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Trans-formação e trans-figuração

Duchamp, Warhol e o ‘artworld’ de Arthur Danto

Carlos Henrique Moller

INTRODUÇÃO

“Art is not a copy of the real world. One of the damn things is enough.”1

O filósofo americano Arthur C. Danto começa a desenvolver uma nova teoria de arte
através de um momento impulsionante: seu espanto ao visitar a exposição de Andy Warhol na
Stable Gallery, em 1964. No instante em que tomou contato com as caixas-esculturas expostas
e, mais especificamente, com a Brillo Box, Danto intuiu que as teorias de arte até aquele
momento não conseguiriam ser aplicadas à obra de arte com que acabava de interagir. Mesmo
as definições de obra de arte estariam, desde aquele momento, estruturalmente abaladas, o que
acabaria transformando Warhol no responsável, ainda que talvez involuntariamente (essa
hipótese deverá ser pesquisada com mais rigor durante a pesquisa), por uma mudança no
que/como se pensava sobre arte ou obra de arte. Afinal, o que seria a Brillo Box: cópia?
Falsificação? Apropriação? Ou efetivamente uma obra de arte, com todos seus méritos?
Para esse trabalho, usaremos como base somente parte de duas produções escritas por
Danto, ou seja, o terceiro capítulo da biografia escrita pelo filósofo sobre Andy Warhol,
intitulado The Brillo Box, e a seção III de seu artigo seminal, “The Artworld”; além deles e à
guisa de notas contextuais, alguns outros autores e textos eventualmente serão mencionados.
Dessa forma, teremos um itinerário filosófico propositivo e exploratório; para termos a certeza
que partimos de A para chegar a B (mesmo que para isso tenhamos que fazer algumas
considerações desviantes), dividiremos nosso conteúdo em algumas seções temáticas:
contextualização do artista Andy Warhol e suas esculturas, mais especificamente a Brillo Box;
nossa presunção de uso dos termos trans-formação e trans-figuração, sendo esse último
herdado diretamente de Danto e aplicando-os às suas explorações filosóficas, para isso usando
aproximações e distanciamentos entre Marcel Duchamp (e os ready-mades) e Warhol; e,
finalmente, uma seção final intitulada Conclusão. Além dos termos citados acima, iremos aludir
a outros, ligados diretamente a Danto e pelos quais ficou conhecido, ainda que nos textos-base
ele não os utilize textualmente, como aboutness, embodied meaning e transfiguration2, sendo
esse último intercambiável com nosso termo-proposta trans-figuração, todos eles com a

1 Nelson Goodman, no 1º Capítulo de seu livro “Languages of Art”, usa essa epígrafe, aparentemente atribuída a Virginia
Wolf. Ele admite não ter conseguido localizar a fonte. Nós tampouco.
2 No texto optamos por não traduzir os termos, mas sim conceituá-los. Com essa decisão, pensamos que há uma maior

aproximação com as intenções de Danto, que poderiam eventualmente se perder na tradução.


2

intenção de possuirmos elementos fundamentais para nossa análise. Nosso texto, como já
mencionamos, é exploratório, carregado de possibilidades e dúvidas, esperados em um trabalho
dessa natureza. Ao avançarmos aos poucos no vocabulário do filósofo, juntamente com seus
conceitos, teremos mais segurança para seguir em frente na nossa investigação. Dessa forma,
nosso objetivo será tateá-los, uns com mais profundidade, outros talvez com menos. Se ao final
dissermos que foi daqui que partiu um interesse maior sobre o filósofo e a obra de Warhol (e
tangencialmente a de Duchamp), o trabalho alcança seu propósito.

OH, ANDY!
“I am a deeply superficial person.” – Andy Warhol3

Conhecido até aquele momento dos anos 60, dentro do contexto da Pop Art, por suas
obras em bidimensionais, tomando como inspiração elementos do e no mundo, como fotos de
jornal, fotos de artistas e/ou celebridades e latas de sopa, Andy Warhol decidiu executar uma
reconfiguração conceitual, como Danto a caracteriza, quando pensou em produzir objetos de
arte tridimensionais para sua próxima exposição. Essa reconfiguração implicaria em uma busca
por mudança significativa nas ideias, conceitos e abordagens artísticas, através de uma revisão
total ou parcial das convicções estéticas, teóricas e filosóficas, resultando em uma
transformação na prática artística. Assim, julgamos que Warhol tinha como objetivo se desafiar
da mesma forma que instigaria o público, apresentando obras que ainda fariam parte do seu
universo já conhecido/estabelecido, mas que expandiriam seus próprios limites. Esculturas
poderiam testar e eventualmente ultrapassar essas barreiras. Ainda que a Pop Art se apropriasse
desse tipo de objeto, como em Bed4, de Robert Rauschenberg (que será abordada em maiores
detalhes adiante) ou em Meats, de Claes Oldenburg, na sua grande maioria as obras associadas
ao movimento eram planas, pois as inspirações vinham de elementos também planos do e no
mundo, em boa parte talvez obedecendo inconscientemente às regras de planaridade de
Greenberg, o que parece ser um contrassenso por princípio, devido à opção do movimento em
não seguir regras estéticas estabelecidas de períodos artísticos anteriores. Em seu artigo
Modernist Painting, Greenberg elabora a planaridade como elemento fundante da pintura,
dizendo:
A arte realista e ilusionista desmontou a própria linguagem artística, utilizando a arte
para esconder a arte. O modernismo utilizou a arte para chamar a atenção para a
própria arte. As limitações que constituem o meio da pintura - a superfície plana, a

3 “Sou uma pessoa profundamente superficial” – tradução livre. Aqui temos um exemplo claro das inúmeras frases espirituosas
de Warhol, expondo sua aparente ambiguidade.
4
Optamos por não traduzir os títulos de obras de arte ao longo do texto.
3

forma do suporte, as propriedades do pigmento - foram tratadas pelos antigos mestres


como fatores negativos que só poderiam ser implicitamente ou indiretamente
reconhecidos. A pintura modernista passou a considerar essas mesmas limitações
como fatores positivos a serem abertamente reconhecidos. As pinturas de Manet se
tornaram as primeiras obras modernistas pela franqueza com que declaravam as
superfícies sobre as quais foram pintadas. Os impressionistas, seguindo o caminho de
Manet, abandonaram as camadas de tinta de base e os esmaltes, deixando os olhos
sem dúvida de que as cores utilizadas eram feitas de tinta real, proveniente de potes
ou tubos. Cézanne sacrificou a verossimilhança ou correção para ajustar o desenho e
o design de maneira mais explícita à forma retangular da tela. No entanto, o destaque
dado à inevitável planaridade do suporte foi o aspecto mais fundamental nos processos
pelos quais a arte pictórica se criticou e se definiu no modernismo. A planaridade
isolada era única e exclusiva dessa arte. A forma envolvente do suporte era uma
condição limitadora ou norma compartilhada com a arte teatral; a cor era uma norma
ou meio compartilhado com a escultura, bem como com o teatro. A planaridade, a
bidimensionalidade, era a única condição que a pintura compartilhava com nenhuma
outra arte, e assim a pintura modernista se orientou para a planaridade como para nada
mais. (Greenberg, 1982, p. 6, tradução livre).5

Ao decidir fazer suas esculturas inspiradas em objetos do e no real world6, Warhol


parece ter seguido um movimento natural de quem vinha das imagens, das meras coisas, dos
objetos comuns, desse mundo real que o rodeava e que o atraía sobremaneira. Àquela altura,
como já mencionamos acima, um salto poderia ou deveria ser dado: mesmo quem visse a obra
32 Campbell's Soup Cans em um museu ou galeria saberia que elas não eram as latas do real
world, não somente porque não tinham o tamanho de uma lata (para ficarmos apenas nessa
característica física), mas também porque eram em duas dimensões. O real world que nos
envolve é em três dimensões, em que pese a existência de elementos de duas. Para Warhol, a
etapa subsequente teria que deixar ainda mais sua marca ao mesmo tempo artística e,
surpreendentemente para alguns, filosófica.

Andy Warhol era uma caveira cheia de vida, um tolo brilhante, um mestre taoísta da
passividade, tão americano quanto o 'Astroturf'7. De volta aos anos sessenta, quando

5
“Realistic, illusionist art had dissembled the medium, using art to conceal art. Modernism used art to call attention to art. The
limitations that constitute the medium of painting - the flat surface, the shape of the support, the properties of pigment - were
treated by the Old Masters as negative factors that could be acknowledged only implicitly or indirectly. Modernist painting has
come to regard these same limitations as positive factors that are to be acknowledged openly. Manet's paintings became the
first Modernist ones by virtue of the frankness with which they declared the surfaces on which they were painted. The
Impressionists, in Manet's wake, abjured underpainting and glazing, to leave the eye under no doubt asto the fact that the colors
used were made of real paint that came from pots or tubes. Cezanne sacrificed verisimilitude, or correctness, in order to fit
drawing and design more explicitly to the rectangular shape of the canvas. It was the stressing, however, of the ineluctable
flatness of the support that remained most fundamental in the processes by which pictorial art criticized and defined itself under
Modernism. Flatness alone was unique and exclusive to that art. The enclosing shape of the support was a limiting condition,
or norm, that was shared with the art of the theater; color was a norm or means shared with sculpture as well as the theater.
Flatness, two-dimensionality, was the only condition painting shared with no other art, and so Modernist painting oriented itself
to flatness as it did to nothing else.”
6 Resumidamente listamos aqui o nosso entendimento dos três mundos a que Danto se refere em seus escritos iremos usar ao

longo do texto: real world – onde os objetos existem; art world – o mundo das galerias, museus, marchands, curadores etc.
onde as obras de arte são expostas; e, finalmente, ‘artworld’, como uma extensão/expansão do art world, onde as obras de arte
“habitariam” depois de interpretadas.
7 Marca de grama sintética, feita para dar a impressão de grama natural. Usado como verbo, Astroturfing designa uma prática

enganosa que busca manipular a opinião pública, criando a impressão de apoio generalizado a uma causa ou ponto de vista
específico. No contexto em que está inserido, poderíamos concluir que Warhol era basicamente um manipulador, o que é
corroborado em várias passagens de suas biografias.
4

seu cabelo ainda era seu e ainda não uma peruca patenteada, ele nos ensinou que a
arte poderia ser ao mesmo tempo chocante e banal, idiota e luminosamente cerebral.
A maioria dos artistas americanos nos anos cinquenta odiava a América 8, temia a
multidão e sonhava acordado com a velha e elegante Europa. Warhol nos levou, para
o bem ou para o mal, aos anos sessenta e borrando a distinção entre arte e porcarias.
(White, 1989, p. 441, tradução livre, grifo nosso).9

Nessa transição (se assim podemos caracterizá-la) de bidimensional para tridimensional,


Warhol aproveitou ideias e processos por ele já estabelecidos e que caracterizavam sua obra,
tanto anteriormente quanto à época e dali até o final de sua vida, a saber: repetição, silk-screen,
reprodução de forma mecânica, transformando esses elementos em estilo, mesmo que tomasse
como fundamento a liberdade de criação dos anos 6010. Essa não-fixidez de estilo ou papel nos
remete quase que diretamente a essa conhecida passagem, mencionada inclusive por Danto,
falando da

[...] possibilidade de hoje fazer isto, amanhã aquilo, de caçar pela manhã, pescar à
tarde, à noite dedicar-me à criação de gado, criticar após o jantar, exatamente de
acordo com a minha vontade, sem que eu jamais me torne caçador, pescador, pastor
ou crítico. (Engels; Marx, 2007, p. 38).

