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REVISTA MOÇAMBICANA DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO - PsiEdu DEZEMBRO DE 2020, VOL. 1, Nº 2


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Estatuto Editorial

A Revista Moçambicana de Psicologia e Educação – PSIEDU – é difundida via electrónica e


impressa pela Editora Educar da Universidade Pedagógica. Tem como objectivo publicar e
divulgar artigos e comunicações de cunho científico, de autoria nacional e estrangeira, nas áreas
de Psicologia e de Educação. Para a publicação dos referidos artigos e comunicações, incluindo
relatórios de investigação, artigos de revisão e apresentação crítica de livros, passam por um
processo de avaliação editorial.

Conselho Científico

Adelina Guisande (Universidade de Santiago de Compostela, Espanha); Adelinda Candeias


(Universidade de Évora, Portugal); Adriano Fanissela Niquice (Universidade Pedagógica,
Moçambique); António Roazzi (Universidade Federal do Pernambuco, Brasil); Alexandra
Araújo (Universidade do Minho, Portugal); Aristides Ferreira (Instituto Superior de Ciência
e Tecnologia, Portugal); Camilo Ibraimo Ussene (Universidade Pedagógica, Moçambique);
Cristina Joly (Universidade de São Francisco, Brasil); Daniel Daniel Nivagara (Universidade
Pedagógica, Moçambique); Delfim de Deus Mombe (Universidade Pedagógica,
Moçambique); Félix Mulhanga (Universidade Pedagógica, Moçambique); Geraldo Teodoro
Mate (Universidade Pedagógica, Moçambique); Hildizina N. Dias (Universidade Pedagógica,
Moçambique); Jaime Alípio (Universidade Pedagógica, Moçambique); José Carlos Nuñez
(Universidade de Oviedo, Espanha); José Morgado (Universidade do Minho, Portugal); José
P. Castiano (Universidade Pedagógica, Moçambique); Leandro S. Almeida (Universidade do
Minho, Portugal); Manuel José de Morais (Universidade Pedagógica, Moçambique); Manuel
Loureiro (Universidade da Beira-Interior, Portugal); Maria Emília Costa (Universidade do
Porto, Portugal); Pedro Rosário (Universidade do Minho, Portugal); Sérgio Terreiro de
Magalhães (Universidade Católica Portuguesa-Faculdade de ciências Sociais/Braga, Portugal);
Stela Duarte (Universidade Pedagógica, Moçambique); Terezinha Rios (Universidade de São
Paulo, Brasil)

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Preço e Assinatura
Venda
avulso…………………………………………………………………………………200.00mt
Assinatura anual ............………………………………………………250.00mt /inclui o IVA
Revista electrónica numa primeira fase

Sede da Redacção

Revista Moçambicana de Psicologia e Educação – PSIEDU: Faculdade de Educação e


Psicologia
Avenida de Moçambique, Campus de Lhanguene, caixa Postal 4040,
Maputo - Moçambique
Telefone: 21431309, Fax 21431309
Email: psiedu.fep@gmail.com

Propriedade e editor
Faculdade de Educação e Psicologia
Universidade Pedagógica de Maputo, Moçambique

Directora
Bendita Donaciano Lopes (Universidade Pedagógica de Maputo, Moçambique)

Editor
Eduardo Humbane (Universidade Pedagógica de Maputo, Moçambique)

Directores Adjuntos
Adriano Fanissela Niquice (Universidade Pedagógica de Maputo, Moçambique), Daniel
Daniel Nivagara (Universidade Pedagógica de Maputo, Moçambique), Leandro S. Almeida
(Universidade do Minho, Portugal), Manuel J. de Morais (UniSave, Moçambique), Sérgio
Terreiro de Magalhães (Universidade Católica Portuguesa-FACIS/Braga, Portugal)
3

Conselho Editorial

Argentil Omar do Amaral (UniLicungo, Moçambique); Eduardo Humbane (Universidade


Pedagógica de Maputo, Moçambique); Filomena Ponte (Universidade Católica Portuguesa-
FACIS/Braga, Portugal); Jaime da Costa Alípio (Universidade Pedagógica de Maputo,
Moçambique); José Flores (Universidade Pedagógica de Maputo, Moçambique); Sónia Cruz
(Universidade Católica Portuguesa-FACIS/Braga, Portugal); Maria Luísa Chicote
(UniRovuma, Moçambique); Benedito Sapane (Universidade Pedagógica de Maputo,
Moçambique); Vilza Norberto Cassamo (Universidade Pedagógica de Maputo,
Moçambique);

Grafismo
Diovargildio Chaúque

E-mail: psiedu.fep@gmail.com
Página na Internet: www.up.ac.mz
Depósito legal: 66.9999
DISP.REGº/GABINFO-DEC/2013

Apoio:

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Índice Pág.

Editorial …………………………………………………………………...……………………..……..6

1. Aprendizagem em tempo de COVID – 19: Sacrifício ou exclusão dos alunos das EPC’s
de Mepaula e Mitange no distrito da Maganja da Costa
Jovenil P. Custelo …….………………………………...…………………….………..8

2. Considerações do Modelo Bioecológico de Urie Bronfenbrenner para Análise das


Implicações da COVID-19 na inclusão social
Adilson Muthambe……..……………………………………..………….…….............21

3. A Cidadania no ensino: Um instrumento de participação do estudante na vida pública


no Pós Covid – 19
Amílcar Ernesto Chambe, Ana Luísa Veloso, Adriano Fanicela ..………..….…….….32

4. Implementação de estágios profissionalizantes no período de COVD-19: uma


experiência dos cursos de Licenciatura em ensino Básico e em Ciências Ambientais
Ana Paula Luciano Alichi Camuendo, Elídio Eugénio David Naene Madivádua …......88

5. Efeitos da Covid-19 no processo de ensino-aprendizagem. Que metodologias a serem


adoptadas. Estudo de caso da Escola Secundária Sansão Mutemba - cidade da Beira.
Manuela Remígio Manuel Pery, Marlene Vanessa Marques Jamal, Nelson Castiano,
Chigande Moda………………………...………..………………………..……….....104

6. MULTIVERSIDADE: a obsolescência do perfil da universidade


Pedro H. Massinga Jr. ………………………………………………………...…………115

7. Ensino Superior em Moçambique Durante a COVID – 19: Uma avaliação do percurso


das aulas baseada em experiências dos estudantes
Pércio António Chitata, Domingos Arcanjo António Nhampinga …………….…….129

8. A qualidade de ensino em tempos de crise do COVID -19: um olhar sobre o ensino


básico.
Eduardo Rodolfo Menete ……………………………………………………………146

9. Material instrucional adaptados ao Ensino à Distância (EaD) em tempos de COVID-19:


estudo de caso no Instituto de Educação à Distância (IED) da Universidade Católica de
Moçambique
Alberto Francisco Malequeta, Manuela Remígio Manuel Pery, Orlando Henriques
5

Machambisso…………………………………………………………………………………162

10. Prática docente: estratégias de ensino-aprendizagem dos alunos em classes iniciais nas
escolas públicas em Moçambique
Silva Jacob Alage…………..…………………………………..………………….…177

11. Pandemia digital: reflexão em torno do impacto do uso das plataformas de


aprendizagem na Universidade Púnguè em tempos de COVID-19
Juma Manuel, Álvaro Zacarias & Albano Munacachuma Pedro .………………..…192

12. Pandemia do COVID-19: reflectindo sobre o Estágio Pedagógico na preparação de


professores da educação básica na Universidade Pedagógica de Maputo
Bonifácio Obadias Langa, Chadreque Alexandre Guambe
Júlio Emílio Diniz-Pereira …………………………………………………………………..202

13. Aprendizagem Significativa em Tempos de Pandemia do COVID-19


Fernando Alberto Mucauque, Silvano Maximiano Chaguala,
Anibal Soquiço Júnior …………............................................................................…219

14. Perseguir a utopia, mesmo com a pandemia!


Eduardo Humbane …………………….……………………......……………..….…229

15. Medidas Políticas de Continuação das Aulas depois do Encerramento das Escolas por
COVID-19 em Moçambique
Orlando Daniel Chemane …………………………………………………….…..…243

16. Desafios do Processo de Ensino e Aprendizagem no Ensino Superior em tempo de


COVID-19: Uma Abordagem Teórica
Bendita Donaciano Lopes, Francisco Ernesto Francisco ………....………..…...…..260

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Editorial

A pandemia de COVID-19 grassa sobre o mundo global. Ela infectou a escala planetária cerca
de 65 milhões de pessoas e originou a morte de um milhão e quinhentas mil pessoas. Como se
percebe, trata-se de uma doença grave, com impactos devastadores na saúde das pessoas, no
funcionamento das instituições públicas, no sector produtivo, na segurança dos países, etc.

Moçambique, tal como os outros países, como forma de travar o crescente alastramento da
doença teve tomar medidas drásticas, entre as quais a limitação de direitos fundamentais dos
cidadãos, mormente a restrição de seus movimentos, a suspensão das aulas em todo o sistema
nacional de educação, a instauração de serviços mínimos em instituições públicas e privadas, a
interdição de aglomerações em eventos religiosos, de entre entendimento, entre outros.

Entretanto, por mais paradoxal que pareça, os tempos de crise sempre abrem boas
possibilidades de reflexão. Por isso, o cenário trazido pela pandemia do Covid-19, pelo mundo
fora, tem suscitado reflexões mais diversas, por exemplo sobre as questões fundamentais do ser
humano, como o sentido da vida, a sua finitude, o seu destino, entre outras. Têm sido
questionadas as conquistas da humanidade nos domínios tecnológicos, político e ético. O
Covid-19, realmente, abriu antigos e contemporâneos debates sobre a globalização, a
solidariedade, a cooperação, o neoliberalismo, etc.

A PsiEdu, revista que se propõe contribuir na construção de um ambiente de partilha de


resultados de pesquisa e de debate científico, com foco para as áreas de educação e psicologia,
não poderia de forma alguma se alhear aos debates sobre a problemática da Covid-19 na sua
interface com a psicologia e a educação. Assim, nesta edição, presenteamos aos nossos leitores
com quase duas dezenas de artigos e relatos de experiencias, de professores universitários,
assistentes universitários e estudantes, das mais variadas formações e tradições académicas.

Trata-se, portanto, de uma edição temática, que tem a pandemia da Covid-19 em pano de fundo.
Ira encontrar aqui, estimado leitor, textos com pendor mais reflexivo ou teórico, outros
suportados por pesquisa empírica ou de campo e outros ainda que descrevem experiencias.
Igualmente, os trabalhos estão enquadrados numa rica variedade de eixos, desde aqueles virados
para questões de planificação curricular e/ou pedagógica, da qualidade de ensino, do uso de
tecnologias educativas, da viabilidade de realização estágios e práticas pedagógicas e da
7

aprendizagem dos grupos vulneráveis. As crises vem e vão, o importante é aprendermos com
elas para que em próximas crises, que certamente virão, estejamos melhor preparados para lhes
fazer frente. Boa leitura!
Eduardo Humbane
(Editor)

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Aprendizagem em tempo de COVID – 19: Sacrifício ou exclusão dos alunos das EPC’s
de Mepaula e Mitange no distrito da Maganja da Costa?

Jovenil P. Custelo1

Resumo

O artigo analisa a aprendizagem em tempo de COVID – 19: sacrifício ou exclusão dos alunos
das EPCs de Mepaula e Mitange no distrito da Maganja da Costa? Para a materialização desta
análise foi necessário usar a pesquisa qualitativa assegurada pela entrevista dos professores,
pais e encarregados de educação, e por fim os alunos das escolas em alusão. Nesta pesquisa
apuramos que o ensino através de programas televisivos como, tele - escola, e aquisição de
fichas de exercícios nas escolas não ajuda para as famílias vulneráveis, pois falta lhes condições
financeiras e materiais para assegurar o processo, dai que este modelo didáctico – pedagógico
cria exclusão dos alunos das escolas primarias e completas de Mepaula e Mitange e consequente
sacrifício aos pais que lutam dia pós dia para ver os seus filhos a aprender através de modelos
adoptados para o ensino no período da COVID-19 em Moçambique.
Palavras – Chave: Aprendizagem, COVID-19, Maganja da Costa.

Abstract

The article analyzes COVID - 19 time learning: sacrifice or exclusion of students from Mepaula
and Mitange EPCs in the district of Maganja da Costa? For the materialization of this analysis
it was necessary to use the qualitative research assured with the interview to the teachers,
parents and guardians of the schools in reference and finally to the students. In this research,
we found that teaching via exercise sheets, tele-school does not work for vulnerable families,
as they lack the financial and material conditions to ensure the process, which is why this
didactic - pedagogical model creates exclusion for primary and complete school students.
Mepaula and Mitange and consequent sacrifice to parents who struggle day after day to see
their children learn the subjects taught via the teaching models adopted during the COVID-19
period in Mozambique.

Keywords: Learning, COVID-19, Maganja da Costa.

1
Mestre em Sociologia do Desenvolvimento pela Universidade Rovuma, Pós -graduado em Administração Pública
pela UCM. Docente da Academia Militar “Marechal Samora Machel”.
9

Introdução

O artigo intitulado “aprendizagem em tempo de COVID – 19: sacrifício ou exclusão dos alunos
das EPCs de Mepaula e Mitange no distrito da Maganja da Costa”, pretende trazer uma
discussão sobre como as classes vulneráveis estão seguindo as novas modalidades de ensino
adoptadas pelo Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano, logo após a COVID –19
assolar o território moçambicano.

Diante deste objectivo, teremos como aspectos epistemologicamente peculiares na abordagem


sobre a aprendizagem em tempo de COVID – 19, os seguintes:

i) Compreender os mecanismos adoptados para aprendizagem em tempo de COVID -


19 nas famílias vulneráveis;
ii) Analisar os procedimentos de aprendizagens adoptadas pelo MEDH face ao estado
de emergência em Moçambique;
iii) Sugerir mecanismos prováveis que sejam do alcance de todos para aprendizagem no
período da COVID-19.

Como é do conhecimento de todos, desde que a COVID-19 começou a se ressentir em


Moçambique, tomou – se medidas ao nível central, segundos as quais todas as escolas deveriam
fechar, ou seja paralisar as aulas, pois o contacto de aglomerados populacionais poderia causar
mais infecções à população, daí a paralisação das aulas.

Portanto, paralisar as aulas não foi a medida estática para a aprendizagem durante a COVID -
19, mas que o processo de ensino aprendizagem seria neste contexto assegurados através de
programas de telescola, emissão de fichas de exercícios, como forma de manter o decurso
normal das aulas. Estas fichas são levantadas pelos pais 3 (três) encarregados de educação.

Segundo a porta – voz2 do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, referiu que o


sector, em parceria com a televisão de Moçambique, vai usar o programa tele – escola, um

2
Gina Guibunda, durante a entrevista, foi mais longe ao dizer que, durante o período de suspensão das aulas, os
alunos devem continuar em processo de ensino e aprendizagem. O sector neste momento esta a elaborar manuais
que tem objectivo de reforçar aprendizagem e prevenir as medidas da Corona vírus na comunidade académica
(Rádio Moçambique, 25 de Março 2020, 18:34)

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espaço virtual para que as crianças continuem a receber aulas (Rádio Moçambique, 25 de Março
de 2020).

Mas no entanto, para a obtenção destas fichas os pais de encarregados de educação para ter
acesso as estas fichas devem possuir no mínimo 150.00mt (cento e cinquenta meticais), ou seja
as fichas são fornecidas á aqueles que possuir capacidades de reproduzir a partir de cópias.

O distrito de Maganja da Costa, é um daqueles distritos que, o nível de desenvolvimento é dos


baixos3 onde o poder de aquisição destas fichas pode custar muito sacrifício, pois a população
na sua maioria vivem de agricultura de subsistência e comercialização de cereais agrícolas,
facto que possa lhes impedir a continuidade da aprendizagem dos seus filhos segundo as
modalidades projectadas para o ensino em Moçambique. Ademais, as escolas de Mepaula,
Mitange, estão situadas na periferia da vila, onde a rede da corrente eléctrica 4 não se beneficiam,
deixando claro que, tanto a telescola, assim como as fichas podem ser de difícil acesso,
significando exclusão das crianças no processo de ensino e aprendizagem durante a COVID-
19.

Embora que a COVID-19 seja uma pandemia que surpreendeu a todas nações, pois não houve
preparação exequível para tal, as medidas segundo as quais tomadas pelo MEDH para o
processo de ensino e aprendizagem, podem não ajudar a população da periferia, com baixa
renda económica. Portanto diante deste cenário, o autor deste artigo, pretende discutir possíveis
alternativas de aprendizagem no período da COVID-19, partindo da seguinte indagação: As
modalidades de ensino - aprendizagem adoptadas pelo Ministério de Educação e
Desenvolvimento Humano em tempo de COVID – 19 não serão como forma de exclusão dos
alunos das EPC’s de Mepaula e Mitange, e consequente sacrifício?

Conheço as fragilidades económicas do distrito da Maganja da Costa não pelo manuscrito do


governo, mas sim porque sou filho e natural daquele povoado que no tempo colonial foi tido
como República Militar. Daí que a vontade de poder compreender o cenário actual de
aprendizagem baseada nas fichas de exercícios e telescola, não surgiu do nada.

3
Tal como no resto do país e da província, a maior parte desta população (91,9 %) dedica-se a actividades do
sector primário, nomeadamente agricultura, silvicultura e pesca (MCAA, 2012)

4
Contudo, apenas 0,9% dos agregados familiares deste distrito beneficiam directamente desta fonte de energia. O
baixo número de agregados familiares a beneficiarem de energia eléctrica é também observado na província e a
nível nacional, visto que apenas 3,6% e 10,1% dos agregados familiares beneficiam deste recurso (MCAA, 2012)
11

Outrossim, discussão de natureza similar tem dominado vários campos académicos, sobretudo,
se as medidas de aprendizagem adoptadas ajudariam a população moçambicana, e quiçá aquela
que está na base da vulnerabilidade.

Discutir e trazer possíveis soluções, que possam colocar no equilíbrio de aprendizagem da


população moçambicana em tempos de crise pode ajudar a discussão holística e honesta da
adopção de modelos de aprendizagem em tempo da COVID -19.

Estruturalmente o artigo vai fazer abordagem teórica do processo de aprendizagem, trazendo


visões de outros autores que se dedicam no estudo de modelos de aprendizagem em sociedade
vulneráveis. Em diante vamos trazer o quadro metodológico, onde foram descritas as bases
metódicas que conduziram para redigir o artigo. E, por fim, tratamos de discutir dados do
campo, tendo em conta a realidade de assimilação e cumprimento das medidas de aprendizagem
durante a COVID-19, nas EPCs de Mepaula e Mitange, ambas do distrito da Maganja da Costa.

Referencial teórico

Nesta parte do trabalho vamos discutir aspectos ligados com os modelos de aprendizagem em
tempo de crise, sem fugir aqueles que foram encontrados pelo governo moçambicano para o
ensino – aprendizagem no período da COVID-19.

Modalidades de ensino

As modalidades de ensino que serão referenciados, dizem respeito sobre as matrizes educativas
que o ensino moçambicano obedece sem fugir da realidade social dos alunos. Portanto, vamos
descrever de como o ensino moçambicano está sendo administrado no campo prático.

Nos últimos anos, o sector da Educação tem registado grandes progressos, particularmente, no
concernente ao aumento da oferta da educação. Mais crianças ingressaram anualmente nas
escolas, mais crianças progrediram anualmente de um nível para outro (PEE 2012 – 2016).

Embora haja essa progressão permanecem grandes desafios no sector da educação, sobretudo
quanto à capacidade de proporcionar o ensino inclusivo, bem como na melhoria da qualidade
da educação, virada para um melhor desempenho dos alunos em todos os níveis de ensino em
termos do seu aproveitamento e desenvolvimento de competências requeridas.

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O ensino é garantido na base de estruturação de sistemas educativos5: ensino pré-escolar,


escolar e extra-escolar. O ensino pré-escolar é oferecido por creches e escolinhas do Ministério
da Mulher e Acção Social (MMAS), das organizações não-governamentais ou comunitárias e
pelo sector privado que divide-se em dois níveis: o nível das creches, que cobre as crianças dos
0 aos 2 anos, e o nível dos jardins-de-infância que atende crianças entre os 2 e os 5 anos. O
ensino escolar que compreende: o Ensino Geral; o Ensino Técnico-Profissional e o Ensino
Superior. E por fim, o ensino extra-escolar abrange actividades de alfabetização, de
aperfeiçoamento, actualização cultural e científica realizadas fora do sistema regular do ensino
(PEE 2012 – 2016).

Portanto, as escolas primárias e completas estão enquadradas no ensino escolar, onde a


frequência é de carácter inclusivo na realidade moçambicana. Outrossim, com as políticas
expansivas quase em todas as vilas, localidades, este sistema de ensino é vigorante, visto que,
o governo está preocupado na expansão de educação para todos independentemente da situação
social e económica do lugar.

As EPC’s de Mepaula e Mitange, estão enquadradas neste sistema educativo, onde o ensino não
olha sobre a condição social e económica do aluno, mas sim, garante que as crianças tenham
uma educação abonada pelo governo de Moçambique.

O Ensino no período da COVID-19

O Ministério da Educação (MINED) é responsável pela elaboração das políticas nacionais e


pelo seu acompanhamento e monitoria, assegurando a coerência contínua com as grandes
prioridades e os objectivos do Governo (PEE 2012 – 2016).

A gestão local do sistema de Educação é feita pelas direcções provinciais e distritais, desde a
abertura de escolas primárias até à colocação e movimentação de professores. Neste contexto,
fica claro que são as direcções locais que podem garantir o ensino na sua totalidade, a partir da
distribuição de material escolar (livros, giz, quadros, etc) até a afectação de docentes às escolas.

Portanto com a COVID-19, o sistema educativo moçambicano sofreu alterações na arena de


administração do ensino, onde quase todos sistemas de ensino foram agrupadas no modelo

5
Lei nº 6/92, publicada no BR nº 19 (1ª série), 6 de Maio, 1992.
13

ensino a distância, ou seja no ensino à distância, onde as aulas são ministradas através de tele-
escola e emissão de fichas de exercício que são levantados pelos alunos ou pais e encarregados
de educação.

Rurato & Gouveia, compreendem o ensino à distância:

Como uma forma de fazer a educação, de democratizar o


conhecimento ou seja o conhecimento deve ser disponível para
quem se dispuser a conhece – lo independente do lugar do
tempo e das rígidas estruturas formais de ensino. Portanto, é
uma alternativa pedagógica válida, que hoje tem sido usado
pelos educadores e as instituições escolares (Preti, 1996).

A fragilidade das bases teóricas do ensino a distancia, é vista como consequência do esforço
prático de implantar projectos numa lógica de empresa. E, ela, pressupõe a combinação de
tecnologias convencionais e modernas que possibilitam o estudo individual ou em grupo nos
locais de trabalho ou fora por meios de métodos de orientação e tutória à distância, contando
com actividades presenciais específicas como reuniões do grupo para estudo (Keegan 1991;
Landim, 1997).

Porém, os moldes de ensino à distância adoptados pelo governo moçambicano que se baseia na
tele - escola e fichas de exercícios práticos, não se adequam à realidade das escolas de Mepaula
e Mitange.

Metodologia

Para a realização do estudo, foi usada a abordagem qualitativa na modalidade de estudo de caso,
que consistiu em análise, descrição e explicação das medidas de aprendizagem adoptadas pelo
ministério de educação e desenvolvimento humano em tempo de COVID – 19 são exequíveis
para os alunos das EPC’s de Mepaula e Mitange no distrito da Maganja da Costa.

O método qualitativo, pode ser definido e aplicável ao estudo da história, das relações, das
representações, das crenças, das percepções e das opiniões, que são produtos das interpretações
que os indivíduos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefactos, sentem e pensam
segundo (Minayo, 1993). Não obstante para a compreensão da exequibilidade das modalidades
de aprendizagem adoptadas pelo governo à população da periferia de Maganja da Costa, no

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caso de Mepaula e Mitange que, quase, tudo lhes falta menos comida, foram entrevistadas e
seus resultados foram agrupados da seguinte maneira:

Tabela I: Distribuição da amostra de entrevista dirigida à população e professores de


Mepaula e Mitange

Ordem Sujeitos entrevistados Profissão Número de


entrevistados
01 Pais e encarregados de educação Camponês 20
02 Alunos Estudantes 60
03 Professores Professor 20
Total 100

A escolha deste grupo alvo justifica – se pelo facto de serem as pessoas que estão directamente
ligadas com o processo de aprendizagem na base de fichas praticas e tele - escola nas referidas
escolas. Isso permitiu ao autor, colher informações credíveis sobre como a aprendizagem
acontece no terreno, apartir disto tirar proveito das dificuldades encaradas.

Os dados colhidos, foram analisados na base de codificação dos sujeitos, onde aos pais serão
ilustrado em P1, P2, P3…Pn, para os professores estão representados em D1, D2, D3…Dn e
por fim aos alunos está ilustrada em A1, A2, A3, …An. Isto para salvaguardar a integridade
dos visados da entrevista.

Análise e discussão de dados

Situação sócio – económica dos alunos de EPCs de Mepaula e Mitange

O distrito da Maganja da Costa tem como limites no extremo Este da Província da Zambézia e
ocupa uma superfície de 7644 Km2. O seu território estende-se entre os paralelos 16º4 13 e
17º31 44 na Latitude Sul e entre os meridianos 37º4 38 e 38º 1 na Longitude Este. A agricultura
é a principal actividade económica do Distrito da Maganja da Costa absorvendo mais de 75%
da população economicamente activa e constitui a base de subsistência da população (Plano
Estratégico de Desenvolvimento Distrital, 2006 -2010).

Portanto, as Escolas Primárias de Mepaula, Mitange estão situadas na localidade sede do


distrito, sendo que a sua população residente nestas localidades são praticantes da agricultura.
15

Maganja da Costa é um Distrito relativamente grande e densamente povoado. A rede de


telefonia móvel é assegurada pelas operadoras TMcel, Vodacom e Movitel. Também tem
Rádios transmissores/receptores que permitem a troca de informações de mútuo interesse, entre
o distrito e o mundo fora. A sede do Distrito é servida pela rede de energia de Cahora Bassa,
desde princípios de 2006 (Plano Estratégico de Desenvolvimento Distrital, 2006-2010).

Embora haja redes de telefonia móvel, a população ainda carece de uso destas redes, devido ao
levado grau de pobreza que lhes caracteriza. Como vimos acima, é uma população composta
na sua maioria por agricultores de subsistência, dai que, o grau de aquisição de telefones móveis
deixa aquem de desejar, ou seja, se a pessoa possui celular, pode não ser compatível ao uso de
redes sociais. Facto que pode ser verificável no depoimento seguinte: não trabalho, apenas faço
machamba para conseguir alimentar a família (P3).

Portanto, com as dificuldades impostas pela COVID-19, coloca mais em causa a população
dependente da agricultura familiar, pois, muita das vezes nem o excedente de produção tem
sido suficiente para assegurar as despesas familiares. É neste contexto que o grau de
vulnerabilidade pode estar acentuado devido a condição sócio – económica da população.

Mecanismos de aprendizagem em tempo de COVID -19

Após a pandemia da coronavírus ter afectado o território moçambicano, o governo sob gestão
do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, decretou que as aulas estariam a ser
leccionadas sob modelo de tele-escola e emissão de fichas de exercícios. Estas fichas, os
estudantes e pais encarregados de educação devem levantar e posterior assegurarem a resolução
dos mesmos pelos alunos em casa, para, em seguida, fazerem a entrega à escola.

Este modelo de ensino, assemelha – se ao Ensino à Distância. Portanto, este modelo equiparado
ao ensino a distância traz suas desvantagens. Pois, o ensino à distância pressupõe a combinação
de tecnologias convencionais e modernas, que possibilitam o estudo individual ou em grupo,
nos locais de trabalho ou forma, por meio de métodos de orientação e tutória à distância,
contando com actividades presenciais específicas, como reuniões de grupo de avaliação
(Landim, 1997).

Outrossim, fica cristalino que o ensino à distância é mais viável para populações com uma renda
económica robusta, porque dos condicionamentos que o ensino em si exige, deixa à penúria
quem não dispõem dos recursos financeiros ou mesmo para população residente nas localidades
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de Mepaula e Mitange, estão excluídas a fazerem parte devido ao grau de vulnerabilidade


económica.

As fichas de exercícios como modelo do PEA

As fichas de exercícios foram tidas como um mecanismo para o processo de ensino e


aprendizagem durante a COVID -19. Esta medida foi tomada pelo governo de Moçambique a
partir do Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano. Análogo que se pode avançar é
pelo facto das fichas de exercícios estarem a ser adquiridas na base de valores monetários para
assegurar o processo de reprodução das mesmas. Para uma população que nem a energia
eléctrica dispõem para o seu uso, fica difícil alinhar - se ao apelo do governo sobre as
alternativas de ensino no período da COVID -19. O exemplo tem as afirmações seguintes:

Os meus filhos não estão a estudar, por causa dessa doença de coronavírus, os professores não
aparecem na escola (…) (P2).

Como estudar? Se aulas já pararam. Quem quer estudar tem que ir na escola tirar copia as
fichas de exercício, se você não tem dinheiro, fica assim mesmo (…) (P5);

Não tenho dinheiro para tirar cópias dos exercícios (…) (P7).

Neste contexto, as fichas de exercícios práticos só servem para os alunos que os pais possuem
nível de escolaridade meio avançado, visto que segundo o apelo do MINEDH estas fichas
devem ser resolvidas sob acompanhamento dos pais encarregados de educação.

Numa população onde a taxa de analfabetismo é elevada, estando nos 87,1% segundo MAE
(2005), adoptar o ensino por meio de fichas de exercício prático é um acto de sacrifício aos
alunos e aos pais e encarregados de educação por não possuir requisitos para o
acompanhamento.

A televisão e Rádio

A porta-voz do MINEDH, deixou claro que:

As aulas durante o período da COVID -19, serão na base de


transmissão a partir da televisão e rádio como forma de ocupar
os alunos dos ensinos primários, secundário, técnico e de
educação de adultos. Apela – se aos pais e encarregados de
educação neste modelo de aprendizagem é de acompanhar aos
17

seus filhos. Eles devem encontrar uma forma de acompanhar os


seus filhos e as orientações que serão passadas pela rádio, e
ajudarem os seus filhos ou educandos a resolver os exercícios,
ou então também, a resolverem todos os problemas que serão
dados (RM, 2020).

A integração dos meios de comunicação nos processos educacionais é tarefa urgente e


necessária pois, tais técnicas, já estão presentes em todas as esferas da vida social, em muitos
casos gerando ou agravando desigualdades socioculturais.

Dai que o uso destas ferramentas no processo de ensino e aprendizagem pode contribuir de
forma significativa para fazer face ao período da COVID -19. Outrossim, a rádio e a televisão
podem assegurar o processo de ensino sem pôr em causa as regras recomendadas pelo MISAU
sobre o distanciamento social nas nossas actividades, como forma de prevenir a pandemia de
coronavírus. Portanto, tendo em conta as condições financeiras da população de Mepaula e
Mitange a rádio e a televisão podem contribuir para a exclusão dos alunos visto que estes
objectos tecnológicos para o seu funcionamento precisam da corrente eléctrica ou mesmo
mecanismo que geram energia para funcionamento de electrónicos.

Numa população onde a rede eléctrica é de difícil acesso, falar deste meios como garantia para
o processo de ensino e aprendizagem é uma farsa, pois, para além das dificuldades económicas
que a população enfrenta, a garantia para o funcionamento dos mesmos é quase inexistente
devido a falta de energia. O que podemos provar nestes depoimentos:

Os alunos não acompanham as matérias a partir de televisão e


nem rádio, porque não tem. (D5);

Os meus filhos não têm como estudar a partir de rádio e


televisão, porque eu como pai não tenho estas condições (…)
(P8);

Isso é ofensa para alunos da minha escola (...) (D6).

Evidentemente a condição económica da população de Mepaula e Mitange, lhes submete a


condições de exclusão no processo de aprendizagem e consequentemente sacrifício aos pais
que fazem de tudo para os seus filhos estudarem. Facto apresentado nos depoimentos:

Tive que comprar rádio para ver se o meu filho estaria


acompanhar as aulas dos professores…P10

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18

Compramos televisor e painel, para garantir a escolaridade dos


nossos filhos (…) (P1);

Televisor esta caro, tive que vender meus bens para ver meus
filhos a estudar (…), EU não estudei e não posso privar os meus
filhos de estudar (…) (P2);

O governo nos castigou (…), estou sem ideia de pôr os nossos


filhos a estudar. (P4).

Portanto, é chegado o momento que as medidas tomadas pelo governo sobre o ensino no período
da COVID-19 não são benéficas para a população de Mepaula e Mitange na Maganja da Costa,
embora seja da vontade, mas olhando pelo nível de vulnerabilidade, as aulas através de
programas televisivos e rádios submetem a exclusão e sacrifício da população. Mais adiante,
este facto, pode estar a facultar o desenvolvimento de sentimento de exclusão na aprendizagem,
tendo em consideração que os alunos de famílias humildes com dificuldades de alcançar
informações a partir da rádio. Ainda mais, tanto a televisão como a rádio não meios propícios
para as populações daquelas localidades, porque falar destes meios (rádio, televisão), pode
constituir novidade que, ao em vez de aprender conduzem as crianças aos programas que nada
dizem sobre matérias escolares.

Prováveis soluções para aprendizagem no período da COVID-19

Embora o governo de Moçambique tinha sido encontrado em contra pé, sobre as medidas
tomadas no processo de ensino e aprendizagem, deveria optar pelas seguintes linhas de
orientação do ensino, olhando pela realidade sócio – económica de alguns pais e encarregados
de educação:

 Produzir livros com exercícios práticos de acesso gratuito como forma de garantir a
aprendizagem;
 Embora a televisão seja um forte meio de aprendizagem, deveria se potenciar pela
projecção de filmes de aulas já exibidas pela televisão nas zonas onde não há acesso da
corrente eléctrica como Mepaula e Mitange;
 A aprendizagem através da rádio ou televisão fosse apenas nas regiões onde estes meios
de comunicação são possíveis de usar.
19

Considerações finais

Saímos de um olhar didacticamente virada ao processo de ensino e aprendizagem no período


da COVID-19, tudo na certeza de podermos analisar como este processo esta decorrendo
olhando pelas diferenças sócio – económicas do país. Sendo assim, caímos na silada de que
tudo está conforme de acordo com o previsto no plano do governo de que as aulas através de
fichas de exercícios práticos, tele - escola ou rádio estariam a decorrer de forma exequível.

O que facilmente nos enganamos quando fomos ao terreno, é de alta vulnerabilidade que assola
a nossa população sobre tudo nos recursos financeiros esta criando exclusão do processo de
ensino e aprendizagem dos alunos das EPC’s de Mepaula e Mitange. Para além disto, os pais
com pouco poder económico, as aulas através de modelos escolhidos pelo Ministério de
Educação e Desenvolvimento Humano são uma espécie de sacrifício para manter os seus filhos
a estudarem.

Embora seja um acto tomado de surpresa pelo Governo de Moçambique, é momento de


tomarmos a consciência de que os modelos segundo os quais são usado para o ensino não passa
de uma farsa social as populações que vivem nas regiões onde a corrente eléctrica ainda é um
mistério.

Referências Bibliográficas

Keegan, D. (1991). Foudantions of distance education. 2ª ed. Londres, Routledge.

Landim, C. (1997). Educação a Distancia: Algumas considerações. Rio Janeiro, s/n.

Lei nº 6/92, publicada no BR nº 19 (1ª série), 6 de Maio, 1992.

Minayo, M. Cecília de Souza. (1993). O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec.


Ministério de Educação. (2012). Plano estratégico de educação 2010 – 2016, Maputo.
Ministério de Educação.

Ministério para Coordenação de Acção Ambiental (MCAA). (2020). Perfil Ambiental e


Mapeamento ambiental, e mapeamento de uso actual de terra dos distritos da zona costeira de
Moçambique, distrito da, Maganja da Costa. Impacto, Junho de 2012.

Ministério da Administração Estatal, (2005). Perfil do distrito da maganja da costa, Maputo.

REVISTA MOÇAMBICANA DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO - PsiEdu DEZEMBRO DE 2020, VOL. 1, Nº 2


20

Rádio Moçambique, 25 de Março de 2020.

Plano Estratégico de Desenvolvimento Distrital 2006 -2010.

Preti, O. (1996). Educação a distância: uma pratica educativa mediadora e mediatizada. In:
Preti, O. Educação a distância: inicio e indícios de um percurso. Cuiaba, NEAD/I
21

Considerações do Modelo Bioecológico de Urie Bronfenbrenner para Análise das


Implicações da COVID-19 na inclusão social

Adilson Muthambe6

Resumo
Nesta pesquisa de natureza teórica, procurou-se identificar as implicações do COVID-19 na
inclusão social através das considerações da teoria bioecológica proposta por Urie
Bronfenbrenner (1917-2005). Tendo em consideração que este modelo teórico analisa em
simultâneo os processos proximais, aspectos pessoais, o contexto e o tempo de forma dinâmica
a partir de um nível micro ao nível macro, torna-se pertinente elaborar explicações sobre como
é que as atitudes e as decisões individuais podem ter implicações na família, comunidade, no
país, continente e no mundo e vice-versa. Foi possível constatar que a problemática da
pandemia COVID-19 associada as precárias condições de vida nos países subdesenvolvidos, a
fragilidade da economia e a crise política, comprometeu a inclusão social e colocou em risco a
vida das pessoas levando a última instância a morte. Embora haja enorme diversidade cultural,
associada ao histórico de famílias alargadas e coesão grupal, o cenário actual vai exigir que no
futuro sejam feitas mudanças atitudinais nas interações sociais a vários níveis, o que é
desafiante para a inclusão social.

Palavras-chave: Modelo bioecológico; COVID-19; Processos proximais.

Urie Bronfenbrenner's Bioecological Model Considerations for Analysis of the


Implications of COVID-19 in Social Inclusion

Abstract
In this research of a theoretical nature, we sought to identify the implications of COVID-19 for
social inclusion through the considerations of the bioecological theory proposed by Urie
Bronfenbrenner (1917-2005). Bearing in mind that this theoretical model simultaneously
analyzes proximal processes, personal aspects, context and time dynamically from a micro level
to a macro level, it becomes pertinent to elaborate explanations on how attitudes and decisions
individual can have implications for family, community, country, continent and the world and
vice versa. It was possible to verify that problem of the pandemic COVID-19 associated with
the precarious living conditions in underdeveloped countries, the fragility of the economy and
the political crisis, compromised social inclusion and put people`s lives at risk, ultimately
leading to death. Although there is enormous cultural diversity, associated with the history of
extended families and group cohesion, the current scenario will require that in the future,
attitudinal changes are made in social interactions at various levels, which is challenging for
social inclusion
Keywords: Bioecological model; COVID-19; Proximal processes.

6
Mestre em Psicologia Educacional. Doutorando em Psicologia, IPS-UFBA. Docente da UP-Maputo

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22

Introdução
O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa de Estudantes-Convênio de Pós-
Graduação-PECPG, da CAPES - Brasil e teve como foco o contexto da COVID-19. As
implicações desta doença causada pelo vírus Sars-Cov-2, podem ser explicadas a partir de
várias áreas de conhecimento tais como, ciências biológicas, ciências sociais e da psicologia.
Neste artigo tentamos analisar as implicações da COVID-19 na inclusão social apartir da
psicologia, especificamente a Psicologia do Desenvolvimento (PD) que se preocupa em estudar
o processo de desenvolvimento das pessoas, suas mudanças desde o nascimento até a morte.
Dentre os vários modelos teóricos da PD, apoiamo-nos na teoria bioecológica de Urie
Bronfenbrenner (1917-2005) que explica o desenvolvimento humano em perspectiva
multidimensional enfatizando a relação entre o sujeito e o ambiente, abarcando
simultaneamente aspectos biológicos, psicológicos e sociais, ou seja, biopsicossociais.

Embora vários estudos que adoptam a abordagem bioecológica estejam centrados no


desenvolvimento da criança, Urie Bronfenbrenner (1917-2005) apud Benetti, Vieira, Crepaldi,
Schneider, 2013), propõe pressupostos para indagar acerca da inclusão social, politicas públicas
e das estratégias de saúde pública promotora de desenvolvimento humano e bem estar-social.
Sugeriu que os estudos não podem ser desenvolvidos numa perspectiva unidimensional, razão
pela qual apresentamos uma proposta para análise das implicações da COVID-19 na inclusão
social a partir dos níveis ontológico, microssistémico, mesossistémico, exossistémico,
macrossistémico e cronossistémico.

Fazendo uma breve descrição do surgimento e evolução desta doença, importa inferir que ela
surgiu no mês de Dezembro de 2019 em Wuhan, província de Hubei na China alastrando-se
para outros países asiáticos, europeus, americanos e africanos. Do ponto de vista de
classificação, a organização mundial da saúde (OMS), categorizou primeiramente a COVID-
19, como uma emergência mundial de saúde pública e de seguida passou a designar de
pandemia (MISAU, 2020).

As informações sobre a rápida expansão da COVID-19, espalharam-se pelo mundo, facto que
causou nas pessoas bastante ansiedade, agitação, depressão e preocupação sobre a necessidade
de mudança de hábitos de convivência. E com base na proposição de Valsiner (2011), de que
o pré-requisito para qualquer sistema reflexivo sobre a natureza e sobre nós próprios é entender
23

a cultura na forma de uma semiosfera onde objectos e eventos significativos nos circundam e
se tornam refletidos em nossas mentes, ou seja a ecologia dos sistemas culturais. Por essa razão
optamos analisar as implicações da COVID-19 na inclusão social.

Outro motivo para a realização da pesquisa, foi a premissa de que, os métodos de prevenção da
COVID-19 propostos pela OMS (2020), estão centrados nas regras de higiene individual e
colectiva e apresentarem uma estrutura caracterizada por seis níveis, sendo ontosistema,
microssistema, mesossistema, exossistema, macrossistema e cronossistema, a semelhança dos
níveis de análise propostos pelo modelo bioecológico de Urie Bronfenbrenner (1917-2005).

A metodologia baseada na revisão bibliográfica incidiu-se em responder as seguintes questões:


Como é que a interação entre diferentes microssistemas podem reduzir a propagação do vírus
Sars-Cov-2 e garantir a inclusão social e bem-estar das crianças, jovens, adultos, velhos e
idosos? Qual é a influência das redes sociais, mídias e as tecnologias de informação e
comunicação (TICs) na prevenção do COVID-19? Que implicações e decisões tomadas a nível
macrossistemico há na prevenção da COVID-19?

1.1 Postulados do Modelo Bioecológico

Neste tópico tentamos caracterizar de forma breve o modelo bioecológico e as influências de


Urie Bonfenbrener (1917-2005), iniciamos deste modo pela descrição do núcleo familiar. As
experiências com seu pai, que era médico e as visitas que fazia aos doentes internos e externos
do sanatório, permitiram-lhe concluir que manter os doentes em lugares fechados por muito
tempo agrava o seu estado de saúde mental. E ao levá-los a ambientes diferentes de actividade,
favorece o seu estado de saúde mental e bem estar-social, (Benetti, Vieira, Crepaldi, Schneider,
2013).

Esta situação quando transferida para casos de isolamento social, como por exemplo o lema
“fica em casa” adoptada por todos países do mundo, pode ser considerada de um lado, como
ideial e sugestiva e de outro lado, quando cumprida na integra sem gestão diversificada das
dinâmicas de vida, das actividades e mudanças de ambientes ela pode ter consequências como
cansaço, depressão, desânimo, estafa, exaustão, sentimentos de auto-exclusão e que em última
instância agrava a saúde mental das pessoas e pode levar a morte.

A mudança de contexto na vida de Urie Brofenbrener (1917-2005) que levou a família a


deslocar-se da Rússia para os EUA devido a revolução Russa, possibilitou o contato do
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pensador com outro cenário multicultural e de novas práticas desde a escola, hábitos e costumes,
amigos e o contacto com Vygostsky (1896-1934) que formulou uma teoria do desenvolvimento
cognitivo baseada em vínculos entre factores socio-históricos refletidos em processos
educacionais como a interação entre pais e filhos, (Sheehy, 2013).

Outro psicólogo o qual Brofenbrenner adoptou as ideias foi Kurt Lewim (1890-1947) percursor
da teoria de campo que se preocupava em explicar os eventos dentro do tempo de vida de uma
pessoa e todas influencias que agem sobre ela em um dado momento, (Sheehy,2013; Benetti,
Vieira, Crepaldi, Schneider, 2013).

Estas influências do núcleo familiar, a mudança de contexto da Rússia para os EUA e de


psicólogos mais conceituados de sua época, levaram Brofenbrener a reformular várias vezes a
sua teoria. Na primeira fase em 1979, considerou-o de modelo ecológico, enfatizando o
ambiente para a compreensão do desenvolvimento humano. Na segunda fase em 1992, abarcou
outros microssistemas designando a teoria de sistemas ecológicos. E na terceira fase, inclui
quatro elementos processos, pessoa, contexto e o tempo designada de modelo PPCT e que
melhor se adequa para compreensão do desenvolvimento humano e inclusão social. Todavia o
objectivo de Brofenbrenner era de cultivar uma teoria mais ampla e inclusiva, tendo em vista
as diferentes forças atuantes sobre os indivíduos (Benetti, Vieira, Crepaldi, Schneider, 2013).

De acordo com Aristóteles (384-322 a.C) apud em Palmer (2005), para compreendermos uma
teoria é necessário analisá-la tendo em consideração três elementos, a teoria do conhecimento
ou tese, aprendizagem e a pessoa. Ao submetermos a teoria bioecológica a esses critérios,
identificamos a seguinte situação: Quanto a tese, o desenvolvimento humano é o resultado de
uma construção social e histórica, o ambiente (organismos, fenómenos naturais, cultura e
sociedade) influencia os indivíduos e é por ele influenciado. No que concerne a aprendizagem,
a teoria bioecologica, estabelece que a criança aprende numa relação dialética com o
psicológico e o meio social, e nenhum fenómeno pode ser compreendido isoladamente, sem a
conexão com os demais fenómenos que o cercam.

Com base neste aspecto o autor define o Homem/pessoa como um ser biopsicossocial, que se
desenvolve nas relações proximais e dialoga com o seu contexto social. Em termos de origem
ontológica, esta teoria se caracteriza pelo facto ser do tipo materialista-dialética e tem como
25

base epistemológica a visão de conhecimento construtivista-interacionista, (Benetti, Vieira,


Crepaldi, Schneider, 2013).

1.2 Dinâmicas das Relações Socias na Abordagem Bioecológica e o Covid-19

Tal como foi exposto no tópico anterior, a proposta teórica de Urie Brofennbrenner (1917-
2005), defende que não é possível compreender os sujeitos sem antes compreender o que as
relações socias e o ambiente significam para ele (Bronfenbrenner, 1994 & Koller 2005). Para
explicar este aspecto o Psicólogo organizou a teoria em seis fases, sendo ontossistema,
microssistema, mesossistema, exossistema, macrossistema e cronossistema envolvendo quatro
elementos sendo processos proximais, pessoa, contexto e tempo que justificam o modelo PPCT.

A primeira fase designada de ontossistema, refere-se a aspectos pessoais e as caracteristicas do


sujeito. A segunda fase microssistema é inerente ao nucleo familiar, escola, igreja, grupo de
amigos do bairro e outros. A terceira fase mesossistema é caracterizada pela interação entre os
diferentes microssistemas. Enquanto a quarta fase exossistema, está directamente relacionada
com o impacto dos diferentes ambientes do microssistema, porém a pessoa não esta
directamente envolvida em um desses microssistemas.

A quinta fase macrossistema é definido através de padrões culturais gerais (crenças hábitos e
costumes, sistema económico etc) determinantes para o comportamento das pessoas. Por último
a sexta fase cronossistema é referente ao tempo ao longo do desenvolvimento da pessoa e
destaca as variações, ou seja, instabilidade ou mudanças.

Deste modo, na descrição normativa do desenvolvimento humano em Urie Brofenbrenner


(1917-2005), as relações positivas entre as diferentes fases ou níveis do desenvolvimento
favorecem a socialização primária e secundária, reduzem a propagação do vírus Sars-Cov-2 e
garantem a inclusão social e bem-estar das crianças, jovens, adultos, velhos e idosos.

Portanto o esquema tradicional da teoria bioecológica clarifica que os conteúdos em cada fase
de desenvolvimento são determinantes para o comportamento e atitudes do sujeito. Com base
neste pressuposto e nas vivências da actualidade, podemos considerar que a pandemia do
COVID-19, tornou-se o conteúdo principal nas mídias e nos diferentes campos da ciência, bem

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como no condicionador das relações interpessoais, o que interfere directamente na inclusão


social.

A título de exemplo, podemos verificar que o facto dos critérios estabelecidos para a inclusão
das crianças com deficiência na escola regular terem sido colocados em vigor em diferentes
países do mundo no período anterior a pandemia do COVID-19, e para além de investimento
em recursos matérias, esses critérios requerem a filosofia de trabalho conjunto e participativo
de uma equipa multiprofissional composta por educadores especializados, médicos, psicólogos,
fisioterapeutas, terapeutas e outros o que é desafiante.

Esse trabalho exige a nível ontossistémico, motivação e compreensão do processo de inclusão


escolar por parte das crianças. No nível microssistema a principal demanda é proporcionar as
famílias e a comunidade, actividades que favoreçam a convivência e estimulem o
desenvolvimento de habilidades socias da criança. Este cenário revela que as exigências para a
inclusão social no período da COVID-19 e no período pós-pandemia poderão aumentar o que
irá dificultar este processo em vários domínios, educacional, saúde, desportivo e outros.

Outro aspecto que dificulta a inclusão social e a visão de conjunto no âmbito da prevenção da
COVID-19 são as influências negativas, os conteúdos e informações falsas, designadas de fake
news divulgadas através de mídias, redes sociais (tecnologias de informação e comunicação)
que condicionam o bem-estar das pessoas pois podem leva-lás a um estágio de obsessão ou
perturbação em termos de ideias fixas e em situações que podem comprometer as orientações
dadas pelas entidades de saúde de diferentes países do mundo, alastrando cada vez mais a
doença.

Alguns estudos desenvolvidos no Brasil, um dos países mais afectados pela COVID-19 no
mundo, apontam algumas informações consideradas fake news tais como: i. O COVID foi
criado no laboratório; ii. é uma farsa; iii. é uma estratégia política; iv. É uma teoria conspiratória;
v. é charlatismo religioso; vi. E associado a estás informações está o surgimento de métodos
caseiros para prevenir o contágio e para curar a doença. Este conjunto de informações mobiliza
a fase ontossistémica o que vai influenciar os diferentes microssistemas e posteriormente as
fases mesossitémica, exossistémica e macrossistémica num determinado período de tempo. E
coloca o país numa situação de agitação e controvérsia (excludente) facto que favorece o
alastramento da doença e desafia a discussão da criminalização de fake news.
27

Os dados sobre a situação do Panamá, revelam que o COVID-19 está se multiplicando nas
comunidades (indígenas) e nos bairros mais povoados da capital do País. Dentre os factores da
rápida multiplicação do COVID -19, está a estratégia adoptada para o isolamento social a qual
separava os dias em que homens e mulheres podem sair de casa. As mulheres podem sair as
segundas, quartas e sextas-feiras, os homens podem sair as terças-feiras, quintas-feiras e sábado.
Associado a este facto entre as causas do aumento da COVID-19 destacam-se as formas de
diagnóstico e medidas de triagem para detectar novas infecções e o número de testes realizados
por semana.

Para responder esta situação o Estado de Panamá (no nível macrossistémico) adoptou a
estratégia de isolamento social obrigatório e saídas limitadas de casa por dia e por sexo. Embora
esta medida adequa-se ao modelo bioecológico, particularmente nas fases ontossistema,
preocupação pelas actividades específicas de homens e mulheres, microssistema preocupação
com as lotações nos hospitais, escolas, etc., e cronossistema referente ao tempo ou a
preocupação com os dias de semana e o horário para sair de casa e para regressar a casa, ela foi
bastante questionada e não foi cumprida na íntegra.

Para o caso de Moçambique, que vive um cenário de desigualdades socias, problemas internos
caracterizado por conflito armado nas regiões centro e norte do país, e que a nível
macrossistémico tenta avançar algumas medidas como é o caso da reabertura das instituições
públicas (escolas, universidades e outras), o Estado deve ter mais caultela pois as decisões
tomadas a nível macrossistémico no contexto da prevenção da COVID -19 tem implicações na
inclusão social e podem ser prejudicais para a camada mais baixa, a semelhança de Panamá.

Diante desta situação mundial da pandemia da COVID-19, associada aos ideais de Jean-Jacques
Rousseau (1712- 1778) ao considerar que em nenhum momento deve-se violar os ideais
pessoais contra os poderes do Estado e as pressões da sociedade (Rousseau, 2017). Deste modo
torna-se difícil identificar um lugar idílico no mundo, porque vive-se o momento do “apogeu”
na diversidade de opiniões acerca do mesmo tema. Deste modo retomamos a situação idêntica
a do Brasil, referente ao impacto das fake news, do comprometimento das orientações e medidas
tomadas pelas entidades de saúde (Estado), bem como a falta de harmonia entre os ideias
pessoais e os poderes do Estado.

No desenrolar da teoria bioecológica, Urie Brofenbrenner (1917-2005) considerou que, há


determinados padrões de desenvolvimento que não se aplicam em certas culturas. Portanto as

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decisões tomadas a nível macrossistémico ou global. Por exemplo as sugestões da OMS (2020)
no contexto da prevenção da COVID-19 tem implicações diferentes no comportamento e nas
atitudes das pessoas. Com base na proposta de Confúcio (551-479) apud Palmer (2005), pode-
se destacar dois grupos, sendo um grupo de “individuos correctos” e outro de “indivíduos
incorretos”.

Em todos países do mundo por exemplo é possível encontrar “indivíduos correctos”, aqueles
que mesmo com a omissão das regras as tarefas são realizadas tal como foi previsto e anunciado
e “indivíduos incorretos” aqueles que, ainda que regras sejam emitidas não as obedecem
apresentando um padrão de comportamento de risco. Diante deste quadro, identificamos uma
barreira para a inclusão social que poderá ser superada com a minimização das diferenças entre
os ideias pessoais e o poder do Estado.

1.3 Implicações da COVID-19 na Inclusão Social

A teoria bioecológica, oferece bases para a realização de análise sistémica ou “metanálise” em


vários domínios com particular destaque para a PD Bronfenbrenner (1994). Tendo em
consideração os postulados desta teoria, podemos considerar de um lado que, a COVID-19 teve
implicações nas fases ontossistema, microssistema, mesossistema, exossistema, macrossistema
e cronossistema.

De outro lado, a COVID-19 teve implicações significativas na ciência, ou seja, nas formas de
realização e ou produção científica, na qualidade das interações sociais, no funcionamento das
escolas, dos hospitais, instituições públicas, das empresas e outras.

No que concerne as implicações no domínio da ciência importa referir que Kuhn (1996) aborda
a questão da ciência normal e ciência revolucionário e valoriza o contexto histórico, social e
psicológico da descoberta. Considera que o momento de crise é ideal para o surgimento de
novas formas de explicação da realidade “visão do mundo” ou métodos e meios pelos quais as
ciências devem recorrer para progredir.

Por exemplo no contexto da crise pandémica da COVID-19, pode-se considerar um momento


de ruptura de paradigma e tentativa de substituição de paradigma. Assistimos hoje um cenário
de cancelamento de aulas e do semestre lectivo em várias universidade do mundo devido a
limitações nas alternativas para a realização de aulas e de pesquisas, o que requer dos
29

pesquisadores a descoberta e implementação de novos métodos para um processo de ensino e


aprendizagem “eficaz” e novas técnicas para desenvolver o estudo empírico.

Quanto a este aspecto, no domínio da psicologia o mérito é atribuído ao movimento


contemporâneo da Psicologia Cultural, que é concebido como o estudo do carácter
extraordinário dos mais ordinários aspectos da vida cotidiana dos homens em qualquer parte do
globo (Valsiner, 2011). Ela estuda a relação entre a mente a cultura e examina como a cultura
é influenciada pela mente e como a mente é moldada pela cultura, valorizando deste modo o
estudo da subjectividade e dos aspectos histórico do sujeito, das emoções, do desenvolvimento
infantil, identidade, comportamento social e família ou seja as fases ontossistema,
microssistema, exossistema, macrossistema e cronossistema.

Este facto é comprovado na análise tridimensional de Valsiner (2011) quando considerou que
a pessoa é pertencente à cultura, vice-versa e que a cultura pertence a relação entre a pessoa e
o ambiente. Trata-se de não delimitar fronteiras mas, de destacar a pertinência da subjectividade
na compreensão do sujeito e da marginalização do papel da cultura como um factor nos
processos psicológicos.

Com base nos pressupostos da Psicologia Cultural, podemos considerar que as orientações e
medidas da OMS (2020) para a prevenção da COVID- 19, não tem enquadramento em todos
os contextos culturais, e que a inclusão social é notável a partir do nível pessoal e de padrões
culturais gerais de uma nação.

Para Brofenbrenner apud Benetti, Vieira, Crepaldi, Schneider, (2013), os processos proximais
são considerados motores do desenvolvimento, referem-se as interações recíprocas, gradativa
entre o sujeito e as pessoas, objetos e símbolos presentes no seu ambiente imediato que ocorrem
regularmente em longos períodos de tempo. Com base nesta formulação e nas medidas e
orientações da OMS apud MISAU (2020) tais como, evitar contacto pessoal, lavar as mãos,
usar as máscaras e o álcool gel, pode-se afirmar que a interação social está comprometida,
consequentemente a inclusão social está longe do nível desejado. Registra-se dificuldades no
diálogo entre o sujeito e demais membros da família, entre o microssistema família e
microssistema escola, entre o microssistema família e microssistema hospital (local de trabalho)
e a falta de harmonia entre os diferentes microssistemas e o macrossistema.

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1.4 Considerações Finais

O início deste ano surpreendeu a todo mundo, o cenário de isolamento social e de quarentena
domiciliar obrigatória como forma de prevenção do COVID-19, teve implicações no modo de
vida e na mudança de hábitos. Foi possível evidenciar uma diversidade de situações em
diferentes países do mundo. Muitas pessoas morreram, algumas encontram-se nos hospitais e
centros específicos lutando pela vida, outros encontram-se assustados e “fechados” em casa,
outros encontram-se nas ruas alegando que nada têm para sustentar as suas famílias e por essa
razão buscam algo para sobreviver nestes dias.

