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ÍNDICE DO CAPÍTULO 1
1.1
Introdução à Hidrologia
Lista de Figuras
Figura 1.1 — Nilómetro de Elefantina ....................................................................................... 1.6
Figura 1.2 — Platão e Aristóteles (fragmento do quadro A Escola de Atenas de Rafael) e
Anaxágoras ................................................................................................................................... 1.7
Figura 1.3 — Leonardo da Vinci (Autorretrato)........................................................................ 1.8
Figura 1.4 — Edmond Halley, Daniel Bernoulli, Antoine de Chézy ..................................... 1.10
Figura 1.5 — Henry Darcy. Técnicos medindo com o tubo de Pitot ..................................... 1.10
Figura 1.6 — Distribuição de água na Terra ............................................................................ 1.12
Figura 1.7 — Escoamentos anuais médios expressos em altura de água ............................... 1.14
Figura 1.8 — Alturas dos escoamentos anuais médios em Moçambique e Portugal
comparadas com os valores dos respetivos continentes .......................................................... 1.15
Figura 1.9 — Água: em utilizações e na natureza ................................................................... 1.17
Figura 1.10 — Evolução a nível mundial das captações de água para vários fins ................ 1.18
Figura 1.11 — Evolução a nível mundial das captações......................................................... 1.19
Figura 1.12 — Escoamento e captação nos vários continentes, km3 /a .................................. 1.24
Figura 1.13 — Capitação das captações anuais nos continentes ............................................ 1.25
Figura 1.14 — Escoamento e consumo anuais médios nas regiões de Portugal continental 1.26
Figura 1.15 — Escoamento e consumo anuais médios nas regiões de Moçambique ........... 1.28
1.2
Introdução à Hidrologia
Lista de Quadros
Quadro 1.1 — Importância das diversas reservas hídricas ..................................................... 1.12
Quadro 1.2 — Tempos de residência para várias reservas hídricas ....................................... 1.13
Quadro 1.3 — Valores anuais médios dos recursos hídricos renováveis............................... 1.14
Quadro 1.4 — Distribuição do escoamento anual médio por regiões hidrográficas em
Portugal ...................................................................................................................................... 1.16
Quadro 1.5 — Distribuição do escoamento anual médio por regiões hidrográficas em
Moçambique............................................................................................................................... 1.16
Quadro 1.6 — Captação de água em várias regiões (km3/a) .................................................. 1.23
Quadro 1.7 — Captação de água em várias regiões (% do total) ........................................... 1.23
Quadro 1.8 — Distribuição dos consumos por regiões hidrográficas em Portugal continental
..................................................................................................................................................... 1.26
1.3
Introdução à Hidrologia
A ciência da hidrologia tem uma longa história que se inicia nas antigas civilizações
orientais e prossegue nos nossos dias. Biswas (1972), Chow (1964) e Mays (1996) fazem
excelentes descrições destes desenvolvimentos, conforme se apresenta resumidamente a seguir.
A civilização egípcia floresceu à volta do Nilo. Para além das extensivas obras de
irrigação do tempo dos faraós, há a referir a barragem de Saad-El-Kafara, no uadi El-Garawi,
datada de cerca de 2900 a. C. e cujos encontros permaneceram até aos nossos dias. Heródoto
descreve um conjunto de grandes obras hidráulicas levadas a cabo pelo grande faraó Menés,
cerca de 3000 a. C., que incluíam uma barragem no Nilo e o desvio da água para um canal
artificial, sendo a nova capital, Mênfis, construída sobre o antigo leito do rio. Quando Heródoto
visitou o Egito, cerca de 2500 anos mais tarde, já o Império Egípcio desaparecera sob o domínio
persa, mas a barragem continuava operacional — o que diz muito sobre a grande qualidade dos
construtores egípcios.
A Mesopotâmia (nome que significa entre rios) era uma região fértil, atravessada pelos
rios Tigre e Eufrates, ambos de regime muito irregular, obrigando a grandes cuidados com os
diques de proteção contra cheias e obras de irrigação. Essa preocupação aparece bem explícita
no famoso Código de Hamurabi, imperador da Babilónia (cerca de 1700 a. C.).
