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POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA SUPERIOR DE POLÍCIA MILITAR


CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS

Trabalho de conclusão da Disciplina de Ética

A TEORIA DAS MAÇAS PODRES E OS PROCESSOS DE


EXCLUSÃO DE POLICIAIS MILITARES

ANDRÉ LUÍS SANTOS DE AGUIAR


Instrutor: Major PM Nogueira

CAO PMERJ / 2023.1


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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho visa realizar uma brevíssima revisão literária utilizando textos que
versem sobre a Teoria das Maçãs Podres e os Processos de Exclusão de Policiais Militares
da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, considerando a intenção de se desenvolver
uma dialogia capaz de perceber se os Processos Administrativos Disciplinares da
Corporação ou as ações correicionais da Corregedoria são capazes de desenvolver
consciência capaz de diminuir as práticas de desvio de conduta na Pmerj.

Intentando iniciar essa dialogia, trazemos um discurso publicado em sítio virtual do


Coronel PM RR Jorge da Silva (2011), Professor da Uerj, acerca do Artigo intitulado
“Corrupção Policial e a Teoria das maçãs podres”, do ano de 2005, que versa o seguinte:

O que fazer contra a corrupção policial? Em geral, as propostas de solução para o


problema vão mais ou menos na mesma direção: proceder a uma depuração radical,
com a punição rigorosa dos corruptos e a sua pronta expulsão dos quadros da polícia
para que não “contaminem” os bons; selecionar candidatos a policiais honestos (“sem
vícios”), e treiná-los no marco da lei e dos direitos humanos. Para isso, deveriam ser
criadas ou reforçadas as corregedorias e ouvidorias, e reformulados os currículos das
academias. Por outro lado, os policiais deveriam ser remunerados condignamente. Em
suma, verdadeira receita de bolo (…).

Nesse discurso, há prevalência de adoção de condutas objetivas que visam controlar


as ações policiais em um sistema pautado na legalidade e observância dos direitos humanos
dos cidadãos através da criação das corregedorias para punir rigorosamente aqueles que não
observam tais preceitos, aliado ao reconhecimento de que devemos melhor capacitar os
nossos profissionais através de cursos fundamentados em currículos voltados à legalidade e
aos DDHH, além de proporcionar remunerações condignas aos policiais como recompensa.

E é dentro desse sistema de pensamento ainda míope que podemos dialogar com a
Teoria das Maçãs Podres, já que essa teoria se trata de uma abordagem moralista-
individualista, conforme Dallagnol et al (2016) afirmam:

(…) a corrupção é um problema meramente particular, envolvendo o indivíduo


desonesto: os policiais corruptos seriam apenas algumas poucas maçãs podres do
barril. Tal concepção não raro é apregoada publicamente por chefes de corporações
policiais que buscam com isso defender a imagem de suas instituições e a eficiência
de sua liderança e supervisão através do “isolamento” do problema, que “solucionam”
demitindo o policial desviado e apregoando que agora a instituição está novamente
“limpa”.

De posse desses apontamentos, seguiremos na discussão teórica para verificar se, em


tese, as ações de exclusão e correição balizadas na Teoria das Maçãs Podres são capazes de
fomentar condutas ético-morais efetivas no desempenho Policial junto à sociedade.
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2 DISCUSSÃO TEÓRICA

2.1 TEORIA DAS MAÇAS PODRES

Em relação à Teoria das Maçãs Podres, Dallagnol et al (2016) aborda que ela possui
premissas para se estabelecer, que é ligada primeiramente a questões morais, a exemplo de
que não se pode haver um reconhecimento oficial em relação à corrupção; e a outra refere-
se à imagem da Corporação, no que tange a essa Instituição negar essa verdade mesmo já
sendo percebida pela maioria de seus membros:

A teoria da maçã podre, segundo a Comissão Knapp que investigou a corrupção


policial em Nova Iorque, tem duas premissas: “primeiro, a moral do Departamento
exige que não haja um reconhecimento oficial da corrupção, ainda que praticamente
todos os membros do Departamento saibam que ela existe de modo extenso; segundo,
a imagem e efetividade públicas do Departamento exigem uma negação oficial dessa
verdade”.

Assim, ao que nos parece, essa Teoria tende a mascarar uma verdade conhecida pela
maioria para desenvolver uma estrutura finalística de segregação do policial que se desvia
ao invés de tratar o problema em si, que passa a ser avaliada como sendo apenas desse
policial desviante, sem considerar a estrutura que o cerca, como ainda continua apontando
Dallagnol et al (2016):

As condições para a ocorrência da corrupção policial podem ser externas ao policial


– como nível educacional, baixos salários, falta de regras claras, cultura institucional,
corrupção do ambiente em que dado policial está inserido, impunidade etc. – ou
internas – a ocorrência da corrupção depende, por exemplo, da propensão do indivíduo
a assumir riscos, dos valores e princípios nutridos pelo policial, bem como de sua
avaliação de custos e benefícios envolvidos nas condutas conforme e contrária ao
direito.

