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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Clecia Aparecida Gomes

O s engenheiros da Associação Brasileira de Educação (ABE):


confluências entre ideias educacionais e urbanas na cidade do Rio de Janeiro nos anos
iniciais do século XX

CAMPINAS
2015
(...) por isso levo
um invisível rio em minhas veias
um invencível canto de crepúsculo
que me estimula o riso e mo congela.
Ela ajuntou à vida que nascia
o estéril ramalhar de vida enferma.
A palidez das mãos de moribunda
amarelou em mim a lua cheia.

Neruda, O Rio invisível

À minha mãe (in memoriam).


Aos meus irmãos, porque são para
mim uma inspiração potente.

Para Gabi e Gu, meus amores.


Talvez haja um modelo estabelecido no céu, onde
aquele que o deseja pode contemplar a cidade e se
tornar seu cidadão. Mas não importa se essa cidade
existe ou alguma vez existirá; é a única cidade em
cuja política pode tomar parte.

Platão, República, 592


ABST RACT

T his work is analyzing the issue confluences between educational and urban ideas in the early
years of the twentieth century. It addresses the educational proposals of engineers who founded
the Brazilian Education Association (ABE) in 1924 in the city of Rio de Janeiro. Bibliographical
studies were analyzed for Educational Renewal Movement in Brazil, the work of engineers in the
First Republic and the urban transformations in Rio de Janeiro city. It has been in the First
Republic the city as a reference for the educational project developed by these engineers. T he
research allows us to understand how the relationship between education were established,
political and urban transformations in the context analyzed.

Keywords: 1. Brazilian Association of Education. 2. Urban policy - Rio de Janeiro (RJ). 3.


Education. 4. Engineering. 5. Cities and towns - Rio de Janeiro (RJ).
16

Podemos incluir o surgimento da Associação Brasileira de Educação entre as

mobilizações que caracterizaram a reação das elites urbanas, especialmente as situadas na Capital

Federal da República, frente as exigências de reorganização do social no país. A partir da década

de 1920, constata-se a emergência de estratégias de racionalização em diferentes campos da

atividade social e falas racionalizadoras, que passam pelo paradigma urbano-industrial,

pressuposto afirmado como o principal vetor da economia política da época.

O ideal de sociabilidade presente no modelo de cidade moderna ansiava a

organização, reorganização e disciplinamento do espaço público, que compreendia métodos de

racionalização aplicados à distribuição regrada das populações em espaços mais adequados, bem

como controle do lazer e do trabalho. Nesse contexto, a importância dada à educação, tal qual

expressa pelos diferentes grupos que congregavam a Associação Brasileira de Educação, tanto sob

uma perspectiva política no sentido estrito, como proposta de constituição de uma opinião

pública, quanto como instância modeladora dos costumes citadinos, traduzia-se como mecanismo

de reestruturação do controle da população urbana2. A ideia modernizadora tornava

imprescindível e inadiável uma total renovação de hábitos, comportamentos e modos de pensar

do homem brasileiro, meta que se traduzia pelo esforço de reforma dos mecanismos de formação

das elites e, principalmente, pelo intento de disciplinar o povo, adaptando-o ao ideal de sociedade

preconizado nos projetos políticos que emergiam.

O projeto de reorganização do social teve como veio principal as noções de progresso

e cientificismo. Pontos fundamentais desta atuação eram a produção da materialidade da

sociedade (âmbito público e privado), a formação moral e cívica da população voltada para o

trabalho e para a civilidade, e a difusão de elementos do higienismo como preceitos básicos da

noção de saúde pública. Desta forma, engenheiros, médicos e educadores atuaram, inicialmente

em consonância a um projeto comum e foram aos poucos organizando seus locais de atuação e

determinando campos independentes e especializados.

Assim, no momento em que aceleradas transformações se davam no espaço urbano da

Capital Federal da República, um surto de mudanças sociais e políticas parecia se impor ao país.

2
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e forma cívica: higiene, moral e trabalho no projeto da
Associação Brasileira de Educação (1924 -1931) . Bragança Paulista. SP: EDUSF, 1998.
22

trabalho conduzido junto à Seção de Ensino Técnico e Superior, instância promotora de cursos,

palestras e conferências, em sua maioria ministradas nas dependências da politécnica carioca.

