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CAPÍTULO 5

OTITE MÉDIA AGUDA COM EVOLUÇÃO


PARA MASTOIDITE: UM RELATO DE CASO

KERLLY ANTOUN EL KHOURI¹


ERIC AKIO HIRAGA2
MIGUEL FARET ALMEIDA OLIVEIRA2
ANDRESSA MENDES BORELLI3
MARINA PIRES FERREIRA DA SILVA3
ISABELA SANTOS NOIVO3
CAMILLA GOMES DA SILVA LACERDA4
RAFAEL VICTOR DOS SANTOS BATISTA5
1. Discente – Medicina da Universidade Nove de Julho - UNINOVE.
2. Discente – Medicina da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná - FEMPAR.
3. Discente – Medicina da Universidade de Rio Verde - UniRV Campus Rio Verde.
4. Discente – Medicina da Universidade Iguaçu - Campus V.
5. Discente – Medicina do Centro Universitário Atenas - UniAtenas.

PALAVRAS-CHAVE
Otite média; Complicações de otites; Mastoidite aguda.
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10.29327/566593.1-5
INTRODUÇÃO sigmoide. As complicações intracranianas são
A otite média aguda (OMA) é motivo consideradas as mais graves.
frequente de consulta médica. Sua prevalência A meningite é considerada a complicação
pode variar de 1% a 46% dependendo da classe intracraniana mais comum. Nesses casos
social ou do grupo estudado. Anualmente, observa-se a disseminação através de erosão
ocorrem cerca de 709 milhões de episódios de óssea, ou pelas janelas ou por flebite retrógrada.
OMA no mundo, sendo que a metade desses A complicação intratemporal mais comum é a
episódios acomete crianças menores de 5 anos MA. A mastoidite ocorre devido a um processo
de idade. Até os 3 anos de idade, 80% das congestivo da mucosa que forra o antro
crianças têm, pelo menos, um episódio de OMA mastóideo (principal célula mastóidea, que se
(VERGISON et al., 2010). comunica anteriormente com a caixa do
Apesar da evolução dos antibióticos e das tímpano) e as demais células mastóideas.
técnicas cirúrgicas, as otites médias agudas e Dessa forma, o presente estudo visa relatar
crônicas, quando não adequadamente diagnos- um caso clínico de uma paciente com
ticadas e tratadas, podem levar a complicações e complicação de OMA atendida na unidade
mesmo risco de vida (PIRANA, 2017). básica de saúde (UBS) de Alto Caparaó-MG, no
Estima-se que 85% de todas as crianças ano de 2020, através da revisão dos prontuários,
experimentam pelo menos um episódio de otite que foram analisados e discutidos com base na
média, sendo a infecção bacteriana mais comum literatura atual sobre o quadro de OMA com
da infância. Os fatores predisponentes incluem evolução para mastoidite.
idade baixa, sexo masculino, uso de mamadeira,
exposição à ambiente de creche, moradias MÉTODO
superlotadas, exposição ao fumo dentro do O presente estudo consiste em uma revisão
domicílio, condições médicas, como fenda sistemática, de caráter descritivo. Para tanto, foi
palatina e síndrome de Down, dentre outros necessária a utilização de metadados e
(ZALZAL, 2020). ferramentas de pesquisa disponibilizadas na rede
As complicações do processo infeccioso na de informações via internet nos indexadores
orelha média se devem basicamente a extensão ScienceDirect, Plataforma Sucupira, Capes
desta infecção para outras regiões do osso Teses e Dissertações e Pubmed, bem como em
temporal (mastoide, região petrosa) e crânio livros científicos recentes da área relativa ao
(meninges, espaços meníngeos, parênquima) tema. Foram utilizados os descritores “otite
por contiguidade e, menos frequentemente, por média”, “complicações de otites” e “mastoidite
via hematogênica (PENIDO et al., 2016). Tanto aguda”. Desta busca foram recuperados 20
as OMA quanto as otites médias crônicas artigos, posteriormente submetidos aos critérios
(OMC) podem levar a complicações, que podem de seleção. Assim, foram selecionados para a
ser intratemporais, como tromboflebite, mas- revisão apenas sete trabalhos.
toidite aguda (MA), abscesso subperiosteal, Os critérios de inclusão foram: artigos nos
mastoidite de Bezold, mastoidite crônica, idiomas português, inglês, espanhol e francês,
labirintite e paralisia do nervo facial, ou publicados no período de 2001 a 2022 e que
intracranianas, como abscessos extra e abordavam as temáticas propostas para esta
subdurais, cerebrais e cerebelares, hidrocefalia pesquisa, estudos do tipo (revisão, meta-análise)
otogênica, meningite e trombose do seio e disponibilizados na íntegra. Ademais, não
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houve critérios de exclusão durante a pesquisa semanas. As alternativas são a vancomicina ou a
de dados. Após a coleta de dados, os materiais linezolida.
foram lidos e selecionados de acordo com a Realizou mastoidectomia simples, em que o
pertinência e similaridade ao assunto abordado. abscesso é drenado.