Na fase inicial desse artigo foi proposto três perguntas: Como é que a interação entre os
diferentes microssistemas podem reduzir a propagação do vírus Sars-Cov-2 e garantir a inclusão
social e bem-estar das crianças, jovens, adultos, velhos e idosos? Foi notório de um lado que,
as relações positivas entre os diferentes microssistemas favorecem a socialização primária e
secundária, reduzem a propagação do vírus Sars-Cov-2 e garantem a inclusão social e bem-
estar das crianças, jovens, adultos, velhos e idosos. De outro lado, constamos que devido a
Pandemia do COVID-19 a interação social entre os diferentes microssistemas está
comprometida, consequentemente a inclusão social está longe do nível desejado.

No que concerne a segunda questão, qual é a influência das redes sociais, mídias e as
tecnologias de informação e comunicação (TICs) na prevenção do COVID-19? Constatamos a
partir do exemplo do Brasil que as redes sociais apesar de constituírem um meio de difusão de
informação importante através do qual empresas, escolas, universidades, Ministérios,
shoppings e igrejas recorrem para garantir o seu funcionamento, autêntica “sociedade da
Cibernética”, elas influenciam negativamente na prevenção do COVID-19 devido aos
conteúdos e informações falsas, designadas de fake news.

Para finalizar, em relação a última questão, que implicações e decisões tomadas a nível
macrossistemico há na prevenção da COVID-19? Através dos exemplos de Panamá onde a
pandemia da COVID-19 tende a multiplicar-se nas comunidades (indígenas) e nos bairros mais
povoados da capital do País devido as estratégias de prevenção e decisões tomadas a nível
macrossistémico como o estabelecimento de dias de semana e o horário para homens e mulheres
saírem de casa e para regressar a casa, bem como a aprovação para a realização semanal de
diagnóstico e medidas de triagem para detectar novas infecções.
31

Referências

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bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicología, 9 (16), 89-99.
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Perspective: A Bioecological Model. Psychological Review, 101 (4), 568-586.
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Cultural. Tradução de Maria C.D.P. Lyra.

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A Cidadania no ensino: Um instrumento de participação do estudante na vida pública


no Pós Covid – 19

Amílcar Ernesto Chambe7


Ana Luísa Veloso8
Adriano Fanicela9

Resumo
O presente artigo científico, discute sobre a cidadania no ensino: Um instrumento de
participação do estudante na vida pública no Pós Covid-19. O objectivo do presente artigo é de
analisar a cidadania fiscal como um instrumento para o despertar da consciência ao cidadão
para a necessidade de dar o seu contributo para o desenvolvimento da nação. Para a sua
realização, recorreu-se ao método da revisão bibliográfica e estudo documental. No mesmo foi
possível concluir que os efeitos da pandemia de Covid-19 revelam – se de grandes proporções
para a administração pública moçambicana, com maior enfoque nas áreas de educação,
economia e saúde. Em contraponto, há a necessidade imperiosa, e que deve ser seguida, em
reconhecimento ao Estado democrático instituído no país, a exigência do cumprimento do dever
fundamental de pagar imposto por parte do contribuinte. Actualmente, as receitas arrecadadas
não são suficientes para a satisfação das necessidades do país e são sinónimo da necessidade de
desenvolvimento de comportamentos de cidadania, em particular da cidadania fiscal. É também
abordada a componente educação para a cidadania, revendo as normas legais que norteiam a
sua implementação bem como o papel que as instituições de ensino superior podem
desempenhar na promoção da cidadania. Para a concepção do artigo foram realizadas pesquisas,
com base em levantamento bibliográfico.

Palavras-chave: Cidadania, Cidadania fiscal, Covid-19

Abstract
This scientific article discusses citizenship in teaching: An instrument for student participation
in public life in Post Covid-19. The purpose of this article is to analyze fiscal citizenship as an
instrument to raise awareness among citizens about the need to contribute to the development
of the nation. For its realization, the method of bibliographic review and documentary study
was used. It was also possible to conclude that the effects of the Covid-19 pandemic are proving
to be of great proportions for the Mozambican public administration, with a greater focus on
the areas of, education, economy and health. On the other hand, there is an imperative need,
which must be followed, in recognition of the democratic State established in the country, the
requirement of the taxpayer to fulfill the fundamental duty to pay taxes. Currently, the receipts

7
Doutorando em Psicologia Educacional na Universidade Pedagógica e Técnico Superior Tributário
(miquinhochambe@yahoo.com.br )
8
Professora de Psicologia na Universidade do Minho
9
Niquice Professor e Presidente da Escola Doutoral de Educação e Currículo na Universidade Pedagógica
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collected are not sufficient to satisfy the country's needs and are synonymous with the need to
develop citizenship behaviors, in particular fiscal citizenship. It also addresses the education
for citizenship component, reviewing the legal norms that guide its implementation as well as
the role that higher education institutions can play in promoting citizenship. For the conception
of the article, researches were carried out, based on a bibliographic survey.

Keyword: Citizenship, Tax Citizenship, Covid-19

Introdução

O panorama da gestão pública após o Covid – 19 será complexo, isto porque a pandemia do
Coronavirus provocou várias situações de colapso na esfera económica, social e política.
Contudo, o contexto de um Estado democrático requer a efectivação do dever fundamental de
pagar imposto, que tem a ver com a manifestação do espírito de cidadania através do
cumprimento dos deveres e obrigações para com o Estado.

É perante esse dilema de como garantir o cumprimento do dever fundamental de pagar imposto
perante uma situação prática problemática, que surge a necessidade de abordar a questão da
cidadania, sendo um mecanismo de demonstração da democracia participativa que estimula a
participação do cidadão na esfera pública. O objectivo do presente artigo é de analisar a
cidadania fiscal como um instrumento para o despertar da consciência ao cidadão sobre a
necessidade de dar o seu contributo para o desenvolvimento da nação.

(Cadorin, 2017 p.7), a cidadania é hoje o conceito que envolve


naturalmente o direito da participação possível dos cidadãos no
processo decisório governamental. Na actualidade, são muitas as
formas de participação popular no processo de decisão governamental.
E o ensino da cidadania é fundamental na hora de compreender a
cultura fiscal de um país.

Nesse sentido, será abordada a evolução do conceito de cidadania, olhando para os diferentes
períodos da sua construção, na óptica de diferentes pensadores. De seguida é apresentada a
questão da cidadania fiscal na perspectiva do desenvolvimento da consciência ética por parte
de toda a sociedade.

Por último, será discutida a componente “educação para a cidadania”, revendo as normas legais
que norteiam a sua implementação bem como o papel que as instituições de ensino superior
desempenham na promoção da cidadania. De salientar que, para a elaboração do artigo, a
pesquisa desenvolvida foi bibliográfica, revelando-se um estudo de importância vital, visto que
abrange a sociedade de um modo global.

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1. Evolução do conceito de cidadania

Para perceber a natureza dos direitos e deveres que são inerentes ao homem numa determinada
sociedade, é importante a concepção de cidadania e, acima de tudo, pelo modo como este
fenómeno impacta no desenvolvimento sócio cultural, político e económico de um país.

(Martins, 2019 p.153), ao caracterizar o fenómeno cidadania, explica-


nos que é um conceito que ganhou amplo consenso nos dias actuais e
orienta processos de formação, a partir da concepção de homem que
guarda e que manifesta um paradigma de ser, pensar, agir e sentir.

Encontra-se inserido nas leis, apontando normas na esfera educacional, quer no contexto escolar
ou não escolar, dando justificação aos objectivos pretendidos, assim como, nos discursos dos
profissionais de educação nos diferentes níveis. Trata-se de um conceito que deve merecer
especial atenção por parte de todos, pois segundo diz o autor, há uma necessidade de conhecer
e reflectir sobre este conceito, para verificar que tipo de directriz dá aos processos educacionais.
A concepção de cidadania segue um percurso histórico que encontra seu desenvolvimento
embrionário na Grécia e Roma, conforme de seguida irá se explicar de forma detalhada
(Ferreira, 2004 p.3):

O primeiro período - Está relacionado com o universo grego-romano,


sendo a ideia principal a democracia com a participação popular nos
destinos da comunidade, de soberania do povo e de liberdade do
indivíduo. A prática da cidadania era contemplada nas cidades-estado
que se assumiam como espaços públicos da comunidade. O segundo
período – É neste período que se constitui a base da cidadania e seu
fundamento encontra-se na revolução inglesa, americana e francesa.

Revolução Inglesa (1640 -1688) - século XVII – Registo de mudanças


nas relações de poder na sociedade, que passou para as mãos de uma
nova classe social abrindo o caminho para o livre desenvolvimento do
modo de produção capitalista.

Revolução americana (1776) – Foi a primeira na formulação dos


direitos humanos. É aqui onde nasce a ligação entre a cidadania com o
direito à vida, à liberdade, à felicidade e a igualdade entre os homens
como resultado da declaração da independência americana.

Revolução Francesa (1789) – Séc. XVIII – Trata-se duma etapa do


crescimento da cidadania onde esta assenta nos princípios de liberdade,
igualdade e fraternidade. É considerada a fundadora dos direitos civis
e tem como marco importante a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão.

É por conseguinte, neste momento que, através da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, se inicia aqui o processo de reconhecimento do homem comum como cidadão, cujos
direitos civis são garantidos por lei.
35

Na verdade, este posicionamento é confirmado por (Reis et all, 1999 p.33), “ao expor que foi
em 1791, que a Assembleia Nacional Francesa aprovou a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, composta por 17 artigos, onde se afirma que os homens têm todos a mesma
dignidade”. Sem dúvida que, esta declaração pela relevância conquistada através da promoção
da valorização do homem, que deixou de ser um homem comum e passou a ser considerado
cidadão, impulsionou a discussão e debate sobre a cidadania ao nível dos países.

(Bijega, 2019 p.81), este movimento influenciou a adopção pela


Organização das Nações Unidas, no dia 10 de Dezembro de 1948,
daquela que é considerada hoje, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, composta por 30 artigos, que se opõe à concepção anterior
de direito positivo ou histórico. Nasce esta igualdade que é a verdadeira
fonte de justiça.

Uma outra abordagem sobre o conceito de cidadania, é desenvolvida por Marshall, onde
apresenta a ideia de “cidadania partindo do conjunto de três elementos de natureza normativa,
que são a parte civil, a parte política e a parte social”. Conforme explica (Feitoza, 2020 p.3), “a
evolução dos direitos humanos na perspectiva de Marshall, decorreu ao longo dos séculos
XVIII, XIX e XX, em três distintas categorias” conforme se descreve de seguida:

Direitos civis – correspondem ao conjunto das liberdades


individuais estabelecidas através da igualdade jurídica;

Direitos políticos – estes referem-se ao exercício do poder, e


são estabelecidos por mecanismos de participação social e
política;

Direitos sociais – são o conjunto das garantias mínimas do bem-


estar económico, de acordo com os padrões culturais aceites por
uma determinada sociedade.

Face ao exposto, parece legítimo afirmar que a definição de cidadania é extraordinariamente


intricada, porque não é estática, e sempre esteve em constante transformação até aos dias de
hoje. Procurando testemunhar o dinamismo predominante à volta da cidadania (Ferreira, 2004
p.8), explica que “a evolução histórica de cidadania revela muitas situações que, antes se
consideravam absurdas, mas que incorporaram-se ao conceito de cidadão, com o passar do
tempo”. Para melhor elucidar este posicionamento podemos considerar como exemplos,
igualdade de género, a questão do empoderamento da mulher, promoção dos direitos da criança,
protecção da pessoa portadora de deficiência, fim da segregação racial e outros. Nesta
perspectiva, a conceituação da cidadania é efectuada dentro dum certo âmbito, em estrita
observância dos direitos que são consagrados num determinado país, tendo em conta as

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revoluções ocorridas nos países, implantação de Estados de direito democrático e, as reformas


constitucionais operadas.
Assim, tais formulações não são concludentes nem eternas. Em toda a conceituação histórica
que fizemos sobre a cidadania importa realçar que, o conjunto de direitos e deveres que hoje
integram a cidadania, bem como as características do vínculo em que esta se traduz variam, no
entanto, com o transcorrer dos tempos, devido ao seu carácter dinâmico. Por exemplo, o
crescimento e a transformação do conceito de cidadania, verificou-se de forma acentuada
justamente no período contemporâneo incluindo seu uso nas nossas sociedades, incluindo a
moçambicana.

2. A participação como elemento definidor do conceito de cidadania

Discutimos a fascinante trajectória da evolução da conceituação de cidadania que foi avançada


pelas diferentes explanações de vários pensadores. Contudo, importa apresentar neste trabalho
a origem e definição do termo cidadania, que como já vimos, se constitui em temática de
especial relevância na contemporaneidade. A palavra cidadania deriva de civis. Em latim, a
palavra civis gerou civitas, que quer dizer cidadania ou cidade.

(Pereira, 2019 p.47), na Grécia Antiga considerava-se cidadão


todo habitante de uma cidade-estado e com direito de
participação na vida pública, com excepção em relação à
mulher, ao comerciante, ao artesão ao estrangeiro e ao escravo,
sendo um estatuto acessível apenas à minoria; Já na Roma
antiga, o conceito de cidadão encontrava-se vinculado a um
conjunto de privilégios que eram atribuídos aos homens livres,
embora nem todos os homens livres tenham sido detentores da
cidadania.

Actualmente, numa perspectiva mais moderna ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à
propriedade, à igualdade perante a lei.

Quer isto dizer, que para (Pinsky, 2003 p.9). é ter direitos civis,
participar no destino da sociedade, através da votação, ter
direitos políticos, ter direitos sociais, que são aqueles que
asseguram a participação do cidadão na riqueza colectiva.
Incluímos aqui o direito à educação, ao trabalho, ao salário
justo, à saúde, a uma velhice tranquila

Para (Teixeira, 2019 p.11) “a cidadania é a condição de todo o cidadão, que estando inserido
em uma sociedade, pode participar de sua política e gozar dos direitos civis provenientes da
mesma”.

Segundo posição defendida por (Patrício, 2002 p.142), a


cidadania define o estatuto e as modalidades de intervenção
37

individual na vida pública, quer através da articulação das


instituições da sociedade civil, quer através dos processos de
representação nos organismos de soberania. É deste modo, que
a cidadania exprime um vínculo de carácter jurídico entre o
indivíduo e uma entidade política – O Estado.

O conceito de cidadania, apesar de ter evoluído substancialmente, ainda constitui um desafio


permanente pois, as razões (luta pelos direitos, reivindicações, surgimento de movimentos
civis) que ontem ditaram a sua concepção ainda continuam actuais. A luta pelos direitos
continua, as reivindicações são persistentes em vários segmentos e, cada vez mais nascem
movimentos na sociedade civil em defesa e protecção das várias camadas sociais que continuam
desfavorecidas, mesmo com as leis, normas e regras estabelecidas.

Perante este quadro, (Cardona et al, 2011 P.41), nos ajudam a


reflectir sobre a cidadania, ao se referirem à necessidade de
ética de participação, em diferentes níveis e contextos, quer no
que tange à esfera pública quer a privada, sempre de acordo
com a lógica da relação recíproca entre direitos e deveres.

Com efeito, as competências sociais e cívicas a promover deverão englobar, de modo


indispensável, um nível individual de actuação e níveis relacionais, como sejam o interpessoal
e o social e o intercultural.

Esta percepção pode ser fundamentada através das ideias de


Patrício (2002:141), ao realçar que a cidadania moderna deve
ser entendida como sendo da liberdade, por via da consagração
do direito de participação na actividade pública, através do
direito ao sufrágio, direito de associação e direito de acesso a
cargos políticos. E sublinha, que a participação se iniciou com
limites e restrições, tendo sido alargado à medida que crescia e
se desenvolvia a liberdade e a autonomia no campo cultural,
intelectual, económico e social.

Este pressuposto pode ajudar-nos a perceber porque até hoje no seio das sociedades
encontramos vários conflitos, apesar da existência de um grande acervo no que diz respeito à
legislação construída e progressivamente alterada ou ajustada de acordo com os diferentes
contextos.

É nesta linha de pensamento que (Patrício, 2002 p.142),


defende que a concretização do progressivo processo de
emancipação da população, resulta de um fenómeno político
digno de assinalar, que é referente à passagem do sufrágio
capacitário ao sufrágio universal, acto que abrange todo o
cidadão maior de dezoito anos, no gozo pleno das suas
faculdades

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Podemos assim, definir a cidadania como sendo uma acção ou prática educativa voltada para o
entendimento da realidade sócio cultural e dos direitos envolvendo as responsabilidades nos
níveis pessoal e colectivo e a declaração do princípio da participação na vida pública da nação.

3. Cidadania Fiscal e o pagamento do imposto

A cidadania fiscal significa, ter ou ganhar consciência ética sobre a importância dos impostos
no processo de construção da nação por parte de todos os intervenientes. Inclui-se aqui o
cidadão, o agente económico, o empresário e o governo na qualidade de membro regulador.

Para (Ivo, 2018 p.46), a cidadania fiscal trata eminentemente da


relação entre o Estado, na qualidade de fisco, e os cidadãos, na
qualidade contribuintes. Trata-se, portanto, de uma relação
sinalagmática, ou seja, recíproca em deveres, na medida em que
o cidadão deve ter uma consciência fiscal para cumprir as
obrigações tributárias impostas por lei e o Estado deve prestar
contas da aplicação dos recursos obtidos através da tributação.

De acordo com (Lima, 2011 p.9), cidadania fiscal deve ser


entendida como a capacidade de entendimento da importância
social dos tributos e a necessidade do controle, por parte da
sociedade, dos gastos públicos. Por determinação, o imposto é
algo que somos sujeitos a aceitar. Mas como cidadãos temos o
dever de cobrar a correcta utilização dos recursos.

(Ivo, 2018 p.47), percebe-se a partir disso que, na concepção da


cidadania fiscal não basta que o cidadão contribuinte cumpra a
obrigação tributária que é imposta por lei. É preciso que tenha
consciência, por exemplo, do dever fundamental de pagar os
tributos, ou, por outras palavras, deve ter a consciência de que
o acto de pagar imposto origina benefícios compensatórios para
toda a sociedade. Daí que, essa acção é fundamental no
cumprimento das demandas sociais

Em Moçambique, os cidadãos e de modo particular os estudantes de todos os níveis incluindo


o superior, neste período da pandemia têm se confrontado com muitos problemas derivados da
situação de pobreza e subdesenvolvimento em que o país se encontra, como são os exemplos
de: Má nutrição – Muitas crianças e jovens dependem de refeições gratuitas ou com desconto
fornecidas nas escolas para alimentação e nutrição saudável, isto é, passam fome no seu dia-a-
dia e, quando as escolas fecham a nutrição fica comprometida;

Para (Arruda, 2020; Sponchiato, 2020), as actividades


ligadas aos processos de ensino e aprendizagem estão
sendo desenvolvidas de diferentes formas, à distância.
Algumas escolas estão solicitando que os pais ou encarregados
39

de educação dos alunos busquem semanalmente, actividades


que são entregues de forma imprensa para resolução domiciliar.
Outras estão recorrendo às tecnologias de informação e
comunicação (TIC’s), tais como e-mail, whatsApp,
Googleclassroom, Googlemeet, Big BlueButton e AVAs
(Ambientes virtuais de aprendizagem), entre outros.

Entretanto muitos estabelecimentos de ensino no país não têm internet; Muitos estudantes (a
maioria) não têm acesso ao computador e outros meios tecnológicos; Muitos professores não
possuem nenhuma formação sobre TIC’s, o que torna difícil a concretização do processo de
ensino e aprendizagem usando tais recursos; As escolas existentes no país albergam muitos
estudantes por turma devido à falta de escolas/salas de aula suficientes; O país não possui um
sistema de transporte desenvolvido para garantir o cumprimento das regras no que respeita à
lotação e distanciamento social; A partir destes fenómenos adversos aqui narrados fica
evidenciado que o período pós pandemia vai exigir por parte de cada cidadão/estudante
universitário uma reflexão séria à volta da imperiosa e inadiável participação na vida pública
da nação, quer como disseminadores da importância do tributo, como contribuintes activos,
como fiscalizadores das acções do Estado bem como, na valorização e preservação do
património público.

Nesse sentido, torna-se evidente e lógico considerar que ainda não se faz sentir o espírito de
cidadania fiscal por parte do cidadão/estudante do ensino superior, o que de certa forma
influencia na formação de atitudes e comportamentos negativos sobre o pagamento dos
impostos, facto que favorece a promoção de desequilíbrios e distorções no sistema fiscal
moçambicano.

No caso do presente estudo, a educação fiscal deve ser um instrumento que incide sobre a
educação ética e cidadã como ferramenta de relevância estratégica para promover a consciência
do cidadão/estudante universitário, uma vez que a ausência destas, propicia a manifestação de
comportamentos desajustados com as normas e leis fiscais em vigor no país. Esta, deve servir
para impulsionar a reduzida ou falta (se for o caso) da educação e cidadania fiscal no seio dos
estudantes. Por fim, a educação fiscal deve ajudar aos estudantes universitários, a elevar o
espírito de gestão participativa, de solidariedade, de justiça e de equidade, como forma de
mitigar os factores que concorrem para atitudes e comportamentos negativos como por
exemplo, a evasão fiscal, o contrabando, o descaminho, o suborno, a sonegação e outros males.

Portanto, o propósito deve ser a construção duma universidade cidadã, atenta à dinâmica da
sociedade em que está ou se encontra inserida além das paredes ou limites da sua acção
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pedagógica, devendo saber também, com que público lida, como deve fazer para elevar a sua
auto-estima, reprimir ou acabar com as exclusões sociais e dessa maneira impulsionar ou
estender as oportunidades de inclusão à todos os membros da sociedade.

Depois desta reflexão, parece estarem criadas as condições para uma melhor compreensão da
complexidade dos factores que desempenham papel fundamental nos processos de formação
para a cidadania. Deste modo, no ponto que se segue discute-se o papel da educação para a
constituição da cidadania no seio do educando.

4. Educação para a cidadania

Na actual visão global do mundo sobre a cidadania, os docentes devem, através da sua acção
pedagógica fazer com que o estudante universitário seja consciencializado e pense e perceba
que deve assumir-se como um dos principais agentes da mudança da sociedade onde se encontra
inserido através da promoção da justiça, da equidade, solidariedade, do respeito pelas
leis/normas instituídas, do sentido patriótico e outros aspectos de natureza cidadã, e não ser um
mero espectador e “consumidor passivo” daquilo que é dado.

Para (Veiga, 2005 p.13), a palavra educação tem a sua raíz no


latim “educecare” (verbo) que significa “criar”, “alimentar”.
Para outros, a palavra vem de um verbo mais antigo “educere”,
composto da preposição ex, que indica direcção para fora, e do
verbo ducere (conduzir), significando por isso, tirar de dentro
para fora, fazer sair.
Conforme explica o autor, são estes dois significados etimológicos que se unem e se completam
para nos explicar que a educação se compõe de dois movimentos: um de dentro para fora, que
é o desenvolvimento e outro, de fora para dentro, que é a ajuda, o alimento, o apoio, a orientação
dos outros.

Conforme explicam (Príncipe e Diamante, 2016 p.2), o termo


educação abrange um universo que extrapola a instituição
escolar, esta socialmente entendida como responsável pela
formação dos indivíduos, principalmente no que tange ao acesso
aos conhecimentos historicamente acumulados e sistematizados.
Porém, para além das experiências educativas escolares, existem
as que ocorrem fora da escola, e que podem ser denominadas
como educação informal e educação não - formal.
(Pessanha et al, 2014 p.234), advogam que “a educação ainda é vista como um acto que visa a
inserção do indivíduo numa sociedade que se pretende ordenada e harmónica”. Os autores
frisam ainda que, “esta definição é concordante com a atitude que toma Durkheim (1966), ao
41

sentenciar que o sistema educativo não teria em vista, em primeiro lugar, o desenvolvimento
do indivíduo, mas seria um meio de, a sociedade, proceder a integração dele nas suas
estruturas”.

De acordo com (Luzuriaga, 1967 p.1), “a educação é entendida como a influência intencional
e sistemática sobre o ser juvenil, com o propósito de formá-lo e desenvolvê-lo”. Significa
também a acção genérica ampla, de uma sociedade sobre as gerações jovens, com o fim de
conservar e transmitir a existência colectiva. Através destas diferentes perspectivas teóricas de
conceituação da educação, é possível perceber que neles se evidenciam os aspectos
relacionados com o desenvolvimento e integração do Homem. Daí que, fica desde já
demonstrado que a educação é um elemento indispensável da cultura das sociedades pois, é
através da educação que é realizada a aquisição e transmissão da mesma. E, é nesta cultura, em
constante mudança, onde encontramos os costumes, os valores, as crenças e os saberes que
caracterizam a sociedade.

Procurando caracterizar e salientar a importância da educação na construção da personalidade


do homem, constituindo este, por isso, um dos seus direitos fundamentais, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, adoptada em 1948, pela ONU, consagrava que “toda a
pessoa tem direito à educação”; esta deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade
humana e o reforço do respeito e das liberdades fundamentais.

Ademais, o processo educativo, de modo particular, o referente aos direitos do homem, favorece
a construção da cidadania e pode ser vital na comunicação entre diferentes segmentos. É na
área da educação que se começa com a formação da consciência dos sujeitos, na perspectiva de
construir crenças e valores moldados no respeito ao ser semelhante e na materialização dos
direitos consagrados, requerendo isso, um combate enérgico, global e permanente. Face ao
referenciado, e considerando a abordagem da cidadania activa, o conceito de cidadania deverá
implicar uma série de actividades a executar dentro do ambiente escolar ou de formação,
independentemente da faixa etária dos indivíduos, visando muni-los de capacidades para
poderem enfrentar os desafios do presente e do futuro das nações.

A educação para a cidadania no contexto escolar e sobretudo nas universidades, devido à sua
abrangência e relevância para a formação integral do estudante, pode promover, segundo
explicam (Henriques et al, 1999 p.11), “a participação responsável dos cidadãos na vida pública
do país, quer a partir dos processos de representação política, quer do empenhamento nas
instituições da sociedade civil, e compromisso nos princípios fundamentais da democracia”.
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De modo a garantir a realização deste objectivo, revela-se pertinente a apropriação de um


conjunto de conhecimentos, aptidões e capacidades de intervenção por parte do estudante, cuja
disseminação ou transmissão deve ser exercida por entidades escolares incluindo as
universidades. Num estado de direito como Moçambique, a educação escolar detém uma
responsabilidade particular no desenvolvimento das competências cívicas, quer através do
curriculum formal, quer através dos procedimentos da vida da escola.

Deste modo, esta indicação transcorre da base legal – Lei nº 6/92 de 6 de Maio - que suporta o
Sistema Nacional Educativo (SNE) moçambicano em cujo teor é prevista a formação cívica do
estudante.

A alínea a, do artigo 2, determina como um dos princípios


pedagógicos, o desenvolvimento das capacidades e da
personalidade de uma forma harmoniosa, equilibrada e
constante, que confira uma formação integral; por sua vez a
alínea b, anuncia como um dos princípios orientadores, o
desenvolvimento da iniciativa criadora, da capacidade de estudo
individual e de assimilação crítica dos conhecimentos.
Realmente, o SNE desempenha papel fundamental na educação cívica e moral das crianças e
jovens pois, a alínea d, do artigo 3, determina como um dos objectivos do Sistema Nacional de
Educação “Formar cidadãos com uma sólida preparação científica, técnica, cultural e física e
uma elevada educação moral, cívica e patriótica”. Uma outra perspectiva interessante, que deve
ser utilizada para o desenvolvimento de competências em termos de cidadania, é que os
estudantes para além dos conhecimentos adquiridos devem,

De acordo com (Henriques, 1999 p.12), ser solicitados a


envolver-se em projectos concretos de acção dentro da
comunidade escolar, assumindo responsabilidades na
gestão dos assuntos da turma; participar nas associações
estudantis; apresentar petições à assembleia escolar e ao
conselho pedagógico; realizar actividades na comunidade;
dirigir-se à comunicação social; simular tarefas de
organismos governamentais, legislativos e judiciais;
dialogar com os representantes dos poderes públicos e dos
interesses privados.
De acordo com (Cardona, 2011 p.40), no processo de
educar para a cidadania, é desejável que o estabelecimento
de ensino/universidade, seja um espaço de respeito pela
diversidade de quem a frequenta, não se correndo o risco
de culturas dominantes mergulharem as idiossincrasias
(susceptibilidades) culturais das minorias.
43

A autora esclarece que a cidadania numa sociedade plural implica o exercício da diferença e da
reciprocidade, a consciência de deveres e direitos, aquisição de qualidades relacionais e de
comunicação positiva e a rejeição de desigualdades, de preconceitos e de racismos.

Para (Cardona et al, 2011 p.42), cada estudante


universitário deve aprender a ter responsabilidade pelas
tarefas que tem de desempenhar como estudante e na vida
quotidiana para além da escola, de modo a desenvolver
competências necessárias ao exercício de uma verdadeira
cidadania. Revela-se essencial o desenvolvimento de
valores, de atitudes, de padrões de comportamento e de
compromissos para com a sociedade.
Relativamente aos objectivos estabelecidos para o ensino superior, encontramos também
presente o fenómeno educação para a cidadania, isto no nº 2, do artigo 21, do SNE, onde está
previsto que, “deve se incentivar a investigação científica e tecnológica como meio de formação
dos estudantes, de solução dos problemas com relevância para a sociedade e de apoio ao
desenvolvimento do país”.

Pomar et al, 2013 p.41, sustentam que com a globalização económica, as desigualdades sociais
crescem de dia para dia ameaçando direitos humanos fundamentais.
Por isso, o papel dos intervenientes no processo educativo deve ser o de promover, difundir e
partilhar os conhecimentos acerca da administração pública, de forma particular, a tributação,
a alocação dos recursos e o devido controle dos gastos públicos, noções indispensáveis para a
consciência da cidadania.

(Cadorin, 2017 p.8), explica que, o gestor escolar, os professores,


os estudantes, a equipe pedagógica e funcionários, reproduzem
no espaço escolar as relações existentes na sociedade; portanto, a
abordagem da cidadania deve partir dos conteúdos
historicamente acumulados e deve ser feita através de matérias
que mobilizam a vida dos que actuam na escola, bem como da
comunidade onde ela está inserida, representando suas reais
necessidades, que se encontram reflectidas nas relações sociais
em vigor.
Sendo assim, é de esperar que, nas escolas/universidades sendo os locais onde, de modo geral,
é promovido o desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades, através da aquisição das
competências técnicas e comportamentais para a formação duma cidadania responsável, sejam
realizadas acções concretas com todos os estudantes, com o envolvimento estratégico dos
docentes, de forma mais arrojada, abrangente e de carácter permanente. Estas acções podem a
médio prazo, envolver os pais/encarregados de educação, famílias, líderes comunitários,
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44

organizações da sociedade civil, etc., como forma de promover a sua disseminação em prol da
mudança social através do pagamento do imposto, do pedido do recibo dos pagamentos
efectuados e do distanciamento dos actos ilícitos, em prol do bem-estar global.

Assim, percebe-se que cada cidadão/estudante, através do processo de ensino e aprendizagem


deve sentir-se parte integrante do processo de construção da cidadania, e de modo particular,
da cidadania fiscal, devendo uma vez consciencializado, cumprir com os seus deveres e
obrigações, como por exemplo, o dever fundamental de pagar imposto. De acordo com (Nabais,
2012 p.64), “os deveres fundamentais seriam os deveres jurídicos do homem e do cidadão que,
por determinarem a posição fundamental do indivíduo, têm especial significado para a
comunidade e podem por esta ser exigidos”.

Uma vez abordada a cidadania como uma condição de todo o cidadão e por via disso,
compreendido o pagamento do imposto como um dever fundamental, e tendo em atenção o
facto de, os deveres fundamentais serem considerados deveres para com a comunidade, e que
devem ser exercidos pelos cidadãos na qualidade de contribuintes através do cumprimento das
obrigações ético – morais estabelecidas, fica lançado desde já, o desafio de, no Pós Covid 19,
todos contribuirmos à medida da nossa capacidade contributiva, para o desenvolvimento do
nosso país, rumo ao fim das desigualdades e diferenças no acesso às oportunidades.

5. Conclusão

O contexto no período pós – pandemia da covid – 19 será desafiador, uma vez que, se por um
lado, teremos problemas sociais, económicos, políticos e outros, a requererem solução
adequada e nalguns casos pontual. Noutros casos, teremos o exercício do poder público, por
meio do sistema fiscal, que deverá agir em conformidade com os ditames da lei, exigindo o
cumprimento do dever fundamental de pagar imposto, ainda que este exercício não surte os
efeitos desejados em termos de volume de receita arrecadada, pois são poucos os contribuintes
que pagam o imposto no país.

Deste modo, o estudo em pauta buscou elucidar e chamar a atenção para a consciencialização
permanente do cidadão/estudante sobre a necessidade de contribuir na medida da sua
capacidade contributiva para o melhoramento ou criação de condições de vida adequadas para
todos os segmentos e extractos sociais da sociedade.
45

Necessidade ainda mais premente quando situações como, a actual pandemia da covid-19,
deixou a nu, todas as dificuldades/insuficiências que os sectores – chave do país enfrentam,
como por exemplo, o sector da educação. A educação para a cidadania, e em particular a
cidadania fiscal, é um dos processos que pode ser utilizado na formação de atitudes e
comportamentos dos cidadãos, que em último se expressará pelo pagamento de impostos.

Para uma reflexão e compreensão sobre o tema, foram abordados aspectos como a educação, a
educação fiscal, a educação para a cidadania e foi observado como um dever fundamental do
cidadão, o pagamento de imposto. Por isso, no pós covid-19, as instituições de ensino e
sobretudo as universidades são chamadas a consciencializar sobre a importância social do
tributo, promovendo e incutindo o espírito de cidadania a todos os estudantes em particular e a
todos membros da sociedade, em geral, em busca incessante do melhoramento da qualidade de
vida, de modo global.

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88

Implementação de estágios profissionalizantes no período de COVD-19: uma experiência


dos cursos de Licenciatura em ensino Básico e em Ciências Ambientais

Ana Paula Luciano Alichi Camuendo 10

Elídio Eugénio David Naene Madivádua 11

Resumo
O presente artigo é resultado de reflexões sobre a implementação de estágio pedagógico e
técnico-profissional nos cursos de Licenciatura em ensino Básico e Ciências Ambientais
respectivamente na Universidade Pedagógica de Maputo (UP-Maputo) no período de COVD-
19. Assim, falar de supervisão pedagógica num contexto de formação inicial implica repensar
nas práticas implementadas na UP com a finalidade de estimular e desenvolver competências,
atitudes autónomas, participativas e colaborativas dos futuros professores e técnicos de outras
áreas. Este tema enquadra-se no eixo “Que didácticas, dinâmicas do ensino, avaliação e outras,
em contexto de crise e como recurso a plataformas tecnológicas? A fundamentação teórica
baseou-se nos saberes dos teóricos como Pimenta & Lima (2011), Tczani (2011), Medeiros
(2012) e outros. A partir de uma abordagem qualitativa fez-se análise de dados obtidos, através
do questionário aplicado aos estudantes do 4o ano do curso de Licenciatura em ensino Básico e
os estudantes do curso de Licenciatura em Ciências de Ambientais. O estudo permitiu concluir
que os estagiários avaliam positivamente a sua experiências de realizar o estágio
profissionalizante no período de COVI-19 apesar dos desafios que este processo impôs como a
falta de internet, falta de transporte para o local de estágio devido a limitação do número de
passageiros, falta de infraestruturas tecnológicas nas instituições, falta de capacitação para o
uso das plataformas recomendadas, problemas de comunicação com os encarregados de
educação e falta de recursos para providenciar o acesso as plataformas. Também, consideram
condições necessárias para a realização de estágio a disponibilização de kits de equipamento e
material de higiene e segurança, uso de recursos tecnológicos para a supervisão das actividades
de estágio, capacitação de todos os intervenientes no uso de plataformas de forma que certas
actividades possam ser desenvolvidas em casa para evitar as deslocações diárias.
.
Palavras-chave: Estágio profissionalizante, Tecnologias educacionais, supervisor, Tutor

10
Doutorada em Educação/Currículo pela Faculdade de Ciências da Educação e Psicologia, docente da Faculdade
de Ciências Naturais e Matemática na Universidade Pedagógica de Maputo e pesquisadora do CEPE.
11
Licenciado em Ciências de Educação, Mestrando em Desenvolvimento curricular na Faculdade de Educação na
UEM, docente da Faculdade de Ciências da Educação e Psicologia na Universidade Pedagógica de Maputo
89

1. Introdução
A realização de estágio profissionalizante na formação de professores e de outros técnicos é
fundamental para garantir a qualidade dos graduados, pois é o momento em que os formandos
têm a oportunidade de vivenciar a situação real da sua futura profissão.

De acordo com o Regulamento Académico, o estágio


profissionalizante é uma actividade curricular articuladora da
teoria e prática que garantem o contacto experiencial do
praticante com situações psicopedagógicas, didácticas e laborais
concretas, possibilitando a inserção do futuro graduado no
mercado de trabalho, apoiando actividades de extensão ou treino
profissional e que a sua implementação deve ser obrigatória na
modalidade real (UP, 2017a).

Nesta perspectiva, o estágio é realizado nas escolas e nas instituições parceiras, garantindo
o aprimoramento de conhecimentos técnicos e científicos, a observação e a interação com os
funcionários que actuam em diferentes sectores. De salientar que, no processo de estágio são
envolvidos vários intervenientes a destacar, o supervisor que é docente da UP-Maputo a quem
lhe é atribuído um grupo de estudantes; um ponto focal que é representante das instituições
parceiras que viabiliza os contactos com os representantes da UP, visando a busca de soluções
para os diferentes problemas que podem ocorrer ao longo da vigência do acordo de parceria;
um tutor que é professor da escola ou formador do Instituto de Formação de professores ou
ainda o agente empresarial/técnico Profissional que acompanha, apoia e orienta o formando e,
por último o estagiário que é o discente da UP que realiza o estágio pedagógico ou técnico
profissional (UP, 2018b).

Para Motta & Silva (2012) o desafio da educação é evitar que haja ofício sem saberes e
saberes sem ofício, isto é, deve-se garantir uma articulação entre os saberes e o ofício em todos
os cursos. Neste contexto, o estágio contribui para que o formando se integre na sociedade, por
meio de uma adaptação a sua futura profissão.
O uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC´s) como recurso indispensável
para o processo de ensino-aprendizagem (PEA) estava eminentemente relacionada a
implementação dos currículos na modalidade a distância. Contudo, com o advento da pandemia
de COVID-19, estes recursos foram expandidos também para a modalidade presencial, dado
que através do decreto presidencial no 11/2020 de 30 de Março determinou-se que as
instituições de ensino deveriam encerrar e adoptar estratégias que permitissem a continuação

REVISTA MOÇAMBICANA DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO - PsiEdu DEZEMBRO DE 2020, VOL. 1, Nº 2


90

das actividades lectivas com os estudantes fora das instituições, garantindo desta maneira o
PEA.
No caso dos estagiários do curso de Licenciatura em Ensino Básico havia sido acordado
que a supervisão seria presencial e iniciariam com o estágio logo depois de se apresentarem nas
escolas. No entanto, o estado de emergência decretado pelo presidente da república implicou a
reconstrução de estratégias onde os estagiários consideraram haver condições para
desenvolverem as suas actividades dado que os alunos ficariam em casa, mas os professores
das escolas continuariam a trabalhar no sentido de providenciar o material de aprendizagem.
Na sequência, os estagiários do curso de Licenciatura em Ciências Ambientais que estavam
a realizar as suas actividades em instituições parceiras também continuaram a desenvolver as
suas actividades, respeitando as medidas de prevenção anunciadas pelo Ministério da Saúde e
a Organização Mundial da Saúde (OMS). Neste sentido, a supervisão das actividades do estágio
continuou a ser feita, através de plataformas identificadas pela instituição (plataforma Moodle,
emails, watsapp, Google Classroom, Zoom, etc). Para além destas ferramentas, foi usado o
sistema de mensagens (sms) e chamada de voz para a comunicação com os estagiários, o que
nos tempos quem correm, não constitui problema porque a construção do conhecimento dá-se
através de múltiplas possibilidades.
Assim, o presente artigo pretende trazer algumas experiências de realização de estágio no
período de COVID-19 com recurso as TIC´s como forma de incentivar os demais estagiários e
supervisores da UP-Maputo, contribuindo para a melhoria de qualidade de ensino. A pergunta
que orienta esta pesquisa é: até que ponto as TIC´s podem possibilitar a realização de
estágio no período de COVID-19?

2. Objectivos
2.1. Geral
 Reflectir sobre a organização e implementação dos estágios profissionalizantes com
recurso às TIC´s na UP-Maputo.
2.2.Específicos
 Caracterizar as percepções dos estudantes sobre os desafios da realização do estágio no
período de COVID-19;
 Identificar as dificuldades dos estagiários face ao uso das TIC´s;
 Propor estratégias de supervisão do estágio, com recurso às TIC´s, no período de
COVID-19;
91

3. Questões científicas
 Quais são as percepções dos estudantes sobre a realização do estágio no período de
COVID-19;
 Que dificuldades os estagiários enfrentam no uso das TIC´s;
 Que estratégias podem ser adoptadas pelos supervisores no período de COVID-19.

4. Fundamentação teórica

4.1.Conceito de estágio profissionalizante

Vários autores apresentam, de certo modo, alguma uniformidade relativamente ao


conceito de estágio. Segundo Pimenta & Lima (2011), o estágio é um período acadêmico onde
podemos conhecer os avanços e os conflitos existentes entre a teoria e a prática, o qual constitui-
se como um momento indispensável para à formação técnica, pois o conhecimento teórico é a
base para uma boa prática que possibilita uma rica vivência no campo de actuação. Deste modo,
compreende-se que o estágio permite o formando interagir com as situações presentes no
mercado de trabalho tendo como base os conhecimentos adquiridos na formação.
Na sequência, Almeida & Pimenta (2014) referem que o estágio é laboratório para
desenvolver habilidades essenciais para a profissão e que farão diferença na actuação do
graduado no mercado de trabalho, sendo esta uma experiência transformadora não só para a
formação acadêmica, mas para o desenvolvimento de autonomia, capacidade de gestão do
tempo, capacidade de portar e se relacionar adequadamente em um ambiente corporativo, entre
outras.

4.2. Funções/importância do estágio profissionalizante

O estágio contribui para que o formando tenha a oportunidade de vivenciar situações


que favorecem o movimento de acção-reflexão-acção sobre a sua prática, o desenvolvimento
de um olhar sensível e interpretativo às questões da realidade, uma postura investigativa, a
percepção das dificuldades que o sector produtivo enfrenta, além de permitir que o mesmo se
integre na sociedade por meio de adaptação a sua futura profissão (Pimenta & Lima, 2011).
Estes autores referem, ainda, que o estágio proporciona ao formando a participação de
actividades em situação real facto que contribui para o aperfeiçoamento técnico, cultural,
científico e relacionamento humano que permite também o feedback entre a universidade e os
empregadores. Estes factos justificam a realização de estágios sob forma de projecto de
intervenção adoptados pela UP-Maputo.
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92

Para Barreiro & Gebran (2006), o estágio traz uma serie de benefícios para os
formandos, entre os quais: possibilita a aplicação prática dos conhecimentos teóricos obtidos
na formação; facilita e antecipa a autodefinição face à futura profissão; reduz o impacto da
passagem da vida estudantil para a profissional, possibilitando a identificação das dificuldades
e busca da forma de aprimoramento; proporciona uma comunicação eficaz, através dos
relatórios que elaboram, além de incentivar o exercício do senso crítico e estímulo a criatividade
e proporciona a atitude responsável como respeito, disciplina, assiduidade, pontualidade a ética
profissional, etc.

4.3. Influência das TIC´s no ambiente educacional e no estágio profissionalizante


No contexto actual, dominado pela TIC´s, o papel do professor deve ser redimensionado
como agente facilitador do processo de ensino-aprendizagem onde as novas tecnologias
promovem a busca crescente por criação e inovação de práticas educativas diferenciadas no
sentido em que sejam necessárias infraestruturas adequadas que permitam a utilização de novos
meios no processo educativo (Aguiar, 2006). Neste sentido, o desafio da escola contemporânea
é aprender a lidar com a tecnologia e transformá-la em aliada da educação, pois é realidade que
os computadores, tablets, smartfones e outros meios fazem parte processo educativo do século
XXI (Ibid:20).
Segundo Leite et al. (2011), o desenvolvimento tecnológico ainda não chegou para todos e
a maioria dos indivíduos não tem acesso ao conhecimento sobre ele, cabendo a escola agir sobre
eles, colocando as TIC´s ao serviço dos alunos para o exercício da cidadania. Nesta perspectiva,
Tczani (2011), refere que as TIC´s têm possibilitado mudanças na produção de conhecimentos
renovados a uma velocidade espantosa, além de permitir a reorganização didáctica, pedagógica,
curricular, pois a facilidade de acesso às informações disponibilizados pelas tecnologias
proporciona uma nova forma de ensinar e aprender.
Assim, para que tais mudanças ocorram é importante a formação contínua dos professores,
pois não é possível fazer uma escola renovada se estes continuarem a utilizar metodologias
tradicionais que não se adequam a realidade.
Para Medeiros (2012), muitos professores não buscam a mudança para a sua prática
educacional, mantendo as características tradicionais pelo facto de não saberem quais os
recursos tecnológicos a aplicar, por não estarem qualificados para utilizar as tecnologias em
suas práticas como também pela ausência desses recursos. O mesmo autor refere que, não basta
ter recursos tecnológicos na instituição, mas sim é preciso conhecer bem o seu funcionamento,
93

pois a inserção das TIC´s nas práticas pedagógicas não deve ser visto como modismo, mas
como um instrumento capaz de incrementar e enriquecer o PEA.
Um estudo realizado por Leite et al (2011) com um grupo de estagiários revelou, através de
um questionário, que os recursos tecnológicos mais utilizados no estágio foram computadores,
vídeos e aparelhos de som apesar de existir um conjunto de recursos desde data show, softwares
educativos, Televisão, jogos educativos, email, etc. Para esta autora, o computador é um recurso
didáctico que possibilita não só a transmissão, mas também a construção de conhecimentos,
tornando-se uma importante ferramenta que facilita a comunicação e permite juntar a escrita, a
fala com rapidez, flexibilidade e interação.
Na mesma perspectiva, Gomes (2008) refere que, o vídeo quando bem explorado torna-se
uma importante ferramenta para a construção do conhecimento, visto que contempla a
linguagem audiovisual, promove a aprendizagem e auxilia na comunicação do conhecimento.
Este autor acrescenta que, o vídeo deve ser utilizado para suscitar discussões, debates,
enriquecer conteúdos, incentivar a produção audiovisual, introduzir novo conteúdo, estimular
a curiosidade, entre outros.

5. Metodologia de trabalho

Através de uma pesquisa qualitativa realizou-se um estudo de caso, onde participaram 20


estagiário, sendo 10 do curso de Licenciatura em Ensino Básico e 10 do curso Licenciatura em
Ciências Ambientais que realizaram o estágio no período de emergência (I o semestre de 2020).
Tratou-se de uma amostra disponível (McMillan & Schumacher, 2011), pois os resultados
obtidos não poderão ser generalizados a todos estagiários de outros cursos da UP-Maputo.
A presente pesquisa é caracterizada, segundo Lakatos & Marcon (2009), como descritiva
porque busca identificar dentro de um grupo específico a relação dos estagiários com as
tecnologias de informação e comunicação/plataformas. Os dados foram recolhidos através de
um questionário online que permitiu compreender o que os estagiários fizeram e o que pensam
acerca do estágio profissionalizante no período de COVID-19.
Os inquiridos foram atribuídos códigos, por exemplo, LEB2, onde “LEB” representa
estudante do curso de Licenciatura em Ensino de Básico e “2” número de ordem e “LCA”
representa estudante do curso de Licenciatura em Ciências Ambientais e “3” número de ordem.
Após a aplicação do questionário foi feita análise de conteúdo das questões abertas com
base no conjunto de categoriais definidas a posterior. A validade das afirmações dos estudantes

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está limitada ao contexto do estudo (Kumar, 2011). Relativamente a perguntas fechadas


recorreu-se a análise estatística, através de tabelas e gráficos.

6. Apresentação e discussão dos resultados do estudo

Relativamente a pergunta 1, 2 e 3 sobre as características dos estagiários (idade e género


e experiência profissional), de acordo com os dados da tabela 1, a maioria dos inquiridos (80%)
são do sexo masculino e quase todos (95%) têm alguma experiência profissional, com a
excepção de um estagiário que não tem nenhuma experiência.

Tabela 1: Características dos estagiários

Género Experiência profissional


Faixa etária
Feminino Masculino Sim Não
25-29 1 3 5
30-35 2 9 9 1
36-40 1 4 5
Total 4 16 19 1
Percentagem 20% 80% 95% 5%

De seguida apresenta-se algumas transcrições que ilustram as respostas dos estagiários:


“Sou técnica nos serviços distritais da educação, Juventude e Tecnologia de Namaacha”
(LEB4); “Professora do ensino básico desde 2009” (LEB5); “Docente de Biologia no colégio
adventista da Liberdade” (LEB2); “Docente do ensino primário desde 2010” (LEB10); “Tenho
experiência como técnico de recursos Humanos” (LCA1); “Técnico de saúde” LCA4; “Sou
polícia da intervenção rápida” (LCA6); “Secretário Doméstico” (LCA7).
Assim, o facto de a maioria dos estagiários já terem alguma experiência profissional, no nosso
entendimento, pode constituir-se num factor que favorece a integração dos mesmos no local de
estágio.

7. Em sua opinião, qual é o papel do estágio profissionalizante?


Da análise das respostas apresentadas pelos inquiridos acerca do papel do estágio
profissionalizante observa-se que todos têm informação da importância desta actividade
curricular na sua formação profissional como evidenciam as seguintes transcrições:
“Tem o papel de integrar progressivamente, o estudante em contextos reais de ensino e de
aprendizagem, contribuindo para a formação de especialistas de educação que saibam fazer
gestão do currículo, diferenciar a aprendizagem e a autoformação.” (LEB2); “O estágio
profissionalizante constitui uma das etapas da formação dos estudantes e com o COVI D-19,
95

permitiu que o estagiário continuasse a realizar as suas actividades, adaptando-se à nova


situação de dificuldades que vão surgindo na sua vida profissional” (LEB8); “O estágio
profissionalizante é de extrema importância na formação em qualquer área mas especialmente
na formação de professores, permite a integração do estagiário no contexto real do ensino e
aprendizagem de uma certa classe ou disciplina; contribui para a formação de um professor com
saberes teóricos e práticos” (LEB9); “O papel estágio profissionalizante é conciliar os
conhecimentos teóricos adquiridos na escola, no sector de estágio, de forma a prover o estudante
de conhecimentos mais sólidos sobre o seu curso, e ajuda-lo a propor medidas mais realísticas
através da prática” (LCA1); “O estágio profissionalizante é relevante porque treina e dá a
oportunidade aos estudantes para aplicarem os conhecimentos técnicos adquiridos durante a sua
formação e, também, preparar os mesmos através de acções concretas e sólidas para a vida
profissional” (LCA5).
As afirmações apresentadas pelos inquiridos dão-nos indicação de que estes possuem
conhecimentos sobre a matéria, pois Pimenta & Lima (2011) afirmam que o estágio contribui
para que o formando tenha a oportunidade de vivenciar situações que favorecem acção-
reflexão-acção sobre a sua prática, permitindo que o mesmo se integre na sociedade por meio
de adaptação a sua futura profissão.

8. Como avalia a sua experiência de realização do estágio no período de COVID-19?


Gráfico 1: Experiência da realização do estágio profissional no período de COVID-19


10%
25%
15% Boa
MBoa
50% Excelente

No concernente à avaliação da experiência de realização de estágio no período de


COVID-19, nota-se que o total de 75% dos inquiridos consideram boa, apesar de cerca de 25%
ter afirmado que foi má não no sentido de não ter valido apenas, mas pelo facto de terem tido
muitas dificuldades devido a situação de emergência que se vive. As transcrições que se seguem
ilustram algumas justificações apresentadas pelos estagiários.

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96

“Avalio a experiência de realização do estágio como boa, pois pude ver in-loco, como é feita a
avaliação do impacto ambiental, o plano de lavra, porém o tempo não foi suficiente para
adquirir mais conhecimentos práticos devido a pandemia de COVID-19” (ELCA1); “A
realização do estágio no período de COVID-19 foi muito complicado isto porque, não foi
possível desenvolver certas actividades em todos sectores em conjunto devido ao
distanciamento social e a rotatividade dos funcionários”(LCA2); “Foi complicado porque só
pelo facto de estar com receios pela forma de contágio da doença e da circulação diária, possível
contacto cada funcionário e tinha que me adaptar a nova postura devido a doença que deixou a
todos em estado de alerta” (LCA3); “Eu avalio a minha experiência de realização do estágio
como muito boa, apesar da pandemia de COVID – 19, e eu considero as dificuldades como
desafios, e vejo mais oportunidades para aprender” (LCA5); “Boa, mas tive um contacto muito
curto com os alunos para apoiar nas suas aprendizagens”. (LEB2); “Foi uma experiência visto
que depois do decreto presidencial tivemos que elaborar as fichas de actividades de
aprendizagem que iam servir como guião para os nossos alunos” (LEB3); “Pude adquirir
experiência de organização de ensino em condições adversas como as da pandemia do COVID-
19” (LEB6); “Como resultado da pandemia de COVID-19, o estágio teve uma característica
diferente do normal, sobretudo na segunda fase, a de leccionação de aulas onde participei na
elaboração de fichas de actividades de aprendizagem a serem enviadas para os alunos através
do encarregados da educaçao que na semana seguinte recebíamos dos mesmos para a
correcção” (LEB9).

Assim, tendo em consideração as opiniões dos inquiridos é fundamental uma reflexão


sobre este assunto, pois a adaptação a nova realidade obriga todos os intervenientes do processo
educativa a encontrar estratégias que possam ajudar a tornar as práticas e estágios
profissionalizantes realizáveis em tempo de COVID-19 tanto na escola como nas instituições
parceiras onde ocorrem os estágios para cursos que não são de formação de professores.

Relativamente as questões 6 e 7 sobre os recursos tecnológicos utilizados pelos


estagiários na interação com o tutor e com o supervisor, todos afirmaram que utilizaram
recursos tecnológicos, sendo telemóvel (100% com supervisor e 75% com o tutor), o
computador (100% com supervisor e 25% com tutor) e internet 100% como se pode observar
na tabela que se segue.
97

Tabela 2: Recursos utilizados pelos estagiários na interação com o supervisor e tutor


Recursos tecnológicos utilizados na interacção com supervisor e tutor
Interveniente Computador % Telemóvel % Internet %
(sms)
Tutor 4 25 16 75 20 100
Supervisor 20 20 100 20 100
100

Deste modo, as afirmações dos inquiridos encontram sustento nos argumentos do Aguiar
(2006) ao salientar que, o desafio da escola contemporânea é aprender a lidar com a tecnologia
e transformá-la em aliada da educação. No entanto, muitos docentes não buscam a mudança
para a sua prática educacional, mantendo as características tradicionais talvez pelo facto de não
saberem quais os recursos tecnológicos a aplicar e/ou por falta qualificações para a utilização
de tais tecnologias em suas práticas bem como pela ausência dos mesmos no contexto
educacional (Medeiros, 2012).

9. Que plataformas usou durante o seu estágio?

Gráfico 2: As plataformas usadas durante o estágio

Plataformas usadas
20

10

0
Watsapp Email Plataforma Moodle

De acordo com os dados obtidos, os inquiridos afirmaram que usaram whatsapp (90%),
email (70%) e plataforma Moodle (65%). Estes resultados evidenciam a necessidade de se
alocar mais recursos as instituições de ensino, pois nesta fase da pandemia a inserção das TIC´s
nas práticas e estágios profissionalizantes não deve ser visto como modismo, mas como uma
estratégia que poderá garantir a realização das actividades práticas na UP-Maputo.

10. Recebeu alguma capacitação para o uso das plataformas?

Tabela 3: Capacitação dos estagiários no uso das plataformas


Capacitação no uso de plataformas Total
Sim % Não % %
13 65 7 35 20 100
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98

No concernente à opinião dos inquiridos acerca da capacitação para o uso das


plataformas, nota-se que a maioria (65%) afirmou que foram capacitados sendo estes do curso
de Licenciatura em ensino Básico na modalidade à distância e os restantes 35% afirmaram que
não foram capacitados e os mesmos são do curso de Licenciatura em Ciências Ambientais na
modalidade presencial.
De referir que, todo estudante da modalidade à distância recebe capacitação sobre a
utilização das TIC´s, logo no primeiro semestre do 1o ano, como estratégia para garantir a
melhoria de qualidade de ensino, pois as TIC´s são ferramentas essenciais para esta modalidade
de ensino. Em contrapartida, os estudantes de outros cursos não recebem esta formação. No
entanto, dada a situação da COVI-19, apela-se as unidades académicas para que reflictam sobre
as possibilidades de capacitação os seus estudantes.

11. Teve supervisão/acompanhamento durante o seu estágio?


Gráfico 3: Modalidades de supervisão do estágio

Modalidades de supervisão
30

20

10

0
Presencial A distância

Relativamente a esta questão, constata-se que todos os inquiridos afirmaram que tiveram
supervisão na modalidade presencial e à distância. Essa situação deveu-se pelo facto do
primeiro estado de emergência ter sido decretado no mês de Março, isto é, na fase inicial do
estágio onde os mesmos estabeleciam os primeiros contactos com os seus supervisores no
contexto da pré-observação. Nesta fase, os estagiários são preparados em seminários sobre as
actividades a desenvolver no estágio, incluindo as estratégias metodológicas e tecnológicas de
trabalho de campo nas fases seguintes (observação e pós-observação), tal como recomenda
DUARTE et al., (2008) ao afirmar que é tarefa do supervisor, entre outras, acompanhar os
estagiários em todas as tarefas relativas a esta actividade curricular.
99

12. Na sua opinião, a supervisão que recebeu permitiu atingir os objectivos do estágio?

Gráfico 4: Opinião dos estagiários em relação a consecução dos objectivos do estágio

Concecução dos objectivos com a supervisão


20

10

0
Sim Não

No que tange ao alcance dos objectivos do estágio, a maioria (85%), afirmou que
alcançou os obejctivos. As opiniões dos inquiridos são ilustradas pelas seguintes descrições:
“Alcancei porque a estratégia de supervisão com auxílio de plataformas adoptadas serviu para
ultrapassar todas as dúvidas que ia encontrando ao longo do estágio” (LEB6); “Apesar o
distanciamento social imposto por causa do COVID-19 houve no decorrer do estágio
preocupação por parte dos supervisores de manter o contacto, seja por meio da plataforma ou
pelo grupo do watsapp. Em caso de dúvida ou qualquer inquietação também estávamos
autorizados a efetuarmos chamadas telefónicas para os supervisores” (LEB9); “Permitiu sim,
porém em algum momento senti a falta de uma supervisão presencial, pois esta permite uma
interacção mais “realística” do ponto de vista de dúvidas, torna-se mais fácil perceber assim
como expor a dúvida” (LCA1); “Sim, atingiu os objectivos do estágio porque cada duvida que
necessitasse de esclarecimento, a supervisora esclarecia claramente a dúvida” (LCA2); “Sim
Porque através da explicação e manuais orientadas pela supervisora nas primeiras semanas do
semestre ajudou-me bastante na elaboração do relatório como também na identificação do
problema ambiental no local de estágio”(LCA7); “Não porque o tempo não foi suficiente”
(LCA6).
Da análise desse conjunto de afirmações verifica-se que os inquiridos reconhecem que
apesar da situação da pandemia que obrigou a mudança de estratégias na implementação do
estágio os objectivos foram alcançados, pois Pimenta & Lima (2011) afirmam que o estágio
proporciona ao formando a participação de actividades em situação real facto que contribui para
o aperfeiçoamento técnico, cultural, científico e relacionamento humano que permite também
o feedback entre a universidade e os empregadores.

