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ISSN: 1516-1846
revistacefac@cefac.br
Instituto Cefac
Brasil
Almeida Mendes, Leila Maria de; Guarisi Mendes, Cláudia; Beltrati Cornacchioni Rehder, Maria Inês
ATUAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA EM UM CASO DE DOENÇA MISTA DO TECIDO CONJUNTIVO
Revista CEFAC, vol. 8, núm. 1, enero-marzo, 2006, pp. 79-83
Instituto Cefac
São Paulo, Brasil
RESUMO
Objetivo: relatar a atuação fonoaudiológica em um caso de doença mista do tecido conjuntivo. Méto-
dos: relato de caso de paciente do gênero feminino, 50 anos, portadora de doença mista do tecido
conjuntivo. Encaminhada para atendimento fonoaudiológico por apresentar comprometimento da
deglutição caracterizado por engasgos e limitação importante da abertura oral. Descrição através de
dados de avaliação e terapia fonoaudiológica. Resultados: na avaliação funcional da deglutição cons-
tatou-se dificuldade na deglutição de líquidos e sólidos, alterações na movimentação de língua e
bochechas, acúmulo de resíduos no vestíbulo, engasgo e tosse pós-deglutição. Restrição muscular
nos movimentos dos órgãos fonoarticulatórios durante a fala, sensibilidade dolorosa na face e limita-
ção de abertura oral. Através de questionamento sobre dieta alimentar, constatou-se dificuldades de
deglutição para determinados alimentos e sintomas de refluxo gastroesofágico. A fonoterapia visou
trabalho miofuncional para melhora da tensão muscular através de exercícios e manipulações orofaciais.
Utilizou-se manobras específicas para disfagia, promovendo mobilidade e elevação de laringe. Orien-
tações sobre dieta e postura alimentar. Pós fonoterapia constatou-se deglutição normal nas fases oral
e faríngea, melhora significativa na dieta, normalidade de abertura oral e na fala. Acompanhamento
quinzenal visando prevenção de seqüelas fibróticas. Conclusão: a atuação fonoaudiológica mostrou-
se efetiva, contribuindo para proporcionar normalidade na fala, na deglutição, na alimentação e na
abertura oral, bem como aumento significativo na qualidade de vida da paciente.
RevCEFAC,
Rev CEFAC,São
SãoPaulo,
Paulo,v.8,
v.8,n.1,
n.1,79-83,
71-8, jan-mar,
jan-mar, 2006
2006
80 Mendes LMA, Mendes CG, Rehder MIBC
O LES é uma doença inflamatória crônica que se são de alguns desses sintomas. As técnicas tera-
caracteriza por acometer múltiplos órgãos e apresen- pêuticas de adequação da musculatura perioral e da
tar alterações da resposta imunológica com presen- musculatura supra e infra-hióidea tem se mostrado
ça de auto-anticorpos dirigidos sobretudo contra pro- de grande valia na reabilitação da deglutição 15.
teínas do próprio corpo. As manifestações clínicas O objetivo do presente estudo é relatar a atuação
mais freqüentes são: comprometimento cutâneo, ar- fonoaudiológica em um caso de doença mista do te-
ticular, hematológico, renal, neurológico, cido conjuntivo.
cardiopulmonar, vascular, de linfonodos do sistema
digestivo e ocular 6. ■ MÉTODOS
A PM é uma doença sistêmica, de etiologia des-
conhecida, embora mecanismos imunológicos pare- Trata-se de relato de caso com dados do prontuá-
çam ter um importante papel na sua patogênese. Os rio, avaliação fonoaudiológica e descrição da
achados clínicos mais freqüentes são: fraqueza mus- fonoterapia realizada durante doze meses semanal-
cular progressiva, mialgia, disfagia, diminuição dos mente, e com acompanhamento quinzenal após esse
reflexos profundos e dispnéia 7-8. período.
