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CUIDADOS DE ENFERMAGEM NAS UNIDADES HOSPITALARES:

ASPECTOS SOCIAIS E ANTROPOLÓGICOS COM ÊNFASE NA RELIGIÃO

FEITOSA, M.G.A.¹, Centro Universitário Estácio da Amazônia; CARVALHO, L.L.², Centro


Universitário Estácio da Amazônia; SILVA, N.S.³, Centro Universitário Estácio da Amazônia.

PALAVRAS-CHAVE: Acolhimento. Enfermeiro. Fé.


EIXO TEMÁTICO: Eixo I – Cuidado, Tecnologia e Inovação em Saúde.

INTRODUÇÃO
A religião, considerada matriarca da enfermagem, está intimamente atrelada a
carreira mesmo após seu reconhecimento como ciência. Esta, iniciou-se pelo
cumprimento de promessas e penitencias e tem sua face moderna definida pela figura de
Florence Nightingale, que acreditava fervorosamente ser chamada por Deus para servir
a humanidade (HALLET, 2021). Nas unidades hospitalares, a equipe de enfermagem,
possuindo maior convivencia com o paciente, é privilegiada na capacidade de vizualizar
marjoritariamente suas necessidades. Porém, ainda hoje, não compreende os reais
significados de religiosidade e espiritualidade, diretamente atrelados ao cuidado
prestado (BENKO et al, 1996).
A relevancia deste trabalho se aplica à necessidade de compreensão da
enfermagem às necessidades holísticas do paciente. Levantou-se a problemática:
relação enfermeiro-paciente religioso, pois o Brasil possui 90% de sua população
declarada religiosa (PICKEL, 2013). A pesquisa foi movida pela busca do entendimento
relacional entre fé e recuperação do paciente, além do dimensionamento dos termos
sociedade e cultura como fatores identitários, correlacionados com a comunicação entre
enfermeiros e clientes.

METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa descritiva e bibliográfica com abordagem
qualitativa, permitindo a construção de novas reflexões, revisão e criação de novos
conceitos a partir de materiais já publicados. O material coletado passou por uma
triagem e foi acompanhado de anotações, às quais foram utilizadas para descrevê-
1. Discente do Curso de Bacharel em Enfermagem do Centro Universitário Estácio da Amazônia; E-mail
gabifeitosa01@gmail.com
2. Discente do Curso de Bacharel em Enfermagem do Centro Universitário Estácio da Amazônia; E-mail:
lunnalimacarvalho@gmail.com
3. Docente do Curso de Bacharel em Enfermagem do Centro Universitário Estácio da Amazônia; E-mail:
silva.nadja@estacio.br
lo(GIL, 2010). Os artigos coletados totalizaram-se em vinte, destes fez-se seleção
rigorosa de apenas doze. O estudo contou com o embasamento em doze livros, além
de legislação e estudos internacionais.
No período de março à abril de 2022 aconteceu a investigação bibliográfica,
baseiou-se em fonte secundária com objetivo de proporcionar o aprimoramento das
ideias (SOUZA et al, 2021). Fora realizada uma revisão de literatura através da
organização de um acervo temático compilado de artigos científicos nas bases de
dados SciELO (Scientific Eletronic Library Online), BIREME (Biblioteca Virtual
em Saúde) e Google acadêmico. Além de livros e revistas sobre o tema pelos
descritores: Cuidado; Religião; Enfermagem.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Cultura é a maneira inerente do homem existir no coletivo. Esta, se realiza em
parte ciente, em parte inconsciente, constituindo um sistema relativamente harmônico
de viver em sociedade. É definida como um conjunto de símbolos sistematizados,
expressos por idioma, matrimônio, economia, arte, o saber em ciência e a religião,
indicando uma realidade física e social. (LÉVI STRAUSS, 2003). Sir Edward Taylor a
define como um complexo que inclui instrução, convicção, arte, regras, moralidade,
costumes, e outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da
sociedade (ROCHA, 1991). É considerada um fenômeno existencial humano, pois em
todos os lugares do mundo suas infinitas formas de organizações sistematizaram-se
desta forma.
Para Laplatine (1989) a sociedade é o conjunto das relações dos agrupamentos
entre si dentro de um mesmo conjunto e para com outros conjuntos, também
estruturados. A cultura, por sua vez, não é nada mais que o próprio social. Gaarder
(2000), a define como uma entrada entre o mundo material (bio-físico) ao mundo
espiritual através de 4 elementos: crença religiosa, cerimônia religiosa; a organização
sacerdotal ou leiga; a experiencia de vivencia da religião, contidos em todas as culturas
humanas. A situação religiosa é muito mutável, diversas realidades que eram claras e
inequívocas no passado estão evoluindo para situações complexas pela margem de
fenômenos como urbanização, imigração em massa, movimentos de refugiados. A
globalização tem cooperado para a junção de diversos saberes e tradições e a criação de
novas crenças e religiões (JOÃO PAULO II, 1990).
Leininger expressa, através da Teoria da Diversidade Cultural do Cuidado e
Universalidade, a necessidade do profissional considerar o impacto cultural sob a saúde
e cura do paciente. Reforçando que a visão de doença do indivíduo impacta severamente
em sua recuperação (MCEWEN, 2016). O Dicionário Online de Português caracteriza
cuidar como: tratar, assistir, cogitar, meditar, julgar e supor. Para Boff (2014), cuidar é
uma atitude revelada no momento de atenção através do zelo. É um compromisso de
ocupação e responsabilização pelo outro. Anna Valéria qualifica a enfermagem como
uma carreira centrada no indivíduo e resulta na arte do cuidar cuja relação está entre
quem precisa de cuidados e alguém capacitado para atender essas necessidades
(ALMEIDA et al, 2005). A teoria do cuidado humano, de Jean Watson, define esta
relação como uma conexão unitária no momento de cuidado, que honra o espírito do
enfermeiro e do paciente (MCEWEN, 2016).
Segundo o Monitor de Religião, de Bertelsmann (2013), o Brasil é um dos países
mais religiosos do mundo, tendo 90% da sua população religiosa. Silva e Andrade
(2021) reiteram que a diversidade religiosa no Brasil é resultado da chegada dos povos
orientais, afro, ocidentais, indígenas e europeus. A presença de variadas culturas
aumentou a gama de cultos. A pluralidade de manifestações, hoje, dá espaço à práticas
sem vínculo direto com instituições religiosas, além de posicionamentos agnósticos ou
ateístas. A enfermagem iniciou-se de atividades penitenciais, meios de purificação. O
mosteiro tornou-se um centro de influência, aprendizado e cultura. Cuidar dos doentes
tornou-se o dever principal, e todos os mosteiros criaram enfermarias para seus
membros e hospitais para os necessitados da comunidade (DONAHUE, 1993).
Sá (2009) aborda a excelência dos enfermeiros no cuidar do corpo físico,
entretanto sinaliza o lado psico-sócio-espiritual deixado em segundo plano, tornando a
recuperação comprometida. Para Krüger (2018), as crenças pessoais estão diretamente
ligadas aos comportamentos determinando a forma como se dão as relações. A postura
adotada pelo enfermeiro interfere no processo de cuidado (Almeida et al, 2005).
Somente quando o sujeito sente que alguém está disposto a ouvi-lo, é que ele nos ajuda
a assisti-lo (ARAÚJO, 1975). Cultura, percepção da doença e linguagem podem
desencadear falhas de comunicação entre enfermeiro e paciente (BORBA et al, 2017
apud LEITE at al, 2007; QUEIROZ et al, 2012). O entendimento do contexto em que
esta relação se encontra é fundamental para uma melhor compreensão da comunicação
(CERON, 2012).
A rotina de turnos variados e sobrecarga facilita a ação dos profissionais por
impessoalidade, corroborando com o não envolvimento. A falta de empatia une-se a má
comunicação e proporciona uma experiência alheia ao paciente. Estes fatores adjuntos
dos procedimentos mecanizados e comuns ao profissional, entretanto incomuns ao
paciente, tornam a estadia no hospital devastadora. O paciente internado possui
limitação de sua rede de apoio familiar, rotina, seu lar e sua comunidade de fé.
Tornando-se vulnerável aos cuidados de terceiros e possuinte apenas de seu corpo
fragilizado e suas crenças. Seu único bem intocável é a sua fé. Mediante isso, diversas
vezes eles sentem necessidade de manifestá-la questionando possibilidades ao
profissional. Por vezes, este não possui conhecimento acerca da lei n° 9.982/00, que
declara livre e garante direito a suas manifestações religiosas no ambiente hospitalar,
subtendendo tais serviços como favores, tornando-o dependente de sua afinidade com os
profissionais.
O ser humano é cercado de questões acerca da própria existência. As religiões,
presentes em todas as civilizações, procuram responder tais perguntas conotando um
senso de identidade e propósito (PRATES; GARBIN, 2017). Para Massimi e Mahfoud
(1999), em sua busca de ser, o ser humano é naturalmente religioso. Na era medieval, a
igreja cristã deteve poder no mundo espiritual, material e intelectual. Para Rocha
(1996), o povo da época concebeu o seu próprio sentido na história rejeitando o
inexplorado. Neste tempo, todas as formas de conhecimento eram controladas e
orbitavam em torno do teocentrismo (MEREGE, 2020). O Iluminismo trouxe a
revolução da razão sob o pensamento religioso (CASSIRER, 1992). Adiante, Freud
demonstrou o automatismo psíquico ditando a religiosidade como neurose, definindo o
ser humano apenas como corpo-mente.
Em contrapartida, Victor Frankil (2007) caracterizou o ser humano como bio-
psico-espiritual. Defendendo, inclusive, em quem não professa crença em determinada
divindade, uma espiritualidade inconsciente, nomeada de “a presença ignorada de
Deus”. Em O espirito do ateísmo: Introdução a uma espiritualidade sem Deus, André
Comte-Sponville defende a esperança como fruto da fé, oposta ao desespero, e a
religião como algo não necessariamente transcendente. Expõe a necessidade do divino
para quem não acredita em divindade. A relação entre religião e cura tem origem antiga.
Os egípcios associavam sua magia à cura, confiando no potencial curativo das mãos.
Atualmente, as religiões protestantes realizam a imposição de mãos na enfermagem
conhecido como toque terapêutico (MARTA et al, 2010). Laplantine (1995) sugere que
toda técnica tem dimensão ritual, e os rituais podem conter uma eficácia terapêutica.
Um estudo prospectivo de seis anos com 557 idosos, conduzido por Lutgendorf
et al, em 2004, apontou que, naqueles que frequentavam serviços religiosos, o risco de
morte reduzia-se 78% e os níveis de interleucina-6 eram 66% menores durante o
período de seguimento. Outro estudo, realizado em 2013 na Paraíba conduzido por
Pereira e Kluppel, mostrou que 77,7% dos pacientes foram curados ou tiveram ajuda na
recuperação de algum mal com o auxílio da fé. A visão sobre a cura pode estar
associada a mudança de entendimento sobre a aflição (KAPFERER, 1979). O líder do
espiritual fornece alívio e oferece uma causa do adoecimento evidenciando um inimigo
definido para lutar. Um homem fervoroso, apoiado por sua fé, obtém conforto e torna
seu sofrimento mais suportável em um sentido maior (AQUINO et al., 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se que, não há como citar a enfermagem sem relembrar sua precursora
histórica, a religião. Como uma profissão baseada em evidências, há necessidade no
campo profissional e acadêmico de considerar a eficácia dos estudos de Lutgendorf,
Pereira e Kluppel e Marta acerca da facilidade de recuperação dos pacientes por
intermédio da fé. A ideia de um indivíduo composto apenas por corpo-mente, de Freud,
apesar de correta torna-se limitada às necessidades humanas em relação ao que Victor
Frankl, definiu como ser bio-psico-espiritual. Fazendo da visão holística indispensável
no cuidado.
Em relação a globalização, diversas maneiras de espiritualidade estão em
manifestação simultaneamente. A religião, identifica-se como parte estrutural de
determinada cultura, logo, remete um senso de identidade ao crente. O Brasil, como um
dos países com maior número de religiosos do mundo, possui diversas gamas de
identidades culturais em convivência. Tendo em vista que, mais de 90% de sua
população é religiosa, a maioria dos atendimentos hospitalares serão com clientes
religiosos. Cabe ao profissional da enfermagem entender-se como instrumento do
cuidar, utilizando sua capacidade de sentir ao promover conforto ao paciente através da
ferramentação de seu credo. Este conforto, pode dar-se pela disponibilização de visitas,
através da liberação de uso de objetos religiosos, ou outras manifestações que tragam
afago no meio hospitalar.
A equipe profissional de enfermagem, deve despir-se de qualquer preconceito
religioso ou intelectual e acatar a ideia da fé como instrumento pessoal e fundamental
do paciente no enfrentamento de suas debilidades. Utilizando as crenças na facilitação
de aproximação e comunicação com os enfermos. Propõe-se a identificação da religião
dos pacientes como uma das informações necessárias na anamnese e documentadas no
prontuário para um melhor atendimento.

