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BIOMICROSCOPIA DO VíTREO E DA RETINA ( *)

HILTON ROCHA (**) NASSIM CALIXTO (****)


PAULO GALVAO (***) AFONSO MEDEIROS (*****)
(Belo Horizonte)

Atendendo e agradecendo à convocação do Comité Executivo, trare­


mos uma pequena contribuição ao tema que nos foi destinado - "BiomL
croscopia do vítreo e da retina".

Antes de abordá-lo, permitam-nos os colegas brasil_eiros que rendamos


de início e de público uma homenagem à personalidade� singul'ar de AR­
CHIMEDE BUSACCA, indiscutivelmente a maior au.todciade mundial sô­
bre o tema em pauta, tornando-nos todos seus incontestes discípulos e se­
guidores neste difícil capítulo da biomicroscopia.

A amplitude do tema ultrapassa nossas possibilidades. Interpretando-o


no sentido propedêutico, aduziremos algumas considerações patológicas que
o ilustrem.

E assim dividiremas o trabalho :

1 - Técnica de exame.
2 - Biomicroscopia do vítreo (Hilton Rocha).
3 - Biomicroscopia de periferia da retina (Paulo G. Galvão).
4 - Biomiéroscopia da papila (Nassim Calixto).
5 - Biomicroscopia da mácula (Afonso Medeiros) .

1 - TÉCNICA DE EXAME

A biomicroscopia do vítreo e da retina difere, sob vanos aspectos, da


biomicroscopia do segmento anterior do ôlho, exigindo lâmpada de fenda
com características especiais e o concurso de alguns acessórios que permi­
tam acesso à intimidade do ôlho.

(*) Tema Oficial do XIV Congresso Brasileiro de Oftalmologia : Recen­


tes Progressos na Propedêutica Oftalmológ·ica.
(**) Professor Catedrático de Oftalmologia da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais (F.M.U.F.M.G.).
(***) Da Clínica Oftalmológica da F.M.U.F.M.G.
(****) Da Clínica Oftalmológica da F.M.U.F.M.G.
(••••• ) Da Clínica Oftalmológica da Faculdade de Medicina da Universi­
dade Federal: de Pernambuco (F.M.U.F.P.).

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Quanto à lâmpada, importam características de luminosidade, filtros
(principalmente o aneritra ) , ângulos de incidência do feixe luminoso, au­
mentos e manuseabilidade, fatôres que se aprimoram nas modernas lâmpadas
e , e m conjunto, criam as condições ideais de exame. De modo geral, a
biomicroscopia, tanto de segmento anterior, quanto de polo posterior, deve
ser realizada através do aumento de dez vêzes, reservando-se, os maiores
aumentos, apenas para o exame pormenorizado dos mínimos acidentes. Essa
regra assume maior interêsse na biomi croscopia de polo posterior, situação
em que valores ópticos e refracionais são mais críticos.

Lentes auxiliares - O exame do vítreo anterior e da retina em certas


condições patológicas (grandes descolamen tos, grandes formações tumorais
que tangenciem o polo posterior do cristalino), é possível sem o auxílio de
lentes intermediárias, as quais se fazem necessárias e imprescindíveis para
o exame biom icroscópico do vítreo e da retina central e periférica.

As lentes auxiliares têm por finalidade descolacar a imagem das es ­


truturas posteriores para o plano anterior de focalização do biomicroscópio.

Consideremos apenas os dois tipos mais difundidos:

a) Lentes tipo HRUBY e

b) Lentes de contato tipo GO LDMANN.

a) Lente de HRUBY ( 1 950) - É uma lente plano-côncava de 58,6


dioptrias, fixada a uma haste com articulações que permitem todos os mo­
v imentos desejados (fig. 1 ), estando a face côncava dirigida para o ôlho
d o paciente. Ainda hoje largamente empregada tem, a nosso ver, indicações

lente de HRUBY ajustada à lâmpada de fen­


da Haag-Streit 900. Os deslocamentos hori­
zontais são orientados por trilhos encaixados
sob a mentoneira.