Se a hidráulica, pelo impacto direto das obras, ocupava o primeiro plano, a necessidade
de conhecimentos sobre a ocorrência e a distribuição da água tornava-se também muito
importante. Sendo a irrigação no Nilo feita por inundação, a medição dos níveis nesse rio foi
desde logo sendo feita, através dos nilómetros (cisternas com escalas graduadas ligadas ao rio
por condutas subterrâneas).
montante se registavam níveis de alarme, enviavam-se barcos que, remando a favor da corrente,
eram capazes de ganhar avanço em relação à propagação da ponta da cheia e dar o alerta a
jusante com suficiente antecipação para se tomarem as necessárias precauções.
Platão apresenta o conceito dum mar subterrâneo (Tártaro) com inúmeras ligações à
superfície, dando origem aos rios, lagos e mares. Aristóteles defendia que o frio transformava o
1.6
Introdução à Hidrologia
ar em água, e isso acontecia tanto nas altas montanhas como no interior da terra, sendo essa a
origem dos rios. Note-se que os Gregos dispunham de observações limitadas de muitos
fenómenos e da sua interligação, o que de certa forma explica a sua incapacidade de
descobrirem o conceito do ciclo hidrológico. Apesar disso, filósofos como Anaxágoras e
Teofrasto apresentaram hipóteses próximas da concepção moderna do ciclo hidrológico,
infelizmente caídas no esquecimento devido à influência dominante de Aristóteles.
A civilização romana não foi tão fértil como a grega em pensadores, tendo no entanto
produzido grandes obras de engenharia através da aplicação empírica da experiência adquirida.
Apesar disso, Vitrúvio apresenta no seu livro De architectura — libri decem um conceito
bastante claro do ciclo hidrológico, com a precipitação nas montanhas a infiltrar-se e a
reaparecer em nascentes e rios nas zonas baixas e a evaporação como fonte das nuvens. Há a
referir ainda Hero de Alexandria, que escreve que o caudal depende da área e da velocidade,
conceito que foi ignorado até ao século XVI.
A Idade Média na Europa foi dominada ideologicamente pela Igreja, que se opôs
fortemente à pesquisa experimental, baseando-se nos dogmas e na escolástica, para evitar o
aparecimento de heresias. Foi um período de cerca de 13 séculos de fraco desenvolvimento
científico, com o correspondente reflexo na hidrologia.
1.7
Introdução à Hidrologia
Bernard Palissy, um artista e cientista francês do século XVI com interesses ecléticos,
apresentou a primeira formulação clara e completa do ciclo hidrológico, baseada em
observações. Apresentou também ideias sobre o escoamento subterrâneo, nomeadamente sobre
a razão para o fenómeno do artesianismo e a recarga de poços a partir de linhas de água
próximas. Também as obras de Palissy, apesar de editadas em vida do autor, não tiveram grande
influência no desenvolvimento da hidrologia, possivelmente por terem sido escritas em francês
1.8
Introdução à Hidrologia
O século XVII é berço da ciência moderna, o século de Galileu, Kepler, Newton, Harvey,
Descartes, Van Leeuwenhoek. No domínio da hidrologia salientam-se os nomes de Castelli,
Perrault, Mariotte e Halley, os três últimos marcando o início da hidrologia quantitativa.
Benedeto Castelli apresenta uma explicação clara da relação entre caudal, secção
transversal e velocidade, sistematizando ideias anteriores de Hero e Leonardo da Vinci.
Pierre Perrault, no seu livro Da origem das fontes, publicado em Paris no terceiro quartel
do século XVII, demonstra brilhantemente que o escoamento no troço de cabeceira do rio Sena
podia ser totalmente explicado a partir da precipitação, apresentando um balanço hídrico
rudimentar.
Halley, muito conhecido pelos seus trabalhos de astronomia, mostrou que a evaporação
dos mares era amplamente suficiente para justificar a precipitação e os escoamentos dos rios.
Halley estimou a evaporação no Mediterrâneo e o escoamento para esse mar a partir dos
principais rios, incluindo o Nilo, o Danúbio, o Ródano, o Tibre e o Pó, e mostrou que a
evaporação era cerca de três vezes mais do que o total do escoamento.