As escolhas de Warhol para o que ele iria usar como inspiração vinham do real world
como dissemos; não era somente o objeto que seria escolhido para elevá-lo (veremos
posteriormente que outro termo associado a Danto será mais apropriado) a outra condição: o
material a ser usado como suporte à criação seria tão ou mais importante, já que o resultado
dependeria disso. No caso da Brillo Box, assim como o das outras caixas/esculturas da
exposição de 1964, o papelão corrugado de que eram feitas as caixas originais do supermercado
estava descartado. Então uma caixa de madeira, encomendada a marceneiros, pintada e com o
logotipo Brillo aplicado via silk-screen poderia ser apresentada como obra de arte, mas a caixa
de papelão Brillo, não. Se não houvesse a alteração no suporte à obra, bastaria usar uma caixa
de Brillo original, assiná-la como num ready-made (ainda que as intenções de Warhol e
Duchamp não partissem do mesmo princípio) e pronto! Mas, como no caso da cama de

8 Dentro do texto optamos por não traduzir América por Estados Unidos, por entender que o uso de “América”, principalmente
quando escrito por um americano, não significa somente o país, mas todo um modo de ver o mundo, um modo de vida, sem
emitirmos aqui um juízo de valor algum. Seguindo a mesma linha de raciocínio, não traduzimos “american” por estadunidense,
mas sim por americano.
9 “Andy Warhol was a death's-head full of life, a brilliant dumbbell, a Taoist master of passivity as American as Astroturf.

Back in the sixties, when his hair was still his own and not yet a patented wig, he taught us that art could be at once shocking
and banal, idiotic and luminously cerebral. Most arty Americans in the fifties hated America, dreaded the herd, and daydreamed
of classy ol' Europe. Warhol led us, for better or for worse, into the sixties, and blurred the distinction between art and junk.”
10 Sobre esse assunto, Warhol disse, em uma entrevista à revista ARTnews, em 1963: “[...] E quantos pintores existem? Milhões

de pintores e todos são bons. Como você pode dizer que um estilo é melhor do que outro? Você deveria poder ser um
expressionista abstrato na próxima semana, ou um artista pop, ou um realista, sem sentir que desistiu de algo.” (tradução livre)
5

Rauschenberg a adição de elementos artísticos à obra de arte poderia explicitar melhor essa
decisão.

Além disso, o apreço de Warhol pelo trabalho duro e contínuo poderia também ter sido
a razão para uma escolha menos óbvia do que simplesmente um deslocamento de um objeto de
um mundo para outro, essa certamente uma opção mais segura. Sua digital, por assim dizer,
deveria estar impressa na obra. Victor Bokris, em sua biografia sobre o artista, conta uma
passagem curiosa sobre um dos ídolos de Warhol que ajuda a elucidar esse ponto específico:

Andy, o fã perfeito, começou um hábito ao longo da vida de escrever cartas para


estrelas pedindo fotos e autógrafos. Assim como ele se identificava mais com meninas
do que com meninos em suas relações diárias, ele escolheu uma estrela de cinema
feminina em vez de masculina para idolatrar. Em 1936, no ano em que ela fez "Pobre
Menina Rica", Shirley Temple se tornou o ídolo e modelo de Andy. Na história,
Shirley é completamente protegida pela extraordinária riqueza de seu pai, mas depois,
por pura coincidência, acaba trabalhando (aos oito anos) com um grupo de vaudeville.
Sua atitude em relação a tudo é que é um jogo. Dentro dessa trama reside a filosofia
básica da vida de Andy Warhol: trabalhar o tempo todo, transformar em um jogo e
manter o senso de humor. (Bokris, 2003, p. 57, tradução livre, grifo nosso).11

Outro exemplo da crença do artista no trabalho duro está em uma lembrança de Lou
Reed em uma matéria do New York Post

Warhol tinha uma ética de trabalho incrível e a exibia para um Reed irritado.
“Diariamente Andy [chegava à Factory] antes de mim e perguntava quantas músicas
eu escrevi naquele dia”, diz Reed no documentário. Diria a ele 10. Ele diria: 'Oh, você
é tão preguiçoso. Você deveria ter escrito 15.' (Kaplan, 2021, tradução livre).12

O artista, além de acreditar no trabalho quase incessante, acreditava também no poder


das imagens, tentando compartilhar sua apreciação da beleza e seu significado. Eventualmente,
para o espectador, o resultado poderia ser imagens puramente mecânicas ou carentes de
sentimento; no entanto, somos impelidos a acreditar que Warhol desejava um significado mais
profundo a ser encontrado em sua multiplicidade e re-interpretação13. Talvez o valor estivesse
em repeti-las de diferentes maneiras para criar significados e impactos. Toda essa elaboração
poderia não combinar muito com o artista, mas sabemos o quanto ele era enigmático e lacônico,
portanto é difícil sabermos, mas podemos suspeitar. Talvez apenas supor que ele, como artista,

11 "Andy, the perfect fan, began a lifelong habit of writing stars letters asking for pictures and autographs. Just as he identified
with girls rather than boys in his daily relations, he chose a female rather than a male movie star to idolize. In 1936, the year
she made ‘Poor Little Rich Girl’, Shirley Temple became Andy’s idol and role model. In the story Shirley is completely
protected by her father’s extraordinary wealth, but then, escaping by sheer chance, she ends up working (aged eight) with a
vaudeville team. Her attitude towards everything is that it’s a game. Within this plot lies the basic philosophy of Andy Warhol’s
life: work all the time, make it into a game, and maintain your sense of humour."
12 "Warhol had an incredible work ethic and flaunted it to a miffed Reed. “Every day Andy [arrived to the Factory] ahead of

me, and he would ask how many songs I wrote that day,” Reed says in the documentary. “I would tell him 10. He would say,
‘Oh, you’re so lazy. You should have written 15.’”
13 Veremos como isso faz sentido ao abordarmos o conceito de aboutness em Danto.
6

não estivesse pensando nele, pessoalmente, pois o poder residiria nas próprias imagens. De
modo geral, Warhol demonstrava uma paixão pelo processo artístico e as infinitas
possibilidades de expressão criativa através das imagens.

Brillo Box, Andy Warhol (1964)

As obras de arte de Warhol, e aqui estamos falando das “cópias”14 das caixas em papelão
de produtos de supermercado, feitas de forma industrial, poderiam ser consideradas esfinges,
olhando não só para o público, mas talvez mais especificamente para o art world. Estão lá,
esperando serem decifradas. Em vista disso, Warhol, de forma insuspeita, talvez estivesse
desviando o foco de quem, um dia, esperasse decifrá-lo. Se com suas obras anteriores Warhol
aplicou, sistematicamente, elementos artísticos característicos, assim como o método da re-
produção, com a Brillo Box não seria diferente.

ENCONTROS COM DANTO: TRANS-FORMAÇÃO E TRANS-FIGURAÇÃO

“Trans-: Elemento de formação de palavras que exprime


a ideia de além de, para além de, em troca de, através de
Formação: ato ou modo de constituir algo; criação, constituição.
Disposição (de objetos ou pessoas); organização.
Figuração: ato ou efeito de figurar; representação. Forma; figura.”

Iremos agora adentrar num lugar de proposição, pois nossa intenção é aplicar tanto os
termos trans-formação quanto trans-figuração (esse último diretamente herdado de Danto)
como operações que implicariam em metamorfoses substanciais nos objetos do real world,
embora com uma distinção sutil entre ambas. A trans-formação é comumente percebida como

14
Danto usa o termo fac-símile em alguns dos seus textos, o que tem um significado de cópia. Optamos por usar as aspas no
termo por entender que as esculturas de Warhol, ainda que para todos os propósitos pareceriam cópias das originais, não eram
fiéis, mesmo que houvesse essa intenção. Somente para ficar em dois itens mais óbvios: há uma diferença de materiais nos dois
objetos (papelão e madeira), bem como a impressão das caixas Brillo eram feitas, presumidamente, usando técnicas como offset
ou rotogravura, enquanto na Brillo Box Warhol usou silk-screen. Lembramos, porém, que esses elementos não são os que
diferenciam uma mera coisa de uma obra de arte.
7

uma variação exterior ou superficial mediante a qual a configuração, a ordem, a aparência ou


os atributos de algo são alterados. Por outro lado, a trans-figuração é geralmente concebida
como uma conversão interna ou mais intrínseca, mediante a qual algo ou alguém passa por uma
metamorfose em sua essência. Como exemplo, temos a trans-figuração de Jesus Cristo,
conforme retratada na Bíblia, que se traduz como uma mutação em sua aparência visando
revelar sua natureza divina. Talvez não de forma coincidente, Danto usa uma metáfora bíblica
para exemplificar o que Warhol eventualmente realizou com a Brillo Box, e que ainda poderia
realizar com mais objetos disponíveis do e no mundo, questionando-se:

Este homem é uma espécie de Midas, transformando tudo o que ele toca no ouro da
pura arte? E todo o mundo consistindo em obras latentes, esperando, como o pão e o
vinho da realidade, serem transfiguradas, através de algum mistério obscuro, na carne
e no sangue indiscerníveis do sacramento? (Danto, 1964, p. 580, tradução livre, grifo
nosso).15

Sigamos primeiramente com a proposição de trans-formação, posicionando-nos na


vanguarda histórica e, para que possamos fundamentar o termo aplicado a um objeto, usaremos
o artista Marcel Duchamp e seus ready-mades16 como exemplo, focando especialmente em In
Advance of the Broken Arm.

In Advance of the Broken Arm, Marcel Duchamp (1915)

Em um período de apenas um ano, Duchamp fez uma opção ao abandonar a pintura em


favor de outros meios de expressão, sendo o ready-made um deles. Pessoalmente, o artista
(chamaremos Duchamp dessa maneira provisoriamente) não queria estar limitado a um meio
específico e especialmente a pintura parecia ter adquirido para ele um significado final em si e

15
“Is this man a kind of Midas, turning whatever he touches into the gold of pure art? And the whole world consisting of latent
artworks waiting, like the bread and wine of reality, to be transfigured, through some dark mystery, into the indiscernible flesh
and blood of the sacrament?”
16
O termo ready-made não foi traduzido ao longo do texto, pois é dessa forma que as obras são conhecidas em textos sobre
arte ou sobre Duchamp.
8

não um meio para um fim; e considerava a cor na pintura dessa mesma forma (Duchamp, 1973,
p. 135-136). A essa passagem da pintura para outros meios, a partir de agora, denominaremos
caminho criativo, e a razão será explanada um pouco mais à frente. O final da fase da pintura
se dá com Nu descendant un escalier n° 2, que poderia ser considerada uma herdeira direta do
cubismo, ainda que Duchamp não concordasse em estar associado a nenhum movimento ou
manifesto, mesmo com o Dada.

Nu descendant un escalier n°2, 1912

O quadro segue caminho oposto ao que o mundo da arte entendia por nu, pois
assemelhava-se mais a um robô descendo as escadas do que a um corpo humano. A simples
denominação de nu acabou causando mais furor do que se a pintura tivesse um nome mais
genérico, como Estudo n°2.