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100

13. Quais foram as dificuldades que enfrentaram durante o estágio?


Relativamente às dificuldades que os estagiários enfrentaram durante a realização do
estágio, os inquiridos apresentam um conjunto, de natureza diversa, como ilustram os
depoimentos que se seguem:
“Houve dificuldades começando pelo medo de deslocação a escola, falta de transporte, falta de
livros no formato físico para ler e, principalmente, a interacção com o aluno a princípio meus
objectivos estavam ligados a interacção pessoal com o mesmo” (LEB1); “Falta de rede da
internet e biblioteca no local do estágio” (LEB3); “Contacto com os encarregados de educação,
fraco uso de tecnologias por parte dos encarregados de educação” (LEB10); “A grande
complicação foi devido a COVID-19 que não permitiu o contacto esperado com vários técnicos
dos sectores, dificuldades na disponibilização de informação por parte dos funcionários do local
do estágio” (LCA2); “Dada a conjuntura da COVID-19 muitas actividades ficaram pendente,
por exemplo as que tinham a ver com deslocação para o campo, por exemplo: reuniões com a
população” (LCA4).
Da análise deste conjunto de afirmações, constata-se que os inquiridos apontam várias
dificuldades com maior destaque para o transporte dada a limitação do número de passageiros
nos transporte públicos como uma das medidas de prevenção do COVID-19 e a falta de internet.

14. Em sua opinião, que condições são necessárias para a implementação de estágio no
período de COVID-19?
Em relação as condições necessárias para implementação do estágio no período de
COVID-19 todos os inquiridos apresentam opiniões similares ao afirmarem que é fundamental
a capacitação sobre o uso dos recursos tecnológicos dos intervenientes do estágio, além da
implementação das medidas de prevenção já divulgadas pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) e o ministério de saúde. A descrição acerca das condições de implementação do estágio
fica bem caracterizada pelos seguintes depoimentos:
“As condições são imprevisíveis, dado às regras impostas pelos serviços sanitário. Onde agente
apenas tem que obedecer o estipulado. Todavia, o mais importante que se cumpra com as regras
sanitário para preservar a vida” (LCA4); “Para a implementação de estágio no período de
COVID-19, são necessárias equipamentos de higiene e proteção do estagiário e direito de
transporte para a sua locomoção” (LCA5); “Estágio a distância com o uso de algumas
plataformas existentes” (LCA6); “Bom, dever-se-ia implementar o uso dos recursos
tecnológicos sob monitoramento de supervisores de modo a avaliar a eficácia dos mesmos e
desse modo evitar o contacto pessoal e a propagação do Vírus” (LEB2); “É preciso que se
101

disponham Kits de higiene pessoal como mascara e desinfetantes” (LEB5); “Uso racional de
tecnologias de comunicação e informação, uso de plataformas como aplicativo ZOOM para o
contacto e interacção” (LEB10); “Para a implementação do estágio no período do COVID-19,
é necessário que se invista nas plataformas do Ensino a distância. Os alunos devem dispor de
meios de comunicação que permitam comunicar-se com os professores via vídeo chamada; os
estagiários devem ter condições para manter comunicação com os alunos durante o processo de
resolução de fichas de leitura” (LEB12).
As afirmações dos inquiridos encontram o sustento nos dizeres do Tczani (2011) ao
referir que, as TIC´s permitem a reorganização didáctica, pedagógica, curricular, pois a
facilidade de acesso às informações disponibilizados pelas tecnologias proporciona uma nova
forma de ensinar e aprender.

15. Que sugestões deixa para a melhoria do estágio no período de COVID-19?


Relativamente as sugestões são apresentadas várias ilustradas pelas seguintes
transcrições:
“Capacitar todos funcionários e estagiários sem excepção no uso de plataformas e, que certas
actividades possam ser desenvolvidas em casa para evitar as deslocações diárias" (LCA 2);
“Recomendo um aumento do período de estágio devido a quarentena e rigorosidade na
protecção e prevenção contra a propagação do vírus” (LCA3); “A empresa ou instituição
deveriam elaborar plano de actividades executáveis a distância” (LCA7); “Para a melhoria do
estágio, recomendaria que se usasse mais os recursos tecnológicos por forma a se evitar maior
contacto entre os estagiários e a escola” (LEB6); “Todos os trabalhos para o acampamento do
estágio deviam ser enviados, através da plataforma para evitar a mobilidade dos estudantes que
estão distantes do centro de recursos” (LEB8).
As sugestões que os estagiários apresentam para melhoria do estágio pedagógico e técnico
profissional no período de COVID-19, passam fundamentalmente, pela criação e melhoria das
condições tecnológicas, capacitação de todos intervenientes no uso das TIC´s, cumprimento de
medidas de prevenção contra a propagação do vírus, entre outras.

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102

16. Conclusões e sugestões

16.1 Conclusões

 Todos os inquiridos possuem conhecimentos sólidos sobre o papel do estágio


profissionalizante para o aperfeiçoamento técnico dos formandos;
 A maioria dos estagiários (75%) avaliou a sua experiência de realização de estágio
profissionalizante no período de COVI-19 como sendo boa, embora um número
significativo (25%) tenha afirmado que não foi boa;
 Relativamente ao uso de recursos tecnológicos quase todos os inquiridos afirmaram que
utilizaram apenas telemóvel e computador, apesar dos teóricos afirmarem que a lista
desses recursos vai desde do data show, vídeos, softwares educativos, Televisão, jogos
educativos, email, entre outros;
 A maioria dos inquiridos (65%) afirmou que foram capacitados no uso das TIC’s sendo
estes estagiários do curso de Licenciatura em Ensino Básico na modalidade à distância
e os restantes 35% afirmaram que não foram capacitados e os mesmos são do curso de
Licenciatura em Ciências Alimentares da modalidade presencial cuja capacitação até
então não se impunha obrigatória.
 Os inquiridos afirmaram que as condições necessárias para a realização de estágio no
período de COVID-19 são: kits de equipamento e material de higiene e segurança,
recursos tecnológicos para possibilitarem a monitoria das actividades de estágio à
distância, a criação de infraestruturas tecnológicas na UP-Maputo e nos locais de estágio
e a capacitação de todos os intervenientes do estágio profissionalizante.

16.2. Sugestões

 Capacitar dos docentes, estudantes, supervisores e tutor em TIC’s para garantir o


acompanhamento das actividades de estágio via plataforma;
 Providenciar Kits de equipamento e material de higiene e segurança, recursos
tecnológicos que possibilitem a monitoria das actividades de estágio à distância, criação
e melhoria de infraestruturas tecnológicas na UP-Maputo e capacitação de todos os
intervenientes do estágio profissionalizante;
 Capacitar os supervisores da UP-Maputo em estratégias de gestão de práticas e estágio
profissionalizantes na modalidade virtual para evitar deslocações.
103

Bibliografia

AGUIAR, M. Psicologia aplicada à administração. Uma abordagem interdisciplinar. São


Paulo: Saraiva, 2006.
ALMEIDA, M. & PIMENTA, S. Estágios supervisionados na formação docente. São Paulo:
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professor. São Paulo: Ed. Avercamp, 2006.
DIAS,H et.al., Manual de práticas Pegagógicas. Editora educar-UP, Maputo, 2008.
DUARTE,S. et. al. Manual de Supervisão de práticas Pedagógicas. Editora educar-UP,
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GOMES, F. Vídeos didácticos: uma proposta de critérios para análise. Rio de Janeiro. Vozes,
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LAKATOS, E.M. & MARCON, M. A metodologia Científica. 5ª Edição, S. Paulo, 2009
LEITE, L. et al. Tecnologias educacional: descubra suas possibilidades na sala de aula.5.ed.
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Nova Iorque: Harper Collins, 2001.

MEDEIROS, J. S. Formação continuada de professores: optimizando o uso de Mídias para


construir conhecimentos. In: integração e gestão de Mídias na escola. Maceió, AL:
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caso do curso de licenciatura em Matemática. Revista de educação Matemática. São
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PIMENTA, S.G. & LIMA, M. S. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2011

PRESIDENCIA DA REPÚBLICA: Decreto presidencial n o 11/2020 de 30 de março. In


Boletim da República, 1a série, no 61.

TCZANI, T Educação escolar no contexto das tecnologias de informação e comunicação:


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(pp35-45).
UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA. Regulamento Académico. Maputo, 2017a
UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA. Normas e procedimentos de práticas e estágios
profissionalizantes. Maputo, 2018b

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Efeitos da Covid-19 no processo de ensino-aprendizagem. Que metodologias a serem


adoptadas. Estudo de caso da Escola Secundária Sansão Mutemba - cidade da Beira.

Manuela Remígio Manuel Pery12


Marlene Vanessa Marques Jamal13
Nelson Castiano Chigande Moda14

Resumo
O processo de ensino-aprendizagem em tempos de Covid-19 tem sido um dilema no nosso país,
principalmente nos aspectos metodológicos adoptados pelas nossas instituições de ensino.
Estas, precisam encontrar novos processos metodológicos para se adequarem ao actual cenário
imposto pelo Covid-19. O objectivo deste trabalho é de verificar se os procedimentos
metodológicos adoptados ao longo do tempo antes do Covid-19, onde habitualmente as turmas
numerosas eram consideradas normais, serão os mesmos a serem adoptados no período do
Covid-19 onde vigoram decretos que impõem uma redução significativa dos alunos em cada
turma. Dai que, igualmente, este artigo aborda algumas flexibilidades metodológico-didácticas
a serem implementadas por forma adequar ao cenário que for a vigorar a imposição do decreto
restritivo. Pois, se em outros países os professores estão habituados a gerir turmas com uma
média de 25 alunos, a mesma experiência não pode ser partilhada pela maioria dos professores
em Moçambique, em particular os afectos a Escola Secundária Mateus Sansão Mutemba.
Ademais, foram também sugeridos procedimentos metodológicos-didáticos a serem
implementados por forma a não contrariar o distanciamento social imposto pelo decreto, como
por exemplo uso de audiovisuais, descarte em grande parte dos métodos comunicativos em
detrimento do expositivo. A metodologia de pesquisa foi bibliográfica aliada a pesquisa de
campo baseada em experiências didácticas dos pesquisadores. De referir que os dados serão
analisados qualitativamente. A pesquisa não apresenta resultados acabados, podendo desta
forma abrir espaço para a continuidade, enquanto o processo das novas regras estiver em vigor.

Palavras – chave: Ensino-aprendizagem, metodologias, professores, alunos, Covid-19.

Abstract
The teaching-learning process in Covid-19 times has been a dilemma in our country, mainly in
the methodological aspects adopted by our educational institutions. They need to find new
methodological processes to adapt to the current scenario imposed by Covid-19. The objective

12
Mestre em Comunicação para o Desenvolvimento, Universidade Católica de Moçambique - Instituto de
Educação à Distância. Mail: manuelapery81@gmail.com
13
Mestre em Línguas, Literaturas e Cultura Universidade Licungo – Quelimane-. Mail:
vanessa.jamal@hotmail.com
14
Mestre em Administração e Gestão Educacional, Escola Secundaria Sansão Mutemba . Mail:
nel.moda@hotmal.com
105

of this work is to verify if the methodological procedures adopted over time before Covid-19,
where numerous classes were usually considered normal, will be the same to be adopted during
the Covid-19 period where decrees are in force that impose a reduction significant number of
students in each class. Hence, this article also addresses some methodological-didactic
flexibilities to be implemented in order to adapt to the scenario that will impose the restrictive
decree. For if, in other countries, teachers are used to managing classes with an average of 25
students, the same experience cannot be shared by most teachers in Mozambique, in particular
those assigned to the Mateus Sansão Mutemba Secondary School. In addition, methodological-
didactic procedures were also suggested to be implemented so as not to contradict the social
distance imposed by the decree, such as the use of audiovisuals, discard in large part the
communicative methods in detriment of the expository. The research methodology was
bibliographic combined with field research based on the didactic experiences of the researchers.
It should be noted that the data will be analyzed qualitatively. The research does not present
finished results, thus being able to open space for continuity, while the new rules process is in
effect.
Keywords: Teaching-learning, methodologies, teachers, students, Covid-19.

1. Contextualização do estudo

A pandemia de Covid-19 é uma doença respiratória aguda causada pelo coronavírus da


síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2). A doença foi identificada pela primeira
vez em Wuhan, na província de Hubei, República Popular da China, a 1 de Dezembro de 2019,
mas o primeiro caso foi reportado a 31 de Dezembro do mesmo ano. Acredita-se que o vírus
tenha uma origem zoonótica, porque os primeiros casos confirmados tinham principalmente
ligações ao Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Wuhan, que também vendia animais vivos.
Em 11 de Março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou o surto uma pandemia.
Até 14 de Julho de 2020, pelo menos 13. 060. 239 casos da doença foram confirmados em pelo
menos 188 países e territórios, com grandes surtos nos Estados Unidos (mais de 3 366 515
casos), Brasil (mais de 1 884 967 casos), Índia (mais de 878 000 casos), Rússia (mais de 733
000 casos), Peru (mais de 33 000 casos), Chile (mais de 317 000 casos), México (mais de 299
000 casos), Reino Unido (mais de 290 000 casos), Irã (mais de 259 000 casos), Espanha (mais
de 253 000 casos) e Itália (mais de 242 000 casos). Pelo menos 571 817 pessoas morreram
(mais de 137 000 nos Estados Unidos, 72 900 no Brasil, 44 800 no Reino Unido, 35 000 no
México, 34 900 em Itália, 30 000 na França e 28 400 na Espanha), e mais de 7 215 865 foram
curadas.

Em 22 de Janeiro de 2020, foi discutido por um comitê de emergência organizado pela


Organização Mundial da Saúde (OMS) se o incidente constituía uma Emergência de Saúde

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Pública de Âmbito Internacional sob os Regulamentos Internacionais de Saúde. A decisão foi


adiada por falta de informação.

Em 22 de Março, o primeiro caso de Covid-19 em Moçambique foi confirmado, tratando-se de


um homem de mais de 60 anos de idade que havia viajado ao Reino Unido. Mais tarde o governo
de Moçambique anunciou que a esposa do primeiro infectado havia sido diagnosticada com
Covid-19. Mais tarde a esposa de Eneias Comiche, o Presidente do Conselho Autárquico de
Maputo, Lúcia Comiche telefonou a um programa de televisão dizendo que ela estava infectada
com a doença e o seu marido era o primeiro infectado em Moçambique. Em 6 de Abril,
Moçambique tinha 10 casos confirmados, 367 casos suspeitos e o primeiro infectado havia sido
recuperado. No dia 8 de Abril, foram confirmados 7 novos casos, seis na província de Cabo
Delgado e os restantes na de Maputo.

O Presidente da República Filipe Nyusi decretou o estado de emergência sem confinamento a


partir de 1 de Abril, e tem-no prorrogado sucessivamente: em 29 de Abril prorrogou-o até 30
de Maio; em 29 de Maio de novo até ao final de Junho; e a 28 de Junho prorrogou-o por mais
30 dias até 29 de Julho, com algumas ligeiras aberturas, especialmente no que toca ao ensino.
Dias depois o Governo, através do seu porta-voz anuncia a retoma gradual das aulas para o dia
27 de Julho, portanto, 48 horas antes do término da última prorrogação.

Para o reinício das aulas presenciais, as escolas, universidades e outras instituições de ensino
têm a obrigação de garantir as condições de higiene necessárias para reduzir a possibilidade e
risco de contágio. Todavia, não se tem colocado a reflexão sobre as novas metodologias de
ensino ou pelo menos a sua flexibilidade, com a excepção de reajuste dos programas temáticos
apenas. Aqui reside a preocupação e relevância em desenvolver esta pesquisa com vista a
propor abordagens metodológicas.

O Processo de ensino-aprendizagem constituiu desde cedo um campo caracterizado por imensas


assimetrias de região para região. Não há dúvidas de que em várias partes do mundo, este
processo tem sido conduzido de formas totalmente diferentes. Todavia, existe o padrão
universalmente aceite que consiste em alocar os intervenientes do processo, nomeadamente: o
professor, o aluno, os conteúdos, o meio e outros recursos. Ademais, pode decorrer em períodos
de curto, medio e longo prazo, dependendo dos objectivos preconizados.

Em tempos de Covid-19, os desafios surgem para todos e em todos lugares do mundo inteiro.
Infelizmente, trata-se duma situação a ser enfrentada com padrões diferentes, segundo a
107

realidade de cada território e as condições ai existentes. Para o caso de Moçambique, ao reiniciar


as aulas mesmo ainda com focos da pandemia e com casos a crescerem a cada dia, há que ter
em conta alguns factores importantes: o rácio professor-aluno e seu impacto atinente a
pandemia; a disponibilidade acrescida do efectivo docente; e a estrutura física das salas de aulas
existentes.

A avaliar o rácio professor-aluno em Moçambique com mais de 60 alunos por turma, chegando
em alguns casos a atingir 120 alunos por turma, coloca o país a redistribuir o efectivo dos alunos
por turma para respeitar o distanciamento social, e isto vai directamente implicar ajuste de salas
de aulas e requisição ou contratação urgente de mais professores.

Não obstante as dificuldades que aparentam eclodir, o processo de ensino-aprendizagem não


registaria uma abolição na sua integra. Novas alternativas metodológico-didácticas,
reajustamento dos recursos humanos e materiais, assim como uma nova organização funcional
do espaço escolar serão importantes e significativas mudanças a operar.

2. Processo de Ensino-aprendizagem em tempos de Covid-19

É frequente o uso dos substantivos “ensino” e “aprendizagem” para fazer referência aos
processos “ensinar” e “aprender”. Raramente fica claro que as palavras referem-se a um
“processo” e não a “coisas estáticas” ou fixas. Nem sequer pode ser dito que correspondam a
dois processos independentes ou separados. (Kubo & Botome: 2001).

Nesse sentido, é melhor usar verbos para referir- se a esse processo, fundamentalmente
constituído por uma interação entre dois organismos (pelo menos no caso de “ensinar”, uma
vez que é possível “aprender” sem um professor). Mas as perguntas importantes permanecem.
O que é ensinar? O que é aprender? Como se relacionam esses dois processos?

O aspecto a considerar, é que as expressões “ensinar” e “aprender” são dois verbos que se
referem, respectivamente, ao que faz um professor e ao que acontece com o aluno como
resultado da decorrência desse fazer do professor. (op.cit)

Segundo o Dicionário da Língua portuguesa (2013) ensinar significa transmitir conhecimento


sobre alguma coisa a alguém; lecionar: ensinar e/ou dar instruções sobre alguma coisa a alguém,
isto é, ensinar é “dar instrução a”, “doutrinar”, “mostrar com ensinamento”, “demonstrar”,
“instruir” etc.

REVISTA MOÇAMBICANA DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO - PsiEdu DEZEMBRO DE 2020, VOL. 1, Nº 2


108

O processo de ensino-aprendizagem, segundo Libâneo (1990), divide-se em dois momentos,


nomeadamente sócio e construtivo. É sócio porque compreende a situação de ensino-
aprendizagem como uma actividade conjunta, compartilhada, do professor e dos alunos, como
relação social entre professor e alunos ante o saber escolar. É construtivista porque o aluno
constrói, elabora seus conhecimentos, seus métodos de estudo, sua afectividade, com a ajuda
da cultura socialmente elaborada, com ajuda do professor.

Neste contexto, essa visão leva-nos a uma atitude socio-construtivista no ensino onde o
professor é agente do conhecimento agindo activamente leva o aluno ao objecto de forma
contextualizada.

O processo de ensino e aprendizagem tem como mediação o professor e aluno tendo como
objectivo a construção do conhecimento que são partes constituintes deste processo. O processo
de elaboração é mútuo, professor e aluno agem activamente dentro da construção do ensino, o
aluno não é um quadro branco, as vivências de suas geografias devem fazer parte constituinte
desse processo. A metodologia em geografia deve ter como base a junção teoria e prática, é a
partir desse processo construtivista que é dada a sua importância para analisar o entendimento
do meio, é nessa concepção que a vivência ganha uma importância junto com os conteúdos
institucionalizados. Nesse sentido, ensinar é a relação entre o que um professor faz e a
aprendizagem de um aluno.

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a
sua construção” (Freire, 1996, p. 21). Freire acredita que durante a prática educativa o docente
não deve se limitar ao ensinamento dos conteúdos que são previstos e importantes, mas sim,
ensinar a pensar, pois “pensar é não estarmos demasiado certos de nossas certezas”. (Freire,
1996, p. 28). Se para Freire, ensinar não se limita em ‘transmitir’, fica evidente a necessidade
de criatividade educativa do professor, no sentido de trazer inovações ao processo, sobretudo
neste tempo de Covid-19. A possibilidade de elaborar mais exercícios para os alunos,
preocupar-se com cada um deles e dar seguimento personalizado na sala de aulas. Esta
possibilidade numa turma com mais de 100 alunos não era praticável. Nisto, pode-se afirmar
que apesar do infortúnio do Covid-19, a pandemia irá positivamente colocar os professores a
experimentar de forma audaz novas metodologias e criar mais aproximação ao aluno como
‘indivíduo’ com características únicas e diferentes doutros.

O pensar de maneira adequada permite aos discentes se colocarem como sujeitos históricos
activos. Neste sentido, o ensino deve partir dos conhecimentos existentes e daqueles que serão
109

apresentados no futuro, os saberes do senso comum e a capacidade criadora de cada um, diante
de sua particularidade, em um aprendizado mútuo entre os sujeitos com objectivo de adquirir e
instigar o conhecimento de forma autônoma e prazerosa.

No que tange a aprendizagem, considera-se como sendo aquela que transforma, ou seja, tem
que ser transformadora, com diversos saberes reconstruídos entre educadores e educandos,
torna-os deste modo sujeitos autónomos, emancipados, questionadores, inacabados. Para Freire
(1996, p. 26) “no processo de aprendizagem, os educandos vão se transformando em reais
sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador igualmente
sujeito do processo”. Com isso, a aprendizagem de Freire é como prática de liberdade contrária
a uma prática de dominação e imposição.

Portanto, pode-se de uma forma resumida dizer que o ensino – aprendizagem para Freire
significa a possibilidade de abrir espaço ao educando de aprender de forma crítica, criando as
suas teorias conforme o mundo que o rodeia para que este seja o real sujeito da construção e
reconstrução do saber ensinado.

2.1. Metodologias de ensino em Tempos de crise em Moçambique

O paradigma da escola inclusiva pressupõe, conceitualmente, uma educação apropriada e de


qualidade dada conjuntamente para todos os alunos considerados dentro dos padrões da
normalidade. Nas classes do ensino comum, da escola regular, deve ser desenvolvido um
trabalho pedagógico que sirva a todos os alunos, indiscriminadamente. Sendo assim, o ensino
inclusivo é a prática da inclusão de todos, independente de seu talento, deficiência (sensorial,
física ou cognitiva), origem sócio-econômica, étnica ou cultural. (Carvalho:1998 & Oliveira e
Poker:2002). Aqui, neste período restritivo, as necessidades de cada aluno encontram maior
espaço para serem atendidas, diferentemente em turmas numerosas que colocavam o professor
numa situação bastante complicada influenciando negativamente o alcance dos seus objectivos,
por um lado devido a gestão do tempo, e por outro a ineficácia das condições de ensino.

Diante da pandemia Covid-19 que assola o mundo inteiro, como inicialmente nos referimos o
governo moçambicano tem se desdobrado na criação de estratégias de modo a conter a
propagação rápida da mesma. Dentre as medidas anunciadas pelo governo, consta a suspensão
das aulas em todos os estabelecimentos públicos e privados, desde o ensino pré escolar ao
universitário. Perante a medida de encerramento das aulas, o MEDH foi desafiado a criar
estratégias, de modo a garantir a continuidade das aulas através de outros mecanismos ou
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plataformas, a citar: fichas de exercícios, telescola (TV), watsapp, google classroom, redes
sociais e rádios comunitárias. Todavia, estudos moçambicanos, mostram que os pais e/ou
encarregados tem muitas dificuldades em fazer o acompanhamento dos alunos. Importa
questionar sobre a falta de abrangência das metodologias que o MEDH têm ao seu dispor nesse
momento, uma vez que a maior parte dos alunos moçambicanos não dispõem de condições para
o acesso as mesmas. Contudo, são as que se impõe no momento como incialmente nos
referimos.

Como sustenta (Savani, 1984, p. 72)

uma pedagogia articulada com os interesses populares


valorizará, pois, a escola; não será indiferente ao que
ocorre em seu interior; estará empenhada em que a escola
funcione bem; portanto, estará interessada em métodos de
ensino eficazes. Tais métodos se situarão para além dos
métodos tradicionais e novos, superando por incorporação
as contribuições de uns e de outros. Portanto, serão
métodos que estimularão a actividade e iniciativa dos
alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor;
favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o
professor mas sem deixar de valorizar o diálogo com a
cultura acumulada historicamente [...]
Portanto, não existe uma metodologia específica para o processo de ensino-aprendizagem em
tempos de crise. Há necessidade de experimentar novas habilidades através de criatividade dos
autores do processo (professores, alunos, comunidades e o sistema de educação em si). Alias,
Pimenta (2001, p.97) esclarece que entre essas contribuições está a necessidade de promover
uma “revisão dos temas clássicos da Didática (ensino, aprendizagem, finalidades do ensino,
objectivos, conteúdos, métodos, avaliação) concretamente considerados; revisão dos
referenciais históricos e novos conceitos”.

Diferentemente duma pandemia que necessita duma prescrição médica, o processo de ensino-
aprendizagem tem que ver com experiências, características dos alunos, condições atmosféricas
e físicas do ambiente educativo, idade, nível, conteúdos e seus objectivos. Nem a Escola Mateus
Sansão Mutemba, nem o próprio Sistema Nacional de Educação pode impor tais metodologias,
elas nascem e se desenvolvem com a experiência e aperfeiçoam-se com a produtividade
avaliativa. Por isso, mesmo que a educação venha ao longo dos tempos, sendo alvo de intensos
debates e discussões difícil é chegar-se a um consenso, pois a realidade moçambicana é
particular, sem nos esquecermos que o sistema de ensino e suas metodologias não são estáticas.
Eles assumem uma dinâmica circunstancial.
111

Sabe-se que cada autor, pedagogo, em seu momento histórico, compreendeu o processo de
ensino e de aprendizagem de maneira própria. Assim, cada nova teoria procura substituir as
anteriores, porém incorporando em si os elementos das mesmas. Em Moçambique as escolas e
suas características requerem metodologias e suas articulações diferentes de outros âmbito,
todavia, mantendo sempre a essencial de ensinar a pensar e não construir uma caixa de
ressonância nas novas gerações.

Os métodos deveriam, assim, explorar a curiosidade, as dúvidas e incertezas, a continuidade


das idéias, a investigação, a observação e a experimentação. O ensinar e o aprender são para o
Dewey “atos correlativos”, afinal “não se pode dizer que se ensinou, se ninguém aprendeu”
(Dewey, 1953, p.32). Sabe-se que o raciocinar é algo natural, mas cabe à escola transformar
este raciocínio em um exame crítico no qual o espírito do aluno se interesse pelos problemas e
se empenhe em buscar formas para solucioná-los de maneira útil. Os materiais precisariam
despertar o interesse sem rigidez dogmática, fornecendo informações que permitissem a
integração com aquelas que já se possuía num todo coordenado, fazendo parte das experiências.
Quando essa integração não fosse permitida, ensinar-se-ia, de acordo com Dewey (1953, p.215)
“o aluno a viver em dois mundos diversos: um, o mundo da experiência, fora da escola; outro,
o dos livros e das lições”.

Seria mais sensato que o professor da Escola Secundária Mateus Sansão Mutemba, numa
situação em que os alunos tiveram uma longa pausa nas actividades lectivas devido o Covid-
19, promovesse com os conteúdos reajustados, o acto mais profundo de ajudar o aluno a pensar,
tendo sempre em conta a suas experiências e curiosidades, considerando igualmente o tempo
lectivo diário e semanal de acordo com o calendário estabelecido. Ajudar o aluno a se
empenhar, desviando-se da preguiça e para tal, é crucial a organização das actividades por nível
e características dos alunos, pois há os que dedicaram-se muito durante a suspensão das aulas
e outros muito menos ou quase nunca. Devera ser estabelecido um equilíbrio. Dewey (1953,
p.36) vê no aluno o sujeito que nestas circunstâncias devera, com auxílio do professor “cultivar
o espírito de curiosidade, preservá-lo de desaparecer pelo abuso, de livrá-lo da fossilização da
rotina, e de que o ensino dogmático e a aplicação constante a coisas mesquinhas não a
dissipem.”

O aluno deveria ser reforçado a cada tarefa e imediatamente a ela, conferindo o acerto ou erro
da resposta dada. Em relação à disposição das salas, os alunos poderiam ser agrupados em
classes, mas cada um prosseguiria em seu próprio nível. As tarefas e ou exercícios devem ser

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reelaborados ao nível de compreensão dos alunos, evitando-se assim somente distribuição de


fotocopias e/ou brochuras que trazem suas complicações. Skinner (1972) desenvolveu esse
processo com o objectivo de substituir o professor, em algumas situações de aprendizagem, por
meio da máquina de ensinar. Sua proposta possibilitaria ao professor a mudança no seu papel,
afetando suas práticas tradicionais. As máquinas poupariam tempo e trabalho do professor, e
para o caso do processo que praticamente visa recuperar tempo e conteúdos perdidos devido a
pandemia, seria importante a duplicação do tempo de estudo, isto é, para além da escola como
local, as actividades deveriam ser recomendadas para casa e exigidas escrupulosamente na aula
seguinte.

Não há dúvidas que a pedagogia contemporânea, também a que Moçambique implementa, foi
influenciada por Skinner, especialmente na perspectiva tecnicista, estando presente na prática
docente de muitos professores no final dos anos 60 e início dos anos 70. À luz desses princípios,
o trabalho didático foi remodelado, dando ênfase a novos recursos e instrumentos de ensino.
Passou-se a ter maior rigor na planificação diária, quinzenal e trimestral tanto em relação à
forma como aos objectivos e metas; a produção de livros didáticos foi estimulada; a utilização
crescente de recursos áudio-visuais; a preponderância na avaliação quantitativa, dentre outros
aspectos ganhou destaque nas escolas, tudo para que se garantisse um controle do processo de
ensino e da aprendizagem com total eficácia e eficiência.

Apesar da grande influência da perspectiva tecnicista, seus princípios foram criticados por
vários educadores em razão da forma mecanicista e técnica atribuída ao trabalho didático. A
partir dessas e outras críticas, novos movimentos educacionais e educadores trazem para a
educação outras propostas e olhares ao processo ensino e aprendizagem.

3. Considerações Finais

O reinício das aulas presenciais tem sido alvo de críticas em todos quadrantes sociais. Todavia,
todos reconhecem a vitalidade deste processo na vida dos alunos. Se dum lado busca-se
assegurar medidas de higiene nas escolas e universidades, através de disponibilidade de água
canalizada nas escolas de Moçambique, doutro lado para os professores exige-se elevada
reflexão para o acto técnico-executivo em si na sala de aulas. Percebe-se com clareza neste
artigo que as metodologias comunicativas na sala de aulas, que são tidas como bastante eficazes
no processo, sobretudo na aprendizagem da língua, terão que ser de menor opção para os
professores. Actividades de melhoria da fala, como por exemplo pequenas peças teatrais,
113

simulações e roleplays deverão ser evitados como forma de reduzir a exposição dos alunos ao
entrarem em contacto físico. As aulas de educação física, por exemplo, poderão ser incentivadas
para mais tempo lectivo, mas em espaços abertos e com actividades ou jogos que não requerem
apertos, toques, etc., como o jogo de basquetebol. O método expositivo-explicativo, que ao
longo dos anos vinha sendo substituído seu maior espaço com actividades de elaboração
conjunta, infelizmente terá que tomar seu papel com maior relevância, e neste caso voltaremos
a criar, infelizmente o ensino com mais centralidade no professor.

De um modo geral, o actual estágio do capitalismo na revolução científico-tecnológica e na


globalização, denota relevância ainda maior à educação. É notório que de uma hora para outra,
as aulas presenciais foram substituídas para a modalidade de ensino a distância (EaD).
Obrigando professores e alunos a um aprendizado bastante rápido de novas tecnologias de
comunicação e informação (TICs). Portanto, os desafios da educação em tempos de pandemia
da Covid-19 são inúmeros.

O presente artigo procurou trazer a reflexão e mostrar que existem alternativas e metodologias
que podem garantir sim um ensino de qualidade, em soluções que ajudam a driblar a crise
mesmo diante de tantos obstáculos. Os professores compartilham de várias inseguranças. Em
relação às questões mais técnicas, como por exemplo, dar a aula online, gravar vídeos em
televisão, preparar materiais que possam ser compartilhados com os alunos, entre outros.

4. Referências bibliográficas

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https://www.researchgate.net/publication/250991030_Educacao_inclusiva_um_estudo_na_
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entre dois processos comportamentais. Disponivel em
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LIBÂNEO, José C. (1990). “Fundamentos teóricos e práticos do trabalho docente – estudo


introdutório sobre pedagogia e didática”, tese de doutorado. São Paulo: PUC-SP.

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Pública. Junho. Disponível em http://pesquisaepraticapedagogicas.blogspot.com/2012/06/jose-
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sociedade de classes. In: LOMBARDI, José Claudinei.

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https://www.portoeditora.pt/pdf/DEDLP13ML_20101095.pdf. Acesso em 13 de Julo de 2020.
115

MULTIVERSIDADE: a obsolescência do perfil da universidade

Pedro H. Massinga Jr.15

RESUMO

A emergência da doença do coronavírus, COVID-19, atiçou controvérsia sobre as funções da


universidade. A sociedade demanda da universidade soluções científicas e tecnológicas. Parte
da universidade concorda e aproveita a emergência da COVID-19 para prestar serviços,
aumentar a visibilidade e o prestígio, e popularizar a terceira missão da universidade. Outros
sectores da universidade rejeitam a demanda da sociedade, alegando que a função da
universidade é produzir e disponibilizar conhecimento, devendo esta atender somente
demandas que se enquadrem nessa função. Os últimos sugerem que, no contexto moçambicano,
a incipiência de programas de investigação, de investimento intelectual e financeiro impedem
a universidade de satisfazer as demandas e expectativas da sociedade, que a financia e que dela
muito precisa, neste período de emergência da COVID-19. A gestão destas tensões na
universidade beneficia-se da autonomia universitária: os docentes e/ou pesquisadores,
conjugando interesses internos e externos, seleccionam a diversa demanda, as vezes
conflituante, criando a “multiversidade”, conceito que sugere a obsolescência do conceito
universidade. Esta comunicação baseia-se na pesquisa bibliográfica e análise documental para
discutir a obsolescência do conceito universidade, com perfil único.

Palavras-chave: COVID-19, Universidade, Autonomia, Prioridades, Multiversidade

1. INTRODUÇÃO
A Lei do Ensino Superior, Lei 27/2009, de 29 de Setembro, que regula a actividade deste
subsistema de ensino, define universidades como “instituições que dispõem de capacidade
humana e material para o ensino, investigação científica e extensão em vários domínios do
conhecimento. As funções de todas as universidades contemplam (1) formação do capital
humano, através do pilar de ensino, (2) produção científica, através do pilar da pesquisa, (3)
desenvolvimento comunitário, através do pilar da extensão. A extensão universitária é
apresentada, no Plano Estratégico da Universidade Zambeze 2017-2021, como a função da
universidade que compreende as áreas de integração com a sociedade em geral, e com a
comunidade envolvente em particular.

Com a emergência da COVID-19, uma doença infecciosa causada por SARS-CoV-2, um


coronavírus recém-descoberto (WHO, 2020), as funções da universidade têm gerado

15
Doutorado em Química, Universidade Zambeze. E-mail: pedro.massingajunior@uzambeze.ac.mz.
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controvérsia. Langa (2020) reflecte sobre a relação entre o poder, a ciência e o papel das
universidades, e procura “ilustrar que a excessiva mão interventiva do governo na vida da
universidade, em particular a pública, e a concepção popular e instrumentalista da ciência, pode
ser uma combinação perniciosa e perpetuar a miséria da universidade como instituição capaz
de produzir conhecimento…”

Para este autor, a noção de ciência, mesmo concebida na sua versão mais aplicada de resolução
de problemas da sociedade, não obedece a urgência de expedientes políticos imediatistas. “O
tempo da ciência não é igual ao tempo da (urgência) política” (LANGA, 2020). Na sua reflexão,
o autor referiu-se às invenções da ciência que resolveram preocupações da sociedade, como a
tuberculose, para enfatizar a importância “de programas de investigação, de investimento
intelectual e financeiro avultado”, e da subordinação destes ao tempo da ciência e não da
política (LANGA, 2020). O autor entende que a capacidade de uma universidade fazer seja o
que for de forma significante para a sociedade, é directamente proporcional a sua autonomia de
decidir o que, quando e como fazer, sem receber orientações (ordens) do poder (LANGA,
2020).

Langa (2020) parece estar em sintonia com Botomé, citado por Calderón (2004) como tendo
afirmado existir confusão entre “funções” e “actividades” da universidade, ou seja, o ensino, a
pesquisa e a extensão são actividades e não “funções” da universidade! A função da
universidade, sua espinha dorsal, é somente a produção e disponibilização do conhecimento.
Para Botomé, esta é a função essencial que deve orientar as actividades da universidade, pelo
que esta deve somente atender as demandas que se enquadrem nessa função (CALDERÓN,
2004). Este último autor discorda, e alerta que limitar a função da universidade à produção e
disponibilização do conhecimento é colocar, à universidade, uma camisa-de-força,
impossibilitando-a de responder aos desafios da universidade contemporânea, e tornando-a
cada vez mais distante dos cidadãos que a financiam e que dela precisam, nomeadamente a
sociedade. Nesta perspectiva, o desenvolvimento natural da universidade estará comprometido,
pois a universidade continuará sendo uma “torre de marfim”, instituição anacrónica, desfasada
no tempo (CALDERÓN, 2004).

No contexto moçambicano, considerar a geração de conhecimento original como função


principal da universidade é impossibilitá-la de responder as demandas e expectativas
contemporâneas, distanciando-a da sociedade e do mercado, particularmente neste período de
117

emergência da COVID-19. Por isso, esta comunicação discute a obsolescência do conceito


universidade, com perfil único, preservando a universalidade de áreas de conhecimento
(ciências sociais, ciências naturais, etc), e a proeminência do conceito “multiversidade”, que
selecciona a demanda diversa, conjugando interesses internos e externos, as vezes conflituantes,
para priorizar missões específicas, atender plenamente algumas demandas e outras não, com
base na sua autonomia, gerando universidades com perfis diferentes.

2. A EMERGÊNCIA DA COVID-19 E A FUNÇÃO DA UNIVERSIDADE


Decorrente da emergência da COVID-19, e para prevenir a propagação da pandemia,
salvaguardar a vida humana e a saúde pública, a 1 de Abril de 2020, entrou em vigor o Estado
de Emergência, em Moçambique. Entre as medidas temporárias de excepção adoptadas para
esse período, consideradas necessárias, adequadas e proporcionais, destacam-se (DECRETO
12/2020): (i) a quarentena domiciliária selectiva de 14 dias, (ii) a restrição e limitação da
liberdade de aglomeração e aproximação de pessoas, particularmente em eventos e locais
públicos, (iii) o distanciamento social mínimo de 1,5 metros entre as pessoas em locais públicos,
(iv) a etiqueta da tosse ou uso de máscaras, (v) a lavagem e/ou desinfecção regular das mãos,
(vi) o limite máximo de 1/3 de passageiros nos transportes colectivos, etc.

A aplicação destas medidas, no contexto moçambicano, tem sido um grande desafio. Em outros
países em desenvolvimento, medidas de quarentena não foram eficazes em 2009, no surto da
gripe H1N1, e em 2014, na epidemia da Ébola (DEL RIO e MALANI, 2020). Por sua vez, o
uso de máscaras em aglomerados não teve aderência superior a 50%, em estudos conduzidos
por Maclntyre et al. (2009) e Elachola et al. (2014). Em Moçambique, sectores da sociedade
em geral, e da universidade em particular, desafiam esta última para assumir a concepção
popular e instrumentalista da ciência, assente na ideia de resolução de problemas da sociedade,
e promover medidas adicionais ou alternativas tendentes a prevenção e combate à pandemia
COVID-19.

A demanda por uma participação plena da universidade fora da academia, tanto nas
comunidades marginalizadas como nas empresariais não é nova. McCowan e Schendel (2015)
afirmam que preocupações sobre o impacto do ensino superior são comuns a muitos países,
devido a pressão sobre os orçamentos públicos, e a necessidade de justificar a alocação de
dinheiro dos contribuintes, por um lado, e por outro, devido as elevadas expectativas colocadas
sobre a universidade para resolver desafios contemporâneos complexos e urgentes, incluindo o
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aquecimento global e epidemias emergentes. Para estes autores, nos países pobres do hemisfério
sul, não é surpreendente a maior pressão para a universidade demonstrar o impacto, pois os
fundos públicos são mais escassos e os desafios da sociedade são demasiados (MCCOWAN e
SCHENDEL, 2015).

3. O PEES 2012-2020 E A FUNÇÃO DA UNIVERSIDADE


No Plano Estratégico do Ensino Superior (PEES) 2012-2020, as instituições deste subsistema
foram desafiadas a responderem às necessidades do país, de uma forma dinâmica,
desenvolvendo ensino, investigação e extensão para fortalecer a capacidade intelectual,
científica, tecnológica e cultural, num contexto de uma sociedade em crescimento. No
documento em referência, um dos objectivos estratégicos é “promover actividade sistemática e
a excelência na investigação, ensino, extensão, prestação de serviços e nas acções transversais”.
A prestação de serviços é, no âmbito do PEES 2012-2020, a utilização da capacidade e dos
recursos de uma instituição de ensino superior (IES) para gerar rendimentos (materiais ou não),
sem uma conexão necessária ao ensino e à investigação, mas podendo conduzir a um maior
prestígio e visibilidade da IES.

No PEES 2012-2020 reclama-se a falta tradição da maior parte das IES em tirar proveito das
oportunidades que diversos clientes, incluindo o governo, colocam no mercado para a prestação
de serviços e, admite-se a falta de motivação para competir com empresas privadas de
consultoria e serviços, mesmo quando as IES’s ofereçam melhor relação custo/qualidade.

4. A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR E A FUNÇÃO DA UNIVERSIDADE


A partir de meados da década de 1990, assistiu-se o crescimento exponencial de IES´s privadas
e também públicas, em Moçambique, a maioria das quais desempenham suas funções de acordo
com a demanda do mercado. McCowan e Schendel (2015) reconhecem que, em todas as
regiões, a expansão dos sistemas de educação superior trouxe à universidade novos grupos
socio-económicos, maior diversidade cultural e de níveis de formação, bem como de
expectativas académicas.

Os custos de expansão da universidade têm levado os governos a pressionarem as universidades


para justificarem o financiamento público, geralmente, através do impacto social e económico
directo e mensurável (MCCOWAN e SCHENDEL, 2015). Para Calderón (2004), as mudanças
económicas e sociais provocaram a obsolescência de certas concepções acerca do papel da
119

universidade, criando universidades com perfis diversos, ao invés de uma instituição


monolítica, com um único perfil. Actualmente, a homogeneização das universidades limita-se
somente a sua condição de IES´s, sendo a homogeneidade das suas funções questionável
(CALDERÓN, 2004): Será que toda universidade forma cidadãos autónomos, críticos,
polivalentes e criativos? Será que toda universidade produz novos conhecimentos por meio da
realização de pesquisas? Será que toda universidade professa claramente um forte compromisso
social e realiza actividades de prestação de serviços à comunidade?

A vocação homogénea da universidade alterou-se com o tempo, e as universidades atendem a


demandas cada vez mais diversificadas, provenientes de diversos sectores da sociedade
(CALDERÓN, 2004): (1) formar profissionais; (2) desenvolver pesquisa científica; (3)
contribuir para o desenvolvimento económico, social e tecnológico; (4) assessorar o poder
público na formulação de políticas; (5) prestar serviços e consultorias para aprimoramento do
mercado e da sociedade; etc.

5. O ESTADO MOÇAMBICANO E A FUNÇÃO DA UNIVERSIDADE


Em Moçambique, a necessidade de quadros qualificados e elevação do nível educativo e
científico é reconhecida na Lei 1/2018, de 12 de Junho, que procede a revisão pontual da
Constituição da República. Nesse âmbito, o Estado reconhece e fiscaliza o ensino privado e
cooperativo, nos termos da lei. Às instituições públicas do ensino superior, IPES’s, o Estado
consagra personalidade jurídica e autonomia científica, pedagógica, financeira e administrativa,
sem prejuízo da adequada avaliação da qualidade do ensino. Para estas, o Estado aloca uma
dotação orçamental através do e-Sistafe16, usando o Modelo de Elaboração do Orçamento
(MEO), ilustrado na Tabela 1, adaptado da Lei 3/2020, de 22 de Abril, que aprova o Orçamento
do Estado para o ano de 2020.

Tabela 1. Rúbricas do Orçamento do Estado alocado às IPES’s em Moçambique


Designação da Despesas
Bens e Transferências Bens de
Despesa com o TOTAL
Serviços Correntes Capital
(rubrica) pessoal

O MEO (Tabela 1) é genérico, coloca os valores totais nas respectivas rúbricas, sem subdivisão
conforme as funções estatutárias de docência, investigação e extensão universitária. No MEO,

16
e-Sistafe: plataforma informática do Sistema de Administração Financeira do Estado (SISTAFE)
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as prioridades de cada IPES não são visíveis nem claras para todas as partes interessadas: quais
das funções estatutárias, docência, investigação ou extensão, são realizadas ou priorizadas pelas
IPES’s? Assim, parece difícil comprovar a obsolescência da concepção da universidade como
instituição monolítica, com perfil único. Porém, examinando as leis que aprovam o Orçamento
do Estado em cada ano, pode-se acompanhar a evolução do orçamento alocado às IPES’s. Com
base nesses orçamentos anuais, dificilmente as IPES’s conseguiriam atender plenamente a
diversidade e complexidade das demandas e expectativas procedentes dos diversos sectores da
universidade e da sociedade, cujos interesses são opostos, eventualmente. Assim, especula-se
que as universidades moçambicanas têm perfis diferentes, optam por missões específicas, e
atendem algumas demandas plenamente e outras não.

6. MULTIVERSIDADE: a descaracterização da universidade


A Universidade Eduardo Mondlane (UEM), mais antiga IES em Moçambique, completando 58
anos de fundação, em 2020, prevê transformar-se em universidade de investigação, nesta
década. A Universidade Pedagógica de Maputo (UPM), criada em 2019, como resultado da
reforma da ex-Universidade Pedagógica, parece destinada a ser uma universidade de ensino. A
Universidade Zambeze (UniZambeze), criada em 2007, no âmbito da expansão das IPES’s para
reduzir assimetrias regionais, parece assumir a concepção popular e instrumentalista da ciência,
assente na ideia de resolução de problemas da sociedade. Durante o Estado de Emergência, a
UniZambeze iniciou a formulação de desinfectantes de mão, vulgo álcool gel, com base em
resíduos derivados de bananas e laranjas, entre outras iniciativas tendentes a prevenção e
combate à pandemia COVID-19.

Tendo em conta interesses também opostos, eventualmente, decorrentes da diversidade e


complexidade das demandas e expectativas dos diversos membros da própria comunidade
universitária em relação a universidade, Calderón (2004) sugere que a gestão das tensões
internas assenta na autonomia das IES´s e dos seus membros, a qual permite manter uma
diversidade de frentes de actuação, ainda que algumas sejam residuais. Nesta lógica de
universidade que selecciona a diversa demanda, conjugando interesses internos e externos, as
vezes conflituantes, surge o conceito de “multiversidade”, desenvolvido pelo ex-presidente da
Universidade da Califórnia, Clark Kerr (CALDERÓN, 2004).

Em oposição à universidade tradicional, a universidade contemporânea desempenha suas


funções não somente a partir dos interesses e expectativas dos seus membros, mas também a
121

partir das demandas dos diversos sectores da sociedade. Assim, a universidade continua a ser
conduzida por factores endógenos, mas também passou a orientar-se por factores exógenos.
Parte da universidade é pautada pelo carácter pragmático e utilitário em relação às demandas
externas, redefinindo sua missão em função da sociedade e do mercado. Esta universidade
renova-se continuamente, oxigenando sua função e existência (CALDERÓN, 2004).

Langa (2020), ao defender que a capacidade da universidade fazer seja o que for de forma
significante para a sociedade é directamente proporcional a sua autonomia de decidir o que,
quando e como fazer, parece não reconhecer a universidade como um corpo de professores e
estudantes com interesses e expectativas eventualmente opostos, cuja autonomia permite uma
diversidade de frentes de actuação, e diversifica os perfis da universidade, criando a
“multiversidade” - universidades com perfis diferentes, que priorizam missões específicas,
atendem plenamente algumas demandas internas e/ou externas, mas não todas, de acordo com
a sua autonomia.

A “multiversidade” representa o colapso da concepção tradicional de universidade, mas não da


respectiva autonomia. Pelo contrário, é a autonomia da universidade que sustenta a
“multiversidade”, possibilitando coabitação da universidade como entidade de produção livre,
autónoma e desinteressada de conhecimentos, com universidade como entidade sensível a
demanda imediata e diversificada da sociedade e do mercado. A “multiversidade” reconhece a
autonomia que confere autoridade à universidade para definir seus próprios caminhos perante
o mercado e a sociedade, bem como para definir o âmbito do seu compromisso e
responsabilidade com os financiadores. Calderón (2004) apoia a “multiversidade” e alerta sobre
a emergência da universidade mercantil, considerando-a como o modelo de universidade para
o presente e para o futuro, e que representa o reencontro da universidade com suas origens,
quando tinha perfil diferenciado e relações mercantis explícitas.

7. MULTIVERSIDADE E A FUNÇÃO DA UNIVERSIDADE


Ao procurar “ilustrar que a excessiva mão interventiva do governo na vida da universidade, em
particular a pública, e a concepção popular e instrumentalista da ciência, pode ser uma
combinação perniciosa e perpetuar a miséria da universidade como instituição capaz de
produzir conhecimento”, Langa (2020) parece concordar com Botomé, citado por Calderón
(2004) como entendendo que se faz confusão entre “funções” e “actividades” da universidade:
o ensino, a pesquisa e a extensão são actividades e não “funções” da universidade! A função da
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universidade é somente a produção e disponibilização do conhecimento. Para Botomé, esta é a


função essencial que deve orientar as actividades da universidade, a qual deve somente atender
as demandas que se enquadrem nessa função (CALDERÓN, 2004).

Cumpre concordar com Calderón (2004), o qual alerta que limitar a função da universidade à
produção e disponibilização do conhecimento é colocá-la uma camisa-de-força,
impossibilitando-a de responder aos desafios da universidade contemporânea, e tornando-a
cada vez mais distante dos cidadãos que a financiam e que dela precisam, nomeadamente a
sociedade e o mercado. Nesta perspectiva, o desenvolvimento natural da universidade estará
comprometido, pois a universidade continuará sendo uma “torre de marfim”, instituição
conservadora, desfasada no tempo (CALDERÓN, 2004).

Langa (2020) ao referir-se às invenções da ciência que resolveram preocupações da sociedade,


como a tuberculose, e enfatizar a importância “de programas de investigação, de investimento
intelectual e financeiro avultado”, bem como a subordinação destes ao tempo da ciência,
reconhece que é impensável, no contexto moçambicano, considerar a geração de conhecimento
original como função principal da universidade. Portanto, parece conveniente não limitar a
função da universidade moçambicana à produção e disponibilização do conhecimento, sob o
risco de impossibilitá-la de responder as demandas e expectativas contemporâneas,
distanciando-a da sociedade e do mercado que a financiam e que dela precisam, neste período
de emergência da COVID-19, bem como antes e depois.

A orientação do apoio ao ensino superior, pelos governos e organizações supranacionais, passou


da esfera das fundamentações deontológicas para as funcionalistas: as justificativas de
financiamento passaram a ser baseadas em contribuições para o desenvolvimento local,
nacional e mundial, balançando a (urgência) política e a cadência da ciência, ao invés de um
compromisso com a investigação científica ou a busca da verdade como um fim em si mesmo
(MCCOWAN e SCHENDEL, 2015). Com efeito, nos anúncios das agências de financiamento
ao ensino superior, tanto governamentais como das organizações supranacionais, observa-se
que maior parte do financiamento passou a ser condicionado a subordinação conjugada ao
tempo (cadenciado) da ciência e da (urgência) política.

Neste contexto, ganha proeminência o conceito “multiversidade”, que consagra perfis


diferentes às universidades, para que estas atendam as demandas conforme a sua autonomia.
123

Em Moçambique, evidências apontam para maior procura pelo ensino do que pela pesquisa e
pela extensão. Por isso, não parece legítimo reclamar que a essência da universidade nacional
é pesquisar, e de acordo com o tempo da ciência. Sustentar que a função principal da
universidade é a pesquisa somente bloqueia a existência de mercado diversificado em termos
de instituições, produtos e serviços universitários (CALDERÓN, 2004).

Importa esclarecer que até início do século 20, a maioria das universidades britânicas
adoptavam o modelo humboldtiano, que incentivava os estudantes a buscar ideias originais,
através de pesquisa (CLARK17 apud MCCOWAN e SCHENDEL, 2015), enquanto as
universidades nas respectivas colónias incentivavam formação em habilidades e conhecimentos
específicos para trabalhar dentro da burocracia colonial (AJAYI18 et al. apud MCCOWAN e
SCHENDEL, 2015).

Um dos motivos centrais da reconfiguração da universidade contemporânea é a demanda por


impacto imediato no âmbito económico e social. A actual concepção da universidade requer
demonstrações, preferencialmente através de indicadores quantitativos, do impacto económico
e social positivo na sociedade, e contrapõe-se a concepção da universidade como uma "torre de
marfim", constituindo um cenário constante de discussões de políticas contemporâneas no
ensino superior (MCCOWAN e SCHENDEL, 2015).

Neste período de emergência da COVID-19, parece oportuno a universidade explorar a


concepção popular e instrumentalista da ciência, assente na ideia de resolução de problemas da
sociedade, para desenvolver uma estratégia de actuação baseada no uso efectivo da propriedade
intelectual.

8. PROPRIEDADE INTELECTUAL E A FUNÇÃO DA UNIVERSIDADE


O estágio de desenvolvimento alcançado por vários países, incluindo os EUA e, nos anos
recentes, a China, tem sido imputado ao investimento na pesquisa e inovação. Agências

17
Clark, B. (Ed.). The Research Foundations of Graduate Education: Germany, Britain, France, United States,
Japan. Berkeley: University of California Press, 1993.

18
Ajayi, J.; Goma, L.; Johnson, G. The African experience with higher education. Accra: Association of African
Universities in association with James Currey and Ohio University Press, 1996.

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nacionais e internacionais divulgam várias oportunidades de financiamento à pesquisa e


inovação, cujo aproveitamento pelas IES´s moçambicanas não é integral.

Pesquisadores baseados em Moçambique não têm conduzido pesquisas e/ou inovações


considerando o potencial de patentabilidade da invenção e/ou inovação, não obstante ter
vigorado desde 2008 até 2018, a Estratégia da Propriedade Intelectual de Moçambique. No
documento desta Estratégia era apresentada a seguinte importância transversal e vantagens da
propriedade intelectual:

 Estimula a criatividade e a inovação, através da compensação pelo trabalho realizado


pelos criadores e inovadores e a tutela dos direitos da propriedade intelectual adquiridos;
 Valoriza os conhecimentos técnico-científicos através da sua utilização na realização
dos objectivos do desenvolvimento nacional;
 Atrai o investimento estrangeiro, através de um sistema jurídico efectivo, na protecção
dos direitos da propriedade intelectual;
 Promove a resolução dos problemas locais das populações através de soluções
proporcionadas pelos criadores e investigadores;
 Incentiva a investigação e a inovação baseadas na realidade concreta do país;
 Torna o país mais atractivo para os pesquisadores evitando a fuga de cérebros e
proporcionando o brain gain.
 Facilita o acesso à informação tecnológica e à transferência e disseminação da
tecnologia;
 Facilita a transferência e a aplicação dos conhecimentos produzidos nas universidades
e nas instituições de pesquisa para a indústria e para outros sectores relevantes;
 Gera receitas para as universidades, instituições de pesquisa e empresas que produzem
conhecimento;
 Protege o investimento despendido na investigação científica;
 Evita a usurpação do conhecimento ou a sua utilização ilegítima;
 Combate as práticas contrárias à lealdade de concorrência;
 Agrega valor aos produtos nacionais;
 Tutela e preserva o saber local, as expressões culturais e de folclore;
 Dinamiza a indústria cultural;
 Valoriza a produção dos artistas e compensa o esforço realizado pelos mesmos;
125

 Assegura, protege, promove e beneficia as comunidades na exploração do


conhecimento tradicional.

Considerando este leque de vantagens, parece surpreendente que a propriedade intelectual não
seja explorada efectivamente pelas IES´s e pelos agentes económicos nacionais. Mundialmente,
é reconhecido o estímulo e impacto que a utilização do sistema de propriedade intelectual
fomenta no desenvolvimento tecnológico, económico e social.

Por isso, considerando a celebração do Dia Mundial de Propriedade Intelectual, 26 de Abril, a


UniZambeze organizou um webinário institucional sobre Uso Efectivo da Propriedade
Intelectual pela Universidade, que promoveu o perfil mercantil da universidade.

