influenciem suas decisões, os efeitos desse processo são sentidos de forma
desigual, pois, necessariamente, as medidas ditadas direta ou indiretamente são reinterpretadas
e recontextualizadas nacionalmente (Afonso, 2001; Dale, 2004).
Alguns autores reconhecem que os Estados nacionais não são vítimas nem
necessariamente passivos nesse processo (Harvey, 2005b). Segundo Dale (2010, p. 1102),

[...] os próprios Estados (pelo menos os ocidentais) longe de serem vítimas


mais ou menos indefesas da globalização, estão entre seus agentes mais
fortes e são participantes condescendentes e conscientes ou parceiros na
relação com os outros agentes da globalização (especialmente outros
Estados, com os quais celebram acordos que a impulsionam).

Para o autor, “[...] os agrupamentos regionais partilham a preocupação com o controlo e


concordam sobre certas regras do jogo” (Dale, 2004, p. 436-437). Ou seja, as instituições do
Estado-nação e o próprio Estado, embora sejam moldados por forças políticas e econômicas
supranacionais, estão necessariamente “[...] envolvidos na interpretação e na tradução das
consequências das ‘regras’ modeladoras das organizações internacionais, em forma de
prioridades nacionalmente apropriadas” (Dale, 2010, p. 1112, grifo do autor).
Muitas organizações internacionais foram criadas pelos Estados para lidar com
problemas que afetavam a todos e não podiam ser resolvidos por cada um individualmente. De
modo semelhante, no contexto atual, os Estados “[...] cedem aspectos significativos da sua
soberania em favor de organizações internacionais face à premência de problemas de teor
essencialmente econômico que individualmente não criaram e aos quais não podem responder
em termos individuais” (Dale, 2004, p. 446).
Nessas condições, por um lado, “[...] a globalização dos mercados financeiros e a
formação de espaços globais de produção e o avanço do comércio mundial diminuem
sobremaneira a capacidade de os Estados controlarem, por meio de políticas monetárias, fiscais
e creditícias, suas economias” (Corsi, 2000, p. 106). Por outro lado, “[...] o capitalismo global,
com seus pretensos mercados auto regulados, não consegue sobreviver sem uma ampla
intervenção do Estado” (Corsi, 2000, p. 106).
De acordo com Dardot e Laval (2016, p. 199), os “Estados tornaram-se elementos-chave
dessa concorrência exacerbada, procurando atrair uma parte maior dos investimentos
estrangeiros pela criação de condições fiscais e sociais mais favoráveis à valorização do capital
[...]”. Coube ao Estado, ainda, “[...] criar o elo entre o poder do capital financeiro e a gestão
69
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

empresarial: ele deu um quadro legal às normas da governança empresarial que consagrava os
direitos dos acionistas e instaurava um sistema de remuneração dos dirigentes baseado no
aumento do valor das ações” (Dardot; Laval, 2016, p. 203). A ação dos Estados também pode ser
evidenciada no aumento das “[...] intervenções de salvamento de instituições bancárias e
seguradoras desde o desencadeamento da crise em 2007” (Dardot; Laval, 2016, p. 204, grifo do
autor).
Enfim, “[...] o Estado está no coração do sistema global [...]” e continua desempenhando
“[...] seu papel essencial na criação e manutenção das condições de acumulação do capital [...]”,
ou seja, atua “[...] como garantidor administrativo e coercitivo de ordem social, relações de
propriedade, estabilidade ou previsibilidade contratual [...]”, ou “[...] como qualquer outra das
condições exigidas pelo capital em sua vida diária” (Wood, p. 2014, p. 106). No entanto, para
cumprir esse papel, os Estado nacionais devem ser ‘reformados’.
No processo de globalização/mundialização em curso, particularmente do capital
financeiro, “[...] o Estado tende a perder uma de suas principais prerrogativas, o controle das
políticas econômicas e do espaço econômico nacional, que a rigor tende a se dissolver em uma
economia mais ampla”. Contudo, “[...] continua tendo uma atuação importante na criação de
‘vantagens comparativas’ como parceiro das grandes empresas, na regulação dos mercados, nas
políticas anticíclicas e na sustentação do mercado financeiro” (Corsi, 2000, p. 107-108).
Em decorrência, observa-se uma mudança de natureza no gasto público. Segundo Corsi
(2000, p. 108), verifica-se “[...] uma tendência à redução dos gastos sociais em nome do
combate ao déficit público e à inflação, ao mesmo tempo em que ocorre uma explosão da dívida
pública, relacionada, em grande medida, à sustentação [da economia global] e especulação
financeira”. Para Reis (2016), a dívida pública37 converte-se em um dos instrumentos de
acumulação do capital, especialmente do capital financeiro:

[...] A dívida pública é um mecanismo que permite aos credores do Estado


se apropriarem da riqueza produtiva, por meio do saque da receita de
impostos dos Estados nacionais. Após os anos 1980, a dívida pública, com
sua conversão em títulos negociáveis (a chamada titularização) e com o
aumento da taxa de juros sobre tais títulos, tornou-se um dos dispositivos
centrais de transferência efetiva de riqueza da esfera produtiva, na forma de
impostos, para a esfera financeira (Reis, 2016, p. 19).

Observam-se novas disputas pelo fundo público entre os detentores do capital, “grupos
rentistas e alguns beneficiários do processo de financeirização mundializada” e trabalhadores,
os quais, diante da crise, “[...] reivindicam a ampliação das políticas sociais como forma de
proteção social e como parte de suas lutas contra a exploração” (Reis, 2016, p.18-19).
Assim, embora o Estado continue sendo um agente fundamental na dinâmica do
capitalismo global, outros ‘atores’ relevantes não podem ser ignorados (Harvey, 2005b).

37
Reis (2016, p. 32, grifo do autor), citando Fattorelli (2013), esclarece que a dívida pública “Corresponde a
obrigações assumidas pelo Estado – em âmbito federal, estadual ou municipal – ou por entidades do setor público
(Banco Central, empresas públicas etc.). A dívida pública pode ser externa ou interna, direta ou indireta. Em seu
aspecto formal, a dívida pode ser contratual (quando está formalizada em contrato firmado entre o devedor e o
credor) ou mobiliária (quando são emitidos títulos públicos). No caso da dívida mobiliária (na forma de títulos
públicos emitidos), não há uma distinção muito clara entre dívida interna e externa. Teoricamente, a dívida interna
seria a dívida contraída em moeda nacional junto a residentes no país e a dívida externa seria a dívida
contraída em moeda estrangeira (dólar, ouro, iene, libra etc.) junto a residentes no exterior”. Para Reis
(2016, p. 32, grifo do autor): “Na prática, em tempos de desregulamentação financeira, os títulos da dívida interna
poderão ser comprados por bancos estrangeiros e, nesse caso, a dívida interna converte-se em ‘externa’ e os
títulos da dívida externa poderão ser emitidos em moeda nacional, como ocorreu no Brasil, a partir de 2005. Além
disso, residentes no país também poderão comprar títulos de dívida externa”.
70
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

O papel das organizações supranacionais nas reformas e políticas de ajustes

Segundo Afonso (2001, p. 23), embora “[...] estejamos ainda relativamente longe de
poder constatar empiricamente a existência de um completo e irreversível esvaziamento da
autonomia relativa do Estado-nação moderno, não podemos, ainda assim, deixar de considerar
que essa autonomia relativa está sendo cada vez mais desafiada e constrangida”: a emergência
de novas organizações e instâncias de regulação supranacional, direta ou indiretamente, com
uma intensidade maior ou menor, moldam e ditam os parâmetros para as reformas (Afonso,
2011). Ao mesmo tempo, os Estados também desempenham um papel importante na fase atual
do capitalismo, em razão das vantagens e das proteções que seus aparatos específicos
proporcionam ao capital transnacional (Harvey, 2005b).
Nesse sentido, podemos considerar que há uma reconfiguração das relações entre o
Estado e as forças supranacionais. Tal reconfiguração se expressa na emergência de novas
organizações e instâncias de regulação global, a exemplo da Organização Mundial do Comércio
(OMC), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico ou Econômico (OCDE), Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial
(BM), Organização das Nações Unidas (ONU), dentre outras.
A centralidade e o protagonismo que as agências financeiras internacionais, sobretudo
BM, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Fundo Monetário Internacional (FMI),
alcançaram no cenário internacional, especialmente a partir dos anos de 1990, são bastante
evidentes. Diversos estudos apontam que o papel desempenhado pelas agências ultrapassa a
concessão de crédito, influenciando as reformas estruturais e as políticas internas dos países.
Dentre suas estratégias, encontra-se o estabelecimento de precondições para a aprovação de
recursos a ser investidos e de projetos de assistência (Soares, 1998; Fonseca, 2000). Um
exemplo do papel abrangente dessas organizações no planejamento e na implementação das
políticas internas dos países latino-americanos é aquele que ficou conhecido como ‘Consenso de
Washington’38. Avaliando o enfrentamento da crise latino-americana, Bresser Pereira (1991, p.
5) afirma:

De acordo com a abordagem de Washington as causas da crise latino-


americana são basicamente duas: a) o excessivo crescimento do Estado,
traduzido em protecionismo (o modelo de substituição de importações),
excesso de regulação e empresas estatais ineficientes e em número
excessivo; e b) o populismo econômico, definido pela capacidade de
controlar o déficit público e de manter sob controle as demandas salariais
tanto do setor privado quanto do setor público.

Com base nesse diagnóstico sobre a natureza da crise latino-americana, foram indicadas
as medidas necessárias para superá-la, dentre as quais:

1. Disciplina fiscal, por meio da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação,
visando eliminar o déficit público;

38
“Em novembro de 1989, reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionários do governo norte-americano e
dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI, Banco Mundial e BID - especializados em assuntos
latino-americanos. O objetivo do encontro, convocado pelo Institute for International Economics, sob o título Latin
american adjustment: how much has happened?, era proceder a uma avaliação das reformas econômicas
empreendidas nos países da região. Para relatar a experiência de seus países também estiveram presentes diversos
economistas latino-americanos. Às conclusões dessa reunião é que se daria, subseqüentemente, a denominação
informal de Consenso de Washington” (Batista Jr., 1994, p. 5, grifo do autor). O ‘Consenso de Washington’
inspirou uma onda de reformasna América Latina e na África Subsaariana.
71
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

2. Focalização dos gastos públicos, subsídios para setores com maior retorno econômico
que favoreçam a redistribuição de renda como educação, saúde e infraestrutura;
3. Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incidem os tributos, com maior
peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos;
4. Liberalização financeira, eliminando restrições que impeçam instituições financeiras
internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do
setor;
5. Taxa de câmbio determinada pelo mercado, com a garantia de que fosse competitiva
e estimulasse as exportações;
6. Liberalização do comércio exterior, com redução das restrições tarifárias de
importação e estímulos à exportação, visando a impulsionar a globalização da
economia;
7. Eliminação de restrições ao capital externo e permissão para investimento
estrangeiro direto;
8. Privatização, por meio da venda de empresas estatais;
9. Desregulação das atividades econômicas, com redução da legislação de controle do
processo econômico e das relações trabalhistas;
10. Direito à propriedade intelectual (Bresser Pereira, 1991; Negrão, 1998).

Negrão (1998, p. 42) sintetiza: “[...] é possível afirmar que o Consenso de Washington faz
parte do conjunto de reformas neoliberais que, apesar de práticas distintas nos diferentes
países, está centrado doutrinariamente na desregulamentação dos mercados, abertura comercial
e financeira e redução do tamanho e papel do Estado”. Por meio dessas medidas, os países
retomariam o crescimento econômico, mesmo que isso, num primeiro momento, implicasse a
recessão e o aumento da pobreza.
Cabe ressalvar que a formulação de tais medidas não era nova: durante a década de 1980
e 1990, elas já vinham sendo adotadas por alguns países, a exemplo dos Estados Unidos, e
acabaram sendo impostas pelas instituições financeiras internacionais (FMI, BM e BID) como
receituário para o ajustamento macroeconômico, mediante condicionalidades à concessão de
empréstimos aos países cujos governos precisassem recorrer a recursos externos a fim de
supostamente evitar a recessão econômica. Nos países da América Latina, esse receituário foi
amplamente adotado e, por meio de programas de ajuste estrutural, impulsionavam-se as
reformas na região. Os programas de ajuste eram uma “[...] nova modalidade de empréstimos
não vinculada a projetos mas sujeita a condicionalidades amplas e severas de cunho
macroeconômico e setorial” (Soares, 1998, p. 21). Para Soares (1998, p. 23), o objetivo era “[...]
assegurar o pagamento da dívida e transformar a estrutura econômica dos países de forma a
fazer desaparecer características julgadas indesejáveis e inconvenientes ao novo padrão de
desenvolvimento (neoliberal) [...]”.
Os resultados foram: maior favorecimento ao capital internacional, menor crescimento
econômico, redução dos direitos sociais, agravamento das condições de pobreza, aumento do
déficit público, excessivo endividamento externo dos países, dentre outros. Entretanto, apesar
de seus efeitos negativos, tais medidas continuaram sendo recomendadas pelas agências
internacionais.

A crise do Estado do bem-estar social e as reformas neoliberais

A dificuldade para sustentar a acumulação fordista/keynesiana, a crise fiscal do Estado e o


crescente desemprego, em aliança como os novos padrões de concorrência capitalista
internacional enfrentados pelas empresas, exigiram não apenas um agudo processo de
concentração e centralização de capitais e transformações na organização interna dos processos
72
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

de trabalho, mas também levaram a alterações no papel e nas funções do Estado. Tratava-se da
necessidade de assegurar novas condições de acumulação do capital.
Reiteramos que, desde a década de 1980, o Estado de bem-estar social, consolidado no
pós-guerra, foi sendo gradativamente substituído por uma nova configuração. Embora sua
trajetória e seu alcance fossem diferenciados em cada país, tal ‘reforma’ passou por dois
momentos distintos.
O primeiro, o da retomada do liberalismo, estendeu-se até o início da década de 199039.
Nesse momento, Segundo Bresser-Pereira e Grau (1999, p. 15), “[...] assistimos à onda
neoconservadora com sua proposta do Estado mínimo [...]”, marcada pelas diretrizes neoliberais
e pelos preceitos do Consenso de Washington (1989).
Com base na suposta constatação de que a nova crise enfrentada pelo capitalismo
mundial decorria da crise do Estado, promovida pela crise fiscal e pela natureza de sua atuação,
considerada burocrática, centralizadora, excessivamente interventora e também sinônimo de
ineficiência, desperdício, privilégios e corrupção, enfatizaram-se as ideias neoliberais, não
apenas nos países capitalistas, mas também nos socialistas, a exemplo da União Soviética após a
Perestroika. Para resolver essa crise, os neoliberais, de um lado, fizeram ressurgira crença no
mercado livre e competitivo40 para a regulação das atividades econômicas, a resolução dos
conflitos e os ajustes das demandas sociais; de outro, rejeitando a intervenção estatal na vida
econômica e social e a concentração de poder, entenderam que o Estado deveria assumir o papel
de legislador e árbitro. De acordo com Friedman (1988, p. 23, grifo do autor):

A existência de um mercado livre não elimina, evidentemente a necessidade


de um governo. Ao contrário, um governo é essencial para a determinação
das regras do jogo e um árbitro para interpretar e por em vigor as regras
estabelecidas. O que o mercado faz é reduzir sensivelmente o número de
questões que devem ser decididas por meios políticos – e, por isso,
minimizar a extensão em que o governo tem que participar diretamente do
jogo [...].

As críticas à intervenção estatal foram acompanhadas da apologia do livre mercado, que


seria regido por leis ‘naturais’ e espontâneas, e da ênfase na autorregulação, com base nas quais
os países poderiam retomar o crescimento econômico.
Os programas de reformas encaminhados nos anos de 1980 tiveram como pontos
principais: a liberalização da economia por meio da política do livre-cambismo e da
desregulamentação financeira; a privatização de empresas estatais; a austeridade no gasto
público; a reestruturação das políticas sociais com a hipertrofia da ação do Estado e a reforma
tributária fiscal e previdenciária, o que levaria à desregulamentação da economia e à
flexibilização das relações trabalhistas; o enfraquecimento do poder dos sindicatos, que
incentivaria os agentes econômicos e atrairia investimentos; a promoção da estabilidade
monetária garantiria um mercado estável, capaz de gerar confiança nos investidores; o estímulo

39
A primeira experiência neoliberal ocorreu no Chile, com Pinochet (1975), depois na Inglaterra, com Tatcher
(1979); nos EUA, com Regan (1980); na Alemanha, com Helmoult Khol (1982); na Bolívia, com Paz Zanora e
Losada (1985); no México, com Salinas de Gatori (1988); na Argentina, com Menem (1989); na Venezuela, Andrés
Perez (1989); no Peru, com Fujimori (1990); e todos os países da Europa ocidental, com exceção da Suécia, Áustria
e Japão que, ao final dos anos de 1980, ainda resistiam à onda neoliberal (Anderson, 1995). Segundo Anderson
(1995, p. 22), os reformadores das economias pós-comunistas do Leste [Polônia, Rússia, República Tcheca] foram
os ‘mais intransigentes’ do que o Japão, a Coréia, a Malásia e Cingapura – “[...] região do capitalismo mundial
menos neoliberal e que mais apresentou êxito nos anos de 1980”.
40
Até a década de 1970, as ideologias socialistas e intervencionistas refreavam a fé depositada no mercado
autorregulado. Porém, diante da crise do socialismo e do Estado do Bem-Estar Social, a sociedade enfrenta
novamente dificuldades para encontrar alternativas para o enfrentamento da crise. Por isso, nesse contexto,
observa-se a busca de um novo patamar de acumulação e de crescimento econômico.
73
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

à competição entre as empresas públicas e privadas; a atuação do Estado como árbitro que
garantiria a obediência das regras do jogo do livre mercado.
Assim, o antigo Estado keynesiano ou do bem-estar, consolidado no pós-guerra, foi
gradativamente substituído pelo denominado ‘Estado-mínimo’, cujo papel é o de proteger a
liberdade dos indivíduos, preservar a lei e a ordem, cuidar dos direitos de propriedade, reforçar
os contratos privados, promover mercados competitivos, evitar monopólio público e fornecer
uma estrutura monetária. O mercado, por si só, se encarregaria de promover a distribuição de
benefícios, rendas e salários e garantir o bem-estar geral (Friedman, 1988). Isso resultou em
políticas de corte nos gastos públicos, principalmente no sistema de proteção social, e redução
do aparelho Estado.
No Brasil, as orientações neoliberais foram acolhidas desde a década de 1980,
proliferando nos anos de 1990. Os anos do governo Collor (1990-1992) são considerados o
marco inicial de adoção dessas orientações: em fevereiro de 1991, quase um ano após sua posse,
ele lançou o documento Brasil, um Projeto de Reconstrução Nacional. Nesse plano, ele deu
grande ênfase à necessidade de uma ampla reforma e propôs uma revisão e uma profunda
alteração no papel do Estado. A ampla reforma administrativa, tributária, com repercussão no
padrão dos gastos públicos, seria condição fundamental para a modernização do Estado, que
deveria ser menor e menos interventor. No termos do documento: “A reforma do aparelho do
Estado, necessária para adequá-lo às suas novas funções, está sendo realizada por meio da
desregulamentação, da privatização e da reforma administrativa” (Brasil, 1991, p. 30).
Dentre outras medidas, sua proposta envolvia: ajuste fiscal [aperfeiçoamento dos
mecanismos de controle dos gastos e reformulação dos instrumentos de financiamento do setor
público] e a reforma administrativa [redução do número de funcionários e reforma da
macroestrutura dos ministérios e secretarias envolvendo a fusão e a extinção de ministérios e
órgãos públicos]; criação do Programa Federal de Desregulação, com o objetivo de “[...]
eliminar diversos controles e regras, cuja existência constitui não somente obstáculo para a
atividade produtiva mas também interferência indevida do Estado na vida dos cidadãos [...]”;
criação do Programa Nacional de Desestatização, sob coordenação do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), “[...] para a redefinição da atuação do Estado,
restringindo o investimento às áreas em que ele é necessário” (Brasil, 1991, p. 32). O processo
de privatização de empresas e diversas participações acionárias de estatais em outras
companhias, “[...] não se limita à venda de empresas, mas também engloba a concessão ao setor
privado da exploração de serviços públicos e execução de obras públicas, a ser regulamentada
por lei” (Brasil, 1991, p. 33).
Em relação ao novo papel do governo na educação, o documento destacava que:

A educação é uma das áreas onde a presença do Estado é fundamental. À


iniciativa privada cabe um papel complementar importante, mas que nunca
será desempenhado a contento se não houver, por parte do setor público,
uma oferta educacional adequada à demanda da população e às necessidades
do sistema econômico. À maior liberdade de atuação, seja quanto a preços,
seja quanto a esfera pedagógica e curricular, do setor privado, deve
corresponder uma melhora da educação pública [...] (Brasil, 1991, p. 74-75).

Quanto ao ensino público, o processo de redemocratização do país fez com que estados e
municípios ampliassem efetivamente seu poder decisório na formulação e na execução de
políticas educacionais (Brasil, 1991).
Embora as políticas neoliberais tenham sido alvo de fortes questionamentos e críticas, a
década de 1980 foi marcada pelo avanço das políticas anti-intervencionistas no mundo todo.
Porém, na década de 1990, sob o impacto não apenas das críticas às políticas de liberalização e

74
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

privatização, mas também dos resultados decepcionantes alcançados por meio delas,
especialmente em relação ao parco crescimento econômico e ao agravamento dos problemas
sociais, como o desemprego e pobreza, o papel do Estado na economia e na sociedade foi
recolocado em discussão. Conforme Melo e Falleiros (2005, p. 175, grifo do autor):

Tais políticas em favor do mercado acarretaram, mesmo nos países


capitalistas centrais, sérias conseqüências sociais, como o aumento da
pobreza e do subemprego e a diminuição da rede de proteção social
construída nos anos de bem-estar social. Face à situação, a classe dominante
deu início a mudanças em sua estratégia de legitimação. Antigos defensores
dos termos do projeto, como o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e a Unesco, produziram documentos criticando o que
denominaram ‘neoliberalismo radical’. A partir de críticas às posições que
defendiam a minimização do Estado, bem como sua secundarização face ao
mercado, apontam para a necessidade de um novo Estado para promover o
crescimento econômico e o desenvolvimento social [...].

O Relatório do Banco Mundial (1997) sobre o desenvolvimento mundial, intitulado O


Estado em um mundo de transformação, foi dedicado ao papel e à eficácia do Estado. Nele, são
abordadas questões sobre o que os governos devem e podem fazer para melhorar sua atuação
em um mundo de rápidas mudanças. Ao mesmo tempo em que se reconhece o papel importante
a ser desempenhado pelo Estado no desenvolvimento econômico e social, argumenta-se
contrariamente à redução do governo a um Estado minimalista e defende-se um Estado efetivo.
Este deveria ser capaz de desempenhar um papel facilitador, catalizador e parceiro no sentido
de incentivar e complementar as atividades dos indivíduos e das empresas privadas.
Duas são as estratégias recomendadas para orientar a reforma do Estado: 1)
compatibilizar a função do Estado com suas capacidades, o que envolve “[...] escolher o que
fazer e o que deixar de fazer [...]”, mas também “[...] decidir como fazer – como prestar serviços
básicos, proporcionar infra-estrutura, regulamentar a economia” (Banco Mundial, 1997, p. 4);
2) aumentar sua atuação mediante o revigoramento das instituições públicas, o que implica
promover mudanças institucionais; incentivar os servidores públicos a melhorar seu
desempenho; tornar os regulamentos mais flexíveis, aproximar-se do cidadão [público], dando-
lhe voz por meio de mecanismos de informação e consulta; ser mais receptivo às necessidades
dos cidadãos; envolver a participação social na gestão pública; descentralizar o poder e os
recursos entre os níveis inferiores de governo; possuir uma forte capacidade centralizada de
formulação e coordenação de políticas; firmar parcerias com empresas e organizações cívicas na
provisão de bens públicos; submeter as instituições estatais a uma concorrência maior para
melhorar sua eficiência; introduzir fortes mecanismos de monitorização; e aumentar a
transparência, a fim de gerar o crédito e a confiança em suas ações, dentre outros aspectos.
Quanto à efetividade das ações do Estado nos serviços básicos, a orientação é:

Embora o Estado ainda tenha um papel central na provisão da garantia de


serviços básicos - educação, saúde e infra-estrutura -, não é óbvio que deva
ser o único provedor, ou mesmo que deva ser provedor. As decisões do
Estado em relação à provisão, financiamento e regulamentação desses
serviços devem basear-se nas vantagens relativas dos mercados, da sociedade
civil e dos órgãos do governo (Banco Mundial, 1997, p. 28).

Em 2005, o Banco Mundial publicou o relatório Economic growth in the 1990s: learning
from a decade of reform, cujo foco também foi o papel do Estado. Conforme o objetivo de extrair
lições dos acontecimentos que marcaram uma década de reformas, declara-se no documento

75
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

que em muitos pontos as reformas empreendidas nos países, conforme recomendações do


Consenso de Washighton, não geraram os efeitos esperados ou se revelaram decepcionantes,
isto é, levaram à perda de crescimento econômico e ao sofrimento social e público. Em sua
análise dos fatores limitantes do crescimento econômico, os relatores questionam se o impulso
às privatizações das empresas e serviços públicos e às desregulamentações não teria ido longe
demais e se a liberalização financeira teria sido adequada ou não. Afirmam eles que a
experiência mostrou a importância do gerenciamento macroeconômico prudente como
estratégia de crescimento bem-sucedido e que a discricionariedade do governo não podia ser
ignorada. Consideram, por exemplo, que, para regulamentar, supervisionar bancos e fornecer
infraestrutura e serviços sociais (Banco Mundial, 2005), atividades essenciais para sustentar o
crescimento, era necessário encontrar formas para que a ação administrativa fosse eficaz.
Esse foi o segundo momento das reformas neoliberais. Segundo Bresser-Pereira e Grau
(1999, p. 15), “[...] quando começa a tornar-se claro o irrealismo da proposta neoliberal, o
movimento em direção à reforma ou mais propriamente à reconstrução do Estado se torna
dominante”. Surge, nessa fase, a discussão sobre o modelo de administração pública gerencial
nos moldes empresariais e sobre a política da terceira via.
A política da terceira via edificou-se na década de 1990, em meio aos movimentos dos
‘novos democratas’, nos Estados Unidos, e do ‘novo trabalhismo’, na Inglaterra, ocorridos,
respectivamente, nos governos de Bill Clinton e Tony Blair. “Para disseminar esse novo projeto
político e construir um consenso internacional em torno dele, foi organizado, em 1999, um
movimento denominado de Cúpula da Governança Progressista, destinado a reunir
periodicamente chefes de governo de diversos países” (Carvalho; Garcia, 2016, p. 67, grifo do
autor).
A Cúpula da Governança Progressista, colocando-se, segundo Martins (2007, p. 63), “[...]
no campo político de centro-esquerda [...]”, foi constituída como “[...] um fórum para trocas de
experiências e definição de agendas comuns - dando conseqüência e organicidade às ações
governamentais e de sujeitos políticos coletivos preocupados com a reorganização da hegemonia
burguesa em todo o mundo”. Para o autor, em certa medida, o fórum foi “[...] uma resposta
política à série de eventos e protestos anti-globalização e anti-capitalista que reuniram diversas
organizações e manifestantes em várias partes do mundo, entre os anos de 1998 e 2001”
(Martins, 2007, p. 63). “Até 2002, como presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso
participou de reuniões e articulações internacionais; a partir de então, foi Lula que passou a
integrar esse agrupamento político” (Carvalho; Garcia, 2016, p. 67).
Embora a terceira via compartilhe princípios do neoliberalismo, difere dele quanto às
estratégias (Martins, 2009a). Na perspectiva da terceira via, a crise do Estado relaciona-se à
ingovernabilidade e, portanto, para assegurar maior governabilidade e maior governança, sua
reconstrução ou reforma seria fundamental para a obtenção de apoio político e para efetivar as
decisões do governo (Bresser Pereira, 1997). Nesse sentido, no capitalismo globalizado, o
Estado é imprescindível para regular e coordenar processos de desenvolvimento econômico e
social, motivo pelo qual lhe é atribuída outra qualidade. Para o sociólogo britânico, Anthony
Giddens (2005, p. 82), um dos idealizadores de tal política, “A questão não é mais ou menos
governo, mas o reconhecimento de que a governação deve se ajustar às novas circunstâncias da
era global; e de que a autoridade, inclusive a legitimidade do Estado, tem de ser ativamente
renovada”.
Na busca pelo fortalecimento do Estado, os ideólogos da terceira via defendem a
reinvenção ou a reforma do Estado e tentam diferenciá-la tanto da teoria de esquerda,
representada pela social-democracia clássica, quanto da teoria de direita, representada pelo
neoliberalismo, por considerá-las inadequadas e insuficientes para enfrentar os problemas do
mundo contemporâneo (Giddens, 2005).

76
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Esse ‘novo’ modelo ‘híbrido’ do Estado, cujo pressuposto básico para o bom
funcionamento da economia e do sistema democrático é a complementaridade entre Estado e
mercado, é denominado por Bresser Pereira (1998b) de ‘Estado social-liberal’41.

Social porque continuará responsável pela proteção dos direitos sociais à


educação, à saúde e à previdência básica [...] liberal, porque realizará estas
tarefas de forma muito mais competitiva, deixando de oferecer à burocracia
estatal o monopólio das verbas orçamentárias para a educação, saúde,
cultura. A construção de obras de infra-estrutura será terceirizada [...] As
empresas produtoras de bens serão privatizadas. As empresas produtoras de
serviços públicos serão objetos de concessão a empresas privadas [...] E,
finalmente, a oferta de serviços sociais será entregue, também de forma
competitiva, não a empresas privadas, mas a organizações públicas não-
estatais. Este é um fenômeno que está começando a acontecer em todo o
mundo, embora a grande maioria dos analistas ainda não se tenha dado conta
dele (Bresser Pereira, 1998b, p. 7-8).

O ponto de partida é a ideia de que, no capitalismo globalizado, a presença do Estado


forte é imprescindível. Sua nova qualidade seria a seguinte: o Estado “[...] não produzirá bens e
serviços, nem concentrará sua política econômica na proteção do mercado nacional, mas
desempenhará um papel importante em promover a competitividade externa do país” (Bresser
Pereira, 1998b, p. 8). Defende-se, assim, a reinvenção ou a reforma do Estado de bem-estar
social. De acordo com Anthony Giddens42:

[...] A reforma do Estado e do governo deveria ser um princípio orientador


básico da política da terceira via – um processo de aprofundamento e
ampliação da democracia. O governo pode agir em parceria com as
instituições da sociedade civil para fomentar a renovação e o
desenvolvimento da comunidade. A base econômica de tal parceria é o que
chamei de a nova economia mista. Essa economia só pode ser eficaz se as
instituições do welfare existentes forem inteiramente modernizadas [...]
(Giddens, 2005, p. 79).

Ainda a esse respeito, o autor afirma:

Os neoliberais querem encolher o Estado; os social-democratas,


historicamente, têm sido ávidos por expandi-lo. A terceira via afirma que é
necessário reconstruí-lo – ir além daqueles da direita que dizem que o
governo é inimigo, e daqueles da esquerda que dizem que o governo é
a resposta (Giddens, 2005, p. 80, grifo do autor).

Em documento divulgado pelo governo brasileiro (Brasil, 1997a, p. 8), podemos encontrar
argumento semelhante:

41
Silva (2003, p. 76, grifo do autor) ressalta que “[...] a proposta social-liberal já havia sido apresentada por Collor,
sendo divulgada por intermédio de uma série de artigos e discursos. Recuperada do governo Collor, Bresser
Pereira reapresentou-a em um momento politicamente mais favorável, obscurecendo os traços identificados com o
neoliberalismo e realçando seu aspecto social”. Em sua interpretação, “[...] Na verdade, essa é uma nova versão do
Estado mínimo, recuperada e atualizada dos postulados liberais do século 18”.
42
“Anthony Giddens é o principal formulador da teoria política da terceira via. Ele foi assessor do ex-primeiro-
ministro inglês Tony Blair, ocupando, em 1996, o cargo de reitor da London School of Economics. O construto
teórico da terceira via está organizado especialmente em três obras de Anthony Giddens: Para Além da Esquerda e
da Direita: o futuro da política radical (1996), A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da
social-democracia (2001) e A terceira via e seus críticos (2001)” (Carvalho; Garcia, 2016, p. 65-66).
77
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

A reação imediata à crise, ainda nos anos 80, logo após a transição
democrática, foi ignorá-la. Uma segunda resposta igualmente inadequada foi
a neoliberal, caracterizada pela ideologia do Estado mínimo. Ambas
revelaram-se irrealistas: a primeira, porque subestimou tal desequilíbrio; a
segunda, porque utópica. Só em meados dos anos 90 surge uma resposta
consistente com o desafio de superação da crise: a idéia da reforma ou
reconstrução do Estado, de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua
capacidade de implementar políticas públicas conjuntamente com a
sociedade.

Nessa nova concepção de atuação estatal, cujos princípios norteadores são o


‘aprofundamento’ e a ‘ampliação da democracia’ (Giddens, 2005), a sociedade civil seria
transformada em parceira do Estado e compartilharia suas responsabilidades, ao mesmo tempo
em que imporia limites à atuação e ao controle estatal excessivo.
A base da parceria entre o governo e as instituições da sociedade civil seria a criação de
uma ‘nova economia mista’, que envolveria “[...] uma nova sinergia entre os setores público e
privado, utilizando o dinamismo dos mercados mas tendo em mente o interesse público [...]”, e
“[...] um equilíbrio entre regulação e desregulação, num nível transnacional bem como em
níveis nacional e local; e um equilíbrio entre o econômico e não-econômico na vida da
sociedade” (Giddens, 2005, p. 109-110).
A finalidade da parceria entre as duas instâncias é explicitada por Giddens nos seguintes
termos:

As parcerias em projetos públicos podem conferir ao empreendimento


privado um papel mais amplo em atividades que anteriormente os governos
proviam, assegurando ao mesmo tempo que o interesse público permaneça
dominante. No devido tempo, o setor público pode fornecer recursos
capazes de ajudar a empresa a florescer e sem os quais projetos conjuntos
podem fracassar [...] (Giddens, 2005, p. 135-136).

Na busca de alternativas que estimulem soluções fora do espaço público estatal, o autor
argumenta que a política governamental “[...] pode fornecer capital de maneira direta, mas
também criar incentivos para que empresas privadas façam investimentos, ofereçam programas
de treinamento e fomentem a iniciativa local” (Giddens, 2005, p. 94). Nesses termos, o Estado
criaria condições para os investimentos privados em atividades que, anteriormente, eram de sua
responsabilidade, ao mesmo tempo em que adotaria medidas para estimular ou favorecer a
expansão da atuação do setor privado.
Observa-se que a democratização ganha ênfase nessa proposta de reforma do Estado.
Como “[...] não há autoridade sem democracia” (Giddens, 2005, p. 75), o novo Estado
democrático precisa remodelar sua autoridade e o fará por meio da descentralização; da
delegação ou da transferência de poder [regiões, cidades, bairros]; do fortalecimento da
autonomia local; da adoção de mecanismos de democracia direta, como planejamento
participativo, referendos eletrônicos e plebiscitos, juris de cidadãos e iniciativa direta; e da
transparência nos negócios públicos. Em síntese, a sociedade civil autônoma e ativa agiria em
parceria com o governo (Giddens, 2005). Nessa perspectiva, o Estado, de produtor de bens e
serviços, passa a assumir a expansão e o desenvolvimento da liberdade individual e a coordenar
as iniciativas privadas, da sociedade civil.
A política da terceira via revela uma aparente preocupação com a justiça social. No
entanto, restringir os excessos do Estado de bem-estar social e rejeitar a ‘política de classes’ e
de igualdade econômica significa propor a reorientação do investimento social do Estado. A

78
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

proposta é redefinir direitos e obrigações43 e encontrar um novo equilíbrio entre


responsabilidade individual e coletiva. Ao mesmo tempo, para assegurar a inclusão social, o
Estado precisa ser provedor de serviços sociais para a parcela da sociedade definida como dos
excluídos ou vulneráveis, focalizar as políticas sociais [de forma a atender determinados
problemas, como discriminação, pobreza e questões ambientais] e estimular as iniciativas
privadas e a ação voluntária dos indivíduos em termos de investimento e de prestação de serviços
sociais fora da esfera estatal.
Na interpretação de Neves e Sant’Anna (2005, p. 38), no contexto de “[...]
superexploração a que está submetida boa parte da classe trabalhadora mundial em
consequência dos efeitos do desemprego estrutural e dos processos de precarização das relações
de trabalho [...]”, o apelo à responsabilidade social de cada indivíduo, grupo ou comunidade,

[...] fundamentado na noção de sociedade civil enquanto um espaço de


cooperação mútua organicamente independente do Estado, consubstancia a
estratégia da classe dominante e dirigente, sob a direção do que vem sendo
denominado de liberal-socialismo ou socialismo liberal, de radicalização da
democracia, ou seja, de retração da participação popular aos limites de um
pacto social no qual capital e trabalho procuram humanizar as relações
sociais vigentes de exploração, expropriação e dominação (Neves; Sant’Anna,
2005, p. 38).

A edificação do novo Estado democrático envolve também a redescoberta e a ampliação


do princípio neoliberal do individualismo como valor moral mais radical (Hayek, 2010)44, uma
vez que “[...] reúne indivíduos para tratar de seus problemas específicos” (Neves; Sant’Anna,
2005, p. 36). Para Giddens, (2005, p. 47), “[...] o novo individualismo anda de mãos dadas com
pressões por maior democratização”. Ou seja,

[...] esse novo individualismo, ao invés de um comportamento egoísta do


mercado, voltado para a maximização dos lucros (Giddens, 2001, p.
318), deve levar em conta o comprometimento social, a necessidade de uma
atuação responsável em relação aos outros independentemente do Estado.
Tal atuação se materializa em organizações não lucrativas da sociedade civil,
no voluntariado ou em organizações empresariais que tenham programas de
responsabilidade social [...] (Carvalho; Garcia, 2016, p. 72).

43
Como exemplo, Giddens menciona os auxílios-desemprego que, segundo ele, “[...] deveriam acarretar a obrigação
de procurar trabalho ativamente [...]” cabendo “[...] aos governos assegurar que os sistemas de bem-estar social
não desencorajem a procura ativa” (Giddens, 2005, p. 75).
44
Hayek (2010, p. 77) aponta para a possibilidade de uma coincidência de objetivos individuais e fins sociais.
Segundo ele: “[...] não tem grande importância se os objetivos de cada indivíduo visam apenas as suas
necessidades pessoais ou se incluem as de seus amigos mais próximos, ou mesmo dos mais distantes – isto é, se
ele é egoísta ou altruísta na acepção comum de ambas as palavras. O fundamental é que cada pessoa só se pode
ocupar de um campo limitado, só se dá conta da premência de um número limitado de necessidades. Quer os seus
interesses girem apenas em torno das próprias necessidades físicas, quer se preocupe com o bem-estar de cada ser
humano que conhece, os objetivos que lhe podem dizer respeito corresponderão sempre a uma parte infinitesimal
das necessidades de todos os homens. Este é o fato fundamental em que se baseia toda a filosofia do
individualismo. Ela não parte do pressuposto de que o homem seja egoísta ou deva sê-lo, como muitas vezes se
afirma. Parte apenas do fato incontestável de que os limites dos nossos poderes de imaginação nos impedem de
incluir em nossa escala de valores mais que uma parcela das necessidades da sociedade inteira; e como, em sentido
estrito, tal escala só pode existir na mente de cada um, segue-se que só existem escalas parciais de valores, as quais
são inevitavelmente distintas entre si e mesmo conflitantes. [...] E esse reconhecimento do indivíduo, como juiz
supremo dos próprios objetivos, é a convicção de que suas ideias deveriam governar-lhe tanto quanto possível a
conduta que constitui a essência da visão individualista”.
79
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

No entanto, “[...] para garantir que a sociedade se transforme em um espaço de


colaboração social, de ajuda mútua e de convivência democrática, é necessário difundir valores
morais e éticos e, assim, formar uma nova subjetividade coletiva, compatível com a nova
sociabilidade capitalista” (Carvalho; Garcia, 2016, p. 74). O processo exige uma cultura cívica
empreendedora, com base na qual os grupos sociais produzem estratégias para a resolução de
seus próprios problemas, tornando-se independentes do Estado.
A diretriz dessa proposição é o investimento em “[...] capital humano45 sempre que
possível, em vez de fornecimento direto do sustento econômico” (Giddens, 2005, p. 127, grifo
do autor). A finalidade seria expandir a autonomia e a responsabilidade individual e formar uma
nova cultura política na qual os sujeitos seriam “[...] menos dependentes das políticas públicas
do Estado e mais envolvidos na resolução dos problemas sociais” (Carvalho; Garcia, 2016, p. 71).
Nesse sentido, Giddens (2005, p. 135) recomenda:

Os governos precisam enfatizar a educação ao longo de toda a vida,


desenvolvendo programas educacionais que se iniciam desde os primeiros
anos de uma pessoa e prosseguem até tarde em sua vida. Embora o
treinamento para habilidades específicas possa ser necessário para a maioria
das transições entre empregos, mais importante é o desenvolvimento de
competência cognitiva e emocional.

Na perspectiva dos proponentes dessa reforma, o Estado deve responder com mais
rapidez e eficiência às constantes mutações do mercado global e às demandas sociais, exercer
um papel mais decisivo na reestruturação produtiva e diversificar as fontes de financiamento. Ao
flexibilizar a ação estatal, seria possível liberar a economia, conduzindo-a a um novo ciclo de
crescimento e, ao mesmo tempo, proporcionar ao Estado melhores condições de
governabilidade. A eficiência administrativa, pautada no princípio de se “[...] obter mais de
menos” (Giddens, 2005, p. 127), torna-se questão central nos debates e nas reformas políticas
dos anos de 1990, em meio aos quais o novo modelo de gestão pública que se apresenta é o
‘gerencial’.

Da administração burocrática à gerencial – um novo paradigma de administração


pública

Para os defensores do modelo da gestão pública gerencial, o principal problema a ser


enfrentado pelos governos não se resume a mais ou menos governo; a questão é a necessidade
de ‘melhor governo’ (Osborne; Goebler, 1998). De um lado, eles reconhecem os limites do
neoliberalismo, de outro entendem que a proposta de Estado-mínimo não faz sentido algum na
sociedade atual; por isso, defendem a necessidade de se reinventar o Estado ou reformá-lo. Para
a reconstrução do Estado, Anthony Giddens sugere:

[...] A resposta apropriada não é introduzir mecanismos de mercado, ou


quase-mercados, onde quer que haja um vislumbre de possibilidade. A idéia
de que o governo deve imitar o mercado foi a principal tese do livro de David
Osborne e Ted Gaebler, Reinventing Government. Sua obra influenciou as
políticas de Clinton no início da década de 1990. Reinventar o governo
certamente significa por vezes adotar soluções baseadas no mercado. Mas

45
A ‘teoria do capital humano’ foi difundida por Theodore Schultz nos anos de 1960. Sendo retomada nos anos de
1980 pelo Banco Mundial para responder às novas exigências da economia, adquiriu mais ênfase nos anos de 1990
no bojo do programa da ‘terceira via’. Para Schultz (1973), os investimentos no conhecimento dos trabalhadores
poderiam ampliar a produtividade e os lucros das empresas e ser um fator de crescimento econômico dos países.
80
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

deveria significar também reafirmar a eficácia dos governos diante dos


mercados (Giddens, 2005, p. 85).

Produz-se, assim, a ideia de que o Estado deve se reestruturar e se modernizar,


exercendo um papel mais decisivo na reorganização do processo produtivo em face das
constantes mutações do mercado global, na diversificação das fontes de financiamento e no
atendimento mais rápido e eficiente das demandas sociais. Tal redefinição repercutiria na
liberação da economia conduzindo-a a um novo ciclo de crescimento econômico. O problema da
governabilidade e da eficiência administrativa torna-se questão central nos debates e nas
reformas políticas dos anos de 1990. Na interpretação de Silva (2003, p. 55, grifo do autor):

Assim, com a tese da ingovernabilidade, os neoconservadores afastam do


debate sobre a chamada crise do Estado os fatores intrínsecos ao capitalismo
originários da esfera econômica, invertendo a localização do problema.
Excluíram da maioria da população as relações históricas que o Estado
capitalista mantém com a esfera econômica e recriaram a ilusão de que o
capitalismo, desde que liberado de pressões ‘espúrias’, é essencialmente
harmônico e auto-regulável.

A necessidade de governabilidade no sentido político e econômico, em face das exigências


contraditórias do processo de acumulação capitalista, bem como de sua legitimação, conduzem à
construção de um novo modelo de gestão dos negócios do Estado. Assim, surgem as propostas
da new public managemente e do reinventing government, doutrinas globalmente semelhantes
que importam princípios e práticas da gestão empresarial, influenciando as reformas
administrativas de diversos países.
Os novos conceitos expressam uma modificação profunda do modelo burocrático
weberiano (fundado em procedimentos rígidos, forte hierarquia, centralização e delimitação
nítida da esfera pública em relação à privada), o qual vai sendo suplantado por organizações mais
flexíveis e por um redirecionamento das formas de intervenção do Estado e de gestão das
políticas públicas. Conforme Giddens (2005, p. 84, grifo do autor),

[...] A reestruturação do governo deveria seguir o princípio ecológico de


obter mais com menos’, compreendido não como redução mas como
aperfeiçoamento do valor entregue. A maioria dos governos ainda tem um
bocado a aprender com a melhor prática empresarial – por exemplo, controle
de metas, auditorias eficazes, estruturas de decisão flexíveis e maior
participação dos funcionários – o último destes sendo um fator de
democratização [...]

Nesse novo modelo de gestão pública, cujas repercussões atingem profundamente a


gestão educacional, a administração pública gerencial ou o ‘governo empresarial’ (Dardot; Laval,
2016) deve adotar as seguintes estratégias:

a) limitar os esforços à organização da produção de bens e serviços, sem prestá-los


diretamente;
b) empreender novas formas de financiamento e administração dos recursos;
c) estimular soluções fora do setor público, terceirizando, estabelecendo parcerias entre
o setor público e o privado e contratando serviços no mercado;
d) favorecer a participação crescente do trabalho voluntário e do ‘terceiro setor’ na
provisão dos serviços públicos;

81
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

e) catalisar a comunidade para promover a solução dos problemas, forçando a criação de


estratégias empreendedoras;
f) regular e normatizar, separando direção/gerenciamento de políticas de
prestação/execução de serviços;
g) combater a prática monopolista, privilegiando a liberdade de escolha e estimulando a
competição (pública e/ou privada) entre os que prestam serviços públicos;
h) inventar novos sistemas orçamentários para criação de recursos, a exemplo da
concessão de subsídios, do fornecimento de vales, da cobrança de taxas de utilização
dos serviços, da criação de fundos, de investimentos acionários e premiação para
instituições que obtiverem melhores resultados ou demonstrarem maior habilidade
para atrair o capital privado;
i) eliminar entraves burocráticos, orientando-se por projetos, metas de desempenho,
missões ou tarefas, focalizando os resultados/fins desejados ao invés de se concentrar
no processo/meios e na obediência de regras e regulamentos;
j) dar liberdade aos escalões mais baixos para escolher os métodos mais apropriados
para o cumprimento de metas pré-fixadas, dotando-os de autonomia e favorecendo a
máxima flexibilidade para aumentar a rapidez das respostas às circunstâncias
cambiantes e imprevistas;
k) exercer influência por persuasão e incentivos, sem usar comandos (oferecer prêmios,
divulgar rankings, recomendações e informações);
l) controlar e fiscalizar a qualidade dos serviços prestados, adotando mecanismos de
avaliação da satisfação do cliente e de conhecimento de sua opinião e vontade, a fim
de regular o sistema, orientar suas ações e orientar as ações da gestão;
m) atuar de forma preventiva;
n) encontrar fontes de recursos alternativas aos impostos, como fonte primordial de
receitas;
o) descentralizar, delegando autoridade, confiando poder e atribuindo responsabilidades
ao poder local e aos cidadãos, em lugar de simplesmente servi-los;
p) promover o gerenciamento com participação, oferecendo à comunidade maior
autonomia e estimulando-a a ter mais iniciativa e capacidade de decisão para resolver
seus próprios problemas;
q) orientar as ações segundo os mecanismos do mercado (competição, livre escolha,
opção do consumidor, tomadas de decisão baseadas nos melhores resultados),
estruturar o mercado (estabelecer regras, orientar as decisões dos agentes privados)
e induzi-lo a mudanças (divulgar informações sobre a qualidade dos serviços,
estimular a demanda, catalisar a formação de novos setores do mercado e conceder
incentivos para influenciar a oferta de preços e serviços);
r) abrandar ou reverter o crescimento do setor administrativo, diminuindo as despesas
públicas e o número de funcionários; informatizar46 os serviços públicos; investir na
transparência da administração e em sua flexibilidade;
s) redefinir o conceito de usuários, passando a considerá-los como
clientes/consumidores, oferecendo-lhes opções e serviços para sua livre escolha,

46
A utilização, por parte dos vários órgãos da administração pública, de tecnologias de comunicação e informação
(redes alargadas, internet e computação móvel) é denominada de e-government (governação eletrônica). Essas
tecnologias podem servir para uma variedade de fins: favorecer o acesso dos cidadãos a serviços e informações;
incentivar a participação do cidadão na administração pública; melhorar a interação dessa administração com o
cidadão e com as empresas e também a interação entre setores da própria administração pública (a exemplo das
transações para pagamentos de impostos e serviços, dos serviços de correio interno para circular informações,
publicar documentos e fornecer dados e sites sofisticados que garantam acesso a serviços).
82
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

identificando-os e atendendo suas necessidades e preferências particulares


(Osborne; Goebler, 1998).

Com base na identificação dessas estratégias do ‘novo gerencialismo público’, temos


elementos para analisar as influências do programa da terceira via na reforma do Estado
brasileiro, especialmente na redefinição das relações entre o público e o privado, na construção
de novas formas de governança e na criação de novas oportunidades de negócios e de lucros na
oferta dos serviços públicos, bem como para analisar suas consequências para as políticas
voltadas para a educação básica pública.
No Brasil, a política da terceira via foi explicitamente assumida pelo governo Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002), que criou o Ministério da Administração e Reforma do Estado e
elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil, 1995a). Tal proposta teve
continuidade e aprofundamento nos governos de Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff
(2011-2016), em termos de metas, objetivos e estratégias (Martins, 2009a; Antunes, 2013).
Todavia, após o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, ocorrido em
meio uma significativa mudança na correlação de forças no país, Michel Temer (2016-2018)
assumiu o governo e, conforme uma nova tendência mundial, adotou posições que parecem
expressar uma inflexão para um neoliberalismo mais ortodoxo. Segundo estudo de Druck,
Filgueiras e Moreira (2017, p. 603):

Fazendo coro com a onda reacionária e privatizante do Governo Temer que


já protagonizou, entre outras coisas, o congelamento das despesas públicas
em termos reais por 20 anos, a liberação da terceirização para qualquer setor
da atividade das empresas, uma reforma trabalhista que retrocede os direitos
e as relações trabalhistas para antes da Revolução de 1930, o desmonte da
cadeia produtiva do petróleo, o esvaziamento do BNDES como banco de
desenvolvimento etc. [...]

Com o objetivo de promover mudanças na infraestrutura do Estado brasileiro, reduzir


gastos públicos e atrair investimentos privados, essa tendência tem se aprofundado no governo
de Jair Bolsonaro (2019-2022). Dentre os principais pontos da agenda da área econômica do
novo governo federal, podemos citar: a reforma do sistema previdenciário, a privatização de
diversas empresas estatais, a reforma administrativae a reforma tributária. Cabe acompanhar os
novos rumos da política e seus desdobramentos.
Destacamos que a construção da propostada terceira via no Brasil envolveu um amplo
consenso entre setores empresariais, instituições religiosas (especialmente a Igreja Católica),
mídia, organizações da sociedade civil, partidos políticos e sindicatos (com destaque para a
Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical) (Silva, 2003; Neves; Sant’Anna,
2005; Martins, 2005; 2009a), que favoreceu sua legitimação e sua materialização.
Após apontar, em linhas gerais, as principais características do novo modelo de gestão
pública em curso desde os anos de 1990, consideramos necessário centrar a atenção no projeto
de reforma do Estado brasileiro. A finalidade é contextualizar a discussão sobre a proposta de
descentralização, de participação social, de parceria e de autonomia da gestão em meio à qual se
propõem as reformas educacionais e examinar a possível relação entre os princípios de
democratização e privatização nos encaminhamentos da política educacional. Tais aspectos
serão abordados no quinto capítulo deste livro.

83
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

O projeto brasileiro de reforma administrativa na perspectiva gerencial

No Brasil, o projeto de reforma do Estado teve início com o Plano Real, no governo
Itamar Franco (1992-1994), e com a proposta de renegociação das dívidas e de controle do gasto
público. Com a criação do Fundo Social de Emergência, estabeleceu-se o controle dos gastos
públicos e se adotou a racionalização da gestão com a “[...] flexibilização dos monopólios, a
concessão de serviços públicos à iniciativa privada e as privatizações” (Cardoso, 1998, p. 9).
Essas medidas, que favoreceram a estabilidade econômica e uma melhor organização das
finanças públicas, foram consideradas por Fernando Henrique Cardoso como condição básica
para a dinamização da economia e para a retomada dos investimentos públicos nos programas
de infraestrutura e nos projetos sociais (Cardoso, 1998).
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado47 (Brasil, 1995a) foi elaborado pelo
extinto Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), posteriormente
incorporado pelo atual Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Sua relação com os
princípios do modelo gerencial foi assim definida no documento:

Um modelo de administração gerencial pressupõe uma instituição com seus


corpos diretivo e funcional comprometidos com a missão institucional,
orientados para a efetividade dos resultados da atuação da organização, em
geral, e de suas ações, em particular, e para a valorização dos recursos
públicos de que dispõem (financeiros ou não), sendo reconhecidos pelos
resultados apresentados (Brasil, 1997b, p. 12).

Sua implantação, que abriu espaço para mudanças organizacionais e administrativas,


fornece inúmeros elementos para analisarmos a política administrativa brasileira a partir dos
anos 1990.
Conforme as palavras do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso
(Brasil, 1995a, p. 9), a reconstrução e o fortalecimento do Estado é condição para que o país
possa enfrentar os desafios da globalização econômica, consolidando a estabilidade e
assegurando o crescimento sustentado da economia e a diminuição das desigualdades sociais. A
proposta tinha por objetivo

[...] permitir que a administração pública se torne mais eficiente e ofereça ao


cidadão mais serviços, com maior qualidade. Ou seja, fazer mais e melhor
com os recursos disponíveis. A redução de custos será perseguida ao mesmo
tempo em que se promove a contínua revisão e o aperfeiçoamento das
rotinas e processos de trabalho, simplificando procedimentos,
desburocratizando e estabelecendo metas e indicadores de desempenho e de
satisfação do cidadão (BRASIL, 1997c, p. 7).

