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Teoria do
conhecimento
UnisulVirtual
Palhoça, 2013
Teoria do
conhecimento
Livro didático
Designer instrucional
Eliete de Oliveira Costa
UnisulVirtual
Palhoça, 2013
Livro Didático
121
T 29 Teoria do conhecimento : livro didático / conteudistas, Alexandre de
Medeiros Motta, Gabriel Henrique Collaço, Marciel Evangelista
Cataneo, Vilson Leonel ; design instrucional Eliete de Oliveira
Costa. – Palhoça : UnisulVirtual, 2013.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7817-535-1
Introdução I 7
Capítulo 1
Concepções e formas de conhecimento I 9
Capítulo 2
Ciência, Tecnologia e Arte I 25
Capítulo 3
As raízes da Teoria do Conhecimento I 43
Capítulo 4
Questões do conhecimento no pensamento
moderno e contemporâneo I 61
Capítulo 5
Ética na produção e socialização do
conhecimento I 85
Considerações Finais I 97
Referências I 99
Somos modernos, buscamos mais do que viver, compreender a vida e tudo que
nos rodeia, instiga e desafia. No dizer de Nietzsche, “o conhecimento em nós,
transmudou-se em paixão, que não se intimida diante de nenhum sacrifício e no
fundo nada teme; a não ser a sua própria extinção.” (NIETZSCHE, F. W. Obras
incompletas. 5.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 139 (Os pensadores).
Bons estudos!
Concepções e formas de
conhecimento
Seção 1
A origem do conhecimento
A palavra conhecimento tem sua origem no latim, cognitio, e pressupõe,
necessariamente, a existência de uma relação entre dois polos: de um lado o
sujeito e de outro o objeto.
Todas as pessoas julgam conhecer algo e, de fato, podemos dizer que o ser
humano naturalmente busca conhecer o mundo a sua volta, pois essa é uma
condição para manter-se vivo.
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Num sentido geral, podemos dizer que conhecimento é o que permite aos
seres vivos manterem-se vivos. Nesse caso, uma planta sabe que deve virar sua
folhagem em direção à luz, assim como um cavalo sabe que determinado solo
não é seguro para caminhar, e um homem sabe que, se jogar um objeto acima de
sua cabeça, poderá, quando em queda, atingi-lo. Porém, num sentido exato, não
seríamos capazes de definir, tão brevemente, o que é o conhecimento.
Antes de manifestar uma reação, o homem faz uma pausa e reflete. Imagina,
idealiza e conceitua aquilo que apreende do mundo e depois é capaz de
reconhecê-lo e identificá-lo.
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Ora, tais papéis não são tão bem definíveis assim. Os sujeitos interagem
no processo de construção do conhecimento e sofrem “passivamente” a
interferência do ambiente cultural, do mundo do trabalho, do cotidiano etc. A
própria linguagem envolvida nas informações e na socialização do conhecimento
se torna relevante para esse processo. Além disso, o sujeito apreende o objeto
e lhe atribui um significado, mas é inegável que esse conhecimento também
modifica o próprio sujeito.
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Para a fenomenologia, o sujeito que conhece tem uma intencionalidade que interfere
na apreensão e no entendimento do objeto. Esse entendimento, por sua vez, pode
modificar-se e adquirir outro significado em relação a outros objetos do contexto.
Sendo assim, para finalizar esta seção, segundo Costa (2001, p. 4), “conhecer é
apropriar-se mentalmente de algo”. Um resultado de uma busca de conhecimento,
que não basta acumular informações e experiências, mas o mais importante é
saber a maneira como essas serão aplicadas. A seguir você conhecerá os tipos
de conhecimento, cada qual com suas características.
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Seção 2
Tipos de conhecimento
No cotidiano, é comum ouvir as pessoas afirmarem que conhecem coisas. O
mecânico diz que conhece o carro. A mãe diz que conhece o filho. O advogado
conhece a questão. O mendigo conhece a praça. O treinador conhece o time. O
matemático conhece a fórmula etc. Nas situações citadas, o conhecimento tem
significado diverso e, ao mesmo tempo, mantém algo em comum, visto que todos
os sujeitos afirmam conhecer.
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Consiste na ação pela ação, sem ideias comprovadas, que não permitem
o estudo ou a investigação sobre um determinado fenômeno. Então, o seu
conteúdo se forma a partir da experiência que se vivencia no dia a dia.
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A ideia de sabedoria, em muitas culturas, está ligada à figura do ancião pelo fato
de ele ter vivido muito tempo e ter acumulado muito conhecimento.
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Assim, “essas verdades são em geral tidas como definitivas, e não permitem
revisão mediante a reflexão ou a experiência. Nesse sentido, podemos classificar
sob este título os conhecimentos ditos místicos ou espirituais”. (MÁTTAR NETO,
2002, p. 3).
Sua “matéria de estudo é Deus, como ser que existe independente e o qual
detém não as potencialidades, mas a ação do perfeito”. Portanto, neste tipo de
conhecimento há a necessidade da “[...] reflexão sobre a essência e a existência
naquilo que elas têm como causa primeira e última de toda a vida”. (BARROS;
LEHFELD, 1986, p. 52).
Você refletiu sobre a situação anterior? Observe ao seu redor. Será importante
para compreender melhor o assunto tratado neste capítulo. Continue seu estudo,
passando a conhecer sobre o conhecimento artístico.
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Reflita sobre essa questão e descubra situações as quais você conhece ou que
expressem a forma do conhecimento artístico, definir ou se posicionar frente à
questão da justiça.
A origem da palavra razão está em duas fontes: ratio (latim) e logos (grego).
Ambas apresentam o mesmo significado: contar, calcular, juntar, separar.
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Por isso, um dos papéis mais significativos desse tipo de conhecimento para o
homem é o de desestabilizar o que está posto, no sentido de demonstrar que
as coisas não estão prontas e acabadas, tornando o nosso pensamento falível e
superável à medida que vamos conhecendo novos horizontes. O conhecimento
filosófico não é verificável, daí não se pautar na experiência sensorial e por isso a
utilização da razão é uma forma de bloquear a interferência dos sentimentos no
ato de conhecer determinada coisa.
Enfim, como a Filosofia aborda a questão da justiça? Não é difícil pressupor que
se a Filosofia faz uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas
da realidade fará também a mesma reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre
o problema da justiça. O filósofo, ou qualquer pessoa que se propõe a pensar
sobre o assunto, fará especulações racionais, procurando apontar os seguintes
questionamentos: a justiça é justa? A quem serve a justiça? Por que a justiça é
mais severa para uns e mais branda para outros?
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Reflita sobre essa questão. Será um bom exercício para que você compreenda
melhor sobre o conhecimento filosófico. E agora, para encerrar este capítulo de
estudo, conheça mais detalhes sobre o conhecimento científico, tão enfatizado
em nossa realidade acadêmica.