A universidade mercantil é caracterizada por Calderón (2004) como uma instituição que
preconiza flexibilidade, variedade e diversidade. Trata-se de uma universidade-empresa
orientada ao atendimento de demandas da sociedade e do mercado, conforme a sua autonomia.
É um modelo de entidade universitária prestadora de serviços na área da educação e do
conhecimento, que molda, define e renova permanentemente suas actividades, tendo como eixo
a função de capacitar os recursos humanos necessários para o desenvolvimento da sociedade e
do mercado. A universidade mercantil não descarta actividades complementares como a
pesquisa pura ou aplicada, assessorias e consultorias; sua existência depende da demanda intra-
e extra-institucional, da missão e da visão de cada IES, dos nichos de mercado
institucionalmente definidos e da viabilidade financeira de cada projecto. A universidade
mercantil é flexível e não se fecha em modelos únicos e rígidos, podendo assumir formas
variadas, como dedicar-se prioritariamente ao ensino, ou à pós-graduação e pesquisa, ou
especializar-se em uma área de conhecimento, não preservando a universalidade de campo
(ciências sociais, ciências naturais, etc). Nos limites da Lei e outros instrumentos reguladores
do ensino superior e das politicas e estratégias de desenvolvimento nacional, a universidade
mercantil conjuga sua autonomia e missão institucional, com a demanda e a viabilidade
financeira para desenvolver cursos e programas, actividades de iniciação científica, projectos e
programas de pesquisa e/ou de extensão, etc. (CALDERÓN, 2004).

9. GARANTIA DE QUALIDADE E A FUNÇÃO DA UNIVERSIDADE


O Decreto 46/2018, de 1 de Agosto, que aprova o Regulamento de Licenciamento e
Funcionamento das IES´s, diferencia-as quanto a missão e quanto a dimensão. Esta última
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corresponde ao grau de abrangência dos domínios de conhecimento ou volume das áreas de


saber abarcadas por cada tipo de IES. Assim, as universidades são IES´s de Classe A, abarcando
maior volume de áreas de saber. Quanto a missão, as universidades são as IES´s com maior
número de funções, incluindo o ensino, a pesquisa e a extensão.

Independentemente da sua personalidade jurídica e autonomia científica, pedagógica,


financeira e administrativa, as universidades estão sujeitas a sistemas de avaliação inerentes a
mercados transparentes, com informações que orientam tomada de decisões informadas por
todas as partes interessadas. O Decreto 63/2007, de 31 de Dezembro, aprovou o Sistema
Nacional de Avaliação, Acreditação e Garantia de Qualidade do Ensino Superior (SINAQES)
e, como órgão implementador, criou o Conselho Nacional de Avaliação de Qualidade do Ensino
Superior (CNAQ). Este órgão iniciou a avaliação da qualidade do ensino superior, na sua fase
piloto, em 2014, e desde 2017 passou à fase efectiva, acreditando os cursos ministrados pelas
IES´s, visando assegurar o seu funcionamento dentro dos padrões de qualidade definidos
(CNAQ, 2017).

O Manual de Avaliação Externa de Cursos e/ou Programas, editado pelo CNAQ, apresenta 9
Indicadores principais de qualidade, contemplando 36 padrões e 229 critérios de verificação. O
Indicador 1 é referente a missão e objectivos gerais da Unidade Orgânica, e contempla 2 padrões
de qualidade e 16 critérios de verificação. O padrão 1.1 estabelece que a Unidade Orgânica que
ministra o curso avaliado deve ter a missão claramente expressa, ser relevante, ser divulgada e
estar relacionada com as estratégias de desenvolvimento institucional e do sector socio-
económico do País. Isto reforça a necessidade da universidade responder as demandas e
expectativas contemporâneas, não se distanciando da sociedade e do mercado que a financiam
e que dela precisam, particularmente neste período de emergência da COVID-19.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS


A emergência da COVID-19 avivou a controvérsia em relação as funções da universidade. No
contexto moçambicano, a existência residual de programas de investigação, de investimento
intelectual e financeiro tornam ilusória a geração de conhecimento original como função
principal da universidade. A autonomia da universidade permite manter uma diversidade de
frentes de actuação, possibilitando coabitação da universidade como entidade de produção livre,
autónoma e desinteressada de conhecimentos, com universidade como entidade sensível a
demanda imediata e diversificada da sociedade e do mercado. Nesta lógica de universidade que
127

selecciona a diversa demanda, conjugando interesses internos e externos, as vezes conflituantes,


desponta o conceito de “multiversidade”, sugerindo a obsolescência do conceito universidade,
com perfil único.

REFERÊNCIAS

CALDERÓN, A. Repensando o papel da universidade. Revista de Administração de


Empresas, v.44, n.2, p.104-108, 2004.
DEL RIO, C.; MALANI P. 2019 Novel coronavirus - important information for
clinicians. Journal American Medical Association, v.323, n.11, p.1039-1040, 2020.
ELACHOLA, H.; ASSIRI, A.; MEMISH, Z. Mass gathering-related mask use during
2009 pandemic influenza A (H1N1) and Middle East respiratory syndrome coronavirus.
International Journal of Infectious Diseases, v.20, p.77-78, 2014.
LANGA, P. Pentear a careca - Poder, universidade e ciência em tempos do COVID-
19. Carta de Moçambique, Maputo, 6 de Mai. 2020. Carta do Fim do Mundo. Disponível
em: https://cartamz.com/index.php/carta-do-fim-do-mundo/item/5065-pentear-a-careca-
poder-universidade-e-ciencia-em-tempos-do-covid-19. Acesso em: 08 Maio 2020.
MACLNTYRE, C. et al. Face mask use and control of respiratory virus transmission in
households. Emerging Infectious Diseases, v.15, n.2, p.233-241. 2009.
MCCOWAN, T.; SCHENDEL, R. A mudança do papel da universidade e seu impacto na
sociedade em países de baixa renda. In: SILVA JUNIOR, J. et al (Org.).
Internacionalização, mercantilização e repercussões em um campo de disputa. Belo
Horizonte: Fino Traço, 2015.
MOÇAMBIQUE. CNAQ. Manual de Avaliação Externa de Cursos e/ou Programas.
2ª Ed. Maputo: CNAQ, 2017, 103 p.
MOÇAMBIQUE. DECRETO nº 63/2007, de 31 de Dezembro, Aprova o Sistema
Nacional de Avaliação, Acreditação e Garantia de Qualidade do Ensino Superior
(SINAQES) e cria o Conselho Nacional de Avaliação de Qualidade do Ensino
Superior (CNAQ). Disponível em: https://www.mctestp.gov.mz/por/Ensino-
Superior/Colectanea-de-Legislacao-do-Ensino-Superior. Acesso em: 05 Junho 2020.
MOÇAMBIQUE. DECRETO 46/2018, de 1 de Agosto. Aprova o Regulamento de
Licenciamento e Funcionamento das IES´s. Disponível em:
https://www.mctestp.gov.mz/por/Ensino-Superior/Decreto-46-2018-de-1-de-Agosto_-

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Aprova-o-Regulamento-de-Licenciamento-e-Funcionamento-das-IES-e-revoga-o-
Decreto-48-2010-de-11-de-Novembro. Acesso em: 05 Junho 2020.

MOÇAMBIQUE. Decreto 12/2020, de 2 de Abril. Aprova as medidas de execução


administrativa para a prevenção e contenção da propagação da pandemia COVID-
19, a vigorar durante o Estado de Emergência. Disponível em:
http://www.open.ac.uk/technology/mozambique/sites/www.open.ac.uk.technology.mozam
bique/files/files/Decreto_12_2020_de_2_de_Abril_BR_64_I_SERIE_2020.pdf. Acesso
em: 08 Abril 2020.

MOÇAMBIQUE. Estratégia da Propriedade Intelectual de Moçambique 2008-2018.


Disponível em: http://ttatm.sarpam.net/wp-content/uploads/Mozambique/MOZ-IP-
strategy-2008_2018-PORT.pdf. Acesso em: 08 Junho 2020.
MOÇAMBIQUE. LEI 27/2009, de 29 de Setembro. Lei do Ensino Superior.
Disponível em: https://www.mctestp.gov.mz/por/Ensino-Superior/Colectanea-de-
Legislacao-do-Ensino-Superior. Acesso em: 08 Junho 2020.
MOÇAMBIQUE. LEI 1/2018, de 12 de Junho. Lei da revisão pontual da Constituição
da República. Disponível em:
http://www.cconstitucional.org.mz/content/download/1131/6546/version/1/file/Constituic
ao+da+Republica+Mocambicana+-BR+2018.pdf. Acesso em: 06 Junho 2020.
MOÇAMBIQUE. LEI 3/2020, de 22 de Abril, Aprova o Orçamento do Estado para o
ano de 2020. Disponível em:
http://www.mef.gov.mz/index.php/documentos/instrumentos-de-gestao-economica-e-
social/orcamento-de-estado/oe-2020/876--200/file?force_download=1. Acesso em: 06
Junho 2020.
MOÇAMBIQUE. MINED. Plano Estratégico do Ensino Superior 2012-2020.
Disponível em: https://planipolis.iiep.unesco.org/en/2012/plano-estrat%C3%A9gico-do-
ensino-superior-2012-2020-6706. Acesso em: 08 Junho 2020.
UNIZAMBEZE. Plano Estratégico da Universidade Zambeze 2017-2021.
Beira:Unizambeze, 2017. 43 p.
WHO. What is a coronavirus? 2020. Disponível em:
https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019. Acesso em: 01 Abril
2020.
129

Ensino Superior em Moçambique Durante a COVID – 19: Uma avaliação do percurso


das aulas baseada em experiências dos estudantes

Pércio António Chitata19


Domingos Arcanjo António Nhampinga 20

RESUMO

O presente estudo faz uma abordagem das experiências vivenciadas no processo de ensino-
aprendizagem por estudantes do ensino superior em Moçambique com o objectivo de aferir as
condições sob as quais os estudantes tiveram aulas durante a vigência do Decreto de Estado de
Emergência imposto pela pandemia da COVID – 19 e reflectir sobre a qualidade de ensino neste
período. Trata-se de um estudo de natureza quantitativa, no qual a obtenção de dados foi a partir
da administração de um formulário electrónico, com recurso ao google form, distribuído
segundo uma amostragem autogerada e a análise foi feita com auxílio de aplicativos estatísticos
Excel 16 e HBM SPSS 26. Os resultados indicam que a qualidade de ensino não foi das melhores
no período em análise, motivada por: uso de plataformas não adequadas para um ensino online;
incumprimento de actividades curriculares planificadas; inadequação de materiais fornecidos
aos alunos para aprendizagem no modelo e-learning; falta de meios ou o não domínio dos
mesmos para aceder adequadamente às matérias e as plataformas de ensino, o que de maneira
significativa contribuiu para a insatisfação dos estudantes com o processo de ensino-
aprendizagem no período em análise.
Palavras – chave: vivências, pandemia, ensino superior, qualidade.

ABSTRACT

The present study approaches the experiences lived in the teaching-learning process by students
of higher education in Mozambique with the aim of assessing the conditions under which
students had classes during the term of the State of Emergency Decree imposed by the pandemic
of COVID - 19 and reflect on the quality of teaching in this period. This is a quantitative study,
in which data was obtained from the administration of an electronic form, using the google
form, distributed according to a self-generated sample and the analysis was performed with the
aid of statistical applications Excel 16 and HBM SPSS 26. The results indicate that the quality
of teaching was not the best in the period under analysis, motivated by: use of platforms not
suitable for online teaching; non-compliance with planned curricular activities; inadequacy of
materials provided to students for learning in the e-learning model; lack of means or lack of
mastery of them to properly access the subjects and teaching platforms, which significantly
contributed to students' dissatisfaction with the teaching-learning process in the period under
analysis.
Keywords: experiences, pandemic, higher education, quality.

19
Mestre em Estatística. Docente na Universidade Púnguè. Mail: chitatapercio@gmail.com
20
Doutorando em Ensino, Filosofia e História de Ciências (UFBA). Docente na Universidade Púnguè. Mail:
daanhampinga@gmail.com
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0. INTRODUÇÃO

No mês de Dezembro do ano 2019, na cidade de Wuhan, capital da província de Hubei, na


China, foi reportada uma doença respiratória causada por um vírus designado SARS-CoV-2, da
família Coronavírus, a qual viria a ser vulgarmente conhecida como COVID – 19. Devido à sua
alta capacidade de transmissão, a doença, rapidamente infectou à muitos milhares de pessoas
na China e espalhou-se pela Europa, Austrália, América e África, afectando a quase todos os
países do mundo e com um crescimento exponencial relativamente ao número de infectados e
mortos, tendo sido declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), uma pandemia.

Em consequência da falta de um tratamento específico para a cura da COVID – 19, a OMS


emite, regularmente, orientações sobre as medidas de restrição que os países, em função do seu
risco de propagação da doença, devem adoptar. Estas meditas, dependendo da evolução da
doença e da capacidade do sistema de saúde de cada país, passam pelo cancelamento de
actividades que congregam muitas pessoas (jogos, espectáculos, conferências, etc.), limitação
da circulação de pessoas, encerramento de locais de diversão, encerramento de fronteiras e
confinamento obrigatório.

Em Moçambique, após a constatação do alto risco de importação da doença para o país, como
consequência da evolução da doença nos países vizinhos (África do Sul, Zimbabwe, Zâmbia e
Malawi), o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, anunciou no dia 20 de Março, dentre
outras medidas de prevenção, o encerramento de todas instituições de ensino em todos os níveis,
o cancelamento de actividades desportivas, a limitação de participantes em eventos e a limitação
da circulação de pessoas. Com o evoluir da situação, no dia 30 de Março, através do decreto n.º
12/2020 de 2 de Abril, o Presidente da República declarou Estado de Emergência por um
período de 30 dias, com efeitos imediatos, o qual viria a ser prorrogado por mais 30 dias, a 30
de Abril de 2020.

A decretação do Estado de Emergência resultou no agravamento das medidas restritivas e


mantendo o encerramento de todas as instituições de ensino, tendo sido orientados os
ministérios de tutela a emitirem orientações sobre o decurso das actividades nas instituições
públicas e privadas durante o período de vigência do Estado de Emergência. Assim, para
continuação das actividades de ensino e aprendizagem, as instituições do ensino superior
adotaram o uso das tecnologias digitais para interação estudante-professor e garantir um
relacionamento pleno dos alunos com os objectos de saber das disciplinas curriculares, porém,
131

quebrado o contrato de ensino, sobretudo para estudantes que frequentavam a modalidade de


ensino presencial.

Contudo, por consequência da adopção das tecnologias para o ensino, algumas questões surgem
e merecem análise do ponto de vista do cumprimento dos programas de estudo e garantia de
qualidade. Por exemplo:

 Com o cancelamento das aulas presenciais muitos estudantes, como forma de evitar
gastos desnecessários, regressaram para as suas zonas (províncias, distritos, localidades)
de origem que por vezes não têm acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs), nem às redes de telefonia móvel. Com isto questiona-se: como é que estudantes
nesta situação estão a ter aulas?
 O uso de TICs ou do ensino-aprendizagem online requere existência e familiarização
com ferramentas adequadas, mas que devido ao carácter brusco da mudança de um
regime para outro, numa situação em que o ensino era conduzido numa modalidade
(presencial) diferente da actual. Quais plataformas são usadas? São acessíveis a todos
os estudantes? Há facilidades para o seu uso? São adequadas para um processo ensino-
aprendizagem formal? Existe única plataforma adoptada pela Instituição de Ensino
Superior (IES) para evitar que os alunos emigrem de plataforma a outra, dependendo do
tempo e disciplina, desperdiçando tempo em aprendizado no manuseio das plataformas?
 A adopção da nova forma de estar e da nova modalidade de ensino trazem experiências
diversificadas e por consequência disso, sentimentos. O que os alunos pensam a respeito
do seu nível de aprendizagem neste período?

Perante estas inquietações e curiosidades que incidem sobremaneira na qualificação do


processo de ensino e aprendizagem orientado por tecnologias digitais, procuramos neste estudo
aferir as condições sob as quais os estudantes tiveram aulas durante a vigência do Decreto de
Estado de Emergência imposto pela pandemia da COVID – 19 e refletir sobre a qualidade de
ensino neste período.

1. RESPOSTA À COVID-19 EM MOÇAMBIQUE E QUALIDADE DE ENSINO


1.1. Sobre a resposta à COVID – 19

Devido ao crescimento do risco de importação e alastramento da COVID-19, o Governo de


Moçambique tomou, como já referenciamos, medidas de contenção que incluíram o
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cancelamento de aulas presencias, abrangendo o ensino superior, o que fez com que o o
Ministério de Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional (MCTESTP)
tivesse que emitir instruções sobre o decurso das aulas nas IES e estas, por sua vez,
implementaram tecnologias de ensino à distância como forma de garantir a observância das
medidas decretadas.

Após o anúncio das medidas de contenção, pelo Presidente da República, no dia 21 de Março,
o MCTESTP emitiu o Ofício n.º 169/MCTESTP/GM/393/2020, no qual anunciava as medidas
de prevenção da pandemia nas IES. Segundo o Ofício, de entre outras actividades, “as IES
deveriam elaborar planos de recuperação das aulas e monitorar a sua execução e; conceber
planos para ocupação dos estudantes com recurso às TICs”.

O Ofício do MCTESTP seguia a orientação presidencial que viria a ser reforçada pelo Artigo
13 do Decreto n.º 12/2020 de 2 de Abril.

Decorrente do encerramento dos estabelecimentos de


ensino, públicos e privados, em todos os níveis do Sistema
Nacional de Educação, assim como os de Educação
Profissional, as instituições de tutela emitirão instruções
que assegurem o cumprimento dos programas de ensino e
o ajustamento dos calendários escolares (Artigo 13 do
Decreto n.º 12/2020 de 2 de Abril).

Seguindo estas orientações as IES adoptaram tecnologias ao alcance delas, dos seus docentes e
dos seus estudantes para garantir a continuidade da actividade lectiva, fundamentada pelo facto
da necessidade de se cumprir com os planos programáticos e o calendário académico. Algumas
das ferramentas adoptadas para este acto de ensino foram as que se podem usar pela internet
(online), designadamente: Plataformas de ensino à distância habituais das IES (como é o caso
da Moodle, por exemplo); Google Classroom; E-mail; WhatsApp e; Outras. Entretanto, nem
todas estas ferramentas foram concebidas como ambientes de aprendizagem.

O território nacional é vasto e muitos estudantes do ensino superior nas universidades


moçambicanas provém de outros locais diferentes dos de onde as suas universidades se
localizam, por vezes sem acesso às tecnologias e redes de telefonia móvel que garantem o
acesso aos dados de internet e que com o encerramento das suas IES tiveram que regressar às
suas origens, por um lado como forma de evitar circulação desnecessária nos centros urbanos e
por outro, como forma de contenção de custos.
133

Um estudo feito por Mulema, Luís e Injage o qual teve como grupo alvo os estudantes das IES
na Província da Zambézia mostra dificuldades apresentadas por estudantes, inerentes ao
decurso das aulas. Segundo estes autores,

O acesso aos dados móveis, o acesso à aparelhos


tecnológicos e o acesso às plataformas de ensino em uso
nas IES não estão ao alcance de todos os estudantes”, ou
seja, mais que a metade dos inqueridos no seu estudo
revelaram que “a maior dificuldade para o acesso às
plataformas era a falta de internet. (Mulema, Luís e Injage,
2020).
Entretanto, segundo o MCTESTP (2020, Abril, 16),

O MCTESTP obteve das operadoras de telefonia móvel, taxas


bonificadas para o acesso a dados que variam de entre a isenção de taxas
até ao pagamento de um valor mensal de 100,00MT. Estes benefícios
estendem-se à toda comunidade académica
(Docentes/Estudantes/Investigadores e Corpo Técnico Administrativo)
e são usufruídos através do cadastro numa plataforma de gestão de
dados criada para o efeito pelo MCTESTP, designada Sistema de
Identificação dos Membros da Comunidade Académica e Científica
Nacional ou simplesmente, SIMECACIN.
Os resultados das taxas bonificadas podem não se refletir no estudo de Mulema, Luís e Injage
por um lado, dado que o estudo pode ter antecedido ou coincidido com o período de lançamento
da plataforma SIMECAN (com os benefícios relativos às taxas para dados) mas, por outro lado,
pode ser por outros factores ainda não identificados, como podem ser os casos de qualidade,
divulgação, restrições da plataforma, etc.

1.2. Sobre a qualidade de ensino

A qualidade de ensino é um elemento que gera controvérsia em relação aos seus indicadores.
Uns avaliam a qualidade a partir de resultados pedagógicos quantitativos, uns avaliam partindo
das facilidades e condições de aprendizagem e outros avaliam tendo em consideração os
resultados de todo o processo de formação/aprendizagem – a capacidade do saber fazer. A
seguir apresentam-se alguns aspectos inerentes ao conceito “qualidade de ensino/educação”, na
óptica de alguns autores. Assim,

A qualidade da educação é um fenómeno complexo e


multifacético que deve ser analisado atendendo à várias
perspectivas. Da perspectiva pedagógica, é importante
que exista eficácia no cumprimento dos currículos. Da
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perspectiva cultural é preciso que os conteúdos partam das


condições, possibilidades e aspirações das distintas
populações a quem se dirigem. Do ponto de vista social, a
educação é de qualidade quando contribui para a equidade
mediante a geração de igualdade de oportunidades.
Finalmente, do ponto de vista económico, a qualidade
refere-se à eficiência do uso de recursos [...] Para
aproximar-se à qualidade da educação, tanto a UNESCO
como OCDE utilizam o paradigma de insumos-processos-
resultados. Nesse sentido, a qualidade da educação é
definida com relação aos recursos materiais e humanos
que nela intervêm; assim como com relação ao que ocorre
na escola e na aula, ou seja, os processos de ensino-
aprendizagem, os currículos, as expectactivas com relação
às aprendizagens dos alunos, etc. Do mesmo modo, a
qualidade pode ser definida a partir dos resultados
educativos representados pelo desempenho do aluno
(UNESCO, 2003, p. 12).
Para Dourado, Oliveira e Santos,

A Qualidade da Educação é um fenómeno complexo,


abrangente, e que envolve múltiplas dimensões, não
podendo ser apreendido apenas por um reconhecimento da
variedade e das quantidades mínimas de insumos
considerados indispensáveis ao desenvolvimento do
processo de ensino-aprendizagem e muito menos sem tais
insumos (Dourado, Oliveira e Santos, 2007, p. 9).
“A qualidade de um sistema de educação é determinada pelos seus professores,
independentemente da sua estrutura institucional e recursos” (UNNESCO, 2011, p. 13).

As afirmações a respeito da qualidade de ensino anteriormente apresentadas abrem um espaço


para análise da qualidade do ensino na modalidade adoptada pelas IES em Moçambique durante
o período do Estado de Emergência, mesmo na ausência de resultados pedagógicos
quantitativos, mas usando para o efeito a perspectiva de condições sobre as quais o processo
decorre(u). Portanto, é sobre esses pressupostos de qualidade em que a nossa reflexão se cingirá.

1.3. Sobre o ensino online ou à distância

O Ensino à Distância é “uma modalidade de ensino cujo objetivo é fornecer uma educação
aberta e permanente através da superação das distâncias entre docentes e alunos via situações
não convencionais” (Costa, 2016, p. 23).
135

Uma questão intrigante em relação ao ensino no período do estado de emergência é a alteração


do contrato pedagógico e o sistema mínimo didático que substitui a sala de aulas e o contacto
físico por uma tela de computador (celular ou equivalente), novas exigências de recursos
matérias e financeiros, horários “flexíveis” e necessidade de capacidade de manuseio de TICs
e de auto-aprendizagem. Estes aspectos directamente afectam um elemento importante no
processo de ensino-aprendizagem escolar, a avaliação, cujos resultados se tornam incógnita
entre os envolvidos.

Segundo Costa (2016),

Existe uma necessidade de implementação de uma


estratégia de avaliação, na modalidade à distância,
diferente da usada no modelo presencial, que se pense
numa forma de planificação, execução e avaliação das
actividades que não seja individualista e solitária como até
agora, infelizmente, ocorre com o ensino presencial.
Incuti ainda a necessidade do posicionamento crítico para
que consigamos olhar para os recursos tecnológicos como
parte integrante do processo de ensino-aprendizagem.
O ensino à distância é mais abrangente e dá facilidades de gestão do tempo e local de
aprendizagem do estudante, entretanto, segundo Mercado (2017),

pode ser frustrante, e a frustação pode ser motivada por


diversos factores como: ausência de ajuda ou de resposta
imediata por parte de tutores ou colegas, instruções
ambíguas no curso, problemas técnicos, inadequação do
modelo pedagógico aos estilos cognitivos e características
pessoais dos estudantes e dificuldades relacionadas com
aspectos da situação vital dos alunos.
O ensino à distância pode decorrer com ou sem auxílio de ferramentas tecnológica. Mas, a
modalidade de ensino à distância adoptada pelas IES durante o período de Estado de
Emergência socorre-se de ferramentas tecnológicas e da internet. Portanto, trata-se de uma
modalidade de Ensino à Distância Online onde as TICs e a internet jogam um papel
fundamental.

Em relação à esta modalidade de ensino, acrescenta-se os factores que podem afectar a sua
qualidade, que são, segundo Mercado (2017),

Conteúdo do curso desinteressantes para o aluno,


insuficiente domínio técnico das TICs, prática do
Professor no Ensino à Distância online, falta de
competência para a tutoria online, obstáculos na formação
REVISTA MOÇAMBICANA DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO - PsiEdu DEZEMBRO DE 2020, VOL. 1, Nº 2
136

inicial do professor e do tutor online, preparação do aluno


para estudar online, dificuldades na interações e trabalhos
em grupo, administração do tempo, silêncio e orfandade
online, práticas cooperativas ou competitivas no Ensino à
Distância, excesso de conteúdo e custo da impressão de
materiais pelos alunos, criação de expectativas irreais na
Educação à Distância, exercício da tutoria online.

Assim, “o êxito na Ensino à Distância depende de programas bem definidos, material didático
adequado, professores capacitados e comprometidos, e mais os meios apropriados para facilitar
a interatividade, respeitando a realidade dos alunos a serem atendidos” (Mercado, 2017).

2. METODOLOGIA
2.1. Classificação da pesquisa

A pesquisa levada a cabo é, quanto a sua abordagem, quantitativa por privilegiar testes e
técnicas estatísticas para análise de dados, quanto aos objectivos, é descritiva, pois, procura
caracterizar o ensino no período da vigência do estado emergência ocasionado pela pandemia
do COVID-19 a partir das experiências vivenciadas pelos estudantes das IES Moçambicanas e
quanto aos procedimentos é uma pesquisa de levantamento, por privilegiar um estudo por
amostragem do qual a produção de dados foi mediante a aplicação de um questionário.

2.2. População e procedimento amostral

O grupo alvo foram todos os estudantes das IES em Moçambique mas que devido às questões
de acessibilidade e tendo em conta o mecanismo de administração do questionário
(disponibilizado online, durante uma semana) foi usada uma técnica de amostragem não
probabilística autogerada ou bola de neve, como classificada por Malhotra (2011) que,
caracteriza-a como um procedimento que constitui a amostra partindo de um grupo de
inqueridos que por sua vez e sucessivamente, vão indicando outros. Neste sentido, o
questionário foi partilhado aos estudantes através de diferentes plataformas de comunicação
digital tal como WhatsApp, Messenger, etc., de onde foram obtidos 770 inqueridos.

2.3. Instrumento de recolha de dados

O instrumento de recolha de dados usado foi um questionário administrado através de um


formulário electrónico online, construído e administrado usando a ferramenta google form e era
constituído por um conjunto de questões, maioritariamente de escolha múltipla. Para garantir
137

que os inqueridos não preenchessem mais do que uma vez o formulário, uma vez que não eram
recolhidos dados sobre a sua identidade para efeitos de controlo, por necessidade de garantia
do seu anonimato, para responder ao formulário, os inqueridos tinham que acessá-lo através de
uma conta Google que limitava o número de respostas a uma, por inquerido.

2.4. Técnicas de análise de dados

Para análise de dados usamos técnicas quantitativas. Fizemos uma análise quantitativa dos
dados usando procedimentos descritivos (gráficos unidimensionais, gráficos bidimensionais e
intervalos de confiança para as médias) para identificar as ferramentas mais usadas e os níveis
de satisfação.

3. RESULTADOS
3.1. Caracterização dos inqueridos

O estudo abrangeu 770 inqueridos, dos quais 243 (32%) são do sexo feminino e 527 (68%) são
do sexo masculino. Os inqueridos estão distribuídos pelas 11 províncias do país, estando 3
(0.4%) em Cabo Delgado, 25 (3.2%) em Gaza, 68 (8.8%) em Inhambane, 135 (17.5%) em
Manica, 89 (11.6%) em Maputo Cidade, 49 (6.4%) em Maputo Província, 29 (3.8%) em
Nampula, 4 (0.5%) em Niassa, 71 (9.2%) em Sofala, 246 (31.9%) em Tete e 51 (6.6%) na
Zambézia. Estes inqueridos são maioritariamente da Universidade Púnguè - UniPúnguè (348 -
45%) e da Universidade Eduardo Mondlane - UEM (103 - 14%). Outras universidades que
tiveram participantes em número considerável são as seguintes:

Públicas

Universidade Zambeze – Universidade Licungo – UniLicungo (58), Universidade Pedagógica


de Maputo – UPMaputo (42), e Instituto Superior de Ciências de Saúde – ISCISA (27),
UniZambeze (com 25 participantes), Universidade Save (15) – UniSave, Universidade Rovuma
– UniRovuma (14), Instituto Superior Politécnico de Tete – ISPT (12) e Universidade Lúrio –
UniLúrio (9);

Privadas

Universidade Católica de Moçambique – UCM (30), Universidade Piaget – UNIPIAGET (14),


Universidade São Tomás de Moçambique – USTM (11), Universidade Apolitécnica (11) e
Instituto Superior de Ciências e Educação à Distância – ISCED (9).

REVISTA MOÇAMBICANA DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO - PsiEdu DEZEMBRO DE 2020, VOL. 1, Nº 2


138

As idades dos inqueridos variam dos 17 aos 49 anos de idade, estando grande número na faixa
dos 22 aos 26 anos (35.7%), seguindo – se a faixa dos 17 aos 22 (28.2%). Dos inqueridos 58%
estão inscritos no Regime Laboral, 24% no Regime Pós-Laboral e 18 na Modalidade de Ensino
à Distância e abrangem estudantes do 1º ao 6º ano (24.2% do 1º, 23.8% do 2º, 18.7% do 3º,
21.7% do 4º, 10.6% do 5º e 1% do 6º ano).

3.2. Mecanismos de acesso às aulas usados durante o período de Estado de Emergência

Nesta secção apresentamos os resultados sobre as estratégias de interação usadas pelos


inqueridos para interacção no processo de ensino-aprendizagem com os seus docentes. Com
efeito, apresentamos as frequências de uso de aparelhos para o acesso às aulas, titulares dos
aparelhos, rede através da qual acessam à internet, plataformas usadas para a interacção com os
docentes e o número médio de dias semanal despendido para actividades lectivas.

Em relação aos aparelhos usados (vide a Figura 1), 92% dos inquiridos apontaram estar a usar
Celular ou o Tablet para terem acesso aos materiais referentes às aulas e segue-se o
Computador, com uma frequência de 38%. Poucos estudantes disseram estar a recorrer à
material impresso ou a não usar nada. Contudo, estes dados revelam existência de estudantes
que não tiveram, devidamente, as aulas durante esta época porque o meio maioritariamente
usado pelos que as tiveram não se adequa para aulas de determinadas matérias/disciplinas.

Figura 1: Meios usados para o acesso às


aulas
139

Figura 2: Rede usada para o acesso às


aulas

Figura 3: Plataformas digitais usadas pelos


estudantes para o acesso às aulas

Figura 4: Número médio de dias em que o


estudante tem acesso às aulas por semana

REVISTA MOÇAMBICANA DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO - PsiEdu DEZEMBRO DE 2020, VOL. 1, Nº 2


140

As redes mais usadas para se ter acesso aos dados que permitem a interacção online e baixar
materiais electrónicos (Figura 2), são maioritariamente a Vodacom (quase 75% disseram usar
esta rede) e a Movitel (quase 59% disseram usar esta rede). A Tmcel, as conexões Wi-Fi e
Outras são redes pouco usadas entre os inqueridos.

A Figura 3 ilustra que, independentemente do regime ou modalidade, a plataforma mais usada


é o WhatsApp, seguida do Google Classroom e por outra plataforma não especificada.
Entretanto, o WhatsApp e o Google Classroom são mais usados nos regimes Laboral e Pós-
laboral, enquanto que na modalidade de Ensino à Distância são mais usadas plataformas
específicas das universidades. Esta constatação tem fundamento porque, no Ensino à Distância,
as universidades já veem implementando suas próprias plataformas, embora os estudantes
prefiram, em muitos casos, usar redes sociais. Mas, para os estudantes habitualmente da
Modalidade Presencial (Regimes Laboral e Pós-laboral), dado o carácter repentino com que se
emigrou à Modalidade à Distância, não havia condições de implementação imediata destas
próprias plataformas das IES. Gradualmente, as IES foram inscrevendo os seus estudantes nas
próprias plataformas das IES, que também encontram fraco uso, provavelmente devido à falta
de instruções de manuseio dessas plataformas.

A Figura 4 mostra que, geralmente os estudantes acedem as aulas todos os dias (o 4 significa
4 ou mais dias). Entretanto, uma percentagem considerável mostra que nem todos os dias tem
acesso às aulas, sendo mais preocupante o caso dos que dizem que em nenhuma ocasião têm
aulas, numa clara mensagem de não abrangência das aulas devido a vários factores.

3.3. Satisfação dos inqueridos com o ensino-aprendizagem no período de Estado de


Emergência

Nesta secção apresentamos resultados de 10 questões colocadas aos inqueridos referentes ao


seu grau de satisfação com o decurso das aulas no período de confinamento. As questões eram
de escolha múltipla e apresentavam uma escala do tipo Likert de 5 categorias de respostas sobre
satisfação (1 – Muito insatisfeito, 2 – Insatisfeito, 3 – Não satisfeito nem insatisfeito, 4 –
Satisfeito e 5 – Muito satisfeito). As respostas sobre satisfação são tratadas como quantitativas,
analisadas através de estatísticas descritivas e comparações de médias.
141

Tabela 1: Estatísticas descritivas para satisfação nos aspectos avaliados

Intervalo de
confiança de 95%
Médi Erro Erro
Satisfação N para média Mín Máx
a Desvio Erro
Limite Limite
inferior superior
Qualidade da 770 2.49 1.183 .043 2.41 2.57 1 5
Internet
Tipo de material 770 2.81 1.213 .044 2.73 2.90 1 5
Qualidade do 770 2.45 1.163 .042 2.37 2.53 1 5
ensino
Custo de dados 770 1.97 1.050 .038 1.90 2.05 1 5
Comunicação 770 2.52 1.211 .044 2.44 2.61 1 5
Plataformas 770 2.67 1.276 .046 2.58 2.76 1 5
Domínio dos 770 2.69 1.248 .045 2.60 2.78 1 5
Docentes
Nível de 770 2.45 1.206 .043 2.37 2.54 1 5
prendizagem
Acesso ao 770 2.66 1.295 .047 2.57 2.75 1 5
material
Frequência do 770 2.66 1.256 .045 2.57 2.75 1 5
material
Total 770 2.54 1.231 .014 2.51 2.57 1 5
0

A Tabela 1 apresenta algumas estatísticas descritivas e a estimação de intervalos de confiança


para a média de todas as variáveis sobre satisfação, incluindo a média global calculados
recorrendo a distribuição t-student. O objectivo destas estatísticas é aferir se, em termos
médios, os inqueridos tendem a estar satisfeitos, insatisfeitos ou nenhuma das duas.

Olhando para os dados, em todos os aspectos avaliados, as médias estão significativamente


abaixo de 3 (os intervalos de confiança estão abaixo de 3). Isto significa que, a um nível de
confiança de 95%, podemos inferir que os estudantes estão insatisfeitos com todo o processo
de ensino durante o período em análise, especialmente no que tange a qualidade da rede, tipo
de material disponibilizado pelos docentes para efeitos de aprendizagem, qualidade de ensino
nesta modalidade, custo de dados, forma como flui a comunicação com suas IES, plataformas
usadas, forma como os docentes usam as plataformas, ritmo de sua evolução (com a sua
142

aprendizagem) neste período, facilidade de acesso ao material disponibilizado e frequência


com que o material é disposto.

3.4. Significado dos resultados

De forma geral, é possível perceber que todas as IES prosseguiram com actividades lectivas
durante o período em análise, usando meios electrónicos online e, portanto, seguindo as
orientações do Presidente da República e do MCTESTP. Entretanto, devido ao carácter
repentino dos factos, as IES tiveram que, sem preparo ou estudos, encontrar estratégias ao seu
alcance. Por exemplo, a plataforma mais usada para a interacção docente-estudantes durante o
período foi o WhatsApp, que, provavelmente, era mais familiar entre os estudantes mas que,
por sua natureza, não é um meio suficientemente adequado para a mediação do processo de
ensino e aprendizagem. Aliás, existem outras ferramentas que em termos de peso e requisitos
para a sua instalação nos aparelhos celulares poderiam substituir o WhatsApp mas que, a
ausência de preparação, não possibilitou a sua exploração. Portanto, faltou a planificação, que
segundo Mercado (2017), guiaria o sucesso.

A distribuição das percentagens sobre as plataformas usadas evidencia que muitos estudantes
usa(ram) mais do que uma plataforma. Isto é uma clara mensagem da ausência da definição de
um meio estratégico de interação que evitaria que os docentes, ao seu belo prazer, de acordo
com o que lhes era confortável, introduzissem plataformas de sua preferência e domínio nas
suas disciplinas. Este factor, de certo modo, pode provocar frustação aos alunos devido à
necessidade de investimento em tempo para assimilação do manuseio das inúmeras plataformas
usadas simultaneamente sem a devida planificação institucional, exigindo do estudante uma
(re)adaptação desorganizada, o que de certo modo pode ter influenciado ou propiciado a algum
tipo de bloqueio da aprendizagem segundo (Papert, 2008).

Algumas disciplinas de ciências exactas, por sua natureza possuem conteúdos que dificilmente
podem ser abordados a partir do telefone, exigindo o computador como um aparelho mais
adequado para suportar todas as funcionalidades e aplicativos exigidos. Podemos imaginar a
frustração que poderá ter sido vivida por aquele estudante que só interage a partir do Celular!

Por experiência dos autores, a rede de internet, particularmente provida pelas operadores de
telefonia móvel é muito fraca, chegando a não permitir o acesso à documentos de menor peso,
uma situação que é mais agravada nas regiões do interior (distantes dos centros urbanos) de
onde vem e se encontra grande parte dos estudantes das IES. Obviamente que interacções em
143

vídeo que são necessárias na modalidade online não foram das melhores, dada a precária
qualidade de fornecimento de dados moveis em alguns operadores e o custo elevado para
obtenção.

Estas reflexões são fundamentadas pela satisfação (ou seja, insatisfação) dos alunos em relação
à todos os aspectos didácticos, levantados na presente pesquisa.

Portanto, os resultados obtidos em relação aos custos de internet, meios e plataformas usadas
não fogem dos resultados obtidos por Mulema, Luís e Injage (2020).

4. CONCLUSÃO

O objectivo deste estudo era aferir as condições sob as quais os estudantes têm aulas durante a
vigência do Decreto de Estado de Emergência imposto pela pandemia da COVID – 19 e refletir
sobre a qualidade de ensino neste período, tendo em perspectivas as condições e satisfação dos
estudantes. A recolha de dados do estudo foi feita com recurso à um formulário partilhado pela
internet e teve uma participação de 770 estudantes de IES de quase todo o país, com destaque
para a UniPúnguè e a UEM.

O estudo adoptou uma abordagem quantitativa e os dados foram analisados através de gráficos
de distribuição de frequências e estimativas de médias com que conseguiu-se apurar os meios
e materiais usados para ter acesso às aulas, assim como o nível de satisfação dos alunos com
os processos didáctico-pedagógicos durante a vigência do Estado de Emergência Imposto pela
COVID-19.

Cruzando os meios tecnológicos usados, as plataformas usadas, e a satisfação dos estudantes


em relação ao processo de ensino-aprendizagem durante o período em análise com as
afirmações de Mercado (2017), Costa (2016), Dourado, Oliveira e Santos (2007), UNNESCO
(2011) e UNNESCO (2003), devido à falta de preparações de condições materiais e humanas
e à insatisfações dos clientes do processo de ensino e aprendizagem, não podemos dizer que o
processo terá sido bem sucedido durante o período em análise, mas está responsabilidade não
se pode imputar às instituições, trata-se de uma situação conjuntural com a qual se deve
aprender.
144

Sobre as ilações, avançamos que existe uma necessidade de planificação de processo típicos
para responder a esta ocasião ou próximas que tenha em conta a disponibilidade os recursos
tecnológicos, financeiros e humanos, que tenha em conta a qualidade da internet de que
dispomos. Existe uma necessidade de preparação (capacitação) do corpo docente e discente no
uso de ferramentas tecnológicas. Existe uma necessidade de capacitação do corpo docente para
a produção de materiais e dosificação de conteúdos de forma adequada para o ensino na
modalidade à distância e on-line.

Uma constatação não necessariamente curiosa neste estudo é o facto de que a modalidade mais
afetada pela migração brusca ao ensino on-line é a do ensino regular (regimes laboral e Pós-
Laboral). Trata-se de uma modalidade em que a prática de ensino era tomada apenas pelo
contato físico professor-aluno e em sala de aulas, e que perante esta situação, ficou bastante
afetada. Face a isso, entendemos que existe também uma necessidade de que o ensino superior
em Moçambique paute por uma prática de ensino orientado de forma mista, isto é, conciliando
a presença em sala de aulas com o uso de plataformas de ensino on-line devidamente
identificadas e estudadas pelos técnico-científicos institucionais ou associados.

REFERÊNCIAS

Costa, Inês Teresa Lyra Gaspar da. Metodologia do ensino a distância. UFBA, Salvador,
2016;

Decreto nº 12/2020. Boletim da República - Publicação oficial da República de


Moçambique. I SÉRIE — Número 64. Imprensa Nacional de Moçambique, E.P, Maputo,
Quinta-feira, 2 de Abril de 2020;

Dourado, L., Oliveira, J., e Santos, C. A Qualidade da Educação: conceitos e definições.


Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Basília, 2007;

Malhotra, N. K. (2011). Pesquisa de marketing: foco na decisão (2011, 3. ed.); tradução:


Opportunity Translations; revisão técnica Maria Cecilia Laudisio e Guilherme de Farias
Shiraishi. São Paulo: Pearson Prentice Hall;

Mercado, L. Dificuldades na Educação a Distância Online. 2017;

Ministério de Ciência e Tecnologia Ensino Superior e Técnico Profissional- Ponto de


Situação da operacionalização (MCTESTP) - Assunto: Ponto de Situação de
145

Operacionalização das Medidas de Prevenção à Pandemia do Novo Coronavírus (COVID-


19) Nos Subsistemas do Ensino Superior e Técnico Profisisonal. Maputo, 16 de Abril de
2020;

Mulema, S. A; Luís, A. E. D. e Injange, L. V. (2020). Relatório científico do estudo sobre


funcionalidade das plataformas digitais em uso na UniLicungo e em outras Instituições de
Ensino Superior da Província da Zambézia, no período de Estado de Emergência, no
âmbito da COVID-19. Quelimane. Moçambique: Universidade Licungo;

Ofício n.º 169/MCTESTP/GM/393/2020. Ministério de Ciência e Tecnologia Ensino


Superior e Técnico Profissional – Assunto: Medidas de Prevenção da Pandemia do
Coronavírus (COVID-19) nas Instituições de Ensino Superior e Técnico Profissional.
Maputo, 21 de Março de 2020;

Papert, Seymour. A Máquina das Crianças: Repensando a Escola na Era da Informática.


Porto Alegre: Artmed, 2008;.

UNESCO. Background and Criteria for Teacher-Policy Development in Latin America


and the Caribbean. OREALC/UNESCO Santiago, 2011;

UNESCO. Proyecto Regional de Indicadores Educativos. Alcanzando las metas


educativas: Informe Regional. Santiago de Chile, 2003.
146

A qualidade de ensino em tempos de crise do COVID -19: um olhar sobre o ensino


básico.

Eduardo Rodolfo Menete21

Resumo
A qualidade de ensino é determinante para que um país atinja bons resultados económicos, mas
em contra partida, a condição socioeconômica pode influencia na qualidade de ensino.
Pretende-se com este artigo, analisar a qualidade de ensino em Moçambique em tempos de
crise do COVID -19, olhando mais para o ensino básico. Moçambique com uma economia
dependente da ajuda externa para realizar 40% dos programas essenciais conducentes ao
desenvolvimento, não tem recursos suficientes para construir escolas, para matricular todas as
crianças em idade escolar, muito menos contratar professores suficientes, fora de outras
condições necessárias para que o ensino tenha a qualidade desejada. Para materializar o
objectivo desta pesquisa, recorreu-se a uma abordagem qualitativa, que consistiu na revisão da
literatura, análise de discurso, observação participativa e inquérito, com recurso aos medias.
As condições criadas para o sector da educação ainda são irrisórias para a demanda. Falta um
pouco de tudo, por isso, a pandemia veio piorar o que já não estava bem. As evidencias nos
levam à confirmação de que a qualidade de ensino piorou com a crise provocada pelo COVID-
19.

Palavras-chave: Qualidade de ensino; COVID - 19; Estado de emergência.

Abstract
The quality of education is crucial for a country to achieve good economic results, but in
contrast, the socioeconomic condition can influence the quality of education. The aim of this
article is to analyze the quality of education in Mozambique in times of crisis of COVID -19,
looking more at basic education. Mozambique with an economy dependent on foreign aid to
carry out 40% of the essential programs conducive to development, does not have sufficient
resources to build schools, to enroll all school-age children, let alone hire enough teachers,
outside of other conditions necessary for teaching has the desired quality. To materialize the
objective of this research, a qualitative approach was used, which consisted of literature review,
discourse analysis, participatory observation and inquiry, using the media. The conditions
created for the education sector are still insignificant for demand. A little bit of everything is
missing, so the pandemic has worsened what was no longer okay. The evidence leads us to
confirm that the quality of teaching has worsened with the crisis caused by COVID-19.

Keywords: Teaching quality; COVID-19; Emergency State.

21
Doutor em Ciência Política. Funcionário do Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano de
Moçambique.
147

Introdução
O ano de 2020 é atípico, por conta da pandemia mundial, Covid 19 que atingiu todos os Cantos
do mundo em menos tempo. Provocou mortos, afectou o sistema financeiro, a economia,
paralisou as escolas, fabricas, e criou desemprego.

Como pensar num ensino de qualidade com escolas fechadas e com parte de direitos suspensos
por conta do estado de emergência. O lema neste período é ficar em casa, como medida de
evitar a contaminação pelo vírus Sars-cov-2 que provoca a doença de Covid 19. Foi um desafio
aceite, analisar a qualidade de ensino em tempos de crise do Covid 19. Até que ponto o Covid-
19 afetou a qualidade de ensino em Moçambique?

O artigo analisa a qualidade de ensino em tempos de crise do Covid 19, com maior enfoque
para o ensino básico, pela importância, número de alunos e o nível de abrangência. Este nível
é o mais vulnerável se olhar para a dimensão geográfica do país, necessidades para atender
todas as crianças com idade escolar. Apesar dos esforços do governo em proporcionar escolas
para todos, em 2007 existia 63,6% de crianças de 6 anos e 41% das crianças de 7 anos fora da
escola (INE, 2017). Em 2017 houve aumento de crianças fora da escola: 73% para crianças de
6 anos e 65,6 para crianças de 7 anos (Ibidem). O melhor era ter todos na escola para depois
questionar sobre a qualidade de ensino. Mas quando temos metade ou mais fora da rede escolar,
difícil é o exercício de avaliar.

A pesquisa parte de uma hipótese de trabalho segundo a qual a qualidade de ensino baixou por
conta do Covid-19. Para materializar o objectivo da pesquisa recorreu-se a uma abordagem
qualitativa que consistiu na revisão bibliografia, observação participativa, experiência de 20
anos de docência, inquérito sobre o tema.

O artigo é constituído por três partes, a primeira parte que é antecedida por uma introdução,
apresenta elementos sobre o COVID – 19, formas de transmissão e de protecção do Covid-19.
A segunda parte desenvolve a qualidade de ensino e, a terceira e última parte, debate a questão
da qualidade de ensino em tempos da crise provocada pelo CODID 19, depois as notas
conclusiva e por fim, a Referência bibliografia.
148

1. Coronavírus, sars-cov-2/covid-19.
A doença actualmente designada por COVID-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, um novo
coronavírus que faz parte da família de vírus que causam infecções respiratórias, foi notificada
à Organização Mundial de Saúde (OMS) a 31 de Dezembro de 2019, com início na cidade de
Wuhan, Hubei, China, e propagou-se para cerca de 210 países. O vírus SARS-CoV-2 causou
até o presente momento, 07 de Julho de 2020, cerca 11.797.213 infecções, 543.595 mortes por
COVID-19 em todo o mundo (OMS, 2020; GM- MISAU, 2020).

Moçambique regista no mesmo peíodo, 07 de Julho, 1012 casos confirmados, 277 recuperados
e apenas 6 mortes, permanecendo no grupo dos países menos infectados pela pandemia.
Contudo, os dados tende a aumentar na ordem dos 26 infectados por dia. Esse crescimento
preocupa o Governo e a sociedade no geral e, como forma de mitigar os efeitos da pandemia,
o Governo prorrogou o estado de emergência pela terceira vez no país. A tabela abaixo resume
os dados actualizados da Covid 19 em países mais críticos incluindo dados totais do Mundo.
Tabela 1. Resumo dos dados sobre Covid 19, até 07/07/2020

País Confirmados Recuperados Mortes


Mundo 11.797.213 6.415.379 543.595
Moçambique 1012 277 6
EUA 3.048072 918.298 133.322
Brasil 1.674.655 1.072.229 66.868
India 742.417 456.831 20.642
Rússia 700.792 472.511 10.667
Fonte: OMS, 2020; Wikipédia; MISAU, 2020.

1.2. Forma de transmissão.


A transmissão de SARS-CoV-2 entre humanos ocorre através de gotículas respiratórias,
objectos contaminados e contacto físico directo com pessoas infectadas. Uma vez infectadas,
pessoas assintomáticas e sintomáticas podem manter uma cadeia transmissora da infecção,
sendo que não há tratamento específico contra o vírus até ao momento nem medidas profiláticas
do tipo vacina. AOMS recomenda ampla implementação de intervenções contra a cadeia de
transmissão, para conter a rápida disseminação do SARS-CoV-2, através de minimização do
contacto entre pessoas infectadas e não infectadas, detecção precoce e isolamento de casos, e
medidas gerais de higiene pessoal e colectivas (OMS, 2020; MISAU, 2020).
149

O alerta nacional inicial foi oficialmente tornada pública no dia 14 de Março de 2020, pela
realização da primeira Comunicação do Presidente da República dando o ponto de situação e
anunciando um pacote de medidas para prevenir a pandemia.

As medidas sugeridas incluem encerramento de escolas e locais públicos, implementação de


métodos padronizados de higiene das mãos e distanciamento social. Com a notificação em
Moçambique do primeiro caso de SARS-CoV-2 no dia 22 de Março, o governo implementou
medidas adicionais para diminuir a rápida disseminação da SARS-CoV-2, incluindo o decreto
do Estado de Emergência, no dia 30 de Março, bem como sua prorrogação no dia 29 de Abril.
(Decreto Presidencial n.º 11/2020; Decreto Presidencial n.º 11/2020; MISAU, 14 de Maio de
2020).

1.3. Formas de protecção do Covid-19.


As recomendações de prevenção à COVID-19 são as seguintes (OMS, 2020; MISAU, 2020):
 Lave com frequência as mãos até a altura dos punhos, com água e sabão, ou então

higienize com álcool em gel 70%.


 Ao tossir ou espirrar, cubra nariz e boca com lenço ou com o braço, e não com as mãos.

 Evite tocar olhos, nariz e boca com as mãos não lavadas.

 Ao tocar, lave sempre as mãos como já indicado.

 Mantenha uma distância mínima de cerca de 2 metros de qualquer pessoa tossindo ou

espirrando.
 Evite abraços, beijos e apertos de mãos. Adote um comportamento amigável sem

contato físico, mas sempre com um sorriso no rosto.


 Higienize com frequência o celular e os brinquedos das crianças.

 Não compartilhe objetos de uso pessoal, como talheres, toalhas, pratos e copos.

 Mantenha os ambientes limpos e bem ventilados.

 Evite circulação desnecessária nas ruas, estádios, teatros, shoppings, shows, cinemas e

igrejas. Se puder, fique em casa.


 Se estiver doente, evite contato físico com outras pessoas, principalmente idosos e

doentes crônicos, e fique em casa até melhorar.


150

 Durma bem e tenha uma alimentação saudável.

 Utilize máscaras caseiras ou artesanais feitas de tecido em situações de saída de sua

residência.

2. A Qualidade de ensino em Moçambique


O sistema educacional é formado por partes inter-relacionadas, interdependentes e interactivas,
por isso, nenhuma política educacional pode produzir resultados positivos sem uma integração
orgânica entre os diversos níveis de ensino, particularmente entre a Educação Básica e o Ensino
Superior (MACHADO, 2007 apud GADOTTI, 2013).

Para Assane 2014, a organização do ensino por ciclos de aprendizagem, o novo paradigma de
avaliação, a introdução de disciplinas como, ofícios, empreendedorismo, faz com que o
individuo desenvolva capacidades de saber fazer (ASSANE, 2014).

A visão do Assane é pertinente, mas a introdução de novas disciplinas profissionalizantes não


foi antecedida de formação de professores com estas habilidades (ofício, agropecuária, etc.). O
que aconteceu foi recorrer a técnicos médios sem formação psicopedagógica para leccionar, o
que em si, não traz grandes benefícios. A alteração do currículo, seja de que dimensão for, deve
ser antecedida de estudos que possam prever a necessidade de formação de recursos humanos
para responder esses desafios.

Terezinha Rios, 2010 defende a totalidade, abrangência e multidimensionalidade do conceito


de qualidade, sua relação com o momento histórico concreto, sugerindo, a partir daí, a
articulação dos aspectos de ordem técnica e pedagógica aos de carácter político-ideológico em
uma análise crítica da qualidade de educação (RIOS, 2010, p. 64).
Para Niquice 2016, o Ensino Básico enferma de sérios e graves problemas, sendo um deles o
da qualidade de ensino:
A sociedade inteira reclama incessantemente e, ao mesmo
tempo, tem um certo descrédito em relação ao sistema de
formação de professores (…); fragmentação do trabalho
docente; mudança de expectativas da sociedade em
relação ao sistema educativo; mudança dos conteúdos
curriculares e aumento de contradições no exercício da
docência (NIQUICE, 2016, pp. 214 – 222).
151

Os problemas levantados pelo Niquice se assemelham aos dos autores já arrolados. Para a
maioria a nota dominante é sem sombras de dúvida a qualidade de ensino. Qualidade essa que
conforme veremos mais adiante, depende da combinação de vários factores.

Bastos e Duarte 2016, ao explorarem caminhos que permitam melhorar a qualidade do Ensino,
os autores concluíram que não basta garantir apenas o acesso físico, é preciso fazer com que o
aluno tenha acesso ao conhecimento, sendo para o efeito fundamental melhorar a formação
contínua do corpo docente, as condições das escolas, a supervisão pedagógica e a participação
dos pais e encarregados de educação (BASTOS & DUARTE, 2016, pp. 36 – 41).

Quanto à questão da qualidade, os autores consideram que sem o domínio dos instrumentos
básicos tais como leitura, escrita e a realização de operações simples como somar, subtrair,
dividir e multiplicar, nas classes iniciais, dificilmente os alunos podem integralmente ter acesso
ao conhecimento em classes posteriores (Ibidem).

Saar 2016 é da opinião que o papel de uma Didáctica específica, tendo em conta a formação
de professores com qualidade, que possam contribuir para o alcance sustentável do objectivo
de uma educação para todos, coloca-se como algo actual e a ser discutido (SAAR, 2016, pp.
227- 231).

Para Mate 2013, há falta de paralelismo entre este subsistema de ensino e o subsistema de
Formação de Professores Primários, porque para ensinar a ler, escrever e operar cálculos
matemáticos exige do professor uma didáctica específica, a qual não teve ao longo da sua
formação como professor.

Para além da falta de paralelismo e integração interna, temos o problema da coerência e


continuidade dentro do subsistema, ciclo, classe, disciplina ou unidade temática que possa
facilitar de facto a aquisição daquelas competências julgadas básicas para este sistema
(Ibidem).
152

Para Salimo e Gouveia 2017, as Instituições do Ensino Superior (IES) devem produzir um
Plano de Introdução das TIC’s que seja parte integrante das estratégias e da programação geral
da IES22.

Para Rupia e Lopes 2018, as Instituições do Ensino Superior (IES) ainda estão longe de se
direccionar com vista a responder ao conjunto de necessidades que a qualidade impõe. No
entanto, os mesmos autores defendem que, por tratar-se de um processo que suscita a
mobilização de recursos e tempo, as relações interinstitucionais afiguram-se cruciais (RUPIA;
LOPES, 2018).

Por forma a melhorar a qualidade dos cursos, a autoavaliação deve ser parte constante das
actividades do curso, recomendam os autores. A prática permanente de autoavaliação dos
cursos, a organização de evidências do que se vai fazendo no quotidiano e o apoio directo do
CNAQ, está a trazer segurança e renovar as instituições com práticas cada vez mais
actualizadas (Ibidem).

Para Dourado, Oliveira e Santos 2007, no que tange aos termos de Qualidade da Educação é
importante pensar-se na medida das dimensões extrínsecas (extra-escolares) e intrínsecas
(intraescolares). 23

Dourado, Oliveira e Santos 2007, na tentativa de definir a qualidade de ensino, identificaram


quatro principais níveis a saber:
a) Nível de sistema - condições de oferta do ensino:
ambiente escolar adequado à realização de atividades de
ensino, lazer e recreação, práticas desportivas e culturais;
Equipamentos em quantidade, qualidade e condições de
uso adequadas às atividades escolares; biblioteca com

22
Dispensa a construção de muitos e largos espaços físicos, para além da redução de custos, permite a preservação
ambiental. Não existem, teoricamente, limites geográficos para inscrever novos alunos (permite que a
universidade seja mais abrangente, inclusiva e que os alunos se mantenham o seu ambiente familiar). Abre novas
oportunidades de formação a grupos alvos normalmente impossibilitados por motivos de trabalho, distância, etc.