Assim, o conjunto dos trabalhos destes três cientistas forneceu as bases quantitativas
para ancorar firmemente o conceito de ciclo hidrológico.
1.9
Introdução à Hidrologia
1.10
Introdução à Hidrologia
A água é o líquido mais abundante na Terra. De fato, existe uma quantidade enorme,
estimada em cerca de 1600 milhões de km3. Aproximadamente 15 por cento desta água está
quimicamente ligada à crusta terrestre. A quantidade de água livre é cerca de 1386 milhões de
km3 (1386 × 1015 m3). Poderia parecer que a quantidade de água na Terra fosse quase ilimitada.
Contudo, esta imagem muda bastante quando se considera a possibilidade de utilizar essa água.
Tal é bem evidente na Figura 1.6, onde o volume total de água está representado no gráfico da
esquerda e o volume apenas de água doce no gráfico da direita. Uma análise mais
pormenorizada pode ser feita a partir do Quadro 1.1, adaptado de Shiklomanov (1998) e Gleick
(1993), que mostra a importância das diferentes reservas hídricas.
1.11
Introdução à Hidrologia
Note-se que, enquanto para as águas superficiais, especialmente para os rios, esses
tempos são curtos, para oceanos, glaciares e água subterrânea esses tempos contam-se por
centenas ou milhares de anos. Note-se também que os volumes das reservas, apresentados no
Quadro 1.1, representam uma imagem estática, um instantâneo das disponibilidades de água e
pouco têm a ver com a sua importância para o ciclo hidrológico (que representa uma imagem
dinâmica) onde a contribuição dos rios ou da atmosfera, por exemplo, é muito superior ao
respetivo volume total instantâneo devido ao reduzido tempo de residência.
1.13
Introdução à Hidrologia
Recursos hídricos
Continente Área (106 km2)
renováveis (km3/a)
África 30,1 4 050
América do Norte 24,3 7 890
América do Sul 17,9 12 030
Ásia 43,5 13 510
Europa 10,5 2 900
Oceânia 8,9 2 405
Total 135,2 42 785
A Figura 1.7 apresenta os escoamentos anuais médios dos continentes expressos como
alturas de água1, evidenciando a América do Sul e África como os extremos da abundância e da
escassez relativas.
800
700
Escoamento anual médio (mm/a)
600
500
400
300
200
100
0
África América América Ásia Europa Oceânia Total
do Norte do Sul
1
O escoamento expresso como altura de água é obtido pela razão do volume de escoamento pela área da respetiva bacia
hidrográfica.
1.14
Introdução à Hidrologia
A Figura 1.8 revela que, em termos de escoamento anual médio expresso em altura de
água, Portugal goza de uma posição confortável, com um valor superior à média do
continente europeu quando se considera apenas o escoamento gerado no país, e mais ainda
quando se considera o escoamento afluente transfronteiriço. Já a situação de Moçambique é
bastante pior, atendendo a que África é, como se viu, o continente com maior escassez de
recursos hídricos.
1000
900
Escoamento anual médio (mm/a)
800
700
600
500
400
300
200
100
0
Moçambique Portugal
1.15
Introdução à Hidrologia
utilizações para fins que são indispensáveis à vida e à saúde e bem-estar das pessoas,
como beber, cozinhar, higiene pessoal e outros consumos domésticos;
utilizações de consumo público: escolas, hospitais, comércio e serviços, bombeiros,
jardins, lavagem de ruas e outros serviços urbanos;
utilizações para fins económicos, ou seja, a água que é utilizada como fator no
processo produtivo;
utilizações ligadas à conservação ambiental.
1.16
Introdução à Hidrologia
Os primeiros dois grupos de utilizações aparecem com alta prioridade quer nos países
desenvolvidos quer em países em desenvolvimento, prioridade muitas vezes traduzida em
dispositivos legais e regulamentares.
problemas ambientais que se levantam são cada vez maiores e porque há nas sociedades mais
consciência desses problemas, a gestão integrada da água com a devida consideração pela
preservação da qualidade do meio hídrico e dos ecossistemas tem vindo a receber maior
atenção e prioridade, como se evidencia na Directiva-Quadro da Água da União Europeia
(Henriques et al., 2000) transposta para Portugal pela Lei da Água 58/2005.
