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ensino| CURSOS
e aprendizado na engenharia civil

Currículo de engenharia civil


e mercado
JOSÉ MARQUES FILHO – Professor
Universidade Federal do Paraná

1. INTRODUÇÃO subsistência da sociedade. Essa ne- Uma discussão do mercado e do

A
sociedade atual, com grande cessidade indica o que a sociedade perfil do engenheiro necessário para
concentração urbana forma- requer dos engenheiros que são forma- nossa sociedade é sadia e deve ser am-
da muitas vezes por metró- dos, incluindo planejamento adequa- pla, pois dela obtém-se a grade curricu-
poles com vários milhões de habitantes, do, soluções inovadoras e módicas. lar que satisfaria esses condicionantes.
depende totalmente da infraestrutura Essa abordagem requer conhecimento
civil instalada. É impossível manter o te- técnico sedimentado, capacidade de 2. ANÁLISE SITUACIONAL
cido social sem o fornecimento de água, inovação e criatividade, e todos esses A sociedade humana atual está,
moradia, energia, retirada de dejetos, lo- ingredientes deveriam fazer parte do em grande, parte distribuída no globo
gística de transporte, abastecimento de curso de engenharia civil. em concentrações urbanas, com vá-
alimentos e insumos. Esse desafio no O engenheiro civil é basicamente um rios milhões de pessoas coexistindo
Brasil é aumentado pela grande quan- empreendedor que resolve problemas da em espaços físicos reduzidos. O aden-
tidade de pessoas que devem ter sua sociedade, tendo seu foco nos desejos samento cria a necessidade de distri-
qualidade de vida melhorada e incorpo- dela, e empreender requer a capacidade buição de água, energia, alimentos,
rada ao processo produtivo digno. de movimentar grande parte do mecanis- moradia, mobilidade, saúde e empre-
Hoje são claros os gargalos de in- mo social, gerando condições para o in- go em regiões cujas áreas e recursos
fraestrutura que o país apresenta, li- vestimento de capital, análise e mitigação existentes não seriam suficientes para
mitando seu crescimento, a geração de riscos, minimização do impacto socio- a garantia de sobrevivência digna. A Fi-
de riqueza e a capacidade produtiva, ambiental e a geração de estruturas se- gura 1 apresenta a distribuição da po-
impedindo a melhoria da condição de guras, duráveis e com custo adequado. pulação humana e a Figura 2 mostra a
urbanização existente evidenciando a
grande concentração em áreas relati-
vamente pequenas.
Verifica-se que há uma quantidade
expressiva de conglomerados urbanos
com população superior a 1 milhão de
habitantes no mundo e esse compor-
tamento se repete no Brasil, onde nos
últimos 50 anos houve uma migração
importante da população rural para
as cidades, pressionando os recursos
naturais existentes. As necessidades
de fornecimento de água, energia,
moradia, vias de transporte e logística
u Figura 1
de suprimento são cada vez mais im-
Densidade demográfica em 2014
portantes, e o destino e tratamento de