23
Estas medidas são fundamentais para a definição e compreensão teórico-conceitual e para análise da situação
escolar que devem ser entendidas de maneira articulada.
153

espaço físico apropriado para leitura, consulta ao acervo,


estudo individual e em grupo (…).
b) Nível de escola - gestão e organização do trabalho
escolar: estrutura organizacional compatível com a
finalidade do trabalho pedagógico (…) planeamento,
monitoramento e avaliação dos programas e projetos;
organização do trabalho escolar compatível com os
objetivos educativos estabelecidos pela instituição tendo
em vista a garantia da aprendizagem dos alunos; gestão
democrática e participativa incluindo condições
administrativas, financeiras e pedagógicas.
c) Nível do professor - formação, profissionalização e
ação pedagógica: perfil docente: qualificação adequada
ao exercício profissional; vínculo efetivo de trabalho;
Valorização da experiência docente; políticas de
formação e valorização do pessoal docente: plano de
carreira, incentivos, benefícios (…); definição da relação
alunos/docente adequada a modalidade.
d) Nível do aluno - acesso, permanência e desempenho
escolar: acesso e condições de permanência adequadas à
diversidade socioeconómica e cultural e à garantia de
desempenho satisfatório dos estudantes; consideração
efetiva da visão de qualidade que os pais e estudantes têm
da escola e que levam os estudantes a ter uma visão
positiva da escola, os colegas e os professores, bem como
a aprendizagem e o modo como aprendem, engajando-se
no processo educativo; (…).(DOURADO, OLIVEIRA E
SANTOS, 2007, pp. 5-34).

Estes quatro níveis formam um único pacote de requisitos necessários para que o ensino tenha
a qualidade deseja segundo os autores. A realidade do país, nos leva à reflexão sobre a maneira
como é conduzido o processo de ensino. Assiste-se a proliferação de estabelecimentos de
ensino em todo o território nacional, principalmente as escolas privadas. Essa proliferação, visa
por um lado massificar e pelo outro tirar o máximo proveito pessoal, isto é, ganhar dinheiro,
lucro, sem no entanto, olhar para a qualidade. Temos universidades a leccionarem em garagens
de carros, sem as mínimas condições exigidas para o efeito.

O professor deve ter condições dignas da sua profissão, desde o salário, progressão na carreira
e outros benefícios que lhe possam conferir dignidade. O que de certa forma, pode concorrer
154

para acabar com o professor turbo, aquele que dá aulas em muitas escolas e não tem tempo
para planificar, muito menos fazer trabalhos de pesquisa.

O aluno deve se sentir a vontade, como se ainda estivesse em casa. Todas as acções
desenvolvidas até aqui, visa proporcionar conforto, segurança e bem estar do aluno. O contrário
do que foi analisado aqui, terá como consequência o baixo aproveitamento, abandono e
sabotagem.

3. A qualidade de ensino em tempos da crise do Covid-19.

Os autores citados neste trabalho procuram mostra a situação da educação em moçambique,


levantam sérios problemas relacionados com a qualidade.

O ensino exige contacto físico, interacção, troca de experiência, debate, trabalho conjunto, mas
em contra partida o COVID 19 tem uma exigência diferente: afastamento, distanciamento
social, isolamento total, menos contacto e permanência no mesmo lugar para não espalhar o
vírus. Uma autêntica contradição que uma impede a outra. Este será o dilema do sector da
educação daqui a meses ou anos. Para isso a solução seria aulas online, a distância, mas
também, as condições existente não ajudam. Os dados da tabela 2, confirmam a fragilidade do
país, caso queira apostar no ensino a distância.

A massificação do ensino ainda é uma prioridade do executivo, mesmo que essa expansão não
seja acompanhada do factor qualidade numa primeira fase, ela é necessária porque ainda temos
39% da população analfabeta (INE, 2017). A rede escolar segundo dados mais recente do censo
populacional, não consegue absorver todas as crianças com idade escola. Um total de 34,2%
das crianças de 6-17 anos de idade não tiveram acesso à escola em 2007 e em 2017, o número
aumento para 38,6% de crianças fora da escola (INE, 2017). É um caso preocupante, por que
o mais óbvio seria uma ligeira redução, mas estranhamente o número cresceu, mesmo com a
melhoria de certos indicadores, como energia elétrica, água potável, número de salas de aulas
construídas. As crianças de 6 e 7 anos têm taxas mais elevadas, 73 e 55,6% respectivamente,
fora da escola.
155

A situação tende a piorar quando o assunto é o acesso a computador com um total de 3,9% em
2007 e apenas 4,4% da população em 2017. Os homens com mais acesso 5,8% em relação as
mulheres com apenas 3,1% ambos em 2017, conforme a tabela abaixo.

Os moçambicanos tem mais acesso ao telemóvel, 24% em 2007 e 26,4% em 2017, mas têm
uma das pior taxa de acesso a internet do mundo, total 2,1 em 2007 e 6,6 em 2017. Os homens
com mais acesso em relação as mulheres 2,2 e 2,1 em 2007 e em 2017, os homem com 8,1 %
e 5,3 para as mulheres. A tabela abaixo apresenta de forma mais detalhada o resumo dos dados
do censo 2017.

Tabela 2. Resumo da taxa de analfabetismo, acesso a energia, internet e computador em


2007 e 2017 em Moçambique.
N. Descrição 2007 ( %) 2017 ( %)
ordem
1 Taxa de analfabetismo Total 50,4 39,0
por sexo Homem 34,6 27,2
Mulher 64,2 49,4
2 Crianças de 6 -17 anos Total 34,2 38,6
fora da escola Homem 31,2 38,6
Mulher 37 38,8
3 Crianças de 6 e 7 anos 6 anos 63,6 73
fora da escola 7 anos 41,5 65,6
4 Acesso a computador Total 3,9 4,4
Homem 4,1 5,8
Mulher 3,8 3,1
5 Acesso a telemóvel Total 24 26,4
Homem 24,2 30,8
Mulher 23,8 22,4
6 Acesso a internet Total 2,1 6,6
Homem 2,2 8,1
Mulher 2,1 5,3
7 Energia elétrica ----------------- 10 22
Fonte: Autor com base em dado do INE, 2017.
156

A tabela acima oferece dados maís actuais da população, o que de per si, constitui uma mais
valia, na medida em que vai servir de base para análise da qualidade de ensino em tempos da
crise do covid 19.

Os dados acima, poem em questão a qualidade de ensino no país. Como podemos falar de
qualidade de ensino com 73% de crianças de 6 anos de idade fora da escola em pleno século
XXI. O desafio ainda é enorme, abranger todas as crianças em idade escolar, implica um
investimento mais avultado na expansão do ensino. Uma expansão que deve ser acompanha de
outros elementos como: edifícios condignos, saneamento do meio, corpo docente bem formado
etc. A UNESCO alerta para o possível aumento do abandono escolar como consequência do
encerramento dos estabelecimentos de ensino 24 (UNESCO, 2020).
Fechar temporariamente as escolas, além de proteger crianças e jovens, reduz as chances de
que eles se tornem vetores do vírus para sua família e comunidade, sobretudo para os idosos e
demais grupos de risco (Ibidem).

Outras desigualdades devem ser também consideradas, como o nível socioeconômico dos pais,
diferenças significativas de conectividade entre as regiões brasileiras e entre os meios rural e
urbano. Esta assimetria também pode ser observada entre escolas privadas e públicas.

A expansão do ensino a distância exige planeamento para evitar uma exacerbação das
desigualdades de aprendizagem dentro e entre as redes de educação. Uma transição repentina
para ensino a distância sem considerar a capacidade das escolas em administrar aulas de
qualidade e a dos alunos em ter a estrutura e o apoio necessários para absorver este material
tende a reforçar as já elevadas desigualdades de aprendizado no país.

24
Pode ser difícil levar alguns jovens a regressar à escola e permanecer no sistema quando as escolas reabrirem.
Esse efeito foi observado em cidades como Filadélfia, onde os professores da University of Pennsylvania
Steimberg y MacDonald documentam num artigo na Economics of Education Review que, além dos efeitos
académicos, o encerramento dos estabelecimentos de ensino afeta o comportamento dos alunos, aumentando as
ausências não justificadas, o que, a longo prazo, acreditamos que afetará o abandono escolar, especialmente entre
as camadas mais desfavorecidas (UNESCO, 2020).
157

4. Resultado do questionário.
Questionário online, que foi respondido por 49 pessoas de diversos estratos sociais. O número
dos inquiridos apesar de não ser representativo, o seu resultado não deixa margens de dúvidas
sobre a percepção dos actores quanto ao tema em análise.

Na questão como avalia as medidas tomadas pelo executivo face à prevenção de covid-19.
Dos 49 inquiridos 25 que corresponde a 51% responderam que são razoáveis. 15 que
corresponde a 30,6% disseram que as medidas são boas e 7 que correspondem a 14,3%
afirmam que são negativas.

Quando perguntados qual é o teu posicionamento quanto ao retorno às aulas. Dos 49


inqueridos, 22 que corresponde a 44,9% discorda e 17 que corresponde 34,7% discorda
completamente, o que perfaz uma percentagem de 79% dos inquiridos que não estão de acordo
com a retomada das aulas, principalmente numa fase em que os casos de infecção tende a
triplicar, passando do intervalo de 1 a 10 por dia, para 10 a 30 infecções diárias (MISAU, 2020).
Apenas 7 inquiridos que corresponde a 14,3% concordam com a retomada das aulas presenciais
a ter lugar no dia 27 de Julho do ano em curso. Uma das formas de prevenção é o uso regrado
da máscara. Como classifica/avalia o uso da máscara no país. Para esta questão a maioria, 17
inquiridos 34,8% usam a mascar de forma responsável. 13 dos 49 que corresponde a 26,5 % só
usam a mascar para ter acesso aos serviços e a lugares públicos; 10 que corresponde a 20,5%
colocam a máscara por medo de repressão policial; ao passo 9 que corresponde a 18,4%
declarou que usa de forma irresponsável, uma vez não reconhecer a importância do uso da
máscara na prevenção da pandemia.

Quando perguntados como classificam a qualidade de ensino em tempos de crise do covid-19,


responderam da seguinte maneira: dos 49 inquiridos 22 que corresponde a 44,9% disseram que
era razoável, ao passo que 18 que corresponde a 36,7% classificaram de mau a qualidade de
ensino; 8 que corresponde a 16,3% disseram que a qualidade é péssima e por fim, uma pessoa
que corresponde 2.0% classificou de bom.
158

Quando adicionar o número dos que consideram (mau 18 e péssimo 8) a qualidade de ensino
em tempos de crise do Covid-19, temos a soma de 27 inquiridos que corresponde a 53,0% dos
que reconhecem que o ensino não tem a qualidade desejada.

5. Notas conclusivas
Se for consensual que a qualidade de ensino deve ser vista de forma multidimensional e
abrangente conforme defendem Dourado, Oliveira e Santos 2007 e Terezinha Rios 2010, ainda
temos um longo caminho a percorrer para atingir os níveis desejados. A qualidade não depende
simplesmente da massificação do ensino, do aumento do salário, da disponibilidade de
infraestruturas, mas de mais factores como: ambiente socieoeconómico, política
governamental, estabilidade regional, condição social dos pais, que também dita a condição do
aluno. A escola como espaço de aprendizagem deve reunir todas as condições necessária para
uma boa aprendizagem, desde o espaço de diversão, desporto, bibliotecas equipadas. Para além
disso, temos o lado do professor, que tem um papel importante, por isso, a formação adequada,
condições de trabalho, progressão na carreira entre outros incentivos: salário compatível com
as funções. Para conferir a qualidade o aluno não fica de fora, porque todas as condições criadas
são em prol do aluno, por isso deve ter salas em condições, sanitários, água potável para o
consumo e higienização completa.

O inquérito veio reforçar a hipótese de partida segundo a qual a qualidade da educação em


tempos de crise do Covid-19 regrediu, ou seja, o Covid-19 aumentou a fragilidade já existente.
O distanciamento social que ditou o encerramento das escolas, teria como medida atenuante as
aulas online, à distância que implicaria o uso das TICs, mas a realidade mostra-se contraditória,
por várias razões: 10,1 % da população em 2007 tinha acesso a televisão e em 2017 o número
aumentou para 21,8%. Em 2007 tinham telefone celular 24% e em 2017 apenas 26,4% da
população usava o telefone. Quando o assunto é computador em 2007, 3,9% e em 2017 passou
para 4,4% da população (INE, 2017). Para as TICs funcionar precisam da internet, mas a
cobertura em 2007 era de 2,1%, tendo melhorado para 8,1% em 2017 (INE, 2017). Estes dados
não permitem a implementação de aulas online. Não há condições para a materialização desse
desejo. Por isso a conclusão de que o ensino baixou de qualidade em tempos de crise provocado
pelo coronavírus.
159

As nossas instituições de ensino não tem essas condições, talvez daqui a 100 anos teremos o
mínimo necessário para se pensar numa boa qualidade de ensino. Estas dificuldades são
anteriores ao surto do Covid-19. Com a pandemia a situação agravou-se, ou seja, a qualidade
de ensino tende a piorar com a crise provocada pelo Covid-19. Mais ainda, com a descoberta
recente da possível contaminação do vírus SARS-CoV-2 pelo ar (OMS, Julho, 2020), e o
retorna às aulas no dia 27/07 do ano em curso, pode deitar abaixo todo o esforço já empreendido
até esta fase. Se procedermos desta maneira, está eminente uma contaminação em massa.
As evidências mostram que a retoma das aulas no mês de Julho, mesmo com aumento de casos
é uma decisão precipitada, que pode trazer consequências amargas para o país.

Não foi possível um aprofundamento que seria necessário para um tema desta natureza, pela
força das circunstâncias que a própria pandemia nos condiciona. A limitação da circulação e o
distanciamento obrigatório não favorecem a pesquisa. Mas pode servir de base para estudos
futuros, por isso a pesquisa vai continuar enquanto durar a pandemia.

Como recomendação as aulas em todos os subsistemas de ensino devem ser adiadas até se ter
o controlo da situação; maior investimento em todo o processo de ensino; mais coordenação,
comunicação e intercâmbio entre os envolvidos (alunos, professores, encarregados de
educação, governo, sociedade civil, empresários e parceiros); Intensificar as acções de
sensibilização para que todas as pessoas adiram as medidas de segurança, garantido o rigor e a
combinação entre as diferentes medidas; implementar medidas mais rigorosas de modo a
reduzir aglomerações, evitando o risco de contaminação das pessoas; traçar medidas para
proteger os grupos vulneráveis, como por exemplo doentes autoimunes, doentes crónicos,
idosos, entre outros.

6. Referências bibliográficas

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Refletindo sobre as inovações. Artigo apresentado no 11º encontro de pesquisa em educação
da região sudeste 2014, no eixo temático Pesquisa e Práticas Educacionais;
BASTOS, Juliano Neto de e DUARTE Stela Mithá. Rumo a um Ensino Básico de qualidade
em Moçambique: IN DUARTE, Stela Mithá e DIAS, Hildizina Norberto (Org.). Ensino Básico
160

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41;
MINED. Plano Curricular do Ensino Básico: Objectivos, Políticas, Estrutura, Planos de
Estudo e Estratégias de Implementação. Moçambique, 2003;
NIQUICE, Adriano. Formação de professores do Ensino Básico: reflectindo sobre modelos,
questionando as práticas de profissionalização: IN DUARTE, Stela Mithá e DIAS, Hildizina
Norberto (Org.). Ensino Básico em Moçambique: Políticas, Práticas e Qualidade. Editora
Educar UP, Maputo, 2016, pp. 214-222;
RIOS, Terezinha A. Compreender e ensinar: Por uma docência da melhor qualidade. 8. Ed.
São Paulo: Cortez, 2010;
SAAR, Hans Ernst. Pedagogia e Didáctica do Ensino Básico - Desafios para a Universidade
Pedagógica: IN DUARTE, Stela Mithá e DIAS, Hildizina Norberto (Org.). Ensino Básico em
Moçambique: Políticas, Práticas e Qualidade. Editora Educar UP, Maputo, 2016, pp. 227 –
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SALIMO, Gabriel I; GOUVEIA, Luís Borges. Contributos para o ensino superior em
moçambique: os desafios da era digital. 8º Congresso Luso-Moçambicano de Engenharia.
Faculdade de Engenharia, 4-8 Setembro, Maputo, 2017. Encontrado no endereço:
https://paginas.fe.up.pt/clme/2017/Proceedings/data/papers/6953.pdf, acessado aos
07/07/2020
RUPIA, Bento Júnior; LOPES, Bendita Donaciano. Os desafios da avaliação externa na
melhoria da qualidade do ensino superior em moçambique. 8ª Conferência Forges “O Papel
da Garantia da Qualidade na Gestão do Ensino Superior: Desafios, Desenvolvimentos
eTendências” Instituto Politécnico de Lisboa, Portugal: 28, 29 e 30 de Novembro de 2018.
Encontrado no endereço: https://www.aforges.org/wp-content/uploads/2019/06/4-os-desafios-
da-avalia%c3%87%c3%83o-externa-na-melhoria-da-qualidade-do-ensino-superior-em-
mo%c3%87ambique.pdf, acessado no dia 07/07/20;
DOURADO, Luiz Fernandes; OLIVEIRA, João Ferreira de; SANTOS, Catarina de Almeida.
A qualidade da educação: conceitos e definições. Série Documental: Textos para Discussão,
Brasília (DF), v. 24, n. 22, p.5-34, 2007;

https://educacao22.blogspot.com/2013/04/normal-0-false-false-false-en-us-x-none.html,
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https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca#o-que-e-covid, acessado no dia 06/07/2020;
161

Decreto Presidencial n.º 11/2020 de 30 de Março. Maputo-Moçambique;


Decreto Presidencial n.º 12/2020, de 29 de Abril. Maputo-Moçambique;
MISAU (2020). Coronavírus (Covid-19). BOLETIM DIÁRIO COVID-19 Nº64 20 DE MAIO
DE 2020. Maputo
WHO (2020). Novel Coronavirus (2019-nCoV). SITUATION REPORT – 1, 21 JANUARY
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SANZ, Ismael; GONZÁLEZ, jorge sáinz e CAPILLA, Ana. Efeitos da crise do covid-19 na
educação:área de educación superior, ciencia y etp, Madrid, 2020;
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de educación superior, ciencia y etp, madrid, 2020.
162

Material instrucional adaptados ao Ensino à Distância (EaD) em tempos de COVID-19:


estudo de caso no Instituto de Educação à Distância (IED) da Universidade Católica de
Moçambique

Alberto Francisco MALEQUETA25


Manuela Remígio Manuel PERY 26
Orlando Henriques MACHAMBISSO 27

Resumo: Na actual situação em que o país vive, devido a pandemia da COVID-19, onde às
Universidades estão baseadas numa mediação Pedagógica baseada em Tecnologias fazendo
com que os estudantes a se adaptar às mudanças rápidas surge a necessidade de estudar sobre
material instrucional adaptados ao ensino à distância (EaD) em tempos de COVID-19. Com
este tema os autores pretendem responder à seguinte questão: como se adaptar a essas
mudanças que as Universidades estão adotando para a mediação, como adquirir novos
conhecimentos, novas ideias, como adaptar o que antes era tomando por certo para continuar
participando da sociedade produtiva dentro desse novo contexto; Quais são os materiais
instrucionais adaptados ao EaD em tempos de COVID-19? O presente trabalho tem como
objectivo apresentar contribuições de auxílio para elaboração de material instrucional adaptado
ao EaD em tempos de COVID-19. Especificamente pretende-se fazer o levantamento de
material instrucional usado antes do COVID-19; descrever o estágio de materiais adaptados
pela instituição para dar resposta em tempos de COVID-19 e analisar a eficácia do contributo
dos materiais adaptados em tempos de pandemia. Trata-se de um estudo de caso, no qual
adoptamos abordagem qualitativa com o paradigma interpretativo. Para a recolha de dados
recorremos à análise documental e de conteúdo. Os materiais instrucionais produzidos para dar
resposta COVID-19, em sua estrutura constatou-se problemas das regras gramaticais,
limitações contextuais e linguagem empregue não permite o diálogo entre o estudante e o
material. O estudo concluiu que o material instrucional adaptado ao EaD em tempos de
COVID-19 fez com que o professor revisse a sua postura na criação instrucional, pois existem
diferenças entre o material que ele está acostumado a criar e o material a ser usado via internet;
contribuiu no aumento da usabilidade das plataformas digitais o que culminou com melhoria
da qualidade do processo de EaD pois facilita a manipulação de material e consequentemente
o aprendizado do estudante.

Palavras-chave: Educação a distância, Material instrucional, COVID-19.

25
Universidade Católica de Moçambique-Instituto de Educação à Distância. Mail: amalequeta@ucm.ac.mz
26
Universidade Católica de Moçambique-Instituto de Educação à Distância. Mail: mmpery@ucm.ac.mz
27
Universidade Católica de Moçambique-Instituto de Educação à Distância. Mail:omachambissa@ucm.ac.mz
163

Abstract: In the current situation in which the country lives, due to the pandemic of COVID-
19, where Universities are based on Pedagogical mediation based on Technologies making
students adapt to rapid changes, there is a need to study on instructional material adapted to
teaching distance learning in times of COVID-19. With this theme, the authors intend to answer
the following question: how to adapt to these changes that Universities are adopting for
mediation, how to acquire new knowledge, new ideas, how to adapt what was previously taken
for granted to continue participating in the productive society within this new context; What
are the instructional materials adapted to distance education in COVID-19 times? The present
work aims to present contributions of aid for the elaboration of instructional material adapted
to Distance Education in times of COVID-19. Specifically, it is intended to survey instructional
material used before COVID-19; describe the stage of materials adapted by the institution to
respond in times of COVID-19 and analyze the effectiveness of the contribution of materials
adapted in times of pandemic. It is a case study, in which we adopt a qualitative approach with
the interpretive paradigm. For data collection we use documentary and content analysis. The
instructional materials produced to answer COVID-19, in its structure, problems were found
in grammatical rules, contextual limitations and the language used does not allow the dialogue
between the student and the material. The study concluded that the instructional material
adapted to distance education in times of COVID-19 made the teacher review his posture in
instructional creation, as there are differences between the material he is used to creating and
the material to be used via the internet; contributed to increasing the usability of digital
platforms which culminated in improving the quality of the EaD process as it facilitates the
manipulation of material and consequently the student's learning.

Key words: Distance education, Instructional material, COVID-19.

1. Introdução

A Educação à Distância (EaD) proporciona uma oportunidade de acesso a educação para


educandos jovens e adultos, pelo facto dessa modalidade de ensino ser uma modalidade que
acolhe pessoas que residem em localidades que não há universidades e pretende ter uma
formação contínua.

A este grupo de estudante, tanto quanto as Universidades de ensino à distância, foram


obrigados a adaptarem-se em termos de recursos de aprendizagem devido a pandemia de
COVID-19. Com os aumentos de casos de COVID-19, para dar resposta, às Universidades
tiveram que adaptar, às novas exigências, como por exemplo a utilização de recursos e
aplicativos ágeis para a produção e customização de materiais instrucionais adaptados ao EaD.
Porém, os recursos tecnológicos sozinhos não possibilitam acções educacionais como forma
de inovação, há, portanto, três elementos fundamentais: tecnologia, linguagem e aprendizagem.
164

Para a concretização dos três elementos fundamentais é necessário repensar sobre as formas de
uso dessas tecnologias disponíveis, criando novas formas de ensinar. Para efeito, as instituições
devem atender-se à complexidade do processo de produção de material online, pois o Ensino à
Distância é um tipo de ensino que visa fornecer oportunidades para um grupo de indivíduos
que têm dificuldades de aceder ao ensino presencial. Assim sendo, a formação em ensino à
distância é indispensável, pois, possibilita aos tutores perceber e reconverter competências e
conhecimento no sentido de melhorarem o seu papel na área em que actuam, potenciando,
assim, a utilização de ferramentas adequadas para o processo de ensino-aprendizagem. Na
utilização destas ferramentas, segundo Malequeta (2016, p. 27-39), o tutor deve ser bastante
criterioso, pois, normalmente, as ferramentas pedagógicas freeware, disponíveis em sites e
portais voltados ao ensino, ainda seguem o paradigma da instrução assistida por computador,
disfarçadas com a utilização de novas tecnologias de hipermédia (som, imagem e animações).

Neste âmbito, a EaD é facilitada pelas novas tecnologias que auxiliam, com rapidez e
flexibilidade, a expansão dos caminhos da aprendizagem. Com a popularização da internet e a
grande quantidade de informações publicadas online, surgiu a necessidade de agrupar esses
dados num espaço único, de modo a facilitar a procura de conteúdo por parte dos utilizadores,
surgindo então, o conceito de portal.

Em função a analise, os materiais instrucionais auxiliando com as tecnologias conduzem à


múltiplas possibilidades e vantagens no campo pedagógico. Com os seus recursos e sistemas
multimédia, permitem traçar percursos individualizados para cada estudante, contribuindo na
sua progressão, de acordo com o seu ritmo de aprendizagem. Aos tutores, devem ajudar na
organização da aprendizagem através da elaboração de material instrucional a partir de
softwares. O desenvolvimento do material instrucional é baseado no uso dos softwares, as
estratégias de ensino propostas e os conteúdos de cada disciplina.

2. Referencial teórico

2.1. Conceito de material instrucional

Ao longo dos tempos, o ensino à distância se efectuava “por correspondência”, isto é, consistia
no envio, por meio do correio Postal, dos mesmos textos usados no ensino presencial. Com a
evolução das ciências e da tecnologia vem contribuindo para a construção de material
165

instrucional para ensino à distância com características próprias, específicas para o aprendizado
independente da orientação presencial de um professor. Outra grande revolução foi a
diversificação da via de comunicação com o estudante, que passa a utilizar meios elétricos e
eletrónicos, tais como o rádio, televisão, o vídeo, CD-ROM e a rede Internet, exigindo assim,
que o material instrucional se adapte às novas formas de mediação.

Na perspectiva de (Laverde, 2008) o material instrucional são ferramentas que o professor


utiliza durante tudo o ano lectivo e pode, muitas vezes, precisa de algumas alterações ou novos
utensílios que servirão para o aprimoramento das actividades e aulas realizadas na escola.

Para Zerpa (2005), considera material instrucional como sendo aquele material facilitadora da
aprendizagem e disponíveis para uso no PEA por parte dos estudantes.

Segundo Zaverde (2015) material instrucional são conteúdos significativos, apresenta


proposições instigadoras que permitem estimular o exercício de operações de pensamento, que
incluem desde a observação sistemática, até o uso da lógica, da educação, da indução, da
análise, da síntese e do julgamento.

O material instrucional deve garantir, nesse caso, a construção de ambientes de aprendizado.


Isso envolve a atenção e a articulação de uma série de recursos, que vão muito além da
estruturação de conteúdo e da formulação de actividades de aprendizagem, e que requerem
processos para o gerenciamento de recursos humanos e tecnológicos.

Dessa maneira, pode-se afirmar que o material instrucional é aquele instrumento que pode
desenvolver uma aprendizagem autónoma e automática para o indivíduo, assim, envolve uma
série de cuidados, principalmente no ensino, que precisa para um resultado satisfatórios,
motivar o aprendente em uma temática.

2.2. Parâmetros necessários para elaboração de material instrucional para EAD

A elaboração de material instrucional é um trabalho que envolve diferentes conhecimentos e


profissionais, por se tratar de algo aborda conceito, linguagem clara, metodologia e
166

planeamento em sua concepção. Elaboração de um material requer clareza em sua finalidade e


principalmente visando o desenvolvimento da aprendizagem e favorecimento do ensino.

Estudo desenvolvido por Behar (2009), identificou contribuições teórico-metodológicas do


design pedagógico por meio de reflexões acerca dos parâmetros norteadores para elaboração
de materiais educacionais digitais.

Para mesmo autor os referenciais de produção estão ligados ao uso de elementos visuais,
navegação, interação e interactividade e os aspectos organizacionais do conteúdo.
Consequentemente, o uso desses parâmetros torna-se possível construir um storyboard28 do
material para sua aplicação e avaliação no ambiente (Behar, 2009)

Na perspectiva de Orbolato (2005), frisa que os elementos de um modelo pedagógico para EaD
trazem uma estrutura calcada sobre um determinado paradigma e em consonância com uma ou
mais teorias educacionais a serem utilizadas como eixo norteador da aprendizagem

Fonte: Autores (2020).

Tendo em conta os parâmetros, o processo de elaboração do material instrucional para EaD é


necessário a planificação e definição de procedimentos em sua elaboração. Para Behar (2009)
recomenda que antes de considerar os apectos tecnológicos, é fundamental ter em conta os
seguintes aspetos:

28
Storyboard são elementos gráficos que incluem ilustrações ou imagens organizadas em sequência com intuito
de pré-visualizar (filme, animação e elementos interativos). No ensino online, o uso de storyboard pode favorecer
o diálogo do conteudista com a equipa de design instrucional, pois é possível obter a recomendação e organização
do material pretendido, facilitando assim, a avaliação do processo.
167

Quais as teorias de aprendizagem ou o paradigma


predominante que vai embasar o curso; Qual é o público-
alvo; Qual é o nível de familiaridade com as tecnologias;
Os objectivos do programa; O que se espera dos
estudantes; O que será mais adequado desenvolver; Como
os estudantes trabalharão em relação ao tempo e espaço;
Que recursos serão utilizados para trabalhar os conteúdos;
Material instrucional; Hipertextos; Áudio; Vídeo; Papel;
Páginas web; Objectos de aprendizagem; Software
educacional; Teleconferência; Que tipo de actividade
serão utilizadas; projectos de aprendizagem; Estudo de
caso; Como se darão essas actividades; De forma
síncrona; Assíncrona; qual o tipo de interação ou
comunicação que se espera dos estudantes; Qual é o tipo
de avaliação; formativa; Somativa; Mediadora;
Autoavaliação; Como determinar a motivação dos
estudantes em ambientes virtuais de aprendizagem, seus
possíveis estados de ânimo no processo de aprendizagem
(Behar, 2009, p. 29).

Como pode-se compreender, o processo de elaboração de material instrucional para EaD, deve
ter em conta com as características do curso, da modalidade e deve-se criar condições para o
desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes. Também deve-se utilizar técnicas
instrucionais de organização, seleção e categorização de informações para que o material tenha
juntamente os conteúdos específicos, possibilidades para considerar a estrutura e linguagem
adequada e dialógica. Neste contexto, os recursos tecnológicos e o ambiente virtual de
aprendizagem utilizados, podem fornecer aos estudantes condições de criar interação e
aproximação dos temas abordados, construído uma aprendizagem significativa.

Segundo Guarezi & Matos (2009) salienta que a linguagem dialógica em textos deve
apresentar-se de forma criativa, textos de reconstrução imaginativa da realidade ou em forma
de redação formal, que significa apresentar o texto de forma expositiva.

Para o autor, independentemente da forma escolhida, escrever para pessoas que estudam a
distância exige uma redação essencialmente didáctica, isto é uma necessidade de dialogar com
os leitores por intermédio do texto. Para isso, precisa primar por uma aprendizagem activa, ou
168

seja, aquela em que o estudante se envolve activamente no processo educacional (Guarezi &
Matos, 2009)

Concordando com os autores, no ensino presencial, é preciso estabelecer com os estudantes


uma relação que desperte a consciência sobre as potencialidades de suas mentes, que se
estabeleça uma interação pedagógica que ofereça oportunidade e espaço para o estudante
desenvolver operações de pensamento que o tornem um ser meditativo, questionador, crítico e
criativo. Porém, no ensino à distância a provocação é diferente e maior, pois, trata-se de
construir material instrucional que, a par de conteúdos significativos, contenha proposições
instigadoras que estimulem o exercício de operações de pensamento, que incluem desde a
observação sistemática, até o uso da lógica, da educação, da inclusão, da análise, da síntese e
do julgamento, consideradas operações mais complexas.

Em EaD o material instrucional, consiste em textos impressos, áudio, vídeo ou hipertexto


veiculado em software multimédia, que deverá suprir a maior partes das funções
tradicionalmente atribuídas aos tutores, oferecer oportunidade e espaço para diálogo com o
próprio material e, mantendo coerência com os rumos da educação.

Contudo, o material instrucional “bem feito” permite conscientizar o estudante de que, mais
relevante do que o volume de informações, que resultará em cabeça cheia, é aprender a elaborar
e a usar as informações acumuladas, o que exige desenvolvimento de operações mentais que
favorecem a auto-aprendizagem, assim como a formação do cidadão independente, sujeito
reflexivo, capaz de raciocínio crítico e criativo.

3. Metodologia

Neste ponto pretendemos ilustrar os passos metodológicos usados para a operacionalização do


estudo. No âmbito de desenho metodológico para uma pesquisa, constitui uma forma de evitar
erros que possam influenciar no alcance das conclusões pretendidas (Camões, 2012); é o
conjunto de passos a ser seguidos pelo investigador num trabalho investigativo (Lundin, 2016).
Portanto, a questão de método está ligada “a busca de uma explicação verdadeira para as
relações que ocorrem entre os factos, quer naturais, quer sociais, passa, dentro da chamada
teoria de conhecimento, pela discussão do método” (Pádua, 2016, p. 20). Deste modo, para o
169

alcance dos objectivos traçados, optou-se por uma pesquisa bibliográfica tomando como
referência as literaturas apresentadas que fundamentam sobre material instrucional adaptado
ao ensino à distância.

Quanto à abordagem, o estudo é de caráter qualitativa, de cariz fenomenológico-interpretativo.


Para Rossato e Martínez (2017) o paradigma interpretativo é uma maneira de entender o
conhecimento e a realidade científica buscado a profundar a compressão da realidade e as
causas que levaram a ocorrência de determinado fenómeno, em vez de simplesmente ficar em
explicações gerais e informais. A escolha do método qualitativo justifica-se pelo facto de se
mostrar adequado para colher factos, sentimentos bem detalhados dos significados e
características situacionais relacionadas com o contributo do auxílio de material instrucional
adaptado ao EaD em tempos de COVID-19.

O estudo optou pela técnica de análise de conteúdo, uma vez que este auxilia na interpretação
dos resultados e/ou resultados recolhidos a partir da análise documental, compreensão dos
factos observados e o estabelecimento de relações entre os factos observados e o
estabelecimento de relações entre os factos estudados (Aires, 2015)

4. Resultados e Discussão

O Instituto de Educação à Distância da Universidade Católica de Moçambique (IED-UCM)


nasce da transformação do Centro de Ensino à Distância (CED) através da deliberação nº
04/2019/CUUCM (1ª sessão).

Tem a sua sede na Beira e o processo de ensino e aprendizagem ocorre nos centros de recursos,
nomeadamente: Beira, Gorongosa, Chimoio, Tete, Quelimane, Milange, Gurúè, Nampula,
Cuamba, Pemba, Mocímboa da Praia, Marromeu, Búzi, Muanza e Maputo.

A oferta formativa compreende os cursos de licenciatura em ensino de: Língua portuguesa,


Geografia, História, Química, Física, Matemática, Biologia, Desenho, Informática, Educação
Física e Desporto, e Licenciaturas em: Gestão Ambiental e Administração Pública.

O modelo pedagógico à distância adoptado pelo IED-UCM assenta-se em duas modalidades,


nomeadamente o paperbased e online. Quando falamos em modelos pedagógicos temos que
170

ter em conta os três componentes interrelacionados, que na visão de Lagarto (2009, p.11) pode-
se “considerar que a aprendizagem se faz com a conjugação equilibrada das três componentes”
que são tutoria, o conteúdo e a tecnologia.

O Modelo pedagógico online é mediado por computador. Neste modelo tecnologia é tida como
o veículo para a produção e disseminação dos objectos de aprendizagem e para a interacção
tridirecional (estudante-tutor-conteúdo) e entre os estudantes, pelo que está sempre presente
em qualquer uma das hipóteses, sendo muito ou pouco explorada dependendo das
necessidades. Através da plataforma moodle os estudantes interagem com o tutor servindo-se
de várias ferramentas como o fórum, chat e vídeo aulas, e não requer o contacto presencial
entre o tutor e os estudantes ou entre os estudantes.

Por seu turno, o modelo paperbased usa material impresso e para a interação tutor-estudante
abrem-se sessões presenciais, geralmente duas por ano, nas quais os estudantes deslocam-se
dos seus pontos de residência aos Centros de Recursos para o contacto face-face com o tutor e
com os colegas. Igual exercício repete-se para a realização dos exames. De recordar que a maior
parte dos estudantes da modalidade à distância na UCM são oriundos de zonas recônditas onde
não é possível frequentar um curso presencial, pelo que para a participação em sessões
presenciais requer grandes deslocações.

4.1. Acções desenvolvidas pelo IED em resposta a COVID-19

Face as restrições impostas pelo decreto presidencial que anuncia reforço das medidas de
prevenção do COVID-19, dos quais consta a suspensão de aulas em todos estabelecimento
públicos privados, desde o ensino pré-escolar ate ao superior, e ainda a redução de 300 para 50
o número máximo de pessoas nos eventos de caracter social, salvo actividades de interesse
estreitamente publico.

Em resposta a situação imposta pela COVI-19, o IED teve que se reinventar e adaptar o seu
modelo de ensino, não se trata de migração automática do modelo paperbased ao online, mas
sim da criação de material instrucional adaptado ao EaD que se adequam a realidade dos
tempos impostos pela COVID-19.

Para Zerpa (2005), considera material instrucional como sendo aquele material facilitador da
aprendizagem e disponível para uso no PEA por parte dos estudantes. Todavia o material
171

disponível no modelo paperbased não é compatível com a realidade imposta pela COVID-19,
isto motivou em repensar em novos materiais e em novas estratégias e esta não é uma simples
actividade.

Behar (2009) recomenda que para esta reinvenção de material instrucional é fundamental ter
em conta os seguintes aspetos:

Quais as teorias de aprendizagem ou o paradigma


predominante que vai embasar o curso; Qual é o público-
alvo; Qual é o nível de familiaridade com as tecnologias;
Os objectivos do programa; O que se espera dos
estudantes; O que será mais adequado desenvolver; Como
os estudantes trabalharão em relação ao tempo e espaço;
Que recursos serão utilizados para trabalhar os conteúdos;
Material instrucional; Hipertextos; Áudio; Vídeo; Papel;
Páginas web; Objectos de aprendizagem; Software
educacional; Teleconferência; Que tipo de actividade
serão utilizadas; projectos de aprendizagem; Estudo de
caso; Como se darão essas actividades; De forma
síncrona; Assíncrona; qual o tipo de interação ou
comunicação que se espera dos estudantes; Qual é o tipo
de avaliação; formativa; Somativa; Mediadora;
Autoavaliação; Como determinar a motivação dos
estudantes em ambientes virtuais de aprendizagem, seus
possíveis estados de ânimo no processo de aprendizagem
(Behar, 2009, p. 29).

Tendo em conta os pontos apresentados, nomeadamente o público-alvo, nível de familiaridade


com as tecnologias, o IED está ciente que a maior parte dos seus estudantes são aprendizes
digitais e alguns deles vivem em regiões onde a corrente eléctrica é dificultaria e muitos não
possuem um computador, dai que uma migração automática ao modelo online séria
impensável.

Porém atendendo que na sua maioria faz o uso das redes sociais Whatsapp, Facebook,
Instagram… houve a necessidade de se criar material institucional adequado. Na perspectiva
de Zaverde (2015) o material instrucional são conteúdos significativos, apresenta proposições
instigadoras que permitem estimular o exercício de operações de pensamento, que incluem
desde a observação sistemática, até o uso da lógica, da educação, da indução, da análise, da
síntese e do julgamento.
172

Neste contexto foram criados grupos de disciplinas onde os Coordenadores dos Centros de
Recursos com a colaboração dos Delegados de Disciplinas instaram aos tutores a enviar guias
tutorias, resumos da matéria, slides e trabalhos de campo.

Guias tutoriais é um material instrucional bastante fundamental para o PEA, é um material


elaborado pelo tutor, com a chancela da Coordenação do Curso no qual estão patentes uma
breve introdução da disciplina, os objectivos de aprendizagem, conteúdos programáticos a
abordar, o desempenho esperado, actividades a realizar e os respectivos prazos.

Com este material, o estudante desenvolve a sua autoaprendizagem e esta é a base fundamental
de um material instrucional adequado, levar o estudante a ser autodidata, a uma
autoaprendizagem. Segundo Guarezi & Matos (2009) para isso, precisa primar por uma
aprendizagem activa, ou seja, aquela em que o estudante se envolve activamente no processo
educacional.

Com o auxílio dos grupos de disciplinas criados nas redes sociais, os estudantes interagem
tanto com os tutores assim como com os colegas expondo dúvidas ou partilhando experiências.

Para Recuero (2009) rede social é gente interagindo socialmente. É um conjunto de pessoas,
conectadas a uma estrutura de rede. Cada nó da rede representa um indivíduo e suas conexões,
os laços sociais que compõem os grupos. Esses laços são ampliados e alterados a cada novo
indivíduo que conhecemos e interagimos.

Segundo Silva e Serafin (2016), temos que educar os estudantes a usarem bem essas
ferramentas com critérios e responsabilidade. Mesmo que essas redes não tenham sido criadas
para fins educacionais, os professores já reconhecem o potencial delas para o ensino.

O uso pedagógico das redes oferece aos estudantes a possibilidade de poder esclarecer suas
dúvidas à EaD, promovendo ainda, o estudo em grupo com estudantes separados
geograficamente, permitindo-lhes a discussão de temas do mesmo interesse. Mediante esta
tecnologia, o estudante sairá de seu isolamento, enriquecendo seu conhecimento de forma
individual ou em grupo. Pode fazer perguntas, manifestar ideias e opiniões, fazer uma leitura
de modo mais global, assumir a palavra, conforme ideias e pensamentos e, definitivamente, na
aula são ficara mais confinado a quatro paredes. Isso que dizer que o uso desta tecnologia
poderá criar uma dinâmica pedagógica interativa, que se inserida num projecto pedagogico
173

solido, sem duvida, contribuirá e no e muito para a domação moderno dos estudantes (Gracia,
2000, p. 5).

Deste modo em tempos de Covid-19 as redes sociais têm sido ferramentas indispensáveis para
operacionalização da aprendizagem de novos materiais instrucionais criados à luz do Estado
de emergência imposto pelo decreto.

4.2. Vantagens e desvantagens do uso de material instrucional

Com o uso de guias tutoriais, resumos, slides e trabalhos de campo a aprendizagem passa a ser
centrada no estudante, o tutor e o estudante envolvem-se ambos como sujeitos e agentes da
construção do conhecimento numa aventura colectiva, conduz a uma busca sistemática do
conhecimento, através de metodologia dialéctica: síncrese, análise e síntese, pois o estudante
por si só é obrigado a organizar o seu horário de estudo, pesquisar material auxiliar a
aprendizagem e construir os seus próprios apontamentos, fichas de leitura ou portfolios por
meio análise, síntese e resumos.

Esta metodologia leva os estudantes a actuarem mobilizados pelos estímulos do meio, resolvem
problemas, exercícios e formulam conceitos. Neste contexto de aprendizagem a ênfase está na
capacidade de construir, integrar conhecimentos e processá-los, dando-lhes significado. De
referir que o estudante somente aprende quando ele próprio elabora o seu conhecimento.

Todavia, tendo em conta que a situação da pandemia encontrou as instituições de ensino de


surpresa, a operacionalização desta modalidade de ensino e aprendizagem também encontrou
tutores e estudantes despreparados.

Apesar do ensino ser à distância, os estudantes ainda dão ênfase às situações de sala de aula,
sessões tutoriais, onde são instruídos, “ensinados” pelo tutor. Na concepção de alguns
estudantes os conteúdos e as informações devem ser adquiridos e os modelos imitados. Estes
estudantes ainda dão primazia ao tutor em detrimento do conteúdo, para eles a expressão oral
do professor tem um lugar proeminente, cabendo a eles a memorização e a reprodução deste
conteúdo verbalizado; o tutor é o centro do processo, ele é o agente activo, enquanto o estudante
deve ouvir passivamente.
174

Como é óbvio, para este grupo de estudantes a implementação desta nova metodologia de
estudo imposta pela COVID-19 constitui uma barreia, um entrave a aprendizagem.

5. Conclusão

Desde que a pandemia do COVID-19 se instalou no mundo, cerca de 1.5 milhões de estudantes
ficaram fora da escola em mais de 160 países, segundo relatório do Banco mundial. Alguns
países adotaram o encerramento total de escola. Aqui em Moçambique, pelo decreto
presidencial que anuncia reforço das medidas de prevenção do COVID-19, as aulas foram
suspensão em todos estabelecimento públicos privados, desde o ensino pré-escolar até ao
superior adaptando do modelo presencial em modelo a distância. Para o sucesso da educação à
distância depende de vários factores, entre eles encontram-se as etapas da elaboração do
conteúdo: a planificação, aplicação, execução e avaliação.

O material instrucional adaptado ao EaD em tempos de COVID-19 fez com que o professor
revisse a sua postura na criação instrucional, pois existem diferenças entre o material que ele
está acostumado a criar e o material a ser usado via internet; contribuiu no aumento da
usabilidade das plataformas digitais o que culminou com melhoria da qualidade do processo
de EaD, pois facilita a manipulação de material e consequentemente o aprendizado do
estudante. Ainda é importante referir que a integração das equipas durante a produção do
conteúdo favorece para que o material possa reunir elementos pedagógicos e instrucionais a
favor de uma aprendizagem significativa.

A nível do IED os conteúdos produzidos para dar resposta COVID-19, em sua estrutura
constatou-se problemas das regras gramaticais e limitações contextuais, pois é um grande
desafio na modalidade à distância a produção de material instrucional.

Apesar das limitações apresentadas nos materiais do IED, o material instrucional favoreceu
para que o conteúdo desenvolvido pelo professor pudesse ser contextualizado e estruturado de
forma dialógica, criando assim um discurso pedagógico, impulsionando uma relação entre o
estudante e o ambiente virtual de aprendizagem, ou seja, algo próximo à relação estudante e
tutor/professor no modelo presencial.
175

6. Referências Bibliográficas

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Camões, P. J. (2012). O Design de Investigação. Em H. C. Silvestre, & J. F. Araújo (Coords.).


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Campina Grande: EDUEPB, (2016) pp. 67-98. ISBN 978-85-7879-326-5. Available from
SciELO Books. Disponível em http://books.scielo.org.

Garcia, P. S. (1995,). Qualidade e informática: a escola pública do ano 2000. Artigo


apresentado e publicado no Congresso Nacional de Informática Pública (CONIP). p. 5

Guarezi, R. de C. M.; Matos, M. M. (2009). Educação a distância sem segredos. Curitiba:


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Laverde, A. C. (2008). Diseño instruccional: oficio, fase y proceso. Educación y Educadores,


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Editora Escolar.

Malequeta, A. F. (2016). Curso de formação para a Docência Online : Uma Experiência de


Treinamento dos Docentes do Centro. Revista Electrónica de Investigação e
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Orbolato, R. G. (2005). Edição de Material Instrucional para EAD baseada em Estratégias


Cognitivas Edição de Material Instrucional para EAD baseada em Estratégias
Cognitivas.

Recuero, R. (2009). Redes sociais da internet. Porto Alegre: Sulina.

Rossato, M., & Martínez, A. M. (2017). A metodologia construtiva-interpretativa como


expressão da Epistemologia Qualitativa na pesquisa sobre o desenvolvimento da
subjetividade. Congresso Ibero-Americano en Investigación Cualitativa, 1, 343-352.
176

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palavra o adolescente. In: SOUSA, RP., et al., orgs. Teorias e práticas em tecnologias
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http://revistas.um.es/red/article/download/238661/181351

Zerpa, C. E. (2005). O desenho da instrução em um material educacional informatizado (MEC):


A plataforma pedagógica do SIVI 1.0. Pesquisa e Pós-graduação, vol. 20, n. 1, p. 81-113.
177

Prática docente: estratégias de ensino-aprendizagem dos alunos em classes iniciais nas


escolas públicas em Moçambique

Teaching practice: teaching-learning strategies for students in initial classes in public


schools in Mozambique

Silva Jacob Alage29

Resumo

Neste estudo de caráter teórico tentamos trazer uma reflexão sobre a actuação dos docentes nas
classes iniciais e delinear estratégias que estimulem os alunos para a participação activa em
aulas nas classes iniciais nas escolas públicas no contexto da COVID-19. Com o cancelamento
das aulas durante o primeiro semestre 2020, em cumprimento dos decreto presidencial n o
11/2020 sobre o estado de emergência devido a pandemia da COVID-19, pode-se cmprometer
o desempenho e a motivação dos alunos, pois, este cenário alterou por completo as formas de
ensino e aprendizagem. Adoptar estratégias para estimular a motivação e aprendizagem dos
alunos no periodo pos-pandemia é desafio das das fmalias, do MINEDH e das escolas com
principal destaque para a prática docente. Com base na revisão bibliográfica e análise
documental embasada na Psicologia histórico cultural de Vygotsky (1896-1934) e do
interacionismo simbólico na visão de Sampaio e Santos (2011), foi possível constatar nas notas
finais que devido a diversidade cultural e as desegualidades sócio-económicas das familias,
consequentemente do aluno a prática docente torna-se complexa e desafiadora.
Palavras-chave: Prática docente; Estratégias de aprendizagem; Estimulação dos alunos;
COVID-19.

Abstract
In this theoretical study we try to bring a reflection on the performance of teachers in the initial
classes and to outline strategies that encourage students to actively participate in class in the
initial classes in public schools in the context of COVID-19. With the cancellation of classes
during the first semester 2020, in compliance with Presidential Decree No. 11/2020 on the state
of emergency due to the COVID-19 pandemic, students' performance and motivation can be
compromised, as this scenario has changed completely the forms of teaching and learning.
Adopting strategies to stimulate students' motivation and learning in the post-pandemic period
is a challenge for the families, the MINEDH and the schools with the main emphasis on

29
Doutorando em Psicologia, Universidade Federal da Bahia- UFBA, Mestre em Psicologia Educacional-
Universidade Pedagógica. Docente do Ensino Primário, afeto no Distrito da Matola
178

teaching practice. Based on the bibliographic review and documentary analysis based on
Vygotsky's historical cultural psychology (1896-1934) and symbolic interactionism in the view
of Sampaio and Santos (2011), it was possible to verify in the final notes that due to cultural
diversity and socio-inequalities families, consequently the teaching practice becomes complex
and challenging for the student.
Keywrds: Teaching practice; Learning strategies; Stimulation of students; COVID-19.

1. Introdução

O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa de Estudantes-Convênio de Pós-


Graduação – PECPG, da CAPES – Brasil, com o objectivo de trazer uma reflexão sobre a
atuação dos docentes em classes iniciais nas Escolas Públicas em Moçambique no contexto da
COVID-19.

O homem por natureza é um ser social, e vive numa sociedade com dinâmicas de
desenvolvimento, pertencendo ao mundo histórico-social e pela incorporação desse mundo em
si mesmo, processo este para o qual concorre a educação. Este processo, podemos considerar
universal, contudo não podemos descartar as questões culturais que exercem um factor muito
importante na educação, mas também dentro da universalidade deste processo, há diferenças
notáveis entre os países no que se refere as prioridades no sector educacional, na política de
formação de professores, na organização das escolas e do processo de ensino. Nesta senda,
Antunes (2008), considera que a escola como uma instituição gerada pelas necessidades
produzidas por sociedades que, por sua complexidade crescente, demandavam formação tendo
em conta as necessidades específica de seus membros.

Na base deste pressuposto, podemos considerar que a escola está vinculada ao estado e é
concebida como instância social responsável pela tarefa de socialização dos conhecimentos
produzidos pela humanidade ao longo de sua história, criando condições para que todos possam
ascender do senso comum aos saberes fundamentados, através do processo de letramento que
começa formalmente para o caso de Moçambique, quando a criança completa seis anos de
idade (Lei 18/2018).

Após a reforma do sistema nacional de educação (SNE) Lei 18/2018 o ensino geral em
Moçambique foi estruturado em dois grupos, sendo seis classes para o ensino primário,
subdividido em dois cíclos, primeiro ciclo 1ª à 3ª classes, segundo ciclo 4ª à 6ª classe e o ensino
secundário, também dividido em dois ciclos, sendo o primeiro cíclo 7ª à 9ª classe e o segundo
179

ciclo da 10ª à 12ª classe. Na perspectiva deste trabalho entendemos as classes inicias como
sendo aquelas que fazem parte do primeiro ciclo e inclui 1ª, 2ª e 3ª classes do ensino primário.

Tratando de uma reflexão teórica sobre a prática docente no ciclo onde o grupo alvo frequenta
a escola pela primeira vez, optamos por formular algumas questões orientadoras tais como:
Como ocorre a prática docente nas classes iniciais? Que métodos e estratégias o professor
utiliza para conduzir a aprendizagem dos alunos? Que estratégia o professor implementa para
ganhar a confiança dos alunos? Qual é a atitude do professor face diversidade de alunos nas
classes iniciais nas escolas públicas? Com o objetivo de compreender a prática e estratégias
dos docentes na estimulação dos alunos nas classes iniciais.

1.1 Contextualização do Ensino Primário

Neste tópico apresentamos a contextualização do ensino primário no distrito da Matola,


província de Maputo no contexto da COVID-19. O distrito da Matola têm 70 escolas primárias
Públicas, que leccionam da 1ª classe à 7ª classe, para o ano de 2020 conta com 45.436 alunos
da 1ª a 5ª classe e 55.765 alunos da 6ª e 7ª classe. De acordo com o relatório trimestral do
Serviço Distrital de Educação juventude e Tecnologia da Matola (2020), neste ano funcionam
com 713 turmas ao ar livre (estas turmas são compostas por alunos da 1ª a 5ª classe). De
salientar que a lei 18/2018 ainda está em processo de implementação, razão pela qual os dados
ainda incluem a sétima classe no ensino primário.

No período de isolamento social devido a Pandemia da COVID-19, as estratégias adoptadas


para o ensino dos alunos foram, aulas transmitidas pela da Televisão de Moçambique, Rádio
comunitário e sistema de fichas elaboradas pelos professores na escola. Dentre estes
procedimentos registaram limitações tais como: algumas famílias não possuem o aparelho
televisivo, rádio e em relação as fichas estas foram banidas por apresentar risco de
contaminação, sem contar com os problemas de motivação ou estimulação, concentração dos
alunos para os alunos acompanharem as aulas por essas vias. Como sustentam Nardin e Sordi
(2008) que para aprender é preciso estar centrado em um ponto e distante de qualquer estímulo
que interfira nessa relação de intimidade que o aluno estabelece com sua consciência.
180

As classes iniciais, que se relaciona com a entrada no ensino primário, no ensino público é
caracteriza-se por apresentar elevado número de alunos, em alguns casos com turmas a
funcionar ao ar livre (sala sombra) devido a escassez de salas convencionais.

Nesta situação a prática docente que é o trabalho do professor é desafiador, porque antes da
nova realidade do COVID-19, já considerava-se problema o facto de não ter salas suficientes
e com a nova crise causada pela pandemia, isso veio a agudizar o problema. Como referia
Confúcio (551-479 A.C) apud Palmer, (2005) os alunos devem ser motivados e activos, e eles
devem tomar suas iniciativas no aprendizado.

Para Vygotsky (1896-1934) citado em Rego (2001) as características tipicamente humanas não
estão presentes desde o nascimento do individuo, elas resultam da interação dialética do
homem e seu meio sócio-cultural. Sendo assim é muito importante que os atores educacionais
estejam em harmonia nas suas atividades, encontrando o entrosamento com o interacionismo
simbólico, uma vezque o interacionismo simbólico debruça sobre a concretude das relações
interindividuais, concebendo a realidade como aquilo que se objetiva a partir das relações que
se produzem no interior dos grupos e das instituições, fazendo um ponto de convergência com
a etnometodologia que considera os indivíduos como autores que vivenciam e modificam a
realidade ao seu redor, através de suas interações diárias nesse contexto (Sampaio, 2011).

1.2 Como ocorre a prática docente nas classes iniciais?

De um modo geral, os professores que atuam no ensino básico, possuem a formação básica do
magistério, que corresponde a 10ª classe do ensino geral e um ano de formação em metodologia
de ensino, isto é, o candidato à professor deve possuir no mínimo 10ª Classe de escolaridade,
do SNE, delineado especificamente para 1ª a 6ª classe, ter como período de formação um ano,
terminado esse período, entende-se estar preparado para lecionar seus valores e sua visão de
mundo são os melhores e os únicos legítimos para os seus futuros alunos (Agibo, 2015).

Como afirma Rego (2001) na obra de Vygotsky, as características humanas resultam da


interação dialética do homem e seu meio sociocultural. A concepção da prática pedagógica
centrada nos processos de ensino e aprendizagem, cuja finalidade é propiciar o
desenvolvimento pleno do educando, coloca no professor o desafio de encontrar uma
plataforma para o diálogo permanente com a cultura própria do aluno que deve ser respeitada
e considerada durante o processo de ensino-aprendizagem, valorizando as interações sociais e
respeitando as questões culturais do aluno. Também, incumbe uma maior responsabilidade de
181

garantir pleno acesso e condições de permanência de todos os alunos na escola, transformá-los


e possibilitar-lhes condições efetivas de escolarização (Antunes, 2008).

A prática docente nas classes iniciais, é muito desafiadora, exigindo do professor uma expertise
para desenvolver as tarefas, pois a maioria dos alunos encontra-se pela primeira vez no
ambiente educacional formal, contudo, é comum que eles estranhem a nova realidade que estão
sendo apresentados, cabendo à escola, mediado pelo professor, a tarefa de acolhimento e
inserção dos alunos num novo mundo até então desconhecido pelos mesmos.

As responsabilidades do professor com o seu trabalho, em sala de aula são várias, e fora da sala
é também confrontado com uma série de exigências de ordens administrativa/ pedagógica,
como por exemplo, chegar ao final do programa dentro do prazo previsto; suprir as dificuldades
de aprendizagem dos alunos; escolher recursos didáticos adequados à apresentação do
conteúdo; elaborar tipos de atividades e formas de avaliação dos alunos e encontrar estratégias
apropriadas ao desenvolvimento do conteúdo assim como à consecução dos objetivos
propostos para um determinado período na classe (Chakur, 1995).

Para Coelho e Pisoni (2012), escola só se torna importante a partir do momento que dentro dela
o ensino é sistematizado com atividades diferenciadas e o aluno aprende a ler, escrever e obtém
domínio de cálculos, o professor deve estar atento ao aluno, valorizar seus conhecimentos
prévios, trabalhar a partir deles, estimular as potencialidades dando a possibilidade de este
aluno superar suas capacidades. Para que o professor possa fazer um bom trabalho ele precisa
conhecer seu aluno, respeitando opiniões desenvolvendo diálogo criando situações onde o
aluno possa expor aquilo que sabe.

