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desenvolvimento

social
I N S T I T U T O P Ó L I S

IDÉIAS PARA A AÇÃO MUNICIPAL

N o 196 2002

GARANTIR UM CONSUMO SAUDÁVEL


Uma política municipal que busque garantir alimentos de qualidade para todos pode ser ao mesmo
tempo uma ação que gera trabalho e renda para os pequenos produtores e comerciantes locais.

A desejada transformação dos hábitos de


consumo de modo a torná-los saudá-
veis e sustentáveis em termos econômicos, soci-
relacionam. Contudo, os fatores mais importan-
tes que levam ao distanciamento estão no elevado
grau de processamento e de transformação do
caráter essencial e mesmo vital destas ações reve-
la-se no fato de elas serem um caminho que favo-
rece a obtenção, pelos consumidores, de alimen-
ais e culturais não é incompatível com as iniciati- produto agrícola pelas cadeias agroalimentares, tos seguros, saudáveis e que contemplam ou pre-
vas de combate a iniqüidades sociais. Uma das nos impactos da propaganda sobre os hábitos servam hábitos de consumo. E para os pequenos
expressões de iniqüidade é, justamente, o consu- alimentares e na oferta diversificada resultante da produtores, a capacidade de responder a estes
mo supérfluo e imitativo. Por esta razão, as cam- circulação comercial mais fluida dos alimentos quesitos constitui-se uma alternativa - talvez a
panhas de segurança alimentar, freqüentemente inclusive em âmbito internacional. Além disso, única - de trabalho e renda que lhes permita uma
focalizadas na qualidade dos alimentos em si, há a incorporação de serviços aos alimentos (pro- reprodução econômica em condições dignas.
deveriam englobar questões que vão desde o aces- dutos pré-elaborados e refeições prontas) de modo As ações públicas deste tipo contemplam, as-
so à terra até o consumo, o que incluiria uma a reduzir o “trabalho” de preparação das refeições sim, dois objetivos fundamentais da política
articulação mais estreita entre campo e cidade. domésticas. Assim, é cada vez maior o desconhe- municipal de segurança alimentar e nutricional:
cimento sobre a origem dos alimentos que se con- a) promover formas de produção de alimentos
some, sobre o quê e sobre quem está “por trás” da de qualidade que sejam socialmente eqüitativas
APROXIMAR etiqueta, gerando uma crescente perda de referên- e inclusivas, ambientalmente sustentáveis e que
cias culturais no hábito de se alimentar. expressem a diversidade regional dos modos de
PRODUÇÃO E Mesmo reconhecendo o peso das tendências produzir e dos hábitos de consumir, baseadas
conduzidas pelas corporações agroalimentares em pequenos e médios empreendimentos rurais
CONSUMO e pelas grandes redes de supermercados, apoia- e urbanos; e
das em poderosos instrumentos publicitários, a b) fazer cumprir o direito a uma alimentação

A
ação em âmbito local junto aos consumidores e segura e saudável, com base em instrumentos
proximidade ou o distanciamento entre aos pequenos e médios produtores (rurais e ur- de educação para o consumo, de proteção dos
a atividade de produzir os alimentos e o banos) de alimentos permite construir alternati- direitos do consumidor e de estímulo a sua par-
ato de consumi-los é um aspecto fundamental vas mais adequadas em termos econômicos, ticipação na formulação das políticas públicas.
na ótica da segurança alimentar e nutricional. sociais e culturais. Esta ação teria como referên- Boa parte dos aspectos abordados relacionam-se
Não se trata, apenas, da distância física que se cia maior as diretrizes gerais de uma política com o abastecimento alimentar, área de atuação
mede em quilômetros e que nos leva a buscar municipal de segurança alimentar e nutricional contemplada pela maioria das administrações
formas para baratear o custo de transporte des- (veja DICAS Nº 184). municipais. É importante requalificá-las para que
tes bens e evitar os conhecidos ‘passeios’ reali- possam ir além das formas convencionais de atu-
zados por alguns alimentos antes de chegarem ação, explorando a dupla inserção das ações de
em nossas mesas. Trata-se, principalmente, da AÇÕES POSSÍVEIS abastecimento, ou seja, promover a produção e a
separação entre a produção e o consumo dos comercialização de alimentos, ao mesmo tempo