A reforma gerencial da administração pública no Brasil, segundo o ex-ministro Bresser


Pereira (1998a, p. 20), teria ainda por objetivos: “[...] a curto prazo, facilitar o ajuste fiscal48,

47
“O aparelho de Estado é o Estado como organização, que conta com servidores públicos, recursos financeiros,
máquinas, equipamentos e instalações, para a prestação de serviços no interesse da sociedade. O aparelho de
Estado é o executor das decisões que são tomadas pelo Governo [...]” (Brasil, 1997c, p. 7).
48
De acordo com Bresser Pereira (1998a, p. 20), “[...] o ajuste fiscal será realizado principalmente através de: a)
exoneração de funcionários por excesso de quadros; b) definição clara de teto remuneratório para os servidores; e
c) através da modificação do sistema de aposentadorias, aumentando-se o tempo de serviço exigido, a idade
mínima para aposentadoria, exigindo-se tempo mínimo de exercício no serviço público e tornando o valor da
aposentadoria proporcional à contribuição. As três medidas exigirão mudança constitucional. Uma alternativa às
dispensas por excesso de quadros, que provavelmente será muito usada, será o desenvolvimento de sistemas de
exoneração ou desligamento voluntário. Nestes sistemas os administradores escolhem a população de funcionários
84
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

particularmente nos estados e municípios, onde existe um claro problema de excesso de


quadros; a médio prazo, tornar mais eficiente e moderna a administração pública, voltando-a
para o atendimento aos cidadãos”.
Dessa perspectiva, a “reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da
redefinição do papel do Estado, que deixa de ser responsável direto pelo desenvolvimento
econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de
promotor e regulador desse desenvolvimento [...]” (Brasil, 1997a, p. 9). Com o referido Plano
Diretor, pretendia-se criar condições para a reconstrução da administração pública em bases
modernas, ultrapassando os obstáculos criados pela administração burocrática tradicional.
Conforme destacado no documento: “O paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado
nos princípios da confiança e da descentralização da decisão, exige formas flexíveis de gestão,
horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivos à criatividade [...]”
(Brasil, 1995a, p. 17).
Dentre os componentes básicos do projeto de ‘reforma’ do Estado brasileiro, constam:

a) A delimitação da área de intervenção/atuação do Estado por meio da criação das


chamadas ‘organizações sociais’ - “[...] entidade pública de direito privado que
celebra um contrato de gestão com o Estado e assim é financiada parcial ou mesmo
totalmente pelo orçamento público” (Bresser-Pereira, 1997, p. 29). Reguladas pela
Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998 (Brasil, 1998g), as ‘organizações sociais’ são uma
estratégia central do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado para incentivar
a ‘publicização’; promover a descentralização de atividades no setor de prestação de
serviços não-exclusivos do Estado (que terão autonomia administrativa e financeira),
transferindo a execução para o setor público não-estatal e mantendo o financiamento
do Estado; levar à maior participação da sociedade por meio de sua participação nos
conselhos de administração e de parcerias em um regime de cogestão. Seu propósito
central é “[...] proporcionar um marco institucional de transição de atividades
estatais para o terceiro setor49 e, com isso, contribuir para o aprimoramento da gestão
pública estatal e não-estatal” (Brasil, 1997a, p. 7). Nesse sentido, o terceiro setor é
fortalecido institucionalmente para colaborar de forma cada vez mais ativa na
produção de bens públicos.
b) A redução do grau de interferência do Estado por meio de programas de desregulação
da economia e da adoção de mecanismos de mercado nas políticas estatais, com
programas de descentralização vertical para os níveis estadual e municipal e para o
setor público não-estatal, “[...] transformando o Estado em promotor da competição
do país em nível internacional, ao invés de protetor da economia nacional contra a
competição internacional” (Bresser-Pereira, 1997, p. 18).
c) Aumento da ‘governança’ do Estado: “[...] dar meios financeiros e administrativos
para que ele possa intervir efetivamente sempre que o mercado não tiver condições
de estimular a capacidade competitiva das empresas nacionais e coordenar
adequadamente a economia” (Bresser Pereira, 1998a, p. 6). Em outros termos,

passíveis de exoneração e propõem que uma parte deles se exonere voluntariamente em troca de indenização e
treinamento para a vida privada. Diante da possibilidade iminente de dispensa e das vantagens oferecidas para o
desligamento voluntário, um número substancial de servidores se apresentará”.
49
Segundo Montãno e Duriguetto (2011, p. 305, grifo do autor), “Os autores do terceiro setor referem-se a ele
como: a) organizações não lucrativas e não governamentais (ONGs), Movimentos sociais, organizações e
associações comunitárias; b) instituições de caridade, religiosas; c) atividades filantrópicas – fundações
empresariais, filantropia empresarial, empresa cidadã, que teriam ‘descoberto’ a importância da ‘atividade social’;
d) ações solidárias – consciência solidária, de ajuda mútua e de ajuda ao próximo; e) ações voluntárias; e f)
atividades pontuais e informais”.
85
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

aumento de sua capacidade para tornar efetivas as políticas decididas pelo governo, o
que seria obtido com o ajuste fiscal, com a adoção do modelo gerencial, nos moldes
empresariais, e com a distinção entre as responsabilidades de formulação e de
execução das políticas estatais (Bresser-Pereira, 1997).
d) Aumento da ‘governabilidade’ ou das condições de exercício do poder de governar,
abrangendo projetos de aperfeiçoamento dos mecanismos da democracia
representativa e da democracia direta, com a abertura de espaço para a participação
da sociedade e para o ‘controle social’ ou democracia direta (Bresser-Pereira, 1997, p.
19)50.

Com base nos pressupostos da administração gerencial, a reforma delimitaria de forma


mais precisa a área de atuação do Estado. Expressando a separação entre a “[...] formulação e a
execução da política” (Bresser-Pereira, 1999, p. 6-7), seus propositores apontavam para a
necessidade de delimitar com clareza as funções do Estado e distinguir suas áreas de atuação.
Ou seja, referiam-se à distinção “[...] entre as atividades exclusivas que envolvem o poder do
Estado e devem permanecer no seu âmbito, as atividades sociais e científicas que não lhe
pertencem e devem ser transferidas para o setor público não-estatal, e a produção de bens e
serviços para o mercado”. Referiam-se também à distinção “[...] entre as atividades do núcleo
estratégico51, que devem ser efetuadas por políticos e altos funcionários, e as atividades de
serviços, que podem ser objeto de contratações externas” (Bresser-Pereira, 1999, p. 6). Outra
distinção importante seria a relacionada às formas de propriedade: para além da propriedade
pública, vista como sinônima de estatal, e da propriedade privada, foi introduzida uma terceira, a
pública não-estatal. Conforme consta no Plano Diretor (Brasil, 1995a, p. 43):

[...] Ainda que vulgarmente se considerem apenas duas formas, a


PROPRIEDADE ESTATAL e a PROPRIEDADE PRIVADA, existe no
capitalismo contemporâneo uma terceira forma, intermediária,
extremamente relevante: a PROPRIEDADE PÚBLICA NÃO-ESTATAL52,
constituída pelas organizações sem fins lucrativos, que não são propriedade
de nenhum indivíduo ou grupo e estão orientadas diretamente para o
atendimento do interesse público. O tipo de propriedade mais indicado
variará de acordo com o setor do aparelho do Estado. No núcleo estratégico a
propriedade tem que ser necessariamente estatal.

50
Considerando que a distinção entre os termos pode ser feita apenas para fins analíticos, pois ambos são
indissociáveis, Bento (2003, p. 86) esclarece: “[...] a governabilidade encontra-se referida às condições materiais do
exercício do poder, à legitimidade e sustentação política dos governos para levar à cabo seu programa, ou para
formular estratégias de desenvolvimento de longo prazo, ou ainda a capacidade dos poderes públicos de
intermediar os interesses da sociedade civil, de articular coalizões políticas entre partidos e grupos sociais que
apoiem o plano de governo. Governança, por outro lado, tem a ver com aspectos mais adjetivos ou instrumentais do
exercício de poder, seu fator determinante já não reside no apoio dos cidadãos, mas na competência dos
administradores e servidores públicos no cumprimento das metas governamentais definidas politicamente”.
51
“O NÚCLEO ESTRATÉGICO. Corresponde ao governo, em sentido lato. É o setor que define as leis e as
políticas públicas, e cobra o seu cumprimento. É portanto o setor onde as decisões estratégicas são tomadas.
Corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e, no poder executivo, ao Presidente da
República, aos ministros e aos seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação
das políticas públicas” (Brasil, 1995a, p. 52).
52
Ao afirmar “[...] que o público não se confunde com o estatal [...]” e que o “[...] espaço público é mais amplo do
que o estatal, já que pode ser estatal ou não-estatal [...]” Bresser-Pereira (1998a, p. 24), argumenta: “[...] Em
princípio todas as organizações sem fins lucrativos são ou devem ser organizações públicas não-estatais. Sem
dúvida poderíamos dizer que, afinal, continuamos apenas com as duas formas clássicas de propriedade: a pública e
a privada, mas com duas importantes ressalvas: primeiro, a propriedade pública se subdivide em estatal e não-
estatal ao invés de se confundir com a estatal; e segundo, as instituições de Direito Privado voltadas para o
interesse público e não para o consumo privado não são privadas, mas públicas não-estatais [...]”.
86
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Nas atividades exclusivas de Estado, onde o poder extroverso de Estado é


exercido, a propriedade também só pode ser estatal. Já para o setor não-
exclusivo ou competitivo do Estado a propriedade ideal é a pública não-
estatal.

Essa nova proposição é justificada no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado


(Brasil, 1995a, p. 43-44), com os seguintes argumentos:

A propriedade pública não-estatal torna mais fácil e direto o controle social,


através da participação nos conselhos de administração dos diversos
segmentos envolvidos, ao mesmo tempo que favorece a parceria entre
sociedade e Estado. As organizações nesse setor gozam de uma autonomia
administrativa muito maior do que aquela possível dentro do aparelho do
Estado. Em compensação seus dirigentes são chamados a assumir uma
responsabilidade maior, em conjunto com a sociedade, na gestão da
instituição.

As atividades não exclusivas do Estado foram definidas da seguinte maneira:

Incluem-se nesta categoria as escolas, as universidades, os centros de


pesquisa científica e tecnológica, as creches, os ambulatórios, os hospitais, as
entidades de assistência aos carentes, principalmente aos menores e aos
velhos, os museus, as orquestras sinfônicas, as oficinas de arte, as emissoras
de rádio e televisão educativa ou cultural, etc. (Bresser-Pereira, 1998c, p.
98).

Assim, explicitava-se, em relação às políticas sociais, uma ampliação da execução dos


serviços públicos para além do estatal, o que equivale a uma redução na atuação do Estado nesse
setor. A esse respeito o Plano Diretor evidencia que: “Adicionalmente se busca uma maior
parceria com a sociedade, que deverá financiar uma parte menor mas significativa dos custos
dos serviços prestados [...]”, bem como viabilizar o controle social das atividades (Brasil, 1995a,
p. 60).
Essa delimitação implicou a proposição de programas de privatização, terceirização,
‘publicização’, extinção e descentralização de órgãos, como também a incorporação e a criação
de órgãos (Brasil, 1995a).
Por ‘privatização’, entendia-se um processo de transferência da propriedade da empresa
estatal para o setor privado, o que significa transformá-la em instituição para o mercado. É o que
ocorreu, por exemplo, com o setor de infraestrutura.
A ‘terceirização’ é definida como o processo de transferir para o setor privado, por
intermédio de licitação pública e contratos, serviços auxiliares ou de apoio (limpeza, serviços
técnicos de informática e processamento de dados, transporte, vigilância) (Bresser Pereira,
1997). Tais atividades poderiam ser executadas pela iniciativa privada, embora com
financiamento estatal. Para orientar esse processo, foi aprovado o Decreto nº 2.271, de 7 de julho
de 1997 (Brasil, 1997d). Ao tratar da política de terceirização na administração pública federal,
define-se, no Art. 1º, § 1º, quais atividades deveriam ser objeto da terceirização53: “[...]

53
O Decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2018 (Brasil, 2018d), dispõe sobre a execução indireta, mediante
contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas
e das sociedades de economia mista controladas pela União. O Decreto, ao ampliar a área de abrangência nas
regras de contratação de terceirizados em serviços de competência da administração pública federal, abre caminho
para a terceirização irrestrita do serviço público. Em atendimento ao disposto no art. 2º deste Decreto, a Portaria nº
443, de 27 de dezembro de 2018 (Brasil, 2018c), estabelece os serviços que serão preferencialmente objeto de
execução indireta. O Decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2018 (Brasil, 2018d), dispõe sobre a execução
87
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção,


reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de
preferência, objeto de execução indireta”. O objeto da contratação, nos termos do Art. 3º, “[...]
será definido de forma expressa no edital de licitação e no contrato exclusivamente como
prestação de serviços”. Com a finalidade de terceirizar serviços e estabelecer convênios foi
aprovado o Decreto nº 2.487, de 2 de fevereiro de 1998 (Brasil, 1998f), que dispõe sobre a
qualificação das autarquias e fundações como agências executivas, estabelece critérios e
procedimentos para os contratos de gestão e planos estratégicos de reestruturação e de
desenvolvimento institucional das entidades qualificadas, bem como dá outras providências.
Conforme estabelecido na Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998 (Brasil, 1998d), em seu Art. 51, a
qualificação como agência executiva exige que a instituição (autarquia ou fundação) cumpra os
seguintes pré-requisitos básicos: “I - ter um plano estratégico de reestruturação e de
desenvolvimento institucional em andamento; II - ter celebrado Contrato de Gestão com o
respectivo Ministério supervisor”. Os Contratos de Gestão, Art. 52, § 1º

[...] estabelecerão os objetivos, metas e respectivos indicadores de


desempenho da entidade, bem como os recursos necessários e os critérios e
instrumentos para a avaliação do seu cumprimento. § 2º O Poder Executivo
definirá os critérios e procedimentos para a elaboração e o acompanhamento
dos Contratos de Gestão e dos programas estratégicos de reestruturação e
de desenvolvimento institucional das Agências Executivas (Brasil, 1998c).

Outro aspecto que distingue essas agências é a ampliação de sua autonomia de gestão, já
que elas devem oferecer

[...] melhores condições de adaptação às alterações no cenário em que atuam


– inclusive com relação às demandas e expectativas de seus clientes e
usuários - e de aproveitamento de situações e circunstâncias favoráveis ao
melhor gerenciamento dos recursos públicos, sempre com vistas ao
cumprimento de sua missão.
A concessão de autonomias, entretanto, está subordinada à assinatura do
Contrato de Gestão com o Ministério supervisor, no qual se firmarão, de
comum acordo, compromissos de resultados (Brasil, 1997b, p. 8).

Por ‘publicização’ entende-se a descentralização ou transferência “[...] para o setor


público não-estatal da produção de serviços competitivos ou não-exclusivos do Estado,
estabelecendo um sistema de parceria entre o Estado e sociedade para seu financiamento e
controle” (Brasil, 1995a, p. 18), a exemplo dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa
científica. Nesse sentido, como alternativa para a privatização,

A estratégia da reforma do Estado se apóia na publicização dos serviços


não-exclusivos do Estado, ou seja, na sua absorção por um setor público não-
estatal, onde, uma vez fomentados pelo Estado, assumirão a forma de
organizações sociais. Essa forma de parceria entre sociedade e Estado, além
de viabilizar a ação pública com mais agilidade e maior alcance, torna mais
fácil e direto o controle social, mediante a participação, nos conselhos de

indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das
empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, vedando a realização de concurso
público para serviços que podem ser objeto de terceirização. O Decreto 9.739, de 28 de março de 2019 (Brasil,
2019b), define medidas de eficiência organizacional para o aprimoramento da administração pública federal direta,
autárquica e fundacional, estabelece normas sobre concursos públicos e dispõe sobre o Sistema de Organização e
Inovação Institucional do Governo Federal (SIORG).
88
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

administração, dos diversos segmentos beneficiários envolvidos. As


organizações nesse setor gozam de uma autonomia administrativa muito
maior do que aquela possível dentro do aparelho do Estado. Em
compensação, seus dirigentes são chamados a assumir uma responsabilidade
maior, em conjunto com a sociedade, na gestão da instituição (Brasil, 1997a,
p. 11).

Cabe ressaltar que a reforma do aparelho do Estado é um projeto amplo, que diz respeito
a várias áreas do governo. A reforma na área administrativa, por implicar a flexibilização da
estabilidade do funcionalismo, também exige: reformas no sistema jurídico-legal, como a
tributária e a fiscal, de maneira a recuperar a poupança pública e superar o déficit fiscal;
reforma previdenciária, cujo objetivo é rever aposentadorias e pensões dos servidores públicos;
reformas econômicas orientadas para o enfrentamento da concorrência internacional, reduzindo
a interferência e a atuação do Estado. Segundo Bresser Pereira (2001, p. 23), na condição de
Ministro da Administração e Reforma do Estado à época,

A reforma provavelmente significará reduzir o Estado, limitar suas funções


como produtor de bens e serviços e, em menor extensão, como regulador,
mas implicará provavelmente em ampliar suas funções no financiamento de
organizações públicas não-estatais para a realização de atividades nas quais
externalidades ou direitos humanos básicos estejam envolvidos necessitando
serem subsidiados, e em dotar o Estado de meios para que possa apoiar a
competitividade internacional das indústrias locais.

Tais alterações estão evidenciadas nas mudanças na legislação brasileira a partir de 1995.
O Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional as propostas de Emenda Constitucional
para as reformas na área tributária54, da previdência social55 e da administração, as quais podem
ser assim sintetizadas: 1) fim da obrigatoriedade do regime jurídico único para os servidores
públicos; 2) flexibilização da estabilidade dos servidores públicos estatutários, permitindo-se a
demissão por insuficiência de desempenho ou quando a despesa com pessoal ultrapassar o
limite previsto no Art. 169 da Constituição vigente56; 3) exoneração por excesso de quadros; 4)
possibilidade de se colocar servidores em disponibilidade com remuneração proporcional ao
tempo de serviço como alternativa para a exoneração por excesso de quadros; 5) limitação rígida
da remuneração dos servidores públicos e membros dos Poderes; 6) definição de tetos para as
remunerações dos funcionários ativos e para os proventos dos pensionistas; 7) fim da
aposentadoria integral e precoce e adoção da aposentadoria por idade, com proventos
proporcionais à contribuição ou ao tempo de serviço; 8) leis provendo a desburocratização e
desregulamentação dos serviços públicos (Brasil, 1995a, 1997c, 1998i).

54
De acordo com Bresser Pereira (1999, p. 10): “A reforma tributária apresentada em 1995 foi finalmente
abandonada pelo próprio governo, que, apenas no final de1998, apresentou, sem muita precisão, um novo projeto
de emenda”.
55
A Emenda Constitucional nº 20, aprovada em 15 de dezembro de 1998, modificou o sistema de previdência social,
estabeleceu normas de transição e deu outras providências. Porém, por diferentes motivos, a Emenda foi aprovada
parcialmente no Congresso (Brasil, 1998b). Na afirmação de Bresser Pereira (1999, p. 10), o texto aprovado pelo
Congresso “[...] era apenas a sombra do projeto original do governo”. Desde então, o tema tem figurado entre um
dos mais polêmicos da reforma. No Governo Temer (2016-2018) uma das prioridades foia aprovação na Câmara
dos Deputados da Proposta de Emenda à Constituição PEC nº 287/2016, que altera os Arts. 37, 40, 109, 149, 167,
195, 201 e 203 da Constituição, para dispor sobre a seguridade social, estabelece regras de transição e dá outras
providências (Brasil, 2016c). Atualmente a Proposta de Emenda à Constituição PEC 6/2019 (Brasil, 2019c), que
modifica o sistema de previdência social, estabelece regras de transição e disposições transitórias, e dá outras
providências, aguarda apreciação pelo Senado Federal.
56
A Lei nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000, disciplina o regime de emprego público do pessoal da administração
federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências (Brasil, 2000a).
89
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

No campo administrativo, a Proposta de Emenda Constitucional nº 173 (Brasil, 1995d),


que trata da reforma do aparelho do Estado, foi encaminhada para o Congresso Nacional em
agosto de 1995, sugerindo importantes alterações ao texto constitucional. Dessa proposta,
resultou a Emenda Constitucional nº 19, aprovada em 4 de junho de 1998, que modifica o
regime e dispõe sobre princípios e normas da administração pública, servidores e agentes
políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito
Federal, e dá outras providências (Brasil, 1998h). A Emenda alterou o Art. 39 da Constituição,
eliminando a obrigatoriedade de adoção, pelas pessoas políticas, de Regime Jurídico Único, nos
seguintes termos: “Art. 39 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão
conselho de política de administração e remuneração de pessoal integrado por servidores
designados pelos respectivos Poderes” (Brasil, 1998h, Art. 5º). A legislação possibilitou que as
administrações diretas, as autarquias e as fundações da União prevejam a contratação e o
vínculo com seus servidores por regimes diferentes, de modo a atender às peculiaridades de
cada segmento da administração.
No Decreto nº 3.134, de 10 de agosto de 1999, estão contidas as diretrizes e as metas
relativas à revisão das estruturas dos ministérios, além de outras providências. As orientações
são as seguintes: I) organização por programas; II) foco nas ações finalísticas; III) estímulo ao
trabalho em rede; IV) criação de canais de coordenação e integração interna e externa ao
Ministério ou à entidade; V) eliminação de sobreposições e fragmentações das ações; VI)
redução de custos; VII) redução de níveis hierárquicos e aumento da amplitude do comando
(Brasil, 1999f, Art. 1º).
Ao redefinir sua atuação, o “Estado abandona o papel de executor ou prestador direto de
serviços, mantendo-se, entretanto, no papel de regulador e provedor ou promotor destes,
principalmente dos serviços sociais, como educação e saúde, que são essenciais para o
desenvolvimento, na medida em que envolvem investimento em capital humano [...]” (Brasil,
1995a, p. 18). Nesses termos, o Estado tem obrigação não de prestar os serviços públicos, mas
garantir que eles sejam prestados.
A reforma constitucional de 1995 foi também fundamental para a reformulação do
aparelho do Estado em uma perspectiva gerencial, pois, prevendo alterações nas instituições,
tornou possível a criação do Programa Nacional de Publicização e a qualificação de entidades
como organizações sociais. É o que se observa na Medida Provisória nº 1.591, de 9 de outubro de
1997 (Brasil, 1997e) e, posteriormente, na Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998 (Brasil, 1998g).
Esses instrumentos normativos previram a extinção de órgãos públicos e autorizaram o Poder
Executivo a transferir a gestão de bens e serviços do setor público estatal para o setor público
não-estatal. Por meio da criação de duas novas instituições organizacionais básicas: as agências
autônomas ou “[...] agências executivas (instituições estatais que executam atividades
exclusivas de Estado) e as ‘organizações sociais’(instituições híbridas entre o Estado e a
sociedade que executam serviços sociais competitivos)” (Bresser Pereira, 2001,p. 14, grifo do
autor), estabeleceu-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento
e controle. As organizações públicas não-estatais representaram, assim, uma alternativa para a
privatização. Porém, ao mesmo tempo em que gozam de maior autonomia administrativa e
flexibilidade dentro do aparelho do Estado, seus dirigentes são chamados a assumir mais
responsabilidade na gestão da instituição (Brasil, 1997a).
O Decreto nº 2.487, de 2 de fevereiro de 1998 (Brasil, 1998f), atendendo às diretrizes do
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, dispunha sobre a qualificação de autarquias e
fundações como agências executivas e estabelecia critérios e procedimentos para a elaboração,
acompanhamento e avaliação dos contratos de gestão e dos planos estratégicos de reestruturação
e de desenvolvimento institucional das entidades qualificadas.
O Decreto nº 2.488, de 2 de fevereiro de 1998 (Brasil, 1998e) definia medidas de
organização administrativa específicas para as autarquias e fundações qualificadas como
90
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

agências executivas e dava outras providências, “[...] com a finalidade de ampliar a eficiência na
utilização dos recursos públicos, melhorar o desempenho da qualidade dos serviços prestados,
assegurar maior autonomia da gestão orçamentária, financeira, operacional, e de recursos
humanos e eliminar fatores restritivos à sua atuação institucional” (Brasil, 1998e, Art. 1º).
As organizações sociais, conforme proposta de qualificação contida na Lei nº 9.637, de 15
de maio de 1998, são “[...] organizações sociais ou pessoas jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos” (Brasil, 1998g, Art. 1º), habilitadas para “[...] receber recursos financeiros e
administrar bens e equipamentos do Estado” (Brasil, 1997a, p. 14). Desvinculadas
administrativamente do Estado, constituem-se como instituições públicas que atuam fora da
administração pública ou como entidades públicas não estatais e não estão sujeitas às mesmas
normas de gestão dos recursos humanos, do orçamento e das finanças, compras e contratos do
setor público. As vantagens desse modelo institucional são descritas em documento publicado
pelo extinto Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE)57:

Na condição de entidades de direito privado, as Organizações Sociais


tenderão a assimilar características de gestão cada vez mais próximas das
praticadas no setor privado, o que deverá representar, entre outras
vantagens: a contratação de pessoal nas condições de mercado; a adoção de
normas próprias para compras e contratos; e ampla flexibilidade na execução
do seu orçamento (Brasil, 1997a, p. 14).

Nesse documento são apresentadas também outras vantagens do modelo institucional


das organizações sociais em relação às organizações estatais.

Do ponto de vista da gestão de recursos, as Organizações Sociais não estão


sujeitas às normas que regulam a gestão de recursos humanos, orçamento e
finanças, compras e contratos na Administração Pública. Com isso, há um
significativo ganho de agilidade e qualidade na seleção, contratação,
manutenção e desligamento de funcionários, que, enquanto celetistas, estão
sujeitos a plano de cargos e salários e regulamento próprio de cada
Organização Social, ao passo que as organizações estatais estão sujeitas às
normas do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos, a concurso
público, ao SIAPE e à tabela salarial do setor público (Brasil, 1997a, p. 15).

Conforme o Art. 20 da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, as organizações sociais devem


observar as seguintes diretrizes:

I– ênfase no atendimento do cidadão – cliente58;

57
A Medida Provisória nº 1.795, de 1 de janeiro de 1999 (Brasil, 1999a), extinguiu o MARE e o Decreto nº 2.923, de
1de janeiro de 1999 (Brasil, 1999b), transferiu a área de competência do MARE para o Ministério de Orçamento e
Gestão.
58
O Programa Nacional de Desburocratização, instituído pelo Decreto nº 83.740, de 18 de julho de 1979 (Brasil,
1979), reestruturado e reabilitado pelo Decreto nº 3.335, de 11 de janeiro de 2000 (Brasil, 2000b) que dá
continuidade às suas ações, o Projeto Cidadão (Brasil, 1995a), o Programa de Qualidade do Serviço Público (Brasil,
1995a) e o Decreto nº 3.507, de 13 de junho de 2000 (Brasil, 2000c) objetivam aperfeiçoar as relações entre os
órgãos da administração pública e os cidadãos, por meio de iniciativas como: adoção de mecanismos de avaliação da
satisfação do cliente, viabilizando o controle social; racionalização e simplificação dos procedimentos burocráticos;
indução de uma administração pública participativa, transparente e orientada por resultados; divulgação de
informações e orientações ao cidadão e estabelecimento de padrões de qualidade do atendimento prestados pelos
órgãos e entidades da pelas entidades da Administração Pública Federal direta, indireta e fundacional [atenção,
respeito e cortesia no tratamento dispensado ao usuário, prioridades no atendimento, tempo de espera para o
atendimento, os prazos para o cumprimento dos serviços, mecanismos de comunicação com os usuários,
procedimentos para atender a reclamações, formas de identificação dos servidores, sistema de sinalização visual e
91
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

II – ênfase nos resultados, qualitativos e quantitativos nos prazos pactuados [nos


contratos de gestão];
III – controle social das ações de forma transparente (Brasil, 1998g).

Nessa mesma lei está estabelecido que as Organizações Sociais só poderão absorver as
atividades desenvolvidas por entidades ou órgão públicos da União mediante a celebração de
contratos de gestão, ou seja, de “[...] instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade
qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para
fomento e execução de atividades relativas [ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento
tecnológico, à proteção e a preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde]” (Brasil, 1998g,
Art. 5º). Por meio dele, “[...] serão acordadas metas de desempenho que assegurem a qualidade
e a efetividade dos serviços prestados ao público” (Brasil, 1997a, p. 14). Conforme o Art. 7º,
Inciso I, nas cláusulas desse contrato, deve estar contidaa “[...] especificação do programa de
trabalho proposto pela organização social, a estipulação das metas a serem atingidas e os
respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios e objetivos de
avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e
produtividade” (Brasil, 1998h). No Art. 8º, está prevista a fiscalização periódica da execução do
contrato de gestão por parte do Poder Público, por meio de uma comissão de avaliação.
A Lei nº 9.790, de 23 de março de 199959 (Brasil, 1999d), regulamentada pelo Decreto nº
3.100, de 30 de junho de 1999 (Brasil, 1999e), dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de
direito privado, sem fins lucrativos, para atuar como Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIPs). Ao mesmo tempo, institui e disciplina o ‘Termo de Parceria’,
destinado a firmar o vínculo de cooperação entre as Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público e o órgão estatal parceiro. Tal termo deve conter as seguintes determinações:
especificação do programa de trabalho; estipulação de metas e resultados a ser atingidos e os
respectivos prazos de execução ou cronograma; previsão de receitas e despesas; prestação de
contas anuais por meio de relatório de execução física e financeira, e publicação de edital de
concurso de projetos pelo órgão estatal parceiro.
Martins (2009a, p. 195, grifo do autor) ressalta que “[...] a importância e o significado da
parceria fez com que essa temática fosse tratada também na reforma do aparelho do Estado”. A
parceria, em suas diferentes modalidades, é uma peça importante na transferência de

condições de limpeza e conforto nas dependências]. Com as mesmas finalidades, mais recentemente foi aprovado
o Decreto nº 5.378, de 23 de fevereiro de 2005 (Brasil, 2005b), institui o Programa Nacional de Gestão Pública e
Desburocratização (GESPÚBLICA) e o Comitê Gestor do Programa Nacional de Gestão Pública e
Desburocratização, tendo sido revogado pelo Decreto nº 9.094, de 17 de junho de 2017 (Brasil, 2017a), que dispõe
sobre a simplificação do atendimento prestado aos usuários dos serviços públicos, ratifica a dispensa do
reconhecimento de firma e da autenticação em documentos produzidos no País e institui a Carta de Serviços ao
Usuário. Outra medida foi a aprovação do Decreto nº 8.789, de 29 de junho de 2016 (Brasil, 2016b), que dispõe
sobre o compartilhamento de bases de dados na administração pública federal, preferencialmente de forma
automática, para evitar novas exigências de apresentação de documentos e informações e possibilitar a atualização
permanente e simultânea dos dados.
59
Essa lei foi alterada pela Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014 (Brasil, 2014b) e, posteriormente, pela Lei nº 13.204,
de 14 de dezembro de 2015 (Brasil, 2015a), que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração
pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação. A consecução de finalidades de
interesse público e recíproco seria feita mediante a execução de atividades ou de projetos previamente
estabelecidos, cujos planos de trabalho seriam especificados em termos de colaboração, em termos de fomento ou
em acordos de cooperação. Nessa lei, portanto, foram definidas diretrizes para a política de fomento, de
colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil. Esse arcabouço normativo cria o Marco
Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que amplia as possibilidades de parcerias entre o
poder público e as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) (Pires; Susin; Montano, 2018). O MROSC é uma
agenda política ampla, voltada para o aperfeiçoamento da relação entre as organizações da sociedade civil e o
Estado e estabelece um novo regime jurídico para celebração de parcerias (Brasil, 2014d).
92
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

responsabilidade pela execução das políticas sociais públicas para a sociedade civil e na
redefinição das fronteiras entre o público e o privado.
Na análise do autor, a nova legislação cumpriu três tarefas primordiais:

(1) possibilitou a simplificação dos procedimentos para qualificação


institucional das organizações que queriam se tornar parceiras da
aparelhagem estatal ao tornar essa qualificação um procedimento automático
para os que cumprem as exigências estabelecidas; (2) ampliou o universo
das áreas sociais cobertas pelo mecanismo de parcerias, antes restritas à
educação e saúde; (3) definiu e difundiu a ideia de inciativa pública não-
estatal, e determinou as organizações que poderiam requerer a qualificação
de OSCIP [...] (Martins, 2009a, p. 200, grifo do autor).

Aprimorando a relação direta entre Estado e sociedade civil, a Emenda Constitucional n°


19, de junho de 1998 (Brasil, 1998h), modificou os princípios e as normas da administração
pública, autorizando as mais variadas formas de parcerias e admitindo a destinação de recursos
públicos para a esfera privada. A Lei Complementar n° 101, de maio de 2000 (Brasil, 2000d),
regulamentou a EC n° 19, estabelecendo normas para as finanças públicas voltadas para a
responsabilidade na gestão fiscal. Posteriormente, a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004
(Brasil, 2004a), aprovada no governo Lula da Silva, instituiu normas gerais para a licitação e a
contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos estados, do
Distrito Federal e dos municípios. A Lei se aplica aos órgãos da Administração Pública Direta,
aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades
de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União,
estados, Distrito Federal e municípios. Dessa forma, foi um marco no aprimoramento da relação
entre Estado e empresas privadas na prestação de serviços públicos, repercutindo cada vez mais
na redução da atuação direta do primeiro e na elevação da autonomia dos entes privados.
Na referida Lei, a ‘parceria público-privada’ é definida como “[...] contrato administrativo
de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa” (Brasil, 2004a, Art. 2º). Cabe
destacar que a modalidade patrocinada, enquanto “[...] a concessão de serviços públicos ou de
obras públicas [...] quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários,
contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado” (Brasil, 2004a, Art. 1º) já
era prevista na Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (Brasil, 1995b), mas, na nova lei, aparece
uma inovação. Em seu Art. 2º, parágrafo 2º, que especifica a modalidade administrativa, a forma
de concessão é ampliada: “Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de
que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de
obra ou fornecimento e instalação de bens” (Brasil, 2004a, Art. 2º). Portanto, nessa modalidade,
a concessionária presta serviços, direta ou indiretamente, para a própria Administração Pública.
A proposta de reconstrução do Estado brasileiro contempla, portanto, o modelo
contemporâneo de administração pública gerencial, segundo a qual o Estado deve ter maior grau
de flexibilidade. Ou seja, a proposta é que sejam retirados os ‘obstáculos legais’ que criam
dificuldades para que o Estado potencialize sua capacidade de racionalização dos recursos e de
inovação (desenvolvimento de estratégias para gerenciar recursos disponíveis) e enfrente os
novos desafios impostos pelas mudanças políticas, sociais e econômicas. Nesse sentido, a
proposta está voltada

[...] para a definição precisa dos objetivos que o administrador público


deverá atingir em sua unidade; (2) para a garantia da autonomia do
administrado na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros que
lhe forem colocados à disposição para que possa atingir os objetivos
contratados; e, (3) para o controle ou cobrança a posteriori dos resultados.
93
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Adicionalmente, pratica-se a competição administrada no interior do próprio


Estado, quando há a possibilidade de estender a concorrência entre unidades
internas. No plano da estrutura organizacional, a descentralização e a
redução dos níveis hierárquicos tornam-se essenciais. Em suma, afirma-se
que a administração pública deve ser permeável à maior participação dos
agentes privados e/ou organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos
procedimentos (meios) para os resultados (fins) (Brasil, 1995b, p. 22).

A descentralização da administração pública em favor das agências executivas e


organizações sociais, associada ao maior grau de autonomia das instituições (orçamento e
finanças, gestão de recursos humanos, serviços gerais e contratação de bens e serviços) e de
responsabilização pelos resultados, implicaria, por um lado, o fortalecimento das funções de
regulação e de coordenação por parte do Estado e, por outro, a reformulação das formas de
controle. O novo mecanismo de acompanhamento e avaliação proposto é o controle social direto,
que abriria novas perspectivas para a democracia:

A democracia direta ou o controle social é, em seguida, o mecanismo de


controle mais democrático e difuso. Através do controle social a sociedade se
organiza formal e informalmente para controlar não apenas os
comportamentos individuais, mas - e é isto que importa neste contexto -
para controlar as organizações públicas. Pode ocorrer também no plano
político, através do sistema de plebiscitos ou referendos. O controle social
das organizações públicas pode ocorrer de duas maneiras: de baixo para
cima, quando a sociedade se organiza politicamente para controlar ou
influenciar instituições sobre as quais não tem poder formal; ou de cima
para baixo, quando o controle social é exercido formalmente através de
conselhos diretores de instituições públicas não-estatais. A democracia
direta é a ideal, mas no plano nacional só pode ser praticada de maneira
limitada, através de sistemas de consulta popular sobre temas muito
claramente definidos. A consulta visa referendar ou orientar as decisões dos
representantes democraticamente eleitos (Bresser Pereira, 1997, p. 37-38).

Na Proposta de Emenda à Constituição nº 173 de 1995, que trata da reforma do aparelho


do Estado, prevê-se, para viabilizar o controle social, que a participação do cidadão na
administração pública seja “[...] fortalecida, mediante lei que regulamentará o direito de
audiência e de participação na tomada de decisões que lhe digam respeito, as reclamações
relativas à prestação dos serviços públicos, o acesso a informações e à representação contra
abusos e negligência na prestação dos serviços públicos” (Brasil, 1997d, p. 14). Assim, para que
a sociedade possa exercer o controle democrático ou social, tanto no acompanhamento e na
avaliação das políticas públicas, quanto nos das ações e desempenho das instituições, sugere-se
a criação de conselhos de administração, a publicização dos resultados por parte do poder
público, a prestação de contas dos recursos, a elaboração de relatórios gerenciais e de atividades
das entidades, de demonstrativos financeiros, a avaliação permanente do desempenho
institucional e da satisfação dos clientes (Brasil, 1995a; 1997b).
Além disso, as entidades do terceiro setor, no caso particular das Oscips, são obrigadas
por determinação legal a prestar contas de suas movimentações, estando sujeitas aos
mecanismos de controle social. De acordo com a Lei 9.790, de 23 de março de 1999 (Brasil,
1999d), Art. 10, § 2º, VI, é obrigatória à apresentação de contas por parte dessas instituições por
meio de órgão oficial, seja do município, do estado ou da União. Conforme a nova redação dada

94
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

pela Lei nº 13.019, de 31 de julho de 201460 (Brasil, 2014b), a prestação de constas integra uma
das cláusulas essenciais do termo de parceria. No Art. 65, da Lei nº 13.204, de 14 de dezembro
de 2015, conforme previsto no plano de trabalho e no termo de colaboração ou de fomento,
consta: “A prestação de contas e todos os atos que dela decorram dar-se-ão em plataforma
eletrônica, permitindo a visualização por qualquer interessado” (Brasil, 2015a). Ainda, no Art.
59, define-se que:

A administração pública emitirá relatório técnico de monitoramento e


avaliação de parceria celebrada mediante termo de colaboração ou termo de
fomento e o submeterá à comissão de monitoramento e avaliação designada,
que o homologará, independentemente da obrigatoriedade de apresentação
da prestação de contas devida pela organização da sociedade civil (Brasil,
2015a).

Portanto, ao comunicar os projetos desenvolvidos em parceria com as organizações, a


administração pública faz com que as atividades tenham mais visibilidade e sejam conhecidas e
entendidas por toda a sociedade.
Em linhas gerais, no Brasil, o programa de reforma administrativa incluiu os seguintes
aspectos da nova cultura gerencial:

a) mudança estrutural, com a descentralização de competências, de funções e de


serviços reforçando os poderes e responsabilidades de Estados e municípios;
b) investimento no processo de informação e de publicização dos resultados, buscando
salvaguardar a transparência da ação administrativa e abrir espaço para a realização
de pressões competitivas;
c) racionalização dos gastos públicos61;
d) planejamento estratégico em todos os órgãos e entidades, compreendendo a definição
de missão, de objetivos e metas de desempenho;
e) avaliação de resultados alcançados ou de desempenho institucional, descritos pelos
indicadores de desempenho;
f) profissionalização de funcionários com treinamento permanente;
g) ação administrativa voltada para a satisfação do consumidor/cliente dos serviços
públicos;
h) subcontratação do que pode ser feito melhor pelo setor privado;
i) flexibilização da utilização de recursos;
j) estímulo à competição no seio da administração pública, de forma a substituir a
estrutura monopolista de produção e de distribuição de serviços públicos por uma
estrutura, se não de mercado, pelo menos de ‘quase-mercado’;
k) estímulo à gestão participativa (direta ou indireta dos cidadãos);

60
A referida Lei altera as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999, com nova redação
dada pela Lei nº 13.204, de 14 de Dezembro de 2015 (Brasil, 2015a). A Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014
(Brasil, 2014b) entrou em vigor para a União, Estados e Distrito Federal em janeiro de 2016 e para os municípios
em janeiro de 2017 (Brasil, 2017j).
61
Em relação às finanças públicas, a Lei Complementar nº 82, de 27 de março de 1995 (Brasil, 1995e), disciplina os
limites das despesas com o funcionalismo público, na forma do Art. 169 da Constituição Federal, estipulando em
60% da receita disponível o limite de gastos com a folha de pagamento de servidores. A Lei Complementar nº 101,
de 4 de maio de 2000 (Brasil, 2000d), estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na
gestão fiscal e dá outras providências. A Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016 (Brasil, 2016f)
institui um novo regime fiscal. Outra medida recente aprovada é o Decreto nº 9.262, de 9 de janeiro de 2018
(Brasil, 2018b), que extingue cargos efetivos vagos e que vierem a vagar dos quadros de pessoal da administração
pública federal, e veda abertura de concurso público e provimento de vagas adicionais para os cargos que
especifica.
95
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

l) estímulo a parcerias entre o Estado, setor privado e sociedade civil;


m) concessão de mais autonomia às agências governamentais e a seus gerentes e
imposição de responsabilidade política e administrativa pelos resultados;
n) assegurar a responsabilização – accountability62, por meio de prestação de contas e de
vários mecanismos de controle social;
o) otimização dos recursos disponíveis para que a consecução dos objetivos delineados
se realize com o menor custo possível;
p) desburocratização: em lugar do controle por meio de regras e regulamentos, o
controle de resultados;
q) eliminação da centralização de poder e de entraves burocráticos e concessão de mais
flexibilidade e autonomia administrativa e financeira às estruturas organizacionais do
Estado;
r) delegação de poderes do centro para a periferia ou devolução de poderes, como forma
de incentivar uma participação mais ativa dos cidadãos em geral - empowerment, e da
administração local, com partilha de responsabilidades;
s) aproximação da administração dos seus clientes e dos centros de decisão local, a fim
de tornar a administração mais acessível, transparente e participativa;
t) informatização dos serviços e das tarefas administrativas.

Importa ressaltar que “[...] a reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da
redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento
econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de
promotor e regulador desse desenvolvimento” (Brasil, 1997a, p. 9). Desse modo, há um
movimento de transferência, principalmente dos serviços sociais, para o setor púbico não estatal.
Isso significa que,

[...] o Estado abandona seu papel de executor ou prestador direto de


serviços, mantendo-se entretanto no papel de regulador e provedor ou
promotor destes, principalmente dos serviços sociais, como educação e
saúde, que são essenciais para o desenvolvimento, na medida em que
envolvem investimento em capital humano. Como promotor desses serviços
o Estado continuará a subsidiá-los, buscando, ao mesmo tempo, o controle
social direto e a participação da sociedade (Brasil, 1997a, p. 9).

Outro aspecto dareforma do Estado é que ela está voltada para “[...] cidadãos menos
protegidos e tutelados pelo Estado”. O Estado, ao redefinir seu papel e sua forma de atuação,
“[...] reduz sua face paternalista, torna-se ele próprio competitivo, e, assim, requer cidadãos
mais maduros politicamente” (Brasil, 1997f, p. 53). Ou seja,

[...] ela exige a participação ativa dos cidadãos; por isso o novo Estado que
está surgindo não será indiferente ou superior à sociedade, pelo contrário,

62
A accountabitity é vista como categoria central no processo de reforma do sistema administrativo público. Esta
relacionada à transparência do funcionamento administrativo, à responsabilização do sistema administrativo e da
autoridade política pelas ações e resultados da execução das políticas públicas. De acordo com Mozzicafredo (2002,
p. 9-10), o conceito de responsabilidade abrange, de um lado, o funcionamento do sistema administrativo diante da
obrigação de “[...] prestar contas dos actos e decisões, cumprir prazos e procedimentos, desempenho profissional,
comportamentos neutros e impessoais, etc. – e, por outro, afecta a produção (ou não) da confiança do cidadão na
difusão da ética profissional e na realização eficaz dos programas públicos, como valor de legitimação do
funcionamento da administração”. O princípio de accountabitity é, portanto, “[...] utilizado como meio não apenas
de controlar a utilização dos recursos públicos, segundo critérios e processo de apresentação de contas e
resultados, mas também como maneira de estimular ganhos econômicos e eficiência com respeito aos recursos
públicos [...]” (Mozzicafreddo, 2002, p. 11).
96
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

estará institucionalizando mecanismos que permitam uma participação cada


vez maior dos cidadãos, uma democracia cada vez mais direta; por isso, as
reformulações em curso são também uma expressão de redefinições no
campo da própria cidadania, que vem alargando o seu escopo, constituindo
sujeitos sociais mais cientes de seus direitos e deveres em uma sociedade
democrática em que competição e solidariedade continuarão a se
complementar e se contradizer (Brasil, 1997f, p. 53).

Na perspectiva de fomentar uma nova relação entre Estado e sociedade civil e, assim,
estimular a participação social, a solidariedade e a responsabilidade social, em correspondência
com os conceitos de ‘democratização da democracia’ e de ‘sociedade civil ativa’ que
acompanham a proposta política da terceira via, foram criados no governo FHC os programas
Comunidade Solidária (1995) e Comunidade Ativa (1999) visando ações conjuntas na área
social.
Vinculado à Presidência da República, o Programa Comunidade Solidária foi criado pelo
Decreto nº 1.366, de 12 de janeiro de 1995, com o “[...] objetivo de coordenar as ações
governamentais voltadas para o atendimento da parcela da população que não dispõe de meios
para prover suas necessidades básicas e, em especial, o combate à fome e à pobreza” (Brasil,
1995c, Art. 1º). Para administrar o Programa, foi criada uma Secretaria Executiva e um
Conselho Consultivo vinculado à Casa Civil, composto pelos ministros das áreas sociais e
econômicas e 21 membros representantes da sociedade civil. Sua atribuição era a de “[...]
propor e opinar sobre ações prioritárias na área social” (Brasil, 1995c, Art. 3º). A partir de 1999,
foram redefinidos os objetivos e o papel estratégico do Programa, que é considerado “[...] como
articulador de parcerias e um novo e promotor de um novo padrão de relacionamento com a
sociedade” (Cardoso et al., 2002, p. 9). Ao mesmo tempo, foram ampliadas as atribuições do
Conselho Consultivo. O Decreto 2.999, de 25 de março de 1999 (Brasil, 1999c), que dispõe
sobre o Conselho da Comunidade Solidária, define em seu Art. 3º que, dentre outras
atribuições, compete a esse Conselho:

I - promover o diálogo político com pessoas e representantes de instituições


governamentais e não-governamentais sobre temas de uma estratégia de
desenvolvimento social para o País, visando identificar prioridades e realizar
ações que materializem sua consecução;
II - desenvolver, articular e implantar programas inovadores de
desenvolvimento social, baseados na parceria Estado-sociedade e voltados a
grupos populacionais vulneráveis e excluídos;
III - desenvolver iniciativas de fortalecimento da sociedade civil;
IV - empreender, em parceria com outras instituições governamentais e não-
governamentais, ações de mobilização voltadas para o atendimento de
demandas não-atendidas de desenvolvimento social (Brasil, 1999c, Art. 3º).

Encerrado em 2012, esse programa foi substituído pelo Programa Fome Zero (Brasil,
2003a), criado, em 2003, no Governo Lula da Silva. A proposta tinha por objetivo promover uma
política de segurança alimentar e nutricional63 e, com base nos dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE de 1999, definiu como público beneficiário “[...] 9,3

63
“O embrião de uma Política Nacional de Segurança Alimentar começou a ser implantado no Brasil durante o
Governo Itamar Franco (1993-1994) a partir de uma proposta formulada pelo Partido dos Trabalhadores dois
anos antes, em 1991. A Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e Pela Vida, em 1993, colaborou para o
surgimento de um movimento social muito amplo, liderado pelo sociólogo Herbert de Souza, que se expressou
na formação de milhares de comitês de solidariedade e combate à fome. Essa mobilização representou um
enorme ganho de legitimidade para o governo, dando vitalidade ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar
(CONSEA)” (Instituto Cidadania, 2001, p.9).
97
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

milhões de famílias e 44 milhões de pessoas muito pobres (com renda abaixo de US$ 1,00 por
dia, que representa cerca de R$ 80,00 mensais em R$ de agosto de 2001)” (Instituto Cidadania,
2001, p. 8). Para sua implantação, considerou-se “[...] fundamental a mobilização popular, de
modo a garantir além da decisão política dos governantes, a efetiva participação de toda a
sociedade” (Instituto Cidadania, 2001, p.8), conjugada a políticas estruturais (políticas de
geração de empregos e aumento da renda, intensificação da reforma agrária, previdência social
universal, bolsa escola e renda mínima, e incentivo à agricultura familiar) e políticas
emergenciais ou denominadas compensatórias (cesta básica emergencial, combate à
desnutrição infantil e materna, segurança e qualidade dos alimentos, educação alimentar e para
o consumo, ampliação de merenda escolar, dentre outros) (Instituto Cidadania, 2001).
O Programa Comunidade Ativa foi apresentado como “[...] uma nova estratégia para
combater a pobreza e promover o desenvolvimento no país”. Considerado como “[...] um passo
adiante na política social já desenvolvida pela Comunidade Solidária [...]”, o Programa apostava
“[...] no desenvolvimento local, integrado e sustentável como a saída para reduzir os problemas
sociais e econômicos de localidades carentes”. Para tanto, os próprios municípios deveriam
identificar suas “[...] necessidades e decidir quais as ações prioritárias para o seu
desenvolvimento”. A agenda local seria executada por meio de um ‘esforço coletivo’, um Pacto
de Desenvolvimento Local, celebrado entre os governos federal, estadual e municipal, a
iniciativa privada e organizações não-governamentais, o qual propiciaria novas articulações e
formas de relação entre essas instâncias. Coordenado pela Secretaria-Executiva do Programa
Comunidade Solidária, o Programa começou a ser implantado em outubro de 1999 e foi
encerrado em 2002 (Comunidade Solidária, [200-]. Em discurso proferido na cerimônia de
lançamento do Programa Comunidade Ativa no Palácio do Planalto, em 2 de julho de 1999, o
então Presidente Fernando Henrique Cardoso destacou o estabelecimento de novas relações
entre o setor público, o setor privado e o terceiro setor para o desenvolvimento de serviços
sociais, focalizando os segmentos sociais em situação de maior risco e vulnerabilidade social.
Segundo ele:

Aqui, trata-se da formação de uma rede. Uma rede que inclui, como está
incluindo, não apenas o setor público, mas o setor privado e o terceiro setor,
e que vai permitir uma sinergia, uma multiplicação de recursos, em função
dessa articulação, e que não se limita ao nacional. Aqui estão representantes
de países estrangeiros e representantes de organismos multinacionais,
agências internacionais [...] E aqui estão, também, pessoas que são
vinculadas a setores empresariais. Estamos nos articulando de uma forma
inovadora. Não existe mais aquela visão antiga, de uma oposição Estado-
sociedade, macro-micro. Tudo isso, hoje, tem uma conformação diferente,
tem uma prática diferente [...] (Cardoso, 1999, p. 39).

Tais programas, ao lado de muitos outros, revelam a institucionalidade das políticas


fundadas nas noções de ‘colaboração’, ‘filantropia’, ‘solidariedade social’, ‘responsabilidade
social’ e ‘parceria’; ou seja, revelam que as relações entre Estado e sociedade civil tomaram o
sentido do desenvolvimento social, especialmente o da busca de alternativas para o
enfrentamento dos problemas sociais e para a oferta de serviços públicos (educação, saúde,
assistência, etc.), fora do espaço público-estatal.
Paralelamente, essas políticas implicam mudanças no comportamento dos cidadãos, que
devem se tornar mais solidários, responsáveis e ativos, e também na cultura dos empresários,
que devem se envolver mais nas questões sociais, a exemplo da Fundação do Instituto Ethos de

98
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Responsabilidade Empresarial64 e do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Rede GIFE)65


(Martins, 2005; 2009a). Nos últimos anos, é grande o número de empresas e bancos que têm
criado institutos e fundações, atuando diretamente em diferentes projetos importantes
demandados pelo ‘interesse público’ e comprometidos com o desenvolvimento social.
É importante ressaltar que as fundações e os institutos empresariais têm contado com
isenções fiscais66 e aportes de recursos públicos/subsídios para a realização de seus projetos
sociais: “[...] auxílios e contribuições; subvenções; convênios, acordos ou ajustes e contratos”
(Algebaile, 2005, p. 202). Nesses termos, em um parcial processo de privatização, o Estado cria
espaços para os investimentos privados em atividades que, anteriormente, eram de sua
responsabilidade e, ao mesmo tempo, adota medidas que estimulam ou favorecem a atuação do
setor privado na prestação de serviços sociais.
A proposta de reconstrução do Estado seguiu aprofundada nos governos subsequentes.
Na gestão do presidente Lula da Silva, podemos mencionar o Decreto no 5.383, de 3 de março de
2005 (Brasil, 2005b), que criou a Câmara de Políticas de Gestão Pública do Conselho de
Governo67, cujo objetivo seria“[...] formular políticas de gestão para a administração pública
federal, assim como coordenar e articular sua implementação, com vistas à melhoria dos
padrões de eficiência, eficácia, efetividade, transparência e qualidade da gestão pública e dos
serviços prestados ao cidadão” (Brasil, 2005b, Art. 1º). Segundo Art. 2º, cabia à Câmara:

I - estabelecer diretrizes estratégicas e planos para formulação e


implementação de políticas de melhoria da gestão da administração pública
federal;
II - propor e avaliar iniciativas no âmbito de políticas de gestão;
III - promover e acompanhar as parcerias intra e intergovernamentais, bem
assim com entidades da sociedade civil e de instituições de ensino e
pesquisa, para implementação de políticas de melhoria da gestão; e

64
Conforme informações de seu website, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social “[...] é uma
Oscip cuja missão é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente
responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável. Criado em 1998 por um
grupo de empresários e executivos da iniciativa privada, o Instituto Ethos é um polo de organização de
conhecimento, troca de experiências e desenvolvimento de ferramentas para auxiliar as empresas a analisar suas
práticas de gestão e aprofundar seu compromisso com a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável”
(Instituto Ethos, 2016).
65
Conforme consta em seu website, o Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE) é a associação dos
investidores sociais do Brasil, sejam eles institutos, fundações ou empresas. Nascido como grupo informal em 1989
“[...] foi instituído como organização sem fins lucrativos, em 1995. Desde então, tornou-se referência no país no
tema do investimento social privado. A Rede GIFE é marcada pela diversidade de seus associados, tanto na origem
– podendo ser empresarial, familiar, independente ou uma organização comunitária – quanto em seus temas e
formas de atuação. São atualmente 129 associados [...]” que investem “[...] na área social, operando projetos
próprios ou viabilizando os de terceiros”. Oito agendas estratégicas prioritárias que guiam a atuação do GIFE, para
o período 2015-2020, sendo elas: “Alinhamento do investimento social às políticas públicas; Alinhamento entre
investimento social e o negócio; Ampliação da doação no investimento social privado; Avaliação; Comunicação;
Fortalecimento das organizações da sociedade civil; Governança e Transparência; Negócios de impacto social”
(Gife, 2019).
66
A Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002 (Brasil, 2002)permite a subvenções para investimento, inclusive
mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de
empreendimentos econômicos e de doações feitas pelo poder público.
67
Consta no Art. 3º da referida Lei: a “Câmara de Políticas de Gestão Pública será integrada pelos seguintes
membros: I - Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, que a presidirá; II - Ministro de
Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão; III - Ministro de Estado da Fazenda; IV - Ministro de Estado do
Trabalho e Emprego; V - Ministro de Estado da Defesa;VI - Ministro de Estado da Previdência Social; VII -
Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da
República; VIII -Ministro de Estado Chefe do Controle e da Transparência; e IX - Ministro de Estado Chefe da
Secretaria-Geral da Presidência da República” (Brasil, 2005b).
99
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

IV - supervisionar e acompanhar a implementação das decisões adotadas no


âmbito da Câmara (Brasil, 2005b, p.1).