Trabalhar com as classes iniciais exigem criatividade ao professor para evitar que a aula caia
numa monotonia, para tal é necessário um planejamento variado das suas tarefas para tornar as
aulas mais interessantes, inovando os seus métodos. O seu papel é de fornecer situações
perturbadoras, que se constituam em desafios para o aluno, de modo não só a ativar suas
estruturas cognitivas, mas também a desestabilizá-las, provocando o conflito cognitivo
necessário à sua reorganização em novo patamar, entendendo que existe vários caminhos para
se chegar ao mesmo resultado, tornando a aula interessante e cooperativa entre ambos (Chakur,
1995).
182

É importante lembrar que estamos perante alunos que geralmente apresentam todo tipo de
dificuldades, desde a forma como se segura o lápis para escrever, a posição do caderno, para
não falar do desconhecimento do alfabeto, acarretando ao professor estratégias e recursos
didáticos redobrado, escolha de melhores caminhos na persecução dos objetivos e, ao mesmo
tempo, os mais adequados à apresentação dos conteúdos do programa aos alunos (Chakur,
1995).

Estes elementos, quando considerarmos os desafios impostos pelo novo coronavirus, coloca os
intervenientes do processo em grande risco, porque o professor deve ensinar exemplificando
como é que o aluno deve segurar o lápis, a posição do caderno, sem saber qual é a situação do
aluno, expondo assim a sua saúde e a dos alunos. Deve respeitar o rácio, isto é, estabelecer um
número de alunos que não seja muito grande e redobrar mais esforço em relação a material
didáctico permitindo que cada aluno tenho o seu material de trabalho para conduzir o processo
de ensino e aprendizagem.

1.3 Que métodos e estratégias o professor utiliza para processo de ensino -aprendizagem
do aluno?

A estimulação de aprendizagem do aluno perpassa ao uso de métodos, pois temos as questões


pessoais dos atores, isto é, a presença dos factores motivacionais associados a faixa etária, do
desenvolvimento do aluno, condições econômicas e intelectuais, a consideração, o afeto, assim
como o reconhecimento e acolhimento pela escola e pelo professor em particular
(Rangel,2005). A estabilidade destes elementos podem favorecer o curso normal das
actividades dos atores educacionais envolvidos no processo de produção e desenvolvimento do
conhecimento e habilidades na edificação do homem do amanhã.

Os conhecimentos derivam da acção e o desenvolvimento do conhecimento e da inteligência


no indivíduo caracteriza-se por uma constituição progressiva de sistemas de transformação e
produção de significados que ocorrem no centro de processamento de informação que é
recebido dentro da mediação e operacionalizada pelos diversos métodos de ensino que o
professor emprega durante a leccionação. Essas estratégias devem despertar no aluno atenção
para aprender, conforme sustenta Nardin e Sordi (2008) que uma situação de leitura e escrita
pode implicar uma correlação entre memória, atenção e pensamento e de práticas que são, ao
mesmo tempo, efeito e produto dessas três instâncias.
183

Tomando em consideração que os alunos nas classes iniciais, ainda não desenvolveram a
abstração, a acção do professor deve incidir em actividades de aprendizagem através de objetos
físicos, que seria o ponto de partida do processo ensino e da aprendizagem. O professor deverá
utilizar, de início, objetos reais e, só com o andar do tempo, depois de terem memorizado,
poderá passar para imagens e signos convencionais; partir da acção à formalização, aos poucos
substituindo o concreto pelas operações dedutivas sobre enunciados verbais, considerando que
o conhecimento é sempre transformação e, como tal, um processo operativo que utiliza, na
maioria das vezes, instrumentos figurativos a título de meios (Chakur, 1995).

São várias as técnicas e estratégias metodológicas de ensino-aprendizagem que o professor


pode adotar para dinamizar as aulas de modo a evitar a rotina na sala de aulas com alunos da
1ª classe. Neste âmbito, (Rangel, 2005) destaca algumas estratégias, tais como: aula expositiva
e dialogada, estudo de caso, aulas lúdicas, grupo de verbalização e de observação e tempestade
cerebral.

No uso da estratégia de aula expositiva e dialogada, o professor explica o conteúdo por meio
de exposição, contudo, deve garantir a participação ativa dos alunos por meio de
questionamentos e estimulando-os a discutir a respeito do tema da aula, o professor pode
convidar os alunos a falar da experiência que tenham vivenciado. No que concerne às
atividades ou aulas práticas, esta estratégia permite que os alunos visitem as vivências do dia-
a-dia e sobre os fenômenos conhecidos.

Neste nível de ensino, geralmente, o aluno não sabe ler, não conhece os símbolos (letras,
números e sinais), é tarefa do professor introduzir o aluno nesse novo mundo, o que de certa
forma é desafiador. Para realizar com sucesso, o ideal seria o uso de métodos que visam
garantir, coletivamente, uma base comum de conhecimento, através dos métodos de ensino
aplicados a grupos (Rangel, 2005). É uma actividade que realiza-se basicamente, por meio de
exposição do professor, leituras orientadas de textos em estudos em aula, projecções ou
ilustrações, diálogo breve com o aluno para explorar a experiência, portanto, todas as ações
devem ocorrer de forma cooperativa e com acompanhamento do professor estimulando a
participação do aluno no processo de aprendizagem.
184

Para a leitura de textos, visto que eles não dominam o conhecimento das letras e ou palavras
ainda, é recomendável o uso do quadro, cartazes ilustrativos com a informação que o professor
pretende partilhar aos alunos, em diversas práticas desse tipo, os alunos se mantêm envolvidos
e mobilizados em relação ao conteúdo recriados nessas dinâmicas, levando-os a falar, indagar,
ouvir o professor e os colegas com atenção (Rangel, 2005).

Para uma boa harmonia e confiança, é necessário que o professor crie um ambiente social que
favorece a aproximação, a interação e o diálogo com os seus alunos. Como considera Chakur
(1995) que, na abordagem dos conteúdos dados prontos e sua atomização, deve-se considerar
a livre organização feita pelo aluno, tendo em conta as relações que favorecem a compreensão
dos conteúdos embasado no respeito mútuo e na cooperação dos atores.

Deve-se privilegiar os trabalhos em equipa, a discussão conjunta e as trocas de pontos


de vista dariam ensejo ao desenvolvimento da autonomia e ao desaparecimento gradual do
individualismo e do egocentrismo característico da idade (Chakur, 1995).

Dada a característa do processo de ensino aprendizagem, o professor é desafiado pela acção de


atualização continua da sua profissão, devendo estar em constante avaliação das actividades
acompanhando a evolução da aprendizagem dos seus alunos e a dinâmica actual o que permitira
a implementação de novos métodos e estratégias que respondam ao estágio em que se
encontram os seus alunos. Segundo Rangel (2005), está avaliação só é possível se o professor
por via de processos de colaboração, de formulação de objectivos comuns, de avaliação em
perspectivas de acolhimento e inclusão.

A diversificação das estratégias de ensino-aprendizagem utilizadas pelo professor junto com o


aluno a construir conhecimento, são muito importante para o alcance do melhor aproveitamento
do aluno e a fixar o conteúdo ministrado. Para tal essas estratégias devem ser muito bem
pensadas pelo professor, durante o planeamento e na execução dessas ideias sem perder de
vista ao desafio da crise instalada. Devendo o professor pautar em acções de isolamento ou
evitar a partilha dos objectos para evitar a propagação da doença.

O professor nas suas incursões é chamado a desencadear novas estratégias de aprendizagem


que não colocam em risco a saúde dos alunos por conta do COVID-19, devendo sensibilizar os
alunos para não partilharem os objectos, criar distância entre os alunos e explicar as razões para
o efeito, uma vez que as condições normais de funcionamento, o mesmo ensina que eles devem
ter o espirito de partilha, aproximação, etc.
185

1.3 Que estratégia o professor implementa para conquistar a confiança dos alunos?

A escola, fora de ser um espaço físico projetado para educar crianças e adolescentes, também
é espaço onde se estabelece relações humanas. O professor é o actor que lhe é delegado a tarefa
de conduzir o processo de ensino-aprendizagem, a ele por vezes não são observados os
elementos relacionados a questão da motivação e estimulação para a tarefa que exerce, dentre
vários, Oliveira e Alves (2005) destacam a questão salarial; a estrutura do ensino, determinada
pelo modelo de escola da legislação contemporânea; as condições de trabalho, como espaços
físicos e materiais didáticos, que impossibilitam um ensino de melhor qualidade e que tem a
sua repercussão nos seus alunos.

Como considera Rego (2001) na obra Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da


educação, os desejos, emoções, motivações e interesses são os elementos que impulsionam o
pensamento, e estes influenciam o aspecto afetivo-volitivo, sendo que, a cognição e afeto são
inter-relacionados, possuindo influências recíprocas ao longo de todo o desenvolvimento
humano, formando uma unidade no processo dinâmico do desenvolvimento das interações que
se estabelecem na sala de aula com vista ao estabelecimento da confiança mútua.

Para o cumprimento das actividades escolares, é preciso conceber a escola enquanto espaço
para o processo de desenvolvimento humano e também, considerar como um ambiente de inter-
relacionamento humano e que traz, com o conhecimento, aspectos formadores da identidade
dos indivíduos envolvidos e possíveis de intervenção (Oliveira e Alves, 2005).

A confiança na sala de aula, é algo que se desenvolve num contexto sócio-histórico, um


processo socialmente construído da interação social como mediadora na construção da
subjetividade que o professor desencadeia junto com os seus alunos. De acordo com Oliveira
e Alves (2005), o desenvolvimento das relações está intimamente relacionado ao contexto
sócio-cultural em que a pessoa se insere e é dinâmica, ocorre através de rupturas e
desequilíbrios provocadores de contínuas reorganizações por parte do indivíduo.

O aluno de certa forma pode depositar a confiança no professor quando trazer para a aula
aspectos relacionados com as vivencias dele, isto é, o conteúdo científico a ser transmitido aos
186

alunos não deve ser descontextualizado de sua vida (Oliveira e Alves, 2005), o que fará sentido
para sua estadia na escola e servira de motivação para continuar a confiar no professor.

Nas classes iniciais, o professor serve de espelho para os seus alunos, acreditando em tudo que
ele fala e ensina. Cria-se um vínculo, ou seja, entre aluno e professor há um jogo de expectativas
relacionadas ao desempenho, como se existisse um consenso sobre os comportamentos que se
espera de um aluno e de um professor, entendendo-se que parte da relação professor-aluno é
determinada socialmente dentro do diálogo que realizam na sala de aula em ambiente de
ensino-aprendizagem escolar (Oliveira e Alves, 2005).

Como nos referimos acima, o estímulo é algo externo que também impulsiona o indivíduo em
determinada direção, fazendo-o agir, atua junto com a motivação. No processo educativo,
pode-se pensar no professor como fonte de estímulo aos alunos, e seu desafio é de criar ações
concretas que incentivem os alunos a buscar e a realizar a assimilação e aprendizagem de forma
ativa. Os efeitos imediatos da motivação do aluno consistem em ele se envolver activamente
nas tarefas pertinentes ao processo de aprendizagem (Oliveira e Alves, 2005). Pois configura-
se papel do professor o processo de estimulação e manutenção do interesse do aluno pela
escola, através de diferentes recursos que favoreçam o interesse dele pela escola.

Tem sido comum ouvir o discurso relacionado ao contexto escolar, direciona o pensamento
para aspectos características pessoais dos alunos, falando dos problemas de aprendizagem, tais
como, não conseguem ler e/ou escrever, contar e/ou realizar cálculo básico. Por outro lado,
atitudes que têm origem na falta de recursos materiais e de condições de trabalho, acúmulo de
exigências que levam à sobrecarga (Oliveira e Alves, 2005). Discrepância entre a formação
metodológica assimilada durante o período de formação, esses elementos incidem diretamente
sobre a acção docente, gerando tensões em sua prática cotidiana dando descredito e falta de
confiança na sala de aula.

Para desenvolver a confiança dos alunos, é preciso que o professor faça a avaliação de si mesmo
na maneira de agir e atuar dentro da sala de aula; conhecer os seus alunos, os seus interesses
fora da sala de aula e elogiá-los com sinceridade mesmo diante de posturas consideradas
simples e valorizar todas as respostas dos alunos; criar um ambiente acolhedor de modo que os
alunos se sintam a vontade e seguro na sala; falar sobre alguma experiência pessoal sobre o
tema ou de algo que está acontecendo com os alunos; impor a disciplina sem ameaçar os alunos;
187

tratar alunos com o respeito com que gostaria de ser tratado, oferecendo apoio, e ouvindo suas
preocupações, estes aspectos trarão a confiança e amizade.

Contudo, face ao novo coronavírus, surge outra necessidade ao professor de desmistificar a


ideia que paira nos encarregados de muito medo de que pode vir a acontecer com o retorno as
aulas, ele precisa explicar que as medidas serão tomadas para que os alunos em meio das
dificuldades serão acauteladas as questões de saneamento de meio para evitar a contaminação
pela doença, deve pautar pela interacção com os encarregados explicando a politica a escola
adopta para o controlo da pandemia.

1.4 Qual é a atitude do professor face diversidade de alunos nas classes iniciais nas escolas
públicas?

Moçambique é um país multicultural e linguístico, isto é, tem diversidade da cultura e das


línguas faladas. Mas infelizmente as políticas educativas ainda são permeadas pela ideia de
uma cultura homogênea, em que cumprem deveres, partilham uma mesma identidade nacional.
A maioria dos alunos que ingressam pela primeira vez na escola, trazem consigo várias
diversidades, alguns não falam a língua de ensino “português” e por vezes as suas línguas
maternas não dialogam, isto é, cada um tem a sua língua de comunicação, que por vezes o
professor também não conhece, o que torna desafiador trabalhar com as classes iniciais
respeitando a sua diversidade cultural.

Entende-se que há expansão por meio de um processo de universalização do ensino, para


responder às exigências da globalização para a competitividade mundial. Portanto, isso só
contribui ainda para a manutenção da exclusão por meio de políticas e metodologias
descontextualizadas, programações lineares, categorias como de sucesso e insucesso, atraso e
fracasso escolar, na qual tende a excluir aqueles que não acompanham a padronização que as
propostas educacionais impõem (Morais e Velanga, 2017).

O professor precisa ter consciência de que a cultura está presentes nos mais variados grupos
sociais, tendo em vista que, cada grupo social carrega consigo valores, costumes, crenças, entre
outros que são transmitidos de geração em geração aos membros da família e ou do grupo.
Nessa ordem, respeitar a diversidade cultural, e acolher essa diversidade em sala de aula é uma
tarefa complexa e muitas vezes desafiante para o professor, tendo em vista que, os manuais de
188

ensino dão primazia a cultura homogênea, uma cultura que discrimina e inferioriza o diferente,
algo que se faz sentir nas escolas moçambicanas. No entanto, Barbosa, Campos, Valentim
(2011) acreditam que, a relação professor-aluno com cordialidade é fundamental para o
desenvolvimento integral e para o engajamento na aprendizagem.

O currículo de nossas escolas ainda possui um caráter hegemônico, monocultural, com a


presença de um único saber, um único conhecimento considerado válido universalmente, que
até certo ponto, não atende as especifidades regionais da população local no que diz respeito
as atividades desenvolvidas localmente. Embora estabeleça a selecção de conteúdos locais, os
conteúdos locais devem ser estabelecidos em conformidade com as aspirações das
comunidades, o que implica uma negociação permanente entre as instituições educativas e as
respectivas comunidades (INDE/MINED, 2003).

Os desafios enfrentado pelos professores para a materialização desta atividade é a falta de


informação, falta de conteúdo sobre a cultura local, regional e material didáctico para trabalhar
o conteúdo local. Esta diversidade neste novo normal, o professor é desafiado a ensinar
conteúdos sobre a prevenção contra a COVID-19, os cuidados a ter e as medidas a tomar para
com a pessoa infectada pela doença.

Os professores dentro da escola também precisam se envolver neste trabalho da diversidade


cultural nas suas planificações respeitando as peculiaridades dos seus alunos, promover o
respeito mútuo, valorizar a experiência de cada aluno, respeitar as origens e diferenças dos
alunos, promover a inclusão e a não descriminação, qualquer que seja cultural, ético, regional
e ou linguística. Porque a qualidade da relação professor-aluno é um forte indicador de
adaptação escolar, especialmente para alunos que apresentam problemas comportamentais em
sala de aula (Barbosa, Campos, Valentim, 2011).

1.5 Considerações finais

Em relação a prática docente nas classes iniciais, esta é uma atividade desafiadora por
considerar que os alunos são provenientes de famílias com hábitos e cultura diferentes e a
maioria chega na escola sem conhecer a língua de ensino; tarefa de acolhimento e inserção dos
petizes num mundo novo da vida e garantir condições de permanência de todos os alunos na
escola, transformá-los e possibilitar-lhes condições efetivas de escolarização (Antunes, 2008).
Fora de desenvolver o ambiente propício para tornar a aula interessante e cooperativa entre
ambos.
189

Em relação aos métodos e estratégias para estimular a aprendizagem, a ação do professor deve
estar no sentido de atividade sobre objetos físicos, a ação do aluno seria o ponto de partida do
ensino e da aprendizagem; privilegiando aula expositiva e dialogada, estudo de caso, aulas
lídicas, grupo de verbalização e de observação e tempestade cerebral, Rangel (2005), introduzir
o aluno nesse novo mundo, criando um ambiente social que que favorece a aproximação, a
interação e o diálogo com os seus alunos, privilegiando o trabalho em equipe.

No que concerne a estratégia para estimular e ganhar a confiança dos alunos, concluímos que
é preciso conceber escola enquanto espaço para o processo de desenvolvimento, considerar
ambiente de inter-relacionamento humano; a confiança na sala de aula se desenvolve num
contexto sócio-histórico e o professor serve de espelho/modelo para os seus alunos.

Por fim, em relação a atitude do professor face diversidade de alunos nas classes iniciais nas
escolas públicas, concluímos que professor precisa ter consciência de que a cultura está
presente nos mais variados grupos sociais e a escola encontra se dentro de sociedade
diversificada, com raízes étnicas e culturais diferentes; vale lembrar Barbosa, Campos,
Valentim (2011) afirmando que a relação professor-aluno com cordialidade é fundamental para
o desenvolvimento integral e para o engajamento na aprendizagem. O currículo escolar possui
um caráter hegemônico e monocultural, embora tenha espaço para incluir o currículo local, este
não é exequível devido a falta de material para a sua implementação eficaz e respeitando a
diversidade cultural além dos problemas sócio-linguistico que os alunos apresentam.

As questões culturais, sócio-económicas das famílias que recai sobre os alunos e com a
pandemia de COVID-19, tornam a prática docente mais desafiadora. E requere mais reflexão
e elaboração de novas estratégias para responder as novas exigências que a pandemia impõe.

1.6 Referências

Agibo, J. M. & Chicote, M. L. L., (2015) Modelos de formação de professores em


Moçambique: uma análise no processo histórico. III Congresso Internacional: trabalho docente
e processos educativos. UNIUBE.
190

Antunes, M. A. M. (2008). Psicologia Escolar e Educacional: história, compromissos e


perspectivas (PP. 469-475),. (ABRAPEE) Vol. 12.

Barbosa, A. J. G., Campos, R. A., Valentim, T. A., (2011). A diversidade em sala de aula e a
relação professor-aluno. Campinas, Revista: Estudos de Psicologia (pp. 453-461).

Chakur, C. R. L., (1995). Fundamentos da prática docente: por uma pedagogia ativa. Rebeirão
Preto. Paideia.

Coelho, L., Pisoni, S. (2012). Vygotsky: sua teoria e a influência na educação. Revista e-ped
FACOS/CNEC Osório.

INDE/MINED, (2003). Plano Curricular do Ensino Básico. Moçambique

Lei nº 18/2018 de 28 de Dezembro de 2018, Lei do Sistema Nacional de Educação e define os


princípios fundamentais na sua aplicação. Publicada no Boltim da República, I
SÉRIE-Número 254.

Morais, L. M., Velanga, C. T., (2017). Diversidade cultural na escola: desafios para a prática
docente. Revista: RECH, Ano 1, Vol. I, p. 299-321.

NARDIN, M. H., SORDI, R. O., (2008). Aprendizagem da atenção: uma abertura à invenção.
Revista Iberoamericana de Educación. Recuperado de
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Oliveira, C. B. E. & Alves, P. B., (2005). Ensino fundamental: papel do professor, motivação
e estimulação no contexto escolar (PP. 227-238). Brasilia: Editora Paidéia.

Rangel, M. (2005). Métodos de ensino para a dinamização das aulas. 2ª Edição: Papirus
Editora.

Rego, T. C., (2001). Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 12. ed.
Petrópolis: Vozes.

Sampaio, S. M. R., org. (2011). Apresentação - O observatório da vida estudantil: uma


contribuição aos estudos sobre vida e cultura universitária. In: Observatório da vida estudantil:
primeiros estudos. Salvador: EDUFBA.
191

Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia da Matola, (2020). Relatório de


actividades desenvolvidas no primeiro trimestre 2020. Matola.
Tapia, J. A. & Fita, E. C. (1999). A motivação em sala de aula. O que é, como se faz. São
Paulo: Edições Loyola.
192

Pandemia digital: reflexão em torno do impacto do uso das plataformas de


aprendizagem na Universidade Púnguè em tempos de COVID-19

Juma Manuel, Álvaro Zacarias & Albano Munacachuma Pedro 30

Resumo

Este artigo procura desencadear uma reflexão em torno do uso das plataformas digitais no
processo de ensino/aprendizagem na Universidade Púnguè por conta da pandemia de COVID-
19, apontando, naturalmente, os contornos do impacto dessa modalidade de ensino. Em termos
metodológicos, o estudo foi concebido tendo em conta uma pesquisa exploratória e
bibliográfica, materializada por meio de aplicação de um questionário dirigido a 1349
estudantes dos cursos de licenciatura da instituição. O resultado do estudo feito permite-nos
concluir que a maior parte dos estudantes apresenta algum cepticismo quanto ao papel das
plataformas digitais para a sua aprendizagem, pelo que se sugere o aprimoramento desta
modalidade de ensino e consequente preparação tanto dos estudantes como dos professores em
matérias de prática pedagógica usando ferramentas tecnológicas.

Palavras-chave: Plataformas Digitais, Ensino-Aprendizagem, COVID-19, Universidade


Púnguè.

1. Introdução

Diante do novo quadro que a COVID-19 impôs não só a Moçambique bem como ao
mundo todo, as ferramentas tecnológicas foram convocadas para a superação do modelo
tradicional de ensino e garantir a continuidade das actividades lectivas nas instituições de
ensino, sobretudo no ciclo superior. No entanto, tendo a Universidade Púnguè, com sede na
cidade de Chimoio, decidido por seguir a orientação de prossecução de aulas através de
plataformas virtuais, o presente estudo procura avaliar o impacto do uso dessas plataformas na
aprendizagem dos estudantes.
Face ao cenário acima aludido e com o intuito de melhor analisar o efeito da plataforma
digital no contexto educativo, administrou-se um inquérito a 1349 estudantes, cerca de 23% da
população estudantil da instituição, sendo 65% do sexo masculino e os restantes 35% do sexo

30
Universidade Púnguè, Moçambique
193

feminino. Quanto à modalidade de ensino, do universo de respondentes, 21% foram do regime


à distância, 52% do laboral e 27% do regime pós-laboral.
Este estudo avaliativo revelou que os estudantes da Universidade Púnguè estão cépticos
quanto ao efeito das plataformas digitais no ensino, pois para eles vários factores ligados
sobretudo à inacessibilidade à internet e ao fraco domínio das ferramentas condicionam o curso
normal das actividades lectivas, conforme elucidam as respostas constantes da secção relativa
ao grau de satisfação dos estudantes relativamente aos aspectos didáctico-pedagógicos em
época da pandemia de COVID-19.
Para melhor leitura e compreensão do texto, o artigo apresenta para além da parte
introdutória um breve rasteio teórico sobre o uso das plataformas digitais no ensino, seguindo-
se a parte em que se destacam a apresentação, análise e discussão dos resultados e, por fim, as
considerações finais.

2. Uso das plataformas digitais no ensino

Este tema tem interessado a muitos pesquisadores com veia para a educação inclusiva
e qualidade do ensino à distância. A título de exemplo, Vianna & Ferreira (2018), dissertando
sobre o uso das plataformas digitais na educação, avançam que “a introdução de novas
tecnologias, tais como o ambiente virtual de aprendizagem ou a educação on-line podem
colaborar para minimizar as desigualdades de oportunidades escolares” e, consequentemente,
“significar a melhoria da qualidade da educação a distância (EaD) ou mesmo da educação
presencial”.
Em Moçambique, com o advento da COVID-19, as práticas lectivas sofreram um grande
revés, tendo sido identificada a tecnologia como a melhor alternativa para a área da educação.
Aliás, como se sabe, o impacto do desenvolvimento tecnológico também se reflecte no
ensino/aprendizagem, pois representa “uma realidade que se impõe na sociedade e na escola,
exigindo que a última integre no processo educacional as novas tecnologias” (Santos, 2005).
A ideia de uma sala de aula com os alunos sentados acompanhando o que o professor
diz passou a não condizer mais com a realidade imposta pela paralisação de aulas presenciais
por conta da pandemia de COVID-19. Em consequência, as plataformas digitais foram a saída
mais viável para assegurar a continuidade das actividades lectivas, já que “as novas
194

Tecnologias digitais estão cada dia mais presentes em nosso quotidiano e nos trazem muitas
influências” (Silva, Prates & Ribeiro, 2016).
Assim, com base na importância que as novas tecnologias têm hoje para a prática
pedagógica, os desafios são muitos e vão desde a própria concepção de educação, passando
pela formação/preparação dos professores e estudantes e desembocam na implementação de
políticas públicas que possam garantir o acesso destas ferramentas com vista a que de facto as
plataformas digitais possam auxiliar no processo de ensino/aprendizagem.
Para Giddens (2008), da mesma forma que a imprensa e a cultura de leitura do livro
contribuíram para a ascensão da educação moderna, as novas tecnologias da informação (TI),
no mundo contemporâneo, podem contribuir para transformar o currículo vigente nas
instituições de ensino, uma vez que “ao envolver-se no mundo virtual, o docente poderá exercer
com maior eficiência a mediação entre objectivos, conteúdos e metodologias necessárias para
estimular no aluno o processo de autoformação continuada” (Vianna & Ferreira, 2018).
Enfim, diante do novo quadro que os avanços tecnológicos têm acarretado para a
sociedade e a prática pedagógica, impõe-se cada vez mais uma reflexão sobre os impactos da
tecnologia na prática pedagógica já que as dinâmicas das relações sociais exigem, de certo
modo, que a escola integre no processo educacional as novas tecnologias, pelo que “é preciso
que os professores estejam preparados para o uso da tecnologia no ambiente escolar e conhecer,
na medida do possível, as diferentes plataformas existentes e o que elas podem oferecer de
melhoria para as condições de ensino e aprendizagem” (Medeiros & Medeiros, 2020).

3. Apresentação, análise e discussão dos resultados

Neste espaço fazemos a apresentação, análise e discussão dos resultados usando


categorias estatísticas. Contudo, antes de avançarmos para a análise propriamente dita, impõe-
se que apresentemos uma breve caracterização da Universidade Púnguè para contextualizarmos
a proveniência dos estudantes que enformam a amostra do estudo.
A Universidade Púnguè, igualmente denominada UniPúnguè, com sede na Cidade de
Chimoio – Província de Manica, foi criada a 29 de Janeiro de 2019, através do Decreto nº
4/2019 de 4 de Março do Conselho de Ministros, como resultado da reestruturação da
Universidade Pedagógica e fusão das Delegações de Manica e Tete.
No presente ano académico (2020), a UniPúnguè conta com 6.064 estudantes inscritos
(3.479 são do sexo masculino e 2.585 do sexo feminino), distribuídos em três regimes (laboral,
195

pós-laboral e à distância), sendo que 51,3% dos estudantes (3.112) estão na Extensão de Tete
e os restantes 48,7% (2952) na Sede.
Depois desta contextualização, seguem informações relativas ao processo de
ensino/aprendizagem usando as plataformas digitais de forma a discorrermos com a devida
propriedade sobre as condições com as quais os estudantes estão a interagir com os seus
docentes, focalizando assim, entre outros aspectos, os recursos usados, acessibilidade à
internet, qualidade da internet, qualidade das aulas online e relação pedagógica
docente/estudantes em tempos de COVID-19.
O gráfico 1, que apresenta dados ligados à pergunta sobre o uso de um modelo de ensino
similar ao actual em ocasiões anteriores mostra de forma clara que os estudantes dos regimes
laboral e pós-laboral (modalidade presencial) afirmam ser a primeira vez que têm aulas numa
modalidade online, contrariamente aos estudantes da modalidade de ensino à distância que, na
sua maioria, afirmaram que já vinham trabalhando neste modelo de ensino.

Gráfico 1: Alguma vez tinha tido aulas no modelo de ensino à distância ou


aproximado?

100%
90%
94%
91%

80%
70%
79%
71%

60%
50%
40%
30%
20%
29%

21%
9%

6%

10%
0%
Laboral Pós-laboral EaD Total
Regime/Modalidade de Ensino

Sim Não

Pelo facto de grande parte das universidades moçambicanas concentrarem-se no meio


urbano e, em contrapartida, receberem maioritariamente estudantes oriundos de outras zonas
(suburbanas e rurais), levando-os a migrarem durante o período de sua formação, com a
decretação do Estado de Emergência muitos deles voltaram aos locais de origem onde
habitualmente residem com as suas famílias (pais, cônjuges ou filhos). Assim, estando em
196

locais diferentes dos próximos das cidades e que em muitos casos faltam serviços básicos como
o acesso à electricidade, TICs e internet, maior número de estudantes ficou privado de aceder
às plataformas digitais para acompanhar as aulas. Em consequência, muitos se viram na
situação de ter que recorrer a casas de parentes ou outros locais para fazer face a esta situação
periclitante, como bem demonstra o gráfico que a seguir se apresenta.

Gráfico 2: De onde acompanha as aulas durante o período de Estado de


Emergência?
86%

90%
80% 67%

66%
70%

49%
60%
50%

35%
40%

21%
30%
18%

16%
14%

11%
10%

20%
3%
2%

10%
1%

1%
0%

0%
Casa própria Casa dos Casa arrendada Total
pais/parentes
Onde habitualmente reside?

Em casa própria Em casa de familiares/amigos


No meu Distrito/Província Outro local

Os gráficos seguintes (3 e 4) mostram a tendência e condições de uso de TICs para o


acesso às matérias escolares. Ora, no gráfico 3 pode ver-se que o meio mais usado é o celular
(smartphone). Já no gráfico 4 é-nos dada a indicação de que os estudantes recorrem
constantemente ao WhatsApp para ter aulas e poucas vezes à plataforma CEDIS, que é
institucional e adequada para a aprendizagem online.
197

Gráfico 3: Com qual dispositivo você acompanha as aulas usando plataformas


85% digitais?

85%

84%
90%

70%
80%
70%
60%
50%
40%
30%

15%
10%

10%
20%

7%
6%

6%
4%
4%
4%

3%
3%

2%
1%
1%

1%

10%
0%

0%
Próprio Parente Amigo/Colega Total
A quem pertence o dispositivo que usa para acompanhar as aulas usando plataformas digitais?

Celular/Smartphone Tablet Computador portátil Computador de Mesa Nenhum

Gráfico 4: Percentagem do uso de plataformas pelo total dos inqueridos


198

a. Nível de satisfação quanto à organização do processo de ensino em tempos de


COVID-19

Tendo em conta que a conjuntura actual obriga a que o processo de


ensino/aprendizagem seja conduzido por meio de uso de plataformas digitais, afigura-se
premente, neste espaço, embrenharmo-nos na análise sobre o grau de satisfação dos
estudantes relativamente à organização e decurso das aulas com recurso a ferramentas
tecnológicas. Assim sendo, quanto à distribuição das actividades lectivas e à adequação do
tempo de estudo exigido pelos docentes, grande parte dos inqueridos afirmou estar muito
insatisfeito uma vez constatarem que as aulas decorrem de forma atabalhoada, ou seja,
poucos docentes cumprem com o horário/tempo previamente acordado para as actividades
lectivas, havendo outros que exigem interacção em finais de semana ou mesmo no período
nocturno. Os gráficos abaixo (5 e 6) são bastante esclarecedores deste facto:

Gráfico 5: Satisfação com a distribuição das actividades lectivas (horários)


199

Gráfico 6: Satisfação com a adequação do tempo de estudo exigido pelos docentes

37.80%

39.90%
50.00%

32.30%
32.00%

26.20%
26.00%
24.60%
40.00%

22.10%
18.90%
18.60%
17.10%

16.20%
15.10%

14.40%
14.40%
30.00%

12.80%
11.20%

8.50%

6.80%
20.00%

5.30%
10.00%
0.00%
Laboral Pós-laboral EaD Total
Regime/Modalidade de Ensino

Muito insatisfeito Insatisfeito Não satisfeito nem insatisfeito Satisfeito Muito satisfeito

Já relativamente à clareza das actividades orientadas pelos docentes e a sua


disponibilidade para debates, os respondentes deram a entender que igualmente estão muito
insatisfeitos, o que poderá naturalmente impactar na avaliação final, pois mesmo depois da
execução e entrega dos trabalhos pelos estudantes poucos são os docentes que se predispõem
a discutir à volta das actividades por si orientadas. Veja-se nos gráficos 7 e 8 a tendência do
nível de satisfação dos estudantes quanto ao que ficou dito nas linhas precedentes.

Gráfico 7: Satisfação com a clareza das actividades orientadas pelos docentes


36.40%

31.60%
32.00%

31.00%

40.00%
27.90%

26.40%
25.60%

35.00%
24.20%

30.00%
20.00%
17.80%

15.80%
15.60%

25.00%
14.80%
14.10%

13.70%
12.50%
11.70%
11.20%

20.00%
10.10%

7.50%

15.00%
10.00%
5.00%
0.00%
Laboral Pós-laboral EaD Total
Regime/Modalidade de Ensino

Muito insatisfeito Insatisfeito Não satisfeito nem insatisfeito Satisfeito Muito satisfeito
200

Gráfico 8: Satisfação com a disponibilidade dos docentes para debates com os


estudantes

Enfim, no tocante à satisfação com a clareza e sequência lógica das matérias


leccionadas em ambientes virtuais, maior parte dos inqueridos manifestou, mais uma vez, estar
muito insatisfeito. Aliás, a insatisfação desses estudantes reside no facto de haver uma
discrepância no alinhamento dos conteúdos, em contraposição ao que consta do plano analítico
fornecido pelo docente no início do semestre lectivo.

Gráfico 9: Satisfação com a clareza e sequência lógica das matérias leccionadas


37.30%

35.90%

40.00%
31.70%
31.40%

35.00%
27.10%
25.50%

25.30%
23.30%

23.10%

30.00%

25.00%
16.70%
15.80%

14.50%
14.40%
13.80%

13.70%
13.50%

12.40%

20.00%
9.00%

15.00%
7.80%
7.80%

10.00%

5.00%

0.00%
Laboral Pós-laboral EaD Total
Regime/Modalidade de Ensino

Muito insatisfeito Insatisfeito Não satisfeito nem insatisfeito Satisfeito Muito satisfeito
201

Considerações finais

Nesta etapa do trabalho cumpre-nos deixar ficar as nossas ilações sobre a análise que
encetamos, as quais consideramos identificarem-se com o desiderato inicialmente definido.
Assim, com este estudo foi possível depreender que os estudantes apresentam alto nível de
insatisfação no concernente ao processo de ensino/aprendizagem em período de COVID-19,
destacando-se as questões inerentes à falta de meios adequados para aceder a aulas virtuais, à
falta de clareza e sequência lógica nas actividades orientadas pelos docentes e, acima de tudo,
o despreparo tanto dos docentes como dos estudantes para lidarem com a modalidade de ensino
à distância usando as TICs.
Portanto, com base no que foi constatado ao longo do trabalho, afigura-se importante
uma auscultação aos diversos actores da prática pedagógica para melhor definição e actuação
em aulas virtuais usando as plataformas digitais. Outrossim, face à fraca literacia digital dos
directos intervenientes para lidarem com a modalidade de ensino à distância usando as
plataformas digitais, é de todo interessante uma capacitação aos docentes e estudantes no uso
das diversas plataformas de aprendizagem.

Referências bibliográficas
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https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3114970/mod_resource/content/1/Anthony_Gi
ddens_Sociologia.pdf
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das Plataformas Digitais e Startups na Área da Educação. In V Congresso Nacional de
Educação. São Paulo: www.conedu.com.br. Retrieved from
https://docplayer.com.br/180392217-Educacao-e-tecnologia-explorando-o-universo-das-
plataformas-digitais-e-startups-na-area-da-educacao.html
SANTOS, I. de S. (2005). As novas Tecnologias na Educação e Seus Reflexos na Escola e no
Mundo do Trabalho. In II Jornada Internacional de Politicas Publicas (pp. 1–7). São
Luís, Brasil. Retrieved from https://docplayer.com.br/144319-As-novas-tecnologias-na-
educacao-e-seus-reflexos-na-escola-e-no-mundo-do-trabalho.html
SILVA, I. D. C. S., Prates, T. D. S., & Ribeiro, L. F. S. (2016). As Novas Tecnologias e
aprendizagem: desafios enfrentados pelo professor na sala de aula. Revista Em Debate
(UFSC), 16(15), 107. https://doi.org/10.5007/1980-3532.2016n15p107
VIANNA, J. A., & FERREIRA, T. A. D. (2018). Plataforma Digital de Educação: A Percepção
dos Professores. E-Mosaicos, 7(14), 104–120. https://doi.org/10.12957/e-
mosaicos.2018.27928
202

Pandemia do COVID-19: reflectindo sobre o Estágio Pedagógico na preparação de


professores da educação básica na Universidade Pedagógica De Maputo

Bonifácio Obadias Langa31


Chadreque Alexandre Guambe32
Júlio Emílio Diniz-Pereira33
Resumo
Este artigo tem como título, Pandemia do COVID-19: reflectindo sobre o Estágio Pedagógico
na preparação de professores da educação básica na Universidade Pedagógica De Maputo-
Moçambique. Tem como objectivos analisar o Estágio Pedagógico no curso de Ensino Básico
e explicitar as implicações das actividades remotas adotadas no âmbito do COVID-19 na
preparação de professores. Baseados em uma abordagem quali-quantitativa, o estudo contou
com vinte e quatro sujeitos de pesquisa que responderam a um questionário. Os resultados
apontam para a necessidade de ajustamento de estratégias de supervisão do estágio, assim como
a restruturação dos objectivos tendo em conta que o curso de Ensino Básico é maioritariamente
frequentado por professores em exercício. Conclui-se que o estágio realizado durante a
Pandemia de COVID-19, não possibilitou o desenvolvimento de conhecimentos e saberes para
iniciação à docência, havendo a necessidade do prolongamento das actividades assim que se
retornar as aulas presenciais.

Palavras-Chave: Estágio Pedagógico. Prática de Ensino. Docência. COVID-19.

Abstract
This article has the title, Pandemic of COVID-19: reflecting on the Pedagogical Internship in
the preparation of basic education teachers at the Pedagogical University of Maputo-
Mozambique. It aims to analyze the pedagogical internship in the basic education course and
explain the implications of the remote activities adopted under COVID-19 in the preparation
of teachers. Based on a quali-quanti approach, the study included twenty-four research subjects
who answered a questionnaire. The results point to the need to adjust the strategies for
supervising the internship, as well as the restructuring of the objectives taking into account that
the basic education course is mostly attended by professors. It was concluded that the internship
carried out during the Pandemic of COVID-19, did not allow the development of knowledge
and knowledge to initiate teaching, with the need to prolong activities as soon as the face-to-
face classes are returned.

Keywords: Pedagogical Internship. Teaching Practice. Teaching. COVID-19.


Introdução

31
Doutorando em Educação: FaE/UFMG-Brasil; Mestrado em Desenho de Sistemas da Educação; Docente da
UPM
32
Mestrado em Desenho de Sistemas da educação; Docente da UPM; Director do Curso de Graduação em Ensino
Básico;
33
Doutor em Educação e Docente da FaE/UFMG-Brasil
203

A presente reflexão aborda a temática do Estágio Pedagógico no curso de licenciatura em


Ensino Básico na Universidade Pedagógica do Maputo (UPM) no contexto do estado de
emergência decretado pelo governo de Moçambique em decorrência da Pandemia do COVID-
19. O objectivo da reflexão é de analisar as implicações das medidas alternativas implantadas
de modo a permitir continuidade das actividades da preparação dos professores para educação
básica, com particular atenção para a actividade do estágio pedagógico.

Uma das medidas implantadas de modo a mitigar o impacto do alastramento da propagação do


COVID-19, foi o distanciamento social, com efeito a partir do dia 01 de abril de 2020 e, a
suspensão das aulas presenciais em todos níveis de ensino no território moçambicano.

Com a eclosão da Pandemia do COVID-19 em Moçambique as actividades lectivas na


modalidade presencial foram suspensas a 23 de Março de 2020. Novas medidas para a interação
pedagógica foram impostas nomeadamente: actividades remotas baseadas no uso das
plataformas digitais preferencialmente para o ensino superior e actividades especiais baseadas
em “fichas de exercícios” para o ensino geral.

Foi com base nesse desafio do enfrentamento de um novo cenário pedagógico sem o devido
preparo que emergiu a seguinte questão: Como os estudantes finalistas do curso de licenciatura
em Ensino Básico se adaptaram para a continuidade do estágio pedagógico nas escolas?

Portanto, o presente estudo procura analisar os reajustes pedagógicos implantados de modo a


possibilitar a realização do estágio pedagógico. Embora o foco seja analisar a questão do
estágio pedagógico no curso de licenciatura em ensino básico, o estudo faz um breve panorama
sobre o curso de Licenciatura em Ensino Básico, do Estágio Pedagógico na Universidade
Pedagógica do Maputo, das generalidades no Estágio Pedagógico na preparação docente e por
fim aborda com precisão a questão do Estágio Pedagógico no curso de Ensino Básico no
contexto da Pandemia da COVID-19, culminando pela apresentação das considerações finais.
204

O curso de Licenciatura em Ensino Básico


O curso de Licenciatura em Ensino Básico (LEB) data da década de 2004, no contexto da
Reforma Curricular de 2003, na então Universidade Pedagógica (UP), cujo objectivo principal
é a formação de professores e técnicos para a educação básica (EB), comumente designado por
Ensino Primário (EP) em Moçambique. Integrado no Departamento de Ciências da Educação
na Faculdade de Educação e Psicologia 34. Em cumprimento do seu Plano Estratégico, a UP
iniciou em 2007 um processo de Reforma Curricular integrado, dentro de um contexto global
de melhoria da qualidade de ensino, da aprendizagem e da gestão pedagógica e administrativa
da instituição, pois a maioria dos currículos dos cursos, nessa altura, revelava-se inadequado e
desactualizado em relação à conjuntura política, económica e social, aos desenvolvimentos
científicos e tecnológicos e às profundas transformações políticas, sociais e económicas
ocorridas em Moçambique, em particular, na região da África Austral e do mundo em geral.
Esta reforma curricular foi também impulsionada pela proposta do Quadro Nacional de
Qualificações do Ensino Superior (QNQES), proposta de Sistema Nacional de Acumulação e
Transferência de Créditos Académicos (SNATCA) que visavam, sobretudo, "facilitar a
mobilidade horizontal, vertical e diagonal dos estudantes; permitir a competitividade e a
mobilidade dos estudantes e docentes no país, na região e no mundo, bem como facilitar o
acesso ao mercado de trabalho aos diplomados" (MINED, 2012: 55).

Com a entrada em vigor em 2010 do novo ciclo de currículos o Curso de LEB passou a ter um
total de 240 créditos35 distribuídos em área de concentração maior (Major) de 180 créditos e
outra de concentração menor (Minor) de 60 créditos. Esse modelo curricular é inspirado no
sistema europeu (Universidade de Bolonha), embora não na sua plenitude. Contudo, a partir
desse ano, o curso de LEB à semelhança dos demais da universidade passou por essa
metamorfose tendo, introduzido o sistema de habilitações curriculares. Isto é, o curso passa a
ter um bloco de disciplinas específicas do curso que, constituem o major constituído por 180
créditos e uma área de menor concentração de 60 créditos, o minor. As matérias curriculares
de major são cursadas no curso e as de minor36 são cursadas de forma “livre” em outros cursos.

34 É a nova designação dessa unidade orgânica que entrou em vigor em 2020 no âmbito da reforma Universitária. Essa unidade orgân ica já designou-se por Faculdade de
Ciências Pedagógicas (FCP) e mais recentemente a última nomeclatura foi de Faculdade de Ciências de Educação e Psicologia (FACEP)

35Nos modelos curriculares antecedentes o curso funcionava no regime disciplinar e sem acumulação de créditos acadêmicos.

36Disciplinas eletivas para complementar a grade de créditos exigidos no curso


205

O perfil dos estudantes é heterogêneo, sendo que a maioria já exerce a profissão docente e uma
pouca minoria está na condição de formação inicial. Reconhecendo que o curso é uma ponte
de desenvolvimento profissional (formação contínua) para muitos professores de educação
básica em Moçambique, tem-se envidado esforços no sentido de garantir que seu corpo docente
seja preferencialmente constituído por especialistas no ensino primário moçambicano. Nesse
prisma, destaca-se que a visão do curso assenta sobre uma preparação do professor progressista
(HAMMERNESS et al, 2019; IMBERNÓN, 2016 e GATTI, 2015) e que saiba transformar
situações específicas de trabalho em cenários de auto-aprendizagem e desenvolvimento
profissional de modo a oferecer uma educação de qualidade. Para tanto, Hammerness et al
(2019, p. 306-307), defendem a ideia de uma formação que proporcione a construção de
conhecimentos, habilidade e atitudes, contudo, mais do que isso apontam a necessidade de que
“os candidatos à formação de professores precisam de estar preparados para a aprendizagem
ao longo da vida”. Para esses autores:

Com o intuito de ter sucesso na preparação de docentes


eficientes, a formação de professores deve estabelecer as
bases para a aprendizagem ao longo da vida […], dado o
período relativamente curto disponível para preparar os
professores e o fato de que nem tudo pode ser ensinado,
decisões devem ser tomadas sobre quais conteúdos e
estratégias são mais eficazes na preparação de novos
candidatos para que eles possam aprender com a própria
prática, bem como sobre as percepções de outros professores
e pesquisadores (HAMMERNESS et al, 2019, p. 307).

Em alinhamento com Hammerness et al (2019), o curso de LEB possui uma estrutura curricular
que possibilita o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos específicos para leccionar
no ensino primário em Moçambique.

A partir da estrutura do curso, os estudantes têm para além de estágio de leccionação, um


componente de práticas pedagógicas que possibilitam uma aproximação às actividades
decorrentes do contexto educativo.

A funcionalidade de aprendizagem ao longo da vida é assente na premissa de que “ensinar


exige que os novos professores reflitam sobre a aprendizagem de maneiras bem diferentes
206

daquilo que aprendem com a própria experiência como estudantes” (HAMMERNESS et al,
2019), o que significa que devem desenvolver a competência reflexiva (SCHÖN, 1995;
GÓMEZ, 1995), nesse intuito o professor porque é o “homem da situação” é pertinente que
tenha um preparo no domínio das imprevisões e incompletudes do PEA à partir de contexto de
aprendizagem vivenciados desde a sua formação tanto como estudante e agora como formando
a professor.

A componente de práticas integradas torna-se imprescindível para lograr a formação mais


solidificada, atendendo que hoje em dia o clamor por uma docência progressista e libertadora
constitui a essência para a restauração da dignidade humana (FREIRE, 2018).

O Estágio Pedagógico na Universidade Pedagógica do Maputo

Os cursos de graduação na Universidade Pedagógica de Maputo (UPM), cumprem um total de


seis mil (6000) horas de formação de acordo com as diretrizes curriculares em vigor. Desse
tempo, cerca de quatrocentas horas (400) o equivalente a cerca de 6.6% do tempo total da
formação, é reservado para o estágio pedagógico ou profissional. Na componente da
profissionalização dos cursos, a UPM privilegia as práticas pedagógicas (PP) e o estágio
pedagógico (EP) nos cursos de formação docente. As práticas totalizam cerca de seiscentas e
cinquenta e nove horas (659) o equivalente a cerca de 11% do tempo de formação. Tanto o
estágio como as práticas pedagógicas constituem uma das etapas mais preponderantes de
formação por proporcionar o contato com a realidade profissional para o qual os graduandos
irão enfrentar no futuro. Dias et all (2010) afirmam que essas actividades curriculares são:

[…] uma articulação efectiva entre a teoria e a prática em


todas as actividades docentes. Termos consciência de que a
Pratica e Estágio Pedagógico (PEP) não é uma parte
meramente prática do curso, mas apenas uma primeira
aproximação a ela e que deve sempre ser acompanhada de
um suporte teórico adequado. O professor precisa de
construir diariamente “saberes teóricos e práticos” que lhe
permitam desenvolver a autonomia para gerir as várias
situações de ensino e aprendizagem (p. 14).

Os mesmos autores defendem ainda que na ausência de condições de trabalho real nas escolas
as práticas pedagógicas I, podem ser realizadas por meio do uso de vídeos com gravações de
207

aulas. Porém, havendo espaço para sua realização, o estudante pode trabalhar em oficinas
pedagógicas, laboratórios de ensino, estações ou espaços de aprendizagem que poderão ser
criados na universidade ou na própria escola.

No sexto período do curso, ocorre a unidade curricular práticas pedagógicas II na qual, o


estudante começa a planificar e a leccionar micro-aulas e actividades interdisciplinares e
transversais, mas sob tutoria do professor orientador da escola e do supervisor da universidade
( DIAS, et all, 2010:19).

O estágio pedagógico, decorre no oitavo período e, o estudante deve estar sob a supervisão do
professor da universidade na escola de estágio, a fazer regência e intervenção através da
orientação de pequenos projectos pedagógicos. Segundo Dias et all (2010:20), com essa
unidade curricular pretende-se que o estudante, desenvolva as seguintes competências:

a) planificar e organizar as complexas situações do ensino


aprendizagem;

b) trabalhar em equipe desenvolvendo o princípio de


interdisciplinaridade e construindo projectos educativos
comuns;

c) desenvolver acções de pesquisa usando meios tecnológicos


actualizados em busca de respostas às questões
problemáticas deparadas ao longo do processo de ensino e
aprendizagem;

d) colaborar na formulação do projecto da escola, nas


adaptações curriculares e administração de recursos da
escola;

e) ser um agente de transmissão de valores cívicos e morais a


partir de suas próprias atitudes.

O Estágio Pedagógico na preparação docente


A profissão docente como um “ofício” (TARDIF E LESSARD, 2009) apresenta diversidades
de imagens e interpretações sociais em decorrência de suas características únicas e históricas
ligadas ao seu surgimento (TANURI, 2000). Conforme Arroyo (2017),

Os ofícios se referem a um coletivo de trabalhadores qualificados, os


mestres de um ofício que só eles sabem fazer, que lhes pertence, porque
208

aprenderam seus segredos, seus saberes e suas artes. Uma identidade


respeitada, reconhecida socialmente, de traços bem definidos
(ARROYO, 2017, p.18).

Os futuros professores do ensino primário preparados na Universidade Pedagógica do Maputo


têm nas actividades de práticas e estágio pedagógico um momento privilegiado para a iniciação
profissional.

Vários estudos (SMITH, 2018; GATTI, et. al. 2015; IMBERNÓN, 2013, 2000; ALTET, 2000
SHULMAN, 1987) retratam as peripécias da formação e profissão docente desde a concepção
curricular, aspectos a considerar no ensino da docência, os saberes docentes essenciais, assim
como a relevância dos saberes práticos na construção da profissionalidade profissional.
Portanto, o estágio como etapa de exercitação de conhecimentos sobre a docência proporciona
a supressão de ignorâncias e conduz aos estagiários a implantarem os alicerces sobre a docência
(MIALARET, 1981).

Segundo Diniz-Pereira e Zeichner (2008, p. 23-24) na prática de formação de professores, é


fundamental entre várias actividades “Supervisionar e analisar cuidadosamente os estágios em
escolas e comunidades culturalmente diversificadas, inclusive experiências de imersão cultural
nas quais os estagiários vivem em comunidades culturalmente diferentes”

Portanto, sendo o estágio pedagógico a etapa de iniciação à docência faz jus que a psicoesfera
e a tecnoesfera estejam em condições adequadas para que a actividade ocorra em condições
necessárias. O conhecimento que se tem sobre as exigências que são feitas aos professores,
justifica a necessidade de afirmar-se o estágio pedagógico como uma etapa imprescindível e
basilar na preparação docente.

No contexto da construção da qualidade na formação docente Nóvoa (2009) refere ser relevante
retomar a discussão sobre premissas das características do que é “bom professor”. Nesse
sentido, a realização do estágio pedagógico deve ser entendido como um dos momentos
cruciais na implantação da ideia de uma profissionalidade imponente, contrariamente à
subversões e ou aproximações desprestigiantes que camufulam a profissão docente como uma
falsa profissão. Vários estudos (PERRENOUD, 2000; 2002; GARCIA, 1999; ZEICHNER,
1993), defendem que a construção de saberes e conhecimentos profissionais devem estar
209

intimamente ligados ao exercício profissional docente pelo que, o estágio pedagógico é um dos
momentos fundamentais para a implantação desse princípio.

Portanto, a escola possibilita a construção de comunidade de práticas e assenta a formação


docente, configurando assim em um lugar de formação que deve ser cautelosamente nutrido
por actividades que dão corpo e essência à “dodiscência”.

Porém, há que dar ênfase e direccionar apoio necessário para a transformação da formação tal
como descreve Nivagara et al, (2016) sobre o funcionamento das Zonas de Influência
Pedagógica (ZIP), como núcleos preponderantes de apoio pedagógico para a formação docente,
dentro da perspectiva de uma formação inovadora baseada nas premissas do “professor
pesquisador” (ANDRÉ, 2016). Daí a necessidade da requalificação dos estágios conforme
defende Lüdke (2015, p. 172). Nesse diapasão, Silva (2015, p. 192) ressalta que, a falta de
acompanhamento integral dos formandos pelos seus docentes ocasiona, a aproximação do
estágio com o trabalho produtivo e suscita ainda o problema da exploração do estagiário.

O Estágio Pedagógico no curso de Ensino Básico no contexto da pandemia da COVID-19


Conforme é do conhecimento universal, o ano de 2020 iniciou flagelado pelo novo vírus
designado SARS-CoV-2, que alastrou-se no mundo e atingindo proporções de Pandemia 37.
Esse facto condicionou de modo particular o funcionamento das instituições de ensino como
medida preventiva da saúde pública. Foi nesse diapasão que a Universidade Pedagógica de
Maputo (UPM), no seguimento das orientações presidenciais sobre o estado de emergência em
decorrência dessa Pandemia, as actividades acadêmicas foram condicionadas à realização
remota. Uma dessas actividades é do Estágio Pedagógico que necessariamente decorre nas
escolas do ensino primário, onde os estudantes devem leccionar e realizar outras actividades
afins. O decreto sobre o estado de emergência mobilizou a suspensão de aulas em todos
estabelecimentos nacionais (Moçambique) de ensino nos finais do mês de março, quando os
estagiários já encontravam-se nas escolas a desenvolver suas actividades como estagiários.

37Segundo a Organização, pandemia, é a disseminação mundial de uma nova doença e o termo passa a ser usado quando uma epidemia, surto que afeta uma região, se espalha

por diferentes continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa (https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/noticias/1763-o-que-e-uma-pandemia acesso

04/08/2020)
210

Reconhecendo que o momento actual (2020) passou a exigir soluções inovadoras por forma a
dar continuidade da “vida” e sem prejuízo aos ganhos alcançados até ao momento em que o
mundo “parou”, procuramos analisar as possibilidades existentes para a validação das
aprendizagens desenvolvidas pelos estagiários durante o processo de Estágio Pedagógico
presencial e remoto.

Realizamos o presente estudo que teve como amostra vinte e quatro estudantes sendo dez
homens e catorze mulheres. Constatou-se que todos inquiridos são professores em exercício
com uma experiência profissional acima de seis anos conforme ilustra o gráfico a seguir:

Gráfico no 1: Anos de experiência profissional dos inquiridos

Tempo que exerce a Docência


3
2 2 2 2 2 2
1 1

Fonte: Sistematizado pelos Pesquisadores (2020)

Segundo documento curricular do curso de licenciatura em ensino básico na Universidade


Pedagógica de Maputo (UPM, 2009, p. 206), são objetivos do estágio pedagógico:

Desenvolver conhecimentos, habilidades, competências


organizacionais, pedagógicas e profissionais gerais bem como
atitudes no estudante, futuro professor, no domínio do
processo de ensino e aprendizagem da disciplina específica;
Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem
ensinados e a sua tradução em objectivos de aprendizagem;
Implementar o processo de ensino-aprendizagem de forma
criativa e interessante de acordo com as condições reais da
escola; Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à
aprendizagem; Trabalhar a partir das representações dos
alunos; Utilizar de forma adequada as técnicas e instrumentos
de observação e avaliação e, reflectir, auto-avaliar e
reformular o processo desenvolvido, sempre que necessário.
211

Como pode perceber-se a maioria dos objectivos do estágio pedagógico constituem o


quotidiano docente se assumirmos que docência, é desenvolvimento de conhecimentos,
saberes, de expertise adaptativa38. E, porque nossos inquiridos são docentes experientes
majoritariamente na terceira etapa vital de docência referida por Garcia (1999) como a etapa
de “diversificação, activismo e reposicionamento”, estamos cientes que o estágio pedagógico
constitui no seu portfólio quotidiano mais um elemento para o desenvolvimento de expertise.

Um dos rituais para a realização do estágio pedagógico tem a ver com a preparação e
organização do processo. Procurou-se saber se os estagiários teriam tido esse ritual e os
resultados indicam que 91.6% afirmaram ter tido uma preparação para o processo. Como se
sabe, é tarefa dos supervisores da universidade “planificar as actividades das práticas do estágio
profissional (PEP) e contactar as Escolas Integradas para a planificação das actividades das
PEP” (DIAS et al, 2010, p. 42). Em conformidade com as restrições impostas pela Pandemia
da COVID-19, o estágio, foi realizado em várias modalidades, sendo a actividade presencial a
que notabilizou-se predominante. Embora as actividades lectivas tenham sido suspensas nas
escolas após o decreto presidencial sobre o estado de emergência (23/março), cerca de 54.1%
dos estudantes conseguiu realizar algumas actividades presenciais e 37.5% realizou actividades
de forma híbrida (presencialmente e à distância). O gráfico abaixo ilustra o tipo de actividades
desenvolvidas pelos estagiários:

Gráfico no 2: Actividades desenvolvidas durante o estágio Pedagógico

Actividades Desenvolvidas no Estágio Pedagógico


14 14 13
12
9 8
5 4

Fonte: Sistematizado pelos pesquisadores (2020)

38Desenvolvimento de eficiência no ensino pela aquisição, experiência e descoberta de novos conhecimentos e saberes (BRANSFORD et al, 2019, p. 42)
212

A leitura dos dados permite inferir que houve déficit na realização das tarefas que
consubstanciam ao desenvolvimento da práxis pedagógica pois, no estágio espera-se que o
estagiário desenvolva entre outras habilidades a “dodiscência” (FREIRE, 2018). Conforme nos
referimos anteriormente, os inquiridos já possuem uma certa “amálgama” de “saberes da
prática” como corolário da sua experiência profissional.