Por dois mil anos, o nu funcionou não apenas como um tema de arte, mas como uma
forma de arte e, como tal, sempre seguiu certas convenções. Os nus, se masculinos,
posavam heroicamente, realizavam proezas de força, morriam em batalha e
simbolizavam a autoridade divina ou secular; se fossem mulheres, reclinavam-se,
tomavam banho, distribuíam líquidos de urnas e (como cariátides) sustentavam
telhados. Eles não se moveram e certamente não desceram lances de escada. Que tipo
de piada Duchamp estava tentando fazer? (Tomkins, 1997, p. 80, tradução livre).17

17“For two thousand years the nude had functioned not just as a subject in art but as a form of art, and as such it had always
followed certain conventions. Nudes, if male, posed heroically, performed feats of strength, expired in battle, and symbolized
divine or secular authority; if female, they reclined, bathed, dispensed liquids from urns, and (as caryatids) held up roofs. They
did not move, and they certainly did not come down flights of stairs. What sort of joke was Duchamp trying to pull?”
9

A obra foi exposta no salão da Société des Artistes Indépendants em Paris, no ano de
1912, e àquela altura o artista já estava se desinteressando não somente da pintura como
formato, mas como pelo convívio artístico em que estava inserido. Essa independência que
almejava começaria pelo afastamento dos dois, pintura e artistas, depois de vinte e quatro anos;
explicando o porquê, Duchamp diz que

Isso veio de várias coisas. Primeiro, me acotovelar com os artistas, o fato de se viver
com os artistas, de se conversar com os artistas, me desagradou muito. Houve um
incidente, em 1912, que “me deu uma guinada”, por assim dizer; quando levei o “Nu
descendo uma escada” para os Independentes, e eles me pediram para retirá-lo antes
da inauguração. No grupo mais avançado da época, certas pessoas tinham um
escrúpulo extraordinário, uma espécie de medo! Pessoas como Gleizes, que eram, no
entanto, extremamente inteligentes, descobriram que esse “Nu” não estava na linha
que haviam previsto. O cubismo durava dois ou três anos, e já tinham uma linha
absolutamente clara, dogmática, prevendo tudo o que poderia acontecer. Achei isso
ingenuamente tolo. Então, isso me esfriou tanto que, como reação a esse
comportamento vindo de artistas que eu acreditava serem livres, consegui um
emprego. Tornei-me bibliotecário na Biblioteca Sainte-Geneviève em Paris.
(Cabanne, 1988, p. 18, tradução livre).18

Em 1913 começa a colecionar objetos comuns, prontos de fábrica, e podemos assumir


que Duchamp brinca com suas possibilidades, mas somente de forma particular, em seu ateliê.
Veremos que a exposição desses objetos não estava prevista, a não ser por um mictório, cuja
fama veio muito tempo depois. Em uma carta à sua irmã Suzanne, que estava usando o ateliê
do irmão na França, o artista escreve

Agora, se você veio até minha casa, você viu no ateliê uma roda de bicicleta e um
porta-garrafa. Eu comprei isso como uma escultura já pronta. E eu tenho uma intenção
sobre este tal de porta-garrafa: Ouça. Aqui em N.Y. eu comprei coisas no mesmo
estilo e eu os trato como “readymades”, você sabe, chega de inglês para fazer entender
o significado de “tout-fait” que dou a esses objetos. Eu os assino e dou-lhes uma
inscrição em inglês. Dou-lhe alguns exemplos: eu tenho, por exemplo, uma grande pá
de neve em que escrevi na parte inferior: In advance of the broken arm. Tradução
francesa: Antes do braço quebrado. Não se esforce muito para entender no sentido
romântico ou impressionista ou cubista. – Não tem nada a ver; Outro “readymade”
chama-se “Emergency in favor of twice”. tradução francesa possível: Perigo (crise) a
favor de duas vezes. Todo esse preâmbulo para dizer: Leve este porta-garrafas para
você. Eu faço um “Readymade” à distância. Você vai registrar na parte inferior e
dentro do círculo inferior em letras minúsculas pintado com um pincel, com tinta a
óleo de cor blanc d’argent a inscrição que eu vou dar-lhe abaixo. e você vai assinar da

18 “It came from several things. First, rubbing elbows with artists, the fact that one lives with artists, that one talks with artists,
displeased me a lot. There was an incident, in 1912, which “gave me a turn,” so to speak; when I brought the “Nude Descending
a Staircase” to the Independants, and they asked me to withdraw it before the opening. In the most advanced group of the
period, certain people had extraordinary qualms, a sort of fear! People like Gleizes, who were, nevertheless, extremely
intelligent, found that this “Nude” wasn’t in the line that they had predicted. Cubism had lasted two or three years, and they
already had an absolutely clear, dogmatic line on it, foreseeing everything that might happen. I found that naively foolish. So,
that cooled me off so much that, as a reaction against such behavior coming from artists whom I had believed to be free, I got
a job. I became a librarian at the Sainte-Geneviève Library in Paris.”
10

mesma forma a seguir: [feito por] Marcel Duchamp. (Pirovano, 2020, tradução livre,
grifo nosso).19

Chamamos atenção para o fato de Duchamp chamar o porta-garrafas, que ficou


conhecido como o ready-made Bottlerack, de escultura; ora, escultura pertence ao tipo de
criação normalmente associado às obras de arte. Podemos supor, em vistas ao conceito de
ready-made concebido por ele em várias ocasiões que essa menção talvez fosse para facilitar o
entendimento para sua irmã, sem com isso precisar entrar em muitos detalhes. Porém e, ao
mesmo tempo, se ele considerava o objeto uma escultura pronta para todos os efeitos, por que
se daria ao trabalho de assiná-la, mesmo que à distância, dando a ela o estatuto de uma obra de
arte? Em um ambiente como o art world o artista comumente assina sua obra. Isso nos deixa
uma dúvida sobre a gênese e as reais intenções dessas operações/definições.

Bottlerack; 1914

Nesse mesmo período em que Duchamp colecionava os objetos e os nomeava ready-


mades em seu ateliê, trabalhava também em sua próxima obra, La mariée mise à nu par ses
célibataires, même, muitas vezes conhecida como Le Grand Verre, que o levaria muito além
da pintura; a feitura da obra começa em 1915 e termina em 1923 incluindo elementos como

19“Maintenant si tu es montée chez moi tu as vu dans l’atelier une roue de bicyclette et un porte bouteilles. J’avais acheté cela
comme une sculpture toute faite. Et j’ai une intention à propos de ce dit porte bouteille: Ecoute. Ici, à N.Y., j’ai acheté des
objets dans le même gout et je les traite comme des “readymade” tu sais assez d’anglais pour comprendre le sens de “tout-fait”
que je donne à ces objets. Je les signe et je leur donne une inscription en anglais. Je te donne qques exemples: j’ai par esemple
une grande pelle à neige sur laquelle j’ai inscrit en bas: In advance of the broken arm. Traduction française: En avance du bras
cassé. Ne t’escrimes pas trop à comprendre dans le sens romantique ou impressioniste ou cubiste. – Cela n’a aucun rapport
avec; Un autre “readymade” s’appelle “Emergency in favor of twice”. traduction française possible: Danger (crise) en faveur
de 2 fois. Tout ce préambule pour te dire: Prends pour toi ce porte bouteille. J’en fais un “Readymade” à distance. Tu inscriras
en bas et à l’intérieur du cercle du bas en petites lettres peintes avec un pinceau à l’hile en couleur blanc d’argent la inscription
que je vais te donner ci après. et tu signeras de la même écriture comme suit: [d’après] Marcel Duchamp.”
11

óleo, verniz, folhas e fios de chumbo, além de poeira todos posicionados entre dois painéis de
vidro, materiais muito diferentes se comparados a tinta a óleo, terebentina e tela. No entanto, o
resultado são formas abstratas que até poderiam estar em uma tela, mas ganham mais peso e
vida nesse novo meio e formato. Para Duchamp, a transparência do vidro acabou sendo o item
mais importante.

La mariée mise à nu par ses célibataires, même; 1915-1923

Diferentemente de Le Grand Verre, Duchamp não estava trabalhando nos ready-mades.


Entende-se que não havia um intuito em desenvolver obras de arte a partir desses objetos
prontos, feitos basicamente para de seu divertimento e que nem deveriam deixar o ateliê. Se
para haver obra de arte primeiro deveria haver a intenção, criação, materialização e depois a
exposição, então os ready-mades nunca foram obras de arte per se. O crítico de arte Hector
Obalk chama a atenção para um item importante acerca da autoria da obra.

Temos fotos deles penduradas no estúdio de Duchamp, temos cartas para Suzanne
lidando com eles. Mas não há nada público. [...] Duchamp poderia ter pintado telas ao
mesmo tempo e nunca as ter exposto, sem termos dúvidas de que eram obras de
Duchamp. Mas, precisamente, uma pintura existe pelo fato de ter sido pintada. Não é
um readymade. Um readymade deve conter alguns detalhes contextuais que dizem:
"este é um readymade". Se não, é apenas uma pá decorando o ateliê de um excêntrico
francês. Não basta que MD tenha comprado um porta-garrafas sem usá-lo para secar
as garrafas. Não basta MD acreditar e fazer acreditar que esse porta-garrafas é uma
obra de arte [...] MD também tem que acreditar e fazer acreditar que ele (e não o
designer) se tornou o autor desses objetos escolhidos. E a única maneira de fazer isso
é expor claramente o objeto escolhido em uma mostra de arte em meio a outras obras
de arte e com o mesmo status. Tal exposição não aconteceu. Então, se não há trabalho
12

sobre o objeto (porque ele é apenas escolhido), e se não há exposição do objeto


escolhido, não há readymade e, consequentemente, não há obra nova. É como uma
faca sem lâmina e à qual falta o cabo. (Obalk, 2000, tradução livre, grifo nosso).20

Gostaríamos de expandir um pouco mais esse raciocínio de Obalk adicionando um


questionamento legítimo de Simon Evnine

Existe algum valor em ver tal objeto? Essas coisas estão devidamente colocadas em
museus e galerias? Os artistas estão zombando de seu público? Em segundo lugar, o
ready-made levanta questões metafísicas. Qual é a relação entre o próprio objeto
comum e a (suposta) obra de arte? O artista cria algo novo simplesmente escolhendo
(ou exibindo) um objeto já feito? A criação de uma coisa a partir de outra é possível
quando o objeto “a partir do qual” não é realmente modificado? Se o trabalho é
necessário para a criação de uma coisa a partir de outra, existem restrições sobre
quanto e que tipo de trabalho? (Evnine, 2013, tradução livre).21

Aproveitando-nos desses fios deixados por Obalk e Evnine, posterguemos por um


momento a questão do ready-made como da obra de arte. Vamos chamar a pá para retirar neve
de objeto a e esse mesmo objeto, posteriormente nomeado e assinado por Duchamp, de objeto
b. Concebemos que tanto Obalk quanto Evnine poderiam estar equivocados quando mencionam
a impossibilidade ou mesmo a inexistência de uma obra, ou coisa nova. A questão metafísica
do ready-made é importante, haja vista as várias notas deixadas por Duchamp com instruções
para sua criação; sua materialização seria um passo contingente em sua existência e claramente
possível. Como nosso exemplo é In Advance of The Broken Arm, a inscrição feita no cabo da
pá de neve já altera o objeto, muda seu estatuto, ainda que ele, como acertadamente
testemunham os autores, não seja uma obra de arte, que aqui chamaremos de obra de arte a
priori. Vamos prosseguir testando algumas características que poderiam estar contidas em um
ready-made: os objetos seriam (a) primeiramente pensados, com critérios específicos (veremos
a questão an-estética proximamente); a escolha de materialização posterior seria no universo
de (b) objetos comuns e prontos; e que (c) passam por uma intervenção de outra pessoa que não
seu criador original. No processo descrito acima, um ready-made é criado e existe como tal se

