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Santa Chiara

d’Assisi, o desejo que


revolveu o sacerdócio
feminino dentro da
cristandade
POR MARIANA CARVALHO
perfil • 15.09.2022 • quinta de júpiter • disseminadora em gêmeos • lunação virgem-libra

Agosto das Encruzilhadas


Um dos sacerdócios celebrados no mês de agosto é o de Santa Clara de Assis, seu dia santo é
em 11 de agosto, assim como o da egrégora arcaica da Medusa. Nessa encruzilhada do
fabuloso agosto ambas foram sacerdotisas que até hoje tem sua história contada pelo
patricapitalismo. Medusa se tornou vilã e Santa Clara o cordeirinho obediente de São
Francisco, mas em realidade ambas tiveram suas próprias histórias e guerras para travar e são
retrato do apagamento do sacerdócio feminino na história da humanidade.

Pesquisar a existência de Clara, as origens das clarissas e compreender o seu sacerdócio é


fortalecedor e inspirador enquanto bruxa dedicada à Tradição da Mariposa e artista da Guilda
Anansi, pois me permite enxergar nascedouros de horizontes dentro de um sacerdócio e
compreender os processos históricos atravessados pela cristandade. Como escreveu e teceu
em cena Amanda Maia, minha Grã-Mestra e orientadora artística, na encenação Altar
Imanente: “bruxas são demônias apócrifas da cristandade”, para entender a causa das
mulheres e as reverberações possíveis da existência de Santa Clara é preciso entender o
contexto histórico da cristandade no medievo, considerando o papel dessa instituição no
apagamento de mulheres.

Nome Chiara d’Offreducci


Nascimento 16 de julho 1194

Local Assis, Itália

Existência Fundadora da Ordem das Clarissas,

Aprendiz de São Francisco,

Santa Clara, Santa Clara de Assis,

autora da primeira forma de

vida franciscana para mulheres

Sol Câncer

Lua Peixes
Mercúrio Leão

Vênus Câncer

Marte Libra

Júpiter Gêmeos

Saturno Capricórnio

Urano Gêmeos

Netuno Peixes

Plutão Câncer
O desejo de um coração em
chamas
Santa Clara de Assis, nascida Chiara d’Offreducci, em Assis na Itália, foi a fundadora da
ordem franciscana das clarissas, guiada por São Francisco, foi a primeira mulher a criar um
documento aprovado pelo Papa dentro da Igreja Católica.

Quando Clara decidiu seguir o chamado da sua devoção, aos 17 anos de idade, não teve
aprovação de sua família, por conta de sua posição social o esperado era que ela se casasse e
garantisse a ascensão do patrimônio herdado. Mas Clara havia escutado as pregações de
Francisco sobre a abdicação de bens materiais e uma forma de vida dedicada a partilhar do
que se tem com aqueles que não possuem nada, nesse momento seu coração ardeu em desejo
para seguir seu propósito.

Mesmo com seu papel naquela sociedade já predefinido Clara foge, em 1212, para o
monsteiro de São Paulo das Abadessas. Se tornou amiga próxima de seu mentor, Francisco e
desejava seguir seus passos com o aval da Santa Sé[1]. Não permaneceu muito tempo nesse
convento, pois a forma de vida seguida ali não era a franciscana, fez a jornada para outro
monsteiro onde também permaneceu por um curto período de tempo, até que Francisco a
levou para São Damião, lá ela vive sob uma regra de sacerdócio que se assemelha, mas não é
a franciscana. Em 1216 recebe o título de abadessa com relutância, justamente por não está
contente com as normas que lhes fora ditada para seguir.

Quem ama as coisas temporais, perde o fruto do amor, porque não se pode servir
a Deus e ao dinheiro; ou se há-de detestar um e amar o outro, ou se há-de dedicar
a um e desprezar o outro

Clara de Assis em carta para Inês de Praga, sua companheira de sacerdócio

Clara, ao abandonar a propriedade privada e suas riquezas se viu numa vida fora do sistema
até da própria cristandade, só após anos de luta consegue receber do pontifício o chamado
Privilegium Paupertatis[2] e tem parte do seu sacerdócio legitimado, mesmo assim tal
concessão não englobava por completo a vida desejada pelas Irmãs Pobres, o que despertou o
desejo de criar sua própria Forma Vitae[3] para exercer com plenitude seu sacerdócio.