5 000
4 500
4 000
Captação anual (km 3/a)
3 500
3 000
2 500
2 000
1 500
1 000
500
0
1900 1920 1940 1960 1980 2000 2020
Figura 1.10 — Evolução a nível mundial das captações de água para vários fins
1.18
Introdução à Hidrologia
Os consumos são claramente inferiores às captações, uma vez que parte da água
retirada dos rios e aquíferos é devolvida embora com atraso no tempo e com a qualidade
alterada. Shiklomanov apresenta valores dos consumos para as quatro categorias que
considerou, resultando em percentagens relativas às captações de cerca de 70 por cento para a
irrigação, 16 por cento para a indústria, 10 por cento para o consumo doméstico e municipal e
100 por cento para as albufeiras. No ano 2000, o consumo seria, segundo Shiklomanov, de
cerca de 2200 km3/a, tendo este autor projetado para o ano de 2025 um consumo de cerca de
2800 km3/a.
4 500
4 000
3 500
Captação anual (km 3/a)
3 000
2 500
2 000
1 500
1 000
500
0
1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020
1.19
Introdução à Hidrologia
A população mundial era em 1900 de 1500 milhões, chegou aos 5000 milhões em
1987, em 2000 ultrapassou os 6000 milhões e, embora o ritmo de crescimento tenha
abrandado significativamente2, espera-se que atinja os 8000 milhões em 2025 (USCB, 2004).
Grande parte deste aumento da população ocorre nos países menos desenvolvidos, que
tinham 67 por cento da população mundial em 1950, percentagem que passou para 76 por
cento em 1990 e poderá chegar a 84 por cento em 2025.
A população mundial está também a concentrar-se cada vez mais em cidades, tendo a
população urbana passado de menos de 30 por cento em 1950 para mais de 50 por cento em
2007, podendo vir a exceder 60 por cento em 2025-2030 (UNFPA, 2007).
Por outro lado, se uma proporção significativa do crescimento urbano nos países em
desenvolvimento se materializar em bairros informais sem sistemas minimamente adequados
de abastecimento de água e saneamento, tal poderá resultar numa menor procura de água,
mas tal será à custa dum agravamento de problemas de saúde pública e poluição.
De acordo com World Resources Institute (1992), a agricultura irrigada iria extrair
cerca de 2600 km3 em 2000, embora a percentagem do consumo mundial total viesse a baixar
de cerca de 63 por cento para 55 por cento em virtude do crescimento do consumo doméstico
e industrial. Grande parte da irrigação que se faz no mundo está concentrada na Ásia — 60
por cento do consumo de água, 75 por cento da área irrigada. Mais de metade da área irrigada
no mundo está concentrada em quatro países, China, Índia, Paquistão e Bangladesh, através
de captações realizadas em grandes rios como o Indo, o Ganges, o Bramaputra, o Yangtze e o
Hwang-ho. Outros países com grandes áreas de irrigação são os Estados Unidos, a Rússia e
2
A taxa de crescimento da população decresceu de cerca de 2,2 por cento ao ano em 1963-64 para cerca de 1,2 por cento ao
ano em 2002.
1.20
Introdução à Hidrologia
O crescimento do consumo de água para irrigação tem abrandado, quer por haver
menos solos facilmente adaptáveis a irrigação, quer porque a água começa a tornar-se
escassa. Este último aspeto tem levado à adoção, num número crescente de países e de
perímetros de irrigação, de tecnologias mais eficientes, do ponto de vista do consumo de água
e energia, e que minimizam o risco de salinização dos solos.
3
Quando se refere evaporação pretende-se significar o excesso da evaporação relativamente à precipitação.
1.21
Introdução à Hidrologia
Durante bastante tempo, o processo mais utilizado para tratar efluentes de águas
residuais domésticas e industriais assentou na diluição inicial no meio recetor e subsequente
autodepuração. Infelizmente, isto requer volumes pelo menos de uma ordem de grandeza
superior aos dos efluentes, o que se vem revelando cada vez mais difícil em diversas regiões
devido à redução dos caudais naturais por causa das crescentes captações em paralelo com o
aumento dos volumes dos efluentes descarregados.
