Você está na página 1de 2

desenvolvimento

urbano
I N S T I T U T O P Ó L I S

IDÉIAS PARA A AÇÃO MUNICIPAL

N o 185 2001

HABITAÇÃO SOCIAL NAS ÁREAS CENTRAIS


A implementação de programas habitacionais nas áreas centrais contribui para democratizar o acesso
à cidade, otimizando o uso de infra-estrutura e serviços públicos já instalados.

O s processos de ocupação e crescimento


urbano geram em diversos municípios
o esvaziamento e a decadência das áreas cen-
O QUE TEM SIDO
FEITO?
centrais envolve uma série de aspectos que de-
vem ser levados em conta pela administração
municipal.
trais, caracterizadas principalmente pela dimi- Em primeiro lugar, é importante esclarecer que
nuição do número de moradores, existência de por área central entende-se áreas que são mais
muitos imóveis vazios e subutilizados, degrada-
ção do patrimônio histórico, precariedade habi-
tacional em cortiços, concentração de atividades
informais, mudança no perfil socioeconômico
D esde a década de 1970, houve inúmeras
experiências de intervenção nos centros
urbanos, e se difundiram intensamente, consti-
abrangentes que o núcleo histórico das cidades.
Nas grandes cidades, as áreas centrais corres-
pondem às áreas de ocupação mais antiga, en-
globando, além do centro histórico, também os
tuindo-se num roteiro de orientações para as
dos moradores, dos usuários e das atividades ações do governo e da iniciativa privada. Um bairros vizinhos, que apresentam características
locais, além de transferência de setores públicos dos efeitos dessas ações, porém, tem sido a ex- semelhantes. Algumas cidades não chegam a
e privados para outras localidades. pulsão da população pobre dessas áreas na me- apresentar uma situação de esvaziamento popu-
Em muitos casos, este esvaziamento ocorre in- dida em que as novas intervenções urbanísticas lacional das áreas centrais, mas apresentam um
serido em um processo de crescimento urbano públicas e privadas promovem a revalorização conjunto de áreas ou edificações não utilizadas
que estende a mancha urbana em direção às imobiliária. ou subutilizadas completamente inseridas em
periferias - para o assentamento da população Uma alternativa para orientar a intervenção do áreas urbanizadas e que também podem ser ca-
de baixa renda - e em direção a novas áreas de poder público nas áreas centrais sem expulsar a racterizadas como áreas centrais e integrar uma
expansão imobiliária para assentar os setores população moradora é implementar programas proposta semelhante.
de atividades relacionadas à classe alta. Essa habitacionais que garantam as diversidades so- Em segundo lugar, é preciso conhecer a popula-
situação resulta na subutilização dos recursos cial e funcional nessas áreas. Ao promover a ção que mora na região, favorecendo a consti-
disponíveis nas áreas centrais, como infra-es- habitação social nas áreas centrais, que são as tuição de espaços nos quais se possa explicitar
trutura, sistema de transportes e estoque imo- áreas melhor atendidas da cidade, a prefeitura os conflitos existentes entre os diversos atores
biliário; no adensamento populacional de baixa favorece a melhoria da qualidade de vida da po- envolvidos com a questão, para se chegar ao
renda em áreas não servidas de infra-estrutura pulação e democratiza o acesso à cidade. desenho do que seja o interesse coletivo.
e distantes dos locais de trabalho e na concen- Mas para que isso ocorra, é importante definir A identificação e a valorização dos vínculos que
tração de atividades econômicas em áreas de uma atuação ampla que não se restrinja a proje- a população mantém com o bairro são fatores
especulação imobiliária. Ou seja, é uma forma tos isolados e intervenções pontuais. A inter- fundamentais para aumentar a coesão social e
de crescimento urbano que se caracteriza pela venção regulatória do poder público para a pro- garantir a diversidade social. Para isso é neces-
separação das diferentes classes sociais no moção da habitação social nas áreas centrais é sário criar estruturas de organização e participa-
município e pela má utilização dos recursos fundamental, pois uma possibilidade sempre ção que envolvam, ao longo de todo o processo,
públicos na medida em que, além de não utili- presente é que, na medida em que as ações de essa população, os novos moradores que serão
zar o que já existe, exige a ampliação de infra- recuperação das áreas começam a ser implemen- atendidos pelo programa e os movimentos soci-
estrutura e serviços públicos para áreas antes tadas, aumenta a disputa pelos imóveis por parte ais organizados.
não ocupadas. do mercado imobiliário, tornando-os indisponí- É importante também garantir a permanência dos
Por outro lado, na medida em que os imóveis se veis para a habitação de interesse social. pequenos negócios que, em geral, oferecem gran-
desvalorizam, aumenta a possibilidade de a po- de número de empregos.
pulação de baixa renda morar nessas áreas, prin- A gestão deve ser descentralizada, se possível
cipalmente alugando cortiços. Apesar das con- COMO FAZER? com uma ação próxima das áreas de intervenção,
dições precárias deste tipo de moradia, essas permitindo o contato e o acompanhamento entre