20 “We have photographs of them hanging in Duchamp's studio, we have letters to Suzanne dealing with them. But there is
nothing public. [...] Duchamp could have painted canvases at the same time and never have exhibited them, without us having
doubts that they were Duchamp's works. But, precisely, a painting exists from the fact that it has been painted. Not a readymade.
A readymade has to carry some contextual details which say: "this is a readymade." If not, it is only a shovel decorating the
studio of an eccentric Frenchman. It is not enough that MD bought a bottle rack without using it to dry up bottles. It is not
enough that MD believes and makes believe that this bottle rack is a work of art [...] MD also has to believe and make believe
that he (and not the designer) became the author of these chosen objects. And the only way to do so is to exhibit clearly the
chosen object in an art show amid other works of art and with the same status. Such an exhibition didn't take place. So if there
is no work on the object (because it is only chosen), and if there is no exhibition of the chosen object, there is no readymade,
and consequently there is no new artwork. It is like a knife without a blade, and to which the handle is missing.”
21 “Is there any value to viewing such an object? Are such things properly placed in museums and galleries? Are artists mocking

their audiences? Secondly, the ready-made raises metaphysical issues. What is the relation between the ordinary object itself
and the (alleged) work of art? Does the artist create anything new by merely choosing (or displaying) an already-made object?
Is creation of one thing out of another possible when the object ‘out of which’ is not actually modified? If work is required for
the creation of one thing out of another, are there constraints on how much, and what kind of, work?”
13

e somente se atender a todos os critérios; não como obra de arte ainda, mas como um novo
objeto. O objeto b (a pá nomeada e assinada) é conceitualmente e materialmente um ready-
made, pois tem as condições para que o seja. De novo, aqui ainda não abordamos a questão do
ready-made entendido como obra de arte.
Toda essa conceituação prévia pode nos ajudar nessa trajetória, mas talvez fosse
insuficiente para o próprio Duchamp, já que aparentemente ele nunca tenha ficado
completamente satisfeito em fazê-lo ao longo da história. O artista, ou an-artist22 (Goodyear;
McManus, 2014) como ele se denominava e que a partir de agora usaremos, nunca os
considerou obras de arte em si mesmas, apesar de ser atribuído a ele uma entrada no
Dictionnaire abrégé du surréalisme afirmando que o ready-made é um “objeto comum
promovido à dignidade de obra de arte pela simples escolha do artista. Ready made recíproco:
servir-se de um Rembrandt como tábua de passar (MD)”23 (Breton; Éluard, 1938, tradução
livre). Historicamente é muito mais provável que essa definição tenha partido de André Breton,
um dos autores do dicionário e que já havia usado essa definição em outros textos de sua autoria
(Evnine, 2013). O que reputamos que poder-se-ia dizer sobre o ready-made é algo que

Em última análise, não deve ser olhado… Não é o aspecto visual do ready-made que
importa, é simplesmente o fato de ele existir… A visualidade já não é uma questão: o
ready-made já não é visível, por assim dizer. É completamente massa cinzenta. Não é
mais retiniano. (Girst, 2003, tradução livre).24

Outra forma de entender a obra como Duchamp a propunha (propositadamente


continuamos não chamando aqui de obra de arte. Isso ficará claro quando abordarmos a trans-
formação) é a de que um ready-made seria apenas metafísico, aspecto que consideramos
anteriormente, não precisando ser necessariamente ou obrigatoriamente realizado e
materializado (Obalk, 2000). Em síntese feita pelo próprio Duchamp, um ready-made era uma
obra de arte sem um artista para fazê-la (Ades; Cox; Hopkins, 2021). Aqui vemos como a
conceituação é complexa, pois o próprio Duchamp chama o objeto de escultura em um
momento e em outro, talvez tentando facilitar uma definição, de obra de arte. Pelas notas
deixadas por ele, com descrições bem específicas sobre como criar um ready-made, podemos
perceber que a importância não era o que resultaria materialmente, mas conceitualmente,

22 O prefixo an- não somente denota a falta, o sem, o não, como também era uma brincadeira de Duchamp com
anarquista/anarquismo. Além disso, é um trocadilho intraduzível com o artigo + substantivo em inglês para designar um artista:
an artist.
23 “Objet usuel promu à la dignité d'objet d'art par le simple choix de l'artiste. "Ready made réciproque: se servir d'um

Rembrandt comme planche à repasser" (MD)


24 “Ultimately, it should not be looked at… It’s not the visual aspect of the Readymade that matters, it’s simply the fact that it

exists.… Visuality is no longer a question: the Readymade is no longer visible, so to speak. It is completely gray matter. It is
no longer retinal.”
14

reforçando nosso entendimento do elemento metafísico da obra. Obalk conclui, a partir da


citação acima e com uma certa dose de razão, que “o ready-made nunca é uma obra de arte; é
apenas o tema de uma obra de arte.” Imaginamos que temos aqui, ao menos, um ponto de partida
para uma ontologia do ready-made, ainda que frustrante e que não fecha a questão de forma
alguma. Sendo assim, podemos seguir com a questão da materialização da obra, ou o ready-
made como objeto. Um ponto crucial que devemos observar é o de como Duchamp fazia a
escolha do que poderia ser um ready-made: ela era deliberada por objetos a partir dos quais eles
seriam materializados, que estavam à disposição do e no mundo, no real world, usando a
terminologia de Danto. Como vimos anteriormente, ainda que analisando superficialmente
pareça ser uma escolha aleatória, um ready-made era tudo menos isso. Se revisitássemos o
movimento Dada, dentro do qual surgiu Duchamp, somente o fato da oposição à estética
burguesa e as escolhas feitas pelos artistas nele envolvidos existirem, já poderíamos ter pistas
para afirmar que o an-artist tinha um propósito muito claro ao criar Bicycle Wheel, ou Fountain,
por exemplo. Como diz Bürger,

O dadaísmo, o mais radical dentre os movimentos da vanguarda europeia, não exerce


mais uma crítica às tendências artísticas precedentes, mas à instituição arte e aos
rumos tomados pelo seu desenvolvimento na sociedade burguesa. (Bürger, 2017, p.
56).

Sobre o processo de escolha, Duchamp conta que

Em 1913, tive a feliz ideia de prender uma roda de bicicleta a um banco de cozinha e
observá-la girar. Alguns meses depois, comprei uma reprodução barata de uma
paisagem de inverno, que chamei de "Pharmacy" após adicionar dois pequenos
pontos, um vermelho e um amarelo, no horizonte. Em Nova York, em 1915, comprei
uma pá de neve em uma loja de ferragens na qual escrevi "In Advance of the Broken
Arm". Foi por volta desse tempo que a palavra "ready-made" me veio à mente para
designar essa forma de manifestação. Um ponto que eu quero estabelecer é que a
escolha desses "ready-mades" nunca foi ditada por deleite estético. Essa escolha se
baseou em uma reação de indiferença visual, ao mesmo tempo que havia uma total
ausência de bom ou mau gosto... de fato, uma anestesia completa. Uma característica
importante era a curta frase que eu, ocasionalmente, inscrevia no "ready-made". Essa
frase, em vez de descrever o objeto como um título, era destinada a levar a mente do
espectador a outras regiões mais verbais. (Duchamp, 1973, p. 141, tradução livre,
grifos nossos).25

25“In1913 I had the happy idea to fasten a bicycle wheel to a kitchen stool and watch it turn. A few months later I bought a
cheap reproduction of a winter evening landscape, which I called “Pharmacy” after adding two small dots, one red and one
yellow, in the horizon. In New York in 1915 I bought at a hardware store a snow shovel on which I wrote “In advance of the
broken arm.” It was around that time that the word “readymade” came to mind to designate this form of manifestation. A point
which I want very much to establish is that the choice of these “readymades” was never dictated by aesthetic delectation. This
choice was based on a reaction of visual indifference with at the same time a total absence of good or bad taste . . . in fact a
complete anesthesia. One important characteristic was the short sentence which I occasionally inscribed on the “readymade.”
That sentence instead of describing the object like a title was meant to carry the mind of the spectator towards other regions
more verbal.”
15

Duchamp, partindo então dessa premissa, escolhia seus objetos pelas suas características
antiestéticas. Melhor ainda: an-estéticas, i.e. quanto menos retiniano26 melhor o objeto e
melhor seria o resultado do ready-made. As qualidades “artísticas” e ligadas à beleza do objeto
deveriam estar ausentes, desse modo não somente a escolha an-estética era determinante, mas
uma an-estesia27 era também obrigatória. Aqui ousamos elaborar um termo que talvez seja
interessante para esse efeito desejado por Duchamp: “reset”28 an-estético/an-estésico.
Analisando a citação acima, o an-artist deixa claro que seu interesse é aguçar a mente do
espectador para algo mais intelectualizado do que simplesmente o que agradaria aos olhos. Na
obra anteriormente citada, quando entrevistado falando ainda sobre pintura, o artista deixa isso
muito claro, dizendo que “[...] a pintura não deve ser exclusivamente retiniana ou visual; ela
deve ter a ver com a massa cinzenta, com nossa urgência por compreensão.” (Duchamp, 1973,
p. 136, tradução livre) 29. Essa escolha voltada ao intelecto não era somente parte do processo
do artista, mas o processo em si. O que se segue até o momento é que Duchamp não escolhia
qualquer objeto para ser um ready-made e um detalhe que pode parecer mínimo, mas é de suma
importância em nossa exposição é a de que os ready-mades eram pensados a partir de objetos
prontos, que estavam à disposição do e no real world.

Ready-mades são o que o nome indica, objetos completos que estão à mão e que, em
razão da seletividade do artista, são considerados por ele como pertencentes ao
domínio de sua própria atividade criativa. A suposição é que o objeto, transmitindo
propriedades que coincidem com o ângulo de abordagem do artista, é dotado como
obra de arte em virtude do discernimento e autoridade da seleção do artista. A seleção
não é mais apenas uma etapa de um processo. Torna-se uma técnica completa. (Janis,
H; Janis, S; 1981, p. 310, tradução livre, grifo nosso).30

Dentro dessa escolha poderia estar inserido o conceito de infrathin31, um neologismo


criado por Duchamp, definido por “[...] uma categoria de variantes infinitesimais entre ‘duas
formas moldadas no mesmo molde’, na medida em que elas se diferenciariam uma da outra por
uma quantidade separativa infrathin.” (Girst, 2014, p. 117, tradução livre). Esse conceito está
além do escopo desse texto, mas poderá ser explorado em maior profundidade no futuro.