A ES é doença inflamatória crônica idiopática, que A presente pequisa foi avaliada pelo Comitê de
se caracteriza por dano endotelial microvascular as- Ética e Pesquisa (CEP) do Centro de Especializa-
sociado à produção e deposição excessiva de ção em Fonoaudiologia Clínica (CEFAC), aprovada
colágeno nos tecidos. As manifestações clínicas mais sob o número 101/04, considerada como sendo sem
freqüentes são: disfagia 9-10, fenômeno de Raynaud e risco e com Termo de Consentimento Livre e Escla-
esclerodermia 5-9, que é o comprometimento cutâneo recido.
característico da ES. A pele apresenta-se inflamada
com edema na fase inicial. Os sinais são mais evi- Relato do Caso
dentes na face e nas mãos, e pela manhã. A seguir
aparece a fase fibrótica quando a pele vai se tornan- Paciente, 50 anos, gênero feminino, portadora de
do progressivamente espessada, seca e com perda doença mista do tecido conjuntivo. Foi encaminhada
de elasticidade. Na face, o espessamento cutâneo pelo reumatologista para tratamento fonoaudiológico
leva à perda das rugas de expressão e ao afilamento com queixa de dificuldade para deglutir, engasgos
labial, com redução da abertura oral, conferindo ao freqüentes, tosse pós-deglutição, limitação de aber-
paciente um aspecto característico. A fase atrófica tura oral e sintomas de refluxo.
inicia-se após período variável de anos 5. Os primeiros sintomas de dor muscular, com evo-
Na DMTC pode-se observar comprometimento da lução progressiva, limitaram gradativamente os movi-
musculatura 2-3, da articulação têmporo-mandibular 11 e mentos dos membros superiores e inferiores interfe-
presença de disfagia orofaríngea e esofágica 1-3,12. rindo de maneira importante nas funções de vida diá-
O quadro de disfagia orofaríngea é um dos sinto- ria. A dificuldade de abertura oral conduziu a hipótese
mas que preocupa os profissionais que acompanham diagnóstica de doença auto-imune. O diagnóstico foi
os pacientes e, encontra-se relacionado à ineficiên- confirmado através de exames laboratoriais, clínicos,
cia mastigatória, resultando em uma progressiva difi- videofluoroscopia, tomografia e ecocardiograma. Ini-
culdade na captação, mastigação, formação e ejeção ciou o tratamento médico com quimioterapia (bomba
do bolo alimentar. Ocorre, desta forma, alteração da de contenção) associada à medicação específica.
onda pressórica de ejeção oral, um dos mecanismos O exame videofluoroscópico evidenciou dificulda-
responsáveis pela abertura da transição de no movimento de ejeção do bolo alimentar, provo-
faringoesofágica 13. cando estase em valéculas e recesso piriforme. Evi-
A mastigação pode ser a função estomatognática denciou ainda diminuição da motilidade faríngea.
mais prejudicada quando existe algum tipo de altera- Na avaliação manométrica do esôfago (exame de
ção da articulação têmporo-mandibular, principalmente procedimento simples e seguro que adiciona infor-
associado à patologias inflamatórias 14. mações sobre a função muscular e fisiopatologia dos
Na fase preparatória da deglutição, observa-se que mecanismos da deglutição 16), constatou-se altera-
prejuízos na mastigação relacionados à limitação da ção motora caracterizada por hipotonia e ausência
amplitude dos movimentos e à redução de força de atividade contrátil.
mastigatória interferem significativamente na realiza- Através da tomografia comprovou-se 30% de per-
ção adequada das funções estomatognáticas14. da da capacidade pulmonar por fibrose, ocasionando
Como a redução da abertura oral, o afilamento la- dispnéia durante esforços físicos, tosse, pigarro e
bial, a integridade da fase oral e o sincronismo com incoordenação pneumofonoarticulatória. Foi encami-
as demais fases de deglutição são fatores que inter- nhada para fisioterapia respiratória utilizando
ferem na dinâmica das funções estomatognaticas, a complementação de oxigênio.
intervenção terapêutica visa a estabilização ou remis- De acordo com a anamnese dirigida (utilizou-se
também, questionário de prevalência de sintomas di- de na abertura oral (40mm). Possibilidade de ingestão
gestivos 12), a paciente relatou engasgos durante re- de qualquer alimento e redução dos sintomas diges-
feições com diversos tipos de alimentos. Restrição tivos.
muscular durante a fala e sensibilidade dolorosa na Após estabilização do quadro, manteve-se acom-
face. Dificuldade de abertura oral na preensão de ali- panhamento quinzenal por solicitação médica, visan-
mentos mais volumosos. Sintomas digestivos como do prevenção de seqüelas fibróticas.
regurgitação, pirose, plenitude e estufamento. Essas
queixas foram avaliadas e devidamente consideradas ■ DISCUSSÃO
na orientação de condutas.