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Se você ainda não formalizou uma ideia consistente ou convincente sobre a visão
da justiça sob o prisma do conhecimento científico, não seja impaciente, pois no
decorrer do próximo capítulo serão apresentadas outras características desse
tipo de conhecimento, além de estabelecer uma relação entre ciência, tecnologia
e arte, de resgatar elementos de definição e classificação das ciências.
Assim, como você pode observar, cada tipo de conhecimento apresenta uma
forma bem peculiar de interpretar os fenômenos produzidos pela natureza ou pelo
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Seção 1
Uma definição de ciência
A ciência está relacionada diretamente às necessidades humanas do nosso
cotidiano, como alimentação, vestuário, saúde, moradia, transporte, entre outros.
O conhecimento científico está por trás do remédio que tomamos, da orientação
médica que recebemos, da roupa que vestimos. A ciência, na época em que
vivemos, tornou-se um bem cultural. Por isso, é muito difícil imaginarmos nossa
vida sem a presença dela.
Trujillo Ferrari (1973, p. 3) destaca cinco funções básicas das ciências, que são:
•• Verificável;
•• Factual;
•• Racional;
•• Objetivo;
•• Intersubjetivo
•• Preditivo;
•• Comunicável;
•• Descritivo-explicativo;
•• Metódico;
•• Movido por paradigmas.
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1.1 Verificável
Corresponde à ideia de prova ou de constatação da experiência pela ação
e demonstração de um fenômeno, com a preocupação básica de testar a
consistência da validade desse fenômeno. O método adotado em uma pesquisa
científica deve permitir a outro pesquisador atingir os mesmos resultados
alcançados, desde que adote os mesmos critérios e procedimentos.
1.2 Factual
Diz respeito aos fatos que acontecem na realidade, que está à disposição da
nossa observação numa dada realidade. O conhecimento científico estuda
fenômenos naturais e humanos que ocorrem ou acontecem na natureza ou vida
humana.
1.3 Racional
Relaciona-se com a construção de conceitos e juízos a partir do uso
sistemático do raciocínio, ou melhor, o que se quer na verdade é “[...] atingir
uma sistematização coerente do conhecimento presente em todas as suas leis
e teorias” (KÖCHE, 1997, p. 31). As teorias científicas não podem apresentar
ambiguidade ou incoerência entre seus enunciados, por isso, a necessidade de
um conhecimento racional e lógico. Köche chama isso de verdade sintática,
como se explica a seguir:
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1.4 Objetivo
Refere-se ao propósito de querer encontrar a verdade contida na realidade,
dispensando as impressões imediatas que acobertam essa mesma realidade,
permitindo, inclusive, a manipulação dos fatos e o desenvolvimento de
uma linguagem específica inerente aos conceitos próprios de cada área do
conhecimento científico. Quando se fala em objetividade científica, quer se dizer
que os enunciados, conceitos ou teorias científicas devem corresponder aos
fatos. Objetividade, portanto, significa a correspondência da teoria com os fatos.
Köche chama isso de verdade semântica, ou melhor, “o ideal da objetividade
[...] pretende que as teorias científicas, como modelos teóricos representativos
da realidade, sejam construções conceituais que representem com fidelidade o
mundo real [...].” (KÖCHE, 1997, p. 31).
1.5 Intersubjetivo
De nada adianta uma teoria ser coerente na sua construção lógica (ideal de
racionalidade ou verdade sintática); de nada adianta uma teoria apresentar
correlação entre seus enunciados e conceitos e os fatos (ideal de objetividade ou
verdade semântica) se essa teoria não for submetida à apreciação e/ou validação
e/ou crítica da comunidade científica. Köche chama isso de verdade pragmática,
ou seja, o ideal de intersubjetividade é a possibilidade dos enunciados científicos
serem “[...] submetidos a testes, em qualquer época e lugar e por qualquer sujeito
[reconhecido pela comunidade científica]”. (KÖCHE, 1997, p. 33).
1.6 Preditivo
Remete ao entendimento de que, com o conhecimento científico, é possível
prever como os fenômenos podem ocorrer. Não se trata de uma questão de
simples vidência ou premunição, mas de previsão baseada na repetição contínua
dos fatos.
Objetos soltos caem com aceleração constante, se for desprezada a resistência do ar.
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Como se pode ver, há uma ordem na natureza e [...] o cientista tenta descobrir e
estudar estas regularidades, enunciando-as na forma de leis gerais e utilizando
estas leis para explicar e prever novos fatos. (GEWANDSZNAYDER, 1989, p. 9,
grifo nosso).
1.7 Comunicável
Implica dizer que os resultados das investigações científicas devem ser
comunicados à sociedade em geral e não ficarem restritos ao meio acadêmico.
Uma descoberta científica só é reconhecida pela comunidade científica se for
publicada em uma revista de circulação internacional. Qualquer estudo ou pesquisa
que você desenvolver só será considerado verdadeiramente um trabalho científico
se for publicado ou submetido à apreciação da comunidade acadêmica. Fazer
uma pesquisa e guardar os resultados para si não é uma postura de quem deseja
contribuir para o desenvolvimento do conhecimento científico, você não concorda?
1.8 Descritivo-explicativo
Significa dizer que o conhecimento científico é expresso por meio de enunciados
que explicam as condições que determinam a ocorrência dos fatos e dos
fenômenos relacionados a um problema, pois somente por meio das leis e teorias
é possível explicar os fenômenos.
1.9 Metódico
Significa um conjunto de etapas, ordenadamente dispostas, estabelecidas pelo
pesquisador, a fim de investigar um determinado tema/questão/problema. Não
há ciência sem método. Entre o sujeito que conhece (cientista) e o objeto que é
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Kuhn (2003, p. 13), em sua obra “A estrutura das revoluções científicas”, assim se
expressa sobre os paradigmas: Considero ‘paradigmas’ as realizações científicas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e
soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.
Seção 2
Ciência, tecnologia e arte
Um dos desafios da Ciência tem sido marcado pela vontade de dominar a
natureza, por meio do desenvolvimento tecnológico. Assim, “além de aumentar
nosso conhecimento, a Ciência também pode ser utilizada como fonte de poder
sobre a natureza”. (GEWANDSZNAJDER, 1989, p. 16).
Para Barros e Lehfeld (1986, p. 70), a ciência é o meio mais adequado para o
controle prático da natureza, transformando-a em “[...] matriz de recursos técnicos
e/ou tecnológicos, os quais utilizados com sabedoria contribuem para uma vida
humana mais satisfatória, enquanto efetivação instrumental do fazer e do agir”.
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Do mesmo modo, Köche (1997, p. 43) afirma que a ciência pode “[...] satisfazer às
necessidades humanas como instrumento para estabelecer um controle prático
sobre a natureza”.