26 O que, segundo Duchamp, seria o problema da pintura, incluindo as que estavam sendo produzidas à sua época: obras
preocupadas como o estímulo da retina, para agradar aos olhos, ou seja, retiniana.
27 Estesia: capacidade de perceber o sentimento da beleza.
28 “Reset”: ação de retornar um equipamento, sistema ou indivíduo a uma configuração, estado ou ponto inicial anterior, com

o propósito de solucionar falhas, reestabelecer condições iniciais em um experimento, redefinir comportamento, ou ajustar o
estado emocional de uma pessoa.
29 “[…] painting should not be exclusively retinal or visual; it should have to do with the gray matter, with our urge for

understanding.”
30 “Ready-mades are what the name implies, complete objects which are at hand, and which by reason of the artist’s selectivity

are considered by him as belonging in the realm of his own creative activity. The assumption is that the object, conveying
properties which coincide with the artist’s angle of approach, is endowed as a work of art by virtue of the insight and authority
of the artist’s selection. Selection is here no longer just a step in a process. It becomes a completed technique.”
31 Infra-thin ou, em tradução livre, infra-fino.
16

Portanto, e a partir dessas observações, temos dois objetos: o (a) objeto pá-para-remover-neve
é o que estava pronto para ser usado normalmente nesse mundo, com sua utilidade inconteste.
Lembremos que no real world os objetos já estão oferecidos, não há um trabalho intelectual ou
interpretativo para entendê-los. Sendo assim, se alguém visse a pá ali, numa loja de ferragens,
pendurada e com uma etiqueta de preço, seria improvável que proferisse a frase “é uma obra
de arte”. É verdade que nem Duchamp a veria dessa forma, já que a busca pelo an-estético e
an-estésico não permitiria um olhar muito dilatado, vagaroso, pois acabaria poluindo esse
mesmo olhar com uma escolha que não atenderia aos critérios previamente estabelecidos; e (b)
o objeto pá-para-remover-neve-nomeada-e-assinada, que é um novo objeto, um ready-made
para todos os efeitos. Como a exibição desses novos objetos não era pretendida (ao menos no
seu início), não haveria obra de arte, apenas uma trans-mutação de objeto a para objeto b, i.e.
pá → ready-made. Poderíamos eventualmente nomear essa trajetória de Duchamp de evolução
artística, mas resistimos e continuamos nos referindo a ela como caminho criativo, visto já ter
ficado claro que o próprio Duchamp não se via como artista. Colocando lado a lado Duchamp
e Barnett Newman e a procura por uma arte an-estética, Donald Kuspit faz um contraponto ao
não deixar de incluir a criação nessa produção que acaba sendo um processo estético, dizendo
que

A experiência estética de Duchamp não tem nada a ver com a criação de uma obra de
arte real, que envolve um tipo de auto encontro [...] Independentemente das diferenças
em suas concepções de experiência estética, ou, como eu preferiria dizer,
transformação estética ou recriação, ambos a concebem separada do trabalho físico e
mental de criar efetivamente uma obra de arte. Eles não a situam na obra de arte, mas
antes e depois de sua produção. Eles não percebem que o processo de criação de uma
obra de arte - mesmo uma obra de arte não estética e abortiva, como o ready-made -
é em si uma experiência estética transformadora. Eles não percebem que o processo
criativo é um processo estético e que a obra de arte resultante é o resultado da
transformação estética da experiência cotidiana da realidade, proporcionando assim
uma experiência novíssima dela, que a faz parecer fresca e nova, ou seja, para usar o
termo de Newman, original - como se vista pela primeira vez e, implicitamente,
recriada. [...] Duchamp e Newman, cada um à sua maneira, sinalizam o fim das belas
artes, embora vestígios delas sobrevivam e talvez continuem a existir - mas sim uma
construção psicossocial definida por sua identidade institucional, valor de
entretenimento e sofisticação comercial. (Kuspit, 2004, p. 27-29, tradução livre, grifos
nossos).32

32 “Duchamp aesthetic experience has nothing to do with making an actual work of art, which involves a kind of self-encounter
[…] Whatever the differences in their conceptions of aesthetic experience, or, as I would prefer to say, aesthetic transformation
or re-creation, both conceive it apart from the physical and mental work or actually making a work of art. They do not locate
it in the work of art, but before and after its production. They do not realize that the process of making a work of art - even an
abortive non-aesthetic work of art such as the readymade - is itself a transformative aesthetic experience. They do not realize
that the creative process is an aesthetic process, and that the work of art that results from it is the result of the aesthetic
transformation of everyday experience of reality, thus affording a fresh new experience of it, which makes it seem fresh and
new, that is, to use Newman's term, original - as though seen for the first time, and thus, implicitly re-created. […] Duchamp
and Newman, in their different ways, signal the end of fine art, although vestiges of it survive and perhaps will continue to -
but rather a psychosocial construction defined by its institutional identity, entertainment value, and commercial panache.”
17

Em nossa linha de raciocínio, o ready-made em sua gênese era um objeto metafísico,


que seguia critérios, mas não necessariamente poderia ou deveria ser materializado, sua
exposição não era concebida e sua função básica era divertir ou distrair seu criador/possuidor.
Sendo assim, qual a motivação de Duchamp em enviar o mictório renomeado Fountain como
uma escultura para a exposição da Society for Independent Artists (na qual ele próprio era
diretor) em 1917? Parece-nos razoável pensar que ele o fez visando alguns objetivos: (a) uma
afronta ao sistema das artes como um todo; (b) uma diminuição da autoridade ou importância
do artista nesse mesmo sistema; e (c) garantir que, ao submeter o objeto como escultura não
haveria impedimento formal à inscrição. Os objetivos como um todo foram alcançados, pois,
ao assinar a peça como R. Mutt (ou seja, um pseudônimo), garantiu o item (b); a inscrição foi
aceita (ao custo padrão de seis dólares por peça), portanto item (c) concluído; e, o mais
importante talvez, a peça não foi exposta, já que não foi entendida como escultura, pois não se
encaixava em uma produção de um artista (afinal, o mictório enviado era um mictório como
tantos do mesmo modelo e que poderiam ser adquiridos em lojas de material de construção).
Essa afronta, portanto item (a), ao que se entendia por objeto de arte acabou sendo a maior
conquista de Duchamp, mesmo que sua peça tenha sido descartada de início. Seguindo essa
trilha argumentativa, no caso da pá, do mictório ou de qualquer ready-made a intenção não era
criar uma obra de arte, muito menos expor os objetos. Bottlerack, por exemplo, só foi
finalmente exibida em 1936, apesar de já existir em sua forma material desde 1914. Ao enviar
Fountain a importância está no(s) gesto(s) em relação ao art world, “[...] a obra de Duchamp
não é o mictório em si, mas sim o gesto de exibi-lo [...]”33 (Danto, 1981, p. 93, tradução livre).
A escolha deveria ser feita, obrigatoriamente e como já dissemos, considerando elementos an-
estéticos e an-estésicos, e o choque em relação à sua obra (da mesma forma com as obras dos
artistas envolvidos no Dada) foi o resultado dessas escolhas. A pá-para-remover-neve era agora
trans-mutada em um objeto para além de si, um novo objeto. Para tentarmos reforçar essa
proposição de objeto além de si, podemos usar outra obra de Duchamp, Bycicle Wheel. A roda
e a banqueta foram re-ordenadadas em um novo objeto, uma nova entidade, que poderiam ser
vistas ainda como sendo roda e banqueta separadamente, mas pelo processo de trans-mutação,
tornaram-se roda-de-bicicleta+banqueta. Como provocação, a obra abaixo funciona tanto
quanto a pá ou o mictório.

33 “[…] Duchamp's work is not the urinal at all but the gesture of exhibiting it […]”
18

Bycicle Wheel, Marcel Duchamp (1913)

Como vimos, ao assinar suas obras, Duchamp também declara uma negatividade à
identificação do artista e à sua autoridade. O ready-made nos parece ser pura negatividade
nesse ponto. Então como esses novos objetos foram nomeados obras de arte no final das
contas? Uma possível pista está no texto “The Creative Act” do próprio Duchamp. Nele, o autor
destaca a importância do espectador no processo de criação artística, posicionando-o em um
dos polos, estando no outro o “artista” que, “ao que tudo indica, [..] age como um ser mediúnico
que, do labirinto além do tempo e do espaço, busca a saída para uma clareira.”34 (Duchamp,
1973, p. 138, tradução livre). O autor coloca em foco o que ele chama de art coefficient, ou
coeficiente de arte, como parte desse processo dialético entre autor e espectador. Podemos
assumir que o ato criativo faz também parte dos ready-mades e o espectador, ao fim e ao cabo,
opera para que eles sejam trans-formados em obras de arte.

[...] o artista pode gritar aos quatro ventos que é um gênio; terá que esperar o veredicto
do espectador para que suas declarações assumam valor social e que, finalmente, a
posteridade o inclua nas cartilhas da História da Arte. [...] a história da arte sempre
decidiu sobre as virtudes de uma obra de arte através de considerações completamente
divorciadas das explicações racionalizadas do artista. Se o artista, como ser humano
cheio das melhores intenções consigo mesmo e com o mundo inteiro, não desempenha
nenhum papel no julgamento de sua própria obra, como descrever o fenômeno que
leva o espectador a reagir criticamente à obra de arte? Em outras palavras, como essa
reação ocorre? Este fenômeno é comparável a uma transferência do artista para o
espectador na forma de uma osmose estética que ocorre através da matéria inerte,
como pigmento, piano ou mármore. [...] o “coeficiente de arte” pessoal é como uma
relação aritmética entre o não expresso, mas pretendido, e o não intencionalmente
expresso. [...] “coeficiente de arte” é uma expressão pessoal da arte “à l'état brut” [...]
que deve ser “refinada” como açúcar puro do melaço, pelo espectador [...] Em suma,
o ato criativo não é realizado apenas pelo artista; o espectador põe a obra em contato
com o mundo externo decifrando e interpretando suas qualificações internas e assim
acrescentando sua contribuição ao ato criativo. Isso se torna ainda mais óbvio quando

34“To all appearances, the artist acts like a mediumistic being who, fromthe labyrinth beyond time and space, seeks his way
out to a clearing.”
19

a posteridade dá seu veredicto final e, às vezes, reabilita artistas esquecidos.