PRINCIPAIS REFERÊNCIAS
BANOV, Márcia Regina. Psicologia no Gerenciamento de Pessoas. 4. ed. [S. l.],
2015. p. 74-75.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano. 20. ed. [S. l.]: Vozes, 2014. p 37.

CASSIRER, Ernst. A filosofia do Iluminismo. [S. l.]: UNICAMP, 1992.

DONAHUE, Patricia. Historia de la Enfermeria. St Louis (MI): Mosby Company,


1993.

HALLETT CE. Visões e revisões: o discernimento de Florence Nightingale. Revista


Baiana Enfermagem. 2021; 35: e42139.

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.

LÉVI-STRAUSS, C. Introdução In: MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São


Paulo: Cosac Naify, 2005.

MASSIMI, Marina; MAHFOUD , Miguel. Diante do mistério, psicologia e senso


religioso. [S. l.]: Loyola, 1999. 13 p.

MCEWEN, Melanie; WILLS, Evelyn M. Bases Teóricas de Enfermagem. 4. ed. rev.


Porto Alegre: Artmed, 2016. P. 187, 237, 238

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. 12ª ed.


São Paulo: HUCITEC, 2012.

QUEIROZ, Alessandra Teixeira et al. A importância da comunicação em


enfermagem no cuidado com o cliente. [S. l.], p. 1, 2012.

ROCHA, Everaldo. O que é etnocentrismo. 8º edição. São Paulo. Ed. Brasiliense,


1991.

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