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um aumento de 1 bilhão de habitantes
entre 2011 e em torno de 2025, criando
uma pressão considerável sobre a infra-
estrutura existente, aumentando a ne-
cessidade de ação dos engenheiros civis.
Os estudos populacionais de vários
organismos, incluindo a ONU, são resu-
midos em 3 cenários distintos, conside-
rando os limites físicos, educação, confli-
tos, pragas e doenças. No cenário médio,
considerado mais provável, a população
ultrapassaria 9 bilhões de habitantes num
intervalo de tempo relativamente curto,
conforme apresentado na Figura 4.
O acréscimo de 2 bilhões de seres
humanos deverá ocorrer em países
Fonte: www.economist.com/node/21642053 pobres e em desenvolvimento, que já
contam com infraestrutura precária ou
u Figura 2
Urbanização prevista para 2020 inexistente, levando à necessidade de
investimento em novos empreendimen-
tos a curto e médio prazos. Aliado a
dejetos têm urgência de estudos com quanto na operação e manutenção dos esse fato, a distribuição das condições
sofisticação crescente. Essa distribui- empreendimentos existentes. de conforto e renda ainda é muito de-
ção populacional e a manutenção do As mudanças em tela são relativa- sigual e grande parte da humanidade
tecido social são totalmente depen- mente recentes e o aumento populacio- não possui condições de vida digna e
dentes da infraestrutura existente, e, nal teve seu gradiente de crescimento com condições sanitárias minimamente
portanto, das atividades de engenharia, acentuado nos últimos 300 anos, confor- adequadas. No Brasil, esse fato é ain-
quer na execução de novos projetos me apresentado na Tabela 1 e na Figura da muito importante, com desigualda-
3. Pode-se observar que o intervalo de de social em termos de acesso à infra­
tempo considerado pelos estudos da Or- estrutura civil muito relevantes. Portanto,
u Evolução da população mundial ganização das Nações Unidas apresenta somada à necessidade de fornecimento

Ano Milhões História


-8000 5 AC
1 250
1650 500
1804 1000
1927 2000
1960 3000
1974 4000 DC
1987 5000
1999 6000
2011 7000
2025 8000
u Figura 3
2043 9000 Evolução da população mundial

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sequências dessas alterações na dinâ-
mica atmosférica. De forma, semelhante
ao gráfico do crescimento populacional
apresentado na Figura 3, pode-se, atra-
vés de estudos climáticos em rochas e
em geleiras, obter a evolução da presen-
ça de gases do efeito estufa (GEE) na
atmosfera, cujos resultados mais aceitos
pela comunidade técnica internacional
estão apresentados nas Figuras 5 e 6.
Observa-se um aumento significa-
tivo dos gases do efeito estufa, bem
como se verifica um aumento da ocor-
rência de eventos climáticos extremos,
como cheias e secas intensas, aumen-
to da intensidade de chuvas e ventos,
e, também, um aumento do derreti-
mento do gelo das camadas polares e
de várias regiões do planeta. O Interna-
tional Panel on Climate Change (IPCC),
u Figura 4 da ONU, em seu relatório de 2014, indi-
Cenários de crescimento populacional (ONU) ca que já se prova estatisticamente que
as mudanças climáticas têm origem
de benefícios gerados pelas obras ci- 50% da produção de alimento mundial antropogênica, prevendo mudanças no
vis ao crescimento populacional, exis- depende de irrigação e as disponibili- regime de chuvas, indicando a necessi-
te uma necessidade de atendimento a dades de água para consumo humano, dade de manejo dos recursos hídricos
uma parcela significativa da sociedade. dessedentação de animais e geração e proteção da infraestrutura existente.
Juntamente com as necessidades energia são essenciais à vida, tem-se a Em resumo, o crescimento popu-
anteriormente descritas, a preocupação necessidade de estudos sobre as con- lacional e o aquecimento global (ver
com as mudanças climáticas indica que
as pressões sobre a disponibilidade de
recursos hídricos serão crescentes e
de previsão complexa. Como mais de

Fonte: IPCC – Climate Change 2007

u Figura 5
Concentração de CO 2 u Figura 6
na atmosfera Evolução do teor de metano na atmosfera

