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Fotos de Peter Scheier, sem título, reproduzidas em GEYERHAHN, Stephan. Brazil: portrait
of a great country. Rio de Janeiro: Colibris, 1959.
Resumo
A partir de meados dos anos 1950, Lourival Gomes Machado discute a
abstração expressiva defendendo a intuição e a subjetividade como fatores
essenciais para a produção artística. Diante dessa concepção, a idéia de
autor se fortalece por meio da exaltação do gesto como marca inegável do
artista, um resultado de seu compromisso ético com a arte. Visando formar
um público apreciador da arte abstrata, Gomes Machado desenvolve leituras
formalistas a partir de fotografias.
Palavras-Chave
fotografia; gestualidade; abstração; Lourival Gomes Machado
1
leituras formais a partir de fotografias publicadas em jornais e revistas,
comparando-as tanto entre si como a esculturas abstratas. As análises do
crítico são pormenorizadas e desenvolvidas quase que passo-a-passo, num
evidente movimento didático que indica o objetivo de aproximar o leitor
comum de um parâmetro de compreensão das obras que lhe era
pouquíssimo familiar: as relações entre manchas, linhas, campos de cor,
texturas etc. como condutores na leitura de uma imagem.
Sendo assim, propõe-se aqui uma investigação ainda inicial sobre a
postura de Gomes Machado diante da fotografia, um meio problematizador
dessa concepção sobre arte que se apóia no intuitivo e na subjetividade.
Atenta-se particularmente para as ressonâncias de seu interesse pela arte
abstrata expressiva na abordagem da produção fotográfica.
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semelhante àquele desenvolvido pelos expressionistas abstratos – seja ele
de gestualidade ou de justaposição de formas com contornos sutilmente
geometrizados.
Essa apresentação dos trabalhos uns ao lado dos outros, pinturas e
fotos, tanto na mostra como no catálogo, demonstra uma intenção da
curadora – embora implícita – de apontar mais do que um diálogo entre
pintores e fotógrafos. Numa leitura atenta do texto, é impossível deixar de
notar sua estratégia principal: revelar como a relevância e hegemonia do
expressionismo abstrato no período foram de tal ordem a ponto de outros
artistas, no caso, os fotógrafos elencados, interessarem-se em produzir
imagens que emulassem visualmente a produção expressionista abstrata.
Entretanto, para se avaliar se tais fotógrafos de fato estavam interessados
pelas questões formais exploradas pelo expressionismo abstrato, seria
necessário examinar mais detidamente a trajetória da obra de cada um.
Porém, o que nos interessa aqui sobretudo é a estratégia da curadoria
ao reunir essas produções: há aí uma proposta de aproximação formal das
obras que, dentro de um mesmo período, poderiam refletir um
compartilhamento de idéias por parte desses artistas. Note-se ainda como
mostrar essas fotos numa grande retrospectiva de uma vertente largamente
festejada e valorizada, num museu renomado, chama a atenção para esses
fotógrafos não tão conhecidos, pelo menos não tão conhecidos quanto
Pollock, Motherwell e Kline. Em outras palavras: a curadoria encontrou uma
estratégia capaz de iluminar obras da coleção do museu que não dispõem de
grande visibilidade.
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demonstrações e cogitações. Na série de aproximações que, sem
querer, se vai multiplicando nesta coluna, a de hoje, positivamente,
é das mais simples e mais visíveis. Não temos de pensar em
derivações possíveis ou filiações desejadas, mas apenas de
registrar essa admirável convergência, por caminhos, técnicas e
materiais tão diversos, para uma mesma essência formal.
(MACHADO,1960)
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Nos trechos citados, Gomes Machado mostra como parte da idéia de
“essência formal” aproximando imagens absolutamente díspares em todos os
sentidos – tema, história, autor, procedimento – para demonstrar como uma
mesma forma se revela em ambientes diferentes. Como escolhe imagens
que focalizam objetos reconhecíveis no mundo, apresenta como conclusão
sua concepção de autonomia artística:
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e um manequim de modas fazendo voar o panejamento de seu
vestido junto a uma estátua antiga. Essa proximidade vale, em
primeiro lugar, como verdadeiro teste de acuidade visual e
preferência vocacional, pois, efetivamente, os temperamentos
literários não deixarão de associar imediatamente a matéria-prima
ao vestido em pleno uso, imaginariamente completando todo o
processo que vai da fibra à moda. Em outras palavras, essa é a
visão que se inspira o assunto. Há outra, porém. E terá sido esta,
segundo tudo indica, que levou o paginador a colocá-las, assim,
uma ao lado da outra, as duas fotografias.