No segundo mandato do governo Lula, em 2009, foi publicada a Agenda Nacional de


Gestão Pública, cuja finalidade era avançar na modernização e na democratização do Estado
brasileiro. Com uma “[...] uma visão que transcende a ótica governamental e que transborda por
incorporar pontos de vista de atores privados e públicos-não-estatais comprometidos com uma
agenda de mudanças na administração pública brasileira” (Brasil, 2009b, p. 8), orientavam-se
ações com base em seis grandes temas: I - Burocracia Profissional e Meritocrática, II -
Qualidade da Política Pública, III - Pluralismo Institucional, IV - Repactuação Federativa nas
Políticas Públicas, V - O papel dos órgãos de controle, VI – Governança (Brasil, 2009b). Sua
formulação foi uma inciativa da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
(SAE/PR) e contou com o apoio do Movimento Brasil Competitivo (MBC), uma organização da
sociedade civil de interesse público (OSCIP) criada em 2001.
O Decreto nº 5.383, de 3 de março de 2005 (Brasil, 2005b), foi revogado pela presidente
Dilma Rousseff, sendo substituído pelo Decreto nº 7.478, de 12 de maio de 2011 (BRASIL,
2011c)68, o qual criou a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade
(CGDC)69 do Conselho de Governo. Nesse momento, a referida Câmara tinha por“ [...] objetivo
formular políticas e medidas específicas destinadas à racionalização do uso dos recursos
públicos, ao controle e aperfeiçoamento da gestão pública, bem como coordenar e articular sua
implementação, com vistas à melhoria dos padrões de eficiência, eficácia, efetividade,
transparência e qualidade de gestão pública e dos serviços prestados ao cidadão, no âmbito do
Poder Executivo” (Brasil, 2011d, Art. 1º).
A CGDC, integrada pelo Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, pelo
da Fazenda, pelo do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, pelo Chefe da Casa Civil
e por quatro representantes da sociedade civil70 com reconhecida experiência e liderança nas
áreas de gestão e competitividade de entidades públicas ou privadas, deveria:

I – prestar assessoramento ao Presidente da República na formulação e


implementação de mecanismos de controle e avaliação da qualidade do gasto
público; II – estabelecer diretrizes estratégicas e planos para formulação e
implementação de políticas de melhoria da gestão da administração pública
federal; III – propor e avaliar iniciativas no âmbito de políticas de gestão,
desempenho e competitividade; e IV – supervisionar e acompanhar a
implementação das decisões adotadas no seu âmbito (Brasil, 2011d, Art. 2º).

A criação dessa entidade, acompanhada de outras, a exemplo de “[...] 13 novos Conselhos


Nacionais, sendo nove deles ligados [às políticas sociais]” (Martins, 2009a, p. 256), revela o
envolvimento cada vez maior da sociedade, especialmente dos empresários, em instâncias da
aparelhagem estatal não apenas em espaços de execução, mas em espaços decisórios de
formulação da política.

68
O Decreto nº 7.478, de 12 de maio de 2011 (Brasil, 2011c) foi revogado no governo Michel Temer, sendo
substituído pelo Decreto de 7 de março de 2017 (Brasil, 2017b), o qual criou o Conselho Nacional para a
Desburocratização - Brasil Eficiente e deu outras providências.
69
Conforme atas encontradas no site da Casa Civil, a atuação da Câmara ocorreu durante 2013 e sua 12ª reunião data
de 21 de junho de 2013 (Brasil, 2013e).
70
Segundo Ata da 1ª reunião da CGDC, os quatro representantes da sociedade civil eram: Jorge Gerdau Johannpeter
(Presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau), Abílio Diniz (dono da Companhia Brasileira de
Distribuição - redes Pão de Açúcar, Extra, Compre Bem, Sendas e Ponto Frio), Henri Philippe Reichstul (ex-
presidente da Petrobrás – 1999/2001) e Antônio Maciel Neto (Presidente da Suzano Papel e Celulose). Desde sua
criação, a CGDC foi presidida por Jorge Gerdau (Brasil, 2011e).
100
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

A proposta de reforma do Estado na perspectiva gerencial, cuja clara tendência é a


transferência de responsabilidades, especialmente na execução de serviços sociais, para as
organizações da sociedade civil e instituições privadas consideradas de interesse público, seguiu
aprofundada, porém não sem críticas e oposições.
Autores como Neves e Sant’Anna (2005), Lima e Martins (2005), Martins (2005; 2009a)
afirmam que, como parte de novas estratégias do capital, as reformas estiveram orientadas para
promover a conformação e a coesão social e uma nova sociabilidade inspiradas nos princípios da
terceira via. Silva (2003), Melo e Falleiros (2005) chamam a atenção para estratégias de
expansão do capital em áreas consideradas essencialmente públicas; Peroni (2013) e Sguissardi
(2015), para a intensificação da mercantilização dos serviços públicos, dentre os quais, a
educação em especial.
Ao par de outros autores, Di Pietro (1998, p. 128) identifica os riscos dessa política para
os direitos sociais e para o patrimônio público. A autora aponta como aspecto principal: a “[...]
res publica que está sendo privatizada, porque está sendo posta nas mãos do particular
[entidades privadas ou paraestatais] para ser administrada, pretensamente, no interesse público,
sob as regras predominantes do direito privado. A ideia é a de que essa gestão seja controlada
pela própria sociedade [...]”, em correspondência à tese de ‘democratização da democracia’
(Giddens, 2005).
Assim, a proposta de reforma do Estado brasileiro colocou em cena novos sujeitos
políticos coletivos e novas organizações, incorporou, por meio de parcerias, novas organizações
na aparelhagem estatal, fortaleceu a atuação dos empresários e criou o setor públiconão-estatal.
Enfim, alargou a participação política em uma perspectiva de ampliação da democracia, com a
ressalva de que se trata de uma democracia, renovada ou reinventada.

A reinvenção da democracia e a ampliação da participação política da sociedade civil


renovada

O processo de reorganização do sistema capitalista, marcado pela centralização e pela


concentração crescente de capitais71, pela globalização, pelas transformações produtivas
(padrões tecnológicos e organizacionais flexíveis), pela expansão da atividade e do poder
financeiro, comparativamente a outras áreas da economia, por uma nova estrutura nas relações
comerciais, pela adoção de políticas neoliberais, restaurou o poder de uma elite econômica

71
Em 2015, evidenciando o movimento contraditório do capital, o banco Credit Suisse revelou que o 1% mais rico da
população mundial acumula mais riquezas atualmente que todo o resto do mundo junto. Em documento
informativo publicado pela Oxfam em 2016, aponta-se: “Em 2015, apenas 62 indivíduos detinham a mesma riqueza
que 3,6 bilhões de pessoas – a metade mais afetada pela pobreza da humanidade. Esse número representa uma
queda em relação aos 388 indivíduos que se enquadravam nessa categoria há bem pouco tempo, em 2010. A riqueza
das 62 pessoas mais ricas do mundo aumentou em 45% nos cinco anos decorridos desde 2010 – o que representa
um aumento de mais de meio trilhão de dólares (US$ 542 bilhões) nessa riqueza, que saltou para US$ 1,76 trilhão.
Ao mesmo tempo, a riqueza da metade mais pobre caiu em pouco mais de um trilhão de dólares no mesmo período
– uma queda de 38%. Desde a virada do século, a metade da população mundial mais afetada pela pobreza ficou
com apenas 1% do aumento total da riqueza global, enquanto metade desse aumento beneficiou a camada mais
rica de 1% da população [...]” (Oxfam, 2016, p. 2). O relatório Recompensem o trabalho, não a riqueza (Oxfam,
2018), lançado às vésperas da reunião do Fórum Econômico Mundial de Davos, revela: “O ano passado registrou o
maior aumento no número de bilionários da história, com um bilionário a mais a cada dois dias. Atualmente, há
2.043 bilionários (em dólares) em todo o mundo. Nove entre dez deles são homens. Em 12 meses, a riqueza desse
grupo de elite aumentou US$ 762 bilhões – o suficiente para acabar mais de sete vezes com a pobreza extrema. No
período entre 2006 e 2015, os trabalhadores viram suas rendas aumentarem em média 2% a cada ano, enquanto a
riqueza dos bilionários aumentou próximo de 13% ao ano, quase seis vezes mais rápido. Oitenta e dois por cento
de todo crescimento na riqueza gerada no último ano foram para o 1% mais rico [...] Novos dados divulgados pelo
banco Credit Suisse significam que agora 42 pessoas detêm a mesma riqueza que os 3,7 bilhões de pessoas na base
da pirâmide da distribuição de renda e que as estatísticas do ano anterior foram atualizadas de 8 para 61 pessoas
que detinham o mesmo nível de riqueza que os 50% mais pobres” (Oxfam, 2018, p. 8).
101
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

definida, ligada a corporações multinacionais e ao capital financeiro, além de permitir que


instituições, agências e entidades supranacionais e poucos indivíduos de enorme poder
econômico influenciassem os processos políticos (Harvey, 2008; 2011; Netto; Braz, 2011; Ball,
2014). Ao mesmo tempo, modificou a ‘natureza’ e a composição da classe trabalhadora, como
também as condições de formação de sua consciência e de sua ação política.
Tais mudanças estão associadas, de um lado, ao enfraquecimento da “[...] capacidade do
Estado para garantir direitos e para dirigir processos de democratização social” (Sader, 2003, p.
544) e, de outro, ao debate sobre a crise da democracia liberal, cujos aspectos principais seriam:
o elitismo político democrático72, a restrição das formas de participação (Santos; Avritzer, 2002),
a ‘deterioração dos sistemas políticos’ em decorrência da perda da legitimidade dos governos,
dos legislativos e da justiça, a descaracterização ideológica dos partidos políticos, o
enfraquecimento das organizações sociais, a corrupção no processo eleitoral e no exercício dos
governos, a ausência de disputas políticas alternativas, os financiamentos milionários das
campanhas eleitorais73 (Sader, 2003). Enfim, a inadequação dos mecanismos e das práticas
convencionais da política, a descrença no Estado e na própria democracia, dentre outros
aspectos, impõe novos desafios para a democratização política e social e conduz à sua renovação
ou reinvenção.
Na construção de alternativas, emergem propostas de revalorização e de fortalecimento
da democracia participativa local e da solidariedade social, da coexistência e da
complementariedade entre democracia participativa e democracia representativa, de uma
institucionalidade política mais inclusiva e plural e da democracia na gestão da coisa pública.
Isso envolve a descentralização, a noção do público não-estatal e o controle social direto sobre a
administração pública e sobre o próprio Estado (Bresser Pereira; Grau, 1999; Santos; Avritzer,
2002; Guerra, 2011; Sader, 2003; Giddens, 2005).
Nas mudanças econômicas, políticas e sociais que vêm ocorrendo mundialmente nas
últimas décadas emergem aspectos que não podem ser ignorados. No terreno das lutas políticas,
as formas políticas tradicionais de representação e de agregação das demandas sociais
(congressos, parlamentos, governos locais e instâncias políticas diversas) vão sendo substituídas
por outras formas de atuação. De um lado, as elites governamentais tomam decisões e
implementam políticas públicas alternativas, “[...] incluindo negociações informais e secretas
com grupos corporativos e fortalecendo assessorias [consultorias] técnico-científico-
burocráticas” (Corrêa, 1999, p. 204) afastadas do ‘olhar público’ e na forma de lobbys e
indicando para cargos públicos pessoas oriundas do setor empresarial e financeiro, o que
implica o favorecimento dos direitos à propriedade privada e à taxa de lucro em detrimento dos
direitos à igualdade e à justiça social. De outro, os cidadãos-indivíduos pressionam pela reforma
da institucionalidade política e procuram encaminhar suas demandas por meio de novos atores
políticos e “[...] modalidades de ação não convencionais [...]” que “[...] tornam factível a sua
72
Um retrato recente do elitismo político no Brasil é o seguinte: “Em 2014, o Brasil elegeu o parlamento federal mais
rico dos últimos 15 anos. Quase metade dos deputados da Câmara Federal tem patrimônio superior a R$ 1 milhão,
valor 17 vezes maior que a média de patrimônio per capita no Brasil. Existem, ademais, enormes desequilíbrios de
raça, sexo e etnia no sistema político. O Congresso Nacional é formado, em sua maioria (quase 80%) por brancos,
num País em que brancos são menos que a metade. Meros 10% da Câmara e do Senado Federais, juntos, são de
mulheres, não obstante elas serem maioria da população. Não há nenhuma representação indígena, apesar dessas
populações somarem quase 1 milhão em território brasileiro. Em conjunto, estes fatores têm impacto direto na
produção de políticas públicas e na capacidade do Estado distribuir renda, riqueza e serviços” (Oxfam, 2017, p.
70).
73
Em relatório publicado pela OXFAM em 2017, consta: “O financiamento de campanhas no Brasil cresceu
enormemente desde 2002. Segundo dados da Transparência Brasil apoiados em prestações de contas oficiais de
candidatos submetidas ao TSE, as campanhas eleitorais das últimas eleições presidenciais, em 2014, custaram R$
4,8 bilhões, 300% mais do que em 2002, quando o custo total foi de cerca de R$ 1,5 bilhão. Até 2014, as campanhas
eleitorais podiam ser financiadas por empresas, mecanismo que induzia a decisão de políticos em favor de seus
financiadores [...]” (Oxfam, 2017, p. 70).
102
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

participação direta [...]” sobre o Estado (Corrêa, 1999, p. 204). Nesse processo, sai fortalecida a
ideia de uma sociedade política não identificada com o Estado.
Além disso, afastando-se da ideia liberal democrática, a luta política desafia “[...]
explicitadamente a universalidade do liberalismo tradicional e a aplicação de padrões
uniformes de liberdade e de igualdade cegos às diferenças de identidade e de condição social”.
Redefinindo o padrão de politização dos atores políticos e das lutas sociais, procura-se construir
“[...] novas concepções complexas e pluralistas de igualdade que reconheçam as diversas
opressões sem privilegiar classe” (Wood, 2011, p. 222, grifo do autor) e propor políticas
diferenciadas e focalizadas que tenham como finalidade compensar as situações de exclusão.
Nessa perspectiva, importa destacar que a ‘desconstrução da materialidade de classe’
(Alves, 1998), a crise do trabalho, a maior competitividade, o individualismo crescente
conduzem à fragmentação dos laços solidários, ao declínio da ética coletiva e à perda do
sentimento de pertencimento a uma classe social. Segundo Harvey (2000, p. 145): “[...] a
consciência de classe já não deriva da clara relação de classe entre capital e trabalho, passando
para um terreno muito confuso [...]”, ou seja, são complexas as condições de formação da
consciência e de organização do trabalhador. Criam-se novos obstáculos para a democratização
política e social e impõem-se novos desafios para a organização e a luta dos trabalhadores
enquanto classe.
O desemprego em massa de trabalhadores sindicalizados, o incremento do trabalho
precário, as novas formas de organização do trabalho aliadas às políticas neoliberais alteraram
profundamente as relações trabalhistas, aumentaram a competitividade, reforçaram o
individualismo e interferiram na organização política do movimento operário. Ao invés das
negociações coletivas de salários, de benefícios sociais e de promoções mediadas pelos
sindicatos e de acordo com normas de controle das relações capital/trabalho fixadas pelo Estado,
as negociações passaram a ser livres e diretas entre operários e patrões. Esse processo tem
conduzido à desconstrução da normatização do trabalho e ao enfraquecimento da organização
coletiva e do poder dos sindicatos, com uma consequente diminuição da consciência dos direitos
sociais. Criam-se, assim, condições favoráveis para o predomínio de particulares e para a tese de
que vivemos “[...] uma nova era em que os antagonismos centrados nas contradições
capitalversus trabalho não têm mais lugar” (Leher, 2001, p. 158).
À medida que a centralidade do conflito capital-trabalho, como elemento estruturante das
relações sociais (Habermas, 1987), deixa de ser referência para o entendimento da atividade
humana, o conteúdo da luta política e os partidos de massa assumem novas características.
Assim, enquanto a sociedade se despedaça em muitas esferas particulares e em
diferentes interesses, proliferam movimentos sociais heterogêneos, desvinculados do mundo do
trabalho, das lutas e das conquistas de classe e voltados para o reconhecimento de direitos
específicos (feministas, ecológicos, pacifistas, étnicos, de direitos humanos, autogestionários
etc.). Surgem práticas diversas e heterogêneas que configuram um “[...] novo estilo de
democracia radicalmente aberta, indeterminada e incerta [...]”, e “[...] um retorno da política no
terreno do privado da vida cotidiana” (Corrêa, 1999, p. 205). Supõe-se, assim, uma democracia
mais inclusiva, que reconheça e valorize todo o tipo de diferença (gênero, cultura, raça,
sexualidade, etc.) e não se confronte com a “[...] totalidade abrangente do capitalismo como
sistema social constituído pela exploração de classe [...]” e o reconheça como “[...] formador de
todas as identidades e relações sociais” (Wood, 2011, p. 222, grifo do autor).
Em uma democracia com tais características, os movimentos e as organizações populares,
transformados em uma pluralidade de lutas isoladas, conseguem avanços pontuais significativos,
especialmente quanto à extensão da cidadania, mas, ao ignorar a raiz social da diferenciação e a
dinâmica das relações sociais contraditórias, contribuem para que a luta contra a exploração
deixe de ser referência para as ações sócio-políticas. “Desse modo, longe de estimular
comportamentos capazes de alavancar situações que possam superar as desigualdades reais,
103
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

acaba, em última instância, por contribuir para a preservação das condições materiais de vida
que as produzem” (Carvalho; Faustino, 2016, p. 204).
Outro aspecto que não pode ser ignorado nesse contexto de fragmentação das lutas
sociais é a atuação dos partidos de esquerda. No lugar de partidos políticos organizados com
base no interesse de classes, pautados na luta pelo reconhecimento de direitos universais,
surgem partidos que fundam suas reivindicações na defesa dos interesses particulares e
imediatos que movem os homens na luta cotidiana pela sobrevivência.
Desse modo, “[...] a própria esquerda, ao assumir discursos particularistas,
desvinculados das determinações econômicas ou das relações de classe necessárias à produção,
abandona a ênfase no conflito de classe como referência de luta e contribui para reforçar a visão
de que a política é identificada com os interesses domésticos e pessoais [...]” (Carvalho, 2012a,
p. 39). Em consequência, perde elementos de diferenciação em relação aos outros partidos
políticos e enfrenta dificuldades na elaboração de propostas alternativas (Przeworski, 1989),
capazes de ir além das relações sociais existentes.
Essa democracia reinventada distancia-se dos princípios e das práticas coletivas,
tornando-se torna cada vez mais comprometida com a realização de interesses privados e a
liberdade individual de escolha, seja quanto aos padrões de consumo seja quanto aos estilos de
vida, garantidos pela liberdade de mercado e de comércio.
A recriação de estruturas de governança democrática, ou a reinvenção da democracia,
também está associada à promoção da ‘concertação social’ (Lima; Martins, 2005). Uma das
principais tarefas do novo Estado democrático é “[...] conciliar as reinvindicações divergentes de
grupos de interesse especial” (Giddens, 2005, p. 63). Dessa perspectiva, o conceito de
democracia idealizado pela terceira via pressupõe uma ‘democracia dialógica’ (GIDDENS,
1996), caracterizada pela “[...] conciliação dos inconciliáveis interesses históricos das classes”
(Lima; Martins, 2005, p. 65) e pela construção de uma sociedade menos conflitiva. Ao mesmo
tempo, lhe caberia “[...] orientar o ajustamento dos cidadãos, do conjunto da sociedade civil e da
aparelhagem de Estado na justa medida das demandas e necessidades do reordenamento do
capitalismo” (Lima; Martins, 2005, p. 67).
Desse modo, domesticando os conflitos de classes e buscando eliminar as resistências
sociais, abre-se caminho para novas formas de participação e cidadania. Na arena política e
pública, os conflitos redistributivos e as demandas por igualdade e cidadania, que marcaram o
contexto do Estado de bem estar social, são deslocados para uma cidadania ativa, colaborativa e
voltada para a solidariedade social, na qual têm papel mecanismos formais de diálogo e de
colaboração operacional. Como exemplo das medidas adotadas com esse fim, mencionamos o
documento do Banco Mundial (2000), intitulado Do confronto à colaboração: relações entre a
sociedade civil, o governo e o Banco Mundial no Brasil.
Em suma, a reinvenção da democracia está vinculada à ampliação da participação política
da sociedade civil renovada, ao estímulo à responsabilidade social das empresas e ao
encorajamento para uma tomada de decisão que envolva autonomia e iniciativas econômicas
locais, sem que o Estado abra mão do monitoramento e da regulação social. Segundo Giddens
(2005, p. 94), isso “[...] se aplica obviamente à educação [...]”, na qual se reclama a presença de
novos sujeitos – cidadãos reflexivos, ativos e responsáveis socialmente – e a adoção de práticas
políticas autônomas, solidárias, voluntárias e empreendedoras socialmente, nas quais os
indivíduos e os grupos sociais produzam estratégias para a resolução dos problemas individuais
e coletivos, tornando-se independentes do Estado.
Com essa lógica, visando partilhar responsabilidades com diferentes ‘atores’ políticos, o
Estado procura adotar novos arranjos políticos para a democracia, redefinindo as fronteiras
entre público e privado, incentivando parcerias com grupos do terceiro setor e com empresas
que tenham interesse em prestar serviços sociais em colaboração com a aparelhagem estatal.

104
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Nova configuração das relações entre o público e o privado

As condições históricas da sociedade ocidental moderna e contemporânea tornaram


possível a distinção e a oposição entre o estatal, o público e o privado. A coisa pública remete ao
que pertence à competência do Estado, ao poder político e ao coletivo, ao passo que o privado se
refere a outra dimensão da vida social: o não político ou não Estado, o social e o econômico. Essa
aparente dicotomia remete a outra: a dicotomia entre a esfera política (Estado) e a esfera
econômica (sociedade civil).
Para Wood (2011, p. 206), no seio do movimento dinâmico e contraditório do capital, a
concepção de sociedade civil, que se originou no século XVIII, “[...] representa uma esfera
diferenciada do Estado, separada das relações e da atividade humanas, mas nem pública nem
privada, ou talvez as duas coisas ao mesmo tempo, incorporando toda a gama de interações
sociais fora da esfera privada do lar e da esfera do mercado, a arena de distribuição e troca”.
Essa distinção possível porque o capitalismo “[...] não se caracteriza não apenas por uma
transformação do poder social, uma nova divisão de trabalho entre o Estado e a propriedade
privada ou classe, mas também marca a criação de uma nova forma de coerção – o mercado”. A
autora concebe o mercado“ [...] não apenas como uma esfera de oportunidade, liberdade e
escolha, mas como compulsão, necessidade, disciplina social capaz de submeter todas as
atividades e relações humanas às suas exigências” (Wood, 2011, p. 216), deslocando para a
esfera ‘privada’ (propriedade privada, exploração e dominação de classe e imperativos do
mercado) muitas funções coercitivas que antes pertenciam ao Estado.

Sociedade civil constitui não somente uma relação inteiramente nova entre
o público e o privado, mas um reino privado inteiramente novo [...]. Ela
gera uma nova divisão do trabalho entre a esfera pública do Estado e a
esfera privada da propriedade capitalista e do imperativo de mercado, em
que apropriação, exploração e dominação se desligam da autoridade pública
e da responsabilidade social – enquanto esses novos poderes privados
dependem da sustentação do Estado [...] (Wood, 2011, p. 217-218, grifo do
autor).

Nesses termos, a bipolarização entre público e privado oculta as relações de exploração e


de dominação na sociedade civil (espaço de conflito entre interesses de classes e frações de
classes e de contradição social).
Analisando a relação contraditória entre o público e o privado e as relações sociais
capitalistas, bem como a natureza institucional do Estado moderno, concordamos com a
afirmação de que o Estado, “[...] em sua origem, submete a dimensão pública à esfera privada,
em benefício desta última [...]”, demonstrando “[...] a tendência histórica de intensificação da
dimensão estatal/mercantil”. Isso faz “[...] com que o Estado dirija suas políticas públicas para o
polo privado da contradição, dada a materialidade da economia” (Silva Jr.; Sguissardi, 2005, p.
15-16). Na sociedade atual, é “[...] no âmbito do Estado que se privilegia a [...] dinamização
das virtualidades do sistema de mercado [...] e os processos que visam a acumulação do
capital, que se inserem as políticas sociais públicas” (Sguissardi, 2015, p. 876, grifo do autor),
dentre as quais a universalização da educação básica e sua pretendida melhoria da qualidade.
Vivenciamos uma época de reconstrução do tecido social e de redefinição dos paradigmas
que orientaram a sociedade durante o século XX. A crise do modelo de regulação
fordista/keynesiano e sua substituição pelo modelo flexível/neoliberal redefiniram não apenas as
concepções de democracia e de cidadania, mas também a de sociedade civil. Esta passou a ser
concebida como “[...] terceira esfera entre o Estado e o mercado” (Bresser Pereira; Grau, 1999,
p. 19), o que abriu novas possibilidades para a mudança em sua atuação política e social e nas

105
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

relações entre o público e o privado e exigiu “[...] novas instituições que promovam um novo
modus operandi social e econômico do capitalismo” (Silva Jr.; Sguissardi, 2001, p. 30).
Na reconfiguração do papel estatal, almeja-se a ruptura da dicotomia ou uma maior
integração entre o público e o privado. Segundo Montaño e Duriguetto (2011, p. 306, grifo do
autor): “[...] A discussão é levada para a comparação entre instituição estatal – tratada como
burocrática, ineficiente, corrupta, rígida e em crise (fiscal) – e organizações do ‘terceiro setor’ –
tidas como dinâmicas, democráticas, populares, flexíveis, atendendo às particularidades
regionais e categorias”.
Do questionamento à centralidade do Estado e à noção de público a ele circunscrita
fazem parte as propostas de democratização das instituições políticas, envolvendo a redefinição
das fronteiras entre o público e o privado, a ampliação do público para além do estatal e o
revigoramento da sociedade civil74 para a recomposição do espaço público.
O entendimento de que, “[...] dentro do público, pode-se distinguir entre o estatal e o
não-estatal” (Bresser Pereira; Grau, 1999, p. 21), conduz à proposição de um espaço público
não-estatal na produção de bens públicos, seja porque não utiliza servidores públicos, seja por
não coincidirem com os agentes políticos tradicionais. Esse espaço contém o ‘terceiro setor’,
denominado não governamental e não empresarial, por se tratar de uma “[...] terceira forma de
propriedade entre a privada e a estatal” (Bresser Pereira; Grau, 1999, p. 21), e por ser portadora
de uma nova cultura de participação cidadã nos assuntos públicos e na promoção das políticas
sociais.
A noção de público não estatal não apenas “[...] contribui para assinalar a importância da
sociedade como fonte de poder político [...]”, mas também para lhe atribuir “[...]
responsabilidade na satisfação das necessidades coletivas” (Bresser Pereira; Grau, 1999, p. 30).
Assim, integrando a tomada de decisão do Estado à nova dinâmica da acumulação de capital,
envolvendo a flexibilização produtiva, a mundialização do capital e a financeirização da
economia, bem como o movimento de extensão do capital para novas esferas econômicas ou
sociais, em nome de uma suposta ampliação da esfera pública, ocorre o crescente deslocamento
das responsabilidades públicas pelos direitos sociais para a esfera privada-mercantil. Esse
deslocamento, identificado com um aparente clima democrático, é feito por meio das políticas
de desburocratização, de descentralização e do aumento crescente das novas parcerias público-
privadas que marcaram o conjunto das reformas neoliberais nos diferentes países.
Com o recuo do Estado no provimento de serviços sociais, associado ao aumento das
desigualdades sociais e da pobreza produzido pelo movimento de centralização e concentração
de capitais, emergem novas e múltiplas associações voluntárias, as quais demarcam o novo
caminho encontrado para enfrentar os problemas das áreas sociais, econômicas e ambientais. À
medida que o Estado em crise financeira restringe os gastos, especialmente aqueles
relacionados à solução direta dos problemas sociais por meio da oferta de serviços e da
promoção de políticas públicas, promove o fortalecimento da esfera pública não estatal e a
reorganização da sociedade civil. Surge, assim, um grande número de instituições de âmbito
privado que prestam serviço público e de organizações não governamentais (ONGs) que
compõem o chamado Terceiro Setor75. Para Harvey (2008, p. 190), as “[...] ONGs em muitos
casos vieram preencher o vácuo de benefícios sociais deixado pela saída do Estado dessas
atividades. Isso equivale a uma privatização via ONGs. Em alguns casos, isso ajudou a acelerar o
afastamento maior do Estado dos benefícios sociais”.

74
“No Brasil, o termo sociedade civil tem uma conotação política e está relacionado ao vasto setor não governamental,
formado por associações comunitárias, movimentos sociais, ONGs, entidades beneficentes, associações
profissionais, igrejas e fundações de empresas” (Banco Mundial, 2000, p. 11).
75
Em 2003, foi apresentado o Projeto de Lei nº 1.639, de 2003 (Brasil, 2003b), que Institui o Programa de Estímulo
ao Terceiro Setor, o Fundo Nacional de Estímulo ao Terceiro Setor e dá outras providências. A proposição foi
arquivada em janeiro de 2012.
106
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa


Econômica Aplicada (IPEA), em parceria com a Associação Brasileira de Organizações Não
Governamentais (ABONG) e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE),
publicaram em 2012 (IBGE, 2012) um estudo sobre as organizações da sociedade civil no Brasil
no ano de 2010, com base nos dados do Cadastro Central de Empresas (CEMPRE), do IBGE. O
trabalho contou com a participação da Secretaria Geral da Presidência da República. Entre 2006
a 2010, foi observado um “[...] crescimento da ordem de 8,8% das Fasfil no Brasil, as quais
passaram de 267,3 mil para 290,7 mil entidades no período” (IBGE, 2012, p. 11). Conforme
informações no site do IPEA:

O primeiro levantamento sobre o setor sem fins lucrativos realizado com


dados oficiais no Brasil utilizou como referência o Cadastro Central de
Empresas (Cempre) do IBGE para o ano de 2002, que cobre o universo das
organizações inscritas no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). Um
dos destaques foi que, entre 1996 e 2002, o número de fundações privadas e
associações sem fins lucrativos cresceu 157%, passando de 105 mil para 276
mil. No mesmo período, o número de pessoas ocupadas no setor passou de 1
milhão para 1,5 milhão de trabalhadores, registrando um aumento de
50%(IPEA, [201-].

Presenciamos, portanto, o surgimento de uma esfera pública que não integra o aparelho
estatal e de iniciativas privadas com ‘sentido público’, ou seja, uma ruptura dos limites entre
público e privado. O problema é que tais espaços se confundem, pois não ficam claros os limites
de suas esferas de atuação. A esse respeito Di Pietro (1998, p. 127) comenta que, as “[...]
‘entidades paraestatais’, que funcionam paralelamente ao Estado, exercendo atividade que não é
serviço público exclusivo do Estado nem atividade inteiramente privada, atuam na vizinhança
com o serviço público, sob regime jurídico que fica a meio caminho entre o direito público e o
direito privado”. A autora considera também que esses espaços se fundem e se confundem
porque se transferem não apenas a execução de serviços sociais não exclusivos do Estado, mas
também bens públicos, móveis e imóveis, e mesmo parcelas do orçamento do Estado para
entidades paraestatais, em particular organizações sociais. “Por não terem patrimônio próprio
nem sua própria fonte de receita, elas se utilizam do patrimônio público. Elas não têm sede
própria e se instalam dentro das repartições públicas; os servidores públicos prestam serviços a
essas entidades, tendo seus salários complementados pelas mesmas” (Di Pietro, 1998, p. 128).
A indefinição das fronteiras tradicionais entre público e privado dá margem a políticas
com aparências modernizadoras, democráticas, de interesse social, mas também, em última
instância, favorece os objetivos da iniciativa privada/mercantil, criando novas oportunidades de
negócios e de lucro, e de desencargo do Estado, especialmente em relação às suas funções
sociais.
Pesquisas de informações básicas sobre os municípios brasileiros, realizadas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012; 2016), dimensionam a participação
do setor privado nas áreas de educação, saúde, assistência e desenvolvimento social, emprego
e/ou trabalho, turismo, cultura, habitação, meio ambiente, transporte, desenvolvimento urbano e
saneamento básico. Foram pesquisadas as seguintes formas de associação: consórcios públicos
e administrativos entre os diferentes entes federativos, convênios de parceria com o setor
privado e apoios do setor privado ou de comunidades. De acordo com o relatório (IBGE, 2012, p.
40), os dados de 2011 “[...] mostraram que 4 497 municípios, ou 80,8% do total, realizavam
algum tipo de articulação interinstitucional. Desse contingente, 4 175 municípios participavam
de algum tipo de consórcio, o que corresponde a 92,8% deste universo ou 75,0% de todos os
municípios brasileiros”. Em “[...] 2011, os convênios com participação do setor privado estavam

107
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

presentes em 42,7% e com apoio do setor privado ou de comunidades, em 26,8% dos que
declararam formar alguma articulação interinstitucional”.
Assim, aparentemente, a noção de público não estatal (Bresser Pereira; Grau, 1999) ou
terceiro setor contribui para aprofundar a cidadania democrática. No entanto, ao colocar o
cidadão na condição de parceiro do Estado na implementação de determinadas políticas e
mesmo de substituir o Estado no campo dos serviços públicos, especialmente o da educação,
termina por reforçar a ideologia da responsabilidade individual e empresarial, da auto-
organização social, da cooperação voluntária e da filantropia, favorecendo, assim, a
desconstrução do modelo de Estado keynesiano.
No processo de reconfiguração da relação entre o público e o privado, além dos limites
ambíguos entre ambos, destaca-se um duplo movimento. Por um lado, observamos as novas
formas de solidariedade, baseadas no voluntarismo e no associativismo, por meio dos quais os
grupos de interesses se autorresponsabilizam pela solução das questões sociais (Montaño,
2008), disseminando as soluções privadas e o empreendedorismo social. Por outro lado, o
crescente protagonismo empresarial sobre a questão social e o incentivo público da sociedade
civil vinculada ao mercado para interferir, elaborar, disseminar e executar políticas sociais
(Peroni, 2013; Ball, 2014).
Em nome da responsabilização social e da auto-organização social, surgem novos ‘atores’,
novos papéis, novos espaços e novas relações políticas, novos movimentos sociais e empresariais.
Segundo Ball e Olmedo (2013, p. 33), com os novos métodos empresariais e as iniciativas de
empreendedorismo social, “[...] fundações cooperativas e familiares e os indivíduos filantrópicos
estão começando a assumir deveres sociomorais que até agora eram de responsabilidade de
organizações da sociedade civil, entidades governamentais e agências estatais”.
Concomitantemente estão sendo redefinidos o sentido e o modo de operar da velha filantropia,
ou seja, surge uma ‘nova filantropia’ ou ‘filantropoia 3.0’, marcada pelo “[...] envolvimento direto
dos doadores nas ações filantrópicas e nas comunidades de políticas [...]”, explorando a
compatibilidade entre lucro e filantropia e expandindo as oportunidades de negócios e o alcance
das forças de mercado.
No escopo e nos objetivos da filantropia tradicional, os autores identificam uma mudança,
que pode ser dividida em três etapas: “[...] da caridade paliativa (ou seja, a filantropia tradicional
ou a filantropia 1.0) à filantropia para o desenvolvimento (filantropia 2.0), e, finalmente, à
doação rentável, ou caridade lucrativa constituindo aquilo que é denominado de filantropia
3.0” (Ball; Olmedo, 2013, p. 34, grifo do autor). A filantropia 3.0,

[...] está assentada em três princípios de trabalho: ampliação e adequação


das organizações sem fins lucrativos, comprometendo grandes lotes de
financiamento por longos períodos de tempo; ênfase na avaliação e na gestão
de desempenho; promoção de relações investidor-investido com base em
engajamento consultivo (Ball, 2014, p. 122, grifo do autor).

Ball e Olmedo destacam, ainda, que a terceira etapa da filantropia cria espaços,
motivações, ações e dinâmicas cuja tendência é se expandir muito além do âmbito local, regional
ou nacional, o que implica a tecnologia política das redes globais de influência:

A Filantropia 3.0 faz parte de uma nova configuração e lógica de ações de


ajuda e desenvolvimento e de um novo conjunto de relações ligadas a
problemas de desenvolvimento e aos grandes desafios. Chamamos esta
lógica e relações de filantropia de rede. Ao usar este termo estamos
sugerindo que para entender o trabalho das novas organizações
filantrópicas e seus parceiros, precisamos considerá-los não sob uma
perspectiva individual, como atores isolados, mas sim como nós
108
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

interconectados que operam de acordo com lógicas de rede e configuram


suas agendas e ligações de formas mutantes e fluídas. Essas redes
retrabalham e repovoam a comunidade de políticas de ajuda e
desenvolvimento, conectando de novas maneiras e os interesses e as
atividades das empresas, governos, filantropia e agências não governamentais
[...] (Ball; Olmedo, 2013, p. 40, grifo do autor).

As empresas se envolvem nas políticas de diferentes maneiras, dentre as quais as novas


formas de filantropia e agenciamentos globais (Ball, 2014), merecendo destaque a expansão das
redes de políticas públicas, suas formas de atuação, o poder e a influência que exercem sobre os
governos.
Outra consideração importante nas novas relações entre público e privado é a abertura de
diversas modalidades de parceria, dentre as quais a cooperação técnica, as assessorias e as
consultorias de empresas para os governos. Os dados da pesquisa de informações básicas sobre
os municípios brasileiros (IBGE, 2016, p. 28) demonstram que a “[...] contratação de empresas
que fornecem mão de obra especializada para o desempenho de determinadas atividades do
processo produtivo vem sendo cada vez mais frequente no setor público de uma forma geral,
razão pela qual a terceirização de serviços pelas prefeituras municipais”. Ainda, de acordo com a
pesquisa,

[...] a assessoria era contratada em 85,8% (4 777) dos municípios brasileiros,


podendo se apresentar de diferentes formas: jurídica [como emissão de
pareceres, aprovação de minutas de editais, contratos, acordos, convênios e
outras ações que requeiram a ação de profissionais de Direito],
contábil/financeira [como diagnóstico, acompanhamento e avaliação da
gestão orçamentária municipal], cartográfica, para realizar atividades de
contratação e pagamento de funcionários, e para elaboração de projetos para
captação de recursos.

Com base em tais informações, podemos observar que, por meio de relatórios,
recomendações e diagnósticos alinhados com a possibilidade de realização lucrativa, as diversas
modalidades de parcerias têm influenciado as agendas e a tomada de decisões na gestão pública.
Neste capítulo, abordamos, de uma perspectiva histórica, as alterações no papel e na
forma de atuação do Estado em correspondência com as exigências políticas, econômicas e
sociais. Deduzimos, portanto, que a forma do Estado está condicionada ao movimento da
sociedade e, por isso, a redefinição de seu papel esbarra nos limites históricos das próprias
relações sociais.
Adotando essa linha de raciocínio, podemos dizer que a proposta de reinvenção ou de
reforma do governo, como resposta à crise do capitalismo e à crise do Estado, é uma das formas
encontradas pela sociedade atual para, em seus próprios limites, enfrentar seus problemas, ou
seja, melhorar as atuais relações sem almejar superá-las. Nesse sentido, reinventar o governo
significa dar ao velho uma nova roupagem, ou seja, retomam-se os princípios liberais,
atribuindo-lhes novos significados. Em outros termos, o governo atua no fomento, no
planejamento, na coordenação e na fiscalização das políticas públicas com base nos mecanismos
de mercado, o que significa claramente a adoção de uma postura neoliberal.
Portanto, a orientação política da terceira via, cuja tese da ‘reinvenção do governo’ no
sentido do ‘novo Estado democrático’ é uma resposta neoliberal aos atuais problemas de
governabilidade e de legitimação desse mesmo governo, está longe de primar pela originalidade.
Ela conserva aspectos essenciais do liberalismo, como a superioridade de mercado, o
individualismo como valor mais radical, a valorização da iniciativa individual e da cooperação
entre os indivíduos, dando-lhes apenas um tratamento atualizado. Dessa forma, está em
109
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

consonância com as exigências da sociedade atual, dentre as quais: a necessidade de


flexibilização e de desregulamentação das relações de trabalho, a supremacia da liberdade sobre
os demais valores, a ausência de coerção e voluntarismo, a valorização da autonomia e da
participação social, a promoção da descentralização administrativa e as parcerias entre o público
e o privado e a combinação de interesses dos grupos comunitários e interesses privados.
Pode-se afirmar, assim, que os limites dessa teoria estão condicionados aos limites da
própria sociedade, já que a morte dos modelos e dos paradigmas tradicionais não é
acompanhada de condições materiais para o surgimento de modelos e paradigmas realmente
novos. Nesse contexto, a alternativa que se apresenta é a ‘reinvenção’ do passado. Segundo
Nagel, “[...] nos dias de hoje, a reivindicação de modernidade é pautada,
contraditoriamente, no discurso do século passado” (Nagel, 2002, p. 2, grifo do autor).
Retomando-se os séculos XVIII e XIX, revitaliza-se o pensamento de autores do liberalismo
clássico como Smith, Rousseau, Mill, Tocqueville, dentre outros, dando-lhe ‘nova roupagem’, de
modo que a reinvenção se torna a palavra da moda.
O neoliberalismo pode até ser entendido como resposta aos problemas de ordem
econômica, política e social atual e mesmo como uma resposta hegemônica, mas não é a única
ou a mais adequada resposta. As relações humanas são contraditórias e, por isso mesmo,
marcadas por conflitos e oposições sociais, podendo produzir alternativas aos desafios da
sociedade atual, especialmente no sentido de superar as limitações geradas pelo individualismo
e pela competição.
Verificamos também que, apesar das especificidades históricas, políticas e culturais de
cada país, as reformas atuais na administração pública correspondem às características da new
public management e do reinventing governmentadotados desde 1990 tanto em alguns países
centrais quanto periféricos. Tais características, relacionadas aos processos de gestão privada e
à introdução de mecanismos de mercado ou ‘quase-mercado’ nas políticas sociais76 (Bresser-
Pereira, 1997), têm a mesma lógica: diminuir a atuação do Estado na esfera social e ampliar o
espaço de atuação da sociedade civil, em favor da acumulação de capital. “O setor privado é o
modelo a ser emulado, e o setor público deve ser empreendido à sua imagem” (Ball, 2014, p.
65, grifo do autor). O conceito de ‘quase-mercado’ foi empregado incialmente por Julian Le
Grand (1991) quando analisou as mudanças nas políticas públicas inglesas a partir de meados
da década 1980. De acordo com Afonso (2002b, p. 120, grifo do autor):

[...] na definição de Le Grand, quase-mercados são mercados porque


substituem o monopólio dos fornecedores do Estado por uma diversidade de
fornecedores independentes e competitivos. São quase porque diferem dos
mercados convencionais em aspectos importantes. Assim, por exemplo, as
organizações competem por clientes, mas não visam necessariamente a
maximização dos lucros; o poder de compra dos consumidores não é
necessariamente expresso em termos monetários e, em alguns casos, os
consumidores delegam a certos agentes a sua representação no mercado.

Considerando que as políticas educacionais estão condicionadas por esse processo de


transformação ou ‘reinvenção’ dos poderes e funções do Estado, ressaltamos que as novas
orientações da administração pública brasileira, com a introdução de lógicas e valores de
mercado no sistema público, têm profundas implicações na definição das políticas e das
reformas educativas.

76
De acordo com esse conceito, a “[...] educação seria uma quase-mercado porque apesar de haver competição nas
escolas (como nos mercados) elas não procuram maximizar os seus lucros, nem são necessariamente propriedade
privada. Além disso, no que se refere à procura, esta não é expressa em termos de dinheiro, mas através de
orçamentos anuais ou de vouchers” (Barroso, 1998b, p. 43).
110
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Segundo Dardot e Laval (2016, p. 272, grifo do autor), “[...] a introdução de lógicas e
valores de mercado no sistema público corresponde à transformação da ação pública,
tornando o Estado uma esfera que é também regida por regras de concorrência e submetida a
exigências de eficácia semelhantes àquelas a que se sujeitam as empresas privadas”. Essa
mutação no modo de gestão “[...] não visa apenas a aumentar a eficácia e reduzir os custos da
ação pública; ela subverte radicalmente os fundamentos modernos da democracia, isto é, o
reconhecimento de direitos sociais ao status de cidadão” (Dardot; Laval, 2016, p. 272).
Com base na análise das mudanças vivenciadas na sociedade e no Estado a partir dos
anos 1990 e considerando que elas determinaram e influenciaram as propostas da reforma
educativa, abordaremos no próximo capítulo os principais aspectos da reforma na administração
educacional no Brasil, especialmente os relacionados à democratização da gestão da educação
básica e aos novos paradigmas políticos e administrativos do setor.

111
Capítulo 4

Políticas de democratização da gestão da educação básica


pública brasileira

Conforme análise anterior, as profundas mudanças sociais, políticas e econômicas


ocorridas nas décadas finais do século XX repercutiram na atuação do Estado, na concepção de
governabilidade e no modelo de gestão pública. Isso fica evidente nas medidas políticas e
administrativas e nos novos conceitos e princípios adotados, especialmente no que diz respeito à
democratização da gestão, à descentralização administrativa, à crescente participação social e às
parcerias entre o Estado e a sociedade civil na execução das políticas sociais, ou seja, no
financiamento e no controle dos chamados serviços não-exclusivos do Estado.
As repercussões de tais mudanças manifestaram-se também no campo educativo e nas
políticas educacionais. Nesse campo, a democratização da gestão da educação pública é
associada à ideia de descentralização administrativa, de conquista da autonomia, de participação
e de compartilhamento de decisões com diferentes ‘atores’ sociais, inclusive quanto aos rumos
da educação.
Importa, contudo, assinalar que o conceito de democracia pode ser visto abstratamente,
pois o capitalismo tornou possível uma ‘democracia formal’, uma forma de igualdade civil
coexistente com a desigualdade social e capaz de deixar intocadas as relações de dominação e
exploração em outras esferas (Wood, 2011). Dessa forma, o conceito de democracia não é
consensual, mas assume acepções diversas, sendo objeto de controvérsias. Pode ser empregado
tanto em uma perspectiva ‘gerencialista’, centrada no desempenho da gestão e subordinada às
orientações técnicas, organizacionais e administrativas que fazem parte do mundo empresarial e
à lógica de mercado, quanto em uma perspectiva ‘emancipatória’, centrada na dimensão
ideológica, política e social da transformação.
Neste capítulo, iremos analisar as principais características das reformas educativas
brasileiras a partir dos anos de 1990, particularmente no que diz respeito à gestão da educação.
A primeira parte é composta por uma retrospectiva histórica da democratização da gestão da
educação no Brasil e por uma análise da legislação e dos principais programas e projetos
referentes à democratização, bem como dos principais aspectos da reforma educativa brasileira
nos anos de 1990 até os dias atuais, nos quais se insere a gestão da educação. A segunda parte é
composta pela abordagem da reforma educativa e das influências das organizações
internacionais na formulação das políticas educacionais brasileiras.

Democratização da gestão da educação: uma retrospectiva histórica

Atualmente, a democratização da gestão, a descentralização administrativa e a não


intervenção do Estado na educação têm sido enfatizadas no encaminhamento das políticas
educacionais, tanto no Brasil como no resto do mundo, o que não significa que sejam questões
novas. Desde meados do século XIX, temas como descentralização administrativa e autonomia
do Estado para organizar e prover a instrução pública já apareciam no campo educacional
brasileiro e, especialmente a partir da segunda metade do século XX, ao lado da “[...]
organização e instalação de um sistema nacional de educação como instrumento de
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

democratização da educação pela via da universalização da escola básica” (Saviani, 2013, p. 127),
tornaram-se alguns de seus maiores e mais polêmicos temas.
Considerando que o tempo constrói e reconstrói os significados dos termos, o de
democracia no contexto educacional atual deve ser situado historicamente. Por isso, ainda que
de forma muito breve, abordaremos os debates sobre o assunto ocorridos no Brasil desde o
século XIX.
Ao estudar a política educacional brasileira, observamos que a primeira medida em favor
da descentralização da educação ocorreu em 1834, três anos após a abdicação de D. Pedro I (7
de abril de 1831). Naquele momento, o parlamento aprovou o Ato Adicional à Constituição de
1824, determinando a descentralização e a autonomia. No Art. 10, § 2°, consta que as províncias
teriam o direito de promover e legislar sobre a instrução pública primária e média em suas
próprias jurisdições, cabendo ao poder central a função de promover e regulamentar o ensino
superior (faculdades de medicina e de direito, academias e quaisquer outros estabelecimentos
que no futuro fossem criados por lei geral) em todo o Império.
No final do período imperial, a centralização e a unificação do ensino passou a ser
enfaticamente defendida por parlamentares, educadores e intelectuais. Por exemplo, na obra A
Província, publicada pela primeira vez em 1870, Tavares Bastos (1975) advogava a intervenção
do Estado na propagação da instrução popular. Embora contrário a qualquer ideia de
centralização política, ele reconhecia que o Estado não poderia deixar de intervir no ramo da
instrução.
Rui Barbosa, em 1882, em parecer à Reforma Leôncio de Carvalho de 19 de abril de 1874,
foi o primeiro a sugerir a criação de um órgão de coordenação e difusão do ensino. Visando a
organização de um sistema nacional de educação, declarou-se favorável à “[...] interferência do
governo central para a difusão do ensino elementar [...]” (Paiva, 1987, p. 77).
Assim, desenvolveu-se no Brasil a tendência de defesa da centralização e da intervenção
do Estado na educação. A proposta era que o Governo Central organizasse uma educação
nacional e promovesse a formação do cidadão necessário à transformação do país em uma nação
moderna, civilizada e produtiva.
No entanto, a Constituição Federal de 1891 não continha alterações na organização do
ensino. Mantendo-se a descentralização/autonomia, continuava-se a reservar ao Governo
Central a competência para promover e legislar sobre o ensino superior (Art. 34) e se deixava
aos estados a responsabilidade pela instrução primária e profissional (Art. 35) (Brasil, 1891).
A partir do final do século XIX, consolidou-se um movimento a favor da intervenção do
Estado na organização do ensino nacional. Nos anos 1920-1930, acirrou-se a defesa da
centralização e, nesse sentido, de uma política nacional de educação. Nas Conferências
Nacionais da Educação, promovidas nos anos de 1920 pela Associação Brasileira de Educação
(ABE), aflorou um debate intenso em torno da necessidade da ‘intervenção direta do Estado na
instrução’. A instrução, considerada ‘um fator de progresso’, era essencial para a formação do
homem, “[...] elemento primordial da nacionalidade, o qual não deve ficar abandonado a si
mesmo para se educar, nem tampouco sob a autoridade paterna, limitada dentro das exigências
legais” (Brasil, 1997g, p. 160).
Estava em marcha a luta por uma política nacional de educação. O Manifesto dos pioneiros
da educação nova, lançado em 1932, tinha como objetivo principal interceder junto ao governo
para que fossem promovidas reformas na educação. O plano de reconstrução educacional nele
exposto justificava-se, segundo os Pioneiros da Educação Nova, pelo fato de que os planos
anteriores não atendiam às necessidades do país: eram apenas reformas parciais e arbitrárias,
lançadas sem solidez econômica, sem visão global do problema e sem continuidade de
pensamento. Nesse sentido, para eles, o novo plano seria um meio de corrigir o erro
fundamental do sistema em vigor: a falta de continuidade e de articulação do ensino em seus
diversos graus, os quais não eram considerados como etapas de um mesmo processo e sim como
114
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

se tivessem um ‘fim em particular, próprio’ dentro da ‘unidade do fim geral da educação’. Nos
termos do Manifesto, unidade não significava uniformidade, já que, no plano de unificação
nacional da educação, contemplava-se um espaço para a regionalização do ensino. A dimensão
nacional da educação, sobre a base e os princípios do Estado,

[...] não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as


condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da
escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não significa
uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que pareça, à
primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação da doutrina
federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a cabo,
em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um
plano comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em
extensão (Manifesto..., 2006, p. 195).

A intervenção do Estado na educação não se opunha a soluções regionais e


descentralizadas, devendo se limitar a uma ação coordenadora e estimuladora, cujo fim seria a
promoção da unidade educativa. Assim, na organização da educação brasileira, defendia-se um
‘regime livre de intercâmbio, solidariedade e cooperação’. Ou seja,

[...] À União, na capital, e aos estados, nos seus respectivos territórios, é que
deve competir a educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais
fixados na nova constituição, que deve conter, com a definição de atribuições
e deveres, os fundamentos da educação nacional. Ao governo central, pelo
Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios,
fazendo executar as orientações e os rumos gerais da função educacional,
estabelecidos na carta constitucional e em leis ordinárias, socorrendo onde
haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural
dos Estados e intensificando por todas as formas as suas relações espirituais
(Manifesto..., 2006, p. 195).