FIG.1

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bem definidas, não oferecendo as vantagens e os recursos técnicos propi­
ciados pelos diversos modelos das lentes de contato de GOLDMANN. De­
vemos preferí-la quando examinamos olhos recentemente operados , olhos
hipotônicos (pregueamento da membrana de Descemet sob a compressão),
pacientes pusilânimes, crianças sob anestesia local, rima palpebral estrei­
ta. Presta-se bem ao exame em Iluminação Direta e Focal (ID) mas exames
em Iluminação Indireta e Focal ou sob Corte ôptico não são satisfatórios.

b) Lentes de contato tipo GOLDMANN - São de nossa preferên­


cia. Consideremos alguns modelos.
Lente de polo tipo GOLDMANN-BUSACCA - Destina-se ao exame
do polo posterior (retina e vítreo posterior). Possui pequena aba escleral
que facilita a contsnção por meio das bordas palpebrais, além de rebordo
anterior em forma de funil enegrecido para o manuseio e proteção da su­
perfície anterior da lente (fig. 2).

Lente de GOLOMANN-BUSACCA para exame


de polo posterior.

FIG. 2

Lente de três espelhos de GOLDMANN - Construída em plexiglas,


tem a forma de tronco de cone e possui três espelhos inclusos, com angu­
laçõ€s diferentes, 59 , 67 e 75 graus (fig. 3). Pela área central alcançamos
o polo posterior e, através dos espelhos, as diversas regiões do fundus,
desde o equador até a periferia (fig. 3). Anotemos que a imagem do polo
posterior é, com esta lente, menor que a obtida com a lente de GOLDMANN­
BUSACCA e não possui tão boas características ópticas. Além disso, a lente
de três espelhos é mais incômoda pelo pêso e pela ausência, nos model'os
mais recentes, da aba escleral de sustentação, obrigando à pressão digital

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constante do examinador. Devemos preferir, para o exame exclusivo do
polo posterior, a lente tipo GOLDMANN-BUSACCA.

Lente de 3 espelhos de GOLDMANN, esquemà­


ticamente representada� mostrando os setores de
retina correspondentes aos espelhos e à área
central da lente. Notar que o espêlho de go­
nioscopia (hemicircular) a lcança também a extre-
ma ptriferia da retina.

o
FIG.3
b
A remoção da aba escleral (sugerida por MA LBRAN) tem a vanta­
gem de atenuar o real inco nveniente do pregueamento da DESCEMET
durante o exame, e ser mais fàcilmente aj ustável em crianças e paci·entes
com rima palpebra1 estreita.

Lente de GOLDMANN-SCHMIDT ( 1 965) - para ora serrata e pars


plana - Possui as dimensões aproximadas da acima descrita e apenas um
espelho incluso com inclinação de 59 graus. Em oposição ao espelho,. na
face de contato, encontra-se a extremidade olivar do depressor escleral
metálico em correspondência à pequena "encoche" da aba de sustenta­
ção (fig. 4). Alguma experiência se exige no emprêgo desta lente cuja

FIG. 4
Lente depressora de GOLDMANN-SCHMIDT para ora serrote e pors plana. a) Visão lateral;
b) Visão frontal e c) Visão posterior des�acando a "encoche11 da oba escleral que aloja o
bulbo depreosor.

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adaptação é mais delicada formando-se bôlhas de ar com grande facilidade
devido à saliência da oliva depressora e à falha da reborda escleral no
setor a ela correspondente.
Além dessas lentes, mais difundidas e de aceitação geral, outras há
como as prismáticas , piramidais, et'c., sôbre as quais não nos deteremos.
·