Referimo-nos, está claro, à visão formal. Que, no caso, não se
reduz à captação e à aproximação de duas formas gerais
vislumbradas na totalidade maciça com que se recortam contra o
fundo (e, já nisso, haveria matéria para alguma saborosa
cogitação), pois antes decorre do dinamismo dessas duas formas
brancas que, efetivamente, tiram seu caráter e beleza menos de
suas silhuetas (já em si muito características e belas) do que da
verdadeira condensação de movimentos enunciados por linhas e
planos a se enroscarem energicamente.
Digamos logo que não são idênticas – se por identidade formal
entendermos, com todo rigor, a repetição exata, em traçado e
dimensões, de cada uma e todas as linhas da primeira e da
segunda fotos. A mesma sutil diferença das texturas, uma
fofamente áspera e outra asperamente lisa, parece confirmar-se na
individualidade bem marcada dessas duas grandes formas aladas.
[...] Seja como for e por menos que nisso as palavras valham à
apresentação da evidência, o fato é que basta nelas por os olhos
para logo se perceber sua estreita afinidade. [...] Fácil será
decompor as duas fotos em algumas linhas rítmicas principais que
cada uma, depois de determinada numa das figuras, logo poderá
ser redescoberta na outra. Assim acontece, já ao primeiro passo,
na ampla curva descrita pela generosa barra do vestido que,
atirada no ar, flexiona-se a partir do chão, junto ao pé direito do
manequim para subir, solta, até sua mão esquerda e depois,
perder-se no espaço, esboçando uma sugestão de infinito. É esta
uma linha diretamente aparentada àquela que sublinha, na mesma
direção, na mesma altura e aproximadamente com a mesma flexão
rítmica, a porção maior do floco de algodão, observada a só
diferença de que agora percorre a massa fibrosa beirando sua
margem inferior, enquanto no vestido parece atravessar o
manequim à altura dos joelhos, deixando mais abaixo uma porção
branca cuja correspondente, na outra foto, teríamos de buscar, já
destacada da forma maior, no ângulo direito da gravura.
Na seção superior, maiores serão as diferenças “reais” e,
igualmente, maior a impressão de proximidade formal. A dupla
curva do decote deve ser procurada, muito ampliada e um nadinha
destorcida [sic], no topo do floco. Mais curioso, porém, é que,
praticamente inexistindo a bela massa cadente de pano leve que
desce da mão direita do manequim, não podemos fugir à sugestão
de reencontrá-la no lado esquerdo da massa inferior do vulto de
algodão, onde a luz destaca uma forte nota branca e a liga com a
porção superior. (MACHADO, 1959 (1))
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pelo crítico, embora mais adiante ele note que se trata de um detalhe da foto,
mas não desenvolva o comentário.
Conclui o crítico:
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Durante minha pesquisa de doutorado sobre Gomes Machado, ao organizar os documentos
do acervo do crítico, encontrei um datiloscrito intitulado “Aspectos significativos da Vida das
Formas no mundo ocidental”, o que confirma esse conhecimento por parte de Gomes
Machado.
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Como se pode notar, as esculturas de Somaini causam uma sensação de
movimento por meio desse contraste entre dobras e limites ásperos, que
também geram sombras e dão a sensação de volume.
Gomes Machado segue na análise, agora aproximando e distanciando
elementos visuais que estruturam “uma mesma forma total”, um “ritmo geral”:
De fato, não será preciso apontar porque se aparentam, como se
fossem gêmeas, as duas formas, tanto isso se evidencia na
estrutura básica e na dinâmica linear e volumétrica. Basta ter olhos
de ver para logo captar a mesma alma que vivifica ambas as
massas pela conexão entre os dois volumes componentes que em
cada uma delas se envolvem reciprocamente, numa substancial
fusão de afirmações formais. Não são, simplesmente, duas massas
que se justapõem para unir-se numa nova afirmação, como um par
ou um casal, senão duas afirmações de uma mesma forma total,
como duas secções de uma rosca-sem-fim que se fragmentasse
sem desfigurar a fisionomia essencial, como dois galhos que,
embora isolados dos demais, conservassem o ritmo geral duma
grande copa de árvore. Resultantemente, as linhas de tensão e as
direções de movimento das duas formas se tornam, por assim
dizer, paralelas. Há, contudo, as diferenças.