A
pessoas reduzem seus gastos com transportes e os técnicos (equipe interdisciplinar), a adminis-
podem utilizar serviços e equipamentos públi- formulação e a implementação de um tração municipal (articulando as diversas ações),
cos com mais facilidade. programa habitacional para as áreas a população e os setores envolvidos ao longo de
todo o trabalho. A criação de um conselho favo-
rece a participação e a gestão democrática ao lon-
vezes tombados pelos órgãos responsáveis, e
existem edifícios que têm importância apenas como
LEGISLAÇÃO
go do processo de elaboração e na implementa-
ção do programa (veja DICAS Nº 137).
parte do conjunto urbano, constituindo-se no cha-
mado patrimônio banal. Em muitas cidades, o
URBANÍSTICA
patrimônio banal corresponde à maioria das edi-
ficações existentes nas áreas centrais. E são estes A legislação urbanística deve ser trabalhada
FORMAS DE os imóveis que se encontram vazios, subutiliza- em dois aspectos: a necessidade de adequação
dos e degradados, com reduzido valor de venda, dos padrões e das normas de construção (có-
INTERVENÇÃO sendo dessa forma o objeto das reformas e reci- digo de obras e edificações) para a reforma e
clagens para a habitação social. É importante des- reciclagem dos edifícios para produção de ha-
tacar que a reforma de edifícios para a adequação bitação social; e o segundo aspecto refere-se à
A principal forma de intervenção é a reforma a novos usos ainda é uma prática incipiente no utilização de instrumentos urbanísticos que in-
dos edifícios para fins de habitação social, uma Brasil, sendo necessários o desenvolvimento de terfiram no controle sobre o uso do solo fa-
vez que existe nas áreas centrais um conjunto de técnicas, produtos e a formação de mão de obra zendo cumprir a função social da proprieda-
edifícios (residenciais, industriais, de escritóri- adequados às suas características, podendo re- de. Também é importante criar um sistema in-
os, comerciais, depósitos) que se encontram sultar no impulso às atividades deste segmento tegrado de aprovação dos projetos que garan-
vazios ou subutilizados, em condições precárias no setor da construção civil. ta a operação conjunta dos diversos órgãos
ou abandonados. As intervenções devem levar envolvidos, permitindo maior agilidade na
em conta os aspectos locais sem perder de vista implementação da política.
o papel da região para o funcionamento do con- FINANCIAMENTO A recente aprovação do Estatuto da Cidade (veja
junto da cidade. DICAS Nº 181) permite que um conjunto de
Os projetos de intervenção envolvem, além da instrumentos urbanísticos seja utilizado pelos
reforma e reciclagem de edifícios (patrimônio A viabilização de qualquer política habitacional municípios para garantir o cumprimento da fun-
banal), a melhoria das habitações precárias (prin- depende da existência de linhas de financiamento ção social da propriedade. Nesse sentido, desta-
cipalmente cortiços), a recuperação de edifícios adequadas à capacidade das famílias. O Progra- ca-se o direito de preempção, ou seja, o direito
de valor histórico, a construção de novas moradi- ma de Arrendamento Residencial - PAR - da Cai- de preferência do poder público para a aquisição
as, combinados com ações de melhoria do ambi- xa Econômica Federal é atualmente a única linha de uma propriedade e o parcelamento, edifica-
ente urbano. Na França, por exemplo, existem as de financiamento habitacional de abrangência ção ou utilização compulsórios como instrumen-
Operações Programadas para a Melhoria do Ha- nacional voltada para as condições das áreas cen- tos muito importantes para pressionar os pro-
bitat - OPAH - que concentram as diversas for- trais. É importante destacar que, apesar da impor- prietários a destinar usos para os imóveis ocio-
mas de intervenção num determinado perímetro tância dessa linha de financiamento, existem par- sos. A aplicação do IPTU progressivo no tempo
urbano. Ou seja, algumas quadras são definidas celas da população que não têm renda suficiente é uma das formas de pressão associadas a esses
como prioritárias para intervenção e são tratadas para atingir os limites estabelecidos pelo progra- instrumentos. Porém, para utilizá-los é preciso
de maneira integrada. Nessas áreas os esforços ma, sendo necessários subsídios e programas que definir no Plano Diretor quais áreas estarão su-
concentram-se na utilização do patrimônio exis- atendam as famílias sem renda ou com renda in- jeitas à sua aplicação.
tente e não na demolição para posterior constru- ferior a três salários mínimos. Uma alternativa Os aspectos relacionados à produção, constru-
ção nova. Já em Portugal existem as intervenções para o atendimento dessa demanda é a implemen- ção civil, com respaldo técnico adequado para a
mínimas que consistem na tentativa de aproveita- tação de um programa de aluguel social. reforma das edificações ultrapassam a esfera
mento máximo das estruturas existentes para re- A responsabilidade pela provisão habitacional é municipal, porém são elementos fundamentais
duzir os custos e tornar os investimentos compa- de todos os níveis do governo. Cabe ao municí- para a implementação de políticas que saiam da
tíveis com faixa de renda da população moradora. pio pressionar os outros níveis de governo para escala pontual. A adequação dos aspectos téc-
As ações devem considerar as diferenças entre o aplicar os recursos disponíveis, criar novas li- nicos relacionados à reforma das edificações
patrimônio histórico e o patrimônio banal. Nas nhas de financiamento e definir uma política necessita de estudos e pesquisas específicos que
áreas centrais, que em muitos casos englobam os nacional de habitação que torne possível uma vão desde a avaliação dos imóveis, formação de
centros históricos das cidades, existem edifícios combinação dos recursos do orçamento munici- mão de obra, adequação dos materiais e técnicas
que têm relevante valor histórico, sendo muitas pal com o estadual e o federal. construtivas.