L’vovich (1979) foi um dos investigadores que, na antiga União Soviética, mais cedo
alertou para os riscos associados à poluição, tendo apresentado propostas bastante radicais
para reduzir a zero as descargas poluentes nos meios hídricos, incluindo reciclagem
industrial, tecnologias secas e espalhamento das águas residuais em terrenos apropriados.
1.23
Introdução à Hidrologia
Escoamento Captação
Escoamento e captação anuais médios (km 3/a)
16 000
14 000
12 000
10 000
8 000
6 000
4 000
2 000
0
África América do América do Ásia Europa Oceânia
Norte Sul
1.24
Introdução à Hidrologia
1 400
1217
1 200
1 000
Capitação (m 3/hab/a)
839
800
588
600 538
440
400
235
200
0
África América do América do Ásia Europa Oceânia
Norte Sul
As capitações dos consumos eram no dealbar do século XXI de cerca de 900 m3/hab/a
em Portugal e de 140 m3/hab/a em Moçambique. Considerando agora as capitações do
escoamento anual médio gerado em Portugal e Moçambique, os valores resultantes dos
censos de 2001 em Portugal (população — 9,73 milhões) e de 2007 em Moçambique
(população — 20,6 milhões) indicam capitações para esses anos de 3500 m3/hab/a para
Portugal e de 4850 m3/hab/a para Moçambique. Quando se incluem os escoamentos
transfronteiriços, esses valores passam para cerca de 8000 e 10 500 m3/hab/a, respetivamente.
1.25
Introdução à Hidrologia
Quadro 1.8 — Distribuição dos consumos por regiões hidrográficas em Portugal continental
Em termos de consumo total, o valor de quase 9 km3 já é uma fração apreciável, cerca
de 25 por cento, do escoamento anual médio total gerado no território, embora essa
percentagem desça para pouco mais de 10 por cento quando se entra em conta com os
escoamentos transfronteiriços. O consumo por unidade de área apresenta-se extremamente
equilibrado na sua distribuição regional, o que, atendendo à disparidade geográfica da
disponibilidade de recursos hídricos, expressa no
Quadro 1.4, cria uma pressão bastante grande sobre a água, sobretudo na região do
Algarve, onde o consumo se situa à volta de 50 por cento do escoamento anual médio, Figura
1.14.
45
Escoamento e consumo anuais médios (km 3/a)
40
35
30
25
20
15
10
0
Norte Centro Tejo Alentejo Algarve
Figura 1.14 — Escoamento e consumo anuais médios nas regiões de Portugal continental
1.26
Introdução à Hidrologia
De acordo com as mais recentes estimativas feitas para todo o país (DNA, 1998), a
captação total anual média era na década de 90 de cerca de 645 hm3, dos quais 550 hm3 para
irrigação, 80 hm3 para consumo doméstico e 15 hm3 para consumo industrial. A esse valor
total devem somar-se as perdas por evaporação nas grandes albufeiras, particularmente as da
barragem de Cahora Bassa, que foram estimadas em 2200 hm3 . Chega-se então a um total de
menos de 3 km3/a, valor muito baixo em comparação com os cerca de 100 km3 de
escoamento anual médio gerado no país, ou os cerca de 216 km3 entrando em consideração
com os caudais transfronteiriços.
1.27
Introdução à Hidrologia
120
100
80
60
40
20
0
Sul Centro Zambeze Centro-Norte Norte
muito distintas das que se nos tornaram habituais a partir da segunda metade do século XX.
Embora polémico, é usual referir-se, ao menos em relação à Europa, que entre os séculos X e
XIV se verificou um pequeno óptimo climatérico designado por Período Quente Medieval, ao
passo que entre cerca de 1500 e 1850 as temperaturas baixaram significativamente na
chamada Pequena Idade do Gelo, tanto no hemisfério norte como no hemisfério sul (Cronin
et al., 2003, Tyson et al. 2000, Akasofu, 2008).