Preparo do paciente - Pará . a biomicroscopia do vítreo anterior que


.
se ·realize sem o concurso de lentes de . contato, é suficiente apenas boa
midríase produzida por midriáticos é<:miuns de instilaçãb. Para alcançar
extrema midríase;" servimo-nos da injeÇão sub-conjuntiva!_ justa-límbica (às
6 e 12 horas), de uma solução em partes iguais de adrenalina. milesimal e
escurocaína a 4 % , após anestesia de superfície. Para a anestesia de supel'­
fície, obrigatória quando empregamos lentes de contato, não devem ser
usados anestésicos nocivos ao epitélio corniano como cocaína ou tetracaína.
Utilizamos, de preferência, a Novesine a 4 por mil.
A anestesia de superfície não é obrigatória quando empregamos a
lente de HRUBY, embora seja benéfica diminuindo a sensibilidade do pa­
ciente ·e o pestanejamento.
A colocação da lente de contato de GOLDMANN se faz através de
uma manobra simples, com a qual vamos a pouco e pouco nos adestrando.
O paciente sentado apóia o queixo e a testa nos suportes que lhes são
destinados, coincidindo, a linha horizontal que tangencia o centro de rota­
ção dos olhos, com os pontos de referência existentes nas colunas dos
suportes.
Estando a lente carregada com Metocel: (preferível) ou Metilose (2 a
3 gôtas)', os olhos bem anestesiados, ampla midríase, solicitamos ao pacien­
te dirigir o olhar para cima enquanto deprimimos a pálpebra inferior; co�
locando a borda da lente em contato com o fórnice inferior, imprimimos
rápido movimento de báscula, aproximando, decididamente mas com deli­
cadeza, a lente da córnea; corrigimos o ajustamento da pálpebra superior
por cima da reborda escleral da lente enquanto o paciente, automática­
mente, dirige o olhar para diante. Quando se interpõem bôlhas de ar, entre
face posterior da lente e face anterior da córnea, repetimos
' a manobra
qúe, de regra, é . bem. sucedida.
Iniciado o exame devemos nos valer da mira de fi!ltação de cuja cor­
reta posição nos certificamos.. observando a presença de seu reflexo lumi­
noso .na área pupilar do ôlho fixador. A mira da Haag-Streitl 900 possui
mecanismo muito útil de fixação-·ao infinito e de acôrdo com o valor re­
fracional do ôlho fixador, eliminando a acomodação e fraquejamento a
convergência.
Normalmente, a biomicroscopia de vítreo e retina posteriores cami­
nha sem obstáculos de monta. Já a inspeção periférica é mais exigente,
oferecendo alguns embaraços.
Para a extrema periferia, dispomos, como acima referimos, de lente
depressora de GOLDMANN-SCHMIDT, cuja técnica de colocação não tem
particularidades.

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As porções superiores e inferiores são mais acessíveis ao exame, sen­
do possível, preenchidas certas condições, alcançar a ora serrata. A pro­
pedêutica biomicroscópica da periferia do fundus exige certas particulari­
dades, especialmente quando buscamos os quadrantes laterais: a deforma­
ção em perspectiva da pupila impede o trânsito simultâneo dos feixes inci-

a b c

.
.

/- ..... ,
,""-\
.
.
.
I I
I I I
\
.... _., .... _ ...

FIG. 5 d
Representação esquemática da deformação em penpectiva da área pupilor e do trônsito dos feixes
luminosos. a) Elipse pupilar com maior eixo horizontal, no e.'.<ame das periferias superior e
inferior; b) Elipse pupilor com maior eixo vertical no exame das periferias lateral e nasal: o
círculo trocejodo em prêto, representando os raios que penetram na objetiva direito, é excluído
da área pupilar; c) Quando a fenda é horizo n talizada, o trânsito dos feixes luminosos se foz
sem obstáculos; d) Com a fendo horizontal a estereop::.ia é possível porém precária, desde que
as objetivas estão também na horizontal.

dentes (lâmpada) e refletivo (objetivas do biomicroscópio). O oval pupilar


de maior diâmetro vertical bloqueia parcial ou totalmente o campo de
uma das obj etivas, impedindo a visão binocular (fig. 5b).

A verticalização das porções laterais, obtida através do decúbito la­


teral do paciente, elimina tal inconveniente, com a possível vantagem de
maior amplitude de movimentos do bulbo ocular, E:nsejando a exposição da
mais extrema periferia lateral.

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Para o exame em decúbito lateral removemos o arco de apoio frontal
da lâmpada (fig. 6} e utilizamos mesa-leito de altura conveniente.

FIG. 6 - Lâmpada Haag-Streit 900 da qual


foi removido a arca de apâio menta-frontal
para permitir o exame de pacientes em de­
cúbito lateral, sâbre mesa-leito de altura
conveniente.