Aos poucos, o conhecimento científico toma conta das nossas decisões e ações
cotidianas, configurando uma sociedade do conhecimento, na qual o poder se
constitui pelo domínio do próprio conhecimento.
Outro aspecto importante a ser abordado é a relação entre a ciência e a arte, que
pode ser estudada de diversas formas no processo histórico. O escultor, pintor,
engenheiro e cientista Leonardo da Vinci (1452-1519), por exemplo, dizia que
ciência e arte completavam-se formando uma atividade intelectual. Também a
literatura de ficção científica indica proximidade entre ciência e arte.
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Apesar dos vários recursos que a tecnologia e a ciência oferecem, uma grande
quantidade de arte continua a ser realizada alheia às inovações, confirmando que
a utilização de técnicas e materiais tradicionais ainda não se esgotou.
Nesse sentido, o diálogo entre tecnologia, ciência e arte não pode ser separado
do contexto social, político e ideológico que nos rodeia. O próprio conceito de
arte sofre abalos constantes, quem dera os da ciência e da tecnologia. Por isso,
Alves (2004) afirma:
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Seção 3
Classificação das ciências
A classificação das ciências é outra tarefa um tanto difícil de estabelecer. Se
você fizer um estudo na literatura sobre o assunto, com certeza, você encontrará
muitas formas de agrupar ou de separar as ciências.
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Como você acabou de estudar, a classificação das ciências não é uma tarefa
nada fácil de estabelecer, pois existem várias formas de agrupar ou de separá-
las. Então, continuemos nossos estudos. Agora, partimos para o estudo da
história da ciência.
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Seção 4
A perspectiva histórica da ciência
Dos vários tipos de conhecimentos que existem (conhecimento do senso comum,
conhecimento religioso, conhecimento artístico e conhecimento filosófico), o
científico é o que pode ser considerado o mais recente.
Nesse sentido, para que você possa iniciar o estudo da história das ciências com
mais segurança e clareza, é importante, primeiramente, determinar os principais
períodos históricos pelos quais se desenvolveu o conhecimento científico.
Século VI a.C. até o final Século XVII ao Século XIX. Século XIX até os nossos dias.
da Idade Média.
Uma das preocupações mais evidentes nesse período era a da busca do saber, a
compreensão da natureza das coisas e do homem. Buscava-se uma nova forma
de compreensão do universo em contraposição à visão mitológica.
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Segundo essa concepção, era preciso buscar a ciência (episteme) que consistia
no conhecimento racional das essências, das ideias imutáveis, objetivas e
universais. As ciências como a matemática, a geometria e a astronomia são
passos necessários a serem percorridos pelo pensamento, até atingir as
culminâncias da reflexão filosófica. (ARANHA, MARTINS, 1999, p. 94).
A partir desse breve esboço, segundo Aranha e Arruda (1999, p. 95), podemos
atribuir à Ciência grega cinco características marcantes, as quais são:
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Por isso, nessa fase histórica, não houve desenvolvimento das ciências particulares,
fazendo com que a lógica aristotélica passasse a ser amplamente utilizada para
justificar as verdades da fé.
Nesse sentido, você pode perceber que o Teocentrismo, tendo na figura de Deus o
centro de todas as atenções humanas, passou a ser a visão de mundo que marcou
o imaginário da maioria das pessoas que viveram neste momento. Portanto, o
período medieval se constituiu, sobretudo, na primazia da fé sobre a razão.
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A partir desse momento, estava instituída a Física Mecânica (de Newton), como
paradigma para todas as ciências, criado matematicamente, as humanas e
sociais inclusive. Agora, a ciência experimental newtoniana se transformava no
modelo de conhecimento.
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A cientificidade passa a ser pensada nesse momento como uma ideia reguladora
de alta abstração e não mais como sinônimo de modelos e normas a serem
seguidos. Agora a teoria não será mais aceita como definitivamente confirmada.
Você percebeu que não há uma única forma de definir ciência. Esta dificuldade
resulta de fatores culturais, históricos, filosóficos ou ideológicos. Entretanto,
mesmo existindo essa dificuldade, é possível identificar algumas características
que são próprias do conhecimento científico. Nesse sentido, podemos dizer
que o conhecimento científico é verificável, factual, objetivo, racional, preditivo,
comunicável, descritivo-explicativo, metódico, movido por paradigmas,
intersubjetivo, entre outros.
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Sobre a relação entre ciência, arte e tecnologia você percebeu que a ciência é o
meio mais adequado para o controle prático da natureza. Alimentação, transporte,
saúde, produção industrial dependem das inovações tecnológicas, que, por sua
vez, dependem dos avanços na ciência. A arte também se relaciona com a ciência,
comunicando-se abertamente, seja pela complementariedade ou pela influência
recíproca. Essa relação só tende a crescer, já que a cada dia surgem novos meios
tecnológicos que ajudam a propagar e a aprimorar os conhecimentos. Dessa
maneira, torna-se difícil separar a ciência e a arte da tecnologia.
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As raízes da Teoria do
Conhecimento
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Seção 1
A descoberta da racionalidade
A partir desta unidade, você começará a estudar a questão do conhecimento
em uma perspectiva histórica. Verá a questão do conhecimento no pensamento
grego antigo de alguns filósofos pré-socráticos (primeiros filósofos ocidentais)
e de Sócrates, Platão e Aristóteles (filósofos gregos mais estudados). Estudará,
também, questões fundamentais sobre o conhecimento originado na Grécia
Antiga e Clássica, que permaneceram sendo discutidas por pensadores
medievais, modernos e contemporâneos.
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Eles não concebiam o universo como uma realidade aleatória e caótica, que
dependia da vontade ou do humor de seres divinos. Isso não significa que tenham
se tornado necessariamente ateus, mas que investigaram a natureza apesar das
divindades.
Observaram que o universo possui uma ordem e que, conhecendo essa ordem,
os segredos do universo poderiam ser desvendados pelas condições e atributos
naturais do próprio homem, sobretudo pela racionalidade.
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Parmênides queria chamar a atenção para o ser, para o que existe. Para ele,
aquilo que existe não está sujeito à mudança, é sempre do mesmo jeito, sendo
igual, por consequência, a ele mesmo. Logo, o movimento, a mudança, não
existe. Assim, conforme esta concepção radical de mundo, nós só poderíamos
conhecer o que existe. Por outro lado, o não ser (a negação do ser), aquilo que
não existe, não pode ser, obviamente, conhecido.
Por mais simples que possa parecer essa distinção ente ser e não ser, veja
que aqui é estabelecido um limite para o que pode ou não ser conhecido. Só
podemos conhecer o que existe e não podemos conhecer o que não existe.