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Figura 7) indicam a necessidade de estu-
dos para avaliação de seus efeitos e de
novas obras hidráulicas, impulsionando
pesquisas e análises de armazenamen-
to, transporte e distribuição de água e
de energia sem emissões, bem como
devem ser previstas proteções contra
cheias de magnitude importante. Essas
necessidades impulsionam as ativida-
des da Engenharia Civil e devem orientar
o curso para uma visão de sustentabili-
dade em todas as suas disciplinas.
A necessidade de estudos preventi-
vos com visão de sustentabilidade nas
soluções adotadas, aliada a uma visão u Figura 7
Aquecimento global nos últimos 12.000 anos
de crescimento da demanda de em-
preendimentos civis relevantes, orienta
a expectativa da sociedade em relação safio da adaptação de novos proces- de dados comuns desde as investi-
ao curso de Engenharia Civil. Em con- sos de ensino que sejam eficazes com gações preliminares até a operação,
trapartida, as últimas décadas sofreram as novas gerações e que evitem que a passando pelo projeto e construção;
um impacto importante do desenvolvi- mera aplicação de processos automá- u Gerenciamento de projetos focados
mento tecnológico e da informática sem ticos seja o foco do aprendizado, ao in- nos processos de otimização e mini-
precedentes na história da humanidade. vés do conceito físico envolvido. mização de impactos;
Depois do salto na oferta e tipologia de Com as discussões previamente u Novos sistemas construtivos, com
equipamentos colocados à disposição apresentadas, conclui-se que o proces- menor penosidade para os envolvi-
logo após a Segunda Guerra Mundial, o so de Engenharia Civil, e, obviamente in- dos e o entorno;
impacto da aplicação da tecnologia nos cluindo Arquitetura, deve prover soluções u Minimização de impactos socioambientais;
últimos 30 anos mudou drasticamente com consideração dos princípios básicos u Análises hidrometeorológicas com a
os processos de geração de infraestru- da sustentabilidade, com alguns pontos perspectiva de mudanças ambientais
tura. O conhecimento da microestrutura diferenciados, abaixo considerados. para garantia da segurança hídrica;
dos materiais, a nanotecnologia, a tecno- u Soluções minimizando a utilização de u Tratamento de dejetos e resíduos;
logia de aditivos e adições do concreto, materiais não renováveis e a emissão u Urbanismo integrado que minimize
a instrumentação do comportamento de gases do efeito estufa durante o o impacto ambiental, procurando
estrutural, os processos de modelagem ciclo de vida dos empreendimentos; de forma holística diminuir a pegada
numérica, os processos integrados de u Aumento da durabilidade, diminuindo a ecológica, considerando a questão
projeto são ferramentas importantes e pressão sobre a reconstrução e reutili- socioeconômica;
serão largamente empregados, devendo zando as estruturas existentes, e, ob- u Visão integrada e holística do desen-
ser agregados ao conhecimento disponi- viamente, com projetos que permitam volvimento da infraestrutura e suas
bilizado ao engenheiro contemporâneo. multiusos conforme a necessidade que consequências socioeconômicas;
Sob o ponto de vista atitudinal, se apresenta ao longo do tempo; u Reforço dos conceitos físicos e
os alunos de engenharia estão imer- u Desenvolvimento de novos materiais; matemáticos;
sos numa sociedade com automação u Reciclagem efetiva de materiais e di- u Planejamento integral da infraestrutura
crescente, acesso à informação quase minuição do desperdício; considerando os limites ambientais, a
imediata, relacionamento interpessoal u Otimização dos projetos, com sis- pegada ecológica de cada tipo de solu-
constante e diverso, mudando a con- temas unificados de informação e ção, a melhoria das condições de vida
cepção de aprendizagem. Surge o de- verificação de conflitos, com base e parâmetros econômico-financeiros.