Enquanto Magalhães esforçou-se no sentido de manter a imagem da Associação

afastada de qualquer conotação política, como afirma Carvalho, Labouriau retomava junto ao

Partido Democrático do Distrito Federal, fundado em 1925, do qual era membro da comissão

executiva, elementos do programa do Acção Nacional11, partido político criado pelos fundadores

da ABE, cujo projeto é substituído pela proposta de instituir-se uma associação cívica de

propósitos educacionais apolítica.

Além disso, identificamos com a leitura da bibliografia referente ao tema a

centralidade que a instituição escolar passa a tomar nos projetos educacionais elaborados na

segunda metade da década de 1920. A escola compreendida como instrumento de intervenção

social aos poucos passa a ser constituída a partir de temas urbanos. Ganham espaço nos programas

escolares questões relativas à cidade, notadamente, nos anos finais da década quando a atuação do

poder público sobre o urbano (Plano Agache) e o educacional (Reforma da Instrução Pública)

coincidem.

Não há dúvidas quanto à relevância da realização de uma pesquisa que se debruce sobre

estes projetos. Entretanto, para correspondermos aos objetivos que impulsionaram este estudo,

fez-se necessária uma investigação centrada nas ideias educacionais e urbanas que orientaram os

projetos elaborados pelos fundadores da Associação, os engenheiros Everardo Backheuser, Heitor

Lyra da Silva, Francisco Venâncio Filho e Edgar Sussekind de Mendonça, este à época, estudante

de arquitetura na Escola Nacional de Bellas Artes. Estes projetos iniciais exprimem uma noção de

educação que se relaciona mais diretamente com as questões centrais desta pesquisa.

A historiografia sobre o tema aponta para a noção de educação compreendia nos anos

1920 como elemento de um amplo programa de ação social. Este programa buscava dar solução a

questão social, de forma a agregar diferentes ideários no conjunto das ações por ele empreendidas,

entre eles os ideários médico, educacional e urbanístico. Estas ações, diferentemente do que ocorre

nos anos finais da década quando a instituição escolar é tornada lócus privilegiado para a

11
Op. cit., p. 59.
24

aos problemas do pais, a cidade moderna, de certa forma, foi eleita por esses engenheiros como

um imperativo educacional, ou seja, como lócus privilegiado para a formação do cidadão.

Assim, a partir dos resultados obtidos na análise documental e bibliográfica, foi

definida a estratégia de construção da narrativa da dissertação. No primeiro capítulo foram

analisados alguns dos principais trabalhos que se debruçaram sobre a temática do Movimento de

Renovação Educacional no Brasil. Partir-se-á da problemática da construção da memória deste

movimento, especialmente aquela elaborada pelos Pioneiros da Educação Nova, para em seguida

analisar trabalhos recentes que apresentam novas interpretações, objetos e abordagens sobre o

tema. T em-se estas leituras como relevantes para o desenvolvimento das questões levantadas por

esta pesquisa, especialmente, porque a partir delas, é possível situar algumas das alterações

ocorridas na atuação relativa à questão educacional entre os anos 1910 e 1920. Considera-se a

importância de demonstrar de que forma o lócus privilegiado para a atuação educacional com

vistas à formação (moral e cívica) do cidadão, desloca-se do espaço da cidade para o da instituição

escolar ao longo do processo de constituição da questão educacional. Assim, a ênfase será dada ao

lugar da educação nos projetos de intervenção no social e sua importância em alguns dos projetos

políticos elaborados para o Brasil na Primeira República. No segundo capítulo centraremos nossa

atenção na história da criação e fundação da ABE, com vistas à participação dos engenheiros que a

fundaram e os principais indícios que revelam a inserção destes profissionais nas discussões

educacionais. Além disso, trataremos das relações institucionais estabelecidas entre esta entidade e

a Escola Politécnica do Rio de Janeiro em seus anos iniciais por intermédio destes profissionais.

No terceiro capítulo apresentaremos um estudo sobre os engenheiros na Primeira República e a

importância que estes profissionais adquiriram na atuação sobre o social. O quarto capítulo

abarcará as ideias educacionais dos engenheiros que fundaram a ABE e uma análise das

confluências identificadas entre estas ideias e o ideário urbanístico difundido na cidade carioca.