Parmênides expõe que o ser, aquilo que existe, pode ser identificado pelos
nossos pensamentos, com a nossa razão. Ele, radicalmente, chega a identificar o
pensamento referente ao que existe com a própria coisa que existe.
Atente para o seguinte diálogo, que poderia fazer parte da aula de uma turma de
Ensino Médio, em que o professor de matemática apresenta aos alunos a matéria
de geometria espacial.
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Aluno – Mas você pode nos explicar o que são os entes geométricos?
Professor – Até certo ponto sim. Eles não existem de forma concreta na natureza,
não se pode encontrar uma reta por aí. No entanto, podemos aplicar o conceito
de reta a certos aspectos da realidade. Por exemplo, ao observarmos a parede de
um prédio, identificamos uma linha vertical que pode ser tratada como uma reta.
Do mesmo modo, os engenheiros podem construir pontes aplicando o conceito de
reta em cálculos da construção civil. A reta é um ente unidimensional, ou seja, tem
apenas comprimento, altura ou largura e é traçada entre dois pontos. E entre os
dois pontos de uma reta existe um conjunto infinito de outros pontos.
A questão apresentada aqui é tratada pela matemática atual, mas surgiu muito
antes, com os pré-socráticos.
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Desse modo, o corredor jamais sairia do lugar. O movimento é então uma ilusão.
Veja que, para Zenão, essa explicação corrobora a tese de Parmênides, a de que
não há movimento. Veja que Zenão leva a questão da divisibilidade ao extremo,
exatamente ao infinito, para então sustentar a imobilidade de todas as coisas.
Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia. (8)
- Em nós, manifesta-se sempre uma e a mesma coisa: vida e morte, vigília e sono,
juventude e velhice. Pois a mudança de um dá o outro e reciprocamente. (88)
Se alguém tomar banho duas vezes no rio, então, na segunda vez, esse não será
mais o mesmo e nem o rio. Ora, a água do rio passou e não volta mais, assim como
aquele que tomou banho será uma pessoa diferente daquela que tomou banho pela
primeira vez.
A percepção da mudança contínua da realidade pode ser sutil, mas diz Heráclito
que devemos reconhecê-la como inexorável, válida para todas as coisas que
existem.
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A postura crítica, aliás, era adotada pela maioria das escolas pré-socráticas e
fomentada pelos seus mestres professores. Observe a seguinte citação de Karl
Popper acerca da teoria de Anaximandro sobre a suspensão da Terra.
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Seção 2
O conhecimento na filosofia de Sócrates, Platão
e Aristóteles
Nesta seção, você verá que Sócrates, Platão e Aristóteles defendiam uma
respectiva teoria do conhecimento, com características distintas. Em comum,
os três têm o fato de que procuravam por um conhecimento seguro sobre a
realidade, sobre nosso mundo, e essa busca foi, para os três, orientada pela
procura de conceitos universais. Os conceitos universais se referem a um
conhecimento seguro e amplamente válido, para todas as coisas, de tal modo
que fundamentaria melhor, em relação a todos os outros tipos de conhecimento,
o fazer, o pensar, o dizer etc.
2.1 Sócrates
A tradição racional que começou com os pré-socráticos foi continuada por
Sócrates (470-399 a. C.), que buscava o verdadeiro conhecimento por meio do
exercício da razão. Sócrates opunha-se aos sofistas, que eram considerados
os mais respeitados mestres da sociedade grega. O foco dessa rivalidade era a
teoria sobre o conhecimento verdadeiro.
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Segundo ele, o homem para descobrir a verdade deve adotar uma postura humilde
e questionadora, condição eficiente e necessária para conhecer a realidade.
Pensava que a filosofia é uma prática de vida que exige dedicação e coerência
total, sem jamais ceder a interesses externos. Por isso, passava os dias pela
cidade, conversando com todos, sobre tudo, argumentando livremente e
promovendo debates entre as pessoas que se juntavam a ele.
Sócrates exercitava a filosofia como debate vivo, como busca incessante pela
verdade. Não deixou nada escrito, e o que sabemos de seu pensamento é por
meio de historiadores ou de outros filósofos, especialmente Platão, que fez de
Sócrates o personagem principal de seus diálogos.
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Sócrates, pelo contrário, buscou saber não quais são as coisas belas e justas,
mas que é o Belo e a Justiça, o que é comum em todas as coisas as quais
julgamos como belas ou justas. A pergunta socrática é, de fato, sobre a definição
de essência, a universalidade do conceito.
Um rapaz vai à floricultura, acompanhado dos amigos, para escolher flores que levará no
primeiro jantar, na casa da namorada. O rapaz pede para ver as flores mais belas que têm na
loja. Entre tantas flores, a florista lhe traz um ramalhete de lírios brancos. Então, os
rapazes discutem a questão e cada um diz o que pensa:
– Que horror. Não vejo beleza nos lírios. Eles lembram o dia dos finados.
– Não, as rosas não são belas, pois elas têm espinhos. Belos são os cravos.
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– Eu acho os lírios lindos, mas amanhã a beleza deles já terá desaparecido. Se você
quer dizer a sua namorada como ela é bela, então tente outra coisa.
Sócrates diria que não, pois o Belo é um conceito universal que existe em
essência, ou seja, em ideia, e somente lança seu reflexo sobre a realidade
concreta. Você não pega o Belo, não vê o Belo, mas utiliza desta definição para
qualificar as coisas como belas.
Algumas coisas parecem belas e outras não. Mesmo as que “parecem” belas,
não o são para todas as pessoas, e mesmo que fossem belas para todas as
pessoas, não o seriam para sempre, porque a realidade concreta muda e algo que
é belo hoje, pode não ser amanhã. Mas, para Sócrates, o conceito universal (que
apresenta uma essência imutável) de Belo é algo que não muda, jamais.
2.2 Platão
Ao procurar continuar o pensamento de Sócrates, Platão (428/27-347 a. C.)
aprofundou a distinção entre a essência e a aparência das coisas.
Segundo Platão, precisamos distinguir as opiniões (doxa), que são uma forma de
conhecimento simples e enganoso, obtido por meio dos órgãos sensoriais, da
ciência (episteme), que é o conhecimento verdadeiro obtido pela via da razão.
Atenção!
Nos diálogos, portanto, não se trata de elaborar uma opinião pessoal, mas sim,
por meio de raciocínios lógicos, depurar o conhecimento, aproximando-se do
conhecimento verdadeiro, da essência, do conceito universal investigado.
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Nesse sentido, não cabe ao mestre convencer pela via direta o seu discípulo
a respeito de algo. O mestre inicia um diálogo apresentando um argumento
acerca de algum tema e provoca o aprendiz a manifestar-se em relação ao
tema. Assim, pela via da argumentação dialética – pelo embate de argumentos
- as contradições, incoerências do conhecimento proferido e as observações
acidentais acerca da realidade são evidenciadas e superadas por outras
provisórias, que se sustentam no decorrer do diálogo.