Desta feita, podemos “explicá-las” e, por seu intermédio,
explicar o impositivo paralelismo. Realmente, as arestas
asperamente cortantes da peça de Somaini correspondem, com
perfeita coerência, à natureza peculiar do metal, como muito
consciente e pertinentemente desejou o próprio artista, enquanto
as linhas macias, mas nem por isso menos bem determinadas, do
algodão refletem (e aqui falamos objetivamente) aquela espécie de
limite máximo de expansão no espaço circundante dum corpo que
não é perfeitamente sólido, tal como nos habituamos a reconhecer,
por exemplo, no delineamento das nuvens. [...] Conseqüentemente,
acaba parecendo inevitável que a mesma forma ganhe altura e
força ascendente quando é realizada pelo algodão tornado ainda
mais leve por um esgarçamento que o penetra de ar e leveza,
enquanto a forma de ferro se condensa e atende à gravidade,
como se a cristalização se completasse ainda a tempo de
conservar, mas já o concentrando, o enunciado linear e dinâmico
de que dispunha no instante hipotético duma fusão magmática que
podemos imaginariamente supor.
Que, afinal, mais ou menos atingiram seu principal objetivo,
tanto que conseguimos dar esse salto [...] que nos levou do
algodão de Peter Scheier ao ferro de Francesco Somaini.
Acentuando, nesse aventuroso trânsito, o poder impositivo duma
forma, que tanto leva o fotógrafo a disparar a objetiva no “instante
decisivo” da aparição da beleza num mundo de cambiantes
aparências, quanto pode incitar o escultor à laboriosa construção
em que, por adjunções e ablações, alcança afinal a desejada feição
do belo.
Se propuséramos o jogo das imagens como mera ginástica
visual, que nos reste ao menos a agradável sensação do domínio
das nossas próprias capacidades no se disporem a seguir as
direções traçadas pela nossa vontade. E não nos esqueçamos
daquela vantagem adicional, que é a de não tirarmos daí nenhuma
conclusão paralisadora, senão apenas a fecunda certeza da
verdade das formas, seja nas suas mais simples afirmações, seja
num discurso denso e profundo como o das obras de arte vistas em
sua totalidade. (MACHADO, 1959 (2))
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Não por coincidência Gomes Machado escolhe para elaborar as
análises comparativas, em especial, fotos e escultura divulgadas no ano de
1959; aquelas numa publicação, esta na Bienal. A seleção de trabalhos
localizados num mesmo momento histórico fortaleceria essa idéia de
“verdade das formas” que aponta para uma formulação cara ao crítico: a
noção de forma mentis. O crítico assim compreendia uma estrutura mental
constituída por padrões e valores sociais – uma mentalidade de época – que
geraria aspectos formais no trabalho artístico, ou seja, um processo pelo qual
o artista produziria algo material a partir da cultura na qual estava imerso.
Esse elemento norteador de seu pensamento sobre arte criava um elo entre
obra e sociedade que abarcava a dimensão formal. Em termos de abstração
expressiva, as “imagens cruzadas” constituiriam um caso exemplar dessa
estratégia reflexiva, afinal, a arte abstrata gestualizada constituía-se
internacionalmente de poéticas individuais.
Note-se ainda uma referência à caligrafia oriental, um tema recorrente
dentro do debate em torno das abstrações expressivas do segundo pós-
guerra, que aparece em outro artigo do crítico quando interessa-o discutir a
qualidade compositiva de uma foto impressa no jornal.
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Ademais, ao reunir foto e escultura, o crítico sublinha que não há
predomínio de interesse pela figuração ou pela abstração, mas que a
qualidade formal é que deve ser avaliada, uma posição em sintonia com suas
leituras comparativas. Apesar da postura parecer contraditória, aponta porém
para um detalhe fundamental do entendimento da produção artística por
parte de Gomes Machado: mais uma vez, é a idéia de forma mentis que une
e não opõe arte abstrata e arte figurativa, uma dicotomia freqüente entre
defensores da abstração na época.
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preservar a especificidade dos meios, pois acredita que seus procedimentos
são distintos, seus modos de operar, específicos.