Na Constituição Federal de 1934, foram contempladas as reivindicações e as orientações


dos Pioneiros da Educação Nova. Atribuiu-se à União a competência para “[...] traçar as
diretrizes da educação nacional” (Art. 5°, XIV), bem como para “[...] fixar o plano nacional de
educação” (Art. 150, a); aos Estados e ao Distrito Federal, a competência para “[...] organizar e
manter seus sistemas de ensino, nos territórios respectivos, respeitar as diretrizes estabelecidas
pela União” (Art. 151).
A Constituição Federal de 1937 produzida pela tecnocracia getuliana diferia da
Constituição anterior: “[...] compete privativamente à União a competência e o poder de legislar
sobre [...] as diretrizes da educação nacional” (Art. 5°, XV); como também “[...] fixar as bases e
determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer a
formação física, intelectual e moral da infância e da juventude” (Art. 15, IX), e ainda, sobre “[...]
as diretrizes da educação nacional” (Art. 16, XXIV) (Brasil, 1937).
A política do Estado Novo, segundo Ribeiro (1998, p. 129), “[...] dispensava o sistema
representativo, enquadrava os demais poderes no executivo e liquidava com o federalismo, com
os governos estaduais, com a pluralidade sindical etc.” Ou seja, a política educacional inseria-se
na proposta centralizadora do poder então existente.
Em 1946, no momento de redemocratização que correspondeu ao fim do Estado Novo, foi
promulgada a quarta Constituição, na qual se reafirmavam, em muitos pontos, os princípios

115
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

anteriores da ‘democratização’, da descentralização77 e da autonomia dos estados. Deixava-se


nas mãos dos estados e do Distrito Federal a competência para organizar seus respectivos
sistemas de ensino (Art. 6°), enquanto se atribuía à União a tarefa de “[...] legislar sobre as
diretrizes e bases da educação nacional” (Art. 5°, XV), o que “[...] não exclui a legislação
estadual supletiva e complementar” (Brasil, 1946).
A partir desse momento, intensificaram-se os debates para a elaboração das Diretrizes e
Bases da Educação, os quais culminaram, em 1961, com a criação e a organização de um sistema
nacional de educação.
Na primeira fase da discussão, ou seja, até 1958, as principais divergências incidiam
exatamente sobre a questão da centralização e da descentralização da educação. Dentre os que
defendiam a descentralização, estava o então Ministro da Educação e Saúde, Clemente Mariani,
que, em cumprimento à Constituição Federal, constituiu uma comissão de educadores para
elaborar um projeto de reforma da educação nacional. Para esse grupo, a descentralização era
fundamental, pois, como o país era extenso e variado, não cabia a adoção de um modelo único.
Em seus termos, cada unidade federada deveria ter autonomia para organizar seu próprio
sistema escolar e mais flexibilidade para atender às necessidades educacionais específicas da
respectiva região. A explicitação e a defesa desse princípio podem ser encontradas nos trechos
da Exposição de Motivos nº 389/48 e no anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, encaminhados pelo Ministro Mariani para a apreciação do Presidente Dultra (Mariani,
1949). Os que defendiam a centralização consideravam que esse projeto, ao conceder ampla
autonomia aos estados federados para traçar a estrutura e regular o funcionamento das
instituições de ensino, colocaria em risco a unidade do sistema educacional brasileiro, pois
limitaria a ação da União a legislar sobre seus princípios gerais. Representando esse grupo,
encontrava-se ex-ministro e então deputado Gustavo Capanema que, em Parecer emitido em 14
de julho de 1949, foi desfavorável ao Projeto de Lei da LDB, argumentando com sua
inconstitucionalidade e lançando por terra a tese da descentralização. Em 1949, após a
publicação do Parecer de Gustavo Capanema, o referido projeto foi arquivado, assim
permanecendo até 1951.
Em 1957, iniciou-se a segunda fase das discussões sobre o Projeto, identificado pelo nº
2.222/57 na Câmara Federal (Brasil, 1957). O período, que se estendeu até a sua aprovação em
1961, foi marcado por intensos debates sobre a expansão, o financiamento e a organização da
educação nacional. Tais debates, porém, sofreram uma reviravolta: em 15 de janeiro de 1959, o
deputado Carlos Lacerda apresentou à Câmara dos Deputados um substitutivo, deslocando o
polo de discussão da centralização x descentralização para o da ‘liberdade de ensino’, entendida
como a livre iniciativa na área educacional e como o direito da família de optar pelo ensino oficial
gratuito ou privado. A polarização entre a defesa da escola pública e a da escola particular
marcou o debate parlamentar, expressando a correlação de forças representada pelas diferentes
posições partidárias, e envolveu amplamente a sociedade civil (Saviani, 1987).
Essa mudança nos rumos da discussão implicava a necessidade de se discutirem os
destinos da própria escola pública. Foi justamente em oposição ao ‘substitutivo Lacerda’ que
teve início a ‘Campanha em Defesa da Escola Pública’, liderada pelos antigos ‘Pioneiros da
Educação Nova’ e apoiada por intelectuais, estudantes e líderes sindicais. As correntes
progressistas posicionaram-se em favor da escola pública, publicando, em 1º de Julho de 1959, o
Manifesto dos Educadores mais uma vez Convocados. A preocupação era afirmar os deveres do
Estado democrático e a imperiosa necessidade não só de promover a educação, mas também de
77
Ao analisar os desdobramentos da Constituição de 1946, Boaventura (2001, p. 196) considera que essa Lei “[...]
permitiu a descentralização da educação da esfera federal para a estadual, com institucionalização dos sistemas de
educação e recriação dos Conselhos de Educação com funções normativas [...] No âmbito da atuação da Lei
Fundamental de 1946, a autonomia chegou até a soleira do Município [...] deu autonomia pedagógica à esfera
municipal”.
116
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

assegurar o acesso universal, conforme podemos observar claramente em um dos trechos do


documento:

Mas a educação pública por que nos batemos, ontem como hoje, é a
educação fundada em princípios e sob a inspiração de ideais democráticos. A
ideia da educação pública, - conquista irreversível das sociedades modernas;
a de uma educação liberal e democrática, e a educação para o trabalho e o
desenvolvimento econômico e, portanto, para o progresso das ciências e da
técnica que residem à base da civilização industrial, são três teses
fundamentais defendidas por educadores progressistas do mundo inteiro
(Manifesto..., 2006, p.215).

No documento foram manifestadas também a crítica ao centralismo administrativo e a


defesa da descentralização. De acordo com o Manifesto (2006, p. 206-207), “[...] o excesso de
centralização; o desinteresse ou, conforme os casos, a intervenção tantas vezes perturbadora da
política; a falta de espírito público, o diletantismo e a improvisação conjugaram-se nesse
complexo de fatores, para criarem a situação a que resvalou a educação pública no país [...]”.
Embora defendessem a descentralização do ensino, visando maior eficiência educacional nas
diferentes regiões do país, os Pioneiros não desconsideravam a importância da centralização no
tocante às normas e aos princípios gerais da educação e à garantia da unidade nacional.
Reiterando o posicionamento manifestado em 1932, argumentavam: “[...] Por menos que pareça
à primeira vista, não é, pois, na centralização mas na aplicação da doutrina federativa e
descentralizadora que temos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a república, uma obra
metódica e coordenada, de acordo com um plano comum, de grande eficácia, tanto em
intensidade quanto em extensão” (Manifesto..., 2006, p. 208).
Finalmente, a Lei de Diretrizes e Bases nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, centrou-se
na ideia de descentralização e de autonomia da educação. Merece atenção o Art. 107, segundo o
qual cabe ao poder público estimular a colaboração popular em favor das fundações e
instituições, culturais e educativas, e o Art. 115, que atribui à escola a responsabilidade de
estimular a formação de associações de pais e professores (Brasil, 1961).
Todavia, a partir de 1964, esse espírito descentralizador se esmaeceu. No Capítulo II, Art.
8°, da Constituição de 1967 que institucionalizou o golpe militar de 1964, consta que compete à
União: “[...] legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional; normas gerais sobre
desportos” (XVII, q) e “[...] estabelecer planos nacionais de educação e saúde” (XIV). A Emenda
Constitucional nº 1, de 17 de Outubro de 1969 manteve a marca do regime ditatorial e o estilo
centralizador do texto da Constituição de 1967. Em seu Capítulo II, Art. 8º, consta que compete
à União: (XIV) “[...] estabelecer e executar planos nacionais de educação e de saúde, bem como
planos regionais de desenvolvimento”; (XVII) legislar sobre: q) diretrizes e bases da educação
nacional; normas gerais sobre desportos (Brasil, 1969).
Segundo os comentários de Horta (1989, p. 11), “[...] com efeito, a partir de 1964,
entramos numa fase em que, junto com a legislação e de forma mais importante do que ela,
aintervenção do Estado em educação passa a ser feita através de planejamento, concebida em
uma perspectiva tecnocrática e economicista [...]”. Também a esse respeito, Silva (1992, p. 179)
afirma: “[...] nos textos constitucionais de 67 e 69, fortalece-se excessivamente a União, sob a
justificativa de preservar a ordem, a paz, a segurança e o desenvolvimento [...] em prejuízo das
unidades federadas e dos municípios, convertendo as suas autonomias em figura de retórica”.
Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, a
vertente da descentralização reapareceu em relação ao ensino de 1° grau. Embora se mantivesse
a centralização quanto ao poder decisório, promoveu-se a descentralização do sistema de ensino
de 1° grau. No Art. 58, Parágrafo Único (Brasil, 1971), referia-se “[...] à progressiva passagem

117
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

para a responsabilidade municipal dos encargos e serviços da educação”. O espírito


descentralizador fortaleceu-se a partir do final dos anos de 1970 com a discussão sobre a
municipalização do ensino já sugerida na Lei de Diretrizes e Bases 5.692, de 11 de agosto de
1971. A partir de então, misturou-se ao movimento em prol da democracia.
Nos anos de 1980, o país entrou em uma fase de transição política, marcada pela
redemocratização da máquina governamental, por eleições diretas, pelo fim do bipartidarismo,
etc. No âmbito da luta pela redemocratização, observamos certo consenso quanto à negação das
decisões centralizadas e autoritárias. A defesa da descentralização e da autonomia, fortemente
associada à aspiração nacional de maior participação nos processos decisórios, era
compartilhada por amplos setores da sociedade, mas veementemente defendida no campo das
forças progressistas.
No campo educacional, a questão da democratização da gestão e da descentralização
tornou-se bandeira de educadores, pesquisadores e dirigentes educacionais. Com as
Conferências Brasileiras de Educação ocorridas na década de 198078, as reivindicações de
regulamentação da gestão democrática do ensino público ganharam fôlego.
A legislação devia garantir uma estrutura democrática, definindo: as competências e as
atribuições dos órgãos colegiados; a representação da comunidade escolar e educacional em
órgãos colegiados deliberativos, consultivos e fiscalizadores em todos os níveis do sistema
educacional (Conselho Nacional de Educação, Conselhos Estaduais de Educação, Conselhos
Municipais de Educação, Conselhos Escolares) para que houvesse o controle social efetivo das
obrigações referentes à educação pública, gratuita e de boa qualidade; a participação das
entidades representativas da comunidade escolar na definição de objetivos, currículos e
métodos, de acordo com suas necessidades e aspirações; eleição de dirigentes educacionais e
autonomia pedagógica para o desenvolvimento de projetos educativos (Rodrigues, 1986; Mello,
1986; Marés, 1983; Shiroma; Moares; Evangelista, 2004).
Assim, a grande mobilização nacional em defesa da democratização dos processos de
gestão da educação no Brasil nas décadas de 1970 e 1980 correspondia aos movimentos mais
amplos a favor da democratização política e da participação social nos processos decisórios em
oposição ao autoritarismo do regime militar. As lutas travadas ao longo da década de 1980 pelas
forças comprometidas com a democracia influenciaram os debates constituintes e a formulação
da Constituição. Evidentemente, esse movimento implicou uma revisão no papel do Estado e
das instituições educativas. A esse respeito, de acordo com Rodrigues (1986, p. 34-35), o papel
do Estado “[...] não deve ser apenas o de determinar, de cima para baixo, de modo centralizado e
autoritário, a definição do desejo e das necessidades da totalidade da sociedade e, sim, assumir
que o papel do Estado é o de coordenar, o de atender e o de procurar alternativas para a solução
dos problemas básicos da sociedade brasileira”. No entendimento do autor,

[...] para que ocorra a possibilidade de uma sociedade democrática, é preciso


que todo o processo seja revertido de tal forma que as decisões sejam
canalizadas para as organizações sociais, para as associações, sindicatos e
partidos políticos, a fim de que o Estado se torne executor e articulador dos
interesses determinados pelos que detêm a verdadeira soberania [...]
À medida que se deslocam do Estado para a escola as decisões a respeito de
como fazer educação, os órgãos do Estado perdem seu caráter impositivo e
se tornam órgãos que coordenam, organizam e dão suporte às atividades
necessárias. Com isto, o verdadeiro poder de decisão se desloca do nível

78
“Na década de 1980 foram realizadas seis Conferências Brasileiras de Educação (CBE), sendo: I CBE, 1980 – São
Paulo; II CBE, 1982 – Belo Horizonte; III CBE, 1984 – Niterói; IV CBE, 1986 – Goiânia; V CBE, 1988 – Brasília; e
VI CBE, 1991 – São Paulo” (Brasil, 2008h, p. 13).
118
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

burocrático da administração para o nível pedagógico da ação (Rodrigues,


1986, p. 44).

Portanto, os educadores em geral entendiam que a construção de uma nova sociedade


democrática apoiava-se em uma política educacional fundada no princípio de participação social.
O próprio discurso dos governantes revela que, na perspectiva do Estado, a gestão escolar
devia sofrer modificações. Na abertura da sessão legislativa de 1981, a mensagem apresentada ao
Congresso Nacional pelo então Presidente da República João Baptista de Oliveira Figueiredo já
informava sobre a necessidade de “[...] fazer a comunidade participar do processo educacional”
(Brasil, 1987, p. 494-495). No mesmo sentido, na abertura da sessão legislativa de 1986, a
mensagem apresentada ao Congresso Nacional pelo Presidente da República José Sarney
tornava bastante explícita a redução da interferência do Estado. De acordo com suas afirmações:

À medida que se racionalizam normas e diretrizes para a administração de


programas educacionais, as unidades da Federação e os municípios
assumiram maior poder de decisão em todo o processo de ensino. Foi-lhes
dispensado tratamento diferenciado, com oportunidade de autodeterminação
quanto às decisões políticas e estratégias sobre o desenvolvimento de seus
sistemas de ensino (Brasil, 1987, p. 528).

No entanto, em meados da década de 1980, os educadores começaram a ver a


descentralização com cautela, conscientizando-se de que a descentralização e a autonomia só
contribuiriam para tornar a escola mais democrática se houvesse repasse de recursos para a
“[...] máquina da administração direta do ensino” (Warde, 1985, p. 60). Portanto, defendia-se a
autonomia e a participação, mas não se dispensava o financiamento do governo central.
Na Constituição Federal de 1988, a tendência descentralizadora e participativa aparece
nos seguintes termos. Conforme o Art. 22, “[...] compete privativamente à União legislar sobre
as diretrizes e bases da educação nacional, podendo em Lei Complementar autorizar os Estados
a legislar sobre questões específicas”. O Artigo 206, Parágrafo VI, determina que o ensino
público seja ministrado com base no princípio da gestão democrática, dentre outros. O Art. 211
redefine a responsabilidade dos estados e municípios. Em comparação a legislações anteriores,
os estados passam a ter maior autonomia para organizar seus respectivos sistemas de ensino. No
mesmo artigo, atribui-se maior autonomia aos municípios: “A União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios organizarão um regime de colaboração de seus sistemas de ensino”.
Nos dois parágrafos que o compõem, estão definidas as competências: conforme o parágrafo
primeiro, a “União organizará e financiará o sistema federal de ensino e dos Territórios, e
prestará assistência técnica e financeira aos Estados e Municípios para o desenvolvimento de
seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória [...]”; conforme o
parágrafo segundo, os “Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na
educação infantil” (Brasil, 1988a).
Durante esse período, disseminou-se entre os educadores o temor de que a
descentralização para o nível local e a transferência da responsabilidade sobre as escolas
públicas para as municipalidades pudessem abrir caminho para a privatização, o que ficou
bastante explícito no debate aberto pela Revista ANDE, 1988, n° 13, ao analisar a
“Municipalização do ensino de 1° Grau”, Mello (1988, p. 18) afirma que as propostas de
descentralização e de municipalização do ensino fundamental no Brasil, a exemplo do que
ocorreu no Chile, pareciam delinear uma etapa de significativo avanço de mecanismos de
privatização no ensino fundamental, uma vez que se propunha a adoção de medidas de repasse
de recursos com base em projetos e programas definidos por meio de convênios, em uma ação
direta entre MEC e municípios.

119
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Finalizando esta primeira parte do capítulo, podemos afirmar que os debates e os


encaminhamentos políticos sobre autonomia ocorridos a partir do século XIX no Brasil
assumiram os contornos e as configurações que o contexto social e econômico, seus
protagonistas e o regime político lhes imprimiram. Tais embates não se circunscrevem à “[...]
agenda educacional, mas têm nela explicitação concreta, revelando, desse modo, o papel da
educação como constituinte e constitutiva das relações sociais” (Dourado; Bueno, 1999, p. 80).

A reforma educacional: ‘novas’ concepções de gestão da educação

Na história da educação brasileira do século XX, observa-se uma tradição centralizadora


na gestão e na definição das políticas educacionais brasileiras (expressa na legislação, na
definição dos programas nacionais, bem como nos mecanismos que disciplinam os
financiamentos). Embora as forças de oposição sempre se fizessem presentes, a primazia era do
Poder Executivo/MEC.
Contudo, especialmente após a Constituição Federal de 1988, a tendência à
descentralização administrativa para a esfera municipal e à autonomia da gestão escolar em
todos os âmbitos (administrativo, financeiro, pedagógico) e níveis de educação (educação básica
e ensino superior) vem se consagrando cada vez mais nas diretrizes e discursos políticos.
Os documentos de política educacional aprovados a partir de meados de 1990 reforçam
essa tendência descentralizadora e de gestão autônoma, democrática ou compartilhada. É o que
observamos nos seguintes documentos: LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro 1996 (Brasil,
2019a) Plano Decenal de Educação (Brasil, 1993b); Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001
(Brasil, 2001b); Programa Dinheiro Direto na Escola (Brasil, 1995f); Projeto Acorda, Brasil,
está na hora da escola! (Brasil, 1995g); Emenda Constitucional n° 14, de 12 de setembro de 1996
(Brasil, 1996b), nº Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996 (Brasil,1996a); Portaria Ministerial nº
2.896, de 17 de setembro de 2004 (Brasil, 2004b); Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007 (Brasil,
2007a); Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (Brasil, 2014a); Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) (Brasil, 2017l). Essa tendência supõe a abertura de novas arenas públicas de
execução, deliberação e mesmo de decisão de políticas. Dentre outras medidas, encontram-se: a
municipalização, o regime de colaboração recíproca entre os entes federados e as propostas de
‘parcerias’ entre escola, Estado, sociedade civil e empresas privadas visando a ampliação da
presença da comunidade na vida da escola por meio da participação em órgãos colegiados e da
atuação em projetos educativos, conforme analisaremos a seguir.

As razões para a reforma educativa brasileira

A crise dos anos de 1970-1980 representa não apenas a falência de um modelo de


crescimento industrial fundado na produção de massa, mas, sobretudo, o prenúncio de um novo
paradigma tecnológico organizacional e de gestão do trabalho.
A partir dos anos de 1990, em vez do trabalhador parcial, excessivamente especializado,
com conhecimentos fragmentados e dirigidos para ocupações bem definidas, as tendências de
globalização, inovação e competitividade entre as empresas exigem um novo perfil, cujas
capacidades e “habilidades práticas, cognitivas e socioemocionais” (Brasil, 2018e, p. 8) lhe
possibilitem adaptar-se aos novos padrões de consumo e à produção flexível (Carvalho; Santos,
2016), bem como à participação cidadã autônoma e responsável.
Dentre essas novas competências estão: capacidade de abstração, de seleção,
interpretação e processamento de informações; autonomia intelectual, moral e ética; atenção e
responsabilidade; capacidade de se comunicar e gerenciar conflitos; capacidade de identificar e
resolver com agilidade problemas decorrentes da própria variabilidade e dos imprevistos
produtivos; criatividade; inteligência emocional; capacidade de adquirir visão de conjunto do
120
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

processo produtivo; capacidade de assumir múltiplos papéis; flexibilidade para se adaptar às


novas situações; capacidade de gerar resultados; busca de aperfeiçoamento contínuo;
autodisciplina; aptidão para o trabalho em equipe; capacidade de iniciativa, gosto pelo risco,
capacidade de liderança e de gerenciamento.
Tais competências e habilidades passam a ser consideradas pelos homens de negócios
como mais importantes para os setores produtivos do que o simples adestramento
taylorista/fordista para os postos de trabalho. Elas correspondem às necessidades de uma
sociedade de base cada vez mais automatizada, competitiva, flexibilizada, cujo tempo de
produção e de consumo é cada vez mais acelerado e a mão de obra, tornando-se desqualificada e
obsoleta rapidamente, tem cada vez mais urgência de requalificação. Para Nordström e
Ridderstrâle (2001, p. 33): “Todas as empresas modernas competem em conhecimento, mas
este é perecível [...] ele tem prazo de validade [...]. A inovação contínua, tanto revolucionária,
quanto evolucionária, é uma necessidade [...] Ou somos rápidos ou fracassamos [...]”.
Segundo Sennett (2000, p. 9), nos setores dinâmicos da economia, a ênfase na
flexibilidade está mudando o próprio significado do trabalho: “[...] atacam-se as formas rígidas
de burocracia, e também os males da rotina cega. Pede-se aos trabalhadores que sejam ágeis,
estejam abertos a mudanças a curto prazo, assumam riscos continuamente, dependam cada vez
menos de leis e procedimentos formais”.
A criação de empregos menos rotineiros, a nova forma de organização, a combinação de
tarefas antes separadas, a rotação de tarefas, além de reduzirem a rigidez dos processos
produtivos, também exigem multifuncionalidade e flexibilidade dos trabalhadores para assumir
tarefas variadas, bem como capacidade de empreender individual e socialmente. Nesse contexto,
os conceitos de polivalência, policognição, multihabilitação, formação abstrata, especialização
flexível, relacionados às mudanças no setor produtivo, emergem no discurso empresarial,
acompanhados pela revalorização da educação básica e da formação humana voltados para a
formação do ‘novo’ perfil profissional, exigidos pelo ‘novo’ paradigma da produção capitalista
(Frigotto, 1999)
Autores como Frigotto (1984) e Bruno (1997)afirmam que houve um deslocamento do
foco de exploração do componente muscular para o componente intelectual do trabalho. Para
Drucker, a “Administração Científica já não consegue mais aumentar a produtividade; portanto,
para atender às exigências da sociedade capitalista é preciso encontrar novos fatores de
produtividade para otimizar o desempenho econômico das empresas”. O trabalho intelectual
deve, então, ser convertido em recurso produtivo. Por isso, segundo ele, “[...] uma das funções
primordiais da administração nos países adiantados, nas próximas décadas, será o de tornar
produtivo o conhecimento” (Drucker, 1975, p. 35). Nesse sentido, “[...] o aumento da
produtividade não se limita apenas ao nível da maior exploração do trabalhador manual, mas
implica a subordinação progressiva do trabalho intelectual, de modo geral, ao movimento de
expansão do capital” (Félix, 1984, p. 37).
Em um mundo cada vez mais competitivo, incerto e efêmero, de produção de novos
conhecimentos e inovações tecnológicas aceleradas, as informações precisam ser atualizadas
constantemente, tornam-se mercadorias cada vez mais valorizadas, pois apresentam a
possibilidade de importantes vantagens competitivas (Lima, 2007; 2012). Por isso, o “[...] atual
projeto neoliberal de sociabilidade destaca a relação entre autonomia do sujeito e sua capacidade
para se adaptar e ser um agente de mudança em um mundo de mudanças (capacidade de
responder flexivelmente a problemas que não têm um conjunto de limites claros e repostas
únicas)” (Carvalho, 2016a, p. 91).
As mudanças na sociedade parecem estar criando uma nova civilização, baseada na alta
tecnologia e na informação. Por isso, para muitos autores, estamos vivendo na suposta ‘era do

121
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

conhecimento’, na ‘sociedade do conhecimento’ ou ‘sociedade da informação’79, na qual a


educação é uma questão crucial tanto para trabalhadores, quanto para empresários e nações. O
conhecimento científico e tecnológico adquire um papel mais destacado, surgindo como um
novo instrumento de competição entre países, corporações e indivíduos (Drucker, 1993; Laval,
2004; 2016) e de desenvolvimento econômico. Daí a notável valorização retórica da educação,
especialmente da educação básica, nas últimas décadas. Um depoimento do então vice-
presidente Marco Maciel, publicado na Folha de S. Paulo em 26 de novembro de 1995, é um
bom exemplo dessa preocupação.

[…] A globalização da economia, os processos de integração econômica, os


avanços tecnológicos no setor produtivo e a circunstância de que o comércio
mundial cresce a taxas mais elevadas do que a produção criam, contudo,
desafios que não são apenas conjunturais e que não afetam somente o Brasil,
mas tanto as economias desenvolvidas quanto os países em desenvolvimento.
Esses são na verdade os desafios do futuro. A pauta econômica do mundo se
centra hoje no binômio emprego e competitividade. Quanto mais integrados
os mercados, quanto mais globalizada a economia, maiores são os desafios da
competição.
O país, é claro, não está imune a esses problemas, mas no nosso caso,
porém, o desafio é maior porque a equação é ainda mais complexa. O nosso
binômio na verdade é um trinômio, pois antes o que era uma vantagem
comparativa - a mão-de-obra barata, com menos níveis de remuneração -
transformou-se numa desvantagem comparativa, que hoje constitui a
terceira variável ou a terceira incógnita: a educação. Esse é o nosso
verdadeiro desafio e o mais desafiador dos problemas estruturais com que
nos defrontamos e que teremos de vencer [...] A educação não é apenas o
primeiro passo, é o passo essencial. É, sobretudo, o pressuposto
indispensável para o exercício da cidadania. O Brasil que consolidou a
democracia, recuperou a estabilidade econômica, está preparado, com
legitimidade democrática e a credibilidade social, para responder a esse
desafio. Sem isso os países podem viver, mas não prosperam; podem
subsistir, mas não progridem; podem sobreviver, mas não lideram
(MACIEL, 1995, p. 1-3).

Do mesmo modo que a reforma do Estado, a reforma educativa também tem necessidade
de amplo apoio, aceitação e adesão. Os discursos podem fazer parte das estratégias utilizadas, na
expectativa de que confiram credibilidade e legitimidade e, ao mesmo tempo, assegurem a
realização da proposta. Nesse sentido, os documentos nacionais e internacionais de política
educacional não apenas prescreviam as orientações a ser adotadas, mas também produziam o
discurso ‘justificador’ das reformas, buscando erigir consensos em torno dela (Shiroma;

79
Porém, o processo que requer novas qualificações e conhecimentos ampliados contém contradições que parecem
inconciliáveis, a exemplo da crescente desqualificação da força de trabalho. Ao enfatizar a valorização do
conhecimento, este tipo de visão ignora o movimento de acumulação e de centralização do capital, decorrente da
própria forma de organização e das relações capitalistas de produção. Com isso, não percebemos a contradição que
envolve a questão, ou seja, à medida que o capital avança, o trabalho humano tende a ser objetivado na máquina,
dispensando mão-de-obra, cindindo, simplificando e desqualificando a maior parte das ocupações. De acordo com
Braverman (1987, p. 373, grifo do autor), “[...] a demanda de trabalho mais instruído não pode, portanto, ser
explicada pelas mudanças tecnológicas e correlatas necessárias à maioria das funções [...]”. Quanto “[...]
mais a ciência é incorporada no processo de trabalho, tanto menos o trabalhador compreende o processo; quanto
mais um complicado produto intelectual se torna a máquina, tanto menos controle e compreensão da máquina tem
o trabalho” (Braverman, 1987, p. 360). Este aspecto encobre a contradição do capital, revelando o caráter ideológico
de valorização do conhecimento na sociedade atual: o avanço tecnológico conduz à redução dos postos de trabalho e
à objetivação do conhecimento na máquina.
122
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Campos; Garcia, 2005) e promovendo gradativamente um ‘consentimento ativo’ na sociedade


(Shiroma; Santos, 2014).
Assim, os novos ordenamentos econômicos, que transformam o conhecimento científico
e tecnológico em um novo paradigma, e os políticos, que marcam o recuo na atuação estatal e a
busca da construção do ‘novo Estado democrático’, impõem a necessidade de formar novos
valores e comportamentos sociais. Ou seja, impõem a necessidade tanto de formar os novos
comportamentos e habilidades requeridos pela sociedade contemporânea no sentido da inserção
competitiva dos países e empresas no mercado internacional globalizado quanto de formar “[...]
uma geração nova de adultos com capacidade empreendedora e inovadora com vistas à criação
de novas atividades e à promoção do autoemprego e, ao mesmo tempo, com consciência e
iniciativa para assumir uma participação ativa e responsável em atividades sociais até então
restritas à aparelhagem estatal e para cooperar com a paz e a coesão social”. Isso favoreceria a
produção e a reprodução pacífica das relações sociais da economia capitalista (Carvalho, 2016a,
p. 90). Na interpretação de Robertson e Dale (2001, p. 117-118), “[...] o discurso e a prática da
competitividade e da implementação da lógica de mercado orientam a agenda política do Estado
e, simultaneamente, são usados para legitimar essa mesma agenda, tanto no nível interno como
no externo”.
Nesse contexto, proliferam discursos a respeito da importância dos conhecimentos e da
necessidade de promover reformas no sistema educativo. No entanto, embora o capital demande
uma maior apropriação de conhecimentos, o nível de escolaridade no Brasil é considerado
precário em face dos indicadores de analfabetismo e de subescolarização, principalmente
quando comparados aos índices internacionais. Diante do fracasso escolar, medido pelos altos
índices de evasão, de repetência, de analfabetismo e de aprendizagem incompleta, desencadeou-
se nos últimos anos uma ampla discussão sobre a suposta melhoria da qualidade dos serviços
educacionais. Ignorando as questões econômicas e sociais, os encaminhamentos para a
consecução dessa finalidade ancoram-se nas crescentes críticas às medidas de centralização
administrativa e no fortalecimento das propostas de descentralização e de ampliação da
participação social, o que expressa uma tendência local e também mundial de redefinição da
política educacional e de reordenamento da gestão educacional (Carvalho, 2014b).

A influência das agências internacionais na reforma educativa

Até muito recentemente, as políticas educacionais expressavam uma ampla autonomia do


Estado, ainda que essa autonomia fosse sujeita às relações contraditórias entre as classes e a
demandas igualmente contraditórias no âmbito do Estado. Atualmente vivenciamos uma
crescente diminuição dessa autonomia “[...] tendo em conta os novos condicionantes inerentes
ao contexto e aos processos de globalização e transnacionalização do capitalismo” (Afonso, 2001,
p. 16). As agendas nacionais são crescentemente elaboradas com base em agendas estabelecidas
pela economia política global e não em problemas localmente percebidos (Dale, 2004). Portanto,
na análise da política educacional, já não podemos ter como referência apenas o espaço nacional.
Ao analisar as reformas educacionais implementadas no Brasil a partir dos anos de 1990,
não podemos desconsiderar a influência das organizações internacionais Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO), Banco Mundial, Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), dentre outras, na formulação e na legitimação das propostas. Devemos observar
particularmente os documentos produzidos (relatórios, boletins, recomendações, acordos,
tratados, etc.), as Conferências organizadas mundialmente e o ‘auxílio’ técnico e financeiro que,
ao mesmo tempo, dinamizam a difusão dos modelos, dos padrões de organização, das normas e

123
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

das opções de reforma e transformam, uniformizam e homogeneízam as linhas de ação da


política educativa em nível mundial (Evangelista, 2013; Carvalho; Faustino, 2016).
A tendência cada vez maior de convergência no nível macro da retórica e das reformas
políticas deve-se em grande parte aos efeitos dos processos de integração supranacional das
economias e das políticas, designados por globalização ou mundialização. Observa-se, assim,
que a constituição de uma ‘agenda globalmente estruturada’ (Dale, 2004) para as reformas nos
sistemas de educação dos diferentes países subordina as instituições educacionais aos
propósitos da economia global.
No entanto, cabe destacar que as orientações não são impostas aos governos nacionais e
que os países não são submissos. O que ocorre são articulações políticas e econômicas
envolvendo “[...] processos de negociação política bastante complexos [...]” e “[...]intensa
participação de atores nacionais” (Rosemberg, 2000, p. 65).
Descrevendo o processo de constituição e de divulgação da agenda política de
organizações intergovernamentais (ou multilaterais), Rosemberg (2000, p. 82) considera que os
“[...] representantes dos governos nacionais, ao tomar assento nas assembléias dos órgãos
deliberativos das OMs [Organizações Multilaterais], participam e estão expostos à agenda em
construção”. Com base nessa análise, podemos afirmar que as orientações não são impostas aos
governos nacionais, pelo contrário, têm sua anuência. A autora destaca, ainda, a participação de
funcionários das administrações nacionais na implantação da agenda dessas organizações, ou
seja, dos interesses em disputa e da correlação de forças políticas, podendo “[...] mesmo ser
desejada pelos agentes internos” (Rosemberg, 2000, p. 81-82).
Diferentes autores, (Dale, 2004; 2010; Shiroma; Moraes; Evangelista, 2004; Melo, 2005)
reconhecem a atuação ‘das forças supranacionais’, bem como o fato de os “[...] objetivos
políticos, assim como os processos de tomada de decisão, poderem se afectados através de
influência externa sobre as políticas educativas nacionais” (Dale, 2004, p. 436).
Alguns autores, como Neves (2005), demonstram que a formação de consensos tem sido
pré-requisito para as reformas. As Reuniões de Cúpula e as Conferências internacionais80 são
reconhecidas como espaços estratégicos de intercâmbio de experiências e de estabelecimento
de alianças, negociações e grandes consensos em torno das tendências das linhas políticas
educacionais. Ao participar dessas Conferências, os Estados-membros assumem compromissos
e aprovam recomendações, propostas e sugestões. Nelas são aprovadas também “[...] linhas para
a cooperação internacional, que em geral costuma ser mais importante do que o mero
cumprimento protocolar das recomendações, pois esta cooperação internacional visa colocar em
prática efetivamente os processos de reforma educativa” (Silveira, 1999, p. 443).
Silveira (1999) alerta para o fato de que, embora tais Conferências representem um
fórum de geração de consenso, resultam de um processo que as antecede, ou seja, o consenso
vai sendo construído desde a preparação delas. Nesse sentido, no momento preparatório, as
reuniões regionais de consulta e negociação, constituem espaço fundamental para gerar amplos
consensos, assegurar acordos, amenizar conflitos, diferenças de opiniões e resistências,
especialmente se envolver a participação da sociedade civil. Assim, segundo a autora, “[...] em
geral, quando os documentos chegam à Conferência já estão praticamente negociados quanto à

80
Para Silveira (1999, p. 441, grifo do autor), “Uma conferência ou reunião internacional patrocinada por um
organismo internacional constitui um espaço de articulação e de relações de poder entre Estados sobre as
orientações de políticas de dimensões contraditórias Por um lado, este espaço determina que se estabeleçam
grandes consensos em torno das tendências das linhas de políticas públicas. Não obstante, por outro lado, ocorrem
nele algumas práticas que são cumpridas rotineira e protocolarmente, estabelecendo assim uma relação formal e
peculiar entre as recomendações aprovadas pelos atores na conferência e pelo processo de decisão de uma política
pública em cada contexto nacional”. As grandes conferências realizadas na década de 1990 serviram para renovar
os pactos anteriormente firmados, reafirmando compromissos e estratégias políticas de ação para o cumprimento
dos mesmos, além de realçar o papel da cooperação internacional via organismos internacionais.
124
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

sua concordância, e as divergências ocorrem somente em torno de temas como financiamento


da educação e sua organização” (Silveira, 1999, p. 444-445).
É conveniente lembrar que só na década de 1990 foram promovidas doze grandes
Conferências pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelas agências especializadas que a
integram. Abrangendo questões sociais, buscava-se “[...] construir uma base conceitual para a
cooperação para o desenvolvimento [...]”, dando-se ênfase à dimensão humana e social
(Nogueira, 2001, p. 460) e orientando-se os “[...] projetos políticos na área educacional, tendo
como foco específico o ensino fundamental” (Nogueira, 2001, p. 459).
A internacionalização dos fóruns de consulta e decisão política, acompanhada pela
influência crescente das agências internacionais, tem introduzido em diferentes países novas
formas de regulação dos poderes públicos no sistema educacional, tendo em vista a redefinição
do papel do ‘Estado educador’ e a emergência de uma ‘regulação pelo mercado’ (Barroso, 2003).
Contudo, observa-se um “[...] reconhecimento de que os quadros interpretativos nacionais são
moldados quer supranacionalmente, quer nacionalmente” (Dale, 2004, p. 436). Segundo
Barroso (2001a, p. 249), “[...] Apesar de existir um certo referencial comum no que respeita à
adopção de determinadas orientações gerais (como sejam a descentralização, o reforço da
autonomia das escolas, a participação local) e a adopção de medidas de caráter gestionário
inspiradas na moderna gestão empresarial (ligadas à promoção da qualidade, da eficácia e da
eficiência) [...]”, isto não significa que as recomendações presentes nos documentos não são
transpostas diretamente, ou de forma automática e linear para os países, pelo contrário, estão
sujeitas a confrontos políticos, a resistências e a interpretações diferenciadas.
Há, portanto, dimensões contraditórias nesse processo, as quais devem ser consideradas
tanto na construção da agenda de orientação política, quanto em sua difusão e implantação em
âmbito nacional (Silveira, 1999; Rosemberg, 2000; Afonso, 2001; Dale, 2004). Assim, embora os
documentos orientadores e justificadores de reformas sejam preparados em outros contextos,
faz-se necessário erigir consensos locais para implementá-los. Segundo Shiroma, Campos e
Garcia (2005, p. 433), “[...] os textos de políticas não são simplesmente recebidos e
implementados, mas, ao contrário, dentro da arena da prática, estão sujeitos à interpretação e à
recriação [...]”, em consonância “[...] com as vicissitudes e os jogos políticos que configuram o
campo da educação em cada país, região, localidade” (Shiroma; Campos; Garcia, 2005, p. 430).
Portanto, a implantação de determinada política está longe de ser atribuída
exclusivamente à imposição das organizações internacionais. Em suma, a construção da agenda
de orientação política e sua implementação está sujeita a múltiplas determinações. Com esse
entendimento, destacaremos a seguiras orientações internacionais para a gestão da educação.

O que os documentos internacionais apontam sobre a democratização da gestão

As Declarações originadas da Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtien,


1990), da Conferência de Cúpula de Nova Délhi (Índia, 1993) e da Cúpula Mundial de Educação
para Todos (Dacar, 2000), bem como alguns dos documentos produzidos, como Prioridades e
Estratégias para a Educação (Banco Mundial, 1995); Educação: um tesouro a descobrir –
Relatório Delors (Unesco, 2001a); Declaração do Milênio (ONU, 2000), Aprendizagem para
Todos: Investir nos Conhecimentos e Competências das Pessoas para Promover o
Desenvolvimento – Estratégia 2020 para a Educação do Grupo Banco Mundial (Banco Mundial,
2011); Estratégia a Médio Prazo da UNESCO para 2014-2021 (Unesco, 2014), Agenda 2030 para
o Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015), são referências importantes para as reformas
educacionais nos diferentes países.
Nas linhas gerais dos documentos, considera-se que a educação tem um papel decisivo
no crescimento econômico, no desenvolvimento sustentável e na redução da pobreza, bem como
na promoção da equidade, da tolerância, do respeito à diversidade e da paz social. As
125
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

recomendações aos países são: ampliar o acesso à educação, acrescentar equidade e melhorar a
qualidade; fazer chegar os benefícios da educação aos que dela carecem, incluindo os adultos
que não tiveram oportunidade de acesso à escola; prestar mais atenção à equidade de
atendimento às meninas, aos pobres, às minorias linguísticas e étnicas e a outros grupos
desfavorecidos; promover a reforma financeira e administrativa dos sistemas de educação,
redefinindo a função do governo, buscando novas fontes de recursos, redistribuindo fundos de
outras esferas públicas e recorrendo ao financiamento privado; tomar decisões descentralizadas;
encorajar iniciativas locais para encontrar soluções para os próprios problemas; aperfeiçoar as
competências de gestão e conhecimentos técnicos dos gestores locais, sobretudo em matéria de
controle financeiro; adotar estratégias flexíveis de aquisição e utilização de insumos
educacionais; prestar maior atenção aos resultados de aprendizagem; determinar as prioridades
educacionais com base em análises econômicas, estabelecendo normas e medindo o rendimento
escolar com base em exames de avaliação de aprendizagem; promover uma participação maior
do grupo familiar, seja na direção da escola, de forma a facilitar seu desempenho como
instituição, seja na faculdade de escolher entre distintas escolas e instituições; dar maior
autonomia às instituições para utilizar os insumos educacionais em conformidade com as
condições da escola e da comunidade local e, ao mesmo tempo, para se tornar responsáveis
pelos resultados; observar o desempenho e vinculá-lo a incentivos, etc., tornando a política
educacional compatível com os novos ordenamentos do capital e com as medidas de redefinição
do papel do Estado, sobretudo na área social.
No campo da gestão da educação, destacam-se as seguintes orientações: a
descentralização administrativa e pedagógica; o fortalecimento das capacidades de gestão; a
autonomia escolar e a participação local; a melhoria dos sistemas de informação e de gestão; a
avaliação/aferição de resultados, a prestação de contas à sociedade e a participação dos pais,
governos e comunidades locais na gestão da escola.
Tais orientações tiveram forte influência na política educacional e na reforma do sistema
educacional brasileiro a partir dos anos de 1990, conforme abordaremos a seguir.

A democratização da gestão nos documentos da política educacional brasileira

Nos documentos de políticas educacionais, estão definidos os objetivos, as prioridades e


as condições necessárias para a realização dos princípios da educação nacional e da melhoria da
qualidade dos serviços educacionais. A democratização da gestão do ensino público é
apresentada como um requisito.
Analisando os principais documentos no campo da educação básica, podemos verificar
que sua concepção obedece aos moldes das organizações internacionais. Neles, a
democratização da gestão está associada, ao mesmo tempo, ao sistema educativo e à escola. Na
gestão escolar, destacam-se os seguintes aspectos: eleição de diretores (em alguns estados);
criação de órgãos colegiados (APMs, conselhos escolares e grêmios estudantis), com funções
deliberativas, consultivas e fiscalizadoras; repasse de recursos financeiros diretamente às
escolas; elaboração e execução do projeto pedagógico da escola. Na gestão dos sistemas
educativos, destacam-se: a descentralização e a autonomia. Isso implica novos processos e
instrumentos de participação, parceria e controle social, os quais introduzem um novo
relacionamento entre governo e sociedade civil, articulando as esferas públicas e privadas e
redimensionando a atuação do Estado na oferta da educação, conforme podemos identificar nos
principais documentos da política educacional brasileira.
O Plano Decenal de Educação (1993-2003) foi o ponto de partida para as reformas
educacionais brasileiras dos anos de 1990. Esse plano é definido como:

126
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

[...] um conjunto de diretrizes de política em processo contínuo de


atualização e negociação, cujo horizonte deverá coincidir com a reconstrução
do sistema nacional de educação básica [...] essas diretrizes de política
servirão de referência e fundamentarão os processos de detalhamento e
operacionalização dos correspondentes planos estaduais e municipais. As
metas globais que ele apresenta serão detalhadas pelos Estados,pelos
Municípios e pelas escolas,elegendo-se, em cada instância, as estratégias
específicas mais adequadas a cada contexto e à consecução dos objetivos
globais do Plano (Brasil, 1993b, p. 15).

Dentre as diretrizes para a melhoria da educação básica, particularmente do ensino


fundamental, constam, entre outros, a autonomia administrativa, financeira e pedagógica nas
escolas públicas, especialmente para a elaboração e a execução do projeto político-pedagógico; a
gestão democrática, que, por meio de APMs e conselhos escolares, resulta na maior participação
dos pais e da comunidade nos assuntos escolares e envolve “[...] novos processos e instrumentos
de participação, parceria e controle” (Brasil, 1993b, p. 21); os acordos e parcerias entre o
Ministério, secretarias estaduais e municipais e outras organizações governamentais e não-
governamentais; a reestruturação do quadro de distribuição dos recursos fiscais e dos encargos;
a criação de fundos e mecanismos não convencionais de financiamento; a intensificação dos
acordos de cooperação com os organismos internacionais (Brasil, 1993b).
Esse Plano correspondeu ao início do processo de alterações das relações entre Estado e
sociedade civil, contendo uma redefinição de responsabilidades, a introdução, ainda incipiente,
do modelo gerencial na administração da educação e a adoção de critérios e mecanismos de
mercado para o sistema educacional. No documento é convocado o apoio de todos os setores de
nossas sociedades e das instituições financeiras internacionais para que a meta de educação para
todos seja alcançada “[...] até o ano 2000 ou o mais breve possível” (Unesco, 1993, p. 2). Assim,
“ao lado do Estado outras organizações são chamadas para realizar essa tarefa” (Shiroma;
Moraes; Evangelista, 2004, p. 61): a educação para todos é também um compromisso de todos.
Segundo Shiroma, Moraes e Evangelista (2004, p. 62), “Com esse plano, o Brasil traçava as
metas locais a partir de um acordo firmado em Jomtien e acenava aos organismos multilaterais
que o projeto educacional por eles prescrito seria aqui implantado”81.
Dando continuidade às reformas, em cumprimento aos compromissos firmados
internacionalmente, o princípio da gestão democrática nas instituições educativas e nos
sistemas de ensino público, conforme preconiza o Art. 206 da Constituição Federal de 1988
(Brasil, 1988a), é referendado na principal medida da política educacional brasileira – a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil,
2019a), nos Artigos. 9º, 10 e 11. Ao definir a incumbência de cada ente federado na oferta da
educação, a lei assegura aos estados e municípios autonomia para organizar, manter e
desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, elaborar e executar
políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes e planos nacionais e estaduais
da educação, baixar normas complementares para o seu sistema de ensino e definir formas de
colaboração na oferta do ensino fundamental (Brasil, 2017a, Art. 10 e 11).

81
O Plano Decenal de Educação para Todos foi apresentado pelo governo brasileiro em Nova Delhi em um encontro
promovido pela Unicef e pelo Banco Mundial, reunindo nove países em desenvolvimento de maior população do
mundo - Indonésia, China, Bangladesh, Brasil, Egito, México, Nigéria, Paquistão e Índia. No encontro, ocorrido
em 6 de dezembro de 1993, foi reiterado, por meio de uma Declaração, “[...] o compromisso de buscar com zelo e
determinação as metas definidas pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos e pela Cúpula Mundial da
Criança, realizadas em 1990, de atender às necessidades básicas de aprendizagem de todos os nossos povos
tornando universal a educação básica e ampliando as oportunidades de aprendizagem para crianças, jovens e
adultos”. Estabelecendo posições consensuais de que os esforços dos nove países seriam cruciais “[...] à obtenção
da meta global de educação para todos” (Unesco, 1993, p. 2).
127
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

No âmbito da escola, o princípio da gestão democrática abrange a autonomia para


elaborar e executar seu projeto-pedagógico, administrar seu pessoal e seus recursos materiais e
financeiros, transferir a autoridade e a responsabilidade pela gestão da escola ao público
diretamente envolvido, por intermédio de conselhos escolares, APMs e equivalentes, o que
significa maior participação da comunidade interna e externa na escola (Brasil, 2017a, Arts.12,
13 e 14).
O Plano Nacional de Educação (PNE), conforme Saviani (2004, p. 3), é, sem dúvida,
“[...] a principal medida de política educacional decorrente da LDB”. Para o autor, a
importância do Plano “[...] deriva de seu caráter global, abrangente de todos os aspectos
concernentes à organização da educação nacional, e de seu caráter operacional, já que implica a
definição de ações”.
O PNE tem por objetivo assegurar a continuidade das políticas educacionais e articular as
ações da União, estados e municípios. Procura traduzir em termos de diretrizes, metas e
estratégias de ação os princípios norteadores da educação nacional, em cumprimento ao que
determina o Art. 214 da Constituição Federal82 e os Artigos 9º, inciso I, e 87, § 1º da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O artigo 87 da LDB não apenas preconiza o Plano
Nacional de Educação, como também fixa o prazo de um ano, a partir de 20 de dezembro de
1996, para seu encaminhamento ao Congresso Nacional, com diretrizes e metas para os dez
anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Em
cumprimento a essa determinação legal, o PNE foi instituído pela Lei nº 10.172, de 9 de janeiro
de 2001 (Brasil, 2001b), vigorando de 2001 a 2010.
A aprovação do Plano Nacional de Educação brasileiro, a partir do qual foram elaborados
os planos decenais estaduais e municipais de educação para todos, coincide com o Fórum
Mundial de Educação em Dakar (2000), no qual os participantes assumiram o compromisso de
assegurar que os objetivos e as metas da educação para todos fossem alcançados e mantidos no
âmbito de cada país. No Marco de ação de Dakar, educação para todos: cumprindo nossos
compromissos coletivos estão contidos os objetivos a ser alcançados até 2015, conforme a
seguinte orientação: com base “[...] na evidência acumulada durante as avaliações de EPT
nacionais e regionais em estratégias setoriais já existentes, todos os Estados deverão desenvolver
ou fortalecer planos nacionais de ação até, no máximo, 2002”. Além disso, afirma-se que “[...] os
planos darão forma e conteúdo aos objetivos e estratégias estabelecidos nesse documento e aos
compromissos estabelecidos durante as sucessivas conferências internacionais dos anos 90”
(Unesco, 2001b, p. 9).
Um aspecto que merece destaque no documento é que, para atingir os objetivos
propostos, os “[...] Recursos financeiros novos, de preferência sob forma de subsídios e doações,
devem, portanto, ser mobilizados pelas agências bilaterais e multilaterais, entre elas o Banco
Mundial e bancos regionais de desenvolvimento, assim como o setor privado [...]” (Unesco,
2001b, p. 10). Dentre as estratégias destaca-se o “[...] envolvimento e a participação da
sociedade civil na formulação, implementação e monitoramento das estratégias para o
desenvolvimento educacional”, bem como as “parcerias entre escola e comunidades” (Unesco,
2001b, p. 22).

82
Esse artigo foi alterado pela a Emenda Constitucional (EC) nº 59, de 11 de novembro de 2009 (Brasil, 2009a), que
“[...] melhor qualificou o papel do PNE, ao estabelecer sua duração como decenal – no texto anterior, o plano era
plurianual – e aperfeiçoar seu objetivo: articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e
definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento
do ensino, em seus diversos níveis, etapas e modalidades, por meio de ações integradas das diferentes esferas
federativas” (Sena, 2017, p. 9).
128
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

O PNE para o período seguinte (2014-2024) foi sancionado pela Lei nº 13.005, de 25 de
junho de 201483 (Brasil, 2014a). O novo texto apresenta dez diretrizes e vinte metas, seguidas de
estratégias específicas. Dentre suas diretrizes consta a ‘gestão democrática e participativa’ a ser
concretizada pelas políticas públicas educacionais. Das vinte metas enunciadas, a meta 19 trata
da gestão democrática da educação e tem como foco “[...] assegurar condições, no prazo de 2
(dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos
de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas
públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto” (Brasil, 2014a, p. 38). Para
assegurar a concretização dessa meta foram definidas oito estratégias:

19.1) priorizar o repasse de transferências voluntárias da União na área da


educação para os entes federados que tenham aprovado legislação específica
que regulamente a matéria na área de sua abrangência, respeitando-se a
legislação nacional, e que considere, conjuntamente, para a nomeação dos
diretores e diretoras de escola, critérios técnicos de mérito e desempenho,
bem como a participação da comunidade escolar;
19.2) ampliar os programas de apoio e formação aos (às) conselheiros (as)
dos conselhos de acompanhamento e controle social do Fundeb, dos
conselhos de alimentação escolar, dos conselhos regionais e de outros e aos
(às) representantes educacionais em demais conselhos de acompanhamento
de políticas públicas, garantindo a esses colegiados recursos financeiros,
espaço físico adequado, equipamentos e meios de transporte para visitas à
rede escolar, com vistas ao bom desempenho de suas funções;
19.3) incentivar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a
constituírem Fóruns Permanentes de Educação, com o intuito de coordenar
as conferências municipais, estaduais e distrital bem como efetuar o
acompanhamento da execução deste PNE e dos seus planos de educação;
19.4) estimular, em todas as redes de educação básica, a constituição e o
fortalecimento de grêmios estudantis e associações de pais, assegurando-se-
lhes, inclusive, espaços adequados e condições de funcionamento nas escolas
e fomentando a sua articulação orgânica com os conselhos escolares, por
meio das respectivas representações;
19.5) estimular a constituição e o fortalecimento de conselhos escolares e
conselhos municipais de educação, como instrumentos de participação e
fiscalização na gestão escolar e educacional, inclusive por meio de programas
de formação de conselheiros, assegurando-se condições de funcionamento
autônomo;
19.6) estimular a participação e a consulta de profissionais da educação,
alunos (as) e seus familiares na formulação dos projetos político-
pedagógicos, currículos escolares, planos de gestão escolar e regimentos
escolares, assegurando a participação dos pais na avaliação de docentes e
gestores escolares;
19.7) favorecer processos de autonomia pedagógica, administrativa e de
gestão financeira nos estabelecimentos de ensino;
19.8) desenvolver programas de formação de diretores e gestores escolares,
bem como aplicar prova nacional específica, a fim de subsidiar a definição de
critérios objetivos para o provimento dos cargos, cujos resultados possam ser
utilizados por adesão (Brasil, 2014a, p. 38-39).