As ideias passam por uma espécie de prova lógica e são, depois disso,
consideradas mais verdadeiras pelos participantes do embate. Observe que o
ponto de partida do diálogo platônico é a opinião que o aprendiz emite sobre o
tema em questão.
As opiniões são consideradas falsas ideias sobre a realidade, porque não têm
origem na razão. Veja que Platão parte da análise do “erro”, ou, talvez, de algum
resquício de verdade que há na opinião, parte da aparência de verdade, da
“verdade torta”, com a finalidade de superá-la e abandoná-la em seguida.
Platão parte de uma suposição, de uma caverna fictícia onde vivem prisioneiros
amarrados desde que nasceram e de modo que nunca viram nada além
das sombras projetadas na parede de fundo da caverna, as quais não são
reconhecidas pelos prisioneiros como sombras, mas como a própria realidade.
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A despeito da facilidade com que algemas foram abertas, a subida para o exterior
da Caverna é um percurso doloroso. Platão faz questão de lembrar que, ao se
movimentar e se dirigir para a luz, buscando sair da Caverna, o homem sente
dores no corpo, nos olhos e deseja voltar. Para deixar para trás sua condição
de prisioneiro, o homem tem que se desacomodar e lançar-se em um caminho
desconhecido, no qual o seu esforço e a sua ação são exigidos, ao contrário da
vida no interior da Caverna, em que recebia passivamente as sombras. De modo
geral, essa é uma característica essencial para qualquer aprendiz: estar disposto
ao esforço que o processo permanente de conhecimento exige.
O mundo do prisioneiro é apresentado a ele como verdade, ele vive nas sombras
e das sombras; vive daquilo que aparece, do que lhe assaltam os sentidos.
Metaforicamente, essa é a condição dos indivíduos reais que vivem mergulhados
em seu cotidiano, com a curiosidade “satisfeita” ou alienada. Porém, na falta de
um estranho que venha do exterior da caverna para libertar os prisioneiros, existe
a rara possibilidade de que alguma coisa se altere na regularidade das sombras e
os prisioneiros sejam levados ao questionamento.
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2.3 Aristóteles
O estabelecimento das ideias como fonte do conhecimento verdadeiro, em Platão,
não foi bem recebido por Aristóteles (384-322 a.C.). Ele concorda com o mestre
que para alcançar o conhecimento verdadeiro é preciso, pelo trabalho da razão,
chegar aos conceitos universais, porém, não dispensando a experiência sensível e
a observação acurada das coisas particulares, a partir das quais podemos explicar
o movimento ordenado e harmonioso dos entes materiais e formar ideias gerais
que, aí sim, remetem-nos aos conceitos universais. Nisso Aristóteles discorda
de Platão, pois para esse os conceitos universais são inatos e a experimentação
somente nos desvia do caminho para o conhecimento verdadeiro.
De acordo com Aristóteles, o conceito de “flor” que você tem e utiliza no cotidiano
é resultado de diversas flores já conhecidas. Assim, se você isolasse uma margarida
do conjunto das flores, não poderia chegar ao conceito universal de Flor, pois esse
conceito abrange as margaridas e todas as outras flores que existem.
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Veja que sua Lógica é ampla, pois além de investigar quando um raciocínio é
válido ou não, também estipula a indução (assim como a dedução) enquanto
procedimento científico básico, que auxilia na busca pelos conceitos universais.
O ser, a coisa, em ato, refere-se àquilo que existe agora e que se encontra
plenamente realizado. O ser, a coisa, em potência se refere àquilo que
tem condições de ser realizado, mas que ainda não está realizado,
efetivado, de fato.
Acompanhe um exemplo.
Na grande maioria dos seres e coisas há a possibilidade de que ocorra uma passagem
do que é em potência para o que é em ato, mas tais seres e coisas não podem se
transformar em qualquer coisa.
Bem, para que algo em potência, uma semente, por exemplo, atualize-se, realize-
se, é necessária uma causa. Aristóteles afirma que conhecemos uma coisa
quando conhecemos, de fato, as suas quatro causas.
Observe com atenção o desenho que segue, que ilustra as quatro causas que
fazem parte do que um ser é, do que uma semente, por exemplo é. Essa figura,
especificamente, refere-se a uma estátua.
57
•• Material;
•• Formal;
•• Eficiente;
•• Final.
Se conhecermos estas quatro causas, poderemos, então, identificar, conhecer,
um determinado ser - a semente da mostarda, a semente do pêssego, por
exemplo, e de que modo ocorre a passagem de um estado atual para outro
estado em ato (tal como o caso da árvore).
58
A causa formal é o que torna o ser exatamente aquilo que ele é, são suas
características essenciais, é o que dá a forma à matéria, tal como a modelo da
estátua.
Como físico e botânico que era Aristóteles valorizava muito as ciências físicas
e biológica e se opôs à negação platônica do valor cognoscitivo da experiência
concreta.
59
60
Questões do conhecimento
no pensamento moderno e
contemporâneo
61
Seção 1
A redescoberta da racionalidade
A tradição da Teoria do Conhecimento iniciada com os filósofos gregos percorreu
a história ocidental, inspirando todos os períodos subsequentes.
A natureza era interpretada como uma escritura divina na qual ciência, moral e
realidade se fundiam. Mais do que conhecer e dominar a natureza, a Ciência
deveria ser um modo de ilustrar a verdade teológica. Não deveria buscar a
causa primeira dos fenômenos, mas decifrar as mensagens divinas expressas
diretamente nos seres da natureza. O homem era considerado uma criatura
privilegiada, que poderia ter a alma iluminada pela verdade divina.
62
A dialética foi introduzida nos debates cristãos pela Patrística e, mais tarde, foi
revitalizada pela Escolástica.
Foi nesse período, também, que começaram a ser traduzidas as obras gregas
que haviam sido proibidas durante quase toda a Idade Média, além das obras
árabes sobre as ciências da natureza, que chegavam à Europa por meio dos
navios mercantes ou por cavaleiros que retornavam das cruzadas. Esses fatores,
junto a outros de ordem política e econômica, como a decadência do feudalismo
e o crescimento das cidades, deram início a uma revolução cultural que ficou
conhecida como Renascimento.
63
Ele tratava o corpo humano como suporte da alma e sua obra foi considerada
definitiva para a prática da medicina durante toda a Idade Média. No
Renascimento, porém, cada vez mais estudiosos, como o médico belga Andreas
Vesalius, passaram a efetuar seus estudos anatômicos diretamente em corpos
humanos e a apontar os erros de anatomistas anteriores.