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3. SITUAÇÃO E PERSPECTIVAS DE manutenção da infraestrutura são mais cursos de engenharia vem aumentando
MERCADO DA ENGENHARIA importantes que a necessidade de novos e o mesmo censo anteriormente men-
CIVIL NO BRASIL empreendimentos, haveria a natural ne- cionado mostra que o número de vagas
Uma das maneiras mais eficazes de cessidade de menos engenheiros civis por de engenharia subiu entre 2000 e 2012,
se analisar as perspectivas da Enge- habitante, caso que não ocorre no Brasil. crescendo 384%, valor maior que os
nharia para validar seu currículo é com- Portanto, a necessidade de formação dos 172% de aumento do total de vagas no
parar a situação do país perante outras engenheiros em nosso país seria natural- ensino superior no mesmo período. No
nações. A Figura 8 apresenta a propor- mente diferente dos países desenvolvidos, mesmo intervalo, o número de inscritos
ção de Profissionais de Engenharia e não se aplicando as regras e escolhas passou de 6,2% do total de postulantes
Técnicos em relação à população. contidas em suas grades curriculares. à universidade para 13,2%, enquanto
A situação apresentada indica que o O Censo da Educação Superior, pro- respectivamente a quantidade de vagas
posicionamento do país é muito inferior à duzido pelo Instituto Nacional de Estu- porcentuais para as engenharias passou
curva ajustada, mostrando uma deficiên- dos e Pesquisas Educacionais (INEP) do de 5,8% para 10,4%. Esses últimos da-
cia relativa a outras nações. Com a possí- Ministério da Educação, mostra que dis- dos indicam um aumento da atrativida-
vel correlação entre riqueza e quantidade crepância apresentada vem lentamente de da carreira entre 2000 e 2012.
de engenheiros, verifica-se que, para o se corrigindo, pois, em 2000, havia 7,29 Em termos absolutos, o Brasil em
atingimento de um equilíbrio sustentável engenheiros por 10.000 habitantes e, 2012 possuía 344.425 vagas de en-
da população, há a necessidade de au- em 2012, essa razão passou para 13,48 genharia, com 224.087 ingressantes
mento do número desses profissionais. (OIC, 2013). Com a recessão atual, seria e 54.173 concluintes, sendo que esse
Essa constatação é agravada, pois a interessante avaliar o efeito na relação último valor indica a formação de 2,79
comparação é efetuada com países com considerando os profissionais realmente engenheiros para cada 10.000 habitan-
infraestrutura mais adequada que a bra- ocupados com a engenharia. tes. Comparado com os países desen-
sileira. Em países onde os processos de Observa-se que a procura pelos volvidos, como ao Coréia do Sul (19,16),

Fonte: OCED, apud OIC Engenharia Data, 2013

u Figura 8
Relação entre profissionais de engenharia e técnicos em relação à população em 2012