A
alimentos cujo distanciamento retira qualquer em que contribuem para que todos os segmentos
sentido de identificação social e cultural entre crescente valorização das ações públi- da população tenham acesso a eles.
consumidores e produtores e, mesmo, entre o cas voltadas para aproximar a produção
consumidor e o alimento que ingere. e o consumo dos alimentos parte do suposto de
Sem dúvida, este fenômeno se deve, em parte, à que é no âmbito local ou regional que a produção CAPACITAÇÃO
maior distância física entre os habitantes das aglo- e o consumo de alimentos adquirem suas feições

A
merações urbanas e os espaços rurais de onde se reais e próprias - seus “rostos” - na forma de
origina boa parte dos alimentos: já quase não se produtores e de consumidores, indivíduos e gru- s ações de abastecimento alimentar po-
adquire alimentos diretamente dos produtores ou pos sociais que demandam promoção, informa- dem atuar como mecanismos que efetu-
de intermediários (feirantes, etc.) que com eles se ção e suporte público para suas iniciativas. O am a colagem entre o desafio de ‘construir mer-
cados’ para os pequenos agentes e ampliar o agroalimentar e varejo tradicional), apoiar a for- Ao contrário, é preciso superar a perversidade
acesso da população a alimentos de qualidade. mação de redes sociais locais e regionais e cri- contida nos modelos excludentes no qual um
O consumo saudável relacionado ao abasteci- ar suporte institucional no tocante à comercia- número expressivo de produtores e fornecedo-
mento alimentar engloba um grande contingente lização e ao crédito. Note-se que a atual hege- res de baixa renda ofertam alimentos com pouca
de pequenos e médios fornecedores de alimen- monia das redes de supermercados não impede qualidade a um contingente também expressivo
tos e de refeições, tais como os agricultores fa- que exista uma fatia de mercado não desprezí- de consumidores de baixa renda.
miliares, as agroindústrias rurais e as indústrias vel para os pequenos e médios estabelecimen- À insuficiência dos critérios de consumo de
urbanas de pequeno porte, o pequeno varejo tos varejistas de, no mínimo, 25 a 30% das quem dispõe de pouca renda para comprar ali-
convencional, as casas especializadas, etc. Os compras totais de alimentos com maior durabi- mentos, junta-se a ação pública que quase sem-
papéis por eles desempenhados podem englo- lidade, e de mais de 50% no caso dos alimentos pre se limita a penalizar produtores e vendedo-
bar a promoção de atividades econômicas com mais perecíveis. Apesar de sua contribuição à res em condições também precárias. Daí que o
eqüidade e inclusão social, a oferta de alimentos eqüidade social, estes segmentos nunca foram desafio consiste em transformar a atuação dos
típicos com qualidade e o estímulo à diversidade objeto de programas públicos como os que serviços de inspeção e vigilância sanitária em
cultural, todos eles essenciais à implementação deram suporte, desde a década de 1970, à ex- promotora da passagem de pequenos produto-
de uma estratégia de desenvolvimento com se- pansão de grandes redes. res e fornecedores ao mercado formal, melho-
gurança alimentar. rando seu produto e sua renda, em paralelo à
No entorno dos pequenos e médios núcleos ur- educação alimentar e à defesa dos direitos do
banos, formam-se circuitos regionais de produ- GERAÇÃO DE consumidor. A legislação que trata das condi-
ção, distribuição e consumo de alimentos, muitas ções para produzir e para registrar os alimentos
vezes reunindo fornecedores em condições pre- RENDA é antiquada, tem exigências inadequadas à reali-
cárias e consumidores de baixa renda. Aqui se dade dos pequenos, mas nem de longe assegura
localizam algumas das principais demandas e a qualidade dos alimentos.
possibilidades de ações públicas locais e regio- A aproximação dos agricultores familiares com Há diversas iniciativas em curso no país que bus-
nais voltadas à oferta e ao consumo de alimentos os pequenos e médios empreendimentos urba- cam normatizar os produtos oriundos dos peque-
com segurança alimentar. Não basta a proximida- nos pode contribuir para o êxito de projetos vol- nos produtores (artesanais), de modo a permitir
de física para gerar relações sociais e sinergias, tados para ampliar a agregação de valor às maté- sua legalização, preservada a preocupação com a
mas é preciso compatibilizar as expectativas dos rias-primas pelos agricultores, elevando sua ren- segurança do alimento. A elas se somam as tenta-
diferentes segmentos envolvidos, incluindo aí tam- da. Estes projetos devem considerar os requisi- tivas de descentralizar e municipalizar os servi-
bém a sensibilização dos consumidores. tos da qualidade dos produtos e da regularidade ços de inspeção e vigilância, investindo-se na ca-
Para tanto, é preciso implementar programas da produção, já que não se está sugerindo a pre- pacitação técnica dos serviços municipais e pre-
de capacitação técnica e comercial destes agen- servação de um comércio local ou regional mar- servando-os das pressões locais dos fornecedo-
tes (agricultores familiares, pequena indústria ginal (ilegal) com produtos de baixa qualidade. res quanto ao rigor da fiscalização.