83
O artigo 8º, da referida Lei fixou o prazo em junho de 2015 para que os Estados, Distrito Federal e municípios
elaborassem seus correspondentes planos de educação ou adequassem os já aprovados, com as diretrizes, metas e
estratégias previstas no Plano Nacional.
129
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

O PNE (Brasil, 2014a) também reafirma a importância de se implementaruma base


nacional comum dos currículos; essa seria uma estratégia para se fomentar a qualidade da
Educação Básica em todas as etapas e modalidades (Meta 7). Em consonância com o PNE e a
Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (Brasil, 2017k), em 2017, foi homologada a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), “Referência nacional para a formulação dos currículos
dos sistemas e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das
propostas pedagógicas das instituições escolares” (Brasil, 2017l, p. 8). Mostrando-se alinhado à
Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), o documento normativo reitera a
adequação de suas proposições “[...] à realidade local, considerando a autonomia dos sistemas
ou das redes de ensino e das instituições escolares, como também o contexto e as características
dos alunos” de modo que as decisões resultem “de um processo de envolvimento e participação
das famílias e da comunidade” (Brasil, 2018l, p. 16).
Assim, a gestão democrática mantém-se como foco das políticas de educação. Entretanto,
subjacentes a esse princípio, alguns aspectos precisam ser considerados na análise.
Principalmente quanto ao princípio de democratização na gestão, o primeiro ponto a ser
considerado é sua relação com o movimento histórico mais amplo, ou seja, com o contexto de
crise do capital e de importantes alterações políticas, sociais e econômicas que desafiam o
Estado a redefinir suas funções e sua lógica organizacional e administrativa. Essa redefinição,
que faz parte das estratégias para reverter a queda na taxa de lucro e criar condições renovadas
para a reprodução do capital, envolve principalmente a descentralização administrativa para
esferas locais, a partilha de responsabilidades, a busca de novas fontes de financiamento e de
provimento das políticas sociais, o alargamento da participação da sociedade na formulação e na
execução de políticas, especialmente por meio de parcerias entre os setores público e privado ou
o denominado ‘terceiro setor’.
O movimento internacional, independentemente das peculiaridades das políticas e da
correlação de forças políticas locais, segue uma mesma lógica: a retração do Estado na prestação
direta de serviços na área social e a alteração dos modos de regulação por parte do poder
público. Substituem-se as estratégias de regulação, centradas na produção normativa, pelo
controle dos resultados, com o reforço da participação social e a criação de múltiplos
dispositivos de avaliação e de controles indiretos (Krawczyk; Vieira, 2008; Lima, 2013; Carvalho,
2014b; Shiroma; Evangelista, 2014).
Considerando que as políticas educativas estão condicionadas por esse processo,
podemos afirmar que a proposta de democratização, com ênfase na descentralização, na gestão
local, a exemplo da municipalização do ensino fundamental, na participação da comunidade e na
autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira nos estabelecimentos de ensino,
surge integrada à reforma do aparelho do Estado cujas orientações têm por base o ‘modelo
gerencial’. Seguindo os novos paradigmas administrativos, oriundos do ethos privado, as
reformas da gestão educativa possuem algumas características-chave que simbolizam as novas
propostas de gestão pública, a saber: ênfase nos princípios do mercado, na soberania do cliente e
no individualismo; adoção de mecanismos de flexibilização e de diversificação dos sistemas de
ensino e das escolas públicas em oposição à burocracia; introdução de políticas de
descentralização e autonomia, embora combinadas com uma nova centralização dos poderes e
novas formas de controle; encorajamento de uma cultura de iniciativa e de participação; reforço
do papel dos gestores; repartição de responsabilidades com a sociedade civil e com o poder
local; adoção de parcerias com o ‘terceiro setor’ e entre instituições do setor público; atenção à
eficiência, à eficácia, à qualidade e ao desempenho dos sistemas educativos; introdução de
currículos e de exames nacionais, com ênfase na prestação de contas e no controle dos
resultados na perspectiva da economia de mercado, de forma a criar normas-padrão e medidas
de desempenho para aferir critérios de alocação de recursos, criar um referencial de
competitividade e instituir mecanismos de seleção pelos ‘consumidores’ no sistema educativo;
130
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

introdução de mecanismos para a diversificação da oferta e a competição entre as escolas e


estabelecimento de rankings das instituições e de sistemas de ensino.
Essa caracterização leva-nos a concluir que, simultaneamente ao movimento interno de
descentralização, de participação social e de autonomia, compreendido como sinônimo de
democratização da gestão, observa-se um processo crescente de internacionalização das
políticas educativas. Isto se deve em grande parte aos efeitos da globalização/mundialização e de
construção de uma ‘agenda globalmente estruturada’ (Dale, 2004) para as reformas nos
sistemas de educação dos diferentes países. As influências dos organismos multilaterais
(OCDE, UNESCO, Banco Mundial, dentre outros) na formulação e na legitimação das
propostas confirmam e dinamizam a universalização dos modelos, dos padrões de organização,
das normas e das opções de reforma e, ao mesmo tempo, transformam-nas, uniformizam-nas e
homogeneízam-nas. O processo de internacionalização das políticas está associado também à
crescente atuação das redes de governança global, constituídas por grupos que disputam o
controle sobre a definição das políticas e sobre o mercado educativo e que não se limitam às
fronteiras nacionais (Shiroma, 2011; Ball, 2014; Shiroma; Evangelista, 2014).
No entanto, não podemos desconsiderar as afirmações de Barroso (2001a, p. 249) no
sentido de que, “[...] apesar de existir um certo referencial comum no que respeita à adopção de
determinadas orientações gerais (como sejam a descentralização, o reforço da autonomia das
escolas, a participação local) e a adopção de medidas de caráter gestionário inspiradas na
moderna gestão empresarial (ligadas à promoção da qualidade, da eficácia e da eficiência) [...]”,
existe também a singularidade desse processo, no qual se verificam diferenças nacionais
importantes (Barroso, 2003b, 2003c). Por isso, embora as iniciativas comuns estejam presentes
em vários países, elas podem se materializar por conteúdos e alcances diferentes, revelando as
especificidades históricas, sociais e políticas de cada um (Krawczyk; Vieira, 2008; Lima, 2013;
Carvalho, 2014a).
Notamos que, apesar de amplamente propalada a partir dos anos de 1990, a proposta de
democratização da gestão da educação pública no Brasil tem se concretizado muito aquém do
almejado em diversos aspectos. Podemos citar, como exemplo, o fato de que, embora prevista da
Constituição de 1988 e na LDB de 1996, o Art. 9º do PNE (Brasil, 2014a) remete mais uma vez
para seu disciplinamento em leis específicas por parte dos estados, Distrito Federal e
municípios. “Nesse sentido, poder-se-ia interpretar sua presença no novo PNE como indicação
de que estados e municípios ainda estão a dever definições sobre a matéria ou, em caso positivo,
precisam fazer adaptações para seu encaminhamento” (Vieira; Vidal, 2015, p. 23).
Ao mesmo tempo, a proposta de democratização da gestão revelou maior predisposição
para assumir a concepção gerencialista, baseada na eficiência, na eficácia, na liderança do gestor
e na avaliação de desempenho, especialmente a partir do governo FHC, quando claramente
ocorreu uma subordinação ativa e consentida da gestão pública à lógica da gestão privada e à
mercantilização dos serviços estatais/ públicos, entre eles, a educação. Esse processo é identifi-
cado como a criação de uma esfera de ‘quase-mercado’ (Le Grand, 1991), em que as fronteiras
entre púbico e privado são desfeitas. De acordo com Correia (2000, p. 30, grifo do autor):

[...] O mundo educativo é, assim, descrito através de uma semântica


importada do mundo industrial empreendedor e modernizado onde
sobressaem noções como flexibilidade, qualidade e autonomia e a afirmação
de propósitos de assegurar uma educação útil, isto é, uma educação cujo fim
supremo é a satisfação das necessidades, dos interesses e das motivações dos
seus clientes [...].

Importa ressaltar que, no processo de reformas da educação, ao longo das duas últimas
décadas, têm sido redefinidas as formas de relacionamento entre Estado e sociedade, com o que

131
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

se procura, de um lado, descentralizar a gestão para a esfera municipal, fortalecer a autonomia


das unidades escolares e ampliar a participação da comunidade e, de outro, abrir caminhos para
novas responsabilidades, seja por parte dos estados, municípios e instituições, seja por parte da
comunidade por meio de voluntários e das organizações não governamentais (ONGs) de
diversos matizes, bem como de empresas. Segundo análise de Araújo (2017, p.11), “A primeira
década do novo século indica o crescimento de novas formas de relacionamento do setor público
com o setor privado, inclusive na educação básica. Fazem parte deste novo cenário o repasse de
escolas públicas para Organizações Sociais, estabelecimento de voucher84 escolar e compra de
pacotes pedagógicos de empresas privadas [...]”, associado “[...] ao surgimento de programas
governamentais baseados em isenções fiscais, incentivos e concessão de bolsas para oferta
privada educacional”.
Assim, nos últimos anos, em nome da melhoria da qualidade e da democratização da
gestão da educação, tem se tornado crescente a atuação de diversos sujeitos e instituições na
definição da política, na organização e na gestão das escolas e das redes de ensino públicas
(Adrião; Peroni, 2009; Adrião; Peroni, 2011; Adrião, 2017). Essa atuação tem sido favorecida pelo
incremento de parcerias com organizações não governamentais e empresas privadas com fins de
lucro.
Em estudos recentes, (Shiroma, 2011; Peroni, 2013; Ball, 2014; Adrião; Garcia, 2014;
Adrião, 2015; 2017) destaca-se a presença cada vez mais visível do setor privado (empresarial-
financeiro) nas instâncias de formulação da política. Suas diferentes formas de atuação
envolvem venda de formação continuada, consultoria, treinamento, serviços técnicos, produtos,
soluções para a ‘melhoria’ da qualidade e serviços de gestão das escolas e das redes de ensino
públicas ou, ainda, a adoção de sistemas privados de ensino por parte das redes públicas. Ou
seja, evidenciando a tendência de privatização ou semiprivatização, a educação básica pública
não apenas tem sido transformada em um campo para os negócios privados, como também os
interesses privados ‘têm influenciado ou definido’ seu ‘conteúdo e forma de gestão’ a partir de
uma lógica mercantil, “[...] com profundas consequências para a democratização da educação”
(Peroni, 2013, p. 30).
Em Adrião (2017), encontramos uma exposição esquemática das dimensões e das formas
de privatização da gestão da educação básica em duas esferas: no âmbito dos sistemas públicos
de ensino e no das redes públicas de ensino.

84
Essa proposta está na agenda do atual governo federal. Em discurso proferido no Fórum Econômico Mundial
em Davos, em janeiro de 2020, o ministro da Economia Paulo Guedes afirmou que, com base em experiências
de outros países, o governo brasileiro deve apoiar um “gigantesco” programa de distribuição de vouchers
direcionado à educação da primeira infância. O ministro também defendeu modificações na Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 15/2015 (Brasil, 2015e), que institui o novo Fundo de Desenvolvimento da
Educação Básica (FUNDEB), com a finalidade de distribuir voucher para famílias carentes usarem em
escolas privadas de educação infantil. No entanto, o texto-base, que torna o fundo permanente e eleva
gradualmente a participação da União no financiamento da Educação Básica, foi aprovado na Câmara de
Deputados, em 21 de julho de 2020, sem contemplar a proposição do governo federal. Encaminhada ao
Senado Federal a (PEC) 15/2015 foi aprovada sem alterações e nenhum voto contrário e, em 26 de agosto de
2020, foi transformada na Emenda Constitucional nº 108 (BRASIL, 2020). Além de que, em 22 de abril de
2019, tinha sido aprovado no Senado o Projeto de Lei nº 466 de 2018, de autoria do senador José Serra
(PSDB), o qual altera a LDB para permitir a instituição de programa de auxílio financeiro para as famílias de
baixa renda beneficiárias do Programa Bolsa Família. Conforme o projeto de lei, podem receber auxílio as
famílias que não conseguirem matricular crianças de 0 a 5 anos em estabelecimentos de educação infantil
(creche e pré-escola) na rede pública ou conveniada (composta por creches filantrópicas, comunitárias,
confessionais e sem fins lucrativos). Ou seja, os pais receberão um auxílio mensal ou voucher, concedido a no
máximo três crianças por família, condicionado a comprovação por meio de entrega de recibos mensais de
pagamento em estabelecimentos da rede privada escolhidas por eles (Brasil, 2019d). A proposta foi
encaminhada à Câmara e tramita em regime de prioridade sob o Projeto de Lei nº 2.426 de 2019 (Brasil,
2019e).
132
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Figura 1- Dimensões e formas de privatização da gestão da educação básica.


Fonte: Adrião (2015).

Cabe destacar que, em decorrência das mudanças significativas na atuação do Estado,


bem como das demandas e pressões contraditórias da sociedade (nacional/supranacional), a
ação pública, a partir da década de 1990, vai sendo estruturada no sentido de combinações,
complementaridades ou articulações entre as diversas lógicas de ação. Trata-se de uma
construção com base em novas fórmulas e arranjos institucionais, em que o Estado não é o
único protagonista na formulação e na execução de políticas e na determinação do teor e do
sentido da proposta de gestão democrática.
A análise dos documentos e das reflexões teóricas sobre as reformas educativas,
especialmente sobre a gestão democrática da educação, revela que o processo tem sido marcado
por ambiguidades, contradições e indefinições seja quanto às competências nos níveis de
administração (estados, municípios) seja quanto à atribuição de responsabilidades em função da
redução do papel do Estado e da abertura do campo educacional para a iniciativa privada ou o
favorecimento disso.
A defesa da democratização, da descentralização, da autonomia e da participação social
por parte dos educadores durante a década de 1980 estava vinculada a uma perspectiva de
liberdade, participação e redemocratização da sociedade, após um período de ditadura. Porém, a
partir dos anos de 1990, o discurso sobre democratização, descentralização e autonomia
incorporou grande parte dos termos dos movimentos sociais, das associações de professores,
dos sindicatos e dos educadores do campo crítico ou progressista, despojando-os de seu sentido
político democrático-participativo e ressemantizando-os segundo a inspiração gerencial e
produtivista. Há, portanto, “[...] diferenças consideráveis entre a autonomia reivindicada e a
outorgada” (SHIROMA; SANTOS, 2014, p. 35). Sobre este aspecto, que é apontado por vários
autores (Shiroma; Moraes; Evangelista, 2004; Shiroma, 2009), é necessário chamar a atenção.
De acordo com Correia (2000, p. 13):

133
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Esta reconversão semântica, ao mesmo tempo que exprime uma


transformação dos modos legítimos de se definir a educação, prenuncia
mudanças profundas tanto na estrutura dos saberes escolarizados como na
definição dos actores e dos interesses a quem se reconhece uma
legitimidade para intervir na definição da vida das escolas, como ainda nos
mecanismos de planificação e gestão dos sistemas educativos.

Há, portanto, “[...] diferenças consideráveis entre a autonomia reivindicada e a


outorgada” (Shiroma; Santos, 2014, p. 35). Sobre este aspecto, que é apontado por vários autores
(Shiroma; Moraes; Evangelista, 2004; Shiroma, 2009), é necessário chamar a atenção.
No próximo capítulo, tendo em vista que as reformas ocorridas no sistema educacional a
partir da década de 1990 inserem-se em um contexto de profundas alterações na sociedade e de
redefinição do papel do Estado, pretendemos esclarecer alguns aspectos da proposta de gestão
democrática da educação. Se, de acordo com o modelo político da terceira via ou do governo
reinventado, há metas a ser atingidas e padrões a ser seguidos, quem os define? A participação
implica opinar sobre questões relevantes ou a decisão sobre elas continua sendo tomada por
autoridades centrais, seguindo o modelo da descentralização da execução com a concentração do
planejamento? A valorização da participação e do controle social, com a justificativa de que o
consumidor ou a pessoa servida é o juiz mais competente, deixa a dúvida sobre quais são os
parâmetros e critérios utilizados para a realização da livre escolha. Qual é o papel efetivamente
reservado à comunidade na gestão escolar em um contexto marcado pela flexibilização do
capital, pela redefinição do papel do Estado e pela alteração das relações entre público e privado?
A tendência de abertura e de ampliação dessa participação significa de fato maior
democratização e autonomia na organização das instituições educativas ou é uma forma de
envolver a sociedade civil na execução dos serviços educacionais e, por meio de intensa
propaganda, manter a aparência de participação democrática e de atendimento social? O perfil
dessas políticas tem realmente uma natureza democrática, isto é, envolve a redistribuição de
poderes e uma efetiva participação dos poderes locais, inclusive na formulação das políticas,
ampliando os espaços de decisão?
Em nossa análise, consideramos que a proposta de democratização da gestão da educação
não é uma mera medida de modernização administrativa, que se traduz em alterações de
natureza puramente técnica, mas corresponde também a medidas políticas que, conforme
Barroso (1998b, p. 34), “[...] só podem ser compreendidas no quadro dos movimentos mais
vastos em que se inserem (como descentralização, a nova gestão pública ou a introdução de uma
lógica de mercado no sector público da educação) e que exigem uma análise crítica que tenha
em conta motivações políticas, econômicas e sociais que lhe estão subjacentes”. Assim, é
necessário “[...] analisar criticamente estas medidas descobrindo as várias lógicas e dimensões
de que se revestem, e interrogando, para lá da sua retórica, as finalidades esperadas e os
resultados alcançados” (Barroso, 1998b, p. 36).
Precisamos, portanto, ter em conta que, “[...] na actualidade, os discursos que povoam o
campo da educação estão embebidos de ambiguidades e contradições que os tornam apelativos,
envolventes, mobilizadores, mas, de igual modo, enganadores [...]” (Formosinho; Machado,
2000, p. 111, grifo do autor). A análise crítica das políticas públicas, visando desvelar os
princípios ideológicos da retórica, não pode desconsiderar que

[...] a apropriação normativa de um conceito deve suscitar por parte dos


investigadores a reflexão e a crítica em relação a essa apropriação, e deve
implicar, até, um trabalho de reabilitação e resgate desses mesmos conceitos
quando eles são pertinentes para a descrição, análise, interpretação e
explicação empíricas dos fenômenos sócio-educativos que se quer investigar
(Formosinho; Ferreira, 2000, p. 86).
134
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

A esse respeito, Evangelista (2012, p. 59) destaca que cabe ao pesquisador de política
educacional “[...] encontrar o sentido dos documentos e com eles construir conhecimentos que
permitam não apenas o entendimento da fonte, mas dos projetos históricos ali presentes e das
perspectivas que – não raro obliteradas no texto – estão em litígio e em disputa pelo conceito,
pelo que define o mundo, pelo que constitui a história”. Em outros termos, é necessário pôr em
evidência, de um lado, os aspectos gerencialistas presentes na organização e na gestão da
educação pública e, de outro, o debate que se lhe opõe, cuja expectativa é a construção de
alternativas para a gestão da educação.

135
Capítulo 5

A relação entre os princípios de democratização e de


privatização na gestão da educação básica pública brasileira

Nos capítulos anteriores, mostramos que, ao longo do século XX, o debate sobre a gestão
da educação no Brasil polarizou-se em torno da oposição centralização x descentralização.
Todas as tentativas de alteração do modelo centralizado conduziu necessariamente à
descentralização e à tendência de democratização da gestão da educação. Atualmente, a
realidade é bem mais complexa: as alternativas que surgem combinam lógicas e princípios antes
considerados opostos, dando um novo sentido às políticas de gestão da educação.
Reiteramos que o tema da gestão democrática não pode ser deslocado das questões que
envolvem a sociedade de um modo geral e que as mudanças no âmbito da educação expressam
desejos e necessidades da própria sociedade. O recuo temporal que fizemos até aqui teve como
objetivo tentar obter uma ampla compreensão do processo histórico de desenvolvimento e de
crise do capitalismo, bem como das concepções de Estado dele derivadas, e evidenciar que
existem princípios que se tornaram básicos, vigorando desde o momento de formação desta
sociedade.
Nesse momento, os direitos à liberdade individual, à propriedade, à igualdade e à
democracia tornaram-se fundamentais para o desenvolvimento do novo modo de produzir a vida,
pautado na relação entre capital e trabalho, “[...] no qual a produção generalizada de mercadoria
ocupa o centro da vida econômica” (Netto; Braz, 2011, p. 85). Ao mesmo tempo, com a
consolidação da sociedade capitalista, tais princípios revelaram-se contraditórios, a exemplo da
democracia, que garantiria direitos a todos no nível político e jurídico, mas encontrava limites
para essa garantia, pois seu fundamento era o individualismo no nível das relações
socioeconômicas. Como uma marca histórica da sociedade burguesa, a democracia está
relacionada à contradição entre público e privado.
No mundo atual, altamente competitivo e excludente, esta contradição se aprofunda. As
discussões e as práticas ditas democráticas e autônomas trazem as marcas das contradições
inerentes à sociedade, pois esta tanto faz a apologia da democracia, da participação, da
responsabilidade pessoal, da cooperação e da solidariedade e encaminha novas formas coletivas
de sobrevivência quanto impulsiona os sujeitos a lutar individualmente e a competir entre si
para garantir suas vidas, fazendo prevalecer a lógica do privado.
A contradição entre o público e o privado também se manifesta na oferta dos serviços
públicos, em especial na educação, “[...] à medida que o conteúdo da educação e a execução de
políticas passam a ser definidos por sociedades empresariais, institutos ou fundações, cujos
marcos ideológicos ultrapassam o interesse comum, para introduzir preceitos do mercado”
(Vizzotto; Corcetti; Pierozan, 2017, p. 545).
Neste capítulo, tomando por base essa contradição e a hipótese de que a articulação entre
os princípios democratizadores e os privatizadores, sob a égide deste último, é a marca das
atuais reformas políticas, analisaremos o que torna possível a relação de complementaridade e
compatibilização entre ambos. O que permite sua reunificação nos encaminhamentos políticos,
especialmente no âmbito da gestão da educação pública, de modo que se constituam polos
complementares? De um lado, da perspectiva publicista, podemos considerar que a
democratização e a privatização contêm elementos aparentemente contrastantes entre si, sendo
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

antitéticas e, portanto, incompatíveis. De outro, da perspectiva neoliberal, podemos entender


que seus elementos tornam possível uma relação de complementaridade entre ambas.
Sem perder de vista que as reformas educacionais ocorrem no contexto de reconfiguração
das relações entre Estado, sociedade e mercado, pretendemos, com base nos diversos
documentos da reforma educacional, comparar alguns aspectos da gestão da educação básica
com o modelo gerencial de administração pública e revelar o que torna possível uma relação de
complementaridade entre esses dois princípios.
Analisando as reformas do sistema educacional brasileiro, percebemos que, em seu
conjunto, elas acompanham o processo de reforma estrutural do Estado promovida a partir dos
anos de 1990. As orientações para as reformas produzidas na administração pública tiveram
como base o novo modelo de administração pública denominada de gerencialista, oferecendo-
nos elementos bastante esclarecedores para compreendermos melhor o sentido da ênfase dada à
descentralização administrativa e à autonomia da gestão da educação, bem como para
diagnosticarmos as estratégias para integrar os princípios democratizadores e os privatizadores
no atual modelo de gestão das instituições públicas.
Cabe lembrar que o sentido atribuído à privatização na atualidade não se restringe à
cessão de ativos públicos a proprietários privados, mas também se refere à tendência de o
Estado deixar de fornecer um serviço, completa ou parcialmente; de introduzir a concorrência
na estrutura e nos mecanismos administrativos de produção dos serviços; de submeter bens e
serviços às regras do mercado; de incitar o recurso a fundos privados; de encorajar a
concorrência entre o setor privado e o público ou no interior do setor público; de promover
sociedades de economia mista, parcerias, etc.
Enfim, compartilhando a preocupação de Ball e Olmedo (2013, p. 46), buscamos captar,
analisar e mostrar “[...] os cruzamentos, obscurecimentos, entrelaçamentos e hibridismos cada
vez mais complexos [...]” nas relações entre o público e o privado, sem perder de vista as
contradições sociais e os interesses sociais conflitantes.

Estado democrático e governabilidade

O principal problema para o Estado democrático atual é o da governabilidade. A


governabilidade

[...] encontra-se referida às condições materiais de exercício do poder, à


legitimidade e a sustentação política dos governos para levar a cabo seu
programa, ou para formular estratégias de desenvolvimento de longo prazo,
ou ainda a capacidade dos poderes públicos de intermediar os interesses da
sociedade civil, de articular coalizões políticas entre partidos e grupos sociais
que apoiem o plano de governo (Bento, 2003, p. 86).

A ‘ingovernabilidade’, por sua vez, analisada em si mesma, é vista apenas como um


problema administrativo, isto é, de inadequação entre a forma pela qual o Estado está
organizado e a situação social e econômica na qual deve intervir, ou seja, de inadaptação do
Estado à globalização e às mudanças da sociedade moderna.
Dentre as soluções que vêm sendo apontadas encontra-se a adoção de novos incentivos e
recursos e de novas técnicas de gestão pública, cujo fim é desburocratizar o aparelho estatal, de
forma a levá-lo a responder efetivamente às demandas sociais, aumentar sua eficiência
administrativa e tornar o modo de governar mais compatível com os interesses
privado/mercantis e dos indivíduos em particular (clientes/consumidores). Dessa ótica, a
compatibilização das demandas sociais (livre escolha, opção por serviços personalizados,
ampliação da participação e descentralização da autoridade) com as demandas de mercado

138
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

(competitividade; conquista de novos nichos de mercado; apropriação de subsídios do Estado


pelo setor privado; busca de satisfação dos clientes; flexibilização das estruturas para torná-las
mais inovadoras, empreendedoras e adaptáveis no sentido de responder mais rapidamente às
demandas competitivas; desregulamentação e ampliação da iniciativa privada no setor público)
torna-se uma forma de gestão dos conflitos sociais e uma garantia de coesão social dos regimes
democráticos. Portanto, dessa perspectiva, “[...] as possibilidades de implementar as decisões
governamentais só podem ser alcançadas com a substituição do mercado e dos valores que lhe
são inerentes, como a competição e o individualismo” (Montaño; Duriguetto, 2011, p. 207).
Outra solução para a governabilidade, apresentada pela política da terceira via, é a
ampliação da participação social, que trouxe para a linha de frente a valorização da atuação mais
direta da sociedade civil como forma de enfrentar a redução do Estado do bem-estar e de sua
rede de serviços.
Conforme o Plano Diretor da Reforma do Estado brasileiro (BRASIL, 1995a), a sociedade
civil está representada pelas chamadas ‘organizações sociais’, uma suposta modalidade de
propriedade que transitaria entre o privado e o estatal, constituindo a esfera pública não-estatal,
cuja relação com o Estado é materializada por meio do contrato de gestão e controle dos
resultados, o qual assume uma forma de participação. Isso significa que o Plano se funda em
uma concepção diferente: a sociedade civil deixa de ser vista como uma esfera pública, em que
os interesses comuns – por oposição os interesses particulares – são expressos em movimentos
sociais e passa a ser definida em termos privados, isto é, vinculada a grupos singulares (com
identidades próprias e sem vínculo de classe), os quais atuam conforme seus interesses privados
e com base no pressuposto da soberania do cidadão-consumidor.
Nesse caso, a governabilidade do sistema é indissociável da responsabilidade social do
indivíduo, devendo ambas ser equacionadas pela construção de um sistema democrático
fortemente participativo e de uma racionalidade política de autogoverno: o indivíduo pensa a si
mesmo como empreendedor, ativo, autônomo, participativo e solucionador de problemas
(Popkwitz, 2000; Giddens, 2005).
Tais soluções trouxeram à cena outro tipo de racionalidade política, na qual os princípios
democratizadores e privatizadores se fundem e se confundem. Analisando o programa de
reforma do Estado brasileiro, observamos a repercussão das orientações do novo modelo
gerencial. Separando as atividades de planejamento e de execução das políticas estatais, o ‘novo
Estado democrático’ define prioridades e metas, centraliza a definição de políticas e os
processos de decisão e, ao mesmo tempo, transfere atividades e responsabilidades sociais até
então restritas à aparelhagem estatal para a esfera pública não estatal ou terceiro setor. A
governabilidade envolve também a lógica de definir metas e avaliar a posteriori os resultados,
definir procedimentos de avaliação, de prestação de contas e de controle de resultados, pautados
especialmente ou por mecanismos de controle social.
A consequência dessa forma de governabilidade do ‘novo Estado democrático’ (Giddens,
2005) é a dificuldade de se distinguir a esfera pública (voltada para o interesse geral) e a esfera
privada (voltada para a realização do lucro e do consumo). O privado deixa de ser visto como
absolutamente privado e passa a ser visto como público, o que resulta na introdução da esfera
pública não estatal. O espaço público passa a ser visto como mais amplo que o estatal, podendo
ser, portanto, estatal e não-estatal. Em outras palavras, no contexto em que os marcos que
definem o público e o privado tornam-se mais tênues ou em que as fronteiras entre Estado,
mercado e sociedade civil perderam a nitidez, o terceiro setor – esfera da sociedade civil –
emerge como ‘zona intermediária’ (Kohen, 1999) entre mercado e Estado. Por meio da
‘participação cidadã’, combina características do setor público com as do setor privado. Ou seja,
é público do ponto de vista de seus objetivos, mas privado do ângulo jurídico, sendo controlado
de forma mista pelo Estado e pelo mercado.

139
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Ao mesmo tempo, a “[...] esfera pública não-estatal, no lugar do Estado, torna-se a nova
arena de representação dos conflitos e de negociação entre instituições políticas e as demandas
coletivas, envolvendo novas formas de articulação entre Estado e sociedade, que requerem
simultaneamente mecanismos de representação e participação” (Vieira, 1999, p. 252).
Para afirmar que existe uma complementaridade entre os princípios democratizadores e
privatizadores na gestão da educação, podemos também nos basear no que considera Santos
(1998, p. 9-10):

[...] A motivação e a iniciativa da ação colectiva aproxima o terceiro sector do


sector privado, ainda que no primeiro o motor de acção seja a cooperação e
ajuda mútua, enquanto no segundo o motor da acção é o lucro. Este facto leva a
atribuir ao terceiro sector uma eficiência gerencial semelhante à do setor
privado capitalista. Mas, por outro lado, a ausência de motivo de lucro, a
orientação para um interesse coletivo distinto do interesse privado, quer de
quem presta o serviço ou contribui para ele, quer de quem o recebe, a gestão
democrática e independente, uma distribuição de recursos assente em valores
humanos e não em valores do capital, todas estas características aproximam o
terceiro sector do sector público estatal e é com base nelas que o terceiro sector
é usualmente creditado com a virtualidade de combinar eficiência com
equidade.

Em face do exposto, pode-se afirmar que o ‘terceiro setor’ ou setor público não estatal,
caracterizado como ‘zona intermediária’ entre mercado e Estado, conciliaria os princípios de
eficiência da empresa privada com a finalidade social de execução dos serviços públicos, estando
habilitado a receber recursos financeiros, equipamentos, móveis e imóveis e funcionários do
Estado.
Segundo Di Pietro (1998, p. 4, grifo do autor), disso resulta que “[...] a res publica está
sendo privatizada, porque está sendo posta nas mãos do particular para ser administrada,
pretensamente, no interesse público, sob as regras predominantes do direito privado. A ideia é
que essa gestão seja controlada pela própria sociedade [...]”, o que nos induz a pensar que ela
representa uma ampliação da participação democrática.
Portanto, o público se privatiza para além dos desdobramentos do tratamento da ‘res
pública’ como negócio particular. Esse caráter privatista, segundo Dourado e Bueno (1999, p.
79):

[...] é resultante, dentre outras coisas, do alargamento das funções do ethos


privado ainda que subvencionadas pelo poder público. Tal quadro produz
uma situação perversa da ação estatal na medida em que esta não estabelece
as fronteiras e diferenças entre os interesses coletivos e os interesses
particulares, facultando a emergência da privatização do público e,
conseqüentemente, a interpenetração entre as esferas públicas e privadas.

Cabe ainda ressaltar que, no novo modelo de governança, a indefinição fronteiriça entre o
público e o privado acarreta, particularmente, a ambiguidade do Estado quanto aos direitos
sociais e aos direitos individuais, enquanto expressão do poder público e enquanto herdeiro dos
direitos conquistados no Estado do bem-estar social. Com isso, as políticas públicas,
particularmente a política educacional, assumem um caráter mais complexo e ambíguo,
conforme podemos observar nos comentários de Dourado e Bueno (1999, p. 81-82):

No bojo desse processo, a impregnação de concepções originárias de


vertentes teóricas liberais na organização e instituições sociais
contemporâneas concorre para a formação de uma área cinzenta que mescla

140
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

qualidades difusas ora associadas a um, ora a outro desses conceitos. Em tal
quadro, a discussão do binômio, de suas contraposições, articulações,
travessias e mestiçagens, constitui temáticaimportante num momento em
que o dimensionado como público aproxima-se e incorpora características
do mercado a título de modernização e o conhecido como privado – num
momento em que os bens públicos se individualizam na perspectiva da
competitividade e perdem de certo modo sua feição de direito social
inalienável – persegue novas identidades vestindo peles de cordeiro que lhes
dêem uma cara social.

Compreende-se que a atividade governativa é resultado da materialização das relações


sociais e, por isso, a crise de governabilidade não se explica por si só, ou seja, não é uma simples
questão administrativa de desajuste na forma de intervir ou de incapacidade de os governos
lidarem com os desafios de uma sociedade complexa. Ela é produto da crise do capitalismo, isto
é, do aprofundamento das desigualdades e do acirramento dos conflitos e contradições sociais e
políticas decorrentes do aumento da exclusão social, da fragmentação e da complexidade da
sociedade. Por isso, considera-se impossível imaginar que a atividade governativa, mesmo
tentando promover a compatibilização entre comunidade e mercado, esferas públicas e privadas,
mecanismos privatizantes e práticas democratizadoras, possa ser capaz de resolver os problemas
que estão na base da estrutura social.
O que se pode afirmar sobre a tese da governabilidade é que ela faz parte da saída,
encontrada no âmbito do próprio capitalismo, para os seus problemas políticos, econômicos e
sociais. Combinar sociedade civil e mercado, valores individuais e comunitários, interesse
individual e geral, pela mediação do Estado, por meio de novas estratégias de gestão, de
financiamento, de procedimento e de responsabilização das organizações, é a forma que a
sociedade atual encontrou para administrar suas contradições e tornar possível sua
governabilidade, ainda que de forma parcial e ambígua, e, portanto, limitada.

Complementaridade entre novo Estado democrático, mercado e sociedade civil

É possível encontrar complementaridade entre os princípios de democratização e de


privatização nas reformas educativas quando se pensa que a proposta de reforma do Estado e do
governo, como princípio orientador básico da política da terceira via, combina elementos do
‘novo Estado democrático’ e sociedade civil (Giddens, 2005). Esta combinação pode ser
constatada no Relatório sobre o desenvolvimento mundial: o Estado num mundo em
transformação, dedicado à efetividade do Estado, em que o Banco Mundial (1997) argumenta
que a visão minimalista do Estado está em contradição com a evidência dos casos bem-
sucedidos de desenvolvimento no mundo, a exemplo do leste asiático. Nos termos do
Relatório,“[...] o desenvolvimento requer um Estado efetivo, que desempenhe papel catalisador
e facilitador, incentivando e complementando as atividades das empresas privadas e dos
indivíduos [...]” (Banco Mundial, 1997, prefácio).
Esta interdependência entre Estado e mercado, como uma prática da política neoliberal,
justificar-se-ia, segundo Santos (1998, p. 3), pela capacidade de o Estado submeter todas as
instâncias à lógica mercantil85, pois “[...] o mercado por si só está longe de o poder fazer sem
correr o risco de ingovernabilidade”. Por isso, o próprio Banco reconhece que o Estado é

85
Segundo Przeworski (2001, p. 47), “[...] o Estado desempenha um papel exclusivo, uma vez que define a estrutura
dos incentivos para os agentes privados, exercendo o poder de coerção legitimado pela lei: obriga por lei a prática
de algumas ações ou as proíbe, e pode alterar os preços relativos através do sistema fiscal [...] O Estado permeia
toda a economia; é um dos fatores constitutivos das relações privadas [...]”.
141
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

essencial para a implantação dos fundamentos institucionais apropriados para orientar e


estruturar os mercados (Banco Mundial, 1997).
Com base na identificação de possíveis falhas decorrentes da estrutura de mercados,
Osborne e Goebler (1998) sugerem estratégias que os governos podem utilizar para
reestruturar o mercado, a saber: 1) estabelecer regras do mercado; 2) fornecer informações à
comunidade sobre a qualidade dos serviços; 3) criar ou aumentar a demanda; 4) catalisar
fornecedores do setor privado; 5) criar instituições que atuem no mercado para preencher
vazios; 6) catalisar a formação de novos setores do mercado; 7) compartilhar com o setor privado
o risco do aumento da oferta; 8) mudar a política de investimento público; 9) atuar como um
corretor para compradores e vendedores; 10) usar o código tributário para formar o preço das
atividades (incentivo fiscal); 11) formar o preço das atividades mediante a taxa de impacto; 12)
administrar a demanda por meio de taxas pagas pelos usuários; 13) construir a comunidade
fortalecendo suas ações.
No entanto, para Santos (1998, p. 3), “[...] não se trata do regresso do princípio do
mercado [...]”, pura e simplesmente, “[...] mas de uma nova articulação, mais directa e mais
íntima, entre o princípio do Estado e o princípio do mercado [...]”, atualizando-se o tratamento
dado a ambos. Por isso, embora o programa político da terceira via, com base na tese do ‘governo
reinventado’ e da new public management, dê ênfase especial à melhoria dos mecanismos de
governo para corrigir as falhas do mercado e influenciar seus resultados, ela implica também em
uma ‘economia mista’, a qual envolveria “[...] uma nova sinergia entre os setores público e
privado, utilizando o dinamismo dos mercados mas tendo em mente o interesse público”
(Giddens, 2005, p. 109) e na valorização e fortalecimento da sociedade civil como parceira do
Estado.
Assim, os princípios de autonomia, responsabilidade social por parte dos indivíduos e das
empresas e participação tornam-se coerentes com o crédito na vontade e na capacidade
empreendedora individual. Considerados em melhores condições de provisionar bens e serviços
públicos do que o governo, os indivíduos ou ‘cidadãos ativos’ e responsáveis são estimulados a
encontrar soluções para seus próprios problemas, tornando-se independentes do Estado. A
transferência de poderes e de responsabilidades para as coletividades locais, por meio de uma
política descentralizadora e participativa, é o caminho encontrado para complementar a
eficiência e efetividade dos mecanismos de mercado (Osborne; Goebler, 1998), como também é
uma modalidade mais eficaz de controle por parte do Estado.
É esta perspectiva que conduz à defesa de um Estado ‘forte’ ou ‘Estado necessário’,
porém, com um controle público por meio do acompanhamento e da fiscalização do
desempenho e controle da qualidade dos serviços públicos pela sociedade civil, da
descentralização da atividade governamental e da parceria com a comunidade para a oferta de
bens e serviços, permitindo que os processos de privatização ou semiprivatização, que delegam
responsabilidades públicas à sociedade civil, e de democratização, com a ampliação da
participação social, interajam reforçando-se mutuamente. Conforme Bresser Pereira (2001, p.
262-263):

[...] O controle do Estado, entretanto, deve ser necessariamente antecedido e


complementado pelo controle social direto, derivado do poder dos conselhos
de administração constituídos pela sociedade. E o controle do mercado se
materializa na cobrança de serviços. Dessa forma, a sociedade atesta
permanentemente a validade dos serviços prestados, ao mesmo tempo em
que se estabelece um sistema de parceria e co-gestão entre o Estado e a
sociedade civil.

142
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

A complementaridade entre Estado, sociedade e mercado tende a ser o caminho das


políticas governamentais na sociedade atual. Na educação, esta relação de complementaridade
resulta, por exemplo, da atuação estatal na promoção de uma política de fortalecimento do
mercado por meio de subsídios e financiamentos, leis e regulamentos que favoreçam a
organização e controle dos serviços públicos baseados na competição; da parceria com ‘atores’
do setor privado; do aumento do poder do consumidor; da ampliação da participação social
baseada no princípio da livre escolha, em que geralmente os indivíduos procuram satisfazer seus
interesses e motivações específicas; da promoção das relações de competição no mercado ou
‘quase-mercado’ educativo; do controle externo indutor de melhorias; da avaliação de resultados
(indicadores de desempenho) vinculada a novos instrumentos de coordenação e controle e
indução de procedimentos competitivos.
Assim, de acordo com Silva Jr. e Sguissardi (2001, p. 103), “[...] a reorganização da esfera
educacional parece fazer-se de forma ampla, conjugando setores do Estado, da sociedade civil e
do setor produtivo [...]”. Ou seja, a proposta de autonomia da gestão inserida nesta
reorganização resulta na complementaridade entre estes setores, de modo a combinar as
vantagens de cada um. Isto significa que as propostas neoliberais “[...] preconizam a
transformação da sociedade e do Estado no sentido de reforço de um espaço de autonomia
privada compatível com a justiça social de que a democracia [liberal] não prescinde [...]”
(Valente, 1993, p. 11).
Cabe, porém, lembrar que estas relações entre Estado, sociedade e mercado não são
lineares e simétricas, elas não estão e nunca estiveram imunes aos conflitos e contradições,
tanto econômicos quanto políticos. Assim, na definição das políticas públicas, chocam-se os
interesses de classes e de frações de classe no nível nacional e no internacional.
No contexto dessas novas relações entre o novo Estado democrático, mercado e sociedade
civil, embora os vetores do modelo gerencial não apareçam de forma explícita na fundamentação
e nos modelos de referência de algumas medidas políticas, em nome da ‘redemocratização da
democracia’, a gestão da educação pública vai sendo submetida à lógica de ‘quase-mercado’ e a
educação valorizada como mercadoria (Peroni, 2013).
No cenário competitivo da mundialização do capital e de reestruturação produtiva, o
conhecimento científico e técnico tem sido considerado de importância vital para a
competitividade das empresas e indivíduos. Segundo Harvey (2000, p. 151): “[...] O próprio
saber se torna uma mercadoria-chave, a ser produzida e vendida a quem pagar mais, sob
condições que são elas mesmas cada vez mais organizadas em bases competitivas [...]”. As novas
tecnologias, ao mesmo tempo em que diminuem a necessidade quantitativa do trabalho vivo,
incorporam ao processo produtivo novas formas de trabalho. Essa mudança qualitativa na base
técnica do processo produtivo faz crescer a demanda social por conhecimentos científicos e
tecnológicos, pois estes não apenas são fundamentais para a expansão do setor produtivo, mas
também são condição de aquisição e manutenção de empregos. Estas alterações têm feito com
que os países passem a produzir e a exportar conhecimentos, tecnologias e serviços
educacionais. Os serviços educacionais já aparecem como um importante item nas balanças
comerciais, com receitas significativas em países como os Estados Unidos, Austrália e Nova
Zelândia. Isto tem feito com que a educação seja vista não mais como um direito do cidadão,
mas como um serviço à venda, como um negócio, conforme a Organização Mundial do
Comércio (OMC)86 quer que seja reconhecida.
A educação passou a ser dotada de um valor econômico próprio, sendo afirmada não
apenas como um bem de consumo, mas como um bem de produção, como um ‘valor de troca’,
como uma mercadoria a ser comercializada como qualquer outra ou como um simples bem

86
Aspecto que podemos verificar na matéria da Folha de S. Paulo, Caderno Sinapse, intitulada ‘Escola tipo
exportação’, de 29 abr. 2003.
143
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

privado, um instrumento de competição individual, de empregabilidade, adaptabilidade e


mobilidade social, embora, de acordo com a especificidade de sua natureza, ela seja um direito
social, um bem coletivo, que constrói e veicula conhecimento e propicia processos de
socialização.
Essa redefinição do enfoque dado à educação tem relação com os interesses do capital
por ampliar suas possibilidades de realização, isto é, pela necessidade de explorar novos
mercados, produtos e bens de consumo (Dale, 1994; Silva Jr.; Sguissardi, 2001; Barroso, 2003d;
Apple, 2003; Ball, 2014; Laval, 2004; 2016). Em um mundo extremamente competitivo e de
constantes inovações científicas e tecnológicas, o conhecimento, que se tem revelado um
produto de elevada rentabilidade, pode tornar-se obsoleto rapidamente. O trabalhador não
apenas precisa de qualificação profissional, mas de uma constante requalificação (reatualização
e reciclagem). Por isso, hoje se fala não apenas na necessidade da educação, mas da formação
continuada ou da ‘educação ao longo da vida’ (Unesco, 2001a).
Em uma sociedade com tais características, o desafio contínuo das instituições como um
todo e dos sujeitos em particular é continuar renovando seus conhecimentos, construir
competências para competir (Lima, 2012) e se ajustar a um mercado de trabalho marcado pela
obsolescência de algumas ocupações, pelo surgimento de novas profissões e do trabalho
informal. As implicações desse fato são que “[...] os indivíduos terão que assumir cada vez mais
o próprio aprendizado e reaprendizado contínuos, o próprio desenvolvimento e a própria
carreira” (Drucker, 2001, p. 72).
Nesses termos, o desemprego é visto como incompetência do desempregado em uma
economia que exige uma maior escolaridade, fazendo com que “[...] as relações de poder, de
dominação e exploração cedam lugar à ideologia do mérito, do esforço do indivíduo, da
racionalidade e do dom” (Frigotto, 1984, p. 217) confirmando a lógica de que, quanto maior o
conhecimento, mais competência para competir e para manter a empregabilidade, dissimulando
a crise do capital.
Acompanhando esse processo, os novos enfoques enfatizam a relação entre autonomia do
sujeito e sua capacidade para se adaptar e ser um agente de mudança em um mundo de
mudanças (capacidade de responder flexivelmente a problemas que não têm um conjunto de
limites claros e repostas únicas) (Popkewitz, 2000), fazendo com que a educação assuma, cada
vez mais, contornos predominantemente individualistas e pragmáticos, vinculados às
contingências imediatas e orientadas pela racionalidade do capital.
Estes aspectos criam a necessidade de ampliação da oferta de produtos educacionais, que
deixam de estar restritos ao mercado editorial de livros e produtos didáticos e paradidáticos,
para abranger a produção de softwares, vídeos, programas de educação a distância, canais
educativos (TV Escola e Canal Futura). Confirma-se, portanto, a tese de F. de Oliveira (1998b)
de que o sistema educacional contribui para a realização do capital, não apenas porque alimenta
outras esferas produtivas e improdutivas, mas especialmente porque confirma seu ‘antivalor’,
tanto por perfazer uma volta ao valor, como também porque uma parcela do ‘fundo público’
continua sendo utilizada para o financiamento deste tipo de serviço.
O fato de se conceber a educação como um bem privado, como um instrumento de
competição e como um valor de mercado, leva à reivindicação de que as instituições educativas
tenham maior autonomia, ou seja, que estejam livres das amarras jurídicas, administrativas e
organizacionais tradicionais. Isso tornaria possível a exploração direta do mercado educacional,
seja por meio de parcerias e contratos para a prestação de serviços ou aquisição de materiais
para o desenvolvimento de seus projetos educativos e melhoria de seu patrimônio, seja para a
incorporação dos novos paradigmas das empresas privadas na gestão educacional e escolar,
como a flexibilização da oferta, a competitividade e a satisfação do cliente/consumidor.
Por isso, ao acomodar os sistemas de ensino às demandas segmentadas por nichos de
mercado, atendendo a demandas dos grupos particulares, e, fundando-se na crença de que a
144
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

competição melhora a qualidade dos serviços87 e aumenta o potencial da economia para produzir
riqueza, celebrar a livre escolha, a livre iniciativa e a ampla democracia, a atual proposta de
gestão da educação conjuga os princípios privatizadores com princípios ‘democratizadores’.
O que é preocupante nessa política é que a educação, ao assumir uma forma de
mercadoria, é desvinculada do estatuto dos direitos sociais. Transfere-se para o mercado a
responsabilidade pela realização das necessidades, ao mesmo tempo em que se individualizam
os direitos, de forma que os cidadãos deixam de compartilhar direitos iguais e universais (Silva,
2003; Peroni, 2013). Isto proporciona condições para que, cada vez, mais a educação seja tratada
como um bem privado em vez de ser vista como uma responsabilidade pública e como um
compromisso social coletivo.
A competição e a livre escolha representam os novos paradigmas do campo da gestão
educacional. Para Osborne e Goebler (1998, p. 109), “[...] a competição por estudantes e
também por recursos [...]” é a “[...] ferramenta de revitalização de nossas instituições públicas”
(Osborne; Gaebler, 1998, p. 115), o “[...] elemento gerador de inovação” (Osborne; Gaebler
1998, p. 98). Por isso, cabe ao ‘governo empreendedor’ adotar mecanismos para a construção de
um mercado educativo (Ball, 1995), permitindo que os pais tenham opção de escolha sobre o
tipo de escola que desejam para seus filhos, premiando as instituições bem sucedidas,
oferecendo incentivos à produtividade e avaliando o desempenho.
Para obter melhoria do ensino, Osborne e Goebler (1998), seguindo a trilha de Friedman
(1988), reafirmam os princípios do liberalismo clássico, nos quais a liberdade de escolha
aparecia como condição fundamental para suscitar competição88 entre as escolas e também
intraescola, conforme demonstrado anteriormente nas considerações sobre a obra de Adam
Smith (1996). Esses autores também transpõem a lógica da administração empresarial moderna
para a educação, como forma de tornar a escola mais eficiente e produtiva89, em oposição ao
modelo centralizado e burocrático e sugerem que os governos se utilizem de incentivos e não de
comandos.

87
O aspecto da competitividade entre as instituições, como estratégia para a melhoria da qualidade, é uma medida
questionável, se considerarmos que o mercado, no atual estágio do capitalismo, tende a estimular a concentração e
não descentralização, procedimentos plurais e diversificados. Isto talvez explique porque começamos a observar na
prática o surgimento de um novo estilo de organização e administração vinculada ao conceito de ‘redes
interinstitucionais’, paralelo ao que ocorre no mundo produtivo, onde são cada vez mais comuns os acordos e
alianças entre as empresas. Ou seja, as escolas começam a partilhar recursos, informações, metas, estratégias,
decisões, modelos, projetos pedagógicos comuns, ou a se associarem em certas fases da execução do projeto, para
economizar recursos, a exemplo da proposta dos Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADEs) que, elaborada
pelo movimento empresarial Todos Pela Educação (TPE), se apresenta como instrumento de gestão pública para
assegurar o direito à educação de qualidade em determinado território, bem como para contribuir na estruturação
e aceleração de um sistema nacional de educação (Brasil, 2011b). De acordo com a proposta de Arranjos,
regulamentada pela Resolução nº 01/2012 (Brasil, 2012a), os municípios podem atuar coletivamente, em parceria e
colaboração com estados, Ministério da Educação e com institutos e fundações ligadas a empresas privadas.
88
Uma modalidade radical implementada em alguns países, embora não se tenha consolidado no Brasil, é a
concessão de ‘vales educacionais’. Outra modalidade, também radical, é a ‘escola cooperativa’ – ensino público,
com micro-gestão privada, experiência já vivenciada na rede municipal de ensino de Maringá, nos anos de 1991 e
1992, e materializada através de medidas em que os professores passam a ser ‘empresários’ da educação ou ‘donos’
da escola, sendo remunerados de acordo com a produtividade (Dias, 1995; Frigotto, 1999). Contudo, uma solução
intermediária vem sendo adotada, a destinação de verbas conforme o número de alunos, ou mecanismo de
financiamento per capita. De acordo com Mesquita (2000, p. 78), “[...] as escolas têm que competir entre si para
atrair alunos, sob pena de perderem receitas e não poderem manter a sua estrutura pessoal”.
89
Apesar de o objetivo da competição entre os estabelecimentos de ensino ser o de motivar a melhoria de seu
desempenho, alguns autores apontam para resultados inversos. Por exemplo, segundo Girardi (1994, p. 106-107),
“[...] diante da ameaça de se retirar uma criança da escola, por parte dos pais, redunda na perda de subsídio [...]”,
há uma tendência de que “[...] a avaliação seja feita por critérios mínimos, o que acaba por gerar um interesse de
que os alunos obtenham boas notas mais do que efetivamente aprendam, tornando-se secundária a questão do
aproveitamento escolar”.
145
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Embora a competição entre as escolas não esteja formalmente colocada como parte
integrante das políticas públicas no Brasil, alguns mecanismos têm sido introduzidos para
incentivar a competição e a produtividade, como estratégias para melhorar a qualidade e a
eficiência da educação. Como exemplo, podemos citar o ‘Prêmio Nacional de Referência em
Gestão Escolar’, criado desde 1998. Realizado pelo Conselho Nacional dos Secretários em
Educação (CONSED)90, o objetivo dessa premiação bianual, é estimular boas práticas de gestão,
por meio da indução da competição entre as escolas públicas do ensino básico, a melhoria
contínua de seus resultados. O instrumento foi concebido como um mecanismo de
autoavaliação e planejamento das escolas, ou seja, “[...] as equipes gestoras se deparam com
seus avanços e fragilidades, e identificam [por processos coletivos de decisões e ações] o que é
preciso fazer para que os processos de ensino se aproximem, cada vez mais, do que a
comunidade escolar considera uma educação de qualidade” (Consed, 2017, p. 1).
No entanto, a autonomia das instituições e a participação da comunidade para encontrar
soluções para seus problemas introduzem no âmbito da gestão da educação pública mecanismos
típicos da gestão privada, ou seja, da busca de melhoria dos resultados mediante a competição e
a premiação.
A presença da lógica gerencial também pode ser identificada no Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado, em 2007 (Brasil, 2007b), no Governo Lula da
Silva. Segundo Krawczyk (2008, p. 801):

No PDE, que é um plano de ação plurianual 2008/201491, reúnem-se 52


ações que cobrem todas as áreas de atuação do MEC e incidem sobre uma
série de aspectos nos diferentes níveis de ensino, visando o objetivo comum
de melhorar a qualidade da educação. Quase todas essas ações já vinham
sendo desenvolvidas, embora haja algumas novas, inspiradas em ações
implementadas por organizações não governamentais – ONGs – em escolas
públicas.