RESULTADOS
Os principais resultados implementação da políti- • Ampliação da oferta de mento tecnológico e a for-
da implementação de um ca urbana; moradia com a redução dos mação profissional para a
programa habitacional • Fortalecimento dos vín- investimentos públicos; reforma e adequação de
nas áreas centrais são: culos da população com os • Melhoria das áreas cen- edifícios para novos usos.
• Ampliação do acesso da bairros onde moram; trais, contribuindo para re- Essa proposta se apresen-
população à cidade, ou • Otimização do uso da verter os processos de es- ta como uma alternativa
seja a garantia de que uma infra-estrutura urbana já vaziamento e decadência; para combater a segrega-
parcela cada vez maior da disponível; • Impulso ao desenvolvi- ção territorial e social tão
população poderá usufruir comum em nossas cidades
as áreas melhores equipa- Para receber o Boletim DICAS por e-mail, e que condena a moradia
das e estruturadas; da população de baixa
envie uma mensagem para
• Promoção da gestão de- renda apenas às áreas pe-
boletim-dicas-polis-subscribe@yahoogroups.com
mocrática da cidade por riféricas, distantes e sem
meio da participação da infra-estrutura ou equipa-
população na formulação e Autora: Érica Diogo. mentos públicos.
Instituto Pólis- Rua Cônego Eugênio Leite, 433 - São Paulo - SP - Brasil
CEP 05414-010 - Telefone: (011) 3085-6877 - Fax: (011) 3063-1098 -
http://www.polis.org.br - e-mail: dicas@polis.org.br

Você também pode gostar