2.2 CAUSAS DESVIANTES NAS POLÍCIAS

No texto encontrado em sítio eletrônico da Folha de São Paulo de autoria de Cláudio


Beato (2010), Coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública, da
UFMG, as causas de corrupção estão intimamente ligadas à natureza da atividade policial
devido à discricionariedade que os policiais possuem na avaliação de suas decisões.

(…) a PM e a PC do Rio têm as piores avaliações, nas palavras dos próprios policiais
instituições. Para eles, existe muita corrupção (…) nas polícias Civil (43%) e Militar
do Rio (48%).

A discricionariedade é uma propriedade dos policiais que tomam decisões ad hoc


sobre situações que não são claramente definidas no Código Penal. Desta maneira,
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existe uma margem de interpretação livre que está na origem de muitos casos de
corrupção. Seus impactos são variados e terminam minando a capacidade das polícias
em controlar o crime, além de fragilizar as formas de controle interno e a
implementação da disciplina nas organizações.

Ainda com Beato (2010), esse tipo de crime, que normalmente é inerente à função
policial, acaba por macular a imagem não só do indivíduo policial como também a imagem
da Instituição, provocando ferida de morte em sua relação comunitária com a sociedade.

Mas talvez o efeito mais importante seja a corrosão da confiança do público, sem qual
é extremamente difícil contar com a sua parceria Um dos problemas para se
implementar soluções tem a ver com uma teoria bastante comum nas polícias: a das
"maçãs podres". Trata-se o problema como se fosse relativo a apenas alguns "maus
policiais" indiciados individualmente. Não se desenvolve uma abordagem que
compreenda as condições organizacionais e contextuais que favorecem a corrupção.

Assim, a Teoria das Maçãs Podres parece desenvolver uma abrangência por demais
superficial no alcance das soluções dos desvios de condutas dos policiais no seio da
sociedade, por não trazer possibilidades de reinserção ou de recuperação desse policial que,
por muitas vezes, se desvia por fatores extrínsecos a sua vontade.

2.3 PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES - PADs

Os Processos Administrativos Disciplinares, aqui recortada para a Instituição Pmerj,


são desenvolvidos para verificar se o policial militar possui condições ético-morais de
permanecer nas fileiras da Corporação.

Temos o Conselho de Justificação para os Oficiais (Lei nº 427/81); o Conselho de


Disciplina para as Praças com estabilidade (Decreto-Lei nº 2.155/78); e a Comissão de
Revisão Disciplinar para as Praças sem estabilidade (Portaria Pmerj nº 0168/95). Caberia
ainda falar no Conselho Escolar de Disciplina, mas este que se rege pelos mesmos preceitos
do Conselho de Disciplina.

Através de um recorte do Artigo 2º da Lei nº 427/81, que pese compreendamos ser


de forma semelhante consignado nos demais PADs, trazemos os motivos que ensejam a
instauração desses Processos Administrativos:

Art. 2º - É submetido a Conselho de Justificação, a pedido ou ex-officio, o Oficial da


Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros:
I - Acusado oficialmente ou por qualquer meio lícito de comunicação social de ter:
a) procedido incorretamente no desempenho do cargo;
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b) tido conduta irregular; ou


c) praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da
classe;
II - Sido considerado não habilitado para o acesso em caráter provisório, no momento
em que venha a ser objeto de apreciação para ingresso em Quadro de Acesso ou Lista
de Escolha;
III - Sido afastado do cargo, na forma do respectivo Estatuto, por se tornar
incompatível com o mesmo ou demonstrar incapacidade no exercício de funções a ele
inerentes, salvo se o afastamento é decorrência de fatos que motivem sua submissão
a processo;
IV - Sido condenado por tribunal civil ou militar a pena restritiva de liberdade
individual superior a 2 (dois) anos, em decorrência de sentença passada em julgado;
V - Sido condenado, por sentença passa em julgado, por crimes para os quais o Código
Penal Militar comina essas penas acessórias e por crimes previstos na legislação
concernente à Segurança Nacional;
VI - Sido condenado por crime de natureza dolosa, não previsto na legislação especial
concernente à Segurança Nacional, em Tribunal Civil ou Militar, à pena restritiva de
liberdade individual até 2 (dois) anos, tão logo transite em julgado a sentença;
VII - Pertencido a partido político ou associação, suspensos ou dissolvidos por força
de disposição legal ou decisão judicial, ou que exerçam atividades prejudiciais ou
perigosas à segurança nacional.