Embora toda a história passada do clima na Terra pareça apontar para a entrada no
período de transição para uma nova era glaciar, tal dá-se numa escala temporal de milhares de
anos, que ultrapassa em muito a escala de tempo que motiva e condiciona a sociedade
humana e que é da ordem dos dez a cem anos. A esta escala, como se viu, pode haver grandes
variações em relação à tendência de alteração do clima a longo prazo.
Nas últimas três décadas, de acordo com o IPCC (2007), reforçou-se a tendência para
o aumento da temperatura média do planeta que vinha a registar-se desde o fim da Pequena
Idade do Gelo, por volta de 1850. Segundo o IPCC, tal deve-se ao aumento da concentração
dos gases de estufa, particularmente do dióxido de carbono de origem antropogénica que, por
um feedback positivo, originaria um aumento do teor de vapor de água na atmosfera. Os
cenários e os resultados da modelação apresentados no IPCC (2007) apontam para um
aumento de temperatura entre 1,8 e 6,4 ºC e um aumento do nível médio dos oceanos entre
0,18 e 0,59 m por volta do final deste século.
Arnell e Liu (2001) referem que o impacto das alterações climáticas nos recursos
hídricos depende não só de mudanças nos volumes, ocorrência temporal e qualidade da água
mas também de outros fatores, como as pressões da procura sobre o sistema, a evolução da
gestão dos recursos hídricos e as medidas de adaptação às alterações climáticas que forem
implementadas. Nessa perspetiva, as alterações não climáticas como as que se relacionam
com as características fisiográficas das bacias hidrográficas, particularmente alterações do
uso do solo, podem ter um impacto muito superior ao das alterações climáticas.
EXERCÍCIOS
1.1. Escreva um ensaio de uma página com a biografia de uma figura do século XX que tenha
dado uma contribuição importante para o desenvolvimento da hidrologia e da gestão da água,
referindo essa contribuição e o seu impacto.
1.2. Analise o potencial das transferências de água entre bacias hidrográficas no seu país
como forma de aumentar a sustentabilidade dos consumos em determinadas regiões, referindo
os possíveis impactos positivos e negativos.
1.3. Determine os tempos de residência duma grande albufeira (mais de 100 hm3) e duma
pequena albufeira (menos de 5 hm3) no seu país. Comente.
1.30
Introdução à Hidrologia
1.5. Da água doce existente no globo terrestre, cerca de 35 × 106 km3, 30 por cento reside em
média 1400 anos nos aquíferos subterrâneos e 0,006 por cento reside em média 16 dias nos rios.
Calcule o volume médio de renovação anual nos dois reservatórios e, com base no resultado
obtido, refira de qual dos reservatórios se poderá utilizar de modo permanente maior quantidade
de água.
1.6. O volume de água existente nos oceanos, que ocupam uma área superficial de 70 por
cento da superfície do globo terrestre, estima-se em cerca de 1338 × 106 km3. Sabendo que o
coeficiente de dilatação térmica da água é de cerca de 0,00015 K-1 e desprezando outros efeitos,
estime o aumento da profundidade média dos oceanos quando a sua temperatura se eleve
uniformemente de 1 ºC. Considere que o raio médio da Terra é 6370 km.
1.7. Considere uma dada região (de pequena dimensão) do seu país. Estime os consumos
para os diversos tipos de utilização e indique as fontes de água que permitem satisfazê-los.
1.8. Escolha uma região do seu país onde se verifiquem com certa frequência carências de
água para vários fins. Analise a razão dessas carências, as políticas governamentais adotadas
para as enfrentar e se tais políticas estão a ter sucesso.
1.9. Escreva um ensaio sobre medidas e programas de curto, médio e longo prazos que
conduzam a uma maior eficiência na utilização da água e a uma redução do desperdício e da
poluição hídrica.
1.10. Considere uma grande albufeira no seu país e compare o acréscimo de volume evaporado
com o volume total de água utilizada para satisfazer diversos consumos com caudais
regularizados pela albufeira.
1.12. Indique como é que as alterações climáticas podem influenciar a escolha de ferramentas
de análise, como os métodos estatísticos e os modelos de simulação, nos estudos hidrológicos.
1.31
Introdução à Hidrologia
BIBLIOGRAFIA
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Akasofu, S., Is the Earth still recovering from the Little Ice Age?, International Arctic
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1.34