Se você quiser saber mais sobre as mudanças ocorridas no século XII, que
culminaram no Renascimento Clássico do século XIV, busque livremente na internet
pelos termos “Renascimento do século XII” e “Renascimento Clássico”.
Sobre esse último, pesquise, também por “imagens” e você encontrará uma série
de obras de arte, inventos e personagens interessantes deste período da história.
64
O termo “metafísica” se refere àquilo que está além da física, além de nossa
realidade. Muitas das filosofias gregas antigas são denominadas metafísicas por
procurarem explicar a realidade a partir de fundamentos que são difíceis de serem
explicados a partir do que percebemos como realidade.
Não havia demonstração empírica que não fosse para ilustrar os tratados antigos,
validados pela cristandade. Além disso, os doutores que se envolviam nesses
debates apoiavam-se, além das escrituras sagradas, nas ideias de Platão e
Aristóteles, fundamentalmente naqueles aspectos que não contrariassem as
verdades reveladas.
Este tipo de prática intelectual não dava conta da “vida real”, que exigia do
homem moderno um conhecimento aplicável e eficiente na invenção de
tecnologias de produção, no domínio e exploração da natureza, na urbanização
das cidades etc.
Francis Bacon, filósofo inglês do século XVI, foi um dos principais defensores de
uma nova ciência, baseada em experimentações empíricas, que não estivesse
presa aos dogmas religiosos e nem aos enganos do senso comum.
65
Na sua obra, Novum Organum, Bacon propõe novas bases para a Ciência. Critica
a Filosofia grega e sugere como fonte do conhecimento as informações objetivas,
obtidas por meio da experimentação. Diz ele (BACON apud VERGEZ, 1984):
No entanto, elas diferem no que se refere à passagem das sensações para as ideias.
Para o Empirismo, quando nascemos a mente é tal e qual uma tábula rasa, o
que significa dizer que nascemos com a mente vazia e que somente com a
experiência algo é escrito nela.
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Seção 2
Caminhos possíveis para o conhecimento
Nesta seção, você estudará, brevemente, alguns caminhos possíveis sobre o
conhecimento, desenvolvidos pelos modernos René Descartes e sua perspectiva
Racionalista, Hume e sua ótica Empirista, Kant e a proposta Criticista. Também
verá as perspectivas dos filósofos contemporâneos Kuhn e Feyerabend.
Veja o exemplo.
67
Observe que o ramalhete de flores tem sua extensão alterada a cada dia que
passa, mas a extensão não desaparece. Pensa Descartes que a extensão dos
corpos não decorre da percepção sensorial, mas somente pode ser captada pelo
entendimento.
A res extensa refere-se à extensão do corpo e nisso os seres humanos são como
as coisas em geral. A res cogitans refere-se à alma, que é a parte pensante do ser
humano, diferindo, então, das coisas e dos outros animais.
Esse pensador defende que os dados obtidos pelos sentidos são imprecisos
demais para serem tomados como base do conhecimento científico. Já os
conhecimentos obtidos pela via do raciocínio lógico, sobretudo o matemático, são
racionalmente demonstráveis, precisos, universais e seguros para sustentar a Ciência.
Os aspectos próprios dos objetos, como forma, textura, cor etc., são retirados
diretamente dos objetos ou das ações humanas sobre esses, mas eles não são
suficientes para explicar as relações que estabelecemos quando conhecemos. Os
conceitos dos quais não temos referência sensível, como é o caso dos princípios
da Física e da Matemática, as ideias de extensão, infinitude, unidade, número,
espaço, tempo, causalidade etc., somente são alcançados com a atividade racional.
68
Porém, uma vez que seja aplicado corretamente o método perfeito, é possível
confiar na veracidade do conhecimento obtido por meio dele.
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Imagine que você e seus colegas de curso estão conversando a respeito das aulas
e o tema é a relação entre o desempenho dos professores e a aprendizagem dos
alunos. O diálogo poderia ser mais ou menos o que segue:
Aluno 1 – Quando o professor explica bem a matéria, a gente não fica com
dúvidas e consegue se sair bem na prova. Quando o professor fica em dúvida, a
gente não confia no que ele está ensinando.
Aluno 2 – Mas tem professor que explica bem a matéria e nem sempre responde
às perguntas que a gente faz, às vezes ele também não sabe a resposta. Assim, a
gente tem que perguntar para os colegas, pesquisar e tentar responder sozinha.
Aluno 1 – Isso é muito chato, a gente pensa, pensa e fica sem saber qual é a
resposta certa. Ora, professor bom é aquele que não deixa a gente com dúvidas.
Você pensa que a dúvida do aluno deve ser sempre sanada e a dúvida do professor
sempre ocultada?
70
O racionalismo cartesiano teve críticos de valor, como o filósofo John Locke (1632
1704), considerado o maior representante do empirismo inglês. Para Locke, o
conhecimento é a percepção da ligação, do acordo e do contraste entre a ideia
e a coisa. Essa conformidade entre ideia e coisa, para o Empirismo, somente é
possível por meio da experiência empírica.
O Empirismo afirma que os seres humanos nascem com a mente vazia. A partir
das primeiras experiências que temos é que surgem as primeiras ideias, que nada
mais são do que representações das coisas concretas, percebidas por meio dos
órgãos dos sentidos e acumuladas desde o nascimento.
Hume e o Empirismo
Outro conhecido empirista é David Hume (1711-1776). Para esse filósofo, a fonte
do conhecimento é a percepção e a associação mental das ideias que dela
decorrem.
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•• as impressões ou sensações;
•• as ideias.
As impressões são consideradas mais vivas e imediatas, pois penetram com
mais força e evidência na consciência. Por exemplo:
Essas são impressões ou sensações que se dão ao sujeito sem que ele pense
nelas, elas não obedecem a qualquer lógica, e toda conclusão que decorre delas
são suposições, probabilidades.
Já as ideias nada mais são do que cópias das impressões, pois são
consideradas as percepções mais fracas da mente.
Estando na sauna, podemos lembrar das sensações que nos causou quando
estávamos em casa, podemos antecipá-las pela imaginação, ou podemos até
explicar a sauna como um fenômeno físicoquímico, porém, essas lembranças
ou representações mentais jamais terão a força da sensação original, do
fenômeno vivenciado.
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•• relações de ideias;
•• relações ou questões de fato.
Essas relações ou associações não são aleatórias, mas seguem alguns princípios
universais de associação. As primeiras, as relações de ideias, englobam as
proposições cujas relações acontecem unicamente entre ideias, sem existirem de
fato na natureza (são números, formas geométricas, fórmulas matemáticas etc.).
Semelhança;
Contrariedade;
Graus de qualidade;
Quantidade ou número.