O decúbito dorsal do paciente é também uma solução, empregando­


se a lente de contato de KOEPPE, ou a de três espelhos de GOLDMANN
ou a depressora, mas exigiria lâmpada de fenda especial pendente do teto
ou de suporte metálico.

A horizontalização do feixe da lâmpada por meio dos prismas de


dupla reflexão (FUNDER e ROTTER) ajustados à Haag-,Streit 300, ou do
artifício de rotação da fenda luminosa (Haag-Streit 900, por exemplo),
conduz à visão binocular das regiões laterais, o paciente sentado. Nest:e
.caso o feixe horizontal incide de baixo para cima penetrando, na área pu­
pilar angustiada, por baixo dos campos correspondentes às objetivas (fig.
5c) e não ao lado como sucede com o feixe· vertical (fig. 5a)l.

A fenda horizontal, sem dúvida uma conquista, não representa a


solução ideal, de vez que não propicia ótimas condições de binocularidade,
funciona numa só incidência (de baixo para cima) sob ângulos de variação
limitada, o que restringe o alcance do exame. Um corte óptico horizontal,
em face de objetivas que se mantêm na horizontal (fig. 5d) dificulta a
estereéipsia, cria novas condições de exame às quais não estamos habitua­
dos, produzindo imagens diferentes das obtidas com o corte vertical. E'
exame incômodo e, a n�sso ver, precário. Quando se faz necessário esqua­
.
drinhar, ampla e pormenorizadamente, as perif.erias nasal e temporal, acre­ ·

ditamos preferível o decúbito lateral do paciente.

Relativo inconveniente do decúbito se relaciona às modificações da


'
_configuração do vítreo e da sua topografia habitu�:ll , que têm sido des­
critas e estudadas com a cabeça erguida. Por outro lado, no entanto, cre­
mos não ser destituído de interêsse o estudo comparativo das modificações
imprimidas ao vítreo pelo seu deslocamento em função das variações de
decúbito e posição da cabeça, em busca de subsídios à justa interpretaçãó
de certas patogenias, nas quais estão envolvidos vítreo - e retina, mormen­
te se consideramos que o vítreo experimenta, durante o sono por exemplo
(1/3 do nictêmel'o), tôdas as posições e todos os deslocamentos decorrentes
das variações de decúbito (ver HILDING, 1954).

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Mesmo em midríase max1ma, dificilmente alcançaremos a periferia até
a linha de contôrno da ora serrata, utilizando uma l:ente de contato sem de­
pressor escleral. A borda pupilar e o equador do cristalino são obstáculos
que limitam o acesso.

Ora serrata, pars plana, corona ciliaris podem ser vistos em olhos
áfacos com iridectomia sectorial, através do espelho de inclinação interme­
diária e o destinado à gonioscopia. Também em certos casos de leucoma
aderente, com a íris fortemente repuxada em direção à córnea, é possível
alcançar alguns processos ciliares.

2 - BIOMICROSCOPIA DO VíTREO

HILTON ROCHA

O vítreo só começou a ser estudado mais profundamente depois que


GULLSTRAND nos deu, em 1 9 1 1 , a lâmpada de fenda.

Mas isso não significa que antes déle muito já se conhecesse, inclu­
sive até a possibilidade oftalmoscópica de se diagnosticar (com p recarieda­
de, embora) os descolamentos de vítreo.

Como também, ao revés, a biomicroscopia não conseguiu até hoje,


apesar dos melhoramentos técnicos sucessivos, dirimir dúvidas até subs­
tanciais.

O diafragma iriano, a variedade e a mobilidade do vítreo, o reflexo


p erturbador do fundus, constituem "handicaps" indiscutíveis. Principalmen­
t e as camadas profundas sofrem êsses óbices, acrescidos então da necessi­
dade de um ângulo muito agudo entre os eixos de iluminação e de obser­
vação, para permitir a focalização perfeita da região ou do ponto que
se busca.

Se o cristalino tem na biomicroscopia a sua grande arma de exame,


o que dizer do corpo vítreo? A estratificação eloqüente, a fixidez da estru­
tura, a histologia exeqüível, a origem embriológica pacífica, dão ao crista­
lino muito melhores facilidades.