DESCRIÇÃO DO CASO RESULTADOS E DISCUSSÃO


L.C.S, feminina, 3 anos, natural e residente A OMA possui alta prevalência, prin-
de Alto Caparaó-MG. Comparece à UBS trazida cipalmente na parcela de baixo-nível
pela mãe com queixa de dor no ouvido. socioeconômico e aglomerados conferem maior
HDA: Mãe refere que desde 2 anos a criança risco de infecção e de incidência de compli-
apresenta um incômodo no ouvido, mas nunca cações. Uma educação em saúde inadequada e
procurou um especialista para avaliação, sempre acesso limitado a cuidados médicos contribuem
medicava por conta própria com dipirona. Relata para o risco elevado de complicações (SILVA et
que há cinco dias a criança vem apresentando al., 2021). A maioria dos relatórios atuais de
alteração do sono, do apetite, febre (38,5°C) e abscessos cerebrais otogênico vêm de países
edema na região auricular posterior. Nega subdesenvolvidos (PIRANA, 2017). Os pre-
trauma regional e picadas de insetos. cários hábitos de higiene e condições de vida
HPP: Criança nascida de parto normal, 39 associadas à dificuldade no acesso aos serviços
semanas. Não trouxe o cartão vacinal. Nega de saúde são fatores que favorecem a cro-
doenças prévias, internações anteriores, cirur- nificação do processo infeccioso nesses paci-
gias e alergias. entes (CHAVES, 1999).
Hábitos de vida: Reside em zona rural, A paciente do caso em questão, oriunda da
moram seis pessoas na casa. Possui cachorro, zona rural, apresentava história de surtos de
gato. Nega alergias. otalgia por meses. O longo período de evolução,
Exame físico: criança irritada, anictérica, associado à falta de tratamento médico
acianótica, febril (39°C), corada, hidratada. adequado, levou às complicações decorrentes da
ACV: bulhas rítmicas normofonéticas em disseminação do processo infeccioso para
2T, sem sopros. estruturas extracranianas.
FC: 120bpm. A conduta adotada na paciente vai de acordo
AR: MV sem RA, FR 54 irpm. com o que é recomendado na literatura,
Abdome: globoso, flácido, simétrico, RHA consistindo em uso de antibióticos, drenagem do
+, indolor à palpação. abscesso e eliminação do foco infeccioso do
Otoscopia: presença de secreção purulenta ouvido médio. A realização da drenagem cirúr-
em ambos os ouvidos, canal auditivo externo gica da mastoide associada à antibioticoterapia
hiperemiado, com otalgia significativa. adequada causou importante melhora do quadro
Apresenta sinais inflamatórios retroauricu- clínico da paciente, com regressão gradual da
lares. dor.
Rinoscopia e oroscopia sem alterações. A infecção aguda do ouvido médio é uma
Conduta: Antibioticoterapia IV (ceftriaxona condição frequente na prática médica. A
1 a 2 g) uma vez ao dia, mantida por ≥ 2 cronificação desse processo infeccioso pode tra-