É possível realizar longos raciocínios a partir delas sem se alterarem, porque não
dependem dos fenômenos concretos. São proposições consideradas certas por
demonstração lógica e por intuição, independentemente do nível de complexidade
a que são levadas, conservam sempre sua exatidão, produzindo um conhecimento
universal e logicamente necessário, e, por isso mesmo, não podem ser obtidas por
meio de experiência concreta, já que toda experiência é particular. Portanto, essas
relações entre ideias não tratam do conteúdo do mundo.
73
Todas as vezes que uma pedra é jogada para cima, ela cai, o homem já se
acostumou a ver esse fenômeno em toda sua vida, mas disso não decorre que
este fenômeno ocorrerá sempre. Pode ser, quem sabe, que um dia ela não caia.
Podemos supor, por exemplo, que daqui a algumas centenas ou milhares de anos,
as condições atmosféricas mudem e a Lei da Gravidade seja negada. A certeza
no que é observado é consequência de nosso treinamento, desde a infância, em
decifrar e classificar as mensagens do meio ambiente, para nossa adaptação e
sobrevivência neste meio.
74
Avisa Hume (1992) que o hábito pode nos levar a conclusões precipitadas sobre
as coisas e suas relações.
Observe que Hume (1992 ) nos apresenta uma crítica ao método indutivo. Ele
afirma que não é possível justificar nenhuma das verdades obtidas por indução. O
fato de o homem presenciar fenômenos que se repetem, não significa que ele pode
inferir que os fenômenos sempre acorrerão da mesma maneira. Pela indução a
partir de ocorrências particulares, não é possível fazer juízos universais, visto que
não é possível experimentar o universal, apenas o particular e específico.
Reflita!
Agora imagine que lhe fosse apresentada uma escala de diversos matizes de
vermelho, do mais fraco para o mais forte, porém, faltando um dos matizes.
O que vai ocorrer é uma distancia maior entre aqueles dois matizes contíguos em
que falta um mais do que entre os outros matizes da escala.
Responda:
Você pensa que, mesmo sem conhecer a cor vermelha, seria possível identificar a
falta de um matiz na escala de vermelho? Justifique sua resposta.
75
Kant e o Criticismo
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•• Sensibilidade/intuição;
•• Imaginação;
•• Entendimento;
•• Razão.
Segundo Kant (1996), a sensibilização é a capacidade de obter
representações a partir do modo diverso como o objeto nos afeta. E a
sensação é justamente o efeito que o objeto produz sobre os órgãos dos
sentidos e sobre a capacidade de representação do sujeito. Isso significa
que a experiência com o objeto exige condições a priori de sensibilização,
capacidade de representação imediata do sujeito.
Nesse sentido, Kant afirma que os objetos aparecem para nós em função de
como esses afetam nossos sentidos.
Conforme Morente (1970, p. 229), conceito para Kant é uma unidade mental
dentro da qual estão compreendidos um número indefinido de seres e de coisas.
Portanto, é universal e não pode ser atingido pela sensação que somente nos
mostra a multiplicidade de coisas. Por exemplo, os diversos homens concretos e
o conceito único de homem.
77
e a organização de conceitos. A razão lida antes com as regras que dão unidade
a essas representações e aos conceitos. É a razão que dá unidade às regras
do entendimento. Por meio de sínteses internas, a razão pode chegar aos seus
próprios princípios, que são ideias puras.
Analíticos ou
Sintéticos.
Veja o exemplo:
Quando pronuncio a frase: “Nos dias em que neva faz frio”, o predicado, que é
o “faz frio”, já está contido em “Nos dias em que neva”, que é sujeito da oração.
Observe que o atributo “frio” já está contido, implícito, no conceito “neve”.
Neste caso, o predicado não está previamente dito no sujeito, pois se não
houver a experiência de sentir frio em dias de neve, não é possível afirmar
aquele predicado.
78
Há, também, os juízos sintéticos a priori. Ocorrem porque os juízos sintéticos que
dependem da experiência, que são a posteriori (como foi explicado no parágrafo
anterior), são universalizados e tomados como leis da natureza. Kant considera
que os juízos sintéticos a priori, apesar de ligados aos conceitos e às sensações
não estão limitados à experiência, por isso, são universais e necessários. Esses
são os juízos mais adequados às proposições científicas. Pode-se dizer que, com
esses juízos, Kant junta razão e experiência.
Em todo juízo analítico, o predicado é tal que esse “pertence” ao sujeito, está
contido no sujeito em função da própria constituição do sujeito. Ex. Todo ser
humano é mortal. Veja que o predicado ‘mortal’ faz parte do sujeito ‘ser humano’.
Outro ex. Todo triângulo tem três lados. Veja que no sujeito ‘triângulo’ já está
presente a ideia do que é dito no predicado ‘ter três ângulos’. Neste tipo de
juízo, podemos reconhecer a verdade ou falsidade do juízo, independentemente
da experiência e fundamentalmente a partir da análise do próprio juízo. Todo
juízo analítico é considerado uma tautologia porque, de certo modo, repete
no predicado o que já foi dito no sujeito. Nesse sentido, todo juízo analítico é
considerado sempre verdadeiro, necessário e universal. Contudo, eles não nos
proporcionam um conhecimento ‘novo’ sobre a realidade.
Nos juízos sintéticos, o predicado é tal que não “pertence” ao sujeito, isto é, o
predicado não está contido no sujeito. Porém, o predicado pode ser dito sobre
o sujeito, isto é, podemos atribuir tal predicado ao sujeito. Veja um exemplo:
Sócrates está sentado. Veja que o predicado ‘sentado’ não faz parte da
constituição do sujeito ‘Sócrates’, mas é algo que podemos expressar sobre a
condição do sujeito. Esse é um juízo sintético a posteriori, porque a verdade
desse juízo depende de certa ‘experiência’, depende da nossa experiência para
podermos dizer se ele é verdadeiro ou falso. Observe o caráter cambiante de
veracidade deste juízo, da possibilidade, pois uma hora Sócrates pode estar
sentado e em outra não.
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experiência. Esse juízo sintético, a priori, acima, expressa uma lei (matemática),
verdadeira em todas as localidades, lugares e épocas, independentemente da
experiência de alguém.
A Filosofia de Kant influenciou a ciência moderna até os dias atuais, pela sua crítica
às teorias do conhecimento anteriores, que polarizaram a discussão moderna sobre
o conhecimento, pela sua própria explicação de como ocorre o conhecimento e
pelo brilho e pela genialidade da lógica interna de seu pensamento.
Seção 3
Questões da Teoria do Conhecimento na
Contemporaneidade
Descartes (1596-1650), em sua época, e não se pode esquecer que era uma
época de crença no poder da razão, estava preocupado em construir um método
assentado na Matemática, que garantisse um conhecimento verdadeiro. Hume
(1711-1776), por seu lado, estava preocupado em frear a confiança na razão
como fonte única de conhecimento, questionando a relevância do método
dedutivo e do conhecimento puramente abstrato, questionando, também, a
possibilidade do conhecimento das coisas em si e apontando as falhas da
aplicação do método indutivo.