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Espanha (10,04), Itália (8,36), Estados ve uma significativa redução da atividade com educação e administração públi-
Unidos (5,22), a quantidade de enge- econômica, impactando diretamente na ca. A produtividade de docentes tam-
nheiros formados no país é modesta. construção civil. No seminário “Forma- bém deve ser observada, sendo que o
Apesar da criação intensa de vagas ção e Emprego de Engenheiros no Brasil: World Bank indicou que, em 2013, para
desde o início dos anos 2000, já se evi- Tendências Atuais”, em 2014, discutiu- cada 100 professores dos cursos de
dencia a existência de evasão significati- -se a necessidade de engenheiros no engenharia, no Brasil publicou-se em
va nos cursos de engenharia. O Censo país para vários cenários de crescimento média 6 artigos, no Japão 28 e nos Es-
do Ensino Superior do INEP apresen- econômico, e existiria uma probabilidade tados Unidos 64. Para uma maior pre-
ta que, em 2012, a taxa de evasão era significativa de excesso de engenheiros cisão da questão da formação de en-
em torno de 25%, bastante alta quando no mercado. Essa conclusão merece ser genheiros, poderia ser realizada análise
comparada com os 2,5% dos cursos de analisada com reservas. A porcentagem complementar avaliando a interação da
medicina, cujo público é mais elitizado de engenheiros na população, compara- academia com a indústria e a comuni-
pela taxa elevada de candidatos por vaga da com o perfil de outros países, mostra dade técnica, verificando se a acade-
e a perspectiva de ganhos garantidos ao que a aplicação de inovação, utilização mia insere novos profissionais com as
longo da vida do profissional. A evasão de tecnologia e desenvolvimento de pro- características necessárias às diversas
é também muito grande em compara- dutos é fundamental para a geração de modalidades do setor produtivo.
ção com outros países. Dados do World riqueza e mudança do perfil socioeconô-
Bank mostram que, em 2013, no Brasil mico brasileiro. 4. CONSIDERAÇÕES
estavam matriculados 516.287 estudan- Assim sendo, como já discutido E CONCLUSÕES
tes, enquanto no Japão haviam 483.120, no evento logo acima mencionado, Nos últimos quarenta anos, o
e nos Estados Unidos 749.295. No mes- além da quantidade, a qualidade dos currículo mínimo do curso de Enge-
mo ano concluíram no Brasil 41.112 engenheiros formados deve ser ob- nharia Civil vem sofrendo mudanças
profissionais contra 90.048 no Japão e servada. Sempre tomando o cuidado significativas no foco, carga horá-
99.455 nos EUA, confirmando a evasão com generalizações e sabendo-se da ria e na base formativa, o que, em
e dificuldade de término do curso. existência de exceções de excelência parte, é natural pela evolução tec-
Esse valor de evasão pode ser, de no país, tomando como base o ENADE nológica e social. Porém, algumas
forma preliminar, gerado pelo desem- (Exame Nacional de Desempenho de considerações merecem ser apresenta-
penho inadequado em matemática do Estudantes), verifica-se que as notas das para uma análise da adequabilida-
ensino médico, demostrado pelo Pro- dos alunos das universidades públicas de dos currículos atuais. Nas décadas
grama Internacional de Avaliação de concentram-se entre 4 e 5, enquanto de 1960 e 1970, os cursos possuíam
Alunos de 2012 (PISA), da Organização os das instituições privadas atingem cargas horárias mais elevadas que as
para Cooperação e Desenvolvimento em sua maioria notas 2 e 3. Em nome atualmente adotadas.
Econômico (OCDE). Nesse estudo, o da justiça de julgamento, deve ser res- O Curso que eu fiz possuía em tor-
Brasil ocupa a 33a posição entre 38 pa- saltado que existem excelentes institui- no de 5.700 horas aulas totais, que é
íses com avaliação inferior à metade da ções de ensino superior particulares no em torno do dobro do currículo míni-
média, sendo que a maioria dos países país. Nos últimos anos, o aumento da mo atual, mas somente aulas a mais
têm maior relação entre a quantidade oferta de novos cursos chegou à situa- não formam um parâmetro compa-
de engenheiros e sua população. ção onde mais de dois terços dos cur- rativo. Deve-se avaliar se o que foi
Em termos de mercado de trabalho, sos existentes estão em instituições pri- retirado no tempo foi importante. O
no intervalo de tempo entre 2000 e 2012, vadas. As provas em geral são simples curso tinha caráter formativo com al-
o Brasil passou por período de retoma- e básicas, com problemas às vezes gumas características interessantes,
da econômica, sendo que a quantidade dissociados da realidade do exercício como a existência de dois anos bási-
de engenheiros, a grosso modo, do- profissional. Em 2012, dos engenheiros cos com disciplinas gerais, incluindo
brou no período, atingindo em torno de atuando no país, apenas 6% dos enge- matemática e física muito sedimenta-
40.000 profissionais. Após esse período, nheiros possuíam mestrado ou douto- das, e os cursos básicos de Desenho
a situação do país se deteriorou e hou- rado, e desses, grande parte trabalhava e Geometria, Mecânica dos Fluidos,