(Duchamp, 1973, p. 138-139, tradução livre, grifo nosso).35

Por esse entendimento, os ready-mades nascem finalmente como obras de arte pelas
mãos interpretativas do espectador, seja ele o público que irá fruir a obra ou o art world.
Duchamp acaba concluindo que o ato criativo não é um processo solitário, de modo que

[...] o ato criativo não é realizado apenas pelo artista; o espectador põe a obra em
contato com o mundo externo, decifrando e interpretando suas qualificações internas
e, assim, acrescentando sua contribuição ao ato criativo. Isso se torna ainda mais óbvio
quando a posteridade dá seu veredicto final e, às vezes, reabilita artistas esquecidos.
(Duchamp, 1973, p. 140, tradução livre, grifo nosso).36

Voltemo-nos agora à questão da provocação/afronta, elaborando o argumento um pouco


mais. A provocação em si, como diz Bürger, é efêmera de certa forma se levarmos em
consideração que o objeto, no caso do ready-made, o processo de trans-formação é completado
após sua interpretação e assimilação como obra de arte, portanto a posteriori; a provocação
acaba ou se desvanece ao mesmo tempo em que a assimilação ganha corpo, seguindo a
argumentação de Bürger, mencionando o Bottlerack. Um ready-made no meio de Van Goghs
e Rembrandts é menos uma afronta e mais um ruído numa ala de um museu nos dias de hoje.
Ainda que não tenha sido o desejo de Duchamp fazer obra de arte, defendemos que sua trans-
formação se completa quando esse mesmo museu a aceita e a expõe como tal. No ato criativo,
processo desenhado por Duchamp, cuja participação do artista já seria parcial e completada
pelo espectador, o objeto criado sai definitivamente das mãos do primeiro para cair em absoluto
nas mãos interpretativas do segundo. Não obstante, podermos apenas conjecturar o quanto o
público poderia ser confundido ao se deparar com um ready-made (ou com indiscerníveis, como
diz Danto), ou mesmo que isso pudesse causar um desinteresse desse mesmo público em relação
à obra, as intenções específicas no primeiro ou no segundo caso não ficam explícitas e daí

35
“[…] the artist may shout from all the rooftops that he is a genius; he will have to wait for the verdict of the spectator in order
that his declarations take a social value and that, finally, posterity includes him in the primers of Art History. [...] art history
has consistently decided upon the virtues of a work of art through considerations completely divorced from the rationalized
explanations of the artist. If the artist, as a human being, full of the best intentions toward himself and the whole world, plays
no role at all in the judgment of his own work, how can one describe the phenomenon which prompts the spectator to react
critically to the work of art? In other words how does this reaction come about? This phenomenon is comparable to a
transference from the artist to the spectator in the form of an esthetic osmosis taking place through the inert matter, such as
pigment, piano or marble. […] the personal “art coefficient” is like an arithmetical relation between the unexpressed but
intended and the unintentionally expressed. [...] “art coefficient” is a personal expression of art “à l’état brut” [...] which must
be “refined” as pure sugar from molasses, by the spectator [...] All in all, the creative act is not performed by the artist alone;
the spectator brings the work in contact with the external world by deciphering and interpreting its inner qualifications and thus
adds his contribution to the creative act. This becomes even more obvious when posterity gives its final verdict and sometimes
rehabilitates forgotten artists.”
36 “[…] the creative act is not performed by the artist alone; the spectator brings the work in contact with the external world by

deciphering and interpreting its inner qualifications and thus adds his contribution to the creative act. This becomes even more
obvious when posterity gives its final verdict and sometimes rehabilitates forgotten artists.”
20

caberia uma investigação à parte, que também está além do escopo desse texto. O que sabemos,
via Duchamp, é que efetivamente o espectador é parte integrante do processo criativo, ainda
que eventualmente não se desse conta. A partir de agora, para todos os propósitos e devido a
esse processo, consideraremos os ready-mades obras de arte a posteriori.

Decerto que conseguimos minimamente propor um panorama introdutório dessas obras


de arte tão singulares, mencionamos sua indiscernibilidade, portanto, agora, usaremos essa
característica para adentrarmos nos estudos de Danto. Mas o que seriam os indiscerníveis em
sua filosofia? Para fundamentarmos com propriedade, partiremos, assim como o filósofo, da
ideia de mimese. Como contexto, escolhemos o trecho abaixo como guia. Aristóteles, em sua
Poética, trata da mimese e seu impacto, dizendo

[...] imitar é natural nos homens desde a infância e nisto diferem dos outros animais,
pois o homem é o que tem mais capacidade de imitar e é pela imitação que adquire os
seus primeiros conhecimentos; a outra é que todos sentem prazer nas imitações. Uma
prova disto é o que acontece na realidade: as coisas que observamos ao natural e nos
fazem pena agradam-nos quando as vemos representadas em imagens muito perfeitas
como, por exemplo, as reproduções dos mais repugnantes animais e de cadáveres. A
razão disto é também que aprender não é só agradável para os filósofos mas é-o
igualmente para os outros homens, embora estes participem dessa aprendizagem em
menor escala. É que eles, quando vêem as imagens, gostam dessa imitação, pois
acontece que, vendo, aprendem e deduzem o que representa cada uma, por exemplo,
"este é aquele assim e assim". Quando, por acaso, não se viu anteriormente o objecto
representado, não é a imitação que causa prazer, mas sim a execução, a cor ou
qualquer outro motivo do género. (Aristóteles, 2018, p. 50-51).

Essa imitação da vida poderia/deveria ser maior ou completa se o espectador soubesse


o que está vendo e pudesse, então, diferenciar uma coisa da outra. Ao pensarmos em Duchamp
e Warhol, pá e In Advance of the Broken Arm, caixa de esponjas Brillo e Brillo Box, seria
improvável o espectador e apreciador de obras de arte considerar ir até uma loja de ferragens
ou supermercado para contemplar esses objetos. O que haveria nessas obras de arte, no entanto,
que as diferenciaria das meras coisas, o suficiente para que a fruição não se desse nas primeiras
e sim nas segundas? Numa imitação pura e simples e dependendo do objeto a ser copiado ou
imitado, poderíamos pensar que ela poderia também incluir a beleza em sua elaboração,
entendendo-se beleza como harmonia, perfeição das formas, habilidade, todas as características
para que fosse emocionante o suficiente a seu público, mas lembrando que saberiam discernir
entre os objetos do e no mundo e o que estava sendo exibido. Danto elabora dessa forma

Aristóteles, que explica o prazer que a humanidade tem na arte através do prazer que
tem em imitações, está claramente consciente de que o prazer em questão (que é
21

intelectual) pressupõe logicamente o conhecimento de que se trata de uma imitação e


não da coisa real a que ela se assemelha e denota. (Danto, 1973, p. 3, tradução livre).37

Em se tratando dessa característica específica, para fins de nossa discussão, seria mesmo
a beleza imprescindível em uma obra de arte? Já antes de Duchamp ou Warhol ela não era um
elemento obrigatório nas obras, ainda que eventual e intuitivamente esperada por um público
não muito afeito à arte moderna ou contemporânea. A imprescindibilidade da beleza não estava
mais associada à obra de arte como elemento fundamental à sua criação, nem mesmo como um
elemento de embelezamento. Danto (2015) associa esse termo ao que ele chama de Terceiro
Reino da beleza, distinguindo-o das belezas naturais e artísticas. Nesse Reino, as operações têm
um só propósito: alterar algo em um objeto para fins de embelezar, não penetrando naquilo que
ele é, mas somente em sua aparência. Ainda sobre isso, cita o dadaísmo:

Parte da herança do Dadaísmo tem sido a desconfiança em relação à beleza, pelo


menos na arte. Se a beleza não chegou a ser plenamente odiada, pelo menos houve
uma atitude extrema: é melhor a arte ser repulsiva do que ser bela. (Danto, 2015, p.
90).

Seguindo pelo caminho mimético, a pá de Duchamp não é uma imitação no sentido


estrito, pois ele não copia a pá da casa de ferragens, muito menos é bela. É uma pá, que passou
pelo processo duchampiano de escolha, trans-mutação e posteriormente trans-formada em
objeto de arte dialeticamente pelo ato criativo. Do mesmo modo, Fountain ou outros ready-
mades são, de certa forma, parcialmente indiscerníveis; nos afetam, suscitam dúvidas, chocam,
ou produzem qualquer outro tipo de emoção, mas sabemos o que estamos vendo, ainda que
estejam num museu, ou no art world. Os ready-mades só são efetivamente obras de arte,
conforme vimos anteriormente, a posteriori. Esses objetos do e no real world estiveram, estão
e estarão sempre disponíveis para ser, eventualmente, trans-mutados ou trans-figurados.
Porém, citando Heinrich Wölfflin

Mesmo o talento mais original não pode ir além de certos limites que são estabelecidos
pela data de seu nascimento. Nem tudo é possível o tempo todo, e certos pensamentos
só podem ser pensados em determinados estágios do desenvolvimento. (Wölfflin,
1950, p. 11, tradução livre).38

Fizemos uma correlação entre indiscerníveis e trans-formação; nesse momento vamos


usar um exemplo que mencionamos no começo de nosso texto para entrarmos em nossa

37 “Aristotle, who explains the pleasure men take in art through the pleasure they take in imitations, is clearly aware that the
pleasure in question (which is intellectual) logically presupposes the knowledge that it is an imitation and not the real thing it
resembles and denotes.”
38 “Even the most original talent cannot proceed beyond certain limits which are fixed for it by the date of its birth. Not

everything is possible at all times, and certain thoughts can only be thought at certain stages of the development.”
22

proposta de trans-figuração (herança direta de Danto) e beneficiarmo-nos, já que o filósofo


também a menciona (Danto, 1981): a cama de Rauschenberg. Em uma rápida análise, é uma
cama, um objeto que veio do real world, mas com elementos que a fazem diferente de uma
cama em uma loja de móveis, por exemplo. Haveria a possibilidade de confundirmos essa cama
com uma cama real? Parece-nos pouco provável. Mesmo se ela estivesse na horizontal e exposta
em uma loja, em vez de suspensa em um museu, seria estranho alguém deitar-se nela. Ao
adicionar a um objeto comum (cama) algo estranho a ele (tinta, por exemplo), o artista
desenvolve uma nova entidade: a obra de arte Bed.
A opção pela tridimensionalidade como distanciamento da pintura e escultura
exemplificada aqui já havia sido mencionada pelo artista e crítico de arte Donald Judd, tomando
como base a limitação da tela.

O principal problema da pintura é que ela é um plano retangular colocado contra a


parede. Um retângulo é ele próprio uma forma; é obviamente a forma completa;
determina e limita a disposição do que quer que esteja sobre ou dentro dele. Em
trabalhos anteriores a 1946, as bordas do retângulo são um limite, o fim da imagem.
A composição deve reagir às bordas e o retângulo deve ser unificado, mas a forma do
retângulo não é acentuada; as partes são mais importantes e as relações de cor e forma
acontecem entre elas. Nas pinturas de Pollock, Rothko, Still e Newman, e mais
recentemente de Reinhardt e Noland, o retângulo é enfatizado. Os elementos dentro
do retângulo são amplos e simples e correspondem intimamente ao retângulo. As
formas e a superfície são apenas aquelas que podem ocorrer de forma plausível dentro
e sobre um plano retangular. As partes são poucas e tão subordinadas à unidade que
não chegam a ser partes no sentido comum. Uma pintura é quase uma entidade, uma
coisa só, e não a soma indefinível de um grupo de entidades e referências. (Judd, 1964,
p. 3).39

O que podemos propor é que uma obra de arte, aqui elaborada a priori, poderia ser a
soma de um objeto real e seus elementos, os últimos multiplicados n vezes. Os elementos
sozinhos, então, não fariam a obra de arte, assim como o objeto real nada seria além dele
próprio, sem seus elementos artísticos adicionados a posteriori. Fossemos pensar em uma
fórmula para demostrar, seria tal como

A=R+nE, sendo A=Obra de Arte; R=Objeto Real e E=Elemento.

39 “The main thing wrong with painting is that it is a rectangular plane placed flat against the wall. A rectangle is a shape itself;
it is obviously the whole shape; it determines and limits the arrangement of whatever is on or inside of it. In work before 1946
the edges of the rectangle are a boundary, the end of the picture. The composition must react to the edges and the rectangle
must be unified, but the shape of the rectangle is not stressed; the parts are more important, and the relationships of color and
form occur among them. In the paintings of Pollock, Rothko, Still, and Newman, and more recently of Reinhardt and Noland,
the rectangle is emphasized. The elements inside the rectangle are broad and simple and correspond closely to the rectangle.
The shapes and surface are only those which can occur plausibly within and on a rectangular plane. The parts are few and so
subordinate to the unity as not to be parts in an ordinary sense. A painting is nearly an entity, one thing, and not the indefinable
sum of a group of entities and references.”
23

Dessa forma, a obra de arte Bed seria composta de objeto e elementos do real world,
mas não seria um indiscernível, apesar de claramente trans-figurada pelo artista. Não haveria
meios do artista, tendo os elementos disponíveis escolhidos, fazer nada mais a não ser uma obra
de arte.