As regras de sua operacionalização encontram-se no Decreto n° 6.094, de 24 de abril de


2007. Consta, em seu Capítulo I, que o Decreto “[...] dispõe sobre a implementação do Plano de
Metas Compromisso Todos pela Educação92, pela União Federal, em regime de colaboração

90
Apoiam o Conselho Nacional dos Secretários em Educação (CONSED), o Ministério da Educação (MEC); Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação
(UMDIME); Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO); Fundação
Roberto Marinho; Fundação Lemann; Fundação Victor Civita; Fundação Santillana; Fundação Itaú Social;
Instituto Gerdau; Instituto Unibanco; Instituto Natura; Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES); Embaixada dos Estados Unidos no Brasil. “Ao longo de sua trajetória, aproximadamente 34 mil
escolas de todas as regiões do país participaram do Prêmio” (Consed, 2017).
91
Conforme Krawczyk (2008, p. 801): “A obrigatoriedade de elaboração de um plano plurianual de quatro anos
(inclui o primeiro ano de mandato do sucessor para evitar descontinuidades) está estipulada na Constituição de
1988 para todas as pastas do governo federal”.
92
Importa ressaltar que MEC, ao ter como parceiro privilegiado o movimento Todos pela Educação, assumiu
plenamente no PDE a agenda do ‘Compromisso Todos pela Educação’, um “[...] movimento lançado em 6 de
setembro de 2006 no Museu do Ipiranga, em São Paulo. Apresentando-se como uma iniciativa da sociedade civil e
conclamando a participação de todos os setores sociais, para contribuir para a melhoria da qualidade da educação.
Esse movimento se constituiu, de fato, como um aglomerado de grupos empresariais com representantes e
patrocínio de entidades como o Grupo Pão de Açúcar, Fundação Itaú-Social, Fundação Bradesco, Instituto Gerdau,
Grupo Gerdau, Fundação Roberto Marinho, Fundação Educar-DPaschoal, Instituto Itaú Cultural, Faça Parte-
Instituto Brasil Voluntário, Instituto Ayrton Senna, Cia. Suzano, Banco ABN-Real, Banco Santander, Instituto
Ethos, entre outros” (Saviani, 2009, p. 32). Em seu lançamento, o ‘Compromisso Todos pela Educação’ definiu
cinco “Metas a serem alcançadas até 2022, ano do bicentenário da Independência do Brasil”, sendo elas: “Meta
1) Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; Meta 2) Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos;
Meta 3) Todo aluno com aprendizado adequado ao seu ano; Meta 4) Todo jovem com Ensino Médio concluído até
os 19 anos; Meta 5) Investimento em Educação ampliado e bem gerido” (Todos Pela Educação, 2006, p. 9).
146
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade,


mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social
pela melhoria da qualidade da educação básica”. Para enfrentar os problemas de rendimento,
frequência e permanência do aluno na escola, foram estabelecidas 28 diretrizes para os que
aderissem ao Plano.
De acordo com o referido Decreto, cabe aos respectivos sistemas de ensino, dentre outras
atribuições, promover a gestão participada; elaborar plano de educação e instalar Conselho de
Educação; acompanhar e avaliar, com a participação da comunidade e do Conselho de Educação,
as políticas na área da educação; fomentar e apoiar os conselhos escolares, envolvendo as
famílias dos educandos na atribuição de zelar pela manutenção da escola e pelo monitoramento
das ações e consecução das metas do compromisso; firmar parcerias externas à comunidade
escolar, visando a melhoria da infraestrutura da escola ou a promoção de projetos socioculturais
e ações educativas (Brasil, 2007c).
Em razão de sua abrangência, destacaremos apenas alguns pontos do PDE: 1) a adoção
de um ‘novo indicador’ de desempenho para media a qualidade do ensino no país – o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que leva em conta o rendimento do aluno e as
taxas de evasão e repetência, para a verificação do cumprimento de metas fixadas no termo de
adesão ao Compromisso; 2) a definição pelo MEC das ‘metas de qualidade’ para a educação
básica a serem atingidas pelos sistemas municipal, estadual e federal, ao mesmo tempo, em que
fará o acompanhamento, avaliação e cobrará resultados; 3) envolvimento dos estados,
municípios, famílias e comunidade (organizações sindicais e da sociedade civil, fundações,
entidades empresariais, igrejas, entidades confessionais, pessoas físicas e jurídicas) para a
melhoria da educação básica.
Mais recentemente, com base em experiências implantadas nos Estados Unidos, vem
sendo proposto por fundações e setores governamentaiso modelo de gestão privada para escolas
públicas, a exemplo das charters schools.O modelo charter pressupõe uma “escola pública com
maior autonomia, cuja gestão é compartilhada entre os setores público e privado”(Dias;
Guedes, 2010, p. 10). Segundo Dias e Guedes (2010, p. 10), especialistas em gestão educacional
da Fundação Itaú Social93, algumas características comuns entre a legislação que regulam o
funcionamento dessas escolas podem ser apontadas:

a) Todas recebem financiamento público baseado no número de estudantes e são


cogerenciadas por uma instituição do setor privado, geralmente sem fins lucrativos;
b) Possuem muito mais autonomia que as escolas públicas regulares em itens
fundamentais da gestão do ensino, como seleção e retenção de gestores e
professores;
c) A admissão de alunos é feita ou por meio de sorteio ou por critérios geográficos, mas,
em geral, os alunos que nelas ingressam possuem um perfil de alto
comprometimento escolar.

Ainda, segundo as autoras, dependendo do tipo de convênio estabelecido pela parceria


público-privada, “[...] as escolas charter podem contratar professores segundo critérios
próprios, desenhar seus currículos e oferecer uma carga horária maior. Para as famílias que
procuram esse modelo de escola, um dos principais atrativos é o número de alunos

93
A “Fundação Itaú Social com a coordenação técnica do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, iniciou,
em 2009, o Programa Excelência em Gestão Educacional, que tem como uma de suas colaborações a
publicação de duas experiências educacionais que, com suas estratégias e ações, possam servir de inspiração para
gestores, educadores, empresários e políticos brasileiros interessados em melhorar a qualidade de nossas escolas
públicas. São elas: A reforma educacional de Nova York: possibilidades para o Brasil e Escolas Charter no Brasil: a
experiência de Pernambuco” (Gall; Guedes, 2018, p. 5, grifo do autor).
147
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

matriculados, que tende a ser bem menor que o das escolas públicas regulares [...]” (Dias;
Guedes, 2010, p. 10).
Para Adrião (2014, p. 263), as escolas charters se configuram em uma “modalidade de
privatização da oferta educativa”, por “englobar tanto escolas privadas subsidiadas por fundos
públicos, quanto escolas públicas geridas por instituições privadas”. Segundo a autora, “as
condições exigidas para que tais escolas sejam chartersé que não haja cobrança de mensalidades
ou matrículas, que operem segundo as normas estabelecidas pelos setores responsáveis e que
possam ser escolhidas pelas famílias” (Adrião, 2014, p. 278).
Portanto, a prevalência da lógica do mercado tende, por um lado, a ‘empresariar’ a
educação, redefinindo as normas, a modalidade de oferta educativa, os padrões de gestão e os
critérios de qualidade, o interesse público e a relação dos pais com a escola, com base numa
lógica privada e mercantil; por outro lado, tende a deslocar a tomada de decisões sobre as
questões educativas da ‘arena política’, que envolve interesses comuns de classe na composição
das lutas coletivas, para o domínio privado, com base nas escolhas individuais e interesses e
necessidades específicas dos consumidores.
Isto leva a pensar que o principal desafio a ser enfrentado atualmente é a “[...]
reabilitação das valências críticas e emancipatórias da educação” (Correia, 2000, p. 31) e a
reafirmação do primado da luta de classes, enfatizando, sobretudo, as lógicas de sociabilidade, as
relações entre a escola e comunidade associadas às virtudes cívicas de cooperação e as
preocupações vinculadas ao processo de luta pela democratização das relações internas da
escola, em particular, e da sociedade, em geral.
Isto, obviamente, não significa dizer que a democracia da escola é capaz, por si só, de
melhorar a qualidade da educação ou de garantir a democratização das relações sociais como um
todo. Também não significa reeditar o passado, numa atitude saudosista de apego a valores,
regras, padrões e comportamentos que não correspondem às novas circunstâncias históricas,
pois isto gera a incapacidade de enxergar e produzir o novo. Também não significa um apego
excessivo ao presente, que impede de capacidade de pensar o passado e projetar o futuro.
Significa, porém, recuperar a capacidade de discernimento e crítica, ou seja, de apreender o
processo dialético das relações sociais que, por meio dos conflitos e contradições, move a
história e faz com que os homens, no processo de luta pela vida, produzam conjuntamente novas
formas de agir e pensar, para que assim possamos apreender dos fatos seu potencial
transformador, abrindo novas perspectivas.

Reinvenção da democracia: ampliação da participação social e partilha de


responsabilidades com a sociedade civil

A reforma do aparelho do Estado e da gestão da educação pública, a partir dos anos de


1990, envolve um novo sentido de democracia: o de participação social. Conforme o que foi
desenvolvido no primeiro capítulo, o conceito de democracia adquiriu significados diferentes ao
longo da história da sociedade capitalista. No atual contexto, em decorrência das alterações nas
relações sociais e políticas, a democracia, embora valorizada, é despojada de seu sentido
tradicional. Ou seja, desvincula-se da luta de classes e da ética coletiva e associa-se à ‘ordem
espontânea’ do mercado, sendo reduzida à ‘liberdade de escolhas’ - consumo de produtos que
se pretendem personalizados - e aos interesses individuais.
Ao privilegiar o mercado, o Estado transforma as condições nas quais a democracia opera.
Isto significa que, em face da economia do mercado e da competição que a caracteriza, alastra-
se uma filosofia de consumo, que ocupa o lugar da filosofia do trabalho, vista, na fase moderna
do capitalismo, como o motor das mutações socioeconômicas, das políticas e das formas de
atuação do cidadão. No quadro atual, em que princípios democratizadores e privatizadores

148
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

passam a se complementar, o cidadão é considerado um cliente-consumidor de serviços


públicos (Brasil, 1995a).
Essa nova realidade ressignifica a luta política. A correlação de forças, os interesses
sociais antagônicos e conflitantes e, portanto, as relações de classe cedem lugar à liberdade de
escolha e à satisfação dos indivíduos no consumo (Chauí, 1999), que se tornam os objetivos das
organizações sociais.
Para os teóricos neoliberais, dentre os quais Milton Friedman (1988), o mercado está em
melhores condições de promover a democracia, por possuir maiores possibilidades de
administrar os conflitos, de construir consenso, de promover harmonia social e de garantir as
liberdades individuais. Dessa perspectiva, ao estimular a proliferação de múltiplos centros
competitivos, favorecendo a liberdade de escolha e de decisão, conforme preferências
individuais, o mercado torna a democracia mais eficaz. Na perceptiva da política da terceira via,
que tenta compatibilizar economia de mercado com justiça social, a democracia associa-se à
renovação das instituições democráticas acompanhada da ideia de autogestão,
autofinanciamento, autoajuda, solidariedades (locais, individuais), voluntarismo, filantropia e
participação direta (Giddens, 2005). Essa proposta ganha ênfase em um contexto em que a crise
da sociedade e do Estado afeta as instituições democráticas (tribunais, agências públicas,
partidos políticos, parlamentos, etc.) e há o descrédito na própria democracia representativa,
constantemente acusada de inoperância e de corrupção. Assim, a participação, especialmente
em Conselhos de fiscalização e controle das atividades e serviços prestados pelos setores público
e público não-estatal, é vista como um potencial para o fortalecimento das instituições, proteção
dos ‘direitos sociais’ e controle da gestão de seus representantes (Kohen, 1999).
A proposta de reinvenção da democracia, mediante reforma da aparelhagem estatal e de
uma nova relação com a sociedade civil, em nome da descentralização administrativa, da
participação e do compartilhamento de tomada de decisões, transfere aos cidadãos,
independentes ou pertencentes a múltiplos grupos de interesse, as responsabilidades que
anteriormente pertenciam ao Estado. O documento La autogestión en los sistemas educativos,
publicado pela UNESCO, publicado em 1981, evidencia bem o conteúdo, que começa a ser
delineado, dessa nova concepção de democracia: A autogestão é uma nova forma de
responsabilização dos indivíduos por suas atividades, sem um intermediário, com o poder de
influenciar o conteúdo e a organização dessas atividades nas diferentes esferas da vida
econômica e social94.
A reinvenção ou ressignificação da democracia, vinculada ao “novo individualismo”, com
ênfase na liberdade de escolha, na soberania do consumidor e na responsabilidade social,
permite a combinação dos princípios democratizadores com os privatizadores. Isso porque está
vinculada à possibilidade de maior diversidade na oferta dos serviços educativos, conforme as
diferentes necessidades e preferências individuais, e também de maior autonomia da escola e de
ampliação da participação da comunidade na capacidade do poder local para desenvolver
alternativas próprias na solução de seus problemas.
Por isso, um dos aspectos mais sedutores da retórica da proposta de reinvenção da
democracia é sem dúvida a ideia de participação. Para fugir à sedução e analisá-la em sua
dimensão mais profunda, o pesquisador não pode ignorar o movimento histórico que lhe dá
origem.
Conforme descrito anteriormente, os princípios da descentralização, autonomia,
participação, cooperação e solidariedade foram assumidos durante o século XX na sociedade
capitalista, sobretudo pelo movimento operário industrial e pelas classes médias urbanas.

94
“[...] autogestión es una nueva forma de asunción por los individuos de la responsabilidad de sus actividades, sin
intermediario, con el poder de influir sobre el contenido y la organización de esas actividades en las diferentes
esferas de la vida económica y social” (Unesco, 1981, p. 8)
149
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Tornaram-se bandeira de luta por regulação do trabalho, proteção social, participação e


representação política e contra a lógica da acumulação e as regras do mercado. Visava-se
submeter as questões sociais a critérios não puramente capitalistas.
A partir da década de 1970, tais princípios passaram a ser amplamente defendidos pelas
forças políticas progressistas e pelos movimentos sociais a favor da democratização política,
especialmente nos países semiperiféricos governados pelas ditaduras militares. O objetivo era a
construção de um sistema descentralizado e participativo, que vinculasse descentralização e
autonomia ao processo de democratização política.
Porém, desde a década de 1980, vivenciamos um processo de ressignificação desses
princípios, os quais são incorporados pelo movimento de reforma do Estado. Nesse período de
transição democrática, são recolocados em pauta temas como: ampliação da participação social
na esfera política, autonomia, descentralização, liberdade e reafirmação dos direitos individuais.
Muitas das receitas neoliberais, porque desmantelavam o intervencionismo do Estado ditatorial,
também apareciam politicamente como contributos ao processo de democratização, tornando-se
imunes à rejeição, desencorajando protestos e garantindo, assim, a ampla aceitação desses
princípios e sua legitimação política.
O enfoque sobre propostas de participação, colaboracionismo e liberdade individual de
escolha na proposta de reforma do Estado produz novas combinações entre os princípios
democráticos (descentralização da autoridade, autonomia administrativa e gerenciamento com
participação), historicamente defendidos pelos setores progressistas e publicistas, e os
princípios do mercado (eficácia e eficiência gestionária) ou interesses privados. Nesse sentido, a
política da terceira via procura encontrar novos caminhos para a prática gerencial, explorando
suas potencialidades e preenchendo suas lacunas, trazendo de volta conceitos como
transparência, participação política, equidade e justiça, sem deixar de se voltar para a realização
do capital e de atribuir valor aos princípios do mercado, conforme preconizado por Friedman
(1988).
A nova proposta de reforma busca compatibilizar perspectivas que aparentemente eram
de natureza contraditória, ou que se considerava contraditória, dando um novo sentido à
estratégia de privatização, sem contemplá-la explicitamente. Dentre as estratégias, estão os
subsídios oferecidos pelo Estado para o fornecimento de bens e serviços públicos. Estes podem
ser transferidos diretamente aos setores públicos por meio de fundos atribuídos diretamente à
escola conforme o número de alunos/ano matriculados, a exemplo do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB)95. A partir disso, pode-se instaurar um mercado competitivo no sistema público, ou
‘quase-mercado’ (Le Grand, 1991), no qual os orçamentos das escolas estão associados
indiretamente com escolhas dos pais e com o desempenho da escola (capacidade de
atendimento de um maior número de alunos possível).
Os bens e serviços públicos podem também ser atribuídos ao setor público não estatal,
por meio de contratos de gestão com ‘agências executivas’ e ‘organizações sociais’, ou para o
setor privado/mercantil, mediante parcerias, com respectivo investimento público. Segundo

95
O Fundeb, instituído pela Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006, e regulamentado pela Lei nº
11.494, de 20 de junho de 2007 (BRASIL, 2007a) e pelos Decretos nº 6.253, de 13 de novembro de 2007 (Brasil,
2007d) e 6.278, de 29 de novembro de 2007 (Brasil, 2007e), “[...] é um fundo especial, de natureza contábil e de
âmbito estadual (um fundo por estado e Distrito Federal, num total de vinte e sete fundos), formado, na quase
totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios,
vinculados à educação por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal. Além desses recursos, ainda
compõe o Fundeb, a título de complementação, uma parcela de recursos federais, sempre que, no âmbito de cada
Estado, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. Independentemente da origem, todo o
recurso gerado é redistribuído para aplicação exclusiva na educação básica [...] são consideradas as matrículas nas
escolas públicas e conveniadas, apuradas no último censo escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (Inep/MEC)” (Brasil, 2017i).
150
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Bresser Pereria (2001, p. 259), “[...] o dirigente [da agência autônoma] terá ampla liberdade
para gerir o orçamento global recebido; poderá administrar seus funcionários com autonomia no
que diz respeito a admissão, demissão e pagamento, e também realizar compras apenas
obedecendo aos princípios gerais de licitação”. Busca-se, ao mesmo tempo, estimular a
competição entre os subsidiados, o controle social direto (monitorização dos serviços e dos
resultados) e a participação da comunidade, legitimando-se as práticas privatizadoras
(influenciando decisões, segundo interesses locais e preferências individuais). De acordo com
Di Pietro (1998, p. 5), “[...] para que o controle social funcione é preciso conscientizar a
sociedade de que ela tem o direito de participar desse controle; é preciso criar instrumentos de
participação, amplamente divulgados e postos ao alcance de todos. Enquanto o controle social
não fizer parte da cultura do povo, ele não pode substituir os controles formais já existentes”.
Assim, a proposta de gestão democrática encaminhada nos anos 1990, associada à ideia de
eficácia e eficiência, compõe-se de uma variedade de medidas que aparentemente visam
fortalecer a sociedade civil, pois sugerem que ela compartilhe decisões, mas, de fato, tem a
finalidade de levar a comunidade a assumir a responsabilidade ou o ‘ônus’ pela resolução de
seus próprios problemas. Também é uma forma de aumentar as possibilidades de utilização do
princípio de subsidiariedade, garantindo a apropriação do fundo público pelo capital privado e
atendendo aos interesses expansivos do capital quanto a investir sempre em novos setores.
Portanto, no atual estágio do capitalismo, essa racionalidade, empenhada em ampliar a
participação dos ‘atores’ locais na gestão das instituições, encontra-se muito mais relacionada ao
interesse de promover sua participação na manutenção dos sistemas de ensino em termos de
financiamento (complementação orçamentária, mobilização de recursos adicionais)96. Como
consequência, o conceito de participação é redefinido, relacionando-se não ao sentido de
cidadania participativa, na tomada de decisões, mas ao de ‘participação-colaboração’ ou
‘participação coesão’ (Lima, 1994), para incentivar a mobilização comunitária na resolução de
seus problemas e na construção de novos pactos políticos, visando a coesão social (Castelo,
2013).
O texto da proposta do Plano Nacional de Educação, apresentada pelo Ministério da
Educação ao Congresso Nacional em 1998, por ocasião da formulação do PNE (2001-2011),
ilustra bem qual é o tipo de participação que se espera da comunidade desde então. De acordo
com os termos do documento:

[…] há que incentivar igualmente o trabalho voluntário e a organização das


comunidades, para, de forma participada, colaborar na gestão da escola, para
melhorar a qualidade do atendimento escolar e para enriquecer o patrimônio
da escola, prática que em todas as democracias, constituem manifestação do
exercício de cidadania responsável (Brasil, 1998k, p. 17).

A consequência direta ou indireta dessa divisão de responsabilidades é a individualização


da relação entre a instituição do serviço educativo e os beneficiários desse serviço (Antunes,
2001). No entanto, embora esse aspecto seja decisivo na definição do processo político
‘descentralizador’ e ‘autonomizador’, ele não é exclusivo. Podemos dizer que os mesmos
poderes que apelam para a participação dos atores sociais associam-na a dispositivos de
privatização e de mercantilização dos serviços sociais, exatamente porque mobilizam essas

96
As Associações de Pais e Mestres (APMs) se constituíram no principal instrumento de captação de recursos junto
aos pais dos alunos para o financiamento das atividades escolares, geralmente por meio de promoções, festas,
concursos, cobrança de taxa de matrícula e mensalidades (contribuição ‘voluntária’), cantina, cobrança de multas
por atraso na entrega de livros na biblioteca (Hidalgo, 2001), aluguel de instalações para uso privado, possibilidade
de exploração privada das escolas públicas, dentre outros.
151
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

energias. Para Osborne e Goebler, os mercados não existem somente no setor privado, mas
também no setor público. Nesse sentido,

[...] a palavra-chave para a reinvenção do governo é a mudança de


incentivos que motivam as instituições públicas. O que é senão uma outra
forma de dizer que essa chave consiste na mudança dos mercados que
funcionam dentro do setor público. No setor da educação, isto pode
significar a criação de um mercado competitivo em que os consumidores
tenham opções, e os principais interessados (pais e professores) tenham um
controle genuíno [...] (Osborne; Goebler, 1998, p. 335, grifo do autor).

Dessa perspectiva, ampliar a participação da comunidade em nome da ‘democratização


da democracia’ (Giddens, 2005) é uma forma de os governos levarem os cidadãos a fomentar o
mercado de acordo com seus próprios valores e necessidades.
Combinando princípios democratizadores e privatizadores, na nova lógica gerencial, a
ampliação da participação social encontra-se vinculada não apenas à liberdade dos indivíduos
para escolher e consumir, mas também para agir autonomamente. Além disso, com base no
conceito de ‘cidadania ativa’ (Unesco, 2001a), se assumiria uma maior responsabilidade na vida
social, sem demandar ações por parte do Estado. A terceira via apresenta a seguinte orientação
aos governos:

[...] programas convencionais de socorro à pobreza devem ser substituídos


por abordagens centradas na comunidade, que permitam a participação mais
democrática além de serem mais eficazes. A formação da comunidade
enfatiza as redes de apoio, o espírito de iniciativa e o culto do capital social
como meio de gerar renovação econômica em bairros de baixa renda. O
combate à pobreza requer injeção de recursos econômicos mas aplicados
para apoiar a inciativa local. Deixar as pessoas se atolarem em benefícios
tende a excluí-las da sociedade mais ampla (GIDDENS, 2001, p. 120).

Acreditando que a participação da comunidade, como uma forma de ação solidária e


cooperativa, faz parte de uma conquista democrática, a sociedade adere ao chamamento dos
meios de comunicação para participar de iniciativas e projetos como Acorda, Brasil. Está na
Hora da Escola! (1995) e Amigos da Escola (1999), dentre outros.
O Acorda, Brasil, lançado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em março de
1995, tem como objetivo central mobilizar a sociedade para assumir um compromisso com a
escola pública e valorizar a autonomia da gestão escolar. Essa seria uma forma de garantir o
acesso de todas as crianças à escola, promover seu sucesso nos estudos e, consequentemente,
pôr fim à repetência e à evasão escolar. Apesar da ênfase no ensino fundamental, buscam-se
parcerias para beneficiar outros níveis de ensino: infantil, médio, técnico, superior e
alfabetização de jovens e adultos. O programa incentiva empresas, entidades, prefeituras,
comunidades e cidadãos em geral a realizar parceria com o poder público em benefício da
escola, conclamando a sociedade à adoção de escolas e a contribuir para seu bom
funcionamento. Isso implica patrocinar compras, fazer doações para garantir a manutenção do
prédio, o aparelhamento da unidade escolar, o enriquecimento da merenda escolar, o
aprimoramento da atividade docente e o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos. O
programa prevê também a distribuição de verbas federais diretamente para as escolas, sem a
intermediação dos governos estaduais e municipais, a reforma do currículo e a avaliação das
escolas, por meio de testes aplicados aos alunos, bem como a premiação daqueles que
apresentarem melhor desempenho (Brasil, 1995g; 1997o).

152
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

O Amigos da Escola foi idealizado pela Rede Globo97. Criado em 1999 e vigorando até os
dias atuais, incentiva, por meio do trabalho voluntário de pessoas e grupos, a participação da
comunidade nas escolas. Além disso, a proposta tem como objetivos estimular e ampliar a
parceria entre escola e os grupos organizadores da comunidade, na perspectiva de melhorar as
condições nas escolas públicas. Assim, convoca-se a sociedade brasileira, todos os cidadãos,
para, de alguma forma, contribuir para a educação, que é vista como responsabilidade não
apenas do Estado, mas também de toda a sociedade civil. Os focos de atuação no projeto são: 1)
gestão escolar, com a participação da comunidade em ações de combate à evasão e à repetência e
nas instâncias colegiadas; 2) reforço escolar: atividades de apoio dentro e fora da escola aos
alunos com dificuldades de aprendizagem; 3) desenvolvimento de atividades de estímulo à
leitura; 4) artes e esportes: organização de atividades culturais e programas de lazer; 5) saúde e
qualidade de vida: desenvolvimento de ações de prevenção, de melhoria da qualidade de vida e
da saúde ambiental; 6) instalações e equipamentos: aquisição de equipamentos e atuação na
melhoria do ambiente escolar (Cenpec, 1999). Cada fascículo do projeto procura apontar os
caminhos para a participação de voluntários e instituições parceiras na gestão democrática e
autônoma da escola.
Tais projetos propõem parcerias entre os setores público e privado como alternativas para
o financiamento, se não da totalidade, pelo menos de parte significativa dos recursos
necessários. Dessa forma, o novo modelo de gestão combina os princípios de solidariedade e de
cooperação voluntária com a transferência, para os sujeitos individuais ou coletivos, da
responsabilidade pela provisão de determinados bens e serviços, antes próprios dos setores
públicos, compatibilizando ‘direitos sociais’ e filantropia.
A reinvenção da democracia na perspectiva da ampliação da participação social e da
partilha de responsabilidades com a sociedade civil, como propõe o programa da terceira via,
favoreceu a atuação da sociedade civil, tanto em termos de voluntariado quanto de filantropia
empresarial nas questões sociais. Nos últimos anos tem se intensificado o estímulo à atuação
filantrópica dos empresários, ou seja, à conduta de ‘responsabilidade social empresarial’98.
Segundo Martins (2009a, p. 148), o pressuposto é de que: “[...] as empresas e suas
fundações/institutos que assumem a responsabilidade por projetos sociais de relevância para o
país devem contar com o apoio do fundo público através de isenções fiscais”.
Nesse sentido, na nova forma de governação, a participação assume uma dimensão
objetiva e racional, baseada no compromisso, na coordenação de interesses de tipo contratual e
em princípios comunitários. Ela é

97
O projeto é implementado em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Instituto Faça
Parte, Conselho Nacional dos Secretários de Educação (CONSED), União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (UNDIME), além de instituições e empresas.
98
No Brasil, a responsabilidade social empresarial tem sido incentivada e apoiada pelo Grupo de Institutos,
Fundações e Empresas (GIFE), criado em 1989. Para o GIFE (2020, p. 1), o investimento social privado “é o
repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais,
ambientais, culturais e científicos de interesse público. Incluem-se no universo do investimento social privado as
ações sociais protagonizadas por empresas, fundações e institutos de origem empresarial ou instituídos por
famílias, comunidades ou indivíduos. Os elementos fundamentais – intrínsecos ao conceito de investimento social
privado – que diferenciam essa prática das ações assistencialistas são: preocupação com planejamento,
monitoramento e avaliação dos projetos; estratégia voltada para resultados sustentáveis de impacto e transformação
social; envolvimento da comunidade no desenvolvimento da ação. O Investimento Social Privado pode ser
alavancado por meio de incentivos fiscais concedidos pelo poder público e também pela alocação de recursos não-
financeiros e intangíveis”. Para potencializar o investimemnto social e a ação colaborativa o GIFE tem publicado
diversos materiais relacionados ao tema dentre os quais: Alinhamento entre o investimento social privado e o
negócio (Oliva, 2016), Guia de tendências e práticas do Investimento Social Empresarial (Brettas, 2017); Olhares
sobre a atuação do investimento social privado no campo de negócios de impacto (Brettas, 2018) e Filantropia
Colaborativa (SAEZ, 2020).
153
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

[...] expressão do activismo comunitário, em que a comunidade é vista


como um lugar de mobilização para a acção colectiva e, de modo mais
extensivo, para a criação de novos recursos colectivos através do auto-
provisionamento. Esta perspectiva está presente, particularmente, no sector
do voluntariado e em propostas de reinvenção dos governos locais mais
como estimuladores de iniciativas do que como fornecedores de serviços
(Clarke; Newman, 1997 apud Barroso, 2003a, p. 85, grifo do autor).

Dentre as iniciativas de estímulo à participação social no âmbito da escola, podemos citar


o Selo Escola Solidária. Criado em 2003, o selo é uma certificação do Instituto Faça Parte edo
Instituto Brasil Voluntário, em parceria com o Ministério da Educação (MEC), o Conselho
Nacional dos Secretários de Educação (CONSED), União Nacional dos Dirigentes Municipais
de Educação (UNDIME) e Fundo das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO). Os objetivos são reconhecer e valorizar escolas de Educação Básica que,
“comprometidas com uma educação fundamentada nos ideais de solidariedade, participação e
responsabilidade social” (Brasil, 2005c, p. 1),“promovem o voluntariado entre seus alunos como
maneira de compreender a sociedade e interagir positivamente em busca de um mundo melhor”
(Gife, 2011, p. 1).
Conforme o modelo gerencial, a participação social é também materializada por meio de
contratos de gestão e de controle dos resultados ou dos conselhos administrativos, em nível de
execução, cuja composição adota o critério da paridade entre gestores e usuários (Silva, 2003).
Destacamos, no entanto, que os estímulos governamentais para a participação da
comunidade têm sido aceitos sem indagações ou contestações por parte da sociedade por serem
apresentados fundamentalmente como conquistas democráticas e “[...] não como a gênese
política do neoliberalismo na qual os indivíduos tornam-se órfãos dos poderes constituídos” ou
“[...] como uma estratégia eficiente para acelerar, pela base, a desregulamentação do Estado
[...]” (Nagel, 2001b, p. 108) e a mercantilização dos serviços públicos.
Não supomos que as elites políticas sejam capazes, por si, de moldar e manipular as
atitudes e opiniões, de impor deliberadamente seus interesses. O que pretendemos deixar claro
é que as mudanças vivenciadas na sociedade condicionam, sugerem e dirigem os padrões
interpretativos da realidade. Dessa perspectiva, a decomposição ou a desestruturação da
coletividade, a crescente individualização dos interesses e a fragmentação das relações sociais
possibilitaram o avanço do referencial interpretativo pautado nas categorias individuais e a
retomada dos princípios do liberalismo, de atitudes e orientações políticas particularistas e pró-
liberdade de mercado com o apoio dos cidadãos. Isto não decorre apenas da ampla divulgação e
da ênfase dada a esse tipo de referencial, mas do fato de que as categorias e os princípios
correspondem às próprias expectativas particulares e imediatas. Assim, o que queremos dizer é
que todos são partícipes da construção dessa nova prática social que afasta do Estado a
responsabilidade pela garantia dos serviços e direitos, seja por ‘alienação’, seja por interesse.
A instrumentalidade utilizada para garantir um clima de aceitação e de adesão à cultura
do voluntariado e da participação social tem sido sutil, ou seja, os governos mobilizam a
disposição e a cooperação dos indivíduos por sucessivos apelos ao domínio afetivo, à
sensibilização e ao envolvimento emocional, especialmente por intermédio dos meios de
comunicação. Mediante “[...] frases sistematicamente repetidas, intencionalmente dirigidas ao
emocional dos cidadãos [...]”, sugerem-se e moldam-se atitudes, opiniões e percepções,
assegurando [...] “um treinamento comportamental que retira do ouvinte ou do leitor a
capacidade de refletir sobre os fatos e acontecimentos sociais, sempre apresentados de
modo sintético e sem contradições pela imprensa falada ou escrita [...]” (Nagel, 2001b, p. 1,
grifo do autor). Na perspectiva do programa da terceira via,

154
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

[...] o fenômeno do voluntariado deva ser estimulado, porque é bom para


todos. É bom para os indivíduos porque se acredita que o cidadão-voluntário
se libera dos códigos externos impostos pelos códigos disciplinares e
condutas rígidas ordenadas pela referência de classes sociais. O voluntário é
o sujeito altruísta e colaborador que, ao invés de reivindicar diretos, realiza
ações em benefício de terceiros, da comunidade e do país. Em geral, as
pessoas movidas por esse fenômeno apostam na construção de bem comum
de maneira ativa e criativa, sem esperar a intervenção do aparelho do Estado
para o enfrentamento dos problemas sociais [...] (Martins, 2009a, p. 182).

Assim, condiciona-se o desenvolvimento de opiniões públicas favoráveis aos novos


encaminhamentos e garante-se um modelo de atuação das organizações da sociedade civil na
execução de políticas sociais em parceria com o aparelho estatal.

Regulação e controle social: novas formas de intervenção estatal na condução das


políticas públicas

Conforme a tese do governo reinventado, o Estado deixa de ser interventor na economia


para ser regulador99 do processo de mercado. Enquanto regulador, dispõe de autoridade legal
para definir regras e preços, porém tem o desafio de encontrar novas formas de atuação. Sugere-
se que, para criar novos sistemas de controle, em substituição à regulação burocrática e
fortemente centralizada, os governos recorram a empresas e agências de regulação ou à
avaliação direta do cidadão-cliente dos serviços públicos. Isso possibilitaria um monitoramento
mais efetivo do desempenho das burocracias e das agências prestadoras de serviços. O cidadão-
cliente, entendido como o “[...] indivíduo que paga pelos serviços que obtém do Estado”
(Bresser Pereira, 2001, p. 33), passa a ser considerado como o juiz mais competente na avaliação
da qualidade dos serviços públicos (tempo, gasto, acessibilidade, rapidez dos resultados e
custo), favorecendo a concorrência entre as empresas públicas, semipúblicas e privadas pelos
subsídios escassos oferecidos pelo Estado.
No Brasil, para reforçar o poder do cidadão ou promover seu empowerment100, o Plano
Diretor de Reforma do Aparelho do Estado propõe que sejam criados “[...] mecanismos que
viabilizem a integração dos cidadãos ao processo de definição, implementação e avaliação da
ação pública” (Brasil, 1995a, p. 51). Dentre os mecanismos previstos, estão a participação da
comunidade nos conselhos administrativos das agências públicas não-estatais para a fiscalização
e deliberação coletiva, por meio do controle social direto (Brasil, 1995a) e um “[...] sistema de
recebimento de reclamações e sugestões dos cidadãos sobre a qualidade e eficácia dos serviços
públicos” (Brasil, 1995a, p. 75) e de avaliação direta da satisfação do cliente. Por isso, o governo
FHC criou o ‘Fala, Brasil – Serviço de Atendimento ao Cidadão’, um serviço telefônico gratuito
oferecido pelo Ministério da Educação (MEC) para receber consultas, reclamações, denúncias e
sugestões da população para a área educacional (Brasil, 1997o). Atualmente um novo canal de
comunicação com a sociedade foi disponibilizado: o ‘Fale Conosco’, além do e-OUV – Sistema
de Ouvidoria do Poder Executivo Federal ao qual, por exemplo, o Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) encontra-se vinculado. Para assegurar a

99
Embora seja um termo polissêmico, “[...] a regulação enquanto acto de regular significa o modo como se ajusta a
ação [...] a determinadas finalidades, traduzidas sob a forma de regras previamente definidas” (BARROSO, 2005,
p.727). O conceito está associado “[...] a coordenação, controle e influência exercidas pelos detentores de uma
autoridade legítima [normalmente estatais] [...], enquanto intervenção das autoridades públicas para introduzir
‘regras’ e ‘constrangimentos’ no mercado ou na ação social” (Barroso, 2005, p.731).
100
O empowerment, um conceito relativamente recente, pode ser entendido como o crescimento de poder, induzido
ou conquistado, que permite aos indivíduos ter maior atuação nas políticas de regulação.
155
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

participação do cidadão na fiscalização, associa-se democracia com o direito de informação –


publicidade e transparência dos atos da gestão.
Desse modo, a participação direta da sociedade civil na aferição do desempenho,
combinada com os mecanismos e as forças do mercado (competição/livre escolha), é
considerada a condição mais democrática de atendimento às exigências individualizadas dos
consumidores no mercado. Favorecendo a comparação de desempenhos, ela induz/pressiona a
competitividade e a melhoria da qualidade dos serviços prestados. No jogo estratégico da
competição no mercado, em vez de regras burocráticas, as instituições democráticas atuariam
em conformidade com as demandas dos consumidores, ou seja, a administração, baseada no
desempenho, criaria meios para aferir os resultados, de forma a induzir a competição, verificar a
eficiência do desempenho e orientar as decisões da política pública. Como a “[...] nova
autoridade está em nossos mercados e quase sempre assume a forma de nossos consumidores”
(Champy, 1995 apud Kettl, 2001, p. 97), a democracia política nada mais é do que meios
institucionais que tornam possível a livre manifestação e a expressão das vontades, interesses e
preferências particulares dos indivíduos.
Para o modelo gerencial, a ‘participação cidadã’ também é entendida como um indicador
para definir melhor quais gastos são desnecessários, quais programas governamentais devem ser
cortados e quais revelam eficiência para ser subsidiados ou receber incentivos financeiros como
recompensa pelos resultados ou pela maior produtividade. Segundo Kettl (2001), isso desobriga
os governos da tarefa de selecionar os programas passíveis de eliminação, de identificar quais os
serviços devem ser prestados pelo setor privado, restringindo, pelo menos em tese, a autoridade
conferida à burocracia e, ao mesmo tempo, evitando o descontentamento dos cidadãos que irão
receber apenas os serviços pelos quais estão dispostos a pagar. A participação social também
evita o conflito com os interesses particulares, à medida que são os próprios cidadãos que
definem qual deve ser o destino dos recursos públicos.
Portanto, o que está em questão no novo modelo de gestão pública são novas formas e
combinações de financiamento, fornecimento e regulação da educação. A redescoberta da
participação pelo modelo gerencialista corresponde aos novos processos de regulação baseados
em formas indiretas de controle, às novas condições de exercício do poder e à reconfiguração
dos papéis das várias instâncias do sistema educativo. Nesse modelo, substitui-se a estratégia do
controle direto e a priori dos processos, meios e procedimentos pela ‘regulação autônoma e
sistêmica’ a posteriori, cujas fontes e instrumentos estão focalizados nos resultados (Barroso,
2005). É o que ocorre na avaliação em que o cumprimento de metas é verificado por meio do
controle do produto e não dos processos, reduzindo a interferência autoritária do Estado no
funcionamento do sistema de ensino e das instituições escolares e no comportamento de seus
agentes e enfatizando a autonomia com base no controle à distância ou ‘controle remoto’ (Lima,
1995). Comenta Afonso (1999, p. 53-54, grifo do autor):

[...] Às estratégias tradicionais da intervenção ‘reguladora’ do Estado


centrada na lei, na violência e na manipulação do mercado, juntam-se agora
novas estratégias centradas na gestão da informação, e que passam pela
negociação, pela delegação, pela coordenação e pela avaliação [...]
Neste contexto, a participação alargada dos actores sociais nos processos
legislativos do Estado ‘reflexivo’ assume um relevo central para o sistema
político, não tanto como uma exigência ‘de princípio’ decorrente do respeito
por uma idéia de aprofundamento da democracia, mas principalmente como
um apoio indispensável à governabilidade, em sociedades tão complexas [...].

Assim, as expressões autonomia e participação da sociedade civil passam a ter um sentido


essencial nas novas formas de intervenção estatal no controle das políticas públicas. Na

156
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

mudança dos procedimentos de regulação adotada pelo Estado, os instrumentos de macro


planificação são substituídos por meios de micro regulação; por usa vez, a ‘regulação do
controle’ das estruturas e dos processos é substituída pela autorregulação ou ‘regulação
autônoma’ conduzida pelos próprios interessados. Por isso, “[...] afirma-se que a administração
pública deve ser mais permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das
organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os
resultados (fins)” (Brasil, 1995a, p. 22).
O novo modo de gestão caracteriza um controle mais sutil. Quanto a isso, concordamos
com Gandin e Hipólito (2003, p. 67): “[...] nesse contexto, maior autonomia significa que, na
verdade, maior controlo (governo), no sentido de que o que está a ser produzido aí é uma forma
de ‘governo do eu’ na qual maior liberdade é consentida, pois maior controlo já foi garantido por
meio de formas de auto-regulação”.
Basicamente, o que está em causa nas propostas de descentralização, de autonomia, de
parceria e de participação da sociedade civil é a redefinição do papel do Estado, que, de produtor
direto, se torna regulador. Devemos ressaltar, porém, que, nas sociedades modernas, existem
basicamente dois sistemas de regulação econômica e social: o do Estado e o do mercado.
Segundo Valente (1993, p. 13, grifo do autor):

[...] Quando, contra o Estado democrático, se invoca a ‘sociedade civil’, é o


mercado (alegremente identificado, aliás, com a sua modalidade de
concorrência perfeita) que implicitamente se propõe nessa delicada alquimia
de reconstituição da naturalidade social. A ‘sociedade civil’, [constituída do
somatório de indivíduos abstraídos das contingências sociais] é o outro
nome do mercado.

Assim, a sociedade civil, à medida que deixa de ser uma esfera constituída por grupos
sociais com interesses comuns ou identidades coletivas vinculadas às classes sociais e se
transforma em uma esfera de ‘eus fragmentados’, homogeneizados pelo consumo, ou de
subgrupos e movimentos sociais multifacetados, mais condicionados aos próprios e imediatos
interesses, funciona como uma instância decisiva no encaminhamento das políticas neoliberais.
Com o enfraquecimento da perspectiva da luta de classes, institucionalizada em partidos
políticos, parlamento e sindicatos, a sociedade civil passa a ser vista como um importante
instrumento de regulação de escolhas em um plano absolutamente pessoal e de
desenvolvimento de agendas autônomas. Esse aspecto torna claro porque as políticas públicas
atuais combinam princípios democratizadores e privatizadores.
Destacamos outro aspecto das novas formas de intervenção estatal na condução das
políticas públicas: de acordo com o paradigma pós-burocrático do modelo gerencial, a
administração pública deve ser permeável “[...] à maior participação dos agentes privados e/ou
de organizações da sociedade civil” (Brasil, 1995a, p. 22). Com a perspectiva dos ganhos
gerenciais e do aprimoramento e consolidação da democracia, os processos de liberalização, de
flexibilização e de privatização vêm sendo conjugados com o processo de democratização, o que
promove a interdependência de ambos.
Portanto, a concepção de “Estado regulador” corresponde a alterações no papel do
Estado. Este abandonaria seu papel de executor das políticas públicas para assumir duas novas
funções: a de regulador e a de catalizador, principalmente no setor dos serviços sociais
(Osborne; Gaebler, 1998).
Restringir o Estado à função de regulação implica levar a sociedade a agir por si mesma e
a responder autonomamente pelos problemas comuns, razão pela qual se estimula
constantemente o encontro de soluções fora do setor público. Por meio de agências executivas
ou ‘organizações sociais’, da ação da comunidade e da união com a iniciativa privada, introduz-

157
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

se, ao mesmo tempo, uma nova proposta de regulação social, sustentada na participação, e um
novo processo de parceria na consecução dos objetivos públicos. Como promotor desses
serviços, o Estado busca adequar e moldar as organizações sociais (subsidiando-as101,
regulando-as mediante o gerenciamento dos resultados), mas sem assumir a responsabilidade
de ser seu único provedor (Brasil, 1995a). Isso também está explícito no relatório do Banco
Mundial (1997, p. 28).

Embora o Estado tenha um papel central na garantia de serviços básicos -


educação, saúde, infra-estrutura -, não é obvio que deva ser o único
provedor. As decisões do Estado em relação à provisão, financiamento e
regulamentação desses serviços devem basear-se nas vantagens relativas dos
mercados, da sociedade civil, das organizações do governo.

O que podemos problematizar nessa nova política é que, ao mesmo tempo em que
transfere responsabilidades pela prestação de serviços públicos para terceiros (organizações,
cidadãos em particular, empresas privadas e setor público não-estatal), reduzindo gastos e se
desincumbindo do financiamento de tais serviços, o Estado não deixa de arrecadar tributos.
Observamos, além disso, o aumento na carga tributária, especialmente a dos impostos indiretos,
como, por exemplo, o pagamento de pedágio, o zoneamento com cobrança de estacionamento
em vias públicas e a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), cobrança
que incidiu sobre as transações bancárias entre 1997 a 2007, ou imposto similar, cujos
resultados são destinados ao ‘fundo público’. Esses recursos, porém, continuam canalizados em
maior escala para preencher a incompletude do capital privado, possibilitando a reprodução do
sistema capitalista, agora fora dos marcos nacionais, desdobrados pela internacionalização
produtiva e financeira (Oliveira, 1999).
Desse modo, o traço principal da reforma é a reorientação do investimento do Estado. O
fundo público é apropriado cada vez mais amplamente pelo setor privado/mercantil, financiando
o capital de acordo com suas novas bases de reprodução – flexibilização, desterritorialização e
transnacionalização, meios e processos de acumulação, elevação dos níveis de concentração e
centralização em condições monopolistas, sob o domínio hegemônico do capital financeiro.
A proposta atual de reforma do Estado acompanha o processo em que as formas de
regulação econômica e social levadas a cabo pela política keynesiana precisam ser substituídas
por formas menos interventoras e mais flexíveis de regulação e organização, envolvendo
amplamente a participação da comunidade, a exemplo dos conselhos administrativos e de
planejamentos participativos. Entretanto, para além das aparências, não entendemos que a
ênfase na descentralização e na autonomia seja o aspecto mais relevante para se discutir nessa
proposta. O que consideramos necessário problematizar no caso é que tanto a
descentralização/autonomia quanto a democratização/ampliação da participação só podem ser
asseguradas pelo nível de organização e de envolvimento do Estado na formulação e/ou controle
das políticas públicas: é nesse terreno que se definem o destino e as regras de uso do fundo
público. Chauí (1999) afirma que, nos limites da sociedade de classes contemporânea, a luta
política democrática gira em torno da gestão do fundo público. Ou seja, a luta pela
descentralização, pela autonomia e pela participação não pode ser desvinculada da luta pela

101
Uma das formas de subvenção estatal na educação tem sido o subsídio por aluno, financiamento proporcional ao
número de matrículas que cada unidade da federação oferece a cada ano, conforme estabelecido pelo Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), criado em
1998 (Brasil, 1998m), e atualmente pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), instituído pela Lei nº 11.494, de 20 de junho de
2007(Brasil, 2007a), e pelo Programa Direito Direto na Escola (PDDE), criado em 1995. Os recursos alocados
dependem da demanda, pois, de acordo com o modelo gerencial, o governo empreendedor financia resultados.
158
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

democratização da sociedade como um todo, isto é, da perspectiva de alteração das relações


sociais.

Descentralização, autonomia administrativa e recentralização de poder

Nas orientações do modelo gerencial, descentralização e autonomia não significam


menos controle do Estado; é exatamente o oposto. Segundo Osborne e Goebler (1998, p. 289),
“[...] com os sistemas computadorizados de hoje, os administradores também dispõem de tanta
informação que são capazes de supervisionar um número maior de pessoas do que podiam fazer
no passado. A abrangência de seu controle é mais amplo [...]”. Esse aspecto tem levado muitos
autores a afirmar que, em vez da descentralização com maior autonomia, o que envolve
redistribuição de poder decisório ou alterações no núcleo de poder, o que tem ocorrido na
verdade é uma ‘recentralização de poderes’, o que Lima (1995, p. 57, grifo do autor) denomina
de ‘recentralização por controle remoto’ e uma “[...] concepção de autonomia com delegação
política e técnica gestionária”. Segundo o autor, isso significa “[...] centralizar (a maior parte
das vezes recentralizar, no caso português) as decisões políticas e estratégias e desconcentrar as
estruturas operacionais e de coordenação, numa base regional ou mesmo local [...]” (Lima,
1995, p. 65, grifo do autor).
Conforme o Plano Diretor de Reforma do Estado, reformar o Estado significa aumentar
sua capacidade administrativa de governar para que se possa garantir não apenas propriedade e
contratos, mas também exercer um papel complementar na coordenação econômica e na
redução das desigualdades (Brasil, 1995a). Não significa, portanto, que o Estado deve deixar de
intervir; pelo contrário, significa o revigoramento de sua capacidade institucional, uma forma de
garantir sua presença de forma mais efetiva e, mediante a adoção de novos mecanismos de
gestão, organização e funcionamento, contribuir para a governabilidade em favor da reprodução
das relações sociais.
Assim, a tarefa de reformar o Estado consiste em equipá-lo com instrumentos para
ampliar sua capacidade de governar. Trata-se, portanto, de estabelecer uma estrutura de poder
no interior das organizações públicas compatível com as orientações do novo modelo de
administração gerencial. Embora o poder vertical permaneça, processando-se de cima para
baixo, ele tende a perder a forma piramidal, característica do modelo burocrático em que as
decisões emanavam de pessoas singulares e identificáveis em uma cadeia hierárquica bem
definida.
Nesse novo modelo de gestão, no âmbito tanto da empresa quanto do Estado, o que se
verifica é o aumento da centralização do planejamento e do controle e a descentralização da
execução. Na educação, esse aspecto pode ser constatado nos termos da LDB - Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996 (Brasil, 2019a) e da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995 (Brasil,
1995h), que regulamenta o papel do Conselho Nacional de Educação. Ao resguardar e fortalecer
o papel do MEC na formulação, na coordenação e no acompanhamento da política nacional para
a educação, essas normativas descaracterizam e secundarizam o papel do Conselho Nacional da
Educação, tornando-o um simples órgão consultivo com “[...] função normativa e de supervisão
e atividade permanente” (Brasil, 2019a, Art. 9°, Inciso IX, § 1°) e de assessoramento ao MEC
(Brasil, 1995c, Art. 7º). Observa-se que a LDB omite também a referência aos conselhos
estaduais e municipais de educação.
Desse modo, ao mesmo tempo em que as políticas educativas descentralizam a
administração dos sistemas de ensino, sobretudo quanto à municipalização, e estabelecem bases
para a gestão democrática da educação pública, o Estado regulamenta, avalia e monitora os
sistemas de ensino e as unidades escolares e mantém centralizadas as decisões relevantes. Os
mais importantes meios de controle do Ministério da Educação são os seguintes: a prescrição de
um currículo nacional comum (Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, Base Nacional
159
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Comum Curricular - BNCC); a avaliação de desempenho (Sistema Nacional de Avaliação da


Educação Básica – SAEB e Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM); avaliação do livro
didático, cuja tendência é a recomendação de textos que dialoguem com as normas definidas em
nível central; criação da TV Escola, um canal de televisão do Ministério da Educação voltado
para capacitar, aperfeiçoar e atualizar gestores e educadores da rede pública, disseminando uma
programação afinada com as diretrizes curriculares nacionais; criação de banco de dados
informatizados; estabelecimento de critérios para a destinação de recursos (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação - FUNDEB e Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE102); divulgação de
informações [guias de tecnologias educacionais e guias dos livros didáticos] para auxiliar
gestores da educação básica pública na decisão sobre a aquisição de materiais e tecnologias, a
prestação de contas dos recursos e a responsabilização pelos resultados ou accountabitity.
Neste sentido, a reformulação da organização pública tem se pautado no que Sennett
(2000) denominou de ‘reinvenção descontínua das instituições’, isto é, na criação de unidades
descentralizadas, com autonomia local e conectadas por laços mais ou menos frouxos ao núcleo
central da organização, que exerce o controle global por meio das tecnologias e das
telecomunicações, da informação e da distribuição de recursos. Ao analisar a substituição de um
modelo de organização por outro, Bruno (1997) considera que esse processo envolve novos
mecanismos de controle que resultam tanto na ‘despersonalização do poder’ quanto em uma
autonomia meramente operacional, específicas de participação controlada dos agentes
educativos, não significando o controle das instâncias decisórias e de poder.

102
O ‘Programa Dinheiro Direto na Escola’ (PDDE) foi o primeiro programa de transferência de recursos financeiros
da União diretamente para escolas públicas (Brasil, 2000e; 2003; 2018d). Ele foi criado pela Resolução do FNDE nº
12, de 10 de maio de 1995 (Brasil, 1995f), sob a designação ‘Programa de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental’ (PMDE), sendo gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE). Com a Medida Provisória nº 1.784, de 14 de dezembro de 1998 (Brasil, 1998l), o PMDE passou a ser
denominado PDDE e, em 2007, foi incorporado ao Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE (Brasil, 2007b).
“Até o ano de 2008 o PDDE atendia somente ao ensino fundamental. A partir de 2009, passou a atender a todos os
níveis da educação básica” (Mafassioli, 2015, p. 2). O Programa “[...] consiste na assistência financeira às escolas
públicas da educação básica das redes estaduais, municipais e do Distrito Federal e às escolas privadas de
educação especial mantidas por entidades sem fins lucrativos. O objetivo desses recursos é a melhoria da
infraestrutura física e pedagógica, o reforço da autogestão escolar e a elevação dos índices de desempenho da
educação Básica. Os recursos do programa são transferidos de acordo com o número de alunos, de acordo com o
censo escolar do ano anterior ao do repasse [...]” e com a situação da unidade escolar em que os alunos estão
matriculados (Brasil, 2018d). Em 2007, com base na Resolução nº 03, de 04 de março de 1997 (Brasil, 1997m), que
estabeleceu os critérios e as formas de transferência de recursos financeiros para as escolas públicas, foi
implantada a obrigatoriedade de repasse diretamente para as unidades executoras (UEx). Conforme Adrião e
Peroni (2007, p. 258), “[...] desde 1997, o Programa exige, como condição para o recebimento dos recursos
diretamente pelas escolas, a existência de Unidades Executoras (UEx) [...]”, ou seja, uma “[...] entidade de direito
privado, sem fins lucrativos, representativos da comunidade escolar (caixa escolar, conselho escolar, associação de
pais e mestres, etc.), responsável pelo recebimento e execução dos recursos financeiros recebidos pelo FNDE [...]”
(Brasil, 2003c, Art. 2º, Inciso VII, §2º). Suas atribuições são “administrar recursos transferidos por órgãos federais,
estaduais, distritais e municipais; gerir recursos advindos de doações da comunidade e de entidades privadas;
controlar recursos provenientes da promoção de campanhas escolares e de outras fontes; fomentar as atividades
pedagógicas, a manutenção e conservação física de equipamentos e a aquisição de materiais necessários ao
funcionamento da escola; e prestar contas dos recursos repassados, arrecadados e doados” (Brasil, 2014e, p. 3).
Nesses termos, “Declaradamente, o Programa opta pela criação de UEx de natureza privada como mecanismo para
assegurar maior flexibilidade na gestão dos recursos repassados e ampliar a participação da comunidade escolar
nessa mesma gestão” (Adrião; Peroni, 2007, p. 258). De acordo com Mafassioli (2015, p. 7), “[...] o PDDE ampliou
seu raio de atuação. Em 2013, com base na Lei n° 12.695, de 25 de julho de 2012 e na Resolução/CD/FNDE nº 10,
de 18 de abril de 2013, o ‘Programa passou por várias modificações”. No ano de 2014, o sistema PDDE Interativo
foi disponibilizado para todas as escolas, de maneira similar à plataforma utilizada pelo PDE-Escola. “Os principais
objetivos dessa convergência: a) facilitar a adesão de diretores escolares aos programas do MEC, centralizando
informações relativas às diferentes ações e b) fomentar a participação da comunidade escolar nas decisões sobre a
destinação dos recursos PDDE, condicionando o recebimento desses recursos à elaboração da metodologia de
planejamento participativo do PDDE Interativo”.
160
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

A retórica da descentralização, da autonomia e da participação dos cidadãos que


caracteriza os discursos sobre as reformas educativas não encontra inteiro respaldo na vida real.
Tais princípios acabam por ficar restritos a formas mediadas pelo Estado, que mantém o
controle efetivo sobre as decisões políticas, sobre o grau da ‘devolução’ de poderes e sobre os
critérios de decisão, que em geral são de natureza privada e mercantil. A esse respeito Shiroma,
Moraes e Evangelista (2004, p. 118) argumentam: “Não se trata aqui de afirmar que o Estado
abre, ou abrirá, mão do controle sobre a educação, mas sim de que busca adquirir flexibilidade
administrativa adotando um tipo de gestão que mescla aspectos de descentralização e
centralização [...]”.
Em consequência, o novo modelo, ao distribuir competências, criou uma ambiguidade no
que se refere à responsabilidade de decidir e definir as próprias competências, à maior
imprevisibilidade e à ausência de autoridade, consolidando um perfil ‘híbrido’ dos serviços
centrais. Consideramos que essa ‘despersonalização do poder’ aumenta a responsabilidade dos
sistemas de ensino e das unidades escolares, distanciando-as dos governos centrais e
deslocando o compromisso do poder público. Ao mesmo tempo, na ênfase à maior participação
da comunidade na gestão das instituições públicas, combina-se democracia participativa e
iniciativa autônoma com as novas formas de controle da gestão privada.