Ao final, serão apresentadas algumas considerações e apontamentos sobre a pesquisa.


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convidado em 1925 por Tobias Moscoso, à época diretor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro,

a assumir uma cadeira nesta instituição, mas não aceitou ao pedido, conforme o autor do convite,

por questões de ordem moral128. É possível relacionarmos o fato à prisão de seus colegas e ao

posicionamento expresso pela instituição frente às atitudes do Governo de Arthur Bernardes,

como vimos.

O engenheiro dirigiu ao longo de sua carreira a Revista de Educação fundada por José

Augusto Bezerra de Medeiros, e foi colaborador efetivo da Revista Brasileira de Engenharia

dirigida por José Pantoja Leite em seu lançamento em outubro de 1920 129, até 1924. No ano

seguinte seu nome não mais aparece na lista dos engenheiros que compõem o conselho diretor da

Revista, então sob a direção do engenheiro e ex-prefeito da cidade do Rio de Janeiro André

Gustavo Paulo de Fontim130. T ambém colaborou como membro da comissão editorial da revista

Architectura no Brasil de 1921 até sua morte. Heitor Lyra da Silva morreu de complicações

ocasionadas por doença crônica em 18 de dezembro de 1925. Pouco antes de sua morte,

converteu-se católico, evento que, de certa forma, rompe com a unidade de convicções que

levaram-no à atuação junto às questões educacionais, como veremos mais à frente.

Suas concepções educacionais estiveram em proximidade com as do colega Everardo

Adolpho Backheuser. Como vimos, ambos cursaram engenharia civil na Escola Politécnica e

realizaram juntos muitos dos exames de aprovação para o curso. Backheuser nasceu em 23 de

maio de 1879 na cidade de Niterói. Cursou o ensino primário no colégio particular de sua tia e

em 1889 ingressou o Ginásio Nacional, antiga denominação do Colégio Pedro II, onde formou-

se bacharel em letras em 1896, tendo sido escolhido orador da turma. Ingressou a Escola

Politécnica em 1897 de onde saiu formado engenheiro geógrafo em 1899 e engenheiro civil em

1901. No mesmo ano adquiriu o título de bacharel em ciências físicas e matemáticas e, em 1913

o de doutor em ciências físicas e naturais. Foi professor da Escola Politécnica já em 1907 na

secção de geometria descritiva, arquitetura e higiene. Em 1911 foi nomeado professor efetivo e

128
MOSCOSO, Op. cit., p. 25.
129
REVIST A BRASILEIRA D E ENGENHARIA, T OMO I, Ano I, nº 1, CAPA.
130
REVIST A BRASILEIRA D E ENGENHARIA, T omo IX, nº 1, CAPA.
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mineralogia, geologia e botânica, conquistando após dois anos, lugar definitivo nas duas cátedras.

Manteve-se na instituição até 1925, após sair da prisão131.

Atuou como professor suplementar no Colégio Pedro II. Em 1928 foi professor de

História Natural no Instituto de Ensino Secundário. Em 1931, de geologia e botânica no curso de

geógrafos militares do Instituto Geográfico Militar. Em 1935, professor da Escola T écnica da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro e entre 1944 e 1945, professor de geografia política do

Instituto Rio Branco do Ministério das Relações Internacionais.

Participou da fundação, em 1916, da Sociedade Brasileira de Ciência, atual Academia

Brasileira de Ciências. Em 1922, fundou a Escola T écnica Fluminense. Foi delegado no VIII

Congresso Brasileiro de Geografia realizado em 1926 na cidade de Vitória. Em 1928, com sua

saída da politécnica e a aproximação com Fernando de Azevedo, sua atuação junto às questões

educacionais é intensificada. Neste ano fundou a Cruzada Pedagógica pela Escola Nova, no

Distrito Federal e a Associação Fluminense de Professores Católicos. Em 1931, a Associação de

Professores Católicos do Districto Federal, sendo seu primeiro presidente. Em 1933, presidiu a

Confederação Católica Brasileira de Educação e no ano seguinte a comissão organizadora do

Primeiro Congresso Católico Brasileiro de Educação. Entre 1936 e 1937 dirigiu o Instituto de

Pesquisas Educacionais.