Essa especificidade apareceria no interesse do artista pelo
conhecimento de seu meio chegando a funcionar, no limite, como um critério
de avaliação dos trabalhos abstratos:
Considerações finais
Neste artigo, foram anotadas algumas considerações sobre o
pensamento de Lourival Gomes Machado em relação à gestualidade
expressiva a partir de leituras formais que privilegiam a fotografia.
Embora este texto tenha um caráter de pesquisa inédita e ainda inicial,
devem ser sublinhadas algumas linhas gerais que resumem os aspectos
mais significativos: 1) a idéia de “essência formal”, ou seja, de que uma
mesma forma pode aparecer em contextos distintos, numa visão trans-
histórica – ou transversal da história – que remete ao pensamento formalista
de autores renomados como Focillon; 2) a aproximação entre as abstrações
expressivas – pintura e escultura – e a fotografia, pela via da leitura formal; 3)
o uso da análise comparativa como instrumento didático, visando conquistar
e formar um público apreciador das poéticas abstratas.
No que diz respeito aos chamados informalismos, Gomes Machado
compreendia-os a partir da idéia de que a evidência do gesto do artista era
resultado da articulação simbólica com sua cultura, representando assim uma
tradução plástica da mentalidade de uma época – a mencionada forma
mentis, um fio condutor utilizado para traçar continuidades dentro da história
da arte. Assim, o trabalho sempre é produto individual e social além de
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operar com formas de natureza universal – as abstrações – e,
simultaneamente, local, porque concerne uma produção simbólica específica.
A noção de forma mentis, na concepção de Gomes Machado, é uma
mescla complexa da “vontade de arte” de Alois Riegl, com a idéia de “atitude
ética” por parte do artista e do “instinto” que permearia a produção como
entendidos por Wilhelm Worringer, com um certo formalismo4. Devido a esse
conceito, Gomes Machado pôde transitar entre artistas e períodos recolhendo
amostras do que entendia por uma tradução individual da mentalidade de
uma época, registrada por meio de um gesto “sincero” do artista.
Esse corpo de idéias vai servir também, como se apresentou ao longo
do artigo, para que Gomes Machado divulgue o interesse pela abstração de
viés expressivo, certamente pouco conhecida – e apreciada – por um público
mais amplo. A fotografia, portanto, próxima à realidade, é utilizada por ele
para angariar o leitor, acostumado ao gosto pautado pela mimese, a integrar
esse potencial novo público apreciador das abstrações. Pela leitura formal, o
critico serve como guia na construção de um entendimento dessa então
recente formulação, fazendo uso de um método objetivo para argumentar em
favor de uma produção, segundo ele, de raiz emocional, subjetiva.
Bibliografia
5a Bienal de São Paulo. São Paulo: Museu de Arte Moderna, set.-dez., 1959.
Abstract Expressionism at The Museum of Modern Art. Selections from the
collection. New York: The Museum of Modern Art, 2010.
COCCHIARALE, Fernando & GEIGER, Anna Bella (org). Abstracionismo
geométrico e informal: a vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de
Janeiro, Funarte/Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987.
FERNANDES, Ana Cândida F. de Avelar. Por uma Arte Brasileira:
modernismo, barroco e abstração expressiva na crítica de Lourival Gomes
Machado. Tese (doutorado) em Artes. Escola de Comunicações e Artes.
Universidade de São Paulo. 2012.
MACHADO, Lourival Gomes. “A máquina e o olho”. São Paulo, Suplemento
Literário, O Estado de S. Paulo, 26 out. 1957.
___. “Um homem que vê”. São Paulo, Suplemento Literário, O Estado de S.
Paulo, 15 mar. 1958.
___. “Imagens que se cruzam”. São Paulo, Suplemento Literário, O Estado
de S. Paulo, 5 dez. 1959. (1)
___. “... E voltam a cruzar-se”. São Paulo, Suplemento Literário, O Estado de
S. Paulo, 12 dez. 1959. (2)
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Para uma análise aprofundada da abordagem de Gomes Machado, consultar minha tese de
doutorado defendida em 2012. Ver Bibliografia.
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___. “Maillol e o pimentão”. São Paulo, Suplemento Literário, O Estado de S.
Paulo, 10 maio 1960.
___. “O sol, o mar, a foto”. São Paulo, Suplemento Literário, O Estado de S.
Paulo, 29 jul. 1961.
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