Na avaliação fonoaudiológica (protocolo sugerido O tratamento da DMTC deve ser individualizado
por Marchesan 17), constatou-se dificuldade na conforme as manifestações preponderantes em cada
deglutição de líquidos e de alimentos de consistên- paciente. A intervenção deverá ocorrer precocemen-
cia sólida (utilizou-se pão francês e água). Na avalia- te. As orientações terapêuticas pautam-se pelos pro-
ção da mastigação, observou-se acúmulo de resídu- tocolos de tratamento no LES, na PM e na ES 3.
os no vestíbulo superior direito, sugerindo alteração Estão indicados corticosteróides, e
na ação dos músculos bucinadores e da língua. Ao imunossupressores para os casos mais graves 2-3.
deglutir, notava-se escape lateral de líquido, engas- A alimentação é necessária para a sobrevivência.
gos e tosse pós-deglutição. Melhor performance com A capacidade de comer depende, entre outros fato-
alimento pastoso. res, da capacidade de deglutir 20. A deglutição é um
A abertura oral máxima apresentava-se reduzida: fenômeno dinâmico ligado à manutenção da higidez
30 mm (medida com paquímetro 18-19). Sensação do- biológica, que se verifica pela ingestão de nutrientes
lorosa ao tentar a abertura máxima. adequados, absorvidos e incorporados pelo organis-
Apresentava edema facial mais acentuado no lado mo. É dividida didaticamente, segundo a região em
direito da face, ocasionando assimetria. Maior difi- que o fenômeno ocorre, em fases oral, faríngea e
culdade ao realizar movimentos dos órgãos esôfago-gástrica. A fase oral por sua vez ser subdivi-
fonoarticulatórios (OFA) no lado direito (protrusão e dida nos estágios de preparo, qualificação, organiza-
lateralização labial). Sensação dolorosa ao executar ção e ejeção 21.
movimentos do músculo bucinador predominantemen- As estruturas osteomúsculo-articulares, respon-
te lado direito (inflar bochechas). Sem alterações sáveis pela morfofuncionalidade da boca, organizam-
articulatórias significativas. se para a ejeção. Esta se cumpre pelo ajustamento
Iniciou-se a fonoterapia com o objetivo de aumen- das paredes bucais e projeção posterior da língua,
tar a força de ejeção do bolo alimentar durante a gerando pressão propulsiva, conduzindo o bolo e trans-
deglutição para a eliminação de resíduos alimenta- ferindo pressão para a faringe. A integridade
res e dos engasgos; diminuir o edema facial; melho- morfofuncional das estruturas envolvidas na dinâmica
rar a simetria de movimentação dos órgãos de ejeção, influencia na qualidade da mesma 21. A lín-
fonoarticulatórios e aumentar a abertura oral máxi- gua participa de maneira importante na fase oral, atra-
ma. Foram realizadas ainda, orientações relativas aos vés de seus músculos intrínsecos e extrínsecos, no
sintomas digestivos. transporte do bolo alimentar em direção à faringe 15. A
Como a absorção e o fluxo linfático são influencia- força propulsiva indispensável na condução do alimen-
dos pela compressão externa dos tecidos, massagens to é gerada na cavidade oral 21.
orofaciais foram utilizadas com o objetivo de prepar a A disfagia e suas conseqüências foram
musculatura para o trabalho miofuncional. Os exercí- pesquisadas por diferentes profissionais com o
cios miofuncionais visavam a adequação da muscula- objetivo de melhorar o processo terapêutico e a qua-
tura quanto à mobilidade e funcionalidade dos OFA. A lidade de vida daqueles que sofrem de dificuldade de
disfagia foi trabalhada através de manobras para deglutição 20. Número significativo de doenças está
deglutição que promovessem mobilidade e elevação associado a distúrbios da deglutição como parte
da laringe como os procedimentos de deglutição super- de seu quadro clínico 21. Foi observada presença
supra glótica, deglutição de esforço e manobra de superior a 50% de disfagia orofaríngea e esofágica
Mendelsohn. As orientações a respeito da dieta inclu- em pacientes portadores de doenças do tecido con-
íam modificações alimentares quanto à consistência, juntivo 12. As alterações da motilidade esofágica
volume e freqüência. Foram abordadas: medidas anti- favorecem uma disfagia motora e refluxo gastro-
refluxo para sintomatologia esofagiana 2, estratégias esofágico 22. Vários trabalhos reconhecem que o
de alimentação e manobras posturais de cabeça, com trato gastrointestinal pode ser extensamente
o objetivo de promover deglutição segura 13. afetado na DMTC 12.