Backheuser foi presidente da Comissão Nacional de Ensino Primário do Ministério

da Educação. Em 1939, presidiu o Departamento de Educação e Cultura na Ação Católica

Brasileira. Entre 1939 e 1941, atuou como consultor técnico do Conselho Nacional de Estatística

e do Conselho Nacional de Geografia. Em 1946, foi presidente da Comissão de Educação

Popular do I.B.E.C.

Fundou, foi redator e colaborou com jornais e revistas da capital e de outros Estados,

escrevendo com assiduidade até o final da vida. Além disso, foi presidente da Sociedade de

Cultura Germânica, professor de esperanto e sócio efetivo da Associação dos Geógrafos

Brasileiros, da Sociedade de Geografia e Estatística de Franckfurt, da Academia Fluminense de

131
MUSSO, Antonio José de Mattos. Everardo Adolpho Backheuser. In: Revista Brasileira de Geografia. Vultos da
Geografia do Brasil. Jan-Mar de 1955, p. 91.
110

diferentes áreas apontadas, os fundamentos teóricos que as orientaram foram oriundos do campo

médico. Já nos anos 1920, são os engenheiros os profissionais com destacado envolvimento com

as questões sociais. Importa, portanto, entendermos como e porque este profissional passou a

ditar ações no campo do social, com atuação notável na última década da Primeira República.
127

como característica dos estudos preliminares, tal qual a politécnica carioca, uma sólida formação

científica, a diferença estaria nos objetivos e na importância reservada ao estudo dos

conhecimentos das ciências.

A Escola de engenharia que se inaugurava aproximava-se das tendências de ensino de

engenharia alemãs e suíças, as quais, embora assentadas em bases científicas, preparavam o

profissional para a prática imediata51. Assim, os projetos curriculares da Escola Politécnica de São

Paulo estiveram imbuídos de um pragmatismo severo, interessado em um ensino prático52. A

proposta pedagógica da escola buscava corresponder às demandas de formação dos quadros

técnicos (médios e superiores) vistos como necessários para a atuação na indústria, - esta

entendida em sentido amplo, ou seja, como o conjunto das atividades produtivas - no

desenvolvimento material da sociedade e junto às questões públicas. Estabelecer um

posicionamento frente a este debate representaria, ao mesmo tempo, consolidar uma resposta ao

projeto de formação da nação brasileira, coerente com as expectativas políticas e profissionais

desta classe de especialistas. Esta discussão insere-se no contexto de definição sobre o papel do

Estado e da instrução pública na formação do cidadão republicano, no qual engenheiros paulistas

estiveram fortemente engajados, ao menos no que consistiu aos interesses de criação de uma

instituição de formação superior em engenharia naquela capital.

Ora, no caso específico da cidade do Rio de Janeiro, se tratou de uma discussão

permeada pela atuação intelectual de profissionais da engenharia ao longo das três primeiras

décadas do século. Os engenheiros participaram das discussões sobre os rumos da instrução

pública de forma a considerar em suas produções intelectuais não somente questões diretamente

relacionadas à orientação do projeto curricular e organizacional das escolas de engenharia. Estes

profissionais se envolveram no cenário amplo de discussões sobre a condução da questão

educacional no país.

3.2 O debate educacional na República

51
Idem, ibidem, p. 108.
52
Idem, ibidem, p. 94.
134

(...) Que se facilitem os estudos clássicos e literários aos que para eles tiverem
gosto e propensão especial capazes de produzir uma cultura intensa nesse
campo, assim como se deve facilitar os estudos de sciencia pura aos que se
sentirem attrahidos para eles. Uns e outros têm uma alta missão civilizadora a
cumprir. Mas não se deve esquecer que eles serão sempre, e convem que assim
sejam, uma pequena minoria.