Para criar sua forma de vida consultou suas companheiras de sacerdócio e freis de confiança
da ordem franciscana e seguiu os passos de seu mentor, São Francisco de Assis. Clara lutou
durante toda sua vida pelo direito de seguir sua fé como desejava, como lhe foi ensinado
através do guiamento e empenhou sua causa enfrentando diretamente a hierarquia do
patriarcado dentro da igreja; as clarissas e sua forma de sacerdócio feminino, foram
inicialmente um problema a ser resolvido instituicionalmente.

O revolver do sacerdócio feminino


A situação vivida pela cristandade nos últimos séculos da Idade Média era completamente
nova, principalmente o fenômeno que aconteceu na cidade de Assis, impulsionado pelo
próprio Francisco, onde um bom número de casos de mulheres “virgens”[4] e de famílias
ricas abandonaram suas casas e escolheram a caridade e a pobreza segundo a fé cristã, o que
levou suas famílias de origem nobre a pressionar a instituição. Na época a Igreja Católica
triunfava em seu poder social e econômico acumulado após séculos de tomada de poder
através da fogueira e e do Estado, um paradoxo ao se considerar que a maior parte da
população sofria cada vez mais com as desigualdade econômicas, falta de alimentos e
moradia, um cenário de revolução popular contra aqueles no poder.

Tal cenário contribuiu para o surgimento das três ordens franciscanas: a dos frades, a das
Damas/Irmãs Pobres (mais tarde chamadas de clarissas) e a ordem dos irmãos da penitência;
essa última era composta por homens e mulheres, viúvos e viúvas ou pessoas em matrimônio.
Seguiam os princípios franciscanos que pregavam a pobreza e a doação de todos os bens
materiais para a população pobre. Porém as Damas Pobres cresceram em proporções não
previstas, com monsteiros surgindo nos arredores da região de Assis, deixando aberta a
questão de quem tomaria conta daquele grande número de mulheres nobres e “virgens” que
haviam abdicado não só de seus bens, mas também do dever sistemático de serem mães.

Foram 40 anos durante os quais a guarda das clarissas foi jogada de um superior para o outro,
fazendo-as sempre seguir regras que não eram suas e que muitas vezes não condiziam com
suas crenças franciscanas, o desejo de Clara era que pudessem ditar suas próprias regras, mas
elas eram mulheres insubordinadas, uma anomalia no sistema da cristandade em sua busca
por poder econômico que afetava cada corpo daquela sociedade.

Quando uma jovem Clara foi coagida a aceitar uma forma de vida que não a franciscana
quase embarcou em mais uma fuga, mesmo com a intervenção de Francisco, cuja a forma de
vida abrangia apenas os frades e não um ramo de sacerdócio feminino. Mas a intenção de seu
mestre não era a de guiar todas as comunidades de mulheres franciscanas que surgiam, coube
a Clara e suas companheiras organizar e criar o sacerdócio que desejavam.

Quando se tornou abadessa e líder das Damas Pobres de São Damião, Clara ainda precisava
viver sobe uma forma que não era sua. Receberam o privilégio da pobreza do pontifício, mas
consideravam os preceitos da regra que foram coagidas a aceitar moderados e não
condizentes a sua forma de ver o sacerdócio.

Ao longo dos anos a situação foi se tornando complexa para a Santa Sé, pois aquelas
mulheres eventualmente desviavam das normas ditadas por não serem os preceitos
franciscanos aos quais elas desejavam seguir; a essa altura as Damas Pobres não respondiam
mais ao frei Francisco, pois estavam sob os domínios das leis eclesiásticas do pontifício.
De acordo com a fé cristã um dos milagres que fez de Clara uma santa foi o de defender o seu
convento ao empunhar o ostensório contra o exército romano e pedir intervenção divina para
proteger suas companheiras de sacerdócio. Este milagre a torna uma das bases dos chamados
carismas da Igreja Católica, dons do Espírito Santo que se manifestam na Terra através de
pessoas santas
É somente quando Clara já é senhora, cansada de estar a mercê da hierarquia católica e ainda
tomada pelo desejo de ter seu propósito de vida regularizado pela cristandade, que ela
começa a escrever sua própria Forma Vitae, a forma de vida das clarissas, seus saberes e
tradições dedicados a pobreza e a caridade, criando registro que marca a história do
sacerdócio feminino e sua luta por legitimação.