Avaliação como instrumento de gestão educacional

De acordo com o modelo gerencial, para minimizar seus custos, o governo empreendedor
deve financiar os resultados (Osborne; Goebler, 1998). Para que os gastos governamentais
incidam apenas sobre os resultados das organizações públicas prestadoras de serviços, os
governos devem adotar mecanismos de avaliação e de aferição de rendimento e desempenho.
Assim, por meio de rankings de qualidade, podem classificar e tornar públicos os resultados. A
avaliação de desempenho é, ao mesmo tempo, um mecanismo para induzir à prestação de contas
e à responsabilização pelos resultados alcançados e um mecanismo de controle, ou seja, de
verificação da eficiência e da produtividade dos serviços públicos.
Nas reformas educacionais empreendidas a partir da década de 1990 conforme as
orientações do modelo gerencial, o pressuposto é que a escola tenha autonomia para agir, mas
também preste contas do que faz. Para isso, foram desenvolvidos sistemas de informação
contendo indicativos para avaliação do desempenho escolar. O Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB)103, instituído oficialmente por meio da Portaria nº 1.795, de 27 de dezembro de
1994 (Brasil, 1994b), centra-se atualmente em três avaliações: Avaliação Nacional da Educação
Básica (ANEB); Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), popularmente
conhecida por Prova Brasil, e Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). Além disso, têm-se o
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), criado em 1998, e o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB), calculado por escola, por rede e pela União. Esse índice, instituído
pelo Decreto n° 6.094, de 24 de abril de 2007 (Brasil, 2007c), resultada combinação dos
indicadores das taxas de repetência e de evasão escolar apresentados pelo Censo Escolar, bem
como do desempenho dos alunos na Avaliação Nacional do Rendimento Escolar. Tais sistemas
foram introduzidos para apoiar os novos mecanismos de gestão da educação.
Conforme o Relatório do SAEB de 1990, a aferição da aprendizagem dos alunos e do
desempenho das escolas, por meio de testes individuais aplicados aos alunos por agentes
externos à escola com base nas matrizes curriculares validadas nacionalmente, naquele
momento tinha como objetivos: “[...] detectar, primeiramente, os problemas de ensino-

103
Realizado desde de 1990, o SAEB passou por várias alterações. A partir de 2019, a avaliação passou a contemplar
também a Educação Infantil (creche e pré-escola), ao lado do Ensino Fundamental (2ª, 5º e 9º ano) e Ensino
Médio (3ª e 4ª série).
161
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

aprendizagem existentes e, em segundo lugar, determinar em que condições (de gestão, de


competência docente, de alternativas curriculares etc.) são obtidos os melhores resultados e que
áreas exigem uma intervenção para melhorar as condições de ensino” (Brasil, 1991 apud
SOUSA, 2003, p. 179). Embora, em princípio, a finalidade dessa avaliação é subsidiar as políticas
educativas e orientar as ações administrativas, na interepretação de Sousa (2003, p. 179-180):

O delineamento assumido pelo Saeb encontra respaldo em argumentos que


justificam a avaliação como instrumento de gestão educacional, tais como:
possibilidade de compreender e intervir na realidade educacional,
necessidade de controle de resultados pelo Estado, estabelecimento de
parâmetros para comparação e classificação das escolas, estímulo à escola e
ao aluno por meio da premiação, possibilidade de controle público do
desempenho do sistema escolar.

Segundo Afonso (2000a), a avaliação externa como instrumento de gestão educacional é


valorizada porque, em substituição ao controle por meio de regras e regulamentos, asseguraria
ao Estado formas mais sofisticadas de regulação e de controle administrativo dos sistemas de
ensino e das escolas, além de submetê-los à concorrência. Ou seja, significaria o “[...]
estabelecimento de parâmetros para a comparação e classificação dos desempenhos, estímulo
por meio de premiação, possibilidade de controle público do desempenho do sistema escolar”
(Souza; Oliveira, 2003, p. 881).
Tornar a gestão descentralizada, participativa e autônoma significa também fortalecer o
poder de controle da sociedade civil. Para o modelo gerencial, para que haja maior competição
entre os prestadores de serviços públicos, inclusive a escola, para que os clientes tenham acesso
às informações e sejam capazes de transitar por entre as muitas opiniões disponíveis, os
sistemas devem ser ‘transparentes’, seu desempenho deve ser tornado público (Osborne;
Goebler, 1998). Essa lógica explica algumas iniciativas, a exemplo do Projeto de Lei nº 7.378, de
2017 (Brasil, 2017h), proposto à apreciação da Câmara de Deputados, no qual se “[...]
estabelece a obrigatoriedade de as escolas de ensino fundamental e médio exibirem em placa
visível o respectivo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) [...]”, alterando a Lei
nº 13.005, de 2014 (Brasil, 2014a). A justificativa para a iniciativa é:

A divulgação do Ideb de cada escola na entrada principal de cada uma delas


incentivará o comprometimento de cada instituição de ensino em melhorar a
qualidade dos seus serviços. Além disso, possibilitará ao público conhecer
em que nível se encontra a escola em relação às outras do município, o que
fomentará a competição saudável entre as instituições de ensino e
possibilitará que a comunidade escolar cobre dos dirigentes um
aprimoramento da educação (Brasil, 2017h, p. 2).

Atualmente tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n° 4.397, de 2019, que


“Estabelece a obrigatoriedade de as escolas públicas de ensino fundamental e médio exibirem a
média relativa ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Conforme seu Art. 1º:
“As escolas públicas de ensino fundamental e médio exibirão, em local visível, a última média
relativa ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), bem como a última média
dos respectivos Município e Estado, ou, se for o caso, do Distrito Federal” (Brasil, 2019f, p. 2).
Desse modo, o sistema de avaliação seria, simultaneamente, um importante instrumento
de controle, regulação e fiscalização, seja do cumprimento das metas estabelecidas, seja do
esclarecimento aos ‘consumidores’ sobre as escolas que merecem ser consideradas como de
qualidade, para que as forças do mercado possam operar e os indivíduos fiquem livres para
efetuar escolhas, ou para levantar indicadores para o repasse de verbas públicas.
162
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Portanto, ao mesmo tempo em que, por meio de políticas públicas, o Estado procura
favorecer a descentralização administrativa e a autonomia da gestão da educação, estabelece um
rígido padrão de controle da educação (político, administrativo e pedagógico), criando
mecanismos de avaliação de desempenho (sobretudo acadêmico) e de concessão de
financiamento. Para o modelo gerencial não existe o ‘mercado livre’ isento de qualquer
influência governamental. Todos os mercados legais são organizadoscom regras estabelecidas
pelo governo (Osborne; Gaebler, 1998). O controle dos resultados é uma estratégia utilizada
pela administração empreendedora para orientar as decisões, alcançar as metas estabelecidas e
estruturar o mercado para garantir as demandas sociais, evitando burocracias administrativas no
setor público e preservando a descentralização administrativa e a autonomia dos sistemas.
Seixas (2001, p. 223, grifo do autor) comenta:

Também se a desregulação se encontra associada à auto-regulação, o certo é


que nem sempre se cumpre uma das assumpções da retórica do Estado
avaliador, a de que a diminuição do poder central automaticamente
corresponde a um aumento do poder da instituição. Diferenciando uma
autonomia substantiva, associada ao controlo do produto (objectivos), de
uma autonomia processual, traduzida num controlo dos processos
(condições, recursos e estratégias), e estando esta última dependente e
subordinada hierarquicamente à primeira, por detrás da retórica de maior
autonomia institucional é visível a manutenção, se não o reforço, da
intervenção estatal. A autonomia institucional é, fundamentalmente, uma
autonomia condicional ou contratual, na medida em que o exercício do
controlo dos processos é condicionado pela produtividade institucional,
sendo esta controlada pelo Estado ou por organismos intermediários
constituídos para tal.

Assim, os mecanismos de avaliação e de financiamento combinam princípios


democratizadores e privatizadores. Ao mesmo tempo em que se revitaliza a participação da
comunidade e se dá voz e ouvidos aos clientes para controlar os serviços públicos, também se
estimula a responsabilização pelos resultados escolares e a competição entre as instituições. A
divulgação dos resultados e a premiação, com recursos adicionais, das instituições que
melhoram o desempenho na escala avaliativa, conforme podemos identificar no Plano de
Desenvolvimento da Escola (PDE- Escola)104, compõem uma ferramenta gerencial voltada para
aumentar o desempenho da escola e aperfeiçoar a gestão escolar democrática e tornar o
planejamento mais eficaz. Assim, disponibilizam-se recursos financeiros para as escolas
priorizadas pelo programa, na expectativa de que, apoiando a execução de todo ou de parte do
seu planejamento, auxiliando-as a identificar e enfrentar seus problemas, se eleve a qualidade do
ensino (Brasil, 2006b).
O que é bastante preocupante nessa política é que, instituindo-se paulatinamente um
sistema de prêmios e castigos com base no mérito e no esforço individuais dos sujeitos

104
“O PDE Escola foi concebido no âmbito do Fundescola, objeto do acordo de empréstimo firmado em 1998 entre o
governo brasileiro e o Banco Mundial com o objetivo de melhorar a gestão escolar, a qualidade do ensino e a
permanência das crianças na escola. Até 2005, o programa era destinado exclusivamente às unidades escolares de
ensino fundamental localizadas nas chamadas ‘Zonas de Atendimento Prioritário’ (ZAPs) das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste [...] Em 2007, após a divulgação dos resultados da primeira rodada do IDEB (relativo ao
período de 2005), o Ministério da Educação entendeu que seria necessário criar um mecanismo que envolvesse
diretamente as escolas com IDEBs mais críticos, optando-se então pela adoção do PDE Escola junto àquele
público específico [...] Os recursos são repassados por dois anos consecutivos e destinam-se a auxiliar a escola na
implantação das ações indicadas nos planos validados pelo MEC. Os valores, transferidos para as Unidades
Executoras das escolas, são definidos em função do número de matrículas do Censo Escolar do ano anterior,
variando de acordo com as faixas definidas nas Resoluções publicadas pelo FNDE” (Brasil, [2019]).
163
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

envolvidos na atividade educacional, a tendência é “naturalizar” ainda mais as diferenças


individuais. Observa-se, assim, no encaminhamento das políticas educacionais, uma forma
bastante especifica de combinar a regulação do Estado com a lógica de mercado (Afonso,
2000a), o que expressa uma relação de complementariedade entre ambas.

Flexibilização da gestão da educação e da organização do trabalho escolar

A importação do modelo gerencial da iniciativa privada pela administração pública tem


como objetivo principal operar mudanças nas instituições a fim de torná-las extremamente
flexíveis para decidir e inovar, possibilitando sua atuação nas circunstâncias mutantes e
complexas do mercado, como também para racionalizar os gastos públicos em tempos de
escassez e aumentar a eficiência governamental. Com base nesta perspectiva, as estruturas
burocráticas e centralizadoras, pelo excesso de normas, pela rigidez de procedimentos e pelo
distanciamento da comunidade a que servem, são combatidas e a administração
desburocratizada, descentralizada, participativa e flexível extremamente valorizada (Osborne;
Goebler, 1998; Brasil, 1995a).
A substituição do Estado do bem-estar social pelo Estado gestor implica não apenas uma
mudança no sistema organizacional administrativo, no sentido de torná-lo menos burocrático e
mais flexível, mas também a reforma do sistema jurídico. Por isso, a reforma administrativa do
Estado, orientada pelo modelo de administração gerencial, sob o argumento do peso excessivo
da legislação sobre as organizações e da necessidade de sua diminuição, substitui leis, normas,
regras e regulamentos fixos, definidos como padrões universais e coletivos, por uma
configuração jurídica mais flexível. O objetivo é derrubar as estruturas tradicionais e mais
facilmente permitir a fusão de capitais entre as empresas, o avanço da internacionalização da
economia, a reorganização, o realinhamento e a refocalização das instituições para que tenham a
flexibilidade necessária para se adaptar às circunstâncias mutáveis e imprevistas do mercado e
para um melhor uso das novas opções de serviços e de infraestrutura.
Assim, com o pressuposto de que as relações jurídicas, tais como as formas de atuação do
Estado, têm seu fundamento nas relações sociais estabelecidas entre os homens para produzir
sua vida material, podemos dizer que a forma jurídica, definida no interior de tais relações,
constitui seu estatuto legal regulador e controlador, sendo uma viabilizadora técnica do
funcionamento da sociedade. Isto significa dizer que “[...] as relações econômicas de um
determinado modo de produção se expressam e ao mesmo tempo são constituídas por
categorias jurídicas como sujeito de direito, contrato, direitos e deveres, sanção, e tantos outros”
(Corrêa, 1999, p. 157).
Para alcançar novos padrões de competitividade e de acumulação, o capital precisa alterar
as relações de trabalho, o que implica desconstruir legislações, regras e padrões de organização
do Estado do bem-estar social e da indústria de produção de massa (uniforme e coletiva) e
adotar normas e padrões mais flexíveis; em uma palavra, desburocratizar. As instituições
dependem da normatividade estatal para promover mudanças em sua estrutura organizacional.
Por isso, as normas legais, coletivas e racionais, consideradas objetivas e imparciais e, portanto,
democráticas no modelo de Estado do bem-estar social, são abandonadas e substituídas por um
referencial centrado nos valores individuais (capacidade do indivíduo para se autoformar, para
escolher e tomar iniciativa, desenvolver suas próprias capacidades, realizar seus desejos como
consumidores particulares) e nas categorias individualistas do ‘homem econômico’, assumidas
como um novo preceito de democracia.
Ao propalar os direitos individuais, conforme os ideais do liberalismo, o ordenamento
jurídico legitima os comportamentos individualizados e individualizantes apresentados nas
relações atuais, seja por meio da fragmentação econômica, social e política, seja pela alteração ou
negação dos valores, normas e padrões de comportamento anteriormente definidos e garantidos
164
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

pela democracia de massas no Estado do bem-estar social. Em outras palavras, o Estado


assegura que o conjunto de premissas (normas, ética, princípios e valores) seja libertado das
orientações tradicionais e, assim, garanta o funcionamento do processo econômico em novas
bases, orquestrando, ao mesmo tempo, o processo de desregulamentação e de construção de
uma nova forma de regulação coerente com a concorrência de mercado e com os novos padrões
de acumulação capitalista.
À medida que as instituições, em nome da desburocratização e da ampliação do processo
de democratização, ficam livres das amarras legais e administrativas, tornando-se mais ágeis e
adaptáveis às transformações vertiginosas dos mercados, das sociedades civis e das forças
globais, produzem, ao mesmo tempo, um desmantelamento do modelo de intervencionismo
estatal keynesiano e do sistema jurídico/legal que regulamentava as relações de trabalho sob a
perpectiva do taylorismo/fordismo.
O novo paradigma também se faz presente no setor educativo. Acompanhando as novas
orientações do processo de gestão empresarial, cujas características são a descentralização, a
autonomia e a flexibilidade, podemos afirmar que, na gestão da educação e da escola, em vez da
burocratização, da hierarquização, da racionalização e da centralização, qualificadas como
pilares da estrutura inflexível (destinando a todos um tratamento uniforme sem levar em conta
as diferenças), irracional, ineficaz e ineficiente, são adotados mecanismos mais flexíveis,
diversificados, participativos e, portanto, supostamente democráticos.
A adoção da perspectiva gerencial na gestão da educação, pautada em parâmetros de
eficiência e eficácia, implica a implementação de mudanças institucionais. Considera-se que a
melhoria da qualidade da educação e o êxito dos sistemas educativos estão condicionados à
capacidade de organizar e promover ações educativas de forma autônoma e com bases mais
flexíveis, funcionalmente adaptadas ao mercado e às necessidades sociais e culturais dos seus
diferentes clientes. Isto pode ser evidenciado na Lei de Diretrizes de Bases da Educação Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 2019a), que, diferentemente das legislações e práticas
anteriores, flexibiliza a estrutura organizacional da educação básica, prevendo: a) autonomia
para a escola elaborar e executar seus projetos-pedagógicos, administrar seu pessoal e seus
recursos materiais e financeiros; b) transferência de autoridade e de responsabilidade pela
gestão da escola ao público diretamente envolvido e aumento da participação da comunidade na
escola através de APMs, conselhos escolares e equivalentes; c) flexibilização da organização
escolar em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos,
grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios; d) flexibilização
do calendário escolar, que deverá será adequado às particularidades locais, inclusive climáticas e
econômicas; e) flexibilização da avaliação, com progressão parcial, possibilidade de aceleração
de estudos, reclassificação dos alunos independentemente da escolaridade anterior, promoção
automática ou progressão continuada sem reprovação para que os alunos possam ter uma
formação contínua sem interrupções ou repetências; f) flexibilização do currículo,
especialmente para o acolhimento da diversidade e a inclusão de conteúdos culturais
correspondentes às respectivas comunidades; g) busca de novos procedimentos metodológicos
que permitam superar a memorização, bem como de procedimentos técnicos específicos que
articulem as diversas áreas do conhecimento; h) eliminação da clássica divisão entre as
disciplinas e organização por área de competência; i) novos arranjos de conteúdos com base na
interdisciplinaridade em detrimento de sua fragmentação; j) repasse de verbas diretamente para
a escola; k) desenvolvimento e veiculação de programas de educação à distância; l) gestão
democrática para o ensino público; m) educação física facultativa para os cursos noturnos e
optativa para o aluno; n) ensino religioso de matrícula facultativa; o) aferição e reconhecimento
dos conhecimentos adquiridos por jovens e adultos por meios informais; p) organização das
turmas ou classes com alunos de séries distintas, como níveis equivalentes de adiantamento na

165
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes ou outros componentes curriculares


(Carvalho, 2012a).
Em síntese, as características mais marcantes da LDB são a ‘descentralização’, com
ênfase na autonomia das escolas e na participação da comunidade na condição de uma cidadania
ativa, e a ‘flexibilidade’ na organização do trabalho escolar, de forma a atender as demandas dos
consumidores. Dessas características resulta a concepção gerencial de democratização da gestão
da educação pública.
Destacamos que negar o velho e produzir o novo é inevitável. No entanto, precisamos
refletir sobre o caráter desse novo que está sendo produzido e sobre a qualidade que lhe está
sendo atribuída. Da mesma forma que as relações político-estatais se constituem a partir das
normas jurídicas que lhes dão sustentação e legitimidade, o aparato legal-constitucional, em
nome de novos preceitos democráticos cuja referência principal são os sujeitos, vistos de modo
individualizado105, constitui um processo que tem profundas consequências para a vida social e
política. Dentre essas consequências, apontamos: a geração de sentimento de insegurança
jurídica e de instabilidade quanto à proteção de direitos tradicionalmente conquistados; a
descrença na validade das leis, normas e instituições legais, as quais se tornam frágeis e porosas;
a criação de uma nova cultura cívica, na qual as instituições democráticas e as formas de atuação
das forças políticas se transformam em mecanismos de defesa de interesses particulares e
imediatos (flexibilização de estruturas e legislação para acelerar as transações de mercado,
respeito às diferenças, à liberdade individual de escolha, às preferências e aos benefícios
individuais de curto prazo), sem relação com a ética universal, pública ou coletiva. Prevalecendo
a lógica privada, que passa a ser defendida como mais democrática, ocorre

[...] uma espécie de consenso social sobre a necessidade de assegurar a


flexibilização externa do sistema e de se abandonar as preocupações
relacionadas com o acesso à universalidade dos saberes e com o imperativo
de promover o ajustamento da educação ao interesse geral interpretado pelo
Estado, para se afirmar a urgência de subordinar a educação aos interesses
particulares, permeabilizando-a à problemática da sua utilidade econômica
(Correia, 2000, p. 20, grifo do autor).

Conforme o exposto, a substituição do modelo de gestão burocrática pelo gerencial não


envolve apenas novos desenhos organizacionais e formas alternativas de gestão, mas também
aspectos políticos. O que está em causa não é apenas a reestruturação organizacional da esfera
pública, mas sua qualidade democrática. Sob a égide da individualidade e vista de modo
metafísico, a democracia, de acordo com Nagel (2003),

[...] limita-se ao fato de se acreditar que ela se realiza através de atos


individuais, autônomos, personalizados, pautados apenas na vontade interior
de sujeitos habilitados a exercer, por natureza, a cidadania controlada ou
produzida pela vontade de cada um. Sob a batuta das virtudes de
solidariedade e de tolerância, creditadas como inerentes à eticidade de
todo ser humano, a democracia é pensada fora das relações de produção,
apenas sob a instantaneidade de (muitas) ações privadas, artesanais,
manufaturadas. Como tal, a democracia passa a ser tratada como uma
questão de ética, onde o dever ser ou o dever fazer sobrepõe-se a qualquer
entendimento objetivo sobre a concretização desse regime. A democracia

105
A individualização como processo social não é entendida como o reconhecimento do indivíduo, mas como a fuga
em relação a modos tradicionais de agir, como o abandono de antigos papéis em favor de outras formas de atuação
e novos papéis. Nessa situação, o indivíduo se vê envolvido em uma variedade de incertezas e riscos, sendo
obrigado a tomar decisões e assumir riscos pessoais e dependendo cada vez mais de suas próprias capacidades.
166
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

passa a ser tratada como um resultado da coerência do ser consigo


mesmo [...] (Nagel, 2003, p. 3, grifo do autor).

Ao mesmo tempo em que se incentiva a ampliação da participação do cidadão e se


reafirma o valor do Estado como âmbito de justiça e de igualdade política, promove-se sua
desconstrução em favor dos interesses do mercado e dos indivíduos particulares e, dessa forma,
os princípios democratizadores se confundem com os privatizadores. Ou seja, o discurso que
conclama à democratização, identificada com a defesa dos interesses privados e com o ideal de
autogoverno, abre caminho para práticas privatizadoras e para a realização de interesses
privados. Surgem novos conteúdos políticos, compatíveis com os novos interesses econômicos e
políticos (flexibilização, desregulamentação, aumento da concorrência, maior responsabilização
da sociedade), dos quais emana uma nova concepção de democracia participativa e de cidadania,
despojada do seu conteúdo tradicional.
Com a flexibilização, fruto da descentralização administrativa, é possível introduzir a
lógica do mercado no campo educacional. Com mais autonomia administrativa, pedagógica e
financeira, os sistemas podem se adaptar às demandas da comunidade e dos cidadãos-clientes,
bem como firmar parcerias com a sociedade civil, o que favorece o envolvimento do setor privado
e do voluntariado no funcionamento e na gestão dos sistemas educacionais e da escola.

Flexibilização da organização didático-pedagógica

Os sistemas públicos de educação foram os meios pelos quais o Estado assumiu a função
de ‘Estado educador’, tornando-se responsável pela oferta e pelo controle da formação dos
cidadãos. Eles se tornaram um imperativo para a consolidação dos Estados-nação modernos,
para a integração cívica, para a unidade nacional e, especialmente a partir da segunda metade do
século XX, para o crescimento econômico (industrialização), a formação do capital humano, a
mobilidade social, o desenvolvimento do Estado de bem-estar social (formação de profissionais
para ocupar os cargos burocráticos) e a instauração dos princípios democráticos eleitorais
aplicados ao sistema político. A esses sistemas de ensino correspondia uma organização
integrada, homogênea, unitária, unificada, ou seja, uma organização fundada em um plano e em
uma orientação nacional. A homogeneização de métodos, regras, programas, objetivos e
procedimentos de ensino nos estabelecimentos educativos deveria proporcionar a aprendizagem
de saberes iguais e formar comportamentos semelhantes. Nessa tentativa de criar um sistema
coerente e unificado nacionalmente, o sistema educativo obedecia a uma autoridade centralizada
e burocrática. Em suma, a centralização foi fundamental para a organização e o desenvolvimento
tanto da educação quanto da sociedade, em todos os seus aspectos. Correspondia, portanto, às
condições históricas daquele momento.
Nos últimos anos, porém, em decorrência das profundas mudanças vivenciadas na
sociedade e do reconhecimento da heterogeneidade social, os sistemas fortemente centralizados
e submetidos a valores nacionais e modelos pedagógicos unificados (programas, métodos,
disciplinas, manuais, calendários, horários, currículos escolares e sistemas de ensino) passaram
a ser considerados inadequados. A emergência das formas gerencialistas e a influência da lógica
de mercado na administração da educação pública tornaram as organizações descentralizadas e
mais flexíveis.
Nas recomendações da UNESCO, para ser mais inclusivos, “[...] os sistemas educativos
deveriam ser suficientemente flexíveis e respeitar as diferenças individuais” (Unesco, 2001a, p.
139), projetando modalidades educativas diversificadas e currículos flexíveis (Carvalho; Picoli,
2017). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997n) e as Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Básica (Brasil, 2013) acompanham essas orientações: “[...]
os sistemas educativos devem prever currículos flexíveis, com diferentes alternativas, para que
167
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

os jovens tenham a oportunidade de escolher o percurso formativo que mais atenda a seus
interesses, suas necessidades e suas aspirações” (Brasil, 2013f, p. 39-40). Ao abordar as formas
de organização curricular para a educação básica, o documento reafirma a perspectiva defendida
em outros documentos internacionais e nacionais:

Na Educação Básica, a organização do tempo curricular deve ser construída


em função das peculiaridades de seu meio e das características próprias dos
seus estudantes, não se restringindo às aulas das várias disciplinas. O
percurso formativo deve, nesse sentido, ser aberto e contextualizado,
incluindo não só os componentes curriculares centrais obrigatórios,
previstos na legislação e nas normas educacionais, mas, também, conforme
cada projeto escolar, estabelecer outros componentes flexíveis e variáveis
que possibilitem percursos formativos que atendam aos inúmeros
interesses, necessidades e características dos educandos (Brasil, 2013f, p.
32-33).

Assim, com base nas novas diretrizes políticas, o conceito de democracia pressupõe não
apenas uma estrutura jurídica e organizacional descentralizada e mais flexível da educação como
um todo, mas também a flexibilização da organização didático-pedagógica da escola, direcionada
para as demandas dos usuários.
Nesse sentido, cada escola passa a ser parcialmente responsável pela elaboração de sua
matriz curricular levando em conta as exigências legais. Conforme o Art. 26 da LDB, “[...] os
currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter uma base
nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento
escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade,
da cultura, da economia e dos educando” (Brasil, 2017a, p. 19).
Nos últimos anos, temos presenciado no Ensino Médio diferentes propostas de arranjos
curriculares, organização por módulos, por áreas do conhecimento, blocos de disciplinas
semestrais, por macrocampos, dentre outras, cuja finalidade é tornar a organização curricular
mais flexível (Carvalho; Picoli, 2017), assegurando a permanência dos jovens na escola.
Ao abordar a organização didático-pedagógica dos sistemas escolares, não podemos
desconsiderar que vivemos em uma sociedade cujas marcas são a fragmentação social, o
particularismo crescente e o individualismo competitivo. Os discursos, as orientações políticas
no campo da educação, as concepções de educação e a prática pedagógica são profundamente
influenciados por essas novas condições históricas e sociais.
Nesses termos, a democracia pode ser tomada tanto no sentido institucional, “[...] como
princípio didático geral, orientador das práticas pedagógicas [...]” e da organização escolar,
quanto no sentido individual, “[...] como capacidade a ser desenvolvida pelos alunos” (Brasil,
1997e, p. 94). Os princípios pedagógicos atuais celebram a primazia das escolhas pessoais, o
respeito à diversidade, à subjetividade, à liberdade e à autonomia do aluno, dando relevância
também aos conteúdos e métodos individualizados. Valoriza-se a descoberta pessoal, a
construção do conhecimento pelo próprio sujeito, o ritmo próprio de aprendizagem, as
características particulares e as diferenças individuais (UNESCO, 2001a).
A perspectiva pedagógica de atendimento e respeito pelas individualidades combina, ao
mesmo tempo, princípios democráticos e privados. Nos discursos sobre democracia na
educação é apregoado o respeito à pluralidade, à diversidade e à heterogeneidade. Nas palavras
de Resende (2000, p. 45): “[...] O direito de educação deve estar diretamente associado ao
direito à diversidade. O democrático e justo socialmente não se garante pela igualdade em tudo,
mas, também, no poder ser diferente e compor o grande mosaico social, no qual a beleza do
conjunto só aparece na diversidade de cada peça”. Nesse sentido, a gestão democrática do

168
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

sistema educativo é concebida como capaz de gerar respostas adequadas à diversidade de


interesses dos destinatários.
No entanto, a democracia neoliberal, ao aderir à variedade de verdades, favorece a
crescente individualização, na qual os homens são presos as suas decisões, seus atos e suas
próprias conclusões e passam a ver a realidade de forma subjetiva, fragmentada e plena de
relatividade. Também permite que as responsabilidades sejam centradas no potencial ‘ilimitado’
do ser humano e da instituição escolar.
Desse modo, a democracia transforma-se em um campo propício à máxima
individualização, embora se confundindo com interesses coletivos. Consequentemente, a
política de democratização da gestão na perspectiva gerencial insere-se em uma sociedade na
qual os sujeitos tornam-se cada vez mais indivíduos comprometidos com os seus desejos e
interesses pessoais, sendo livres para fazer suas escolhas. Nessa sociedade, torna-se se não
impossível, pelo menos cada vez mais difícil a comunicação entre os ‘eus’ fragmentados e a
conciliação dos objetivos comuns.
A proposta de gestão democrática no atual contexto, por reconhecer e valorizar os
interesses e as diferenças individuais, poderia ser entendida como uma forma mais adequada de
tratar os educandos, mas, na verdade, acaba por afirmar a singularidade do sujeito enquanto
indivíduo autônomo e criador de si mesmo, empenhado em sua autorrealização. O resultado
dessa prática é, segundo Nagel (2001a, p. 7, grifo do autor), o ‘aprendiz de narciso’ que,“[...]
vendo o mundo no limite de suas experiências, transforma a res pública em um
fantasma. Debilita-se o sentido de coletivo, agigantando-se a importância do
individual, do privado”.

Gestão democrática e projeto pedagógico da escola

O princípio de que as escolas devem pautar sua atuação na formulação, na execução e na


avaliação de um projeto educativo tornou-se básico nas reformas educativas em diversos países.
Sendo uma imposição do ponto de vista legal, mas também associado à possibilidade de
construção de uma gestão escolar democrática, participativa e autônoma, esse princípio, sem
dúvida nenhuma, tem suscitado mudanças na concepção administrativa dos sistemas educativos.
Consideramos, no entanto, necessário esclarecer os aspectos subjacentes à valorização da
necessidade e mesmo obrigatoriedade da elaboração do projeto pedagógico pelas escolas.
De acordo com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Art. 12, Inciso I, os
estabelecimentos de ensino terão a incumbência de “[...] elaborar e executar sua proposta
pedagógica” (Brasil, 2019a, p. 8) conforme os princípios da gestão descentralizada, autônoma e
democrática, ou seja, envolvendo a “[...] participação dos profissionais da educação” (Art. 14,
Inciso I) (Brasil, 2019a, p. 9). A própria lei enfatiza o aspecto pedagógico, embora esse destaque
não exclua as demais dimensões da gestão democrática da educação.
A necessidade de “[...] um documento de referência e de expressão da capacidade de
(auto) direcção das políticas educativas de cada escola” (Costa, 2003, p. 40) tem sido um dos
argumentos para que a escola elabore seu próprio projeto. Este é entendido como: a) um
referencial importante de afirmação da singularidade e da identidade organizacional da escola
(conjunto de perspectivas, valores, intenções e práticas) (Veiga, 2000); b) um instrumento
clarificador da ação educativa em sua totalidade (Costa, 2003), um plano estratégico de
flexibilização da ação e da diminuição dos efeitos da divisão do trabalho e do controle técnico-
burocrático (Veiga, 1995); c) um sistema de gestão que conduz a uma atuação em conjunto,
congregando todos os segmentos da comunidade escolar em torno de uma proposta comum
(Mendonça, 2000b) e de um ambiente participativo.
Porém, quando se analisa a questão para além da especificidade da prática pedagógica,
observa-se que a tendência para a elaboração de projetos enquanto instrumento/técnica de
169
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

gestão a partir da década de 1990 não é específica das organizações escolares: surge no âmbito
das organizações empresariais e posteriormente é estendida para a administração dos sistemas
públicos, dentre os quais os educativos.
A substituição do modelo burocrático pelo gestionário introduziu a estratégia de gestão
por projetos associada à gestão por objetivos, cujas características são:

[...] flexibilidade organizacional; delegação e descentralização das


responsabilidades de gestão; redução dos níveis hierárquicos; integração
organizacional, através de uma maior cooperação entre os departamentos;
orientação para os resultados e desenvolvimento organizacional sustentado
pelo processo de aprendizagem decorrente da realização de projetos
(Carvalho, 2000, p. 167).

A gestão por projetos passa a ser identificada como a forma mais adequada de as
organizações eliminarem custos desnecessários, desenvolverem produtos e serviços que
correspondam às mudanças e inovações, tornando-se cada vez mais adaptados aos diferentes
clientes e mantendo a vantagem competitiva e criarem uma nova estrutura organizacional
integradora, por meio da maior cooperação entre as pessoas, equipes e departamentos
(Carvalho, 2009).
Esse modelo, seguindo a adhocacia operacional, baseia-se na substituição de regras
formais e instrumentos regulares de execução do trabalho por uma forma de gestão dirigida
para a realização de objetivos. Os atores organizacionais diretamente empenhados na realização
do projeto deverão contar com um clima organizacional dinâmico e cooperativo que favoreça a
participação ativa, pois o “[...] envolvimento é fundamental para o sucesso do projeto” (Carvalho,
2000, p. 176), pois isso mobiliza a ação e orienta a tomada de decisão para a solução dos
problemas.
Aplicado ao campo da educação, o sistema de gestão por projetos tem como fim a
formalização de comportamentos. Por meio da identificação da missão, dos objetivos, das metas
e estratégias, é possível a responsabilização coletiva e/ou individual pela realização das tarefas e
pelo controle operacional (monitorização do funcionamento e dos resultados), garantindo a
eficácia e a produtividade (relação entre processo e resultado).
Dentre suas características, destacam-se:

[...] a descentralização e desburocratização dos processos de controle;


partilha de decisões no interior da escola; aumento da influência dos pais
[comunidades particulares, grupos de interesse] no processo de decisão na
escola; e, em alguns casos, a possibilidade dos pais poderem escolher
livremente a escola onde querem colocar seus filhos [em função da oferta
diferenciada de cada escola ou oferta de produtos diferenciados], com o fim
de lançar a concorrência entre elas (Barroso, 1997b, p. 258).

Para Barroso, é importante assinalar que,

Estes elementos correspondem à perspectiva de construção de um mercado


cada vez mais diferenciado e diversificado da educação, orientada pela lógica
de empresarialização da gestão em que a satisfação do consumidor decide
sua rentabilidade e sua eficácia (Barroso, 1997b, p. 261, grifo do autor).

Desse modo, a lógica da gestão por projetos integra princípios privatizadores e


democratizadores, estabelece uma convergência entre gestão participada, descentralizada e

170
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

autônoma e melhoria da eficácia e produtividade por meio de mecanismos de concorrência,


prestação de contas e responsabilização dos indivíduos e das instituições.
Reconceituar os alunos como ‘clientes’, ou seja, como “[...] aqueles que se beneficiam
com o produto do processo de ensino-aprendizagem – alunos, pais, comunidade e sociedade em
última instância” (Drügg, 1994, p. 48) significa respeitar suas escolhas individuais e subjetivas
como referência orientadora das estratégias de adaptação organizacional para a sobrevivência e
sucesso das organizações educativas. Por isso, segundo o modelo gerencial, a escola precisa da
participação e da parceria de seus clientes, “[...] precisa ouvi-los e voltar-se para eles” (Drügg,
1994, p. 45) para definir com clareza o que eles desejam, para tomar decisões quanto aos
procedimentos a ser utilizados na definição dos programas, na formulação e na implantação de
seu próprio projeto pedagógico.

Gestão democrática e o novo perfil do gestor

A política de gestão democrática da educação pública teve como resultado alterações


significativas na organização e na administração do sistema de ensino e da escola, dando origem
também a novos procedimentos e responsabilidades profissionais. No âmbito da escola, os
docentes foram incumbidos de participar da gestão e os diretores, em sua atuação, passaram a
contar com a participação efetiva de toda comunidade escolar e com a ação coletiva e colegiada
nos processos decisórios. Além disso, “[...] sob o argumento da necessidade de contribuir para a
maior autonomia às unidades escolares, os órgãos centrais do sistema acabaram por delegar às
escolas muitas das suas rotinas administrativas” (Oliveira, 2008, p. 132).
Esse processo exigiu uma nova formação profissional, levando o próprio MEC106,
isoladamente ou em parceria com as secretarias de educação básica, universidades, institutos e
fundações ou entidades que as representam (Conselho Nacional de Secretários Estaduais de
Educação - CONSED e União Nacional de Dirigentes Municipais da Educação - UNDIME), a
implementar programas de capacitação de dirigentes na perspectiva técnico-profissional da
gestão. Estabeleceu-se, assim, uma política de valorização crescente do papel do gestor escolar e
de fortalecimento de seu poder, a exemplo do Programa de Capacitação a Distância para
Gestores Escolares – PROGESTÃO (1990)107, desenvolvido pelo Consed em parceria com as
secretarias estaduais e municipais de educação. Outro exemplo é o Programa Nacional Escola
de Gestores da Educação Básica Pública, implementado em 2005 e disciplinado pela Portaria
Ministerial nº 145, de 11 de fevereiro de 2009, cuja finalidade é qualificar os gestores das escolas
da educação básica pública por meio de cursos de formação a distância. Esse programa integra
as ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) (Brasil, 2007b).
Mostramos no terceiro capítulo que, na lógica empresarial atual, o gerenciamento e a
liderança são a chave para a vantagem competitiva, e a gerência centralizadora e autoritária, por
106
Nas palavras de Aguiar (2001, p. 196-197), “[...] o MEC organizou, durante o processo de planejamento da
Conferência de Nacional de Educação para Todos, um Simpósio, em articulação com a UNESCO/Orealc, com o
objetivo de discutir e aprofundar a tese da profissionalização no contexto educacional brasileiro [...] As palestras
dos especialistas convidados e as discussões ocorridas geraram algumas posições que foram incorporadas pelo
Relatório síntese e divulgadas junto aos Estados e Municípios”.
107
“O Programa de Capacitação a Distância para Gestores Escolares – PROGESTÃO nasceu como programa
pioneiro, no Brasil, de educação à distância para capacitação de lideranças escolares. O programa é desenvolvido
pelo Consed em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e já contou com apoio e
cooperação da Fundação FORD, da Universidad Nacional de Educación a Distância - UNED e da Fundação
Roberto Marinho. Foi desenhado a partir de uma demanda específica de um grupo de Secretários de Estados da
Educação, no final da década de 90, tendo como meta principal o desenvolvimento de uma gestão democrática
focado no sucesso escolar do aluno. O público-alvo do Progestão é constituído da equipe de gestão escolar,
envolvendo diretores escolares, vice-diretores, supervisores escolares, coordenadores de área, professores líderes,
candidatos à função de dirigentes e outras lideranças, conforme critérios definidos em cada unidade da federação”
(Consed, 2014).
171
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

sua vez, é ultrapassada. Para se adaptar à concorrência acirrada e às constantes mudanças no


processo produtivo, a gestão apoia-se em novos padrões administrativos, ou seja, na participação,
nas formas coletivas de trabalho e no compartilhamento de responsabilidades e poder. De
acordo com Sennett (2000, p. 132), “[...] os administradores sabem que uma competição
acirrada pode destroçar o desempenho de um grupo [...]”. Por isso, na nova concepção
organizacional, o novo líder é aquele que tem capacidade de influenciar as pessoas; sua tarefa
não é ditar normas, mas organizar as ações, trabalhar na diversidade, conviver com outras
opiniões e estabelecer trocas mútuas. O novo líder é um administrador do processo, ou seja, seu
papel é “[...] ‘facilitar’ uma solução entre o grupo e ‘mediar’ entre cliente e equipe [...]”
(Sennett, 2000, p. 129). Com isso, a autoridade em sua forma tradicional desaparece, “[...] a
pessoa com o poder não justifica a ordem, o poderoso apenas ‘facilita’, capacita os outros”
(Sennett, 2000, p. 130) sem, no entanto, ter sua importância diminuída. Seu poder decorre da
influência e não do mando.
Ao incorporar os paradigmas da gestão empresarial na gestão pública, as reformas no
campo educacional conferem ao administrador escolar uma importância estratégica (Oliveira,
2008; Lima, 2013). A descentralização operacional aumentou suas responsabilidades, colocou-o
diante de novos desafios, atribuiu-lhe o novo papel de coordenar a ação dos diferentes
componentes do sistema educacional na tomada de decisões conjuntas, de estimular o trabalho
em equipe e as dinâmicas de trabalho identificadas pelas próprias escolas, de resolver seus
problemas de forma autônoma e de melhorar as condições da escola, especialmente as
materiais. Ele se tornou o elemento central e fundamental do processo participativo no interior
da escola e de sua integração com a comunidade, como também da utilização eficaz e eficiente
dos recursos repassados diretamente para a escola. Segundo Shiroma e Santos (2014, p. 31):
“Na perspectiva gerencial, o gestor escolar deve se preocupar com a redução do custo e da
elevação dos índices educacionais. Gestores organizam o trabalho pedagógico em torno desse
objetivo, movidos pela crença de que somente assim a escola alcançará níveis de excelência,
podendo ser considerada, de fato, uma escola eficaz”.
Relacionado a isso, no documento da CEPAL/UNESCO (2005) Invertir mejor, para
invertir mas: financiamento y gestión de la educación em América Latina y Caribe, recomenda-
se o fortalecimento da liderança e das competências de liderança em gestão educativa.
A Revista Gestão em Rede do Conselho Nacional de Secretários de Educação
(CONSED), veículo de comunicação do Projeto Renageste – Rede Nacional de Referência em
Gestão Escolar108, já há algum tempo evidenciava essa importância:

O diretor – cidadão, educador e político – é a pessoa de maior importância e


de maior influência individual numa escola. Ele é responsável por todas as
atividades na escola e pelas atividades que ocorrem ao seu redor e afetam
diretamente o trabalho escolar.
É sua liderança que dá o tom das atividades escolares, que cria um clima
para a aprendizagem, o nível de profissionalismo e a atitude dos professores
e dos alunos.
O diretor é, ainda, o principal elo entre a escola e a comunidade [...] A
experiência demonstra que se a escola é vibrante, inovadora, centrada no
aluno, se tem boa reputação na sociedade, se os alunos têm melhor
desempenho que suas potencialidades permitem, se o pessoal trabalha com

108
A Renageste foi um projeto do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), criado em agosto de 1996,
destinado “[...] à formação de uma massa crítica em gestão educacional, tendo por base os princípios de rede,
parceria e referência – benchmark”. O projeto, já extinto, orientava suas “[...] ações pela formação e atuação de
uma rede profissionais envolvidos em gestão da educação nos diferentes níveis: escolar, municipal e estadual”
(Aguiar, 2004, p. 17).
172
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

garra, é quase certo que a chave do sucesso está na liderança do seu diretor
(A Responsabilidade..., 1999, p. 13-14, grifo do autor).

Assim, a eficiência e eficácia da gestão são explicadas pelo mérito dos indivíduos
(gestores), por sua competência técnica e sua capacidade de liderança organizacional, seja para
influenciar, motivar, identificar e resolver problemas, partilhar informações, desenvolver e
manter um sentido de comunidade na escola seja para administrar as variadas exigências dos
clientes e os conflitos entre eles. Em seu papel central, o gestor profissional é visto como uma
‘liderança empreendedora’ cujas funções estão orientadas para a dinamização das relações
interpessoais e para a persistência de formas burocrático-profissionais de gestão (Barroso,
2001a).
Exige-se que a gestão seja catalisadora do movimento autônomo e corresponsável,
consolidando a gestão por resultados. A administração efetiva passa a ser identificada pela
democratização dos processos administrativos no interior da escola; o gestor da escola deve ser
capaz de influenciar, motivar, assumir, em vez de impor ou só exigir, e sua ação é considerada
como um dos fatores determinantes do ‘sucesso’ da escola. Assim, quanto mais o gestor
partilhar responsabilidades, mais contará com a participação dos agentes envolvidos
(professores, especialistas, alunos, funcionários e comunidade externa). Portanto, mais
democrática e eficiente será considerada sua gestão, seja na conquista e no atendimento ao
cliente e às demandas do mercado, seja na articulação de soluções dos problemas ou na
aquisição de fontes suplementares de recursos.
Segundo, Shiroma e Santos (2014, p. 33), “Com essa perspectiva o PDE Escola, incentiva
o estabelecimento de parcerias entre as escolas e empresas privadas, maior participação dos pais
e da comunidade escolar e dissemina a visão do diretor como líder da escola [...]”.
Para aperfeiçoar a formação de gestores e conselheiros da Educação Básica, o MEC
oferece, desde 2006, por meio da modalidade Educação a Distância (Ead), o programa de
formação continuada em serviço Formação pela Escola (FPE). O programa abrange os
seguintes aspectos: gestão, execução, monitoramento, prestação de contas e controle social dos
recursos orçamentários dos programas e ações financiados pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação - FNDE (PDDE, livros, Censo Escolar, Transporte do Escolar,
Fundeb, etc.).
O MEC também oferece, no âmbito do Programa Nacional Escola de Gestores da
Educação Básica Pública, disciplinado pela Portaria Ministerial nº 145, de 11 de fevereiro de
2009 (BRASIL, 2009c), o Curso de Especialização em Gestão Escolar em nível de pós-graduação
lato sensu e o Curso de Aperfeiçoamento em Gestão Escola. Ambos são ofertados na modalidade
de EaD e desenvolvidos em parceria com universidades desde 2006. Dentre seus
objetivos,destaca-se a contribuição para “a formação técnico política de gestores de instituições
de Educação Básica por meio da reflexão sobre os desafios atuais enfrentados pelas instituições
educacionais, a gestão democrática, os processos de planejamento, participação e decisão
colegiada” (BRASIL, 2018f).
Em suma, o modelo gerencialista promove uma nova categoria de administrador: o
‘gestor profissional’. Essa liderança é concebida como uma forma de ação democrática e
participativa que confere legitimidade à racionalidade instrumental. Assim, a lógica tecnocrática
reatualizada mistura-se à lógica cooperativa-participativa-democrática.

Gestão democrática da educação e parceiras entre público e privado

Reiteramos que a reforma do Estado está inserida em um contexto de redefinição, no


qual, deixando de ser investidor, ele se exime da responsabilidade direta por produzir e fornecer
bens ou serviços e se torna regulador e facilitador da iniciativa privada (Banco Mundial, 1997).
173
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Pressupõe-se, portanto, que ele seja árbitro, não parte, pois sua intervenção consiste em
redistribuir ou realocar recursos, em introduzir regras orientadoras das relações entre os
prestadores públicos e privados, em avaliar previamente necessidades e recursos disponíveis, em
definir antecipadamente metas e posteriormente monitorar sua realização. Separam-se, assim,
as funções de governar e executar.
Essa separação permite que o Estado faça concessão de serviços, introduzindo
mecanismos de contratação externa, transferindo para as instituições privadas ou não-estatais
(agências autônomas), na qualidade de prestadoras, funções/serviços tradicionalmente
desempenhados por ele ou estabelecendo parcerias com a sociedade. Cria-se, assim, um
ambiente que favorece, ao mesmo tempo, a competição e a atuação do cidadão/sociedade civil
nos negócios públicos (Brasil, 1995a).
Nos últimos anos, contabilizam-se inúmeras iniciativas de empresas privadas no campo
da educação pública, influenciando a gestão, os currículos das escolas e a formação de
professores. Nas novas formas de gestão da educação básica pública, a participação de novos
atores, particularmente de empresários, vem sendo reconhecida como fundamental para o
alcance de melhores resultados por parte das escolas. Tais experiências, de nosso ponto de vista,
caracterizam-se como estratégias de ‘quase-mercado’ (Le Grand, 1991)e ‘filantropia 3.0’ (Ball,
2014). Além disso, vêm sendo configuradas novas estratégias de redefinição do relacionamento
entre Estado e empresas privadas para fins de prestação de serviços públicos.
Consideramos também que o envolvimento e a participação ‘filantrópica/voluntária’ da
sociedade como um todo e da comunidade empresarial nas questões educacionais são uma
tendência mundial (Peroni, 2013; Robertson, 2012; Ball, 2014). No Brasil, esse envolvimento
tem ocorrido por meio da atuação de empresas privadas em fundações, institutos e ONGs, que
vêm assumindo um papel na coordenação (monitoramento/controle de metas e resultados) e na
execução de ações. O movimento empresarial Todos Pela Educação109, o Grupo de Institutos
Fundações, Empresas (Rede GIFE), o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e
o Movimento Colabora Educação110 fazem parte dessa política que estimula “[...] a iniciativa
privada e as organizações sociais do chamado ‘terceiro setor’ a atuar de forma convergente,
complementar e sinérgica com o Estado no provimento das políticas públicas” (Shiroma;
Garcia; Campos, 2011, p. 234). Em um contexto de aproximação de interesses com o poder
público, em nome de uma maior responsabilidade social, o setor privado empresarial tem
assumido um papel decisivo e intervindo sistematicamente nas questões educacionais (Adrião et
al., 2015).
Robertson (2012) considera que o número crescente de parcerias é promovido por uma
indústria emergente especializada em serviços da educação que, operando globalmente, molda
políticas e práticas educativas.

109
Conforme informado em seu website, “Fundado em 2006, o Todos Pela Educação é um movimento da sociedade
brasileira que tem como missão engajar o poder público e a sociedade brasileira no compromisso pela efetivação do
direito das crianças e jovens a uma Educação Básica de qualidade. Apartidário e plural, congrega representantes de
diferentes setores da sociedade, como gestores públicos, educadores, pais, alunos, pesquisadores, profissionais de
imprensa, empresários e as pessoas ou organizações sociais que são comprometidas com a garantia do direito a
uma Educação de qualidade. O objetivo do movimento é ajudar a propiciar as condições de acesso, de alfabetização
e de sucesso escolar, a ampliação de recursos investidos na Educação Básica e a melhora da gestão desses recursos.
Esse objetivo foi traduzido em 5 Metas” (Todos Pela Educação, 2019).
110
O Movimento Colabora Educação nasceu como uma mesa temática no âmbito do Conselho Consultivo da
Sociedade Civil do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil em 2016. O Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) no Brasil, o Instituto Natura, o Instituto Unibanco, a Fundação Itaú Social, o
Movimento Todos pela Educação, a Fundação Lemann, o Instituto Positivo e o Instituto Ayrton Senna
desencadearam-no com o objetivo de apoiar e fomentar a cooperação e a colaboração entre municípios, estados,
Distrito Federal e a União na gestão das políticas públicas de educação, tendo como foco a melhoria da educação
(Undime, 2017).
174
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Uma indústria especializada (cada vez mais corporativa), por exemplo, agora
passa a crescer atrelada a PPPs, especialmente naquelas economias
desenvolvidas que as levaram mais longe (como Austrália, Reino Unido,
Estados Unidos). Essa indústria, que exporta cada vez mais sua
especialidade globalmente, inclui um número em rápido crescimento de
atores privados, de fundações, empresas especializadas em PPPs, empresas
de consultoria global, bancos, consultores locais, think-tanks, websites
direcionados, equipes de rápido retorno e escritórios de advocacia
especializados, que cada vez mais atuam como fontes de autoridade voltadas
para o mercado [...] (Roberton, 2012, p. 297).

Pesquisas sobre a atuação de algumas organizações, como a Rede GIFE (Martins, 2009b;
Adrião, 2017), o Movimento Todos pela Educação (Martins, 2009b; Shiroma, Garcia; Campos,
2011; Ball, 2014), a Fundação Ayrton Senna (Adrião; Peroni, 2010; 2013; Comerlatto; Caetano,
2013), o Grupo Positivo (Montano, 2013; Carvalho; Peroni, 2019), o McKinsey & Companhia111
(Bittencourt; Oliveira, 2013; Adrião; Garcia; 2014), revelam como os empresários têm
influenciado os governos, particularmente no campo da educação, e como o Estado está cada vez
mais envolvido em assegurar as parcerias e a criação de novos mercados ou “[...] novas
oportunidades de negócios nos serviços públicos” (Ball, 2014, p. 193) para ampliar as
possibilidades de acumulação do capital.
Em geral, essas parcerias têm sido firmadas pela rede pública municipal porque, com a
descentralização da educação, cuja medida principal foi a municipalização do ensino, há a
transferência de responsabilidades da gestão das etapas iniciais da educação básica para os
municípios, favorecendo “[...] inúmeros arranjos localmente criados” (Adrião; Borghi, 2008, p.
101). Desde 1996, com a proposta de municipalização do ensino fundamental, posteriormente
implementadaem nível nacional por meio da Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro
de 1996 (Brasil, 1996b), regulamentada pela Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996 (Brasil,
1996a), que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério (FUNDEF), surgiram condições para a atuação crescente das
empresas na rede pública de ensino. A adoção crescente de parcerias no campo da educação
básica pública é revelada nas pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Conforme destacam Teixeira e Duarte (2017, p. 49), “Na pesquisa realizada
em 2011, o IBGE afirma que 1.152 municípios (21%) informaram a participação de atores
privados na área de educação. Em 2011, 53% dos municípios de pequeno porte (até 10.000 hab.)
firmaram algum tipo de relação com atores privados”.
Conforme atestam vários estudos (Peroni, 2003; Adrião; Borghi, 2008; Arelaro, 2008), a
justificativa para as parcerias é a insuficiência de capacidade institucional, ou seja, as “[...]
dificuldades para a composição de um corpo técnico capaz de assumir a gestão local da educação
[...]”, proporcionando condições para ampliar “[...] a busca de apoio junto ao setor privado”
(Adrião; Borghi, 2008, p.105).
Comentando as estratégias para a ampliação da ação do setor privado na oferta da etapa
de escolaridade obrigatória, Adrião e Borghi (2008) destacam as parcerias e suas três possíveis
modalidades: a) compra de ‘sistemas de ensino’ privados pela rede pública, na forma de
materiais didáticos (em geral apostilados); b) subvenção de vagas em instituições privadas; c)
‘assessoria na gestão’. Mais recentemente, Adrião (2017) refere-se à adoção de ‘sistemas
privados de ensino’ por parte das redes públicas de educação básica. Segundo a autora:

111
Segundo Robertson (2012, p. 297): “Um pequeno número de grandes empresas (tais como KMPG,
PricewaterhouseCoopers, Deloitte and Touche, Grant Thornton, Ernst & Young, McKinsey, Hay Group) está
atrelado a PPPs e também controla quase metade do mercado mundial de consultoria administrativa”.
175
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Não é, pois, ao acaso, que, na medida em que o setor privado de base


empresarial é alçado a protagonista da melhoria da educação nacional,
assiste-se à integração na agenda educativa de uma pauta de mudanças
centrada na transferência da gestão da escola pública para o setor privado,
seja, por meio de parecerias público privada (PPP) para a oferta educativa,
seja por meio da transferência da gestão da escola pública para setores
privados, ou ainda pela adoção de sistemas privados de ensino por redes pú-
blicas (Adrião, 2017, p. 32).