A grande maioria precisa porém ser constituida por homens de ação, cuja
educação não despreze a cultura esthetica e litteraria. Elles serão tambem, se a
sua educação tiver sido verdadeiramente integral, idealistas a seu modo, porque
ha em qualquer campo de atividade util, quando harmonicamente concebida e
executada, uma fórma de beleza que vale ás vezes pela de poemas, e que póde
escapar talvez aos sonhadores contemplativos, mas que se impõe a todas as
mentalidades equilibradas.
Se sob o pretexto de que o ensino secundario deve ser desinteressado,
continuarmos a lhe dar feição literaria e classica, e principalmente a empregar os
mesmo methodos, para que ao termino dele o joven escolha sua orientação na
vida, estaremos commentedo uma burla. Q uando o momento dessa pretendida
escolha se apresentar, a mentalidade do estudante terá adquirido uma
conformação determinada e as unicas carreiras que se lhe depararão como
possíveis serão as das profissões liberaes, literárias ou burocráticas.

Nerval de Gouveia, que era unicamente scientista e professor, exprimiu uma vez
de fórma modelar o caracter predominante que é necessario imprimir á
educação nacional: nós não temos, dizia ele, como certos povos do Velho
Mundo, que adestrar nossa mocidade para conquistar colonias, mas temos que
preparal-a para consquistar o Brasil.

O problema fundamental da educação nacional é portanto o da reforma dos


methodos.71

Embora longo, o trecho é esclarecedor no que consiste ao posicionamento político de

Heitor Lyra da Silva. Como se vê, a importância de um ensino prático a ser instituído nos cursos

secundários e superiores do país representava, em sua opinião, cultivar condições para solucionar

o problema educacional brasileiro consubstanciado na ausência de um cidadão útil. Mas, importa

frisar que, para este engenheiro, a introdução deste método deveria ser encarada somente como

parte integrante de um amplo plano educacional geral. Por hora, basta compreendermos a

importância que estas novas ideias adquiriram no projeto político de Lyra quando admitidas

como método a ser adotado em instituições de ensino.

71
Op. cit., p. 128 à 131.
138

membros como a mais preparada para executar as mudanças vistas como necessárias ao país.

Assim podemos perceber como questões técnicas se traduziam na fala deste engenheiro em

questões políticas.

Vimos a importância que estes engenheiros atribuíam a formação das elites nacionais.

Porém, como já afirmamos, o projeto educacional que propunham não se restringiu apenas a esta

classe social. É preciso, pois, dimensionarmos o projeto educacional nas suas diferentes

perspectivas. Para tanto, deve-se direcionar o olhar para as propostas elaboradas por estes

intelectuais para as classes populares.


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As obras realizadas na Capital Federal foram uma constante na Primeira República e, seus

custos, extremamente onerosos, renderam à municipalidade dívidas internas e externas sem

precedentes, já que muitos administradores optaram por adquirir empréstimos internacionais, a

maioria, justificados para a conclusão destas obras. Assim, ações que visavam a resolução de

problemas relacionados à saúde e a educação da população, por exemplo, sobretudo a pobre,

mantiveram-se irrisórias ao longo das primeiras décadas do século XX.

Em 1915, críticas de cunho nacionalista denunciavam a ineficiência do poder público

(Federal e Municipal) para a resolução do problema educacional do país e reivindicavam

intervenções nesse âmbito. As justificativas ressoavam os anseios de modernização da sociedade,

haja vista as potencialidades da educação para a consolidação de uma cultura nacional, requisito

para a construção do Brasil como uma sociedade moderna. As preocupações com as péssimas

condições de vida da população pobre, como vimos, reclamavam ações sanitárias que dotassem

estes habitantes da cidade de hábitos higiênicos e moralizados. A educação era ainda

compreendida como mecanismo de controle social e disciplinarização destas populações,

percebidas à época como fatores potenciais de desestabilização do social. Além disso, as exigências

de preparo e adaptação do habitante pobre da cidade nestes termos inscreviam ações/intervenções

na cidade, dada a necessidade de distribuição regrada destas populações, em espaços considerados

mais adequados, além da regulamentação controlada do lazer e do trabalho.