Pós-fonoterapia constatou-se deglutição normal A videofluoroscopia tem sido considerada como
nas fases oral e faríngea, não ocorrência de engas- o melhor método para avaliação da deglutição 21.
gos, eliminação de resíduos alimentares, normalida- No presente caso, esse exame constatou altera-
ções nas fases oral, faríngea e esofágica. Notou- agravamento da doença 10. Orientações sobre hábi-
se dificuldade significativa no movimento de ejeção tos de alimentação e mastigação são iniciativas que
do bolo alimentar. contribuem nas condições de sobrevida e maior qua-
Durante o ato mastigatório, contraem-se lidade de vida 20.
coordenadamente vários grupos musculares, entre Achados radiológicos da articulação têmporo-
eles os mastigatórios, os músculos da língua, e os mandibular em estudos de pacientes com doenças
faciais, especialmente os bucinadores e orbiculares reumáticas, apontam alterações significativas, inclu-
dos lábios 23. A ineficiência do músculo bucinador e a indo restrição da abertura oral máxima 11.
alteração da tonicidade da língua dificultam a O sintoma de limitação da abertura oral durante as
lateralização do alimento. As partículas que restam refeições foi significativo para o correto diagnóstico da
na cavidade oral não são recolhidas e ocasionam doença. Os exercícios específicos do acompanhamen-
acúmulo de resíduos 24. to fonoaudiológico possibilitaram aumento e manuten-
O trabalho miofuncional pode contribuir para ade- ção da abertura oral máxima atingindo a normalidade.
quação da mobilidade, sensibilidade e tonicidade das Observou-se melhora em todos os aspectos tra-
estruturas musculares que influenciam na organiza- balhados, principalmente quanto à eficiência da
ção e contenção do bolo dentro da cavidade oral, bem deglutição. Isso foi comprovado no segundo exame
como na eficiência da ejeção oral. O exercício me- de videofluoroscopia onde se constatou deglutição
lhora a força muscular, permitindo manter a amplitu- normal nas fases oral e faríngea.
de dos movimentos e reduzindo a incapacidade 25.
Os sintomas de distúrbio de deglutição como: di- ■ CONCLUSÃO
ficuldade em iniciar a deglutição e tosse durante ou
após a deglutição, podem levar os pacientes à qua- A atuação fonoaudiológica terapêutica a um indi-
dros de complicações se não forem reconhecidos e víduo portador de doença mista do tecido conjuntivo
tratados 16. contribuiu para proporcionar normalidade na fala, na
Técnicas e estratégias terapêuticas são aplica- deglutição, na abertura oral máxima, na dieta alimen-
das procurando desenvolver mecanismos de adapta- tar, ocasionando aumento significativo na qualidade
ção ou compensação com o objetivo de promover uma de vida da paciente. O acompanhamento
deglutição segura 13. As orientações sobre dieta vi- fonoaudiológico contribuiu ainda para evitar maiores
sam a prevenção do acometimento esofágico, pois o seqüelas fibróticas da doença.
freqüente refluxo gastro-esofágico contribui para o
ABSTRACT
Purpose: to report the influence of speech language therapy in a case involving mixed conjunctive tissue
disease. Methods: a case report of a 50-year-old female patient suffering from mixed conjunctive tissue
disease. The patient was directed to speech therapy department as she presented problems with swal-
lowing, which were characterized by chokes and important restriction of oral opening. Description through
assessment data and speech therapy. Results: the functional assessment of swallowing showed a
problem with the swallowing of both liquids and solids, alteration in the movement of the tongue and
cheeks, accumulation of residues in the vestibule, chokes and cough after swallowing. Muscular restric-
tion to movements of the phonoarticulatory organs during speech, painful face, and restriction to oral
opening. Problems when swallowing certain foods and symptoms of gastroesophagic reflux were de-
tected by questions related to feeding habit. With a miofunctional approach, the therapy aimed at improv-
ing muscle tension by means of exercises and orofacial manipulations. Specific maneuvers were used to
treat dysphagia, thus promoting mobility and the elevation of the larynx. Guidance on feeding habits and
posture. After the speech therapy deglutition was normal both in the mouth and pharynx phases, there
were significant improvement of feeding habits, and both mouth opening and speech were normal. Fort-
nightly follow-up was established to avoid fiber sequela. Conclusion: speech language therapy was
effective, contributing to provided normal speech ability, swallowing, feeding and oral opening, as well as
a significant improvement in the patient’s quality of life.
KEYWORDS: Speech, Language and Hearing Sciences; Mixed Conjunctive Tissue Disease; Degluti-
tion / rehabilitation