Quanto à adoção de sistemas privados de ensino por redes públicas, mencionamos que o
interesse nesse mercado tem levado empresas privadas a desenvolver e a comercializar sistemas
de gestão da educação. Por exemplo, o Sistema Aprende Brasil, produzido pelo Grupo Positivo,
possui dois instrumentos de avaliação: o Hábile – Avaliação Externa de Aprendizagem e o
Sistema de Monitoramento Educacional do Brasil (simeB) (Editora Aprende Brasil, 2019). Esse
sistema subsidia o trabalho dos professores, dos coordenadores pedagógicos, dos gestores de
escolas e das Secretarias Municipais de Educação no processo de gestão da educação.
As parcerias no campo da gestão da educação básica, as quais visam a expansão e o
aprimoramento dos serviços educacionais, têm sido regulamentadas e legitimadas por diferentes
normativas. Dentre as medidas recentes podemos citar a Resolução nº 1, de 23 de janeiro de
2012 (Brasil, 2012a), que regulamentou os ‘Arranjos de Desenvolvimento da Educação’ (ADEs).
A proposta, elaborada pelo movimento empresarial Todos pela Educação (TPE), apresenta-se
como instrumento de gestão pública para implementar o regime de colaboração entre os entes
federados, no qual se enfatiza a colaboração horizontal entre os municípios e a construção de
um sistema nacional de educação (Brasil, 2015d). Esse regime de colaboração é considerado de
um ‘novo’ tipo (Argollo; Motta, 2015), pois é aberto para que os municípios possam atuar
coletivamente, em parceria e colaboração com estados, Ministério da Educação e com institutos
e fundações ligadas a empresas privadas (Carvalho, 2017; 2018; 2019a). Na busca de
reconhecimento e de legitimação da proposta, ele foi incorporado ao Plano Nacional de
Educação - PNE (2014/2024).
Também podemos destacar a ênfase que as parcerias recebem no próprio PNE. Teixeira
e Duarte (2017, p. 52-53), ao analisar o conteúdo do texto do PNE 2014-2024 (Brasil, 2014a),
constatam:

[...] o termo parceria é recorrente no documento, mas o mesmo se configura


em três formas. A primeira se caracteriza como colaboração horizontal –
entre os entes federados e entre as áreas das políticas públicas como saúde e
assistência social. Uma segunda forma de parceria é realizada pelos
convênios, entre o poder público e instituições educacionais comunitárias,
confessionais e filantrópicas. E a terceira se constitui com as chamadas
públicas à participação de organizações da sociedade civil. Essas
modalidades de parcerias estão presentes na oferta da educação infantil
(Meta 1/1.7), na educação em tempo integral (Meta 6/6.5); na erradicar o
analfabetismo (Meta: 9/9.5); na educação profissional (Meta 8/8.4;
10/10.8;11) e na oferta da educação especial (Meta 4/4.17a 4.19).

As consequências dessa opção política pela gestão democrática da educação têm sido
destacadas por diferentes autores (Peroni, 2012; Adrião, Peroni, 2013; Adrião et al., 2015;
Adrião, 2017). Peroni (2012, p. 27), por exemplo, descreve a atuação do Instituto Ayrton Senna
(IAS) na rede municipal de ensino público. Segundo a autora:

[...] entre as principais implicações da parceria para a gestão democrática da


educação, está a diminuição da autonomia do professor, que recebe o
176
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

material pronto para utilizar em cada dia na sala de aula e conta com um
supervisor para verificar se está tudo certo. Há, ainda, a lógica da premiação
por desempenho, que estabelece valores, como o da competitividade entre
alunos, professores e escolas, como se a premiação dos mais capazes
induzisse à qualidade, via competição.

Portanto, as parcerias moldam o conteúdo da educação “[...] em todos os níveis, desde a


política e a pesquisa até a aprendizagem nas salas de aula” (Robertson; Verger, 2012, p. 1149) e
também na gestão dos sistemas de ensino e escolas públicas, submetendo-as à lógica privada
com implicações para o processo de democratização da educação.
Sintetizando, procuramos demonstrar que, de nossa perspectiva, os encaminhamentos
das políticas educacionais para o campo da gestão se fizeram da perspectiva gerencial. Dentre
seus desdobramentos, ocorreu uma complementaridade entre os princípios democratizadores e
os privatizadores, o que se distancia daquilo que entendemos e defendemos como gestão
efetivamente pública.
Considerando os aspectos analisados neste livro, podemos afirmar que a política da
democracia na gestão evidencia a introdução de procedimentos gestionários na administração do
sistema educativo e das escolas e que tais procedimentos são inspirados na concepção moderna
da gestão empresarial, traduzida pelos conceitos designados de new public management e
reinventing government.
No entanto, entendemos que o processo de construção da democracia não é linear ou
imune a contradições, mas envolve forças que se enfrentam e se contrapõem. Tais contradições
fazem com que o processo esteja, ao mesmo tempo, associado a princípios e a lógicas políticas
diferentes, especialmente nas últimas décadas. Dessa perspectiva, afirmamos que o termo
democracia não é utilizado com o mesmo sentido pelos diferentes sujeitos sociais, podendo
mesmo assumir contornos diferenciados em momentos históricos distintos.
Destacamos duas concepções consideradas principais atualmente, por seu teor e por sua
influência na formulação das políticas educativas. Por um lado, as políticas de gestão
democrática relacionadas à perspectiva ‘gestionária’ ou ‘gerencialista’. Nesse caso, a democracia
é vista unicamente como uma necessidade instrumental para operacionalizar uma gestão
moderna e eficaz, “[...] introduzindo processos racionais de gestão, com a formulação explícita
de metas, elaboração de planos estratégicos para identificar prioridades de desenvolvimento,
avaliação de resultados, controlo de qualidade e etc.” (Barroso, 2001a, p. 199, grifo do autor),
ou seja, para desburocratizar a administração das escolas segundo uma lógica privada/mercantil.
A “[...] dimensão técnica (gestão) é hipervalorizada e a dimensão política (cidadania) reduzida à
sua expressão mais simples” (Barroso, 2003a, p. 80). Por outro lado, em oposição, temos a
perspectiva ‘cívica’ ou ‘sócio-comunitária’ que recusa a separação entre planejamento e
execução (Barroso, 2003a). Na concepção de Barroso,

[...] Não é possível existir uma escola autônoma sem uma gestão eficaz que
organize e operacionalize a vontade pela maioria. O conceito de gestão
eficaz deixa de ser definido de forma abstracta e absoluta para ser
incorporado no conjunto de valores que são próprios à afirmação de uma
escola cidadã. Recupera-se, assim, uma dimensão ética para a gestão,
pondo-a a serviço dos valores da autonomia, da democracia e da cidadania
que estão subjacentes à concepção de uma escola como espaço público
sócio-comunitário (Barroso, 2003a, p. 80, grifo do autor).

Nesse caso, o sentido atribuído às ‘políticas de reforço da autonomia da escola’ ultrapassa


a dicotomia Estado/mercado, coletivo/indivíduo, público/privado, local/global, abrindo novas
perspectivas administrativas para os sistemas educativos e de gestão da escola.
177
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

A escola se transforma em ‘expressão de uma sociedade política’, em contribuição para a


construção do coletivo, tendo por referência os compromissos públicos e o bem comum.
Em outros termos, ao lado da lógica gerencial e de mercado (marcada por sucessivos
apelos à eficiência, eficácia, excelência, produtividade, livre escolha individual, competitividade,
dentre outros aspectos do campo da racionalidade econômica) existe uma outra, que não
podemos ignorar em nossa análise. Essa lógica é motivada pelos interesses
coletivos/comunitários, pelas relações de solidariedade e de participação democrática (defesa do
alargamento da esfera de autoridade política) e se opõe abertamente aos interesses
privado/mercantis como única alternativa de mudança para a administração pública (Barroso,
2001a).
Em última instância, podemos afirmar que, na questão da democracia, devemos
considerar sua natureza conservadora e, ao mesmo tempo, seu potencial progressista e
emancipatório.
Segundo Barroso (2001a, p. 265-266), o dilema é: “[...] como conseguir que as
preocupações gestionárias que estão na iniciativa do reforço da autonomia não sejam
incompatíveis (nem impeditivas) do aprofundamento da democracia nas escolas?” Ou, ainda:

Como evitar os efeitos perversos (ou escondidos) das preocupações (e


soluções) gestionárias que estão presentes na iniciativa governamental, sem,
em contrapartida, rejeitar o potencial democrático que advém da própria
construção e alargamento da autonomia e das formas organizativas que ela
propicia? Ou, dito de outra maneira, como é possível dispor de boas formas
de coordenação da ação pública sem que isso ponha em causa o
funcionamento democrático das organizações?

As mesmas características que tornam a descentralização, a autonomia e a participação


necessárias para a ampliação da participação democrática transformam-se, em determinadas
condições, em força antidemocrática, ou seja, isso ocorre quando se colocam os interesses
individuais acima do coletivo e os interesses econômicos acima dos direitos sociais.
Consideramos, portanto, que a defesa da gestão democrática, entendida como ampliação da
esfera de autoridade política, e a maneira como esta autoridade é distribuída devem ser objeto
de interrogação.
Concordamos com Formosinho e Machado (2000, p. 98), que afirmam: “[...] a discussão
sobre autonomia da escola não pode, pois, centrar-se apenas na configuração do modelo
normativo, apenas no projecto educativo ou no regulamento interno enquanto meros
documentos exigidos pela Administração para o funcionamento das escolas e descurar de seus
aspectos fundamentais”. A discussão da gestão democrática deve estar para além disso: “[...]
nós deveríamos estar já a discutir outras questões, como: que acções, que projectos, que fins
devem ser servidos com essa autonomia?” Isso incluiria questões muito mais amplas, a exemplo
das relações entre as classes, dos conflitos, das contradições e da perspectiva de superação das
atuais relações de classe.
Ressaltamos que, apesar das contradições e dos problemas que envolvem as políticas de
descentralização, de autonomia e de participação social, tais políticas continuarão a fazer parte
da agenda dos Estados democráticos. Como não é possível evitá-los, o desafio, em uma
perspectiva emancipatória, consiste em potenciar as vantagens da democracia e minimizar seus
perigos; ou seja, “[...] saber tirar partido das novas condições e circunstâncias para, sem se
render às regras do mercado, prestar um melhor e mais eqüitativo serviço educativo” (Barroso,
2001a, p. 220).
Portanto, compreendendo que o processo de formulação e de execução de políticas
públicas envolve correlações de força, consideramos necessário recuperar o sentido da

178
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

democracia, associando-o à dimensão claramente política da realidade da gestão escolar. Ou


seja, precisamos reconhecer os valores democráticos, participativos e autonômicos,
comprometidos com a emancipação, o diálogo e as decisões coletivas. Sem perder de vista as
determinações econômicas da luta política e as contradições das relações sociais, precisamos
contrapô-los à ética do mercado, ao ‘individualismo possessivo’ e à competitividade que
compõem o modelo gerencialista.
Dessa perspectiva, a democracia é construída e reconstruída na ação, pela interação dos
diferentes atores organizacionais (governos, administradores, professores, pais, alunos e outros
membros da sociedade local). Isto significa que o funcionamento da escola não se traduz em
uma resposta mecânica, automática e completamente previsível em relação aos projetos de
quem detém a autoridade política formal. As políticas públicas se defrontam com a atuação dos
sujeitos sociais, tanto no plano de sua formulação, ou seja, na arena política nacional, quanto no
interior de cada organização escolar onde elas se concretizam. Segundo Lima (2002d, p. 33),
“[...] os atores escolares dispõem sempre de margens de autonomia relativa [...]”, mesmo
quando não reconhecidas ou consagradas formalmente. “Admitindo-se, assim, as influências
das reformas políticas e organizacionais empreendidas, mas também as capacidades,
organizacionalmente ancoradas, de os atores escolares produzirem orientações e regras
próprias, não necessariamente convergentes com as primeiras” (Lima, 2013, p. 78-79).
Em relação ao futuro da gestão democrática da escola pública, existem diversas
possibilidades, nas quais a realidade política será sempre decorrente do confronto de vários
interesses. O fato de as atuais políticas apontarem para uma tendência gerencialista da gestão
escolar, não significa que ela se concretize inteiramente. Em outros termos, o destino do projeto
de autonomia da escola irá depender muito mais do ‘jogo de forças’ dos sujeitos sociais do que
das decisões burocráticas impostas por meio de normativos legais.
Nesse quadro de relações e de responsabilidades em aberto, o desafio dos educadores
consiste em “[...] saber interpretar e analisar criticamente as políticas para a educação, as
políticas educativas e pedagógicas, e também as ações educativas e as práticas pedagógicas
enquanto ações políticas” (Lima, 1999 p. 61). Em um exercício de repolitização das
organizações educativas e das práticas de administração da educação, eles poderão, quem sabe,
ser capazes de se afastar das orientações gerencialistas e mercantis às quais a educação vem
sendo submetida nos últimos anos.
Com base no que discutimos neste capítulo, podemos afirmar que a proposta de gestão
democrática da gestão escolar na atualidade representa apenas uma nova forma de conciliar
interesses públicos e privados. O termo democracia adquire um novo significado: como se
atribui aos sistemas de ensino e às escolas públicas maior responsabilização pela execução das
orientações políticas centralizadas e pelos resultados atingidos, o termo assume uma dimensão
apenas operacional.
Muito mais do que uma opção pela política centralizada ou descentralizada, a proposta de
gestão democrática passa a ser sinônimo de responsabilidade compartilhada, pois nela estão
combinados princípios democráticos (eleição para diretores, modelos organizacionais e regras
mais flexíveis, participação direta da comunidade) com princípios privados (a gestão é colocada
sob a lógica do mercado e dos interesses particulares). No entanto, o que predomina é uma
perspectiva reducionista da gestão da educação, na qual o lócus da qualidade passa a ser o da
competência administrativa de cada sistema ou estabelecimento de ensino e os problemas e as
soluções são apresentados apenas como gerenciais e técnicos, sem que se faça qualquer
referência aos seus determinantes econômicos e sociais.
Além disso, a gestão fundada na descentralização, na autonomia e na participação se
revela mais compatível com as necessidades do capital. Portanto, não se trata simplesmente de
ampliação da participação democrática na empresa ou nas instituições públicas, mas de uma
reorganização administrativa e organizacional adequada aos novos desafios e exigências da
179
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

sociedade capitalista, que demanda novas vantagens competitivas, aumento da produtividade,


redução de custos, mais rapidez na tomada de decisões e na ação. Nesse sentido, autonomia,
flexibilidade e gerência participativa são requisitos fundamentais para que as organizações, em
contraposição às formas burocráticas e centralizadas, disponham de certa maleabilidade, que
torne possível a tomada de decisão em uma realidade cada vez mais dinâmica, heterogênea e
fragmentada. Isso faz com que estes termos assumam novos significados.
Na tese do ‘governo reinventado’ ou do ‘novo Estado democrático’, que é coerente com a
tradição do pensamento liberal, está implícita a compatibilização entre os princípios
democratizadores e privatizadores, caso se entenda que privatização, além de ser uma forma
privada de prestar serviços de interesse público, com financiamento público e métodosprivados,
implica também a delegação de responsabilidades (execução de serviços e gestão) a diferentes
agentes sociais. Essa concepção, em que privatização está associada à democracia no sentido
liberal, explica por que o Estado, ao redefinir seu papel, tem delegado uma série de ações à
sociedade civil, promovendo iniciativas de filantropia empresarial e parcerias, incentivando
atividades voluntárias, de modo a integrar os setores populares como apoio efetivo.
Acompanhando essa lógica, é possível afirmar que os dois princípios não são de fato
incompatíveis ou contraditórios, mas se interpenetrame se complementam, representando duas
faces de um mesmo processo.

180
Considerações finais

Afirmamos, inicialmente que, para refletir sobre o tema da democratização da gestão da


educação, é necessário extrapolar o contexto educacional e relacioná-lo à dinâmica das relações
sociais. Assim, a análise das políticas educacionais foi realizada em coerência com esse
entendimento, ou seja, com base nas mudanças ocorridas na produção, nas relações sociais e no
papel do Estado.
A análise demonstrou que a maior parte das discussões sobre o tema tende para a defesa
da democracia em oposição à centralização burocrática, como esse fosse um fim em si, a fonte
da melhoria da qualidade do ensino e da ampliação da participação no interior dos sistemas
educacionais. Assim, consideramos a necessidade de um aprofundamento na análise e na
compreensão da proposta de democratização da gestão da educação contida nas atuais políticas
públicas, de forma a desmistificar a retórica que tem marcado essas discussões.
Visamos levantar novos pontos de questionamento para o debate e, ao mesmo tempo,
contribuir para o entendimento dos procedimentos educativos e de seus desdobramentos fora
do universo político e didático, mediante a elucidação dos interesses materiais que estão na base
dos interesses políticos. Procuramos alargar o ângulo de análise no sentido da problematização
das políticas relacionadas à democratização da gestão da educação e, buscando referências em
outros contextos, reportando-nos ao processo de formação, de desenvolvimento e de crise do
capitalismo, chamamos a atenção para a reconceitualização ou ressemantização dos termos
autonomia, descentralização, participação social e democratização, especialmente a partir dos
anos 1990.
Nessa incursão histórica, verificamos que tais termos não deixam de se fazer presentes
nos discursos políticos, nos programas governamentais e nos ordenamentos legais atuais,
porém, com sentidos diferentes dos de outros momentos históricos. Ou seja, nos domínios
operacionais atuais eles aparecem subordinados à nova lógica e aos valores intimamente
relacionados aos preceitos do mercado e aos novos modelos de gestão nele adotados.
Diagnosticamos que, na nova crise do capital, surgem conceitos como globalização,
reengenharia, novas tecnologias, reorganização ou reestruturação produtiva e administrativa.
Nesse bojo, surgem alternativas que redefinem a natureza do trabalho e do capital, demarcando
uma nova divisão internacional do trabalho, novas formas de contratos (part-time, terceirizados,
subcontratados) e novas formas de gerenciamento do trabalho no interior das empresas e em
organizações de produção públicas ou privadas. No campo da gestão empresarial, o trabalho em
grupo, a cooperação, a coparticipação, a participação direta nos processos de decisão, a
flexibilização, a descentralização e a autonomia adquirem relevância, expressando uma ruptura
com os modelos tradicionais (taylorista/fordista) de gestão, pautados na centralização e na
burocracia.
O novo paradigma não se restringe aos muros da empresa: é importado pela
administração pública, subsidiando a reinvenção da forma de governar e de gerir as organizações
e instituições, bem como a estrutura de poder do Estado. As estruturas organizacionais se
fundam em bases mais modernas, racionais, flexíveis e “democráticas”, consideradas mais
adequadas para melhor atender às demandas da sociedade atual e assegurar sua
governabilidade.
Na nova proposta de administração pública, inspirada na política da terceira via e nas
orientações da new public management e reinventing government destaca-se o seguinte: o
governo se torna criador de oportunidades, não se envolvendo diretamente na prestação de
serviços; prioriza-se o atendimento às necessidades dos clientes-cidadãos; enfatiza-se a junção
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

de qualidade com produtividade; promove-se a competição entre os que prestam serviços ao


público, de forma a oferecer oportunidades de escolha ao cidadão consumidor;
descentralizando-se, o Estado não obedece a normas e regras rígidas e emprega mecanismos
não burocráticos para agir de forma mais criativa e eficaz, orientando-se por objetivos e não por
regras e regulamentos; permeável à maior participação dos agentes privados e/ou de
organizações da sociedade civil (setor público não estatal), o Estado aparece como parceiro da
comunidade no enfrentamento dos problemas sociais, ambientais e educacionais, confiando
poder aos cidadãos em vez de servi-los. Para ampliar a participação direta dos diferentes ‘atores’
sociais, criam-se sistemas administrativos mais descentralizados, autônomos e flexíveis,
prevendo-se a participação popular em conselhos recrutados na própria comunidade, bem como
a avaliação da qualidade dos serviços públicos ou semipúblicos.
Ao mesmo tempo, no novo modelo de gestão pública, a autonomia, a descentralização, a
participação social e as parcerias, propostas como sinônimo de gestão democrática, são
submetidas a novas formas de controle e regulação pelo sistema público. O Estado tende a
desempenhar muito mais um papel de regulador, reservando-se o direito de conceber,
programar, acompanhar, avaliar e fiscalizar o desempenho e os resultados. A interpenetração
cada vez mais profunda entre Estado e sociedade civil foi a forma encontrada pelo Estado para se
expandir para além dos seus aparelhos burocráticos. Para tanto, adota o ‘governo indireto’ e
formalmente não estatal. De acordo com Santos (1990, p. 28), no momento atual, “[...] a
expansão do Estado dá-se menos pela expansão material (produção de bens e serviços) do que
pela expansão simbólica (produção alargada de símbolos e ideais com a implantação no
imaginário social, como, por exemplo, os símbolos de participação, da comunidade real, da auto-
gestão)”.
Analisando os novos preceitos administrativos, concordamos com Lima (2002b, p. 69,
grifo do autor) quando afirma:

[...] não se trata, verdadeiramente, de uma reforma política da administração


em termos democráticos e descentralizadores, conferindo
consequentemente autonomia às organizações periféricas, mas antes uma
reestruturação e reorganização que, no caso específico das opções de tipo
desconcentrado, permitirá não só manter, mas mesmo conquistar, novos
poderes para o centro, através de uma cuidadosa separação entre
concepção (nível central) e execução (nível periférico).

O “[...] paradigma dominante de gestão e de regulação do sistema educativo é um


decalque do paradigma da economia de mercado. Também nesse caso, o poder público fixa as
regras do jogo e esforça-se por fazê-las respeitar, confiando a unidades largamente
descentralizadas o cuidado de aplicar a política que ele decidiu” (RAMOS, 2001, p. 39).
Na análise, apontamos outro aspecto: a ênfase na autonomia, na descentralização, na
participação social e nas parcerias, entendidas como mecanismos para aprofundar e ampliar a
democracia (GIDDENS, 2005), surge no momento em que o Estado redefine sua filosofia de
responsabilidade, equacionando a responsabilização e a participação social. Assim, a retórica da
abertura e da ampliação da participação da comunidade, particularmente no que se refere ao
âmbito da gestão da educação, seria um mecanismo de corresponsabilização da escola/família
pelos resultados do ensino, como sugere o Relatório Prioridades y estrategias para la educación
do Banco Mundial(1995, p. xxvi, grifo do autor, tradução nossa):

Dar mais participação ao grupo familiar.


As instituições de ensino podem ser mais responsáveis pelo seu desempenho
se as unidades familiares estabelecerem maior relacionamento com as
instituições de que seus membros frequentam, participando da gestão da
182
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

escola e exercendo o poder de decidir entre as distintas escolas


e instituições.
Dar maior autonomia às instituições.
A qualidade da educação pode ser aprimorada capacitando às escolas a
utilizar insumos educacionais conforme às condições da escola e da
comunidade. O uso desses insumos (materiais) é eficaz quando as
instituições são autônomas e podem distribuir seus recursos112.

Por conseguinte, a sociedade começa a ser vista não apenas como destinatária das
políticas sociais, mas como corresponsável por sua realização. A partir dos anos de 1990, essa
nova orientação é consagrada: as políticas educativas que vão sendo adotadas sinalizam o
estabelecimento de relações mais complexas entre governo e sociedade. As responsabilidades
são redefinidas, os processos de participação são ampliados e são buscadas alternativas de
financiamento em zonas não exploradas.
Assim, a celebração retórica da ‘redemocratização da democracia’ (Giddens, 2005), da
maior da participação sociedade civil e da descentralização administrativa significa, na prática, a
crescente partilha de responsabilidades, denominada por Ruivo e Francisco (1999, p. 289, grifo
do autor) de “[...] partilha contratual. Em seus termos, “[...] determinadas funções serão co-
atribuídas ao nível local, não enquanto responsabilidade formal de princípio, mas em termos de
responsabilização e financiamento voluntários do providenciamento de serviços por parte desse
nível, esgotando-se no cumprimento do pontualmente acordado [...]”, o que não envolve a
partilha de decisões, a interferência e a influência do poder local na definição das políticas.
Um dos pontos mais polêmicos da proposta atual de democratização é a instituição dos
mercados educativos e a introdução de mecanismos ‘privatizadores’ na educação: sob a
justificativa de melhoria da qualidade e dos resultados do ensino, a educação básica pública tem
sido submetida à lógica do mercado. A autonomia atribuída às escolas para gerenciar seus
próprios recursos e elaborar seu próprio projeto pedagógico, dentre outros aspectos já
mencionados, tem como consequência direta sua diferenciação no mercado. Flexibilizando a
oferta educativa e atendendo melhor às especificidades dos desejos de seus clientes, sendo
financiadas com base no número de matrículas, as escolas são colocadas em uma situação de
competição, na qual os alunos são o maior alvo. Os sistemas educativos são submetidos ao
processo tipicamente empresarial também pelo estabelecimento de parcerias, as quais, pela
exigência de prestação de contas e pelo tipo de avaliação centrada nos resultados ‘palpáveis’ das
atividades, as fazem funcionar cada vez mais no estilo dos parceiros. O maior problema dessa
aplicação da lógica mercantil no funcionamento do setor educativo diz respeito ao
‘reposicionamento’ da educação, que assume “[...] uma nova, individualizada (e generalizada)
orientação para o consumo” (Mesquita, 2000, p. 71) e para os diferentes interesses e
necessidades mais imediatas dos sujeitos.
Portanto, na perspectiva gerencial, a concepção de democracia predispõe todos a opinar
sobre formas, estratégias ou recursos para tornar a educação mais produtiva, para funcionar
como uma empresa (Laval, 2004) e para se voltar mais para os interesses de quem é educado,
como se este fosse um consumidor de mercadoria. Desse modo, ocorre uma simulação de
democracia: o que parece ser interesse comum, autonomia, parceria e colaboração é, na verdade,

112
“ Dar más participación al grupo familiar. Las instituciones de enseñanza talvez se responsabilicen más de su
rendimiento si las unidades familiares establecen más relación con las instituciones a que asisten sus miembros,
participando en la dirección de la escuela y ejerciendo la facultad de decidir entre distintas escuelas e instituciones.
Dar más autonomía a las instituciones. La calidad de la educación puede mejorar si se faculta a las escuelas
para que utilicen los insumos educacionales de conformidad con las condiciones escolares y comunitarias locales y
si se las hace responder ante los padres y las comunidades. La utilización de los insumos educacionales es eficaz
cuando las instituciones son autónomas y pueden distribuir sus recursos”.
183
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

expressão da lógica privada/mercantil, da exacerbação do individualismo e da perda do conceito


de relação social de classe como referência das políticas.
Reiteramos que a questão da democracia é uma via de mão dupla. Por um lado, está
associada à transferência para a sociedade civil das responsabilidades que o Estado teria na
execução dos serviços públicos, o que expressaria sua submissão à lógica do mercado e a
ampliação das possibilidades de expansão do capital. Por outro, está associada a novas formas de
participação democrática ou de sociabilidade política, à possibilidade de construção de práticas
realmente coletivas e igualitárias, capazes de colocar em xeque o processo de individualização
dos sujeitos sociais ou, no melhor dos casos, ir além da lógica privado/mercantil.
Reiteramos também que a luta pela redemocratização política, mais acentuada nos anos
de 1980, levou os educadores a lutar pela participação nas decisões, pela descentralização e pela
autonomia dos sistemas educativos (Carvalho, 2012b). Por isso, na maior parte da literatura
vigente, a questão da democracia aparece associada somente à libertação do autoritarismo
administrativo, sem que seja identificada como pré-requisito para o revigoramento do capital,
cuja tendência é o trabalho não sistematizado, descentralizado e flexibilizado.
Esclarecemos que o esforço neste estudo foi deixar claro que, em termos políticos, éticos
e pedagógicos, a proposta de democracia nos anos de 1990 obedece a uma perspectiva bastante
distinta da que vigorava na “[...] velha experiência do localismo democrático, baseado na
autonomia das comunidades” (Lima, 2002c, p. 87).
Queremos ressaltar ainda que a proposta de democracia que integra a agenda das
reformas educativas empreendidas ao longo dos anos de 1990 também surgiu em outros
contextos ou nações (Carvalho, 2014b), acompanhando o processo de redefinição neoliberal do
papel do Estado. Nesse processo, em nome da modernização e do aumento da competitividade
entre os países em um mercado cada vez mais global (Robertson, 2012; Ball, 2014), ocorreram
mudanças significativas na concepção de serviço público, na forma de regulação estatal e no
conceito de responsabilidade do Estado, como também nos mecanismos relacionados ao mundo
do trabalho, os quais se tornaram flexíveis. Levando em conta o crescente processo de
internacionalização dos sistemas educativos ou, conforme alguns autores, de ‘globalização da
agenda’ (Dale, 2004) ou de ‘política educativa global’ (Ball, 2014), realçamos a similitude das
reformas educativas, nas quais ocorreu a incorporação dos valores e dos procedimentos do
mundo empresarial, ou seja, a adoção da lógica do mercado na gestão da educação e, ao mesmo
tempo, sua despolitização (Lima, 2002b).
Nesta conclusão, precisamos ainda esclarecer que não tivemos a intenção de desvalorizar
ou desqualificar a democracia. O objetivo de nossa abordagem foi chamar a atenção para a
substância e a amplitude desse princípio tão propalado e, ao mesmo tempo, para o crescente e
acrítico predomínio do modelo gerencialista (acentuadamente tecnocrático, gestionário,
privatista e mercantil), seja nas orientações legislativas seja nos projetos e programas
governamentais. Procuramos analisar o teor dessas políticas e o significado do poder local ou
centrado na escola, pois, “[...] Para além das questões de saber que poderes são devolvidos e em
que dimensão, há que se ter em conta a quem são devolvidos, e em que contexto essa devolução
se concretiza” (Afonso, 1999, p. 61).
Colocando em causa as políticas de gestão democrática, nossa intenção foi chamar a
atenção para o movimento da história como o espaço de produção do novo referencial
paradigmático. Na análise, procuramos compreender o ressignificado da democracia no atual
contexto das novas tendências de privatização da educação, cujo discurso em favor
descentralização, da participação e da sociedade civil ativa tem como contrapartida a exacerbação
do individualismo e a perda do conceito de relações de classes sociais.
Outro aspecto que procuramos problematizar é que, no atual contexto, “[...] embora
exista um discurso hegemônico e um contra-hegemônico, as fronteiras entre um e outro são
incertas e imprecisas” (Hypólito; Gandim, 2003, p. 53). A facilidade com que os termos são
184
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

utilizados por diferentes correntes políticas dilui as dicotomias e cria ambiguidades, passando a
ideia de que não existem diferenças entre as propostas das forças publicistas e privatizadoras, o
que dificulta ou mesmo afasta as perspectivas de contestação.
De nosso ponto de vista isso ocorre porque a esquerda, ao tratar de temas como
descentralização, democratização, autonomia e participação, acabou por separar forma e
conteúdo. Ao dissociar esses temas de seus fins sociais, isto é, da perspectiva de transformação
social, deixou de pôr em causa a luta de classes (conflito entre capital-trabalho) e os interesses
contraditórios que sustentam as lutas dos sujeitos sociais. Com isso, os debates se reduziram à
dimensão prática (técnicas/método de gestão) ou política (defesa da autonomia em oposição às
formas burocráticas e centralizadas). Conforme Frigotto (1999, p. 79):

Pelo lado das forças da esquerda, a falta de um aprofundamento teórico e,


consequentemente, de compreensão histórica da complexa relação entre
estrutura e conjuntura, leva grande parte dessas forças a substituir aanálise
dialética, capaz de apreender os conflitos e contradições e as armadilhas e
possibilidades da travessia, por posturas moralistas, escatológicas e
dogmáticas.

Como consequência, o projeto educacional desvincula-se do projeto social mais amplo,


ou seja, da construção de uma nova sociabilidade e favorece o predomínio dos interesses
particulares e das práticas privatizantes. No “[...] plano prático isto se traduz na defesa de
políticas localistas ou reforça formas abertas ou disfarçadas de privatismo em campos que o
mercado não pode democraticamente regular” (Frigotto, 1999, p. 80).
O tema da descentralização, da autonomia, da parceria e da participação social tão
propalado nos discursos pode corresponder a uma falsa questão, especialmente se entendermos
que o direito à participação nas decisões e à associação não é, em si, uma garantia de práticas
mais democráticas. Não basta ter o direito de decidir, é necessário ter em conta também em que
consiste o processo decisório. Em outros termos, importa ter autonomia para decidir não só
sobre os meios, mas também sobre os fins a ser alcançados por esses meios. Enfatizamos,
portanto: mais importante do que a participação é a finalidade dessa participação; mais
importante do que a ampliação e o aprofundamento da democracia é a qualidade dessa
participação nos poderes decisórios.
Desse modo, embora a descentralização, a autonomia, a parceria e a participação da
sociedade civil na oferta, no monitoramento e na avaliação dos serviços públicos sejam
consideradas por muitos como inerentemente democráticas, defendemos a hipótese de que elas
só passam a sê-lo quando pensadas em relação aos fins e não apenas aos meios - aspectos
técnicos. Quando são pensadas como meio, cria-se a ilusão de uma democracia: no caso, esta se
resumiria a meros expedientes e métodos de gestão do tipo gerencialista, apropriados às
exigências do mercado global, o que significa separar-se da ‘decisão política’ e esvaziar a
conflitualidade ideológica, política e social, própria do processo de formulação da política
educativa.
A ampliação da participação da sociedade civil tem sido uma estratégia para o
encaminhamento da gestão da escola e das redes de ensino públicas, com o que se apresentam,
assim, novos caminhos para a expansão do mercado educacional. Ao mesmo tempo, transfere-
separa o poder local a responsabilidade pela gestão dos conflitos e das contradições sociais, o
que é uma forma de garantir a governabilidade em face do aumento das demandas e da
conflitualidade dos múltiplos interesses.
De maneiras diferentes, a tendência cada vez maior é a atuação direta das “[...] empresas,
dos empreendimentos sociais e da filantropia na prestação de serviços da educação e das
políticas educacionais, e o surgimento concomitante de novas formas de governança em rede”

185
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

(Ball, 2014, p. 23, grifo do autor). Por um lado, observamos soluções privadas e filantrópicas para
os ‘problemas’ da educação pública; por outro, as terceirizações e a contratação ou parceria
público-privada tem aberto importantes espaços para “[...] processos de mercado de
crescimento e expansão e a busca por parte das empresas de novas oportunidades de lucro [...]”
para as organizações do setor privado (Ball, 2014, p. 37). Como resultado, “[...] mercantiliza-se
ainda mais o social e o domínio público” (Ball, 2014, p. 171).
As mudanças na atuação do Estado e em sua relação com a sociedade civil revelam que
“[...] a política está sendo privatizada em vários sentidos” (Ball, 2014, p. 32). Por exemplo, por
meio da produção de ‘textos’, em termos de políticas ou de ideias, por “[...] empresas
educacionais e de consultoria para e no interior do Estado” (Ball, 2014, p. 162, grifo do autor),
os representantes do setor privado atuam na esfera do Estado tomando parte na formulação e na
execução de políticas com efeitos sobre a gestão da educação pública.
Rikowski (2017, p. 401, grifo do autor) destaca que “[...] a privatização da educação
não é realmente sobre educação: trata-se de beneficiar-se da receita do Estado e
transformá-la em lucro”. Ou seja: “A política de privatização educacional (ou de qualquer outra
forma) é a obtenção de lucros, que, por sua vez, baseiam-se na capitalização de instituições e
serviços educacionais; educação tornando-se capital. Trata-se do desenvolvimento capitalista
na educação”.
Enfim, não basta participar em conselhos, no âmbito dos sistemas de ensino e da escola,
opinar nos assuntos educacionais, nem eleger diretores para se ter democracia na escola. As
discussões sobre democracia não podem ignorar que, no limite, a efetiva democratização da
gestão da educação só será possível com a efetiva democratização da sociedade em que os bens
materiais e culturais estejam disponíveis a todos os cidadãos. Isto significa que a democratização
da gestão escolar não se dá à margem das relações sociais mais amplas ou, conforme Wood
(2011, p. 248): “[...] a democracia precisa ser pensada não apenas como categoria política, mas
também como categoria econômica [...]” ou, conforme Peroni (2012, p. 29), “[...] como a
materialização de direitos e igualdade social”. A disputa não está apenas entre duas concepções
de democracia, mas entre dois projetos societários (Peroni; Scheibe, 2017).
Sublinhamos, a administração verdadeiramente democrática está muito além da
descentralização, da participação e da autonomia gestionária dos sujeitos políticos coletivos:
passa também pelo fim da divisão do trabalho, das formas de dominação e de alienação nas quais
se funda a sociedade atual. Conforme nos lembra Dourado (2000, p. 38),

[...] a luta pela qualidade social não pode estar deslocada de lutas mais
amplas pela equidade, num país margeado por desigualdades sociais tão
gritantes. Portanto, pensar a democratização da escola implica lutar pela
democratização da sociedade da qual essa faz parte e é parte constitutiva e
constituinte.

Esclarecemos que nossa análise das políticas educativas, mais especificamente da gestão
democrática da educação básica, sobretudo na década de 1990, centrou-se na retórica normativa
expressa nas fontes documentais, ou seja, na legislação e nos programas e projetos
governamentais, secundarizando as implicações concretas das políticas sobre a democracia na
ação cotidiana das escolas. No entanto, isso não significa o não reconhecimento da relevância da
análise dessas implicações.
Consideramos que, apesar dos limites que impusemos, o estudo é um ponto de partida
para uma investigação empírica posterior. Depois de analisados os ordenamentos legais ou
enquadramentos jurídico-administrativos, sentimo-nos instigada a continuar a investigação,
diagnosticando como as mudanças administrativas estão sendo assimiladas e concretizadas
pelos diferentes sujeitos educativos, quais são seus efeitos e resultados. Entendemos que é
186
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

necessário verificar até que ponto as iniciativas e as práticas cotidianas têm-se pautado na
perspectiva gerencialista e na lógica do ‘quase-mercado’ educativo.
Como afirmam Ferreira e Formosinho (2000, p. 75), do “[...] ponto de vista da pesquisa
empírica, interessa, portanto, analisar os processos de mobilização social e de implicação dos
actores, as relações e interacções envolvidas, os processos de disputa e de construção dos
compromissos locais”: os instrumentos legais operacionalizam as decisões, mas é na ação
cotidiana da escola que a democracia vai sendo construída. É na atuação dos diversos atores
internos e externos a ela na ação pedagógica e organizacional, no confronto entre interesses,
estratégias e lógicas de ação diferentes, bem como na negociação e na recomposição de objetivos
e poderes (Barroso, 2003b) que se dá “[...] vida a orientações normativas, corporizando
concepções diversas sobre a escola e a actividade educativa” (Formosinho; Ferreira; Machado,
2000, p.13). É possível pensar que nem sempre existe correspondência entre aquilo que é
‘decretado’ e o que é ‘construído’.
A democratização da gestão da educação pública comporta diversas possibilidades em
termos de futuro e a realidade política será sempre decorrente do confronto de interesses,
particularmente entre os segmentos sociais publicistas e privatistas. O fato de as atuais políticas
apontarem para a tendência gerencialista na gestão não significa necessariamente que ela se
concretize inteiramente: o destino do projeto de democratização na gestão da educação irá
depender muito mais do ‘jogo de forças’ dos sujeitos sociais do que das decisões burocráticas
impostas por meio de normativos legais.
Reiteramos que as mudanças que se introduzem na forma de governação não têm origem
apenas no campo político nem podem ser reduzidas à ‘ideologia ou hegemonia neoliberais’, mas
fazem parte do amplo leque de mudanças sociais mais profundas abordadas nos três primeiros
capítulos. Procuramos chamar a atenção para o fato de que as atuais condições histórico-sociais
têm-se constituído em um campo fértil para o desenvolvimento de discursos e práticas tidos
como neoliberais, não como fatalidade histórica, mas porque estes se vinculam estreita e
diretamente aos interesses e expectativas individuais e locais, sendo alvo de menos oposição e
recusas.
Enfatizamos ainda, que, mais do que um processo de desqualificação do discurso e das
práticas neoliberais, o principal desafio que se impõe atualmente aos intelectuais e educadores é
o de aprofundar a compreensão teórica deste fenômeno histórico e de reavaliar a própria atuação
no interior das instituições educacionais.
Concluímos que as políticas seguidas pelos governos a partir dos anos de 1990 são
marcadas por uma singularidade – a combinação de elementos contraditórios ou aparentemente
contraditórios, dentre os quais: laissez-faire na economia e novas formas de controle que
reforçam certos aspectos da autoridade do Estado; decisões democráticas e descentralizadoras
em coexistência com outras extremamente centralizadas e intervencionistas; governo forte e
Estado-mínimo; admissão da lógica e da ideologia do mercado para reorganizar o domínio
público (competição entre os setores e serviços, valorização do cliente-consumidor, ênfase nos
resultados) combinando-o com participação social; transposição de modelos da gestão privada
para a gestão pública; desregulação e regulação; prestação de serviços públicos pelossetores
público não estatal e privado, dentre outros.
As palavras de Bresser Pereira (2000, p. 25, grifo do autor), proferidas no Seminário
Moderna Gestão Pública, patrocinado pelo Instituto Nacional de Administração Pública e
realizado em Lisboa, Portugal, em março de 2000, são bastante elucidativas:

A reforma é gerencial porque busca inspiração na administração das


empresas privadas e porque visa dar ao administrador público profissional
condições efetivas de gerenciar com eficiência as agências públicas. É
democrática porque pressupõe a existência de um regime democrático,

187
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

porque deixa claro o caráter específico, político da administração pública e,


principalmente, porque nela os mecanismos de controle, de caráter
democrático, são essenciais para que possa haver delegação de autoridade e
controle a posteriori dos resultados. É social democrática porque afirma o
papel do Estado de garantir os direitos sociais e lhes fornece os
instrumentos gerenciais para fazê-lo, de forma não apenas mais
democrática, mas também mais eficiente do que faria o setor privado. É
social liberal porque acredita no mercado como um ótimo, embora
imperfeito alocador de recursos, buscando limitar a ação do Estado às áreas
em que o mercado está ausente ou realiza mal sua tarefa coordenadora.
Entre as estratégias gerenciais utilizadas pela reforma está a competição
administrada, ou criação de quase-mercados, para controlar as atividades
descentralizadas do Estado. Competição administrada, entretanto, não
significa que as organizações estatais e aquelas transformadas em
organizações públicas não-estatais (organizações sociais) passem a ser
julgadas pela quantidade de recursos que logrem obter da venda de seus
serviços. Muitas dessas organizações não vendem nem devem vender
serviços. Significa apenas que os parâmetros que são utilizados pelas
agências e organizações sociais para avaliar seus resultados não são definidos
apenas nos contratos de gestão: são também comparados com os de outras
agências ou organizações similares que competem entre si [...] a maior
autonomia assegurada aos administradores públicos, que a reforma gerencial
prevê, relegando para segundo plano ou eliminando os regulamentos rígidos
próprios da administração pública burocrática, só será possível se essa
reforma, além de usar da estratégia da administração por resultados, contar
com o controle social ou participativo da sociedade, com o controle da
imprensa e da opinião pública, com o controle da oposição política [...]

Enfim, as políticas em curso a partir dos anos de 1990 são férteis em contradições,
combinando individualismo e coletivismo, solidariedade e competitividade, centralização e
descentralização, publicismo e privatismo, etc. A oscilação entre esses polos, característica da
política do século XX, tem dado lugar a uma progressiva interpenetração na qual um deles tende
a se transformar em complemento do seu oposto, entrelaçando-se e reforçando-se mutuamente.
Nessas circunstâncias, a distinção entre público e privado fica cada vez mais complexa, tornando
difícil determinar as fronteiras que os separam.
As palavras do autor esclarecem a ênfase atribuída à democratização da gestão da
educação no atual contexto ao mesmo tempo em que comprovam nossa hipótese de que as
políticas de gestão democrática combinam princípios democratizadores e privatizadores, o que
explica certamente o caráter ambíguo ou ‘híbrido’ (Lima, 2002c; Afonso, 2002a) das políticas
públicas contemporâneas.
A proposta da terceira via, de aprofundamento e ampliação da democracia, associada à
reinvenção do modelo gerencial na reforma do Estado, resulta em uma combinação das
estratégias de mercado, da atividade governamental empreendedora com a transferência do
poder para as coletividades – ‘gerenciamento por participação’, permitindo a
complementaridade entre os princípios democratizadores e privatizadores.
Em suma, essa complementaridade constitui um dos aspectos distintivos mais
importantes da atual política neoliberal e um dos principais vetores de redefinição do papel do
Estado. O aspecto fundamental a ser considerado nas análises é que, nas reformas educativas
atuais, o princípio da gestão democrática da educação, conforme o paradigma gerencialista,
mantém uma interface com princípios e mecanismos privatizadores.

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BRASIL. Decreto nº 1.366, de 12 de janeiro de 1995c. Dispõe sobre o Programa Comunidade Solidária e dá outras
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BRASIL. Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997d. Dispõe sobre a contratação de serviços pela Administração
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192
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

BRASIL. Decreto nº 2.487, de 2 de fevereiro de 1998f. Dispõe sobre a qualificação de autarquias e fundações como
Agências Executivas, estabelece critérios e procedimentos para a elaboração, acompanhamento e avaliação dos
contratos de gestão e dos planos estratégicos de reestruturação e de desenvolvimento institucional das entidades
qualificadas e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/decreto/ D2487.htm. Acesso
em: 15 out. 2018.

BRASIL. Decreto nº 2.488, de 2 de fevereiro de 1998e. Define medidas de organização administrativa específicas
para as autarquias e fundações qualificadas como Agências Executivas e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2488.htm. Acesso em: 9 out. 2018.

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Executivo Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2923.htm. Acesso em: 9 out. 2018.

BRASIL. Decreto nº 2.999, de 25 de março de 1999c. Dispõe sobre o Conselho da Comunidade Solidária e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2999.htm. Acesso em: 6 out. 2018.

BRASIL. Decreto nº 3.100, de 30 de junho de 1999e. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito
privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e regulamenta o
“Termo de Parceria” e dá outras providências. Disponível em: htpp://.planejamento.gov.br/gestão/conteudo/
legislação/decretos. Acesso em: 16 ago. 2004.

BRASIL. Decreto nº 3.100, de 30 de junho de 1999e. Regulamenta a Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, que
dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3100.htm. Acesso em: 6 out. 2018.

BRASIL. Decreto nº 3.134, de 10 de agosto de 1999f. Estabelece diretrizes e metas relativas à revisão das estruturas
dos Ministérios, e dá outras providências. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/ decret/1999/decreto-
3134-10-agosto-1999-359568-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 21 set 2018.

BRASIL. Decreto nº 3.134, de 10 de agosto de 1999f. Estabelece diretrizes e metas relativas à revisão das estruturas
dos Ministérios, e dá outras providências. Disponível em: htpp://.planejamento.gov.br/gestão/conteudo/legislação/
decretos. Acesso em: 16 ago. 2004.

BRASIL. Decreto nº 3.335, de 11 de janeiro de 2000b. Institui o Comitê Interministerial de Desburocratização e os


Comitês Executivos Setoriais de Desburocratização, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/D3335.htm. Acesso em: 15 out. 2018.

BRASIL. Decreto nº 3.507, de 13 de junho de 2000c. Dispõe sobre o estabelecimento de padrões de qualidade do
atendimento prestado aos cidadãos pelos órgãos e pelas entidades da Administração Pública Federal direta, indireta e
fundacional, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3507.htm. Acesso
em: 5 out. 2018.

BRASIL. Decreto nº 5.378, de 23 de fevereiro de 2005b. Institui o Programa Nacional de Gestão Pública e
Desburocratização - GESPÚBLICA e o Comitê Gestor do Programa Nacional de Gestão Pública e
Desburocratização, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2005/Decreto/D5378.htm. Acesso em: 18 fev. 2018.

BRASIL. Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007c. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal
e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e
financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/ decreto/ d6094.htm. Acesso em: 12 fev. 2018.

BRASIL. Decreto nº 6.253, de 13 de novembro de 2007d. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, regulamenta a Lei no 11.494, de 20 de junho
de 2007, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/ Decreto/
D6253.htm. Acesso em: Acesso em: 12 fev. 2018.

BRASIL. Decreto nº 6.278, de 29 de novembro de 2007e. Altera o Decreto no 6.253, de 13 de novembro de 2007, que
dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
- FUNDEB e regulamenta a Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/Decreto/D6278.htmAcesso em: 12 fev. 2018.

193
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

BRASIL. Decreto nº 7.480, de 16 de maio de 2011c. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos
Cargos em Comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e das Funções Gratificadas do
Ministério da Educação e dispõe sobre remanejamento de cargos em comissão. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/ decreto/ d7480. htm. Acesso em: 24 ago. 2017.

BRASIL. Decreto nº 7.478, de 12 de maio de 2011d. Cria a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e
Competitividade - CGDC, do Conselho de Governo, e dá outras providências. Disponível em:
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BRASIL. Decreto nº 8.789, de 29 de junho de 2016b. Dispõe sobre o compartilhamento de bases de dados na
administração pública federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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BRASIL. Decreto nº 8.789, de 29 de junho de 2016b. Dispõe sobre o compartilhamento de bases de dados na
administração pública federal. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_ Ato 2015-
2018/2016/Decreto/D8789.htm. Acesso em: 3 fev. 2018.

BRASIL. Decreto nº 9.094, de 17 de julho de 2017a. Dispõe sobre a simplificação do atendimento prestado aos
usuários dos serviços públicos, ratifica a dispensa do reconhecimento de firma e da autenticação em documentos
produzidos no País e institui a Carta de Serviços ao Usuário. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Decreto/D9094.htm#art25. Acesso em: 09 out. 2018.

BRASIL. Decreto 9.262, de 9 de janeiro de 2018b. Extingue cargos efetivos vagos e que vierem a vagar dos quadros de
pessoal da administração pública federal, e veda abertura de concurso público e provimento de vagas adicionais para os
cargos que especifica. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9262.htm.
Acesso em: 12 jan. 2018.

BRASIL. Decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2018d. Dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação,
de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades
de economia mista controladas pela União. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/ decret/2018/decreto-
9507-21-setembro-2018-787188-publica caooriginal-156460-pe.html. Acesso em: 9 out. 2018.

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BRASIL. Emenda Constitucional nº 14, de 13 de setembro de 1996b. Modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da
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BRASIL. Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998h. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e
normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de
atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm. Acesso em: 12 out. 2018.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998b. Modifica o sistema de previdência social,
estabelece normas de transição e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc20.htm. Acesso em: 15 out. 2018.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009a. Acrescenta § 3º ao Art. 76 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da
Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do
ensino de que trata o Art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do Art. 208, de forma a
prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares
para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do Art. 211 e ao § 3º do Art. 212 e ao caput do Art.
214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/emendas/emc/emc59.htm. Acesso em: 12 fev. 2018.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016f. Altera o Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm. Acesso em: 8 nov. 2018.

194
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

BRASIL. Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020. Altera a Constituição Federal para estabelecer
critérios de distribuição da cota municipal do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), para disciplinar a
disponibilização de dados contábeis pelos entes federados, para tratar do planejamento na ordem social e para dispor
sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb); altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc108.htm Acesso em: 28 ago. 2020.

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BRASIL. Lei nº 2.487, de 2 de fevereiro de 1998f. Dispõe sobre a qualificação de autarquias e fundações como
Agências Executivas, estabelece critérios e procedimentos para a elaboração, acompanhamento e avaliação dos
contratos de gestão e dos planos estratégicos de reestruturação e de desenvolvimento institucional das entidades
qualificadas e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2487.htm. Acesso
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Trabalho - CLT para declarar a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados. Disponível
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Acesso em: 14 fev. 2018.

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Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no Art. 60, § 7º, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. Disponível em:
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BRASIL. Lei nº 9.601, de 21 de janeiro de 1998j. Dispõe sobre o contrato de trabalho por prazo determinado e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9601.htm. Acesso em: 14 fev. 2018

BRASIL. Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998g. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais,
a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas
atividades por organizações sociais, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9637.htm.Acesso em: 07 abr. 2018.

BRASIL. Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998d. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos
Ministérios, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9649cons.htm.
Acesso em: 15 out. 2018.

BRASIL. Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999d. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado,
sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de

195
DEMOCRATIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA?

Parceria, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9790.htm. Acesso em:


6 out. 2018.

BRASIL. Lei nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000a. Disciplina o regime de emprego público do pessoal da
Administração federal direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9962.htm. Acesso em: 15 out. 2018.

BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001b. Aprova o Plano Nacional de Educação. Disponível
em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em: 26 out. 2017.

BRASIL. Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002. Dispõe sobre a não-cumulatividade na cobrança da


contribuição para os Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep),
nos casos que especifica; sobre o pagamento e o parcelamento de débitos tributários federais, a compensação de
créditos fiscais, a declaração de inaptidão de inscrição de pessoas jurídicas, a legislação aduaneira, e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10637.htm. Acesso em: 17 mar. 2018.

BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004a. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria
público-privada no âmbito da administração pública. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
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BRASIL. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007a. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da


Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB. Disponível em:
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BRASIL. Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014b. Estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo
ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em
regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política
de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de
fomento; e altera as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13019.htm. Acesso em: 8 mar. 2018.

BRASIL. Lei nº 13.204, de 14 de dezembro de 2015a. Altera a Lei no 13.019, de 31 de julho de 2014, “que
estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre
a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de
finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colaboração com organizações da
sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento; e altera as Leis nos8.429, de 2 de junho de 1992,
e 9.790, de 23 de março de 1999”; altera as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, 9.790, de 23 de março de 1999, 9.249,
de 26 de dezembro de 1995, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, 12.101, de 27 de novembro de 2009, e 8.666, de 21 de
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