A campanha mobilizou as elites urbanas e configurou um movimento integrado pela

reforma do social. Como já citado, desde o início do século, ações no campo da medicina e

engenharia social já compunham o leque de mobilizações que dava forma a intervenções desse

tipo na cidade, ao lado de atos de assistência e caridade organizados por entidades filantrópicas

nacionais e internacionais. Os reformadores sociais, no entanto, tentavam o aperfeiçoamento de

tais intervenções, buscando na ciência, na técnica e em experiências internacionais avaliadas como

bem-sucedidas, ou seja, nas novas ideias educacionais e urbanas, fontes capazes de responder

proficuamente as questões com as quais se defrontavam. Nessa época, o número de associações

157
178

CO NSID ERAÇÕ ES FINAIS

Nesse trabalho analisamos a participação de engenheiros nos debates educacionais

ocorridos na cidade do Rio de Janeiro nos anos iniciais do século XX. Vimos como a criação e

fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924, constituiu-se um marco da

inserção destes profissionais nos debates sobre a reorganização do social no país e uma via

poderosa para a divulgação de suas ideias e realização dos projetos políticos que elaboravam e

defendiam no contexto das tensões políticas que caracterizaram a atividade intelectual na última

década da Primeira República.

Os engenheiros que integraram o grupo idealizador da ABE elaboraram um discurso

educacional específico, distinto daqueles veiculados pela entidade na segunda metade da década

de 1920, o qual em muitos aspectos buscou sua legitimidade a partir da alusão a outros discursos,

sendo os principais, aqueles empenhados em difundir as novas ideias educacionais e o ideário

urbano moderno como orientadores de estratégias modernizadoras para o país. Portanto, emergiu

como produção intelectual que, de forma alguma, prescinde de uma visão da história da cidade e

do urbanismo que possibilite situá-lo.

Insuflados pelas noções de progresso e cientificismo que animavam a sociedade

brasileira desde meados do século XIX, profissionais da engenharia denunciavam o que

consideravam a ausência de políticas educacionais e urbanas direcionadas, especialmente, à

adequação das condições de vida da população do país. A denúncia da ausência de políticas

educacionais voltadas para a formação do indivíduo-cidadão, em particular na cidade do Rio de

Janeiro, se intensifica com a implantação do sistema de governo republicano.

No limiar do novo século aspirava-se a capital da República um centro urbano capaz

de inserir o país no contexto das nações civilizadas europeias. T al anseio correspondeu a uma série

de intervenções na materialidade da cidade, acionadas tanto pela municipalidade quanto pelo

governo Federal. T endo como objetivo torná-la um local atrativo, embelezado e saneado, para

investimentos estrangeiros e imigração de grupos oriundos do Velho Mundo, as medidas

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Jornais e periódicos:

Boletim da Associação Brasileira de Educação (ABE), Anno I, nº 1, p. 4, setembro de 1925.

Boletim da Associação Brasileira de Educação (ABE) , Anno II, n. 7, setembro-outubro, 1926.

Boletim da Associação Brasileira de Educação (ABE) , Anno III, n.10, março-abril, 1927.

Jornal Correio da Manhã, 30 de novembro de 1901. Vida Academica, Curso de Engenharia


Civil.

Jornal Correio de Manhã, 26 de dezembro de 1901.

Jornal Correio da Manhã, 13 de julho de 1902. Vida Academica, Federação de Estudantes


Brasileiros.

Jornal Correio da Manhã, 5 de março de 1903.

Jornal Correio da Manhã, 26 de agosto de 1904. Vida Academica,Federação de Estudantes


Brasileiros.

Jornal Correio da Manhã, 03 de janeiro de 1905. Vida Academica, Federação de Estudantes


Brasileiro.

Jornal O PAIZ, quarta, 20 de abril de 1910.

Revista Brasileira de Engenharia, T OMO I, Ano I, nº 1, CAPA.

Revista Brasileira de Engenharia, T omo IX, nº 1, CAPA.

SILVA FILHO, Roberto Leal Lobo e, ex-reitor da USP e autor do artigo Para que devem ser
formados novos engenheiros?, O Estado de São Paulo, Caderno Educação, 19 de fevereiro de 2012.

O Estado de São Paulo, Caderno Educação, 19 de fevereiro de 2012, Artigo: Para que devem ser
formados os novos engenheiros? http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,artigo-para-que-
devem-ser-formados-os-novos-engenheiros,838027.

Sites consultados:

http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/106/3/01d06t04.pdf

www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/106/3/01d06t04.pdf

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http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/05/usp-muda-curriculo-dos-cursos-de-engenharia-
da-escola-politecnica.html.

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/QuestaoSocial/ReformasEducacionais

http://www.abe1924.org.br/

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