No que concerne ao uso de recursos tecnológicos no processo de estágios, apenas 11 estudantes


afirmaram que usaram recursos tecnológicos tais como: Computador e smartphone; plataforma
Moodle; televisão e rádio. Na verdade alguns destes recursos tecnológicos foram adotados quer
pela universidade (plataforma moodle), como pelo ministério da educação e Desenvolvimento
Humano (Telescola, rádio) para possibilitar que os alunos do ensino geral tenham acesso às
aprendizagens. Embora as medidas adoptadas pelo ministério da educação em particular,
tenham um caráter excludente considerando as possibilidades de acesso à rádio e televisão que
é baixa tendo em conta os dados actuais da população, apenas cerca de 2. 148. 045 e 1.336.
889 de moçambicanos têm acesso à rádio e televisão respectivamente, de um universo de cerca
de 27.122. 222 moçambicanos, de acordo com Instituto Nacional de Estatística (INE, 2019, p.
197). Ainda de acordo com a mesma fonte, na província e cidade de Maputo somente cerca de
328. 183 e 467. 601 indivíduos têm acesso a rádio e televisão respectivamente e, essas
províncias foram anfitriãs do estágio pedagógico dos estudantes da UPM. Contudo, assumindo
que nossos inquiridos referiram terem usado esses meios tecnológicos adoptados pelo
Ministério da Educação, puderam ter acesso às aulas transmitidas e por conseguinte puderam
desenvolver suas tarefas, particularmente a de observação e avaliação do processo.
Quanto ao uso dos recursos tecnológicos como smartfone e computador, o gráfico a seguir
apresenta resultados de quem os usou e quem absteve-se a responder:

Gráfico no 3: Estagiários que usaram recursos tecnológicos no estágio pedagógico

Uso de Recursos tecnológicos

13

11

Sim Usou sem resposta

Fonte: Sistematizado pelos pesquisadores (2020)


213

Conforme ilustra o gráfico, apenas onze inquiridos que corresponde a cerca de 45.8%
afirmaram ter usado recursos tecnológicos. Porém, uma percentagem significativa (54.1%) dos
inquiridos declinou a responder à questão sobre uso de recursos tecnológicos. Esse cenário,
pode sinalizar que essa franja dos inquiridos poderá estar a residir em bairros sem a rede
elétrica, e por conseguinte desprivilegiados do usufruto dos recursos tecnológicos pela ausência
da electricidade nos seus bairros ou encaram dificuldades de acesso à internet. Baseado nessa
percentagem (54.1%) dos que abstiveram-se a responder acerca do uso dos recursos
tecnológicos, podemos deduzir que as actividades do estágio não foram desenvolvidas por
todos estudantes.
No que concerne à supervisão do estágio, constatou-se o seguinte cenário de acordo com o
gráfico a seguir:

Gráfico no 4: Modalidade de supervisão do estagiário

Fonte: Sistematizado pelos pesquisadores (2020)

Na questão ilustrada pelo gráfico acima nossa pretensão foi de aferir as modalidades adotadas
pelos supervisores de estágio no acompanhamento do estudante durante. Os dados revelam que
dos vinte e quatro sujeitos da pesquisa, treze tiveram supervisão à distância, três tiveram
supervisão presencial e cinco não responderam. Nesta acepção, encontramos uma
desarticulação entre a modalidades de realização do estágio e as modalidades de
acompanhamento pois, era suposto que os dados numéricos no que concerne à modalidade de
realização e supervisão do estágio por tratar-se de actividades síncronas e realizadas no período
em que foi decretado o estado de emergência nacional. Portanto, essa discrepância permite-nos
214

afirmar que a realização do estágio assim como o acompanhamento não foram eficazes para
além de que denunciam ter havido muitas dificuldades de na sua execução pelo fato da maioria
(54.1%) dos estagiários não ter usado os suportes tecnológicos para interação com seus
supervisores. Segundo Silva (2015, p. 192) a falta de acompanhamento integral dos formandos
pelos seus docentes ocasiona, a aproximação do estágio com o trabalho produtivo e suscita
ainda o problema da exploração do estagiário. Por conseguinte, essa falta de supervisão do
estagiário conduz à subversão dos princípios da actividade de estágio assim como da realização
dos objectivos previstos pois, se o estagiário for sujeito à condição de exploração do trabalho
produtivo isso significa que, ele irá necessariamente focar apenas na leccionação, deixando de
lado as demais actividades previstas.

Quanto ao alcance dos objectivos do estágio, o gráfico número cinco abaixo, mostra a situação
do alcance dos objectivos do estágio pelos estagiários.
Gráfico no 5: Alcance dos objectivos do Estágio Pedagógico pelos estagiários

Alcance dos objectivos do estágio

19

2 2

Alcançou Não alcançou Sem resposta

Fonte: Sistematizado pelos pesquisadores (2020)

Conforme ilustram os dados, dezanove estagiários afirmaram ter alcançado com sucesso os
objectivos do estágio pedagógico. Porém, as actividades realizadas, os condicionalismos
impostos em decorrência da Pandemia da COVID-19 e o tempo da sua duração não
possibilitariam com que os objectivos fossem alcançados. A maior probabilidade é dos
objectivos não terem sido alcançados conforme sinalizaram os dois estagiários que assinalaram
que não-os alcançaram. Analisando as alegações dos que afirmam ter alcançado com sucesso
os objectivos do estágio apresentam as seguintes premissas:
215

“Todas orientações e actividades decorreram normalmente, sem nenhum


problema”
“Para além da experiência que tenho como professor do ensino básico,
aprimorei os meus conhecimentos e consolidei o que vinha aprendendo na
cademia”
“Através deste estágio já estou a desenvolver um projecto para o
desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem pois sinto-me
preparada para a leccionação das aulas com vista a garantir ensino de
qualidade”
“Apesar de ter efectuado o estágio num período de Pandemia, os
supervisores estavam sempre disponíveis para interação com os estudantes
com recursos a vários meios, o tutor no local do estágio também
desempenhou um papel relevante, uma vez que estando sempre com ele
dava sempre que necessário os esclarecimentos necessários e sanava as
dúvidas que foram surgindo ao longo do estágio” (excerto das opiniões do
inquérito aos estagiários).

As alegações acima contrastam com o tipo de actividades realizadas no estágio. A actividade


fundamental do estágio é a leccionação e, como consta dos resultados apenas 16.6%, alegaram
ter leccionado. No entanto, embora aleguem ter leccionado, é do conhecimento que as aulas
nas escolas primárias públicas moçambicanas foram suspensas a 23 de março sendo que os
estudantes da Universidade Pedagógica do Maputo (UPM), iniciaram aulas segundo o
calendário acadêmico universitário a 17 de fevereiro e 24 de fevereiro para os regimes
presencial e regime EaD respectivamente. Considerando essas datas em relação ao período de
suspensão das aulas no país, os estudantes do regime presencial tiveram tecnicamente cinco
semanas e os do regime EaD quatro semanas no local de estágio. Esse tempo de permanência
possibilita entre outras actividades, a integração na escola e a observação das aulas do professor
da turma onde irão praticar a docência pelo que esse tempo não possibilitou a leccionação a
leccionação de aulas – a actividade principal do estágio. O estágio pedagógico nos cursos de
graduação na UPM têm geralmente a duração de um semestre e ainda assim considera-se tempo
reduzido para o desenvolvimento de conhecimentos básicos da docência. Donanciano (2006),
estudando o Desenvolvimento da Competência Docente dos formandos durante o Estágio, no
Modelo de formação docente“10ª+1+1”, destaca que “o estágio de um ano, proporciona
melhores resultados em termos do desenvolvimento da competência em tempo de formação,
pois o futuro professor participa das actividades que acontecem na escola” (p. 85-86). Nesse
diapasão, entende-se quanto mais tempo de práticas de ensino que o estudante estagiário tiver,
melhor é a sua integração nas questões da profissionalidade. Portanto, o tempo desprendido
216

pelos inquiridos e as actividades desenvolvidas ofereceram poucas possibilidades para o


desenvolvimento de conhecimentos e saberes esperados nesse processo.

Conclusões

Compreendendo a dimensão do estágio pedagógico na componente de preparação docente para


o ensino primário em Moçambique e analisadas as peripécias da sua realização no âmbito do
estado de emergência nacional em decorrência da Pandemia do COVID-19, podemos afirmar
que:
 A preparação do processo de estágio pedagógico não obstante de ter pautado pela
inobservância das normas, que referem que o supervisor do estágio, deve em colaboração
com a escola do estágio, organizar e preparar o processo do estágio, não possibilitou a
integração dos estudantes a tempo, fato que é justificado pela divergência das actividades
realizadas pelos estagiários.
 A deficiência da supervisão do estágio propiciou a discrepância e desarticulação das
actividades realizadas pelos estagiários, dificultando a construção dos conhecimentos
projetados.
 Devido à suspensão das aulas presenciais a 23 de março de 2020, os estudantes estagiários
(alguns), somente puderam realizar algumas observações de aulas leccionadas pelo
professor responsável pela turma (tutor), impossibilitando desse modo a integração dos
estudantes nas demais actividades escolares;
 A leccionação de aulas realizadas pelos cinco estagiários, enquadram-se na componente de
exploração dos estudantes pois nesse período nenhuma actividade de leccionação era
prevista e isso decorreu do fato dos estudantes não terem tido uma supervisão presencial;
 A alternativa pedagógica (TV e Rádio escola) não possibilitou aos estagiários para
desenvolverem conhecimentos e saberes da docência, devido ao seu caráter tecnológico,
sendo que vários estudantes (54.1%) não tiveram acesso aos recursos tecnológicos devido
à do computador, smartphone, inacesso da rede eléctrica e da internet;
 As actividades de estágio deviam ser prolongadas para garantir que os estudantes tenham
oportunidade de exercitar a prática docente, contudo observando particularidades, em
consideração ao fato dos estagiários serem docentes em exercício, o que abre espaço para
nas próximas ocasiões reformular-se o processo do estágio pelo fato do curso de ensino
básico ser maioritariamente frequentado por professores em exercício.
217

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ARROYO, Miguel G. o ofício de mestre: Imagens e autoimagens, 15ª.ed. Petrópolis,RJ: Vozes,
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Universidade Pedagógica. Editora escolar, 2010.
DINIZ-PERREIRA, Júlio Emílio e KENNETH, M. Zeichner. Justiça Social: Desfio para
formação de professores. Belo Horizonte. Autêntica, 2008.
DONANCIANO, Bendita. A formação de professores primários em moçambique:
Desenvolvimento da Competência Docente dos Formandos durante o Estágio, no Modelo
10ª+1+1, Mestrado em Educação/Currículo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em
Convénio com a Universidade Pedagógica de Maputo, 2006 (Dissertação de Mestrado).
GATTI, Bernardet A. formação de professores: compreender e revolucionar (2015) in GATTI,
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HAMMERNESS, Karen. DARLING-HAMMOND, Linda. BRANSFORD, John. Como os
professores aprendem e se desenvolvem. (2019) in DARLING – HAMMOND, Linda e
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aprender e estar aptos a fazer. Porto Alegre: Penso, 2019.
IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a
incerteza, 9ª. Ed. São Paulo, Cortez, 2011.
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LÜDIKE, Menga. Estágio Supervisionado: substantivo fictício (2015) in GATTI, et al. Por uma
revolução no campo da formação de professores. 1.ed. São Paulo: Editora Unesp, 2015.
MIALARET, Gaston. A formação dos professores, Livraria Almedina, Coimbra, 1981.
218

MINED. Plano Estratégico da Educação 2012 - 2016: “Vamos aprender!” Construindo


competências para um Moçambique em constante desenvolvimento. Maputo: Ministério da
Educação, 2012.
NÓVOA, António. Professores Imagens do futuro presente.Lisboa: Educa, 2009
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DIRECÇÃO PARA A
COORDENAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR. Coletânea de Legislação do Ensino Superior,
Edição Revista , Maputo, Setembro de 2012.
SILVA, Vandeí Pinto da. Estágio supervisionado no contexto profissional contemporâneo:
tempo de formação e de produção de riqueza, (2015) in GATTI, et al. Por uma revolução no
campo da formação de professores. 1.ed. São Paulo: Editora Unesp, 2015.
TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação,
núm. 14, mai-ago, 2000, pp. 61-88, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
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TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude, (Org). O ofício do professor: Histórias, perspectivas e
desafios internacionais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
UP/DP. Plano Curricular do Curso de Licenciatura Em Ensino Básico. 3ª Reforma Curricular.
2009 - Pág. 206
219

Aprendizagem Significativa em Tempos de Pandemia do COVID-19

Fernando Alberto Mucauque39:


Silvano Maximiano Chaguala 40:
Anibal Soquiço Júnior 41:

Resumo
O presente artigo cujo tema é Aprendizagem Significativa em Tempos de Pandemia do
COVID-19, foi elaborado a partir de pesquisas bibliográficas, com o objectivo analisar como
é que ocorre a aprendizagem significativa em tempos de pandemia do COVID-19. Partindo do
pressuposto de que o mundo enfrenta desafios em vários domínios para se erguer dos efeitos
causados por esta pandemia e que Moçambique, faz parte da lista dos países afectados em
especial no campo educacional torna-se pertinente indagar esta temática. Com a suspensão das
aulas e o encerramento de instituições em todo o país para garantir o distanciamento social e
promover aulas remotas, mais de oito milhões de alunos foram afectadas. Os pressupostos da
teoria psicológica de aprendizagem significativa de David P. Ausubel (1918-2008) evidenciam
a pertinência do conhecimento prévio dos aluno e da ancoragem para acessar novos
conhecimentos. Para a sociedade sem condições tecnológicas para o ensino-aprendizagem, o
cenário torna-se complexo.

Palavras-Chave: Aprendizagem significativa, Pandemia do COVID-19.

Abstract
The present article, whose theme is COVID-19 Meaningful Learning in Pandemic Times, was
elaborated from bibliographic research, with the aim of analyzing how significant learning
occurs in times of the COVID-19 pandemic. Based on the assumption that the world faces
challenges in several areas in order to rise from the effects caused by this pandemic and that
Mozambique is part of the list of countries affected especially in the educational field, it is
pertinent to inquire about this topic. With the suspension of classes and the closure of
institutions across the country to ensure social distance and promote remote classes, more than
eight million students were affected. The assumptions of the psychological theory of significant
learning by David P. Ausubel (1918-2008) show the relevance of the students' prior knowledge

39
Licenciado em Psicologia Educacional, pela Universidade Pedagógica de Maputo (UPM), com Habilitação em
Intervenção em Desenvolvimento Humano e Aprendizagem, no ano 2019. Mail: mucauquefernando@gmail.com
40
Licenciado em Psicologia Educacional, pela Universidade Pedagógica de Maputo (UPM),com Habilitação em
Educação e Assistência Social, no ano 2018. Mail:chagualasilvano@gmail.com
41
Licenciado em Psicologia Educacional, pela Universidade Pedagógica de Maputo (UPM), com Habilitação em
Intervenção em Desenvolvimento Humano e Aprendizagem, no ano 2020. Mail: anibalsoquicojunior@gmail.com
220

and the anchoring to access new knowledge. For society without technological conditions for
teaching and learning, the scenario becomes complex.
Keywords: Meaningful learning, COVID-19 pandemic.

1. Introdução

Segundo o MISAU42 os coronavírus (CoV) pertencem a uma grande família de vírus


que causam doenças que variam entre as gripes comuns e as doenças mais graves, como a
Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV), identificada em 2012 e a Síndrome
Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV), identificada em 2002. No dia 31 de Dezembro de
2019, a República Popular da China reportou à OMS43 a existência de casos de pneumonia de
etiologia desconhecida detectados na Cidade de Wuhan, Província de Hubei, e a 7 de Janeiro
de 2020 foi identificado um novo coronavírus (COVID-19) como causador da doença

Entretanto, a OMS declarou COVID-19 como uma emergência de saúde pública de


carácter internacional no dia 30 de Janeiro de 2020, e como pandemia no dia 11 de Março do
corrente ano. Vários grupos técnicos de referência da OMS divulgaram normas e
procedimentos que orientam os países perante a situação de pandemia nas diversas áreas de
intervenção para a prevenção e redução da morbi mortalidade pelo COVID-2019. Moçambique
não ficou alheio à esta situação, tendo feito o anúncio do Estado de Emergência, pelo presidente
da república que culminou com o encerramento temporário dos estabelecimentos de ensino,
facto que abalou significativamente o SNE44 e comprometendo o decurso normal do PEA45.

Dentro deste cenário, que acontece numa conjuntura de Estado de Emergência, foram
anunciadas diversas medidas para prevenir a propagação da pandemia, desde a restrição de
circulação e aglomerações de mais de 10 pessoas devendo manter o distanciamento de pelo
menos 1,5 metros entre as pessoas; proibição de eventos; enceramento de todas as escolas e
instituições de ensino; quarentena obrigatória monitorada pelos agentes de saúde em pelo
menos 15 (quinze) dias, aos indivíduos recém chegados do exterior do país ou de locais
considerados como focos de transmissão; desinfecção das mãos através de álcool em gel;

42
MISAU- Ministério da Saúde - Plano de Preparação e Resposta ao Surto do COVID-19, 2020
43
OMS- Organização Mundial da Saúde
44
SNE- Sistema Nacional de Ensino
45
PEA- Processo de Ensino-Aprendizagem
221

lavagem frequente das mãos usando agua e sabão ou outros detergentes de higiene corporal
bem como o uso da mascara de protecção em locais de aglomeração populacional.

Segundo MEPT46, o encerramento das escolas e instituições de ensino afectou 8,5


milhões de alunas e alunos, dos quais: 101.000 no ensino pré-primário, 6,9 milhões no ensino
básico, 1,25 milhões no ensino secundário, mais de 85.000 alunos do Ensino Técnico e
Profissional, e 213.930 estudantes universitários e de ensino superior, assim como 370.000
alunos de alfabetização e educação de adultos

Entretanto, através deste artigo, pretende-se reflectir acerca dos actuais padrões de
ensino adoptados pelas escolas, face a pandemia do COVID-19. Permitiu-nos analisar também
as condições tecnológicas que as escolas dispõem para o decurso das aulas a distância e as
disposições necessárias para que haja uma aprendizagem significativa.

1.1 Como Ocorre a Aprendizagem Significativa em Tempos de Pandemia do COVID-19


no Contexto Moçambicano?

Segundo David Paul Ausubel (1918-2008), a aprendizagem significativa, é o processo


pelo qual o professor deve considerar os conhecimentos prévios que os alunos trazem consigo
assim como a forma de organização do conteúdo, construir sequências didácticas que sejam
mais significativas aos alunos e que abram possibilidades de adequar o ensino a suas
necessidades de aprendizagem. Neste caso, o professor quando inicia o conteúdo relacionando
com algo da realidade do aluno, isso terá para o mesmo uma importância maior e isso se
classifica como teoria significativa, (Moraes, 2007).

No entanto, a aprendizagem significativa é sustentada pela aprendizagem activa que


consiste no engajamento do aluno de maneira activa na aquisição de conhecimentos focando
seus objectivos e indo atrás do conhecimento de maneira proativa. Nos tempos que correm,
com o fácil acesso a informação fica muito mais fácil aplicar estratégias de aprendizagem
activa.

46
MEPT- Movimento de Educação Para Todos.
222

Diante da situação da pandemia do COVID-19, para manter o decurso das aulas, são
usadas plataformas como a televisão, a rádio, a internet e fichas de exercícios de apoio e devem
ser monitorizadas pelos pais e ou encarregados de educação, que segundo as autoridades de
educação são um sucesso, mas não se sabe o certo se os alunos estão a acompanhar ou não as
aulas.
Dados do UNICEF47 revelam que a maioria das crianças em Moçambique não tem
acesso aos canais de informação básicos, o que torna a transição para o ensino à distância
extremamente difícil: 74 por cento das crianças vivem sem electricidade e apenas 2 por cento
têm acesso à Internet, 35 porcento à rádio e 22 por cento à televisão. No entanto, o acesso à
informação é ainda mais limitado para as crianças das zonas rurais.

Todavia, pesquisas publicadas pelo Jornal Txopela48 revelam que nos últimos anos os
pais/encarregados de educação têm muita dificuldade em fazer acompanhamento dos
educandos. Entretanto, o acesso ao ensino é direito público subjectivo e o não oferecimento
pelo poder público, ou sua oferta insuficiente e irregular, poderá acarretar responsabilidade da
autoridade competente.

Desta feita, quanto mais tempo as escolas estiverem fechadas, maior será a perda de
tempo de aprendizagem e maiores serão as hipóteses das crianças, não regressarem à sala de
aula quando as escolas reabrirem e com suspensão escolar prolongada terá também efeitos
sobre aqueles que regressam à escola, e poderá resultar na repetição do ano escolar e na
deterioração do aproveitamento escolar. O impacto negativo nas oportunidades e nos resultados
da aprendizagem terá repercussões ao longo da vida futura das crianças, afectando a sua
capacidade de gerar rendimentos bem como a sua participação na sociedade, (Unicef, 2020)

Diante desta situação, importa referir que a aprendizagem significativa ocorre por
meio de processos: explorando, fracassando, tentando, corrigindo, obtendo dados, elaborando
conjecturas, testando-as, construindo explicações, que são resultados de inferências,
comparando, fazendo analogias e reflectindo. Uma nova experiência é comparada com outras
hipóteses são criadas verificadas, confrontadas, explicadas, outras expectativas são criadas e
assim por diante.

47
UNICEF- Fundo das nações Unidas para a Infância.
48
https://www.jornaltxopela.com/2020/05/educacao-em-mocambique-nos-tempos-de-covid-19-uma-
reflexao-centrada-nas-escolas-rurais/
223

De acordo com (Pelizzari; Kriegl, Baron; Finck, & Dorocinski, 2002), para haver
aprendizagem significativa são necessárias duas condições. Em primeiro lugar, o aluno precisa
ter uma disposição para aprender: se o indivíduo quiser memorizar o conteúdo arbitrária e
literalmente, então a aprendizagem será mecânica.

Em segundo, o conteúdo escolar a ser aprendido tem de ser potencialmente


significativo, ou seja, ele tem que ser lógica e psicologicamente significativo: o significado
lógico depende somente da natureza do conteúdo, e o significado psicológico é uma
experiência que cada indivíduo tem. Cada aprendiz faz uma filtragem dos conteúdos que têm
significado ou não para si próprio.

Portanto, com esse duplo marco de referência, as proposições de Ausubel partem da


consideração de que os indivíduos apresentam uma organização cognitiva interna baseada em
conhecimentos de carácter conceitual, sendo que a sua complexidade depende muito mais das
relações que esses conceitos estabelecem em si.

Quando se dá a aprendizagem significativa, o aprendiz transforma o significado lógico


do material pedagógico em significado psicológico, à medida que esse conteúdo se insere de
modo peculiar na sua estrutura cognitiva, e cada pessoa têm um modo específico de fazer essa
inserção, o que torna essa atitude um processo idiossincrático, (Pelizzari et al 2002).

Portanto, a aprendizagem significativa requer um esforço do aprendiz em conectar de


maneira não arbitrária e não literal o novo conhecimento com a estrutura cognitiva existente.
É necessária uma atitude proactiva, pois numa conexão uma determinada informação liga-se a
um conhecimento de teor correspondente na estrutura cognitiva do aprendiz; e em uma conexão
não literal a aprendizagem da informação não depende das palavras específicas que foram
usadas na recepção da informação.

Deste modo, podemos ter uma aprendizagem significativa quando decorrer num local
minimamente equipado (onde se usam recursos tradicionais tais como: carteiras; giz; quadro;
material do aluno: livros/cadernos e canetas/lápis), espaços inclusivos a aprendizagem que
devem, ajustar-se às necessidades de cada criança, em vez de cada criança se adaptar aos
224

supostos princípios quanto ao ritmo e à natureza do processo educativo; condições de trabalho


do professorado, remoção de barreiras atitudinais aos alunos com NEE 49.

Em relação aos processos de ensinar e aprender, essas dificuldades são ainda mais
evidentes, uma vez que a acção pedagógica se dá baseada numa visão fragmentada do
conhecimento e sem relação com a experiência do aprendiz, desprovida, assim, de significado,
por parte dos envolvidos no acto educacional.

Assim, outro factor está relacionado com aprendizagem significativa, tem a ver com
estruturas arquitectónicas adequadas que facilitam a criação de um campo psicológico à
indivíduos que as recebem, bem como a construção de espaços recreativos na escola para o
desenvolvido psicomotor e acima de tudo, a criação de condições de interacção professor-
aluno, onde se poderá transformar significados lógicos de determinado assunto/conteúdo
potencialmente significativo, em significados psicológicos e em conhecimento construído e
estruturado.

Entretanto, a pandemia do COVID-19, veio demonstrar o despreparo das condições


nas instituições de ensino primário, principalmente no que diz respeito à higiene escolar, pois
tem se verificado condições precárias de saneamento na maioria das escolas públicas, causadas
pela ausência e/ou interrupção no abastecimento de água para a higienização das mesmas, bem
como para a lavagem das mãos como forma de desinfecção, que de certa forma pode
comprometer os esforços de resposta à COVID-19, bem como a aparecimento de doenças de
origem higiénica.

Entretanto, de acordo com o posicionamento do MEPT, a realidade mostra que a


maioria das infra-estruturas escolares, no país apresenta condições muito precárias de higiene,
saneamento e abastecimento de água e ainda não reúnem os requisitos de protecção e controlo
da propagação do COVID-19. Face à esta situação, percebe-se que a aprendizagem
significativa é uma utopia, pois nota-se a fraqueza das condições físicas das mesmas e a
reabertura das escolas deverá considerar as preocupações dos pais, alunos e também
professores, cujas famílias ficarão também em certa medida expostas a maior risco de infecção;
assim como aumentar o índice de vulnerabilidade à alunas e alunos em situação de maior risco

49
NEE- Necessidades Educativas Especiais
225

de vulnerabilidade (alunos com deficiência, com doenças crónicas, doenças respiratórias, entre
outras).
Diante da situação, o MINEDH50 elaborou um plano de acção para dar resposta ao
COVID-19 e para dar continuidade ao ano lectivo 2020, através de modalidades de ensino à
distância e preparação de cenários e condições para o retorno às aulas.

De acordo com o Jornal Txopela “[…] os professores, em grupos pequenos, tem ido à
escola elaborar textos de apoio, assim como fichas de exercícios e os pais e encarregados de
educação são contactados para irem buscar e depois fazerem com os seus filhos.”

Diante desta situação, torna difícil a aquisição de aprendizagem significativa bem como
para o professor fazer o controlo e acompanhamento dos alunos na compreensão das matérias
atribuídas, pois nem todos pais/encarregados de educação tem a capacidade reflexiva dos
conteúdos das “fichas”, bem como a situação financeira para a aquisição/reprodução do
material preparado para os alunos, pois em algumas situações tem sido feita a comercialização
do mesmo, facto que concorre significativamente para exclusão ao invés da inclusão escolar.

Relativamente à inclusão, dados publicados pelo (Unicef, 2013) sobre a Situação da


Criança, revelam que o objectivo de uma abordagem inclusiva é garantir que as crianças
realmente usufruam dos seus direitos em condições de igualdade com as demais. Ou seja, não
basta apenas a existência de disposições legais, mas acima de tudo, a providência de serviços
seja efectiva, sendo que a não observação dos pressupostos acima citados leva-nos a uma
situação de exclusão.
Neste sentido (Nhapuala & Almeida, 2016), relatam que
em Moçambique, com a implementação da educação
inclusiva despoletada em larga medida pelos apelos
decorrentes da Conferência Mundial sobre NEE na qual
se produziu a Declaração de Salamanca, através da qual o
país adopta formalmente desde 1998 a educação inclusiva
visando, entre outros aspectos, assegurar que todas as
crianças e jovens, incluindo aquelas com NEE sejam
Escolarizadas no ensino regular.

50
Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano.
226

A este propósito cabe lembrar que a Declaração de Salamanca insta aos diferentes
países e respectivos governos a considerar o facto de que:

As escolas devem receber todas as crianças


independentemente das suas condições físicas, intelectuais,
sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Isto inclui crianças
com deficiências, e sobredotadas, crianças de rua e crianças
trabalhadoras, crianças de populações remotas ou nómadas,
crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e
crianças de outras áreas ou grupos desfavorecidos ou
marginalizados, (Unesco, 1994, p. 6).

Em Moçambique, a apropriação do discurso favorável à inclusão foi fortemente


influenciada por movimentos e declarações internacionais, como a Declaração Universal dos
Direitos Humanos em Salamanca, tomando maior impulso a partir dos anos 90 em favor da
implantação das reformas neoliberais. É neste sentido de agenda da Educação 2030, em que
Moçambique está empenhado em assegurar uma “educação inclusiva e equitativa e
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” e pode ser encorajado a tomar
medidas activas para reforçar o seu quadro legal nacional (Muthambe, 2020).

Então, a Educação Inclusiva, diferentemente da educação tradicional, na qual todos


os alunos é que precisavam se adaptar a ela, chega estabelecendo um novo modelo onde a
escola é que precisa se adaptar às necessidades e especificidades do aluno, independentemente
das suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, e linguísticas buscando além de
sua permanência na escola, o seu máximo desenvolvimento. Ou seja, na educação inclusiva,
uma escola deve se preparar para enfrentar o desafio de oferecer uma educação com qualidade
para todos os seus alunos.

Considerando que a escola sendo, o primeiro espaço da manifestação da diversidade,


decorre a necessidade de repensar e defender a escolarização como princípio inclusivo,
reconhecendo a possibilidade e o direito de todos que não são por ela alcançados.

1.2.Considerações Finais

Chegados a este ponto, temos a considerar que os impactos do COVID-19 fazem-se


sentir muito mais no sector da educação, Moçambique demonstra-se frágil ao retorno das aulas
devido a várias questões e muito em particular no que diz respeito à higiene escolar. Portanto,
227

torna-se evidente que deve ser implementadas medidas extremas para evitar a propagação da
infecção pela pandemia.

No entanto, as crianças com deficiência bem como as crianças que vivem em meios
sócio-económicos desfavorecidos demonstram-se altamente vulneráveis à transmissão directa
do COVID-19 devido às suas limitações e que sejam asseguradas as necessárias condições para
aquisição do material de apoio aos estudos de todos alunos, como forma de promover a inclusão
escolar e aprendizagem significativa.

Entretanto, antes da reabertura devem ser analisadas as condições reais de


funcionamento de todas as escolas, tendo em conta a necessidade de conter a propagação da
pandemia e que sejam preparadas e asseguradas as necessárias condições de prevenção nas
escolas e instituições de ensino, com base num regulamento e protocolo de medidas de
segurança que deverão ser elaboradas, amplamente divulgadas, e monitoradas em todos os
espaços de ensino, de forma a garantir que as aulas apenas decorram nos espaços que cumprem
os requisitos necessários tais como abastecimento de água e higiene e saneamento apropriado.

Relativamente à aprendizagem, ela torna-se muito mais significativa à medida que o


novo conteúdo é incorporado às estruturas de conhecimento do aluno e adquire significado para
ele a partir da relação com seu conhecimento prévio. Ao contrário, ela se torna mecânica ou
repetitiva na estrutura cognitiva do aluno. E para tal é necessários que sejam criadas condições
básicas para o seu decurso: a pré-disposição do aluno; e o conteúdo a ser transmitido tenha
algum significado para o aluno aprender.

1.3.Referências Bibliográficas

MEPT (2020). Solicitação da Sociedade Civil para Adiamento da Reabertura Escolar


proposta para 6 de Julho de 2020.

MISAU (2020). Plano de Preparação e Resposta ao Surto do COVID-19.

Moraes R. M. (2007). A Teoria da Aprendizagem Significativa, TAS.


228

Muthambe, Adilson Valdano (2020). Antecedentes da Estratégia de Educação Inclusiva e


Desenvolvimento da Criança com Deficiência em Moçambique. Revista Udziwi.

Nhapuala, Gildo A. & Almeida, Leandro S (2016). Formação de Professores e Inclusão em


Moçambique. Journal of Research in Special Educational Needs, Volume 16.
Pelizzari, Adriana; Kriegl, Maria De Lurdes; Baron, Márcia Pirih 3; Finck, Nelcy Teresinha
Lubi& Dorocinski, Solange Inês (2002). Teoria da Aprendizagem Significativa
Segundo Ausubel. In Revista. PEC, Curitiba, v.2.
UNESCO- Moçambique (1994). Declaração de Salamanca: Sobre Princípios, Políticas e
Práticas na Área das Necessidades Educativas. Recuperado do portal.
www.mec.gov.mz/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf.
UNICEF (2013), Situação Mundial da Infância: Criança com Deficiência, Nova Iorque.

UNICEF (2020). Os impactos do COVID-19 nas crianças em Moçambique. Nota Política,


229

Perseguir a utopia, mesmo com a pandemia!

Eduardo HUMBANE 51

Resumo
O ano de 2020 está a ser marcado pela crise sanitária global, provocada pelo coronavírus. A
crise perturbou o funcionamento dos países, incluindo na área de educação. No caso de
Moçambique as aulas presenciais foram suspensas e, em substituição, se emigrou para o ensino
online. No texto, apresentamos uma reflexão, a partir da nossa experiencia pessoal enquanto
professor universitário, sobre as vicissitudes porque o processo das aulas online passa, o que
nos leva a ideia de que podemos ter passado de uma universidade em crise, dada a desigualdade
social que caracteriza os seus estudantes, à uma universidade injusta, uma vez que o ensino
online veio agravar a situação daqueles que já se encontravam em desvantagem.

Palavras-chaves: ensino online, desigualdades sociais, escola justa

Abstract

The year 2020 is being marked by the global health crisis, caused by the corona virus. The
crisis has disrupted the functioning of countries, including in the area of education. In the case
of Mozambique, face-to-face classes were suspended and, instead, emigrated to online
education. In the text, we present a reflection, based on our personal experience as a professor,
about the vicissitudes because the process of online classes passes, which leads us to the idea
that we may have passed from a university in crisis, given the inequality social that
characterizes its students, an unjust university, since online education has aggravated the
situation that were already at a disadvantage.

Keywords: online education, social inequalities, just school

51
Professor de sociologia de educação, na UP-Maputo. Doutor em sociologia de Educação, graduado em ciências
de Educacao. Mail: Humb.academia@gmail.com
230

Introdução

O ano de 2020 está a ser atípico. É um ano em que a pandemia do Covid-19 acabou por
determinar novos processos, em praticamente em todas as áreas de actividade, incluindo a
educação. Nas linhas que se seguem pretendo reflectir, de forma livre, sem a pretensão de
escrever um artigo científico digno desse nome, a partir da minha experiência como professor,
na UPM, sobre como tem sido este ano lectivo, marcado pela emigração ao ensino online.
Aviso, nesta cogitação irei fazer transparecer o que mais me tocou no plano pessoal, ao nível
mesmo de emoções.

Na reflexão irei sugerir que, por um lado, a Covid-19 parecer ter posto em evidência a
existência, antes do seu surgimento, de desigualdades no seio dos estudantes bem como de
fragilidades estruturais na universidade e, por outro, a pandemia exacerbou essas
desigualdades, o que nos pode a levar a ideia de que com a ela evoluímos de uma universidade
em crise para uma universidade injusta.

1. Contextualização

O ano de 2020 foi (e está) a ser duramente marcado pelo Covid-19, vírus associado a uma
doença respiratória, que pode desenvolver quadros graves, originando a morte. E trata-se de
uma pandemia que praticamente grassa sobre o mundo global, tendo já ultrapassado a barreira
de 22 milhões de infetados e de mais 680 mil mortes52. Moçambique, parte do mundo,
evidentemente que não é alheio a este quadro, no país já foram já infetadas quase 3 mil pessoas
tendo havido 19 óbitos53

A pandemia, contra a qual ainda não há vacina e nem tratamentos específicos, tem um efeito
desestabilizador tremendo. Por isso, a ela está associada uma profunda perturbação em
praticamente todas as dimensões da vida social, desde o político ao económico, passando pelos
sectores sociais. A pandemia do Covid-19, por conseguinte, constitui um verdadeiro desafio
para os governos e para as sociedades, qualquer que seja o seu nível de desenvolvimento. Assim

52
Fonte: Universidade Johns Hopkins, citado pela https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51718755
(acesso 19/08/2020)

53
Fonte: https://covid19.ins.gov.mz/ (acesso 19.08.20)
231

é porque os países, por um lado, tiveram que pôr em prática todo um conjunto de medidas
preventivas para travar o alastramento da doença e, por outro lado, para promover o
funcionamento dos diversos sectores, mesmo considerando as enormes perturbações advindas
com a pandemia.

No caso de Moçambique, no esforço do país para fazer faze aos desafios originados pela
pandemia, foi aprovado no mês de marco de 2020 o Decreto Presidencial n.º 11/2020, que
determina o estado de emergência. O decreto, no seu artigo 03, sobre limitação de direitos,
liberdades e garantias, postula:

c) suspensão das aulas em todas as escolas públicas e


privadas, desde o ensino pré-escolar até ao ensino
universitário; d) proibição de realização de eventos públicos
e privados, como cultos religiosos, actividades culturais,
recreativas, desportivas, políticas, associativas, turísticas e de
qualquer outra índole, exceptuando questões inadiáveis do
Estado ou sociais…

Este quadro legal, sem nenhuma espécie de aviso prévio, encontrou desprevenidos todos os
actores que intervém no ensino, desde gestores, professores, estudantes e suas respetivas
famílias. Gerou-se uma situação de dúvida e incertezas sobre como prosseguir, sobre como ir
para frente.

Particularmente no tange ao ensino superior, lugar a partir do qual relatamos a nossa


experiencia, como forma de fazer face a conjuntura caracterizada pela pandemia e a suspensão
de aulas presencias, o governo, imediatamente a seguir à aprovação do decreto presidencial,
através e do Ministério do Ciências e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional
(MCTESTP)54 de forma bastante enfática, passa a fazer a apologia ao uso de recursos digitais,
como um paliativo à suspensão das aulas presenciais. Veja-se o ofício número
169MCTESTP/GM2020:

54
O Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano usou a mesma abordagem para o ensino geral,
sobretudo para o nível secundário.
232

No âmbito dos efeitos da pandemia do corona vírus, sua Ex cia


Presidente República de Moçambique orientou no dia 20 de
Marco de 2020 sobre o reforço das medidas de prevenção
(…). Dentre varias medidas anunciadas, determinou-se o
encerramento das escolas do nível primário ate ao superior,
públicas e privadas e bem como a suspensão de todos os
eventos de carácter social de mais de 50 pessoas (…) neste
contexto, o Ministério do Ciências e Tecnologia, Ensino
Superior e Técnico Profissional exorta a todas as instituições
a do ensino superior e técnico profissional, publicas,
semipúblicos e privadas para observância estrita das
orientações anunciadas, do seguinte modo:
1. (…)
2. Elaborar um plano de recuperação de aulas e monitorar a sua
execução
3. Conceber um plano de actividade para ocupação de estudantes
e formandos durante os 30 dias, com recurso a TICs (e-mail,
WhatsApp, Skype, Google classroom e outras plataformas
digitais)

Assim, nas instituições de ensino superior (IEs) assiste-se a apropriação e reprodução deste
discurso e, consequentemente, surge toda uma dinâmica com vista a que efetivamente o
processo de ensino e aprendizagem (PEA) passe a efectivar-se a partir do recurso as TICs,
muma base online /ou à distancia.

2. Aulas nas plataformas: os nós de estrangulamentos

Entretanto esta opção não é feita sem controvérsia e inquietações na sociedade em geral e em
círculos mais restritos. Por exemplo da UNESCO 55 vê grandes preocupações o recurso ao
ensino online. De acordo com a organização, a crise de saúde causada pela COVID-19 resultou
no fechamento de escolas e universidades, afectando mais de 90% dos estudantes do mundo
inteiro. Todavia, para a diretora-geral da UNESCO, Audrey AZOULAY, “o ensino à distância
online não pode ser a única solução, pois ela tende a exacerbar as desigualdades já existentes,
que são parcialmente niveladas nos ambientes escolares” 56. No mesmo diapasão encontra-se

55
Unesco é a sigla para Organização (ou agência) das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Ela tem
com o objetivo contribuir para a paz e segurança no mundo, através da educação, da ciência, da cultura e das
comunicações

56
Fonte: https://nacoesunidas.org/comissao-futuros-da-educacao-recomenda-planejamento-para-reduzir-
desigualdades-apos-covid-19/
233

Sahle-Work ZEWDE, presidente da Etiópia, que na qualidade de presidente da Comissão


Internacional sobre os Futuros da Educação (CIFE), da UNESCO, afirmou:

Devido ao fecho generalizado das escolas em todo o mundo, a


pandemia representa um risco significativo para o direito à
educação. Centenas de milhões de estudantes que exerciam
esse direito à educação, indo à escola, tiveram de encontrar
outras maneiras de aceder à educação formal. A mudança
para o ensino à distância veio agravar as desigualdades
existentes. Pouquíssimos estudantes, no mundo,
conseguem continuar a aprender porque não têm acesso
a um computador ou smartphone. Para os poucos
estudantes que possuem esses dispositivos, podem
também não ter formas de aceder aos recursos educativos
online — seja pelo custo, localização geográfica ou por
ambas as razões57 (grifo nosso)

Estas apreensões fazem eco no nosso contexto. De facto, o quadro com que as universidades
se viram submersas, as aulas online à distância, pensamos, veio pôr a descoberto, as
fragilidades já existentes. Primeiro ficou denotada a ausência de uma cultura do uso das TICs
nos processos pedagógicos. Estes, efectivamente, (antes da pandemia) continuavam
grandemente a decorrer a partir da interação física, em sala de aula 58. As actividades
independes, normalmente pesquisas que os estudantes fazem, são apresentadas em sala de aula.
De forma geral, portanto, não se assistia ao uso massivo e consequente das TICs pelos
professores, como um recurso para viabilizar o PEA.

Em suma, em termos de uso de recursos tecnológicos para potenciar o ensino, somos uma
universidade ainda bastante conservadora. Me parece, dois tipos de razoes explicam a
“resistência” de parte da classe docente em abraçar o ensino baseado nas TICs. Uns resistem
por razões de ordem “ideológica” e outros por razões de ordem prática. Os primeiros são
cépticos a um ensino, online ou não, à distância. Para eles, o PEA sem a riqueza da interação

57
Entrevista em https://www.publico.pt/2020/06/19/impar/entrevista/ensino-distancia-veio-exacerbar-
desigualdades-existentes-1921245. Acesso em 13 de Agosto de 2020.

58
Entretanto importa clarificar que no caso da UPM existem alguns (poucos) cursos que são oferecidos na
modalidade EaD e, evidentemente que os professores que actuam nesses cursos e os alunos neles inscritos
possuem cultura e habilidades de uso dos artefactos inerentes ao EaD.
234

humana em presença não funciona, mais ainda, desconfiam que a crescente opção pelo Ensino
a Distancia (EaD) se enquadra na lógica neoliberal de menor investimento em áreas sociais,
incluindo a educação. Em relação as razões práticas, há professores com dificuldade em
aprenderem de novo, sobretudo quando está em causa aprenderem novos saberes profissionais,
que passam por manuseio de artefactos tecnológicos, que não deixam de ter a sua
complexidade.

Segundo, e relacionado com o ponto anterior, ficou quanto a nós demonstrada a ausência de
uma estrutura tecnológica nas universidades, suficientemente robusta, para suportar o uso das
tecnologias já referidas, no PEA. As universidades de forma geral não dispõem de salas de
aulas virtuais funcionais. Não dispõem de internet de boa qualidade e aberta à todos, em todos
os cantos dos seus campi. Não estão disponíveis salas de informática/laboratórios suficientes
onde, necessitando, os estudantes possam ter acesso a um computador com internet, com
qualidade aceitável.

Mas há mais. Uma pandemia com as características da Covid 19 necessariamente gera quadros
psicológicos complicados. Assim é porque a mudança repentina e drástica de rotinas pessoais
e colectivas, o termos que lidar com um vírus que literalmente “paira no ar”, o sermos
fustigados diariamente com notícias de mortes e doentes, sintomáticos ou não, próximos ou
distantes, gera stress, angustia, medo, etc.

Entretanto juntou-se a este quadro mais geral outros elementos stressores, mais internos ao
sistema educacional. Veja-se que estudantes inscritos para estudarem no regime regular, diurno
ou nocturno, se viram impelidos a emigrarem para o ensino online59. O mesmo é válido para
docentes, cujos contratos são para actuarem em aulas presenciais mas, igualmente, tiveram que
emigrar o ensino online. E veja-se que parte deles sem know-how suficiente para o efeito 60.

59
Há no nosso país uma discussão jurídica muito intensa sobre se não configura ilegalidade a emigração não
negociada de uma modalidade para outra. A discussão fica ainda mais acesa quando se trata de alunos do regime
pós-laboral, que pagam mensalidades. Defendem certos círculos, eles pagaram um produto, mas se lhes está a
oferecer outro. Veja-se que particularmente no que tange ao Ensino Secundário, há muitos casos nos tribunais
sobre esta matérias.

60
Felizmente várias universidades muita rapidamente deram capacitações aos seus docentes para que estivessem
à altura do desafio de ministrar aulas a partir das plataformas digitais de ensino.
235

Entretanto o que realmente parece ter elevado o stress das comunidades académicas foi que
este processo ocorreu num quadro de emergência, ou seja, embora no plano teórico se possa
argumentar que era possível fazer um processo mais dialogado ou negociado, o quadro de
emergência derivada de uma crise sanitária não abria muitas possibilidades para o efeito. Era
preciso encontrar saídas. Ir para frente!

A universidade, já sugerimos, tem que ser vista como parte de um todo, da sociedade. Os
estudantes vêm da sociedade. Uma sociedade com níveis consideráveis de pobreza, portanto
caracterizada por forte desigualdade social, naturalmente vai gerar estudantes com dificuldades
económicas e sociais. A emigração que teve que ser feita para o online passou a exigir recursos
aos estudantes, como internet ou “megas” 61, smartphones, computador, etc. meios de que parte
consideram deles está desprovida dada a sua condição socioeconómica 62.

Mas não é só a posse dos meios que conta. A familiaridade e a consequente habilidade no
manuseio de recursos como smatphones, computador, Internet, salas virtuais, etc. são
fundamentais. Observamos, claramente, estudantes numa situação de desvantagem competitiva
por comparação a outros pares seus, mais à vontade com estes artefactos.

3. A utopia do ensino online

Dioniso TUMBO é professor da UPM e especialista em EaD. Solicitado a pronunciar-se sobre


o que se assiste nas nossas universidades no que tange à emigração do presencial para o online,
no contexto da pandemia, levanta preocupações de forma foi bastante incisiva:

61
Houve um certo esforço, bastante meritório do governo moçambicano em negociar com algumas operadoras
que oferecem estes serviços, mas, mesmo assim os custos continuam a ter grande impactos nos usuários.

62
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (www.ine.gov.mz), em Moçambique, em termos globais,
têm celular 30.8% dos homens e 22.4% das mulheres. Têm acesso a internet 8.1% dos homens e 5.3% das
mulheres. Têm computador 5.8% dos homens e 3.1% das mulheres. E apenas 22% das residências tem energia
elétrica.
236

Este novo cenário sociotécnico, já típico do fenómeno da


cibercultura, parece-nos ainda uma utopia para ser generalizado
em Moçambique, mesmo para o caso de Ensino Superior que
optou pela distribuição e mediatização de conteúdos no
ciberespaço, através de Ambientes Virtuais de Aprendizagem
(Plataformas Moodle, Google Classroom, Zoom, Skype e Google
meeting, WhatsAAp entre outros). Dizemos ser uma utopia
devido à prevalência de várias variáveis com forte
constrangimento, a exemplo da divisão digital primária
(associada à posse de dispositivos de informática e das
telecomunicações) e à divisão digital secundária (referente à
literacia digital necessária para operar com e no digital através
dos artefactos da cultura digital), bem como o custo dos
esquipamentos, a potência e índice de penetração da Internet .63

Tumbo refere ser utópica a ideia de uma emigração do modelo de aulas presencial para o online,
actualmente em Moçambique, devido ao que designou de variáveis com forte constrangimento,
como a (não) posse de dispositivos de informática e das telecomunicações, a (falta de) literacia
digital necessária para operar com os artefactos da cultura digital, aos custos dos
esquipamentos, a (fraca) potência e o (baixo) índice de penetração da Internet.

As inquietações vindas dos círculos sociais e académicos com esta emigração, parecem fazer
sentido no caso de Moçambique. Efectivamente os elementos discutidos acima, parecem
sugerir que realmente a pandemia não só desvelou as desigualdades sociais na educação, que
o ensino presencial de alguma forma nivela, como sobretudo pode ter contribuído para a
exacerbação dessas mesmas desigualdades.

Em boa verdade percebemos que, por um lado, as aulas online foram excludentes e por outro,
em termos de qualidade de ensino, ao que tudo indica, os resultados são modestos. Primeiro,
sobre a exclusão, percebemos que muitos estudantes oriundos da classe popular não possuem

63
Entrevista em: https://www.potiguarnoticias.com.br/noticias/46242/desafios-da-educacao-a-distancia-e-e-
learning-em-mocambique-um-sonho-possivel. Acesso em 09 de Agosto de 2020.
237

os recursos indispensáveis para acompanhar as aulas, como smartphones, computadores e


internet e com a imposição do distanciamento social deixaram de poder fazer recurso às suas
redes de relações socais para contornarem a dificuldade. Logo, parte considerável deles não
teve possibilidade de acompanhar com alguma estabilidade o processo pedagógico ocorrido,
nas diversas plataformas, por estar desprovida de meios. Não se puderam beneficiar em pé de
igualdade com aqueles que possuíam estes recursos.

Agravou este quadro o facto de que numa economia com as características da nossa, o sector
informal representa uma fonte fundamental na obtenção de renda. Entretanto, com a pandemia
(restrição de contacto social) este sector foi dos mais afectados, o que reduziu ainda mais a
parca renda dos estudantes suas famílias.

O whatsApp, curiosamente foi uma das plataformas mais usados nos processos pedagógicos 64.
E trata-se de uma plataforma privada não concebida para o ensino. Entretanto a combinação de
fatores como a falta de cultura de uso de plataformas digitais de ensino, a falta de salas virtuais
funcionais, a rapidez com que se teve que passar ao ensino online e num cenário de emergência,
etc. fez com que em termos práticos, dada a sua relativa massificação, o whatsApp
efectivamente emergisse como a plataforma salvadora, que realmente acabou garantido a
comunicação entre os estudantes e professores.

Entretanto, o whatsApp não passa de um aplicativo de mensagens instantâneas e chamadas de


voz para smartphones. Embora seja verdadeiro que ele permite formar grupos, partilhar textos,
fotos, vídeos, etc. também é sincero afirmar que ela não foi concebida para fins pedagógicos,
não tendo os recursos e as impressionantes valências que as plataformas digitais de ensino
possuem.

Assim, é legitimo questionar se as “aulas” realizadas nestas plataformas, no contexto de ensino


superior, tenham possibilidade de alcançar os objetivos pedagógicos pretendidos. Entretanto,

64
Levantamentos feitos na UPM mostram que a esmagadora maioria de turmas usou o WhatsApp, nalguns casos
combinado com o email, para garantir o PEA. Plataformas como moodle, Google classrom, zoom, etc. foram
usadas mas de forma bastante reduzida.
238

de forma geral, pelas universidades, ainda corre o primeiro semestre. Só posteriormente poderá
ser feita uma avaliação com carácter mais conclusiva a respeito da qualidade de aprendizagem.

No parágrafo anterior colocamos aspas no termo aulas. Tal não é por acaso. Neste processo
sempre houve uma certa ambiguidade sobre o que era suposto realmente ocorrer nas
plataformas. Veja-se que no oficio nr. 169MCTESTP/GM2020 as IEs são orientadas a
“Conceber um plano de actividade para ocupação de estudantes (…), com recurso a TICs (e-
mail, WhatsApp, Skype, Google classroom e outras plataformas digitais). A própria Ministra
de Educação numa intervenção no parlamento, causando algum espanto em vários círculos,
explicitou que “as aulas transmitidas pelos canais de rádio e televisão e outras plataformas
identificadas, servem apenas para ocupar os estudantes e consolidar os conhecimentos
adquiridos antes do encerramento das escoas”65

Num contexto ambíguo como este e considerando que os professores perceberam tanto as suas
dificuldades como as dos seus estudantes, eles tiveram que significar estas aulas ou actividades
pedagógicas. Uns as entenderam como “aulas normais”, consequentemente, procuraram seguir
à risca os seus planos analíticos anteriormente elaborados e, inclusivamente, introduziram
matéria nova, avaliaram e classificaram estudantes.

Outros professores tiveram um entendimento mais comedido ou cauteloso. Se aproximaram


mais da ideia de “ocupar os estudantes”. Nesta perspectiva, flexibilizaram seus planos
analíticos e procuraram consolidar matérias já dadas, introduziram novos conteúdos de forma
apenas introdutória, passe o pleonasmo, procuraram desenvolver competência nos estudantes
para melhor se protegessem da pandemia, etc. Se avaliaram, não foi com carácter sumativo,
mas formativo. Em suma, fizeram das aulas um recurso que os estudantes poderiam ter, assim
que se retomasse às aulas presenciais.

De uma coisa, entretanto, penso, pelo menos, foi possível perceber: as “aulas” nos WhatsApp
não geraram entusiamo. Não trouxeram uma dinâmica pedagógica e académica notável. Pelo

65
Noticia em https://www.portaldogoverno.gov.mz/por/Imprensa/Noticias/Aulas-e-fichas-pelas-plataformas-
digitais-nao-sao-abrangentes-e-nao-serao-alvo-de-avaliacao-Ministra-da-Educacao. Acesso a 01 de agosto de
2020.
239

contrário gradualmente foi esmorecendo o nível de participação. Gerou-se uma situação de


cansaço e de frustração. Tanto de estudantes como de professores.
.

4. Da universidade em crise à universidade injusta

Será que que este quadro da pandemia que levou as universidades a uma emigração em direcção
a um ensino online, nos fez sair de uma universidade em crise à universidade injusta?
Terminaremos este relato de experiência tentando, ainda que de forma introdutória, responder
a esta questão.

Vamos suportar a nossa reflexão num sociólogo francês contemporâneo, François Dubet, que
escreveu um conhecido ensaio denominado “O que é uma escola justa?”. Trata-se de um texto
pensado a partir da realidade escolar francesa, contudo, mesmo assim, pensamos, que o mesmo
possui valor analítico para a reflexão que nos propomos fazer.

Falar sobre o que é “justo” ou que é a “justiça”, suscita clamorosos e intermináveis debates.
Assim é porque cada um de nós percebe estes termos a partir dos seus pertencimentos teóricos,
ideológicos, religiosos etc. Não por acaso, o próprio Dubet alerta que “o desejo de justiça
escolar é indiscutível, mas a definição do que seria uma escola Justa é das mais complexas, ou
mesmo das mais ambíguas, pois podemos definir justiça de diferentes maneiras”. Dubet (2004,
p. 540)

Mas, seja como for, discutir sobre justiça na escola é relevante e assim é porque

Ao contrário das sociedades aristocráticas que


priorizavam o nascimento e não o mérito, as
sociedades democráticas escolheram convictamente o
mérito como um princípio essencial de justiça: a escola
é justa porque cada um pode obter sucesso nela em
função de seu trabalho e de suas qualidades.
(DUBET 2004, p. 541) (grifo nosso)

Portanto, no autor percebemos que o ideal com o qual os sistemas educativos contemporâneos
trabalham é que na escola ocorre uma competição meritocrática, quer dizer, qualquer aluno em
240

função do seu trabalho e suas qualidades pessoais tem garantido o sucesso. Portanto, a sua
origem social, isto é se originário de uma família rica ou pobre, se de “sangue azul” ou não,
não conta, não determina sucesso.

Todavia o próprio Dubet (2004) é bastante céptimo em relação a celebrada democracia e


meritocracia nas escolas. Sustenta, a universalização do acesso à educação (a chamada escola
de massas), que efectivamente ocorreu na generalidade dos países, incluindo Moçambique, não
implicou necessariamente a democratização da escola, no sentido de todos os alunos têm
possibilidade de se beneficiarem da mesma de forma significativa.

Bem pelo contrário, nos encontramos numa sociedade capitalista que necessariamente gera
desigualdade social e esta se faz sentir no espaço escolar. Em Dubet (2004) portanto,
compreendemos que se do ponto de vista do acesso, se pode realmente falar de igualdade e
justiça, o mesmo já é questionável no que tange a possibilidade igual, para todos, de
permanência e de sucesso escolar.

… quando adotamos o ideal de competição justa e


formalmente pura, os “vencidos”, os alunos que
fracassam, não são mais vistos como vítimas de uma
injustiça social e sim como responsáveis por seu
fracasso, pois a escola lhes deu, a priori, todas as
chances para ter sucesso como os outros (…) (DUBET
2004, p. 542)

Este é outro elemento importante. Dada a celebração da democracia e do mérito na escola, o


sistema escolar está montado de um modo tal que os alunos com maus resultados, que reprovam
e/ou desistem, aqueles a quem Dubet chama de “vencidos” imputem o seu fracasso
exclusivamente a si próprios. Não o percebem como um fenómeno social cujas explicações
estão necessariamente na sociedade. Eles não percebem o seu fracasso como tendo
determinantes sociais. E isto tem consequências. O sociólogo esclarece

a seu ver, a escola meritocrática atraiu-os para uma


competição da qual foram excluídos; eles acreditaram
na vitória e na igualdade de oportunidades e descobrem
suas fraquezas, sem o consolo de poder atribuir o fato
241

às desigualdades sociais, das quais não são mais


diretamente vítimas. (DUBET 2004, p. 542)

Nos parece, vimos um processo semelhante a este nas nossas universidades. Com efeito, a
universidade pública no nosso país, é fortemente demandadas por estudantes das classes média
baixa e da classe popular. Estes estudantes, na sua maioria, mesmo antes da pandemia já
estavam numa situação de crise, já tinham dificuldades económicas, que certamente
prejudicavam a sua performance académica, dada, entre outras, a dificuldade no pagamento de
propinas/mensalidades, de transporte de e para a universidade, na aquisição de livros, nas
fotocópias, na compra de refeições, pouco tempo para se dedicar aos estudos uma vez que têm
que obter renda ou para si ou para comparticipar no orçamento familiar, etc.