Bed, Robert Rauschenberg (1955)

Na medida em que percorremos um itinerário que nos permitiu acolher termos e


conceitos de Danto, a proposta a seguir é fundamentarmos o termo trans-figuração, que já
usamos aplicado à obra Bed, mas agora aplicado a Warhol e sua Brillo Box. Para tal tarefa,
veremos como Danto usa o termo relacionado especificamente à Pop Art, dizendo

A arte pop consiste em transfigurar emblemas da cultura popular em arte de alta


cultura. [...] A arte pop era tão emocionante porque era transfigurativa. Havia muitos
entusiastas que tratavam Marilyn Monroe da mesma forma que tratariam uma das
grandes estrelas do palco ou da ópera. Warhol a transfigurou em um ícone ao colocar
seu belo rosto em um campo de tinta dourada. A arte pop como tal foi uma conquista
propriamente americana, e acredito que foi a transfiguratividade de sua postura básica
que a tornou tão subversiva no exterior. Transfiguração é um conceito religioso.
Significa a adoração do ordinário como, em sua aparência original, no Evangelho de
São Mateus, significava adorar um homem como um deus. [...] Parece-me agora que
parte da imensa popularidade da arte pop residia no fato de que ela transfigurava as
coisas ou tipos de coisas que mais significavam para as pessoas, elevando-as ao status
de assuntos de arte elevada. (Danto, 1997, p. 128-129, tradução livre, grifos nossos).40

40“Pop art as such consists in what I term transfiguring emblems from popular culture into high art. [...] Pop art was so exciting
because it was transfigurative. There were plenty of buffs who treated Marilyn Monroe in the same way they would treat one
of the great stage or opera stars. Warhol transfigured her into an icon by setting her beautiful face on a field of gold paint. Pop
art as such was a properly American achievement, and I think it was the transfigurativeness of its basic stance that made it so
subversive abroad. Transfiguration is a religious concept. It means the adoration of the ordinary, as, in its original appearance,
in the Gospel of Saint Matthew it meant adoring a man as a god. [...] It seems to me now that part of the immense popularity
of pop lay in that fact that it transfigured the things or kinds of things that meant most to people, raising them to the status of
subjects of high art.”
24

Então, o que Warhol faz com o objeto caixa-Brillo-do-supermercado foi uma trans-
figuração em outro objeto, a Brillo Box, uma substituição essencial do objeto, partindo de uma
mera coisa para uma obra de arte. Quando falamos no início de nosso texto que haveria um
termo melhor do que elevar, estávamos nos referindo exatamente a trans-figurar. Além disso,
a obra de arte de Warhol, diferentemente dos ready-mades de Duchamp, pode ser considerada
a priori, uma vez que foi pensada e executada como tal. Em mais um distanciamento, Warhol
não assina suas caixas, talvez por dois motivos (a serem investigados durante a pesquisa): o
primeiro, por não ser necessário um confronto (afinal de contas, Duchamp já havia feito isso de
qualquer forma), mas buscando e assumindo uma assimilação, visto que o artista e sua obra já
eram conhecidos por público e crítica. Um segundo motivo, talvez mais óbvio, seria para manter
a trans-figuração intacta. Se o artista não usou e assinou uma caixa Brillo do supermercado e a
trans-mutou, à maneira de Duchamp, não nos parece que trans-figurando-a em uma caixa
completamente diferente o levaria a fazê-lo.41 Recorremos a Foster

Quando a primeira neovanguarda recupera a vanguarda histórica, o dadá em


específico, não raro o faz literalmente, por meio de uma retomada de seus
procedimentos básicos, cujo efeito não é tanto a transformação da instituição da arte
como a transformação da vanguarda em instituição. (Foster, 2017, p. 40, grifo nosso).

Parece-nos suficiente entender os motivos de Warhol para não trans-mutar objetos, com
posterior trans-formação. Esses objetos, vindos do real world, ganhavam uma segunda vida
com suas operações específicas: na pá, a outra vida seria como afronta; com a Brillo, como
eventual espelho ou crítica do consumo. Nesse momento, julgamos que há uma pista importante
sobre o que diferenciaria a pá (agora já trans-formada em In Advance of The Broken Arm) da
Brillo Box. Embora ambos sejam objetos do e no real world, Duchamp não fez a pá; ela estava
pronta, conforme mencionamos. Quando avançamos em direção a Warhol, uma objeção
poderia ser feita, dizendo que o artista tampouco fez a caixa de madeira. Contudo temos a
hipótese da digital do artista diretamente aplicada à obra, uma vez que não era uma caixa
qualquer: era feita sob encomenda, assim como vários artistas sempre trabalharam em parceria
com artesãos para a execução de suas obras. Visando esquematizar alguns pontos-chave nesse
momento, temos algumas aproximações entre Duchamp e Warhol, e suas obras In Advance of
The Broken Arm e Brillo Box, respectivamente, a saber:

41Não conseguimos chegar, pelo menos até o momento, em uma informação precisa sobre quantas Brillo Boxes Warhol teria
assinado. Estima-se que foram em número limitado e somente atendendo a pedidos dos compradores. Mesmo assim, assinou-
as na parte de baixo, mantendo a caixa intacta para a apresentação imaginada.
25

a) Ambas as obras partem de objetos existentes e prontos do e no real world42;


b) Os artistas não fizeram os objetos;
c) Num primeiro momento, são indiscerníveis;
d) Os objetos foram trans-mutados ou trans-figurados a partir da ideia do artista;
e) O objeto, agora objeto de arte exposto (em um museu ou galeria) iria para o art world.
Levando-se em conta as considerações de Foster (2017), podemos pensar que Duchamp
é um elemento estruturante da Brillo Box, mais como inspiração e distinção do que como
retorno ao Dada, criando ele mesmo uma caixa comum, a partir de uma mera coisa, trans-
figurando-a em obra de arte. Um primeiro desvio dos artistas pode ser apontado exatamente
aqui. Poder-se-ia ponderar que, no caso de Warhol, a caixa de Brillo que existe no real world e
tem seu uso também inconteste, assim como a pá, poderia ter sido trans-formada em obra de
arte, a posteriori e levando em conta o ato criativo duchampiano, caso o artista simplesmente
a assinasse e desse um título, por exemplo; um ready-made revisitado, para todos os efeitos.
No entanto, isso seria repetir Duchamp, e mesmo que as obras de Warhol tivessem como
elementos fundantes formas repetidas, repetir uma ideia de outro artista não nos pareceria
suficiente para ele. Não somente porque pressentimos uma distinção, mas também porque
Warhol buscava uma nova forma de expressão, dessa vez com elementos tridimensionais, o que
poderia ser qualquer outro objeto. Afinal, o real world tem essas dimensões e já que o artista
buscava inspiração muitas vezes em itens de supermercado, podemos nos perguntar por que
não uma lata de sopa em três dimensões? Ou uma garrafa de refrigerante? (esse processo de
escolha e suas motivações serão investigados em maior profundidade durante a pesquisa). De
novo, entendemos que optar por isso agora seria repetir a si próprio, e Warhol estava procurando
um destaque no art world, buscando que sua arte fosse levada à sério, tanto por seus pares,
quanto pelo público e críticos de arte. Uma caixa de produtos como escultura (Brillo, Kellog’s,
DelMonte, Heinz) poderia ser ao mesmo tempo natural e arriscado. O que poderia diferenciar
uma caixa de Brillo de uma escultura inspirada nessa caixa e, para todos os efeitos, uma cópia
quase exata da mesma caixa? Por que a primeira seria, e continuaria sendo, uma mera coisa e a
segunda uma obra de arte? Não poderia ser simplesmente porque uma era feita de papelão
corrugado, e a outra de madeira. Também não pelo fato da primeira ter a sua impressão usando
métodos como offset ou rotogravura, e a segunda, apesar de bem executado, guardava alguns
traços mínimos do processo manual de silk-screen. A escolha mimética, se assim formos
assumir, ia desde o objeto a ser copiado até o processo de produção empregado para o resultado.

42Iremos considerar que a caixa de madeira, suporte material para a Brillo Box estava pronta como objeto, mesmo sendo feita
sob encomenda, a partir das especificações de Warhol.
26

Conforme mencionamos acima, parece-nos clara a intenção de Warhol quanto à escolha do


objeto e seu modo de fabricação. Em que pese o fato de o artista não querer realizar um ready-
made, não usar o mesmo material da caixa original foi uma escolha prática: em termos simples,
não funcionou do jeito que Warhol queria. Portanto, as caixas de madeira, feitas conforme
especificações do artista, foi o caminho encontrado. A ideia parte do artista, a execução dela
pode ou não ser dele. Aqui um segundo desvio entre Warhol e Duchamp: sim, existem pás e
caixas no real world. Mas as caixas foram feitas especialmente para um propósito e segundo a
ideia do artista. A pá, mesmo não sendo uma escolha aleatória, não. Os desvios que apontamos
até o momento tem basicamente o mesmo peso, mas um terceiro vai se destacar dos outros dois:
a escolha estética. Enquanto Duchamp almejava pelo “reset” an-estético/an-estésico, como
ousamos chamar aqui, Warhol queria atrair o olhar para sua obra pelo que ela tinha de mais
evidente, ao menos superficialmente: o estilo de vida americano, o consumo fácil e até
compulsivo oferecido à classe média, principalmente na era Kennedy. Para isso, ele não poderia
requerer do observador essa anestesia estética de um ready-made. As cores não deveriam ser,
e nem foram, alteradas, para haver uma identificação imediata, e a forma seria a mesma. Por
que então colocar aquela caixa dentro de uma galeria? Ainda: não somente uma, mas uma série
de caixas empilhadas, como num armazém? Essa não-distinção entre arte e vida, dificilmente
uma novidade, estaria sendo posta em xeque em uma exposição como essa, além de uma
interação bem específica com o público (também um ponto a ser abordado na pesquisa). Era
isso o que, supomos, Warhol precisava e intencionava.