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É interessante salientar que essas características aqui citadas estão entre as mais
criticadas pelos teóricos contemporâneos da Ciência.
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83
Atenção!
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Ética na produção e
socialização do conhecimento
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Seção 1
Ética e moral
Se perguntássemos para os dez maiores filósofos da história da humanidade
o que é Ética, cada um deles proporia uma resposta diferente para a questão.
Esse fato permite-nos deduzir que não há um consenso sobre a definição de
Ética. Porém, em função das várias respostas já oferecidas, no decorrer da
história da Filosofia, nós poderíamos detectar muitos pontos em comum e
propor a seguinte definição.
Considere esses exemplos que justificam o caráter relativo dos valores, referentes
a um comportamento moral:
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Ao estudar essas duas definições, de Ética e de Moral, você deve ter percebido
que, basicamente, a Ética é a teoria que estuda a moral. E a moral refere-se às
práticas humanas, aos comportamentos, que são classificados em função de
critérios como certos (bons) ou errados (maus). A avaliação dos comportamentos
também depende de valores que aceitamos, estabelecemos ou rejeitamos.
A relação entre a Ética e a Moral pode ficar mais explícita com um exemplo.
O professor-orientador responde:
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Veja que aqui temos, especificamente, um ato moral. O ato moral refere-se
ao sufocamento; refere-se ao comportamento moral praticado. Embora em
algumas artes marciais admite-se o golpe do estrangulamento, em pesquisas,
este ato jamais poderia ser adotado.
E a Ética? Onde está? Bom, a Ética, como já vimos, é a teoria que propõe refletir
as condutas morais. Você pode, então, perguntar: onde está tal reflexão sobre
esta conduta moral: “o sufocamento”?
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Apesar de a Ética ser a teoria que estuda a moral, saiba que existem várias éticas,
doutrinas éticas, que foram propostas no decorrer da história da humanidade.
Assim, foram propostos diferentes modos de refletir sobre os atos morais,
inclusive sobre o caso exposto no exemplo anterior.
A ética normativa, como o próprio nome diz, procura estabelecer normas gerais
e modelos universais de comportamentos morais a serem seguidos. Esses
modelos universais deveriam ser válidos para todo um universo de sujeitos e todo
um universo de situações.
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A ética prática discutiria, por exemplo, o que fazer em uma situação como essa.
Nesse sentido, a ética prática poderia retomar dois princípios que fazem parte
das reflexões da ética normativa, como por exemplo:
A ética prática é a que mais nos interessa neste capítulo, pois é ela que fundamenta
a conduta do pesquisador na produção e socialização do conhecimento.
Seção 2
Questões éticas na produção do conhecimento
Além dos recursos lógicos e metodológicos que devem orientar o processo
de pesquisa, são necessários recursos éticos que conduzem a produção, a
discussão e a divulgação do conhecimento. A construção metodológica da
pesquisa está diretamente relacionada com os preceitos éticos. A formulação
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Todavia, muitas vezes o aluno faz passar uma citação direta por indireta, ou seja,
transcreve trechos que deveriam estar entre aspas ou com recuo e fonte menor,
como se fosse uma paráfrase. Trata-se de plágio parcial. Essa conduta poderia
ser facilmente enquadrada na Lei nº 9.610, de 1998, que trata dos direitos
autorais, no art. 7º, inciso I e arts.18, 28 e 29 e até mesmo no art. 184 do Código
Penal. (BRASIL, 1988; BRASIL, 1940).
O art. 184 do Código Penal estabelece ser crime “violar direitos de autor e os que
lhe são conexos.” (BRASIL, 1940).
Se você ainda não sabe fazer citações bibliográficas, para não incorrer em plágio,
consulte o manual “Trabalhos Acadêmicos na Unisul” ou então a NBR 10520, da
Associação Brasileira de Normas Técnicas.
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Seção 3
Questões Éticas na socialização do
conhecimento
Além das questões éticas relacionadas à produção do conhecimento, é
importante pontuar questões relacionadas à ética na socialização do
conhecimento. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que se o conhecimento
produzido no âmbito da ciência não for comunicável, não poderá receber o
status de conhecimento científico.
Você, na condição de acadêmico, deve ficar atento aos eventos que acontecem
na área de conhecimento de seu curso, pois constituem uma grande
oportunidade para se conhecer as novidades e as pesquisas que estão sendo
realizadas na atualidade. A participação em um congresso nos permite ver a
ciência e a produção acadêmico-científica com outros olhos.
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Portanto, quando você for publicar um artigo científico, dê preferência para uma
revista de outra instituição.
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Agradecemos sua companhia e, mais uma vez, enfatizamos o desejo de que este
livro tenha contribuído para o seu itinerário formativo e oferecido informações
necessárias para a compreensão do conhecimento, os seus caminhos, desafios e
responsabilidades, desenvolvendo as habilidades e competências apresentadas
como objetivos e metas do presente estudo.
Um grande abraço!
97
ALVES, Rubem. Sobre ciência e sapiência. 28 set. 2004. Disponível em: <http://
www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u916.shtml>. Acesso em: 02 nov.
2012.
CHAUÍ, Marilena de Sousa. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2002.
99
INÁCIO, Inês C.; LUCA, Tânia Regina de. O pensamento medieval. São Paulo:
Ática, 1994.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. [Os pensadores], São Paulo: Nova
Cultural, 1996.
MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
100
RAUEN, Fábio José. Elementos de iniciação à pesquisa. Rio do Sul: Nova Era,
1999.
SILVA, Mary Aparecida Ferreira da. Métodos e técnicas de pesquisa. 2. ed. rev.
atual. Curitiba: Ibpex, 2005.
VALLS, Álvaro L. M. O que é ética. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. Coleção
primeiros passos.
VERGES, André; HUISMAN, Denis. História dos filósofos ilustrada pelos textos.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984.
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Professor universitário desde março de 1990; leciona Filosofia e Ética nos cursos
de graduação da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). É o atual
coordenador do Curso de Filosofia da UnisulVirtual e articulador da Unidade de
Articulação Acadêmica Educação, Humanidades e Artes do campus UnisulVirtual
da Unisul.
Vilson Leonel
Possui graduação em Filosofia pela Universidade do Sul de Santa Catarina (1985).
Atualmente é professor da Universidade do Sul de Santa Catarina nas disciplinas
Filosofia da Linguagem e Pesquisa Jurídica e Monografia. Atua nos cursos
presenciais e a distância. Mestrando em Educação pela Universidade do Sul de
Santa Catarina, atua principalmente nos seguintes temas: Produção Científica e
Educação a Distância.
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