Com a pandemia o “fardo ficou ainda mais pesado”, eles passaram a ter que ser portadores de
smartphones66 ou computadores e a terem que ter disponibilidade de internet ou “megas”, como
comummente se diz, como condição para participar nas aulas nas plataformas. Em relação a
internet não importa apenas possuir “megas”, é importante residir numa região em que o seu
sinal tem qualidade aceitável, o que nem sempre é o caso, sobretudo nas zonas periurbanas e
suburbanas.

Interessante a expressão que Dubet usa para descrever alunos que fracassam, “vencidos”.
Vimos realmente altos níveis de frustração em alguns estudantes motivados que, por falta de
meios para participarem das aulas com uma certa estabilidade, tiveram que resignar. Foram
realmente vencidos pelas circunstâncias.

Portanto, a ideia de que todos alunos tiveram as mesmas possibilidades de sucesso nas aulas
online, nas plataformas, parece de difícil sustentação. Como sugere a UNESCO, o ensino
online tende a exacerbar as desigualdades já existentes, que o ambiente escolar até parcialmente
nivela. Realmente, estes estudantes, embora oriúndos de classes populares, sonharam
frequentar um curso superior com sucesso, mas com a pandemia, por causa da sua condição
socioeconómica, viram seus sonhos perturbados. Provavelmente, de forma temporária

66
Grande parte de estudantes usa celulares de baixa gama, vulgarmente designados de “bombinhas”.
242

conquanto a pandemia dê tréguas. Mas nada é garantido. Hoje já se diz que a pandemia veio
para ficar, que vamos embarcar num novo normal que em termos de educação vai se expressar
num ensino híbrido…

Terminamos a nossa reflexão com uma questão, que nos parece pertinente: havia alternativa
ao ensino online? Penso que a esta questão tem que necessariamente se ligar outra: a haver o
imperativo de abraçar novas abordagens de ensino, devido, no caso, a uma crise sanitária, o
ónus teria que ir para o estudante? Pensamos que não. Até para fazer valer o ideal de
meritocracia que caracteriza as instituições escolares nas sociedades democráticas modernas,
em que nos encontramos, como pontuou Dubet (2004). Uma escola em que é apenas o trabalho
e as qualidades do estudante que garantem o seu sucesso, é uma utopia. Mas uma utopia
necessária. Uma utopia a perseguir. Uma utopia a defender!

Referencias bibliográficas

DUBET, François. O que é uma escola justa? Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 123, p. 539-555,
set./dez. 2004

República de Moçambique, Boletim da República: Decreto-Presidencial que declara o estado


de emergência, por razões de calamidade publica, em todo o território nacional. In: Boletim
da República, 11/2020 de 30 de Marco de 2020

Ministério do Ciências e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional. Oficio nr.


169MCTESTP/GM2020, sobre Medidas de Prevenção da pandemia do Corona Vírus nas
instituições de ensino superior e e técnico profissional. 06 Abril de 2020
243

Medidas Políticas de Continuação das Aulas depois do Encerramento das Escolas por
COVID-19 em Moçambique

Orlando Daniel Chemane67

Resumo
A pandemia da COVID-19 que afecta o mundo, registou o seu primeiro caso em Moçambique
no dia 22 de Março; no dia 23 entraram em vigor medidas de prevenção contra a doença que
incluíram o encerramento das escolas desde a educação infantil até a universidade. Logo a
seguir algumas vozes alertaram que as medidas eram, em geral, impróprias para África uma
vez que a maioria da população sobrevive através da busca de sustento diário no mercado
informal e, em relação a educação, boa parte das crianças ficaria de fora do ensino a distância
por falta de meios tecnológicos e não só de aprendizagem. Moçambique tem uma política da
educação que protege uma educação de qualidade para todos e a sua constituição salvaguarda
que todas as decisões públicas ou privadas devem observar o maior interesse da criança. O
presente artigo pretende compreender as medidas políticas tomadas através da circular nº3 do
Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano e argumentar, através do estudo
documental e da revisão bibliográfica, que as mesmas são um risco de perpetuação das
desigualdades por falta de clareza política, realismo, abertura e diferenciação.

PALAVRAS-CHAVE: Medidas de continuação das aulas-COVID-19-Circular nº3

Abstract
The COVID-19 pandemic that affects the world, registered its first case in Mozambique on
March 22; on the 23rd, preventive measures against disease entered into force, including the
closure of schools from early childhood education to university. Soon after, some voices
warned that the measures were, in general, inappropriate for Africa since the majority of the
population survives through the search for daily livelihood in the informal market and, in
relation to education, part of the children would be left out of education for lack of
technological means and not only of learning. Mozambique has an education policy that
protects quality education for all and its constitution safeguards that all public or private
decisions must be in the best interest of the child. This article intends to understand the political
measures taken through circular no. 3 of the Ministry of Education and Human Development
and to argue, through documentary study and bibliographic review, that they are a risk of
perpetuation of inequalities due to lack of political clarity, realism, openness and
differentiation.

KEYWORDS: Class continuation measures-COVID-19-Circular nº3

67
Doutor em Educação. Docente da Universidade Pedagógica de Maputo. Mail: orlandochemane@gmail.com
244

Introdução

Segundo os dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO), a pandemia da COVID-19 afectou no mundo 1,5 biliões de estudantes e 63
milhões de professores (UNESCO). Em Moçambique este retirou da escola cerca de 8,5
milhões de alunos e cerca de 14,500 escolas foram encerradas.

O primeiro caso da COVID-19 em Moçambique foi diagnosticado no dia 22 de Março de


2020 e no dia 23 do mesmo mês entraram em vigor medidas públicas de prevenção contra a
doença que incluíram o confinamento e o encerramento das escolas desde o pré-primário até a
universidade. As decisões do governo seguiam o que muitos países no mundo faziam incluindo
nações africanas embora neste continente ainda fosse registado um número inferior de casos.

Por sua vez, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MNEDH, 2020a)


lançou, no mesmo dia 23, uma circular que regularia o ensino a distância enquanto vigoraria o
confinamento e a emergência em Moçambique. Muito cedo os dilemas de Moçambique e de
África ficaram claros, pois o confinamento é insustentável para a maioria da população que
vive dos ganhos diários, geralmente nas ruas e no mercado informal; com o encerramento das
escolas, havia que considerar a exclusão de uma parte das crianças, a privação de algumas
crianças de certos benefícios existentes na escola como a alimentação, vacinações e a
supervisão enquanto os pais trabalham para além da ansiedade, medo, etc.

A circular nº3 do MINEDH que regula a continuação das aulas durante o período de
emergência em Moçambique levanta a preocupação de exclusão de uma parte das crianças
dado o país ter ainda um nível elevado de população vulnerável, mesmo possuindo uma política
e lei da educação democrática e ter compromissos internacionais que defendem a oportunidade
e qualidade de educação para todos.

Neste artigo, pretendemos compreender a estratégia do MINEDH de continuação das aulas


enquanto vigoravam as medidas do governo de Emergência devido a COVID-19 em
Moçambique na sua relação com uma educação de qualidade para todos. Nele cingir-nos-emos
a política em si e não entraremos nas questões práticas que serão objecto da nossa atenção num
outro trabalho.
245

Quanto a metodologia seguimos uma abordagem qualitativa em que o objecto de análise


principal é a circular nº3 do MINEDH. Por isso o nosso instrumento de recolha de dados é o
estudo documental que incluirá não só a estratégia do MINEDH como a legislação
moçambicana em geral e sobre a educação em particular, os dados do site do MINEDH e
material de imprensa. Portanto, nosso trabalho é teórico, sendo uma reflexão geral sobre a
estratégia usando o estudo documental.

Analisar esta política nos parece importante pois Moçambique é um país propenso a
desastres naturais e enfrenta actualmente, no extremo norte do país, uma violência armado com
características terroristas, que produz cada dia mais refugiados, o que nos leva a pensar que
esta pode ser uma experiência da qual o país pode tirar lições sobre como planificar uma
educação em situações de emergência. Durante a nossa revisão de literatura sobre a COVID-
19, não encontramos experiências africanas sobre o ensino durante o período de encerramento
das escolas e mais concretamente sobre a política de continuação de aulas durante a
emergência. A seguir procuramos ver o que significa medidas de continuação das aulas.

1. Medidas políticas de Prevenção da COVID-19 e de Continuação das Aulas em


Moçambique

Antes de falarmos das medidas tomadas pelo MINEDH de Moçambique, talvez seja
importante escrevermos brevemente sobre o que é a COVID-19. Esta é uma doença cujo vírus
(SAS-Cov-2) tem a sua origem no mercado de mariscos de Wuhan, China, mas resta ainda
confirmar o animal específico que levou o SAS-Cov-2 a aquele lugar (Adhikare, Meng, Mao
& Wang, 2020). Os doentes costumam apresentar sintomas como febres, tosse, fadiga,
pneumonia, dor de cabeça, diarreia, hemoptise, dispneia ou dificuldades de respirar. Os
métodos de prevenção são o uso de máscaras, higiene das mãos, distanciamento social,
detecção de casos, rastreamento de contacto e quarentena. Nenhum tratamento antiviral provou
eficácia (Adhikire et al, 2020).

As medidas políticas tomadas pelo MINEDH para a continuação das aulas durante o
período de emergência por causa da COVID-19, constam da circular nº3 cujo o título remete
mais para a prevenção da COVID-19 em geral do que para a orientação do processo de ensino
e aprendizagem: Medidas de Prevenção contra COVID-19 para as Instituições públicas e
246

privadas de ensino geral, formação de professores, centros internatos e lares e salas de estudo.
Para compreender o seu real alcance é preciso ir para o interior do texto em que está claramente
escrito o seguinte: “no espírito das medidas [anunciadas pelo governo], o encerramento das
escolas e instituições de formação de professores não deve significar interrupção do processo
de ensino e aprendizagem.”68 (MINEDH, 2020a).

Na verdade o que se pode compreender depois de se ler bem o documento é que ele se
destinava a regulação das aulas a distância do ensino primário, secundário e formação de
professores, como uma componente da prevenção. O ensino levado a cabo depois do
encerramento das escolas devido a pandemia da COVID-19, costuma ser chamado de remoto
(Tomazinho, 2020) basicamente por não reunir os requisitos de ensino a distância, apesar de
não ser presencial (Idem). Mas para efeitos deste artigo nós consideraremos indiferentemente
ensino a distância ou remoto.

Com a pandemia da COVID-19 ficou, mais uma vez, clara a forte dependência de
África em relação aos países do Norte: Os governos africanos, logo que a 11 de Março, a
Organização Mundial da Saúde (OMS), declarou a COVID-19 uma pandemia e os países do
Norte registavam muitos casos, e tomavam medidas de confinamento, África fez o mesmo o
que levou ao fechamento de países inteiros ignorando que suas populações não são capazes de
viver numa situação de confinamento.

O artigo que saiu da Imperial College (Walker, Whithaker, Watson et al, 2020), a 26 de
Março, apontando para cenários catastróficos no mundo e em países subdesenvolvidos devido
a COVID-19, parece que foi, em parte, o responsável pelo reforço do medo em relação as
consequências desta doença em África dada a repercussão que teve na imprensa africana, e,
por volta dessas datas terem se arraigadas as convicções de isolacionismos nos governantes e
no povo africanos, embora se tenha vindo a saber que esse trabalho de pretensões científicas
não tinha passado por revisão de pares (Macamo, 2020).

Mesmo em meio ao pânico, alguns cientistas sociais africanos como o sociólogo Elísio
Macamo (2020), posicionaram-se contra o confinamento em África que incluia o encerramento

68
Note-se que o documento não inclui as universidades
247

das escolas. O argumento de Macamo foi de que África não tem condições para ficar confinada
pois a maioria das pessoas neste continente é pobre e busca o seu sustento no dia-a-dia no
mercado informal. O mesmo cientista sinalizava ainda para o perigo de Moçambique, em
particular, destruir o seu fraco tecido económico ou, o que era pior, enfraquecer a estrutura
familiar que é para onde recorre a maioria dos moçambicanos quando está doente e não o
hospital que o governo declarava pretender proteger como faziam os europeus (Macamo,
2020).
Com efeito, o encerramento das escolas não é um assunto pacífico pois, por exemplo, a
comparação dos casos testados positivos de coronavírus, em crianças em idade escolar, entre a
Suécia e a Finlândia, em que o primeiro não encerrou as escolas e o segundo o fez, demonstrou
que não existe diferença significativa no número de casos positivos diagnosticados nos dois
países (Carlson, 2020).

Para Armitage e Nellums (2020) o encerramento das escolas pela COVID-19 está longe
de ser convincente. Eles levantam várias razões de entre as quais, como que o fecho das escolas
impedem as aprendizagens e agravam as desigualdades. Para os autores, o acesso a educação
através das tecnologias é bastante desigual e os programas subsidiados de alimentação,
vacinações são essenciais para cuidados infantis, especialmente para as comunidades
marginalizadas.

Para Armitage e Nellums (2020), o encerramento das escolas durante a pandemia da


ébola aumentou as desistências, o trabalho infantil, violência contra as crianças, gravidezes na
adolescência e persistentes desigualdades socioeconómicas e de género. As escolas fornecem
protecção e supervisão e quando elas fecham, os pais que trabalham deixam os filhos sem
supervisão ou eles têm que renunciar os seus empregos para puderem ficar com os filhos
(Armitage e Nellums, 2020). Ou seja, as escolas são encerradas para prevenir-se da doença, o
que pode reduzir a contaminação, mas o seu fecho deve ter em conta também os efeitos sociais.

Logo nos primeiros meses da pandemia, os estudos indicavam que as crianças tinham
níveis menores de contaminação por SARS-Cov-2, mas hoje as pesquisas sustentam que elas
podem ser contaminadas na mesma proporção que os adultos e que os menores quando
248

registam positividade sobre a doença são geralmente assintomáticos, permanecendo porém


pouco claro se poderão transmitir o vírus (Panovska-Griffiths et al, 2020).
Uma vez as escolas fechadas geralmente os países procuram o ensino a distância ou o
ensino remoto. A UNESCO (2020) recomenda que neste tipo de ensino, os países
subdesenvolvidos, devem recorrer a uma estratégia sem tecnologia.

Durante o período de emergência, procura-se, tornar as escolas em agentes de saúde


pública, ensinando-se as medidas de prevenção contra o COVID-19, como a higiene das mãos,
o distanciamento social, a etiqueta da tosse, o uso das máscaras. As escolas procuram dar
suporte psicossocial aos estudantes ou em saúde mental. Por isso organiza-se um currículo
mínimo que não só contém as matérias académicas normais como de conhecimentos mais
gerais incluindo os da prevenção e apoio aos alunos, como foi o exemplo da China (Zhang,
Wang, Yang & Wang, 2020) e da Turquia (ӦZER, 2020).

Sugere-se que a planificação seja feita de forma coordenada com outros sectores,
parceiros humanitários e de desenvolvimento. Segundo a UNESCO (2020) as medidas tomadas
pelo governo poderiam estar alinhadas com as prioridades nacionais, ao nível central e local,
de modo a garantir-se a sustentabilidade (UNESCO, 2020). A planificação em tempos de
emergência deve ser participativa em que todos os actores escolares e os interessados pela
educação estão envolvidos. Deve se igualmente fazer uma avaliação constante da situação e
devidos ajustes.

Um princípio importante e que consta de todas as sugestões de estratégias para este


período é que a gestão do ensino deve ter em conta a transição para o período de aulas
presenciais. Por isso, a respectiva estratégia de regresso as aulas, deverá ir sendo desenvolvida.
Estas ponderações que é preciso ter em conta na elaboração de políticas de emergência
por causa do COVID-19, são em grande medida consistentes com a pedagogia das sociedades
periféricas como foi, por exemplo, a pedagogia do oprimido (FREIRE, 2014). A pedagogia do
oprimido defende primeiro que, numa situação de dificuldade, a educação tome a própria
realidade difícil como objecto de reflexão. Ela indica que deve-se conceber um currículo
mínimo que resulte da busca dos conteúdos na própria comunidade e com a participação dos
sujeitos envolvidos na situação difícil.
249

Estabelecido o conteúdo, a educação é feita de forma dialógica e numa relação


horizontal em que a problematização leva os estudantes a serem desafiados a desvelar a sua
realidade, a desconstrução dos mitos, fazendo com que a curiosidade ingénua se torne em
curiosidade epistemológica. Isto requere uma educação baseada na comunidade e nas
necessidades locais. Partindo do princípio de que a palavra é a acção, aquela é tomada como
instrumento da transformação. Isto exige a colaboração, a unidade, a organização e a síntese
cultural (FREIRE, 2014). No subponto seguinte falamos sobre as políticas, planos nacionais e
compromissos internacionais.

1.1. As Políticas, os Planos Nacionais e os Instrumentos Internacionais


Sabe-se que a circular nº3 saiu numa situação atípica e é normal que não tenha seguido
o ciclo normal de concepção de uma política. Mas Moçambique possui a Constituição, leis da
educação e os documentos internacionais de que é signatário que deveriam ter guiado as
medidas para a continuação das aulas neste momento do COVID-19.

Na Constituição de Moçambique, no artigo 35, está previsto a igualdade dos cidadãos


independentemente da sua cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, posição social,
lugar de nascimento, profissão, ou opção política; sobre a criança, a Constituição estabelece
que “todos os actos relativos às crianças, quer praticadas por entidades públicas, quer por
instituições privadas, têm principalmente em conta o interesse superior da criança” (artigo 47).
Por isso as medidas deveriam ter observado a não descriminação e a salvaguarda do superior
interesse da criança.

A lei 18/2018 do Sistema Nacional da Educação (SNE) estabelece nas alíneas d e f


respectivamente como princípios gerais, a democracia do ensino “garantindo uma justa e
efectiva igualdade de oportunidade de acesso e sucesso” (artigo d) e inclusão, equidade e
igualdade de oportunidades no acesso à educação (artigo f). No artigo 4, a mesma lei estabelece
a “inclusão, equidade e igualdade de oportunidades em todos os subsistemas de ensino e na
aprendizagem de alunos com necessidades educativas especiais” e, por fim no artigo 5, d), a
lei do SNE recomenda “elevados padrões de qualidade de ensino e aprendizagem”. Portanto,
qualquer planificação da educação em Moçambique deve ter em conta a igualdade para o
acesso e sucesso, a inclusão, bem como altos padrões de qualidade de ensino.
250

O Plano Estratégico da Educação (2012-2016) [PEE] tem como prioridades o acesso no


ensino primário de sete classes, a introdução do ensino pré-escolar e a melhoria do ensino pós-
secundário. Mas fazem parte ainda das suas prioridades a inclusão, equidade no acesso e
retenção, que inclui as crianças vulneráveis, em que aposta na construção de escolas próximo
de casa, distribuição do livro, “um melhor controlo sobre o uso do tempo lectivo, o aumento
do envolvimento dos conselhos de escolas e dos próprios pais e encarregados da educação, a
implementação da política de educação inclusiva” (Plano Estratégico da Educação). São ainda
prioridades a melhoria das aprendizagens e da governação da educação. O PEE, tal como os
anteriores, não equacionou o problema real com que se defrontava como a reconciliação e
democratização da sociedade e apostou mais nas soluções técnicas e menos nas deliberativas.

Ao nível internacional deve se ter em conta os compromissos como os do Jomtien,


Dacar, os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, embora muitas vezes estes instrumentos
internacionais tenham mais peso no SNE acabando por substituir a visão endógena.

2. Continuação das Aulas depois do Fecho das Escolas


Neste ponto pretendemos analisar a circular número 3 do MINEDH que é o documento
orientador da continuidade das aulas depois do fecho das escolas. Abordaremos basicamente
dois subpontos, o primeiro, o que foi decidido, no segundo, o que foi feito.

2.1.O que foi decidido


Ao falarmos de decisões pretendemos nos referir as medidas tomadas pelo MINEDH
para continuação das aulas. Estas foram veiculadas numa circular, que segundo o dicionário
Mini Aurélio de língua portuguesa, é uma carta, ofício, etc. enviada a muitas pessoas (p. 166).
Na circular nº3 do MINEDH temos um despacho com decisões de padronizações e de regras
que não deveriam ser debatidas, acrescentadas e que se destinavam a uniformizar.

Basicamente a circular têm quatro medidas. A primeira foi para os pais, a segunda para
as direcções das escolas e das instituições de formação de professores, a terceira para as Salas
de Estudo e a última destinada a todos os actores escolares e instituições de formação de
professores. As duas últimas são de ordem suplementar e por isso não nos debruçaremos delas.
A medida para pais e/ou encarregados da educação tinha três alíneas que passaremos a
apresentar pela ordem em que foram expostas:
251

a) A alínea a), orientava aos pais e/ou encarregados da educação, nas palavras do
documento, a “assegurar que os seus filhos e/ou educandos permaneçam encasa e
apliquem as medidas de prevenção anunciadas oficialmente”.
Uma vez que os filhos e/ou educandos estariam em casa, os pais deveriam manter a
supervisão para que os filhos ou educandos não saíssem de casa e cumprissem assim as medidas
de confinamento social.

b) Na alínea b, o documento intimava aos pais e/ou encarregados da educação a


“reforçar as medidas de higiene individual dos seus filhos e/ou educandos,
garantindo o asseio de toda a família;”. A prevenção nesta alínea focalizava para a
higiene pessoal das crianças e da família.
c) Na alínea c), a estratégia solicitava aos pais e/ou encarregados da educação a ajudar
os filhos e/ou os educandos a cumprirem com os deveres escolares. Porque a
educação dar-se-ia a distância a única supervisão encontrada eram os adultos que
vivem com os alunos: os pais ou encarregados da educação.

Pelo que, no ponto 1 do documento (alíneas a, b e c), o MINEDH preocupou-se com as


medidas de prevenção contra a COVID-19 destinadas aos pais e/ou encarregados da educação
e o convite aos mesmos para que fossem parceiros no ensino dos seus filhos ou educandos. O
Ministérios como não poderia juntar os pais e/ou encarregados da educação nas escolas a sua
solução foi transmitir as medidas de prevenção através da circular. Só que este documento era
interno não se percebendo por isso como ele chegaria a pais e/ou encarregados da educação.
Como poderemos ver mais abaixo, as escolas não são orientadas a divulgar o mesmo.

Neste ponto é preciso realçar-se que em Moçambique temos uma taxa de analfabetismo
de 39%, dos quais 49,4% são mulheres. Desse número de mulheres analfabetas, 62,4%, vive
nas zonas rurais. Acresce-se a isso o facto de que em Moçambique existe um número
considerável de famílias que são chefiadas por mulheres. Então, se os alunos têm que ser
apoiados pelos pais existe o perigo de exclusão dos filhos de pais analfabetos sobretudo os
monoparentais e/ou chefiados por mulheres.
252

Geralmente sugere-se, que as estratégias a serem elaboradas pelos governos que deem
primazia aos conhecimentos sobre a doença, a sua prevenção e o apoio psicológico ou
psicossocial aos estudantes (UNESCO, 2020; ZHANG et al, 2020).
O segundo ponto do documento do MINEDH, era dirigido aos directores das escolas e
dos institutos de formação dos professores. Este ponto, por sinal o mais importante na
estratégia, tinha quatro alíneas que orientavam para a “garantia” do que se segue:

a) “permanência dos professores e/ou formadores, assim como pessoal técnico


administrativo na escola ou instituição de formação, com base numa escala
previamente elaborada”.
Como se pode ver, os professores continuariam a trabalhar neste período, mas de forma
rotativa para evitar grupos maiores e garantir-se assim o distanciamento social. Talvez esta
ideia resulte do facto de que na altura só tínhamos ainda registado um caso em Moçambique.
Durante a permanência dos professores e funcionários nos seus postos de trabalho, não
foi mencionada a sua capacitação em matérias do ensino a distância ou de prevenção contra a
pandemia. Assim, como os professores, primeiro, poderiam elaborar fichas para os alunos a
distância sem terem aprendido? Segundo, porque é que a escola moçambicana alheava-se do
ensino da pandemia enquanto esta era uma realidade no mundo e haviam evidencias de que
chegaria ao país?

O trabalho que estes professores desenvolveriam está explicado na alínea b).


b) Os professores continuariam a trabalhar de forma rotativa para “A organização,
pelos grupos de classe ou de disciplina, das fichas de exercícios/actividades e
material de apoio à aprendizagem para os alunos, com base nos programas de
ensino, livros didácticos, prestando especial atenção aos alunos com necessidades
educativas especiais;”

Como se pode ler, os professores deveriam preparar, em grupos de classes ou de


disciplina, material de aprendizagem para os estudantes recapitularem ou aprenderem nova
matéria a partir de casa. Portanto, a orientação estabelece como conteúdos exclusivos a matéria
académica. Não há referência aos conteúdos referentes a COVID-19, ao se afirmar que as fichas
e material de apoio seriam “com base nos programas de ensino, livros didácticos”. O Ministério
da Educação da China, por exemplo, durante a pandemia, assegurou que o ensino a ser levado
a cabo naquele período não seria normal pois incluiria os conteúdos sobre a prevenção do
COVID-19, o apoio aos estudantes, matérias académicas e os conteúdos mais gerais (ZHANG
253

et al, 2020). Ou seja, diria o governo chinês, o ensino seria para o crescimento dos alunos
(Idem).
Deve se notar que as fichas e o material de apoio seriam elaborados em grupos, o que
permitirá colaboração entre os professores, troca de ideias para a concretização desse material
que é novo no ensino, para alunos que estariam distantes dos seus professores.

Não há menção a forma como serão elaboradas as fichas e o material de apoio, se como
material normal ou como material instrucional de ensino a distância. A estratégia orienta para
que haja cuidado com os alunos com necessidades educativas especiais (NEE), o que é
consistente com a lei do Sistema Nacional da Educação (lei 18/2018). Mencionam-se esses
alunos (com NEE), mas a circular não se refere as crianças vulneráveis, sobre como estas
seriam tratadas ou, por outra ainda, como seria contornada a situação deste grupo?

O uso de fichas e material de apoio apontam para uma estratégia que não envolve
nenhuma tecnologia o que é muito importante pois em Moçambique, segundo a UNICEF
(2020), só 2% das crianças têm acesso a internet. Temos ainda que, segundo o recenseamento
geral da população de 2017, só 4,4% da população têm acesso ao computador e 22,2% a energia
elétrica (Instituto Nacional de Estatística, 2019).

c) Nesta alínea, a circular instrui “A canalização dos materiais referidos na alínea


anterior aos alunos, através dos conselhos de escola, pais e/ou encarregados de
educação, rádios comunitários, página web do Ministério da Educação e do
Desenvolvimento Humano, correio electrônico, SMS, redes sociais e outros meios
locais disponíveis para os alunos realizarem encasa;”

Nesta alínea vemos como as escolas fariam chegar os materiais de aprendizagem aos
alunos. A estratégia não refere como estará acautelado o facto de que o papel pode ser veículo
de transmissão do SAS-Cov-2 e manteve-se em silencia ainda em relação ao distanciamento
físico.
O Conselho da Escola é indicado como o órgão que pode apoiar na entrega dos materiais
aos alunos. Mas sabe-se que este órgão superior da escola tem deficiências no seu
funcionamento.
254

Os pais e/ou encarregados da educação seriam chave para o levantamento dos materiais
de aprendizagem nas escolas. Isto foi um dilema porque as escolas não tinham como reunir-se
com os pais pois já vigoravam as medidas do governo que incluíam o distanciamento físico e
a proibição de reunir mais de 20 pessoas. Por outro lado, alguns pais e/ou encarregados da
educação são do grupo de risco.

A rádio comunitária é o meio mais popular conseguido pelo MINEDH para veicular o
ensino durante esta pandemia. Consta que em Moçambique existem 140 rádios comunitárias,
embora não cubram totalmente o país. A rádio é o meio de informação de 75% da população
moçambicana segundo as Nações Unidas (ONU News).

A página web do MINEDH é mencionada como o que levaria os materiais de


aprendizagem aos alunos. Este site vinha sendo utilizado pelo Centro de Educação Aberto e a
Distância (IEDA) na formação de professores e no ensino secundário e com a COVID-19 foi
aberto para todos os estudantes do sistema da educação.

Por fim, o documento remete para os meios locais o que é bastante positivo pois aqui
há a abertura para que as escolas e as comunidades, de acordo com a sua realidade, possam
encontrar formas eficazes de encaminhar os materiais de aprendizagem aos estudantes.
A seguir falamos muito brevemente do que foi feito.

2.2.O que foi feito


Neste ponto pretendemos nos perguntar como é que o MINEDH implementou a circular
nº3. Mas faremos uma rápida referência uma vez que estamos neste momento a realizar um
trabalho empírico que nos permitirá tratar desse assunto com maior circunstância. Basicamente
o MINEDH fez seis coisas:
A ministra da educação reuniu-se, no dia 27 de Abril, com os professores para encorajá-
los a darem seguimento a ministração das aulas através da elaboração de material didáctico
como pela televisão (MINEDH, 2020b).
O MINEDH apelou, através dos meios de comunicação nacionais, aos pais e/ou
encarregados da educação que dessem apoio aos seus filhos e/ou educandos nos trabalhos
escolares.
O MINEDH estabeleceu parcerias com a rádio e a televisão públicas de Moçambique
para a transmissão de aulas por esses meios naquilo que é conhecido por rádio escola e telescola
255

respectivamente. A rádio e televisão públicas não são mencionados na estratégia (MINEDH,


2020b).
O MINEDH reforçou o seu site do ensino a distância (http://ead.mined.gov.mz/). Esta
plataforma do IEDA, que vinha sendo usado na formação de professores e, mais tarde, no
ensino secundário a distância, com a COVID-19, passou a alojar também materiais do ensino
primário.
Segundo a ONUNews de 25 de junho de 2020, “o MINEDH, Com o apoio do Ministério
da Saúde, está a trabalhar em conjunto com as Nações Unidas, o Banco Mundial, as principais
agências bilaterais e outros parceiros de cooperação, na exploração de formas alternativas e
inovadoras para garantir que a aprendizagem possa contnuar a distância.”

3. Discussão e conclusão
Nosso problema baseava-se no facto de que a estratégia do ministério poderia não ser
inclusiva apesar de termos uma Constituição democrática, uma política da educação e sermos
signatários de compromissos internacionais que protegem uma educação de qualidade para
todos. Analisamos, com base na pesquisa documental e da revisão bibliográfica, numa
perspectiva da pedagogia do oprimido e tendo em conta as experiências internacionais e as
“dicas” da UNESCO (2020) sobre as estratégias de ensino a distância com o fechamento das
escolas, a circular nº3 do MINEDH, o que nos permitiu ter uma ideia do que eram as
orientações políticas para o ensino durante a pandemia da COVID-19 em Moçambique.

Dessa análise, um dos resultados que poderíamos apontar para este estudo seria que as
medidas para a continuação das aulas durante a pandemia da COVID-19 poderão ter o potencial
de manter ou aprofundar as desigualdades sociais ao ter pautado por um discurso, de certo
modo, desligado da situação real que devia acudir. Como diria Paulo Freire (2014), a linguagem
de pretensa neutralidade concorre para a reprodução da situação de opressão, ao não tomar
claramente a posição a favor dos desfavorecidos.

A circular nº3 teve problemas de clareza política. Não se colocou ao nível da


responsabilidade que tinha como uma política pública que atenderia toda a uma nação. Não
esclareceu a dificuldade que se propunha enfrentar, o que pretendia, o que, consequentemente,
prejudicou-o no delineamento das estratégias que deviam ser seguidas. Não foi por mero acaso
256

o aparecimento da orientação das aulas a distância num documento aparentemente destinado a


uma mera prevenção da COVID-19 nos estabelecimentos de ensino.

A circular não teve em conta o bem-estar da criança, como estabelece o artigo 47 da


Constituição da República. Como se pode ver, o MINEDH somente definiu como únicos
conteúdos a ensinar os académicos ao orientar para seguimento exclusivo do programa. As
experiências dos outros países nos remetem para a necessidade de incluir no currículo
conhecimentos sobre a doença, as medidas de prevenção, o apoio psicológico e psicossocial
das crianças, adolescentes e jovens (Zhang et al, 2020). Ou seja, seria de esperar que fosse uma
educação que estaria preocupada, mais do que com o cumprimento do programa, com o
crescimento dos alunos, como aconteceu na China (ZHANG et al, 2020), o que em nossa
opinião teria conferido mais qualidade a esta experiência.

Outro achado é que a estratégia não foi realista aliás, como aconteceu com toda a
actuação do governo no enfrentamento da COVID-19 (Macamo, 2020). Na altura em que ela
saiu, Moçambique só tinha um caso e os dados disponíveis apontavam que as crianças eram
menos infectadas pelo SAS-COv-2, embora as pesquisas hoje afirmem o contrário
nomeadamente que os menores se infectam com a mesma probabilidade que os adultos
(Panovska-Griffiths et al, 2020). Outrossim, as crianças são geralmente assintomáticas, mas
ainda não está claro se sendo assintomáticas transmitem a doença da mesma maneira
(Panovska-Griffiths et al, 2020).

Em função do exposto acima, o ministério da educação poderia ter enveredado por um


caminho mais criativo, como contemplar, nas primeiras semanas, a capacitação dos professores
em matérias de COVID-19, elaboração de material instrucional em educação a distância, usar
os professores como agentes disseminadores junto das famílias das aulas pela rádio e televisão,
em coordenação com o poder local. Porque pelo que foi noticiado pelos órgãos de comunicação
social, muitas crianças, principalmente das zonas rurais e semiurbanas, não sabiam da
existência da rádio escola e da Telescola, como noticiou o jornal O País de 29de Abril de 2020.

Se tivesse sido considerada a situação concreta de Moçambique, o MINEDH poderia


ter tomado medidas mais flexíveis, em que, por exemplo, as crianças que se beneficiam de
alimentação escolar continuassem a ir a escola em grupos muito pequenos e em horários
diferentes para ter a merenda, as aulas que incluiriam conteúdos sobre a COVID-19.
257

Apesar de a estratégia contemplar, por exemplo, a observância de cuidados em relação


as crianças com NEE e ter declarado que poderiam ser adoptadas algumas soluções locais para
o levantamento das fichas e do material de aprendizagem, foi, em geral, muito fechada, sem
diferenciações. O MINEDH não teve a coragem de conceber uma orientação que poderia contar
com soluções criativas das comunidades. Neste caso, o MINEDH, chama só a si a
responsabilidade e não tem em conta que muitas vezes as escolas e as comunidades estão em
melhores condições de conduzir a sua própria vida.

A estratégia de continuação das aulas durante a COVID-19 não prevê mecanismos de


colaboração e participação de outros actores. Em nenhuma parte da mesma está mencionada a
coordenação com o Ministério da saúde, com o Ministério da Acção Social, parceiros
internacionais, etc. Ainda que haja uma parte deste instrumento em que temos o apelo ao apoio
dos pais e/ou encarregados da educação aos filhos e/ou educandos no processo de ensino e
aprendizagem, não identificamos em nenhuma das suas partes prevista a participação da
comunidade nos esforços de concepção e organização do ensino durante a pandemia. A
educação nos períodos de emergência demandam o envolvimento e a participação de todos
como ilustram os casos da África do Sul, China e Turquia.

O outro resultado é que a estratégia não teve em conta a sustentabilidade. Não


identificamos o alinhamento da estratégia com as prioridades nacionais nomeadamente de
acesso, a concentração nas aprendizagens, inclusão e igualdade, que constam das políticas e
planos nacionais. Nos parece igualmente que faltou o ponto sobre a transição do período de
emergência para o período da “nova normalidade”.

Quanto as limitações, este estudo, embora tenha estabelecido a sua fronteira como
reflexão geral teórica, é sensível as suas dificuldades empíricas para sustentar algumas
afirmações.
A lição que podemos tirar das medidas do MINEDH, é que as situações difíceis e
complexas apelam a respostas ousadas tanto do ponto de vista intelectual como político e
devem ser pensadas e resolvidas em colectivo.

No futuro será desejável que se descreva e se documente melhor a dinâmica desta


experiência pois Moçambique, sendo um país propenso a desastres naturais e a crises
258

humanitárias, deve pensar numa planificação que tenha em conta uma educação em tempos de
crises.

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259

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260

Desafios do Processo de Ensino e Aprendizagem no Ensino Superior em tempo de


COVID-19: Uma Abordagem Teórica

Bendita Donaciano Lopes69


Francisco Ernesto Francisco 70

Resumo

O Processo de Ensino e Aprendizagem (PEA), duas faces que concorrem para o


(in)sucesso académico do estudante. O Ensino e a Aprendizagem tornam-se desafios em tempo
de confinamento por serem um processo de mudança e de adaptação a uma nova realidade de
ensino e aprendizagem por se fazer via online e à distância entre docente e estudante. O
Processo de Ensino e Aprendizagem sendo uma relação de suporte entre a experiência
acumulada do docente e a experiência acumulada do aluno, acontecendo à distância, carece de
um suporte dinâmico de conteúdos que gerem uma aprendizagem significativa e responsável
pelo estudante. A pesquisa prevê trazer à tona, a longo prazo, experiências de ensino e de
aprendizagem à distância e online como desafios a superar para que a qualidade de ensino seja
aprimorada e oferecida em condições viáveis para todos os estudantes. O estudo, nesta fase
inicial, versa a pesquisa bibliográfica-exploratória porque descreve a relação de papéis entre
docente e discente nas teorias de Vygotsky e Ausubel, no concernente ao ensino e à
aprendizagem. A escolha destes teóricos é fundamental por nos trazer bases de como o docente
e o estudante devem relacionar-se para desenvolverem um ensino e uma aprendizagem
efectivos mesmo sendo online e à distância.
Palavras-Chave: Ensino; Aprendizagem; Ensino superior; Desafios.

Abstract

The Teaching and Learning Process (PEA), two sides that contribute to the student's
(in) academic success. Teaching and Learning become challenges in a time of confinement as
they are a process of change and adaptation to a new reality of teaching and learning through
online and distance between teacher and student. The Teaching and Learning Process, being a
support relationship between the accumulated experience of the teacher and the accumulated
experience of the student, happening at a distance, lacks a dynamic support of contents that
generate a meaningful and responsible learning for the student. The research aims to bring up,
in the long term, experiences of teaching and learning at a distance and online as challenges to
overcome so that the quality of teaching is improved and offered in viable conditions for all

69
Doutora em Ciências da Educação, na Especialidade de Psicologia da Educação, pela Universidade do Minho
(Portugal). Mail: benditadonaciano@yahoo.com.br
70
Mestrando em Psicologia Educacional pela Universidade Rovuma, Extensão de Montepuez (Moçambique)
261

students. The study, in this initial phase, deals with bibliographic-exploratory research because
it describes the role relationship between teacher and student in the theories of Vygotsky and
Ausubel, regarding teaching and learning. The choice of these theorists is fundamental because
it gives us bases on how the teacher and the student must relate to develop effective teaching
and learning even though they are online and at a distance.

Key words: Teaching; Learning; University education; Challenges.

Introdução

Debruçarmo-nos sobre o Processo de Ensino e Aprendizagem (PEA) em tempo de


Pandemia do COVID-19 e de confinamento é em si um desafio pois implica fazer uma pesquisa
com recurso ao uso de plataformas digitais para a recolha de dados e trazer evidências do que
está a acontecer no mundo. No entanto, neste primeiro estudo, focar-nos-emos em fazer uma
descrição teórica sobre o que estará a acontecer em relação ao ensino e à aprendizagem online
e à distância que implica relação entre docente e estudante.

Uma das funções principais do docente num processo de ensino e sobretudo ensino
centrado no estudante é criar condições para que o estudante consiga encontrar-se e adaptar-se
a novas formas de ser e estar na Universidade, e daí garantir um sucesso académico
predeterminado desde que iniciou o ano lectivo de 2020. Mas, estando em tempo de Pandemia
com distanciamento e outras formas para evitar a infecção do coronavírus a relação destes
intervenientes está sendo feita à distância. Sabemos que Ensino à Distância (EaD) é
estruturado, atento às características individuais e peculiares de quem aprendem e exige uma
variedade de canais de comunicação entre os dois intervenientes (docente e estudante) do PEA.

Para reflectir sobre esse desafio, faremos a apresentação deste artigo a partir do
desenvolvimento histórico sobre o PEA numa relação de interdependência entre professor e
aluno e, no caso de Ensino Superior, na relação entre docente e discente (estudante). Embora
não seja científico considerar que o COVID-19 trouxe uma nova ordem mundial, os factos
evidenciam que duma ou doutra maneira ela trouxe sim uma nova ordem global no concernente
ao “estancamento” de poluição através do trabalho das fábricas, aviões, navios, carros, entre
outros meios que enfermam a vida humana e animal.
262

A pandemia do COVID-19, visivelmente, mostrou-nos que não há nações ricas nem


pobres, não há pessoas ricas nem pobres; não há cientistas melhores nem piores. O mundo está
hoje igual em todas as nações que o compõem. No entanto, Santos (2020) evidencia que as
pandemias embora sejam menos discriminatórias que outras violências, elas

“discriminam tanto no que respeita à sua prevenção,


como à sua expansão e mitigação. Por exemplo, os
idosos estão a ser vítimas em vários países de
darwinismo social. Grande parte da população no
mundo não está em condições de seguir as
recomendações da Organização Mundial de Saúde
para nos defendermos do vírus porque vive em espaços
exíguos ou altamente poluídos, porque são obrigados a
trabalhar em condições de risco para alimentar as suas
famílias, … porque não tem sabão ou água potável, ou
a pouca água disponível é para beber e cozinhar, etc.”
(p. 23-24)

A questão que não se cala é o que tem a ver isto tudo com o tema em estudo? A reflexão a cima
tem a ver com o tema em estudo porque o PEA implica relações não só entre culturas que se
manifestam no docente e nos estudantes em sala de aula mas sobretudo condições favoráveis
para que esta relação aconteça. Nem todos os estudantes conseguem aprender via online e/ou
à distância como se está a exigir. Terão todos os estudantes, computador, smartphone? Ou se
tem, há com dições para conexão à internet? A resposta é não.

Ora, uma das competências que se exigem no ensino superior, por exemplo, é aprender
a aprender construindo conhecimentos e criando espaço apropriado para desenvolver
habilidades sociais, atitudes, convicções e valores concernentes ao saber ser e estar na
aprendizagem do ensino superior.

Como defendem Vieira-Santos, Del Prette, Del Prette e Almeida (2019):

O ingresso na educação Superior, o processo de adaptação a essa nova


realidade académica e a permanência no sistema até concluir o curso
envolvem vários desafios para o estudante. Primeiramente a realidade
académica da Educação Superior é bem diferente da realidade do Ensino
Médio. (p. 2)
Corroborando com os autores a cima, o ensino superior exige um sair de si para se
adaptar a uma forma diferente de saber ser/estar e saber fazer tanto para o docente quanto para
o estudante. No entanto, porque a Pandemia surpreendeu a todo o sistema de ensino a
263

preparação remota foi-se fazendo ao longo do processo, para os que tiveram logo de imediato
materiais/canais de comunicação para o ensino e a aprendizagem.

Embora os mesmos autores (idem, 2019) citando Soares et al. (2014:49) defendam que

quando se compara as atividades curriculares do


Ensino Médio e da Educação Superior, observa-se que
na Universidade as atividades são “menos
sequenciadas e menos apoiadas num livro de texto ou
manual, os horários são mais flexíveis, os professores
são mais distantes e novas amizades terão que ser
construídas na base de um conjunto bastante alargado
e heterogêneo de colegas desconhecidos” (p. 2)

Esta realidade não está a aconteceu pois nem todos os docentes, e/ou estudantes têm
conhecimentos e capacidades para lidar com ensino online e à distância. Olhando ainda para
as abordagens dos autores a cima estamos em crer que, de facto, um dos desafios que tem
merecido especial preocupação pelos agentes e intervenientes de instituições de ensino superior
tem a ver com as vivências de adaptação, resolução de expectativas e qualidade de
aprendizagem dos estudantes, sem descurar dos seus comportamentos de estudo e
aprendizagem do dia-a-dia (Donaciano, 2011; Lopes, 2017).

Para responder ao que arrolamos a cima, trazemos uma abordagem teórico-exploratória


de dois psicólogos renomados no processo de aprendizagem autónoma e significativa. São eles
Lev S. Vygotsky (1896-1934) que defende, na sua teoria Sócio-Histórica, a aprendizagem
como uma conquista que a pessoa faz na relação com o meio que a rodeia no seu quotidiano,
dependendo do seu nível de desenvolvimento mental desse sujeito; e David Ausubel (1918-
2008) que elaborou a teoria de Aprendizagem Significativa na qual defende o conhecimento
prévio como a chave para a aprendizagem significativa. Na óptica de Ausubel, quanto mais a
pessoa sabe mais aprende e nós defendemos também que ao contrário quanto menos a pessoa
sabe menos aprende, querendo com isso dizer que o que realmente impulsiona a aprendizagem
é o que o aluno já conhece.

Enquadramento teórico

Na actualidade, existem muitos estudos sobre aprendizagem e sobretudo as diferentes


formas de aprendizagem apresentadas pelos teóricos de educação e de psicologia que
264

desembocam nas diferentes teorias de aprendizagem a partir da sua concepção. Como


indicamos na introdução o nosso estudo vai debruçar-se em duas grandes teorias de
aprendizagem que, pensamos ser explicativas para os resultados que almejamos: desafios de
ensino e aprendizagem em tempos de Pandemia (COVID-19).

A escolha de Vygotsky e de Ausubel é propositada por estes representarem muitos


outros teóricos de uma aprendizagem que coloca o aluno como actor e sujeito da sua própria
aprendizagem. Em nossos tempos, especialmente, no ensino superior uma boa aprendizagem
ou aprendizagem de qualidade é aquela que apresenta sucesso académico, entendido, nesta
pesquisa, como um processo de desempenho eficiente e eficaz, e que traz resultados positivos
(ex: notas positivas, saber ser e estar aceites pela comunidade, bom comportamento, entre
outros aspectos).

1.1.Porquê Vygotsky?

Lev Vygotsky é natural de Bielo-Rússia frequentou e trabalhou (num espaço de uma


década, entre 1923 a 1934) no Instituto de Psicologia em Moscovo, no qual desenvolveu as
suas teorias sobre a relação entre Pensamento e Linguagem e o desenvolvimento cognitivo.
Embora tenha morrido muito cedo, com 38 anos de idade, Vygotsky deixou uma vasta obra
resumida em seis volumes que impulsionou a escola e a educação ocidentais, através da sua
descoberta, na década 60. Nessa sua obra Vygotsky defende a ideia de que a aprendizagem
significativa é aquela que decorre através da interacção entre o sujeito, o objecto e os outros
sujeitos (estudante, conhecimento e colegas e/ou professores).

A teoria vygotskiana de aprendizagem dá maior enfoque e relevo ao papel da linguagem


na construção do conhecimento e do desenvolvimento cognitivo e aos contextos culturais. Na
base deste enfoque, surgiu a teoria de Zona de Desenvolvimento que muito ajudou a
revolucionar o processo de entendimento de como se processa a aprendizagem e a relação
existente entre professor-aluno, docente-discente.

Nesta perspectiva, informa Marques (2007: 2) que segundo Vygotsky a criança


aprende melhor quando é confrontada com tarefas que impliquem um desafio cognitivo não
muito discrepante, ou seja, que se situem naquilo a que o psicólogo soviético chama de Zona
de Desenvolvimento Próximal (ZDP). A finalidade da teoria de ZDP atesta que o docente deve
proporcionar aos seus estudantes a oportunidade de aumentarem as suas competências e
265

conhecimento, partindo daquilo que eles já sabem, levando-os a interagir com os colegas em
processos de aprendizagem cooperativa na sala de aulas (Marques, 2007: 3).

Vygotsky ao criar a teoria de ZDP quis passar-nos a mensagem de que as pessoas


aprendem na interacção com outros indivíduos não só mais velhos como, sobretudo, mais
experientes. Define-se a ZDP como a distância entre o conhecimento real (Zona de
Desenvolvimento Real - ZDR) e o conhecimento potencial (Zona de Desenvolvimento
Potencial – ZDPt). A ZDR é o conhecimento que o estudante possui no início de cada
aprendizagem, o chamado conhecimento prévio; a ZDPt é aquele conhecimento que o
estudante não sabe e tem de aprender, mas que independentemente de ter ajuda ou não se não
tiver o conhecimento real (ZDR) para o entendimento daquele conhecimento que não sabe não
poderá conhecer. Para se chegar a conhecer/saber o papel do docente será de criar condições
para o apoio e/ou a ajuda à compreensão partindo do ponto de partida do estudante
(conhecimento real, prévio).

Por exemplo: Num contexto universitário (aula de Psicologia de Aprendizagem), o


estudante poderá aprender sobre como se processa a relação pensamento e linguagem na
aprendizagem de qualquer conteúdo se tiver conhecimentos sobre o desenvolvimento dos
processos psíquicos ou tiver transformado esse conhecimento em algo que domina. Caso não,
por mais bem preparado o conteúdo sobre relação entre pensamento e linguagem o estudante
poderá não aprender.

No entendimento de Marques (2007) a teoria de aprendizagem Vygotskyana enfatiza a


ligação que existe entre a pessoa e o contexto cultural onde vive e é educada. Sendo assim os
indivíduos, ao aprender, usam os instrumentos que vão buscar à cultura em que se encontram
imersas, destacando a linguagem, que é usada como mediação entre o sujeito que aprende e o
ambiente social.

A teoria sócio-histórica de Vygotsky entende que a aprendizagem não é uma mera


aquisição de informações, nem uma simples associação de ideias armazenadas na memória, ela
contrapõe-se às teorias inatistas e empiristas trazendo à educação uma nova abordagem na qual
o sujeito aprende, desenvolve-se em interação com o objecto de aprendizagem e do ambiente
266

que o circunda, no caso a sala de aula. Nesta perspectiva, segundo Neves e Damiani (2006)
citando Freitas (2000), defendem que:

Vygotsky concebe o homem como um ser histórico e


produto de um conjunto de relações sociais. Ele se
pergunta como os fatores sociais podem modelar a
mente e construir o psiquismo e a resposta que
apresenta nasce de uma pespetiva semiológica, na qual
o signo, como um produto social, tem uma função
geradora e organizadora dos processos psicológicos…
os signos são os instrumentos que, agem internamente
no homem, provocando-lhe transformações internas,
que o fazem passar de ser biológico a ser sócio-
histórico. (p. 6)

1.2.Porquê Ausubel?

David Paul Ausubel nasceu em 25 de Outubro de 1918 no Brooklyn, Nova Iorque,


Estados Unidos de América (EUA), Filho de família pobre, imigrante da Europa Central.
Estudou medicina e psicologia na Universidade da Pensilvânia. Estudou também na
Universidade de Columbia e obteve o seu grau de Doutor em Psicologia do Desenvolvimento.
Foi Diretor do Departamento de Psicologia Educacional pela Universidade de Nova Iorque,
onde trabalhou até a aposentadoria, em 1975. Em 1976, ele foi homenageado pela Associação
Psicológica Americana (APA) pela sua contribuição à psicologia da educação. Mais tarde, ele
retornou a sua prática como um psiquiatra da Criança no Centro Psiquiátrico Rockland.

Ausubel faleceu no dia 09 de Julho de 2008, com noventa anos de idade. As obras
importante que deixou foram: Psicologia de Aprendizagem Significativa Verbal (1963) e
Psicologia da Educação: Uma perspectiva Cognitiva (1968). Na teoria de Ausubel, a
aprendizagem é significativa quando um novo conteúdo é agregado às estruturas do
conhecimento do estudante, oferecendo-lhe um significado, baseado no seu conhecimento
anterior ou melhor o conhecimento prévio, fazendo com que o estudante se torne um sujeito
activo e participante do seu processo de aprendizagem.

A escolha da teoria de Ausubel para falar da aprendizagem em tempo de Pandemia,


juntamente com a de Vygotsky, fundamenta-se na questão de que quando se ensina o estudante
deve treinar-se para o exercício da cidadania, dotando-o de conhecimento, habilidades, valores,
atitudes, formas de pensar e actuar na sociedade através de aprendizagem significativa. Apesar
desta “crença” muitas escolas continuam a usar a concepçao pedagógica tradicional, na qual se
267

“despeja” uma grande quantidade de informações, geralmente tendo como base única o
programa temático, que servirão a curto prazo e descartadas após o teste, não chegando a
modificar nada no quotidiano do estudante.

As aulas online e à distância que acontecem desde que a Pandemia do COVID-19


assolou a nossa sociedade, bem organizadas e aprendizagem autónoma dos estudantes
demonstraram que podem trazer a aprendizagem mais significativa no estudante, quando este
tiver um conhecimento prévio, do que aquelas aulas dominadas somente pela exposição,
exercitação e comprovação do aprendizado como as tradicionais.

Como diz Moreira (2010) o ser humano aprende de maneira significativa se tiver
conhecimentos prévios adequados para isso e se quiser aprender. A aprendizagem
significativa só acontece quando o ensino é centrado no aluno, no qual o aluno é activo, aprende
a interpretar, a negociar significados com o professor e os colegas, aprende a criticar e receber
crítica.

Aprender significativamente para Ausubel significa ampliar e reconfigurar o


conhecimento existente na estrutura cognitiva e com isso ser capaz de relacionar e acessar
novos conteúdos. Quanto mais o estudante se prepara, lê para a aula seguinte e/ou para
reconstruir o seu conhecimento mais está apto para assimilar n ovas formas de pensar, agir e
comportar-se. Tendo um ensino e uma aprendizagem que leva ao aprimoramento dos
conhecimentos, a universidade formará estudantes capazes de ser autónomos não só na busca
do conhecimento mas sobretudo no uso desse conheci mento para o desenvolvimento do meio
que os circunda.

No tempo da Pandemia, com um ensino online e à distância, com a colocação de


orientações claras, conteúdos bem selecionados e objectivos claros da aprendizagem podem
conduzir a uma aprendizagem significativa do estudante se este criar um propósito para
aprender.

Metodologia

Como se disse no resumo deste artigo, a metodologia versa a pesquisa bibliográfica-


exploratória porque descreve a relação de papéis entre docente e discente nas teorias de
268

Vygotsky e Ausubel, no concernente ao ensino e à aprendizagem. A escolha destes teóricos


fundamenta-se por trazer bases de como o docente e o estudante devem relacionar-se para
desenvolverem um ensino e uma aprendizagem efectivos mesmo sendo online e à distância.

2. Notas finais

Em jeito de conclusão, constatamos que o processo de ensino e aprendizagem torna-se


um desafio em tempo de COVID-19, porque independentemente da orientação que o docente
faça do seu ensino que, como processo, pode ser centrado no ensino ou centrado na
aprendizagem, acarretam (tanto um ou outro) de uma organização aturada de estratégias de
aprendizagem para o estudante se sentir senhor e sujeito do seu percurso académico.

Embora não tivéssemos tido tempo para a recolha de experiências de aprendizagem online e à
distância de estudantes num estudo hipotético, trazemos depoimentos de alguns deles sobre
suas dificuldades em manter o ritmo em tempo de pandemia:

Estudante 1 – A aprendizagem autónoma não tem sido muito eficaz. Não é fácil estudar
de casa tendo que se dividir entre afazeres domésticos e o celular, o acesso a internet,
e porque alguns conteúdos não são viáveis de ser explicados de forma virtual os
estudantes e os docentes não estão preparados para esta nova realidade.

Estudante 2 – A aprendizagem individual, pelo menos para mim não está fácil… Há
muita sobrecarga, vários trabalhos praticamente em simultâneo, sem contar com a
qualidade da rede da internet que não ajuda. Esforçamo-nos para estudar mas estando
em casa não é fácil. Alguns dos n ossos não compreendem que não estamos de férias.
Existem vários distrações em casa enquanto tentamos nos concentrar.

Estudante 3 – Para mim, em particular, não tem sido fácil estudar em casa e a internet
só complica tudo. Na verdade tem sido um desafio muito complicado. Além do m ais
temos tido várias tarefas ao mesmo tempo.

Estudante 4 – A aprendizagem autónoma elege pouca produtividade. A interação que


se pode ter presencialmente com os docentes e colegas, as actividades em grupo são de
extrema importância para a questão da percepção de determinados temas… não
produz efeito e então não rende. Não é só a questão da rede, mas dos valores
269

monetários para sustentar a internet, 99,9% dos colegas da turma e das outras turmas
e instituições académicas, não com seguem ter acesso a internet grátis, daí que é do n
osso bolso que se deve sustentar a internet. Por mim, as aulas online criam um desgaste
físico e emocional que deve estar ligado a questão da sobrecarga.

Estudante 5 – A aprendizagem autónoma não está a ser fácil, Os próprios trabalhos


que estamos a fazer… temos que sair de casa atrás de computadores para digitar e
imprimir. Mil vezes ir a faculdade porque na mesma os locais onde digitamos e
imprimimos os trabalhos são locais aglomerados de pessoas com a mesma
preocupação e com isso, corremos vários riscos na situação que nos encontramos. Está
muito difícil.

Mesmo que seja um desafio orientar o estudante online ou à distância, o processo de


ensino (planificação e organização do docente) continua a ser um baluarte seguro de orientação
das aprendizagens dos estudantes para que estes consigam viver o seu processo com
significância. Assim, a relação docente-estudante tem de continuar para que mesmo à distância
o ensino e a aprendizagem sejam reais e efectivos. Sem do uma experiência que nos apanhou
de surpresa sou de corroborar com Santos (2020) quando diz que:

“As respostas que os Estados estão a dar à crise variam de Estado para
Estado, mas nenhum pode disfarçar a sua incapacidade, a sua falta de
previsibilidade em relação a emergências que têm vindo a ser anunciadas
como de ocorrência próxima e muito provável. Estou certo de que nos
próximos tempos esta pandemia nos dará mais lições e de que o fará
sempre de forma cruel. Se seremos capazes de aprender é por agora uma
questão em aberto” (p. 28)
Penso deixar em aberto também a questão sobre o que aprendemos com a pandemia no
concernente ao PEA online e à distância e quais serão os comportamentos aceitáveis no “novo
normal” das in situações do ensino superior em Moçambique.
270

Referências Bibliográficas

DONACIANO, Bendita (2011). Vivências Académicas, Métodos de Estudo e Rendimento


Escolar em Estudantes da Universidade Pedagógica. Tese de Doutoramento, Universidade do
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Disponível em http://www.eses.pt/usr/ramiro/docs/etica_pedagogia/A%20Pedagogia%20
construtivista%20de%20Lev%20Vygotsky.pdf Acesso em 23 de Julho de 2020.

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Aprendizagem. Disponível em http://repositorio.furg.br/handle/1/3453.

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Leandro S. (2019). Relação Professor-estudante na educação superior Suporte social e
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