Esses Processos Administrativos Disciplinares apontam diversas situações que


apenas inserem o policial em uma seara de responsabilização sem que haja uma análise
substantiva das causas que tornaram a sua conduta desviante ao longo de sua carreira

Percebemos com esse teor a forte conexão que a Teoria da Maçãs Podres exerce no
desenvolvimento desse mister, sem trazer qualquer depuração justa em socorro aos membros
de nossa Corporação.
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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi dialogado até este momento, podemos perceber que um dos principais
fatores desviantes dos policiais no exercício de suas funções ou em razão delas é a corrupção, que
pese muitas vezes e por fatores extrínsecos a sua vontade, o policial se vê engendrado em uma cultura
corruptiva que sustenta todo um câncer institucional, mas que apenas aquele policial que é
surpreendido pelos órgãos de controle judicial é execrado conforme se prevê na Teoria das Maçãs
Podres.

Ou seja, uma vez surpreendido em ações de conduta desviantes, só lhe resta responde a um
Processo Administrativo Disciplinar e ser excluído da Corporação, sem qualquer análise substantiva
das causas que o levaram a cometer tais ações.

Por fim, trazemos um último recorte literário acerca de tudo que foi falado para melhor
consubstanciar o que foi dito até o presente instante, que pese a necessidade de repensarmos os nossos
PADs, a fim de alcançarmos maior efetividade em nossas ações policiais para com a Sociedade, mas
também para o nosso público interno. Segue então as palavras de SILVA (2008):

Se, de um lado, há necessidade de leis duras, instituições fortes, bem estruturadas e


aparelhadas, necessita-se por igual que esse sistema de leis e instituições opere sob o
signo da própria lei, dentro de princípios e práticas democráticos e igualitários. Se é
preciso que os órgãos de segurança e seus agentes sejam valorizados e tenham a
autoridade afirmada pelo poder público, é fundamental na mesma medida que eles,
em razão de estarem autorizados por lei a abordar pessoas e usar a força (inclusive a
força letal da arma de fogo), estejam submetidos a rígidos controles internos
(corregedorias, supervisão, gerência competente etc.) e externos (ouvidorias,
corregedorias externas, conselhos civis revisão, Ministério Público etc.). E que a
sociedade não caia no “conto das maçãs podres”, com o que dirigentes e governantes
esgueiram-se de responsabilidade pelos desmandos decorrentes de sua própria ação
ou omissão, ajudando a execrar eventuais azarados da ponta da linha.
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REFERÊNCIAS

BEATO, Cláudio. CORRUPÇÃO É PROBLEMA RECORRENTE NAS POLÍCIAS. Folha de São


Paulo – Cotidiano. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2401201009.htm>
Acesso em 10/06/2023.

DALLAGNOL, Daniel de Resende et al. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL


PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. Associação Nacional dos Procuradores da República - ANPR.
Belo Horizonte – MG; 2016.

Decreto-Lei nº 2.155/78 – Dispõe sobre o Conselho de Disciplina na Pmerj. Disponível em <


http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/>. Acesso em 10/06/2023.

Lei nº 427/81 – Dispões sobre o Conselho de Justificação na Pmerj. Disponível em <


http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/>. Acesso em 10/06/2023.

Portaria Pmerj nº 0168/95 – Dispõe sobre a Comissão de Revisão de Disciplina na Pmerj. Disponível
em < http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/>. Acesso em 10/06/2023.

SILVA, Jorge da. CONTROLE DA POLÍCIA E “ACCOUNTABILITY”: Entre culpados e responsáveis


ou a pedagogia da violência policial. Disponível em
<http://www.jorgedasilva.com.br/artigo/42/controle-da-policia-e-%E2%80%9Caccountability%E2%8
0%9D:--entre-culpados-e-responsaveis.-ou-a-pedagogia-da-violencia-policial> Acesso em 10/06/2023.

SILVA, Jorge da. CORRUPÇÃO POLICIAL E A TEORIA DAS MAÇÃS PODRES. Blog de Jota
Antunes. Disponível no Blog de Jota Antunes, em
<https://abocalivre.wordpress.com/2011/02/18/corrupcao-policial-e-a-teoria-das-%E2%80%9Cmacas-
podres%E2%80%9D/> Acesso em 10/06/2023.

SILVA, Jorge da. CRIMINOLOGIA CRÍTICA: Segurança e polícia. Rio de Janeiro: Forense, 2ª. ed.,
2008. (tópico 3 do Capítulo XIV e tópico 4 do Capítulo XXII. Primeira edição: 2003)

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