A sua história nos permite entender que a ordem das clarissas não é somente a ramificação
feminina franciscana, mas que construiu seu próprio diálogo a partir do guiamento de
Francisco, Clara se fez ouvir e revolveu a forma do sacerdócio feminino dentro da Igreja
Católica.

Contudo, a Forma Vitae de Clara só é aprovada em 1253, quando ela já está muito doente, em
seu leito de morte, vindo a falecer no dia seguinte, 11 de agosto. Seu legado e o escrito
original foram com ela para o túmulo, uma nova regra é redigida para as clarissas após sua
morte, a regra original só é encontrada novamente no século XVIII, o que afetou a forma
como sua história é contada até hoje. Se tornou símbolo de submissão quando na verdade foi
a mais fervorosa devota da causa de ser livre em sua devoção.

É preciso considerar Santa Clara como parte fundante do sacerdócio feminino dentro da
cristandade, omitir ou esquecer disso é continuar a ignorar como essa forma de sacerdócio
afeta as estruturas da Igreja Católica. Sua história ensina que há sempre mais sob a superfície
das narrativas femininas contadas pelo Sistema Vigente, principalmente sobre essa forma de
sacerdócio feminino advindo de uma instituição dominada pelo masculino.

Clara desejava, como todas àquelas mulheres que deixaram seus lares e escolhas pré-prontas
para trás e seguiram seu chamado, ter sua vida reconhecida como parte das ordens
franciscanas, mas para além disso desejava ter o lugar de suas irmãs delimitado por suas
próprias regras. Nesse sentido, enquanto santa, Clara se torna símbolo da fé que deseja seguir
suas próprias direções, a liberdade de viver dedicada a sua devoção e das revoluções trilhadas
pela necessidade de transformação.

Manifeste com segurança, uma à outra, sua necessidade. E se uma mãe ama e
nutre sua filha carnal, quanto mais diligentemente deve uma Irmã amar e nutrir
sua irmã espiritual?

Santa Clara de Assis em sua Forma Vitae

Assim como outras santas, mulheres e deidades celebradas no mês de agosto, Santa Clara
também é amuleto para as mulheres insubordinadas, revolucionárias e que aspiram a
liberdade de seus desejos e de sua devoção, podendo também ser chama acesa que inspira e
ilumina em Noite de encruzilhada.
Clara,
mulher cheia de claridade,
irmã de Francisco de Assis,
intercede por teus devotos
que querem ser puros e transparentes.

Teu nome e teu ser


exalam o perfume das coisas inteiras
e o frescor do que é novo ou renovado.

Clareia os caminhos tortuosos


dos que se embrenham na noite
do próprio egoísmo
e nas trevas do isolamento.

Oração à Santa Clara

Notas de rodapé:

[1] Segundo o Canon 361 do Código de Direito Canônico de 1983, “sob a denominação de Sé Apostólica ou Santa Sé, neste
Código, vem não só o Romano Pontífice, mas também,[…] a Secretaria de Estado, o Conselho para os Negócios Públicos da
Igreja e os demais organismos da Cúria Romana”.

[2] “Privilégio da pobreza”, documento concedido pelo pontifício que afirma “Assim, confirmamos como pedistes, com o
favor apostólico, o vosso propósito da mais alta pobreza, concedendo-vos em força deste documento que não possais ser por
ninguém obrigadas a receber propriedades”. Na época, as famílias nobres das quais grande parte das irmãs se originavam
não aprovavam da pobreza pregada por Francisco e vivida pelas clarissas e insistentemente tentavam doar grandes
propriedades para o convento da qual Clara era líder.

[3] “Forma de vida” ou “Regra” para a cristandade são as constituições particulares de uma congregação, sua episteme para
caminhar no sacerdócio.

[4] O termo está entre aspas pois se refere ao significado de “mulher virgem” deturpado pela cosmovisão cristã de mulher
imaculada, não manchada pelo pecado da carne; e não da cosmovisão da Tradição de Bruxaria Mariposa que se vale da
origem da palavra virgo, o vigor daquilo que brota sem a necessidade de fecundação, virgem é o termo usado para designar
“deusas que nasceram espontaneamente”, como afirmou a Sereia Mística em transmissão na Rádio Café Antonina.

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