Teorias conspiratórias envolvendo maçons eram muito anteriores ao
nazismo. Frequentemente essas mesmas teorias também eram antissemitas. Para os nazistas, a maçonaria era uma poderosa sociedade secreta que se recusava a ser controlada e que se associava ao pacifismo e ao cosmopolitismo. Com isso, em 1935, um decreto ordenou a dissolução das lojas maçônicas na Alemanha. Embora não tenham sofrido perseguição sistemática pelos nazistas, como no caso de judeus e ciganos, a maçonaria também se tornou alvo das políticas nazistas.
Nos países ocupados pela Alemanha nazista, lojas maçônicas eram
dissolvidas e listas de membros confiscadas. Os artefatos confiscados das lojas maçônicas também eram utilizados em exposições e propagandas anti-maçônicas. À medida que a Alemanha vinha sofrendo derrotas no campo de batalha, a propaganda nazista acusava judeus e maçons de estarem por trás da guerra e controlarem os países aliados.
Maçons que mantivessem suas
atividades secretamente poderiam ser presos ou mesmo enviados para campos de concentração. No entanto, como boa parte dos maçons presos eram também integrantes da oposição anti- nazista ou judeus, não há um número preciso de quantos maçons foram enviados a campos de concentração somente por serem maçons. Um desses maçons era o empresário e político belga Henri Story. Durante a guerra, Henri ajudou prisioneiros e recusou-se a repassar listas de seus empregados aos nazistas. Preso, foi um dos sete fundadores de uma loja maçônica dentro de um campo de concentração, até ser deportado e morto no campo de concentração de Gross-Rosen em 1944.
Fundada em 15 de Novembro de 1943
por guerrilheiros da Resistência Belga e outros prisioneiros políticos no campo de concentração de Esterwegen, a Loja Maçônica “Liberté Chérie” (Em francês: Liberdade Querida, nome derivado da La Marseillaise - Hino da França) foi uma das poucas Lojas Maçônicas fundadas em campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Os sete fundadores, foram:
Paul Hanson (“Hiram”, oriente de Liège);
Luc Somerhausen (“Action et Solidarité”, oriente de Bruxelas);
Guy Hannecart (“Les Amis philanthropes”, oriente de Bruxelas);
Jean Sugg (“Les Amis philanthropes”, oriente de Bruxelles);
Joseph Degueldre (“Le Travail”, à Verviers);
Amédée Miclotte (“Les Vrais Amis de l’union et du progrès réunis”, oriente de Bruxelas);
Franz Rochat (“Les Amis Philanthropes”, oriente de Bruxelas);
Houve também mais dois “membros” que chegaram a Esterwegen em
Fevereiro e Março de 1944: Jean-Baptiste de Schrijver (“La Liberté”, oriente de Gand); e Henri Story (“Le Septentrion”, oriente de Gand).
Posteriormente, pouco antes da partida de Luc Somerhausen, em 22 de
Fevereiro de 1944, iniciaram e depois elevaram o Irmão Fernand Erauw ao terceiro grau; morreu em Ottenburg, em 08.04.97. O Irmão Franz Bridoux, um iniciado no pós-guerra, também foi prisioneiro nos mesmos quartéis de 16 de Novembro de 1943 a 15 de Abril de 1944.
Paul Hanson foi eleito como Venerável Mestre.
Funcionamento:
Aos domingos de manhã, quando os católicos se reuniram nos fundos do
dormitório para a missa com os dois padres deportados, os irmãos reuniam a Loja no outro quarto da caserna “número 6”, em volta de uma mesa que normalmente era usada para a classificação dos cartuchos. Os deportados, não-maçons e não católicos, asseguravam a vigilância à entrada da barraca. A caserna “número 6” era ocupada por prisioneiros estrangeiros (cerca de 85% de belgas, 10% de franceses)
Luc Somerhausen descreveu a iniciação de Erauw e outras cerimónias
como sendo muito simples. Estas cerimónias tiveram lugar numa das mesas recorrendo a um ritual extremamente simplificado, no qual todos os componentes foram explicados ao candidato para que, posteriormente, ele pudesse participar do trabalho da Loja. Eles foram protegidos dos olhos de outros prisioneiros e supervisores pelos poucos não-católicos e não-maçons que foram deportados para a mesma caserna. Os Maçons Prisioneiros eram obrigados a usar em sua lapela, um triângulo vermelho com a ponta invertida , afim de marca-los. Mas usavam também a Miosótis, esta pequena flor, que tem em sua história as palavras “Não me esqueças”, foi usada na lapela disfarçadamente para os Irmãos se reconhecerem.
Haviam mais de 100 presos na caserna “número 6”, onde ficavam
trancados quase 24 horas por dia, sendo autorizados a sair por meia hora por dia, sob vigilância. Foram condenados a trabalhar em condições terríveis , a comida era tão pobre que os prisioneiros perdiam em média 4 kg por mês.
Após a primeira instalação na Loja, outras reuniões temáticas foram
organizadas. Uma delas foi dedicada ao símbolo do Grande Arquiteto do Universo, outro ao futuro da Bélgica e outro ao lugar das mulheres na Maçonaria.
Esta Loja deixou de funcionar na Primavera de 1944, quando todos os
prisioneiros foram transferidos para outros campos na região central da Alemanha. Os membros da Loja:
O Venerável Mestre da loja, o juiz
Paul Hanson, nascido em Liége em 25 de Julho de 1889, era membro da loja “Hiram” em Liège. Participando num serviço de “informação e ação”, foi preso em 23 de Abril de 1942. Foi posteriormente transferido para Essen e morreu nas ruínas da sua prisão, destruída por um ataque aliado em 26 de Março de 1944.