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Resistência dos Materiais, Iniciação aos trabalho, o total de horas e de disciplinas trabalho familiar, disponibilidade de
Materiais de Construção, Mecânica dos foram diminuindo ao longo do tempo e informação e novas tecnologias. Os
Solos e Química. Formava-se um arca- o curso se concentrando em edifica- processos mentais e o comportamen-
bouço científico importante, estruturan- ções e pequenas obras. Hoje se obser- to social são diferentes, com algumas
do a formação tecnológica, deixando o va que várias disciplinas como Concreto novas potencialidades interessantes.
aluno preparado para o entendimento Protendido, Pontes e Obras Hidráulicas Qualquer discussão de currículo deve
das disciplinas profissionalizantes e passaram a ser optativas e as disciplinas ter simultaneamente consideradas as
suas complexidades, fornecendo tem- formativas foram reduzidas. Os cursos abordagens didático-pedagógicas que
po para o entendimento do mecanismo profissionalizantes reduziram a carga te- favoreçam a atenção e a empolgação
mental e do processo de engenharia órica, concentrando-se em procedimen- com o curso que se transformarão em
envolvido. Os cursos eram abrangen- tos de cálculo e processos. aprendizado. Também deve consi-
tes, mostrando a base de conheci- Essa redução teve como consequ- derar o treinamento para as tomadas
mento para a execução de edificações, ência a diminuição da bagagem teórica, de decisão contínuas da profissão e a
pontes, obras protendidas, portos e com o consequente aumento da inse- conscientização de sua importância e
demais obras de arte, que eram com- gurança e diminuição da capacidade responsabilidade numa atividade que
plementados pela execução de proje- de inovação e criatividade. Apesar da atua com o patrimônio e a segurança
tos com simulação de situações reais melhoria significativa da pesquisa nas das pessoas. Tarefas complexas numa
durante o curso. Além dessa formação universidades, principalmente nas pú- sociedade hoje com recursos financei-
com visão abrangente, o processo de blicas, o foco na graduação às vezes ros e humanos limitados
formação era completado nos estágios diminui pela necessidade de produção A discussão da grade curricular hoje
e durante a vida profissional, num pro- docente. Esse fato e o aumento do nú- é necessária para que o esforço gasto
cesso de treinamento contínuo que le- mero de turmas, alunos e orientandos na formação de uma categoria indis-
vava inicialmente a uma especialização podem ser fatores que fragilizam ainda pensável à sociedade atinja plenamente
dentro das diversas áreas do conheci- mais a situação gerada pelas mudanças seu potencial e capacidade de geração
mento da Engenharia Civil. curriculares das últimas décadas. Sem de benefícios. Também parece funda-
Entre essa época e os dias atuais, ti- dúvida, a função primordial dos cursos é mental a adaptação e o ajuste contínuo
vemos duas grandes crises econômicas a formação de profissionais engenheiros às mudanças tecnológicas e sociais
e hoje o país vivencia outra. Houve uma civis que satisfaçam às necessidades que se desenvolvem exponencialmente
diminuição brusca de investimentos e, da sociedade, e uma discussão maior e são indissociáveis da capacidade de
com isso, uma diminuição da necessida- do assunto é urgente e necessária num aprendizado. A criação de condições
de de serviços de engenharia e despres- país carente de infraestrutura civil. que favoreçam a inovação aplicada e a
tígio da profissão, com fuga de talentos. O perfil dos alunos nas últimas dé- criatividade deve ser decorrente da for-
Simultaneamente, com as restrições or- cadas também mudou, seguindo as mação integral dos novos profissionais,
çamentárias, pressão pelo aumento de alterações socioculturais geradas pela que são os fatores que geram valor no
universitários e limitação do campo de concentração urbana, necessidade de mundo atual.

u REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] ACEGEOGRAPHY – Population Density, em http://www.acegeography.com/population-issues.html, acessado em 02/02/2017.


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[3] CFM - CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA - No Brasil, Número de Escolas Privadas de Medicina Cresce Duas Vezes mais Rápido que o de Cursos Públicos –
acessado em 23 de julho de 2017, Brasília: 2015.
[4] INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE – IPCC - Climate Change Fourth Assesment Report, Genebra: 2007.
[5] INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE – IPCC - Climate Change Fifth Assesment Report, Genebra: 2014.
[6] OLIVEIRA, V. F.; ALMEIDA, N. N.; CARVALHO, D. M.; PEREIRA, F. A. A. - Um Estudo sobre a Expansão da Formação em Engenharia no Brasil - Revista de Ensino
de Engenharia da ABENGE, Brasília – DF: ABENGE, 2013, edição especial.
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IAE/USP, São Paulo: 2014.

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