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zer várias complicações ao paciente, dade considerável para o diagnóstico de MA e
principalmente nas duas primeiras décadas de pode predizer a eventual necessidade de cirurgia
vida, além de uma diminuição de sua qualidade (LIN et al., 2010). O diagnóstico é
de vida, justificando-se, assim, a importância do eminentemente clínico e pode ser complemen-
tratamento dessa condição, de maneira precoce tado com uma tomografia computadorizada
e adequada (PENIDO et al., 2016). (TC), na qual é visualizado o velamento do
A perda auditiva em decorrência de OM é mastoide (NASCIMENTO, 2016).
uma complicação que configura um problema O tratamento é individualizado de acordo
mundial de saúde pública. Dados disponíveis na com a evolução do paciente, variando desde
literatura confirmam uma prevalência significa- antibioticoterapia associada à miringotomia
tivamente alta de perda auditiva e de surdez em ampla até procedimentos cirúrgicos mais radi-
casos de OMC (PENIDO et al., 2016). Depois cais, como a mastoidectomia nos casos asso-
de ocorrida alguma complicação, torna-se ciados à colesteatoma (MIURA et al., 2005).
necessária uma abordagem multidisciplinar para As técnicas de mastoidectomia podem ser
que a recuperação do paciente seja maximizada. divididas em fechadas ou abertas dependendo da
A MA está entre as mais graves compli- permanência ou retirada da parede posterior do
cações intratemporal da OMA (NASCIMENTO, conduto auditivo externo, respectivamente.
2016). A mastoidite ocorre devido a um As vantagens das técnicas fechadas incluem
processo congestivo da mucosa que forra o antro melhor resultado audiométrico e recuperação
mastóideo (principal célula mastóidea, que se mais rápida, porém estão associadas com maior
comunica anteriormente com a caixa do incidência de colesteatoma recorrente ou
tímpano) e as demais células mastóideas. O residual oculto. Já as técnicas abertas possuem
edema inflamatório da mucosa associada à recorrência rara e permitem visualização de
disposição anatômica dessa estrutura favorece a colesteatoma residual (SILVA et al., 2021).
obstrução parcial ou total dos orifícios celulares, Entretanto, as técnicas abertas são as que
com retenção purulenta, aumento da tensão possuem maior quantidade de complicações
intracelular do exsudato e subsequente insta- pós-operatórias devido à presença de uma
lação de processo de osteíte (MOREIRA, 2013). cavidade ampla, além de exigir limpeza a cada
A incidência dessa complicação, por ser a seis ou doze meses. A mastoidectomia aberta é a
mais comum, teve uma redução significativa melhor opção nos casos em que se objetiva
depois dos anos 1980, após a introdução da erradicação do colesteatoma da orelha média,
antibioticoterapia, porém, recentemente, obser- colesteatomas extensos, infiltrativos ou muito
va-se aumento da incidência devido à destrutivos ou quando existe a presença de
antibioticoterapia inadequada (COSTA et al., complicações intracranianas importantes, entre
2017). outras indicações (MIURA et al., 2005).
A apresentação clínica mais frequente da
MA (em cerca de 80% dos casos) cursa com CONCLUSÃO
sinais inflamatórios retroauriculares: edema, Frente ao diagnóstico de OMA, o médico
hiperémia, dor e otorreia, sendo mais frequentes deve estar atento à ocorrência de complicações
abaixo dos 2 anos de idade (PALMA et al., decorrentes da extensão do processo infecto-
2007). A febre como sintoma tem uma sensibili- inflamatório para estruturas contíguas. Apesar

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da frequência de tais condições ter se reduzido terapêuticos disponíveis na prática clínica, como
pelo uso de antibióticos, elas ainda trazem os exames complementares que são de grande
considerável morbimortalidade aos pacientes, importância no diagnóstico das complicações
principalmente àqueles com baixas condições extracranianas da OMA, possibilitando, dessa
socioeconômicas e acesso restrito aos serviços maneira, uma intervenção precoce e imediata
de saúde, como a paciente do caso em questão. com significativa melhora do prognóstico do
É crucial a realização de anamnese e exame paciente.
físico adequados e associados ao uso de recursos

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAVES, V.F.C. Otite média: diagnóstico PALMA, S. et al. Acute mastoiditis in children: the
diferencial entre os tipos de otite média “Ferrara” experience. International Journal of Pediatric
[monografia]. Goiânia: Centro de Especialização em Otorhinolaryngology, v. 71, p. 1663, 2007.
Fonoaudiologia Clínica, 1999.
PENIDO, N.O. et al. Complications of otitis media: a
COSTA, S.S. et al. Otorrinolaringologia: princípios e potentially lethal problem still present. Brazilian Journal
prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. of Otorhinolaryngology, v. 82, p. 253, 2016.
LIN, H. et al. Clinical strategies for the management of PIRANA, S. Relato de 3 casos de complicações de otite
acute mastoiditis in the pediatric population. Clinical média aguda. Revista Médica de Minas Gerais, v. 28, e-
Pediatrics, v. 49, p. 110, 2010. 1944, 2017.
MIURA, M.S. et al. Complicações intracranianas das SILVA, V.A.R., et al. Complicações da otite média aguda
otites médias crônicas supurativas em crianças. e da otomastoidite coalescente aguda. In: ASSOCIAÇÃO
Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, v. 71, 2005. BRASILEIRA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E
MOREIRA, P.A.A. Otite média crônica com evolução CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL. Programa de
para mastoidite, meningite e abscesso encefálico: relato de atualização em otorrinolaringologia: ciclo 15. Porto
caso [tese]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, Alegre: Artmed Panamericana, 2021.
2013. VERGISON, A. et al. Otitis media and its consequences:
NASCIMENTO, R.M. Otite média aguda e suas beyond the earache. The Lancet Infectious Diseases, v. 10,
complicações [tese]. Lisboa: Faculdade de Medicina da p. 195, 2010.
Universidade de Lisboa, 2016. ZALZAL, G. Complicações da otite média aguda. In:
SIH, T., coordenadora. V manual de
otorrinolaringologia pediátrica da IAPO. São Paulo:
IAPO, 2020.

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