As pessoas sempre diziam que Andy Warhol estava superexposto. Desde o começo,
ele era considerado passé. Sempre havia pessoas dizendo: ‘Bem, ele acabou. O que
ele pode fazer agora?’ Todo mundo estava inveteradamente cansado dele. Acredito
que 1963 foi seu ponto alto. Todas aquelas pinturas em serigrafia de desastres e
acidentes de carro foram a melhor coisa que ele já fez. (Bourdon, 2003, p. 222,
tradução livre).43

As escolhas deliberadas feitas por Duchamp e Warhol, ainda que os caminhos tenham
seus desvios, levarão Danto a elaborar os conceitos de aboutness e embodied meaning, mas a
partir da Brillo Box. No início de seu livro “The Transfiguration of the Common Place”, o
filósofo propõe um exercício mental acerca de uma hipotética exposição de arte que conta com
alguns quadros, todos eles sendo retângulos vermelhos aparentemente iguais. Não iremos
reproduzir o exercício aqui44; lá, ele substancia o conceito de aboutness, pois, para o filósofo,

43 "People were always saying that Andy Warhol was overexposed. From the very beginning he was considered passé. There
were always people saying, Well, he’s finished. What can he do now? ‘Everybody was chronically tired of him. I think that
1963 was his high mark. All those silkscreen paintings of the disasters and car crashes were the greatest thing he ever did."
44 O exercício mental encontra-se nas páginas 1-3 do livro mencionado.
27

a obra de arte deve ter a capacidade de transmitir uma mensagem além de sua aparência física,
ela deve ser sobre algo, i.e., ter um significado. Mas cuidado!: aboutness não é uma propriedade
física. Uma caixa de Brillo do supermercado não possui aboutness, ela não é sobre algo. Uma
Brillo Box, ao contrário, é. Pensemos no conceito de aboutness em uma natureza-morta ou em
Fountain. Esse mesmo conceito poderia facilmente ser aplicado às duas, ou mesmo a qualquer
obra de arte de qualquer época, como postula o filósofo.
Para entendermos melhor o aboutness, usaremos o conceito de identificação artística
pelo uso do verbo Ser flexionado na frase “é uma obra de arte”. Existe uma discussão ontológica
de identificação artística quando usamos é e é ao nos referirmos a uma obra de arte. Bastaria
dizer aqui que ao vermos uma natureza-morta podemos, com uma boa dose de certeza, afirmar
que é uma obra de arte. Ainda que as flores, frutas e bandejas que compõem os objetos que
inspiraram a natureza-morta fossem muitíssimo bem arranjadas no real world, nada daquilo
poderia ser chamada de arte ou mesmo obra de arte. Semelhantemente, quando vemos um
esfumaçado branco sobre um fundo azul em uma pintura, podemos arriscar dizer “é uma
nuvem”, porque esse é está associado ao da identificação artística. O é é completamente
diferente quando vemos uma nuvem no real world e afirmamos “é uma nuvem”. O conceito de
embodied meaning irá complementar e expandir o de aboutness do filósofo, pois o significado
é então corporificado à obra de arte, incluindo aí seus materiais, e a nossa tarefa seria interpretar
como esse significado pode ser aplicado à forma da obra de arte. Danto sublinha que um
conhecimento artístico prévio é uma condição para uma boa interpretação 45. Uma resposta
emocional e sensorial do observador à obra é o que faz com que ela seja única e pessoal para
cada um. A partir então dessa interpretação, a obra de arte pertenceria ao ‘artworld’. Não seria
possível dissociar o aboutness do objeto de arte, nem pensar nele sem embodied meaning.
Podemos, além disso, realizar conexões com o creative act de Duchamp, pois parece-nos de
mesma natureza.
Percebemos, até aqui, que já tocamos em alguns pontos-chave do que Danto teve a dizer
nos textos em análise: real world, transfiguration, identificação artística, mimese,
indiscernibilidade. Continuando nossa investigação, vimos também que apesar de a Brillo Box
ter sido a obra mítica relativa a esses temas, poderíamos ser levados a pensar que os ready-
mades teriam potencial de gênese para tal, mas, curiosamente, não foram. Não porque não
estavam mais sendo pensados ou materializados por Duchamp, já que vale mencionarmos que

45 Muitas das críticas relacionadas a essa proposição de Danto reside no fato do filósofo considerar
que todos que eventualmente
visitem um museu ou galeria teriam, ou deveriam ter, um conhecimento prévio de arte para que essa interpretação fosse
totalmente alcançada. Durante a pesquisa veremos, ainda que rapidamente, como Danto responde a essas considerações.
28

em 1964, ano em que Warhol expôs a Brillo Box, o artista continuava colecionando-os. Nossa
proposta de trans-formação e trans-figuração poderiam ajudar nesse entendimento. Devemos
lembrar que a Brillo Box é uma obra de arte a priori que se diferencia de um ready-made desde
seu início e tem sua própria relevância. Ponderamos que em Danto os objetos transitam entre
três mundos por ele apontados: o real world - onde as meras coisas, ou coisas comuns existem;
o art world - galerias, museus etc., onde as obras de arte são expostas ou se encontram; e o
‘artworld’ – funcionando como uma expansão do segundo, onde as obras de arte habitam
depois do processo interpretativo. Podemos nos valer de uma reposta que o filósofo deu a Fred
Rush (2013) sobre o que torna um objeto comum em arte: Danto oferece a fórmula W=I(M,O)46,
onde W é a obra de arte; I é a interpretação, uma função que mapeia um significado M para o
objeto material O. A única diferença entre W e O é que W tem um aboutness que requer
interpretação. O, por si só, não. O que transforma O em W é a interpretação I do sentido M. A
interpretação, então, levaria a obra de arte ao ‘artworld’. Falando sobre os críticos e
restauradores em seu livro “What Art Is”, Danto observa que

[...] Eles também trataram a obra como um objeto físico. Mas uma obra de arte é um
embodied meaning, e o significado está tão intimamente relacionado ao objeto
material quanto a alma ao corpo. Michelangelo criou um mundo, bem como um
objeto, e é preciso tentar entrar nesse mundo para ver quais partes dos objetos físicos
são relevantes. O buraco no telhado tem uma história, mas não um significado que
pertença à obra. (Danto, 2013, p.66, tradução livre, grifos nossos).47

Sendo assim, as coisas do mundo estariam esperando pacientemente uma trans-


formação ou trans-figuração, independentemente do artista, técnica, material ou forma; esses
elementos ajudariam a incorporar seus significados após as operações pretendidas. Isso vale
para qualquer obra de arte que se pretenda analisar. Warhol, com sua Brillo Box, escancara isso
e por esse motivo Danto considera não somente que o artista encerra a narrativa histórica da
arte ali, mas eleva a pergunta sobre o que pode ser arte ou mesmo se essa pergunta ainda faria
sentido.

CONCLUSÃO

“Don't think about making art, just get it done. Let everyone else
decide if it's good or bad, whether they love it or hate it. While they
are deciding, make even more art.” – Andy Warhol48

46 W (Work of Art); I (Interpretation); M (Meaning); O (Object)


47
“[…] They too treated the work as a physical object. But an artwork is an embodied meaning, and the meaning is as intricately
related to the material object as the soul is to the body. Michelangelo created a world as well as an object, and one has to try to
enter the world in order to see what parts of the physical objects are relevant. The hole in the roof has a story, but not a meaning
that belongs to the work."
48 "Não pense em fazer arte, apenas faça. Deixe que os outros decidam se é boa ou ruim, se amam ou odeiam. Enquanto eles

decidem, faça ainda mais arte." – tradução livre.


29

“What I have in mind is that art may be bad, good or indifferent, but
whatever adjective is used, we must call it art, and bad art is still art
in the same way as a bad emotion is still an emotion.” – Marcel
Duchamp49

As considerações feitas ao longo do texto foram no sentido de fundamentar nossos


termos-proposta trans-formação e trans-figuração. Ao usarmos o mesmo prefixo,
conseguimos, a princípio, a aproximação entre Duchamp e Warhol, já que ambos conseguiram,
a seu modo, levar objetos do real-world para além de suas funções utilitárias incontestes.
Porém, esperamos que as operações de formação e figuração dos dois artistas, em vistas de
seus trabalhos, tenham suas distinções conceituadas de forma satisfatória. São operações
diferentes, com atores distintos, mas com resultado que culmina em um objeto artístico, uma
obra de arte. Dessa forma, trans-formação, no caso dos ready-mades, seria uma alteração
superficial no objeto e a operação somente efetuada a posteriori com a colaboração do
espectador; no caso da trans-figuração da caixa Brillo em Brillo Box, uma alteração em sua
essência, operação executada a priori e pelo artista; juntas, chegam ao ‘artworld’ por vias
interpretativas. Ao percorrermos esse caminho juntamente com Danto em seus textos, podemos
agora nos aproximar com uma maior segurança de seus conceitos e, principalmente, saber o
porquê da importância da Brillo Box. Parece-nos claro que as ideias de indiscernibilidade,
aboutness, embodied meaning já estavam sendo pensadas, mesmo que de forma embrionária,
ao avaliar os ready-mades de Duchamp. Levando em conta a Brillo Box, Danto consegue
desenvolver a ideia de ‘artworld’, mundo que depende de algumas condições não somente para
existir, mas também para que as obras de arte, como um todo consigam, em seu espaço, habitar.
A teoria, assim como qualquer teoria, tem seus críticos, como George Dickie e Noël
Carroll, entre outros. Aqui no Brasil, Mammì comenta que a nova teoria de arte proposta por
Danto

[...] consiste, a meu ver, em encontrar uma definição de arte a mais abstrata possível,
a mais desprovida de conteúdos sensíveis: um objeto de arte é, para ele, um objeto
que diz respeito a alguma coisa (is about something) e corporifica ou encarna
(embody) seu significado. Como se vê, é uma definição muito vaga, que dificilmente
poderia estabelecer um limite claro entre obras de arte e outras classes de objetos.
Aqui, justamente, é inserida a relação entre essência da arte e sua história (porque
Danto se declara, além de essencialista, também historicista). O que muda
historicamente é o campo de objetos que podem encarnar (tornar sensível) um
significado. Nossa época, nesse sentido, não seria diferente das outras: é provável que
no futuro haja formas de arte que hoje nem sequer podemos imaginar. Mas a diferença
entre a arte contemporânea e a do passado é que a primeira pressupõe, em tese, que
qualquer coisa possa ser considerada arte. Ou seja: como nas épocas passadas, não
podemos imaginar tudo o que a arte pode fazer, mas, diferentemente das épocas

49 “O que tenho em mente é que a arte pode ser ruim, boa ou indiferente, mas, seja qual for o adjetivo usado, devemos chamá-
lo de arte, e arte ruim ainda é arte da mesma forma que uma emoção ruim ainda é uma emoção.” – tradução livre.
30

passadas, não há mais nada que em princípio a arte não possa fazer. Por isso, os limites
da arte passam a ser objeto de reflexão racional, e não de evidência sensível; de
filosofia, e não de história da arte. (Mammì, 2012, p. 20-21).

Em nossa pesquisa iremos nos aprofundar nessa teoria e comentar eventuais problemas
que possam existir. No entanto, nesse momento, caso queiramos resumir os principais pontos,
poderíamos dizer que:
a) Obras de arte se distinguem das meras coisas por serem representações de algo;
b) Portanto, elas estão sempre relacionadas a algo, ou seja, possuem aboutness;
c) O aboutness é traduzido em um embodied meaning, uma vez que está integrado à parte
material da obra de arte;
d) As obras de arte apresentam uma dimensão retórica, metafórica e estilística, que se
manifesta na relação entre o aboutness e sua forma de apresentação;
e) A interpretação das obras de arte requer um contexto histórico, que constitui sua
identidade artística.
Danto faz uma pergunta crucial em seu artigo, “The Artworld”: “[...] podemos deixar
de lado as questões de valor intrínseco e perguntar por que a empresa Brillo não pode fabricar
arte e por que Warhol não pode deixar de fazer obras de arte.” (Danto, 1964, p. 580, tradução
livre).50 Podemos experimentar responder a essa pergunta dizendo que Warhol sempre
produzirá obras de arte, pois aboutness e embodied meaning estarão sempre presentes, já que
para o artista isso é inescapável. A empresa que produz as caixas para acondicionar as esponjas
Brillo só conseguirá criar caixas para transporte desses e outros produtos, sem significado
artístico algum. Uma mera coisa; uma caixa como outra qualquer.

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Edition). Cambridge: DaCapo Press, 2003.

50“[…] we may forget questions of intrinsic value and ask why the Brillo people cannot manufacture art and why Warhol
cannot but make artworks.”
31

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