O Dr. Franz Rochat, professor
universitário, farmacêutico e director de um grande laboratório farmacêutico, nasceu em 10 de Março de 1908 em Saint-Gilles. Trabalhou clandestinamente para o jornal da Resistência, La Voix des Belges, até à sua prisão em 28 de Fevereiro de 1942. Transferido para Untermansfeld em Abril de 1944, Morreu lá em 6 de Janeiro de 1945.
Jean Sugg nasceu em 8 de Setembro de 1897 em Gand. De ascendência
germano-suíça, ele trabalhou com Franz Rochat na imprensa de resistência, traduzindo textos alemães e suíços, e participou em vários jornais clandestinos, incluindo La Libre Belgique, La Légion noire, Le Petit Belge e L’Anti Boche . Morreu em Buchenwald em 6 de Maio de 1945.
Guy Hannecart, advogado, poeta, romancista e dramaturgo, nascido em
Bruxelas em 20 de Novembro de 1903, pertencia à Loja Les Amis Philanthropes nº 3, a Oriente Bruxelas. Membro do Conselho Nacional do Movimento Nacional Belga, foi preso em 27 de Abril de 1942. Morreu em Bergen-Belsen em 25 de Fevereiro de 1945.
Joseph Degueldre, Doutorado em medicina, nasceu em Grand-Rechain em
16 de Outubro de 1904 e era membro da Loja “Le Travail” em Verviers. Membro do Exército Secreto, chefe de secção do S.A.R., foi preso em 29 de Maio de 1943. Transferido para a prisão de Ichtershausen em Abril de 1945, participou numa “marcha da morte”, escapou e foi então repatriado pela Força Aérea Americana em 7 de Maio de 1945. Morreu em 19 de Abril de 1981 aos 78 anos de idade.
Amédée Miclotte, professor, nasceu em 20 de Dezembro de 1902 em La
Hamaide e pertenceu à Loja ” Les Vrais Amis de l’union et du progrès réunis Chefe da Secção de Informação e Serviços de Acção, foi preso em 29 de Dezembro de 1942. Foi visto pela última vez em detenção em 8 de Fevereiro de 1945 em Gross-Rosen.
Jean De Schrijver, coronel do exército belga, nasceu em 23 de Agosto de
1893 em Aalst e era membro da Loja “La Liberté” em Gand. Em 2 de Setembro de 1943, foi preso por espionagem e posse de armas. Morreu em Gross-Rosen em 9 de Fevereiro de 1945.
Henry Story nasceu em 27 de Novembro de 1897 em Gand. Era membro
da loja “Le Septentrion” em Gand. Capitão dos Serviços de Informação e Acção, foi preso em 20 de Outubro de 1943 e morreu em 5 de Dezembro de 1944 em Gross-Rosen.
Luc Somerhausen, jornalista, nasceu em 26 de Agosto de 1903 em
Hoeilaart. Pertencia à Loja “Action et Solidarité” nº 3 e foi Grande Secretário Assistente do Grande Oriente da Bélgica. Ajudante nos Serviços de Informação e Acção, foi preso em 28 de Maio de 1943 em Bruxelas. Repatriado em 21 de Maio de 1945, ele enviou em Agosto do mesmo ano um relatório detalhado ao Grão-Mestre do Grande Oriente da Bélgica, no qual conta a história da loja “ Liberté Chérie“. Morreu em 5 de Abril de 1982 com a idade de 79 anos. Fernand Erauw, funcionário do Tribunal de Contas da Bélgica e oficial na reserva de Infantaria, nasceu em 29 de Janeiro de 1914 em Wemmel. Foi preso em 4 de Agosto de 1942 por pertencer ao Exército Secreto, onde ocupou o posto de tenente. Evadiu-se e foi recapturado em 1943.
Erauw e Somerhausen encontram-se em 1944 no campo de concentração
de Oranienburg-Sachsenhausen e permaneceram inseparáveis depois disso. Na Primavera de 1945, participaram numa “marcha da morte”.
Repatriado em 21 de Maio de 1945 e hospitalizado no Hospital Saint-
Pierre, em Bruxelas, Erauw pesava apenas 32kg, para 1,84m de altura. Último sobrevivente da Loja “ Liberté Chérie “, morreu aos 83 anos, em 1997.
O Monumento:
Um monumento, criado pelo
arquiteto Jean de Salle, foi construído por Maçons belgas e alemães em 13 de novembro de 2004. Ele é agora parte do sítio memorial do Cemitério de Esterwegen. Wim Rutten, o grão-mestre da Federação Belga dos Direitos Humanos, disse em seu discurso: “Estamos reunidos aqui hoje, neste cemitério em Esterwegen, não para lamentar, mas para expressar publicamente um pensamento livre: “Em memória de nossos irmãos, os direitos humanos nunca serão esquecidos. »
A Respeitável Loja “Liberté Chérie” está registada sob o número 29ª no
Grande Oriente da Bélgica. Or. de Bauru, 06 de Julho de 2023. Ir. Alfredo Theodoro Mauad – AM ARLS Cavaleiros de York Nº347 e ARLS Frat. Acadêmica Cavaleiros de York Nº432 GOP - Grande Oriente Paulista COMAB – Confedereção Maçônica do Brasil CMI – Confederação Maçônica Internacional
Fontes:
Somerhausen: Une loge belge dans um camp de concentration. In: Feuillets
d’information du Grand Orient de Belgique. Nº 73, 1975
Fernand Erauw: L’odyssée de Liberté Chérie, 1993 – Histoire de la loge Pierre
Verhas: Liberté chérie : Une loge maçonnique dans um camp de concentration. Bruxelles, Labor, 2005.
Franz Bridoux, La Respectable Loge LIBERTE CHERIE au camp de