CONSUMIDORES ORGANIZADOS
A amplitude da ação das ciam consumidores e pro- promoção de hábitos ali- ao desconhecimento po-
entidades ligadas aos dutores, há também gran- mentares saudáveis e, pular quanto às formas
consumidores, e a nature- de desconfiança quanto à desde que se queira, de mais adequadas de uti-
za difusa dos benefícios sanidade dos produtos e difusão de produtos que lização e de conserva-
que geram, torna o grupo às diferenças de preços carregam a marca da ção dos alimentos num
dos consumidores um com- em relação aos industri- identidade sociocultu- grande número de domi-
ponente essencial das alizados. ral. A participação dos cílios, implicando pro-
transformações na área A educação para o con- consumidores na inspe- blemas tanto de saúde
de alimentos e da promo- sumo de alimentos é ção e vigilância sanitá- quanto de desperdício.
ção de modelos de desen- uma das ações públicas rias dos alimentos tam- Por fim, o Código de De-
volvimento mais eqüita- indispensáveis para as- bém envolve componen- fesa do Consumidor abre
tivos e sustentáveis. Cla- segurar os direitos dos tes informativos e edu- a possibilidade de se es-
ro que esta ação deveria cidadãos, mais do que cativos fundamentais, a tabelecerem convenções
incluir, também, a deman- do consumidor em si. A começar pela divulga- coletivas de consumo em
da por políticas públicas começar pela alimenta- ção das normas a res- âmbito municipal. Estas
para os que sequer po- ção escolar, instrumen- peito. Outro componen- convenções podem ser uti-
dem comer regular e ade- to fundamental para a te educativo refere-se lizadas em favor dos pe-
quadamente. quenos agricultores, dos
Ainda estão por ser cons- pequenos produtores de
truídos os elos entre con- Para mais informações sobre direito do alimentos em geral e do
sumidores e pequenos consumidor no que se refere à Segurança pequeno comércio, com
produtores, passando pe- base em laços de solida-
Alimentar conheça o IDEC:
los agentes comerciais, no riedade envolvendo os
que se refere aos alimen- http://www.idec.org.br consumidores, e construí-
tos e à segurança alimen- dos no âmbito dos circui-
tar. Além dos fatores já tos regionais de produção,
mencionados que distan- Autor: Renato S. Maluf. distribuição e consumo.
Instituto Pólis- Rua Araújo, 124 - Centro - São Paulo - SP - Brasil
CEP 01220-020 - Telefone: (011) 3258-6121 - Fax: (011) 3258-3260 -
http://www.polis.org.br - e-mail: dicas@polis.org.br

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