Até no que tanque à sua formação embrionária. Hoje está mais o u


menos assente que o vítreo é d e origem m ista : ecto e mesodérmica; porém,
predominantemente ectodérmica. Mas já inicia aí a disputa de conceitos
e de nomenclatura. De um lado os que, como JOKL, GOLDMANN, BU­
SACCA adotam as expressões "hialóideo" e "definitivo". De outro lado, os
que, como nós, preferem as expressões "primário" e "secundário".

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Poderíamos assim, esquematizar e confrontar as duas nomenclaturas:

JOKL MANN

Vítreo primordial - .--. . ---.---.-.-.---. . . -----.--.- .::. Primário


:::
·-- - - -

Vítreo hialóideo ·· ···


··· ··

Vítreo definitivo ·· · · Secundário


Zônula ................ Terciário

Esqueçamo-nos do vítreo terciário (ou zônula), e estabeleçamos que


as expressões "hialóideo" e "definitivo" serão usadas como sinônimos res­
pectivos de "primário" e "secundário". Hialóideo oti primário; definitivo ou
secundárío.

Existirá uma "membrana hialóidea" ou simplesmente a "hialóide"?


E' ponto de polêmica.

Iremos ficar preferentemente com a conceituação de BUSACCA, que


indiscutivelmente enriqueceu, com autoridade e ··discernimento, êste difícil ·

capítulo.

Atentemos para um esquema do vítreo (fig. 7).

Uma coisa parece geralmente aceita: as camadas superficiais do ví­


treo tornam-se mais condensadas, como é próprio de um "gel", para cons­
tituírem uma "camada limitante", para funcionar em relação ao vítreo como
a "casca de um pão".

Mas essa camada superficial mais condensada, embora por alguns re­
cebe a denominação de "hialóide", penso não merecer êsse nome. Fica-lhe
melhor o de "camada limitante". Reservemos a ·expressão "membrana hia­
lóidea" ou "hialóide" para alguma formação cuticular autônoma e destacá­
vel, e não para uma camada limitante que se integra ao vítreo como a cas­
ca ao pão.

Mas, mesmo assim, uma dúvida desponta. Poderemos considerar a


membrana "intervítrea" (que separa o vítreo primário do vítreo secundário)
como "camada limitante", ou devemos dar-lhe autonomia? WEBER, por
exemplo, procura identificá-las (camada limitante e membrana intervítrea) .
Mas BUSACCA não aceita a identidade, dando autonomia e individualida­
de à membrana intervítrea (plicata). Para BUSACCA (como aliás é lógico)
a membrana "intervítrea" não é "hialóide", mas também não é, para êle;
camada limitante.

Façamos um pequeno parêntese. Na via embrionária, o vítreo pri�


mário envia um prolongamento anterior (istmo de DRUAUL'Í'), que tÍlte­
riormente é substituído e asfixiado pelas "fibras zonulares" · (vítreo terciá­
rio). Assim, quando se fala em membrana "intervítrea", é natural que exis­
tam duas porções: uma, entre o vítreo secundário e o vítreo primário ou

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hialóideo (plicata) ; outra, entre o vítreo secundário e o vítreo terciário ou
zônula, que será a porção zonular da hialóide anterior.

Nessa linha de raciocínio, plicata e porção zonular da hialóide ante­


rior seriam contínuas, compreendendo-se, pois, que se justaponha a ambas
a "camada limitante" do vítreo.

1 . Vítreo pnmono ou híolóideo (canal de CLO­


QUET); 2 - Vítreo secundário ou definitivo. Em
linoha segmentada: camada limitante d o vítreo;
em linha vermelha contínua: hialóide anterior e
plicatas .

Seriam contínuas e de origem comum (intervítrea) , porém, a "hia­


lóide zonular" diferenciando-se estruturalmente da "plicata" ; sendo interví­
treas, ambas teriam a sua matriz preferencial e provável no vítreo secun­
dário ou definitivo. Já a "hialóide patelar" (como veremos abaixo), embora
contínua com a hialóide zonular para formarem a "hialóide anterior" , de­

verá ter origem no vítreo primário ou hialóideo, de vez que a essa altura
nenhuma influência do vítreo definitivo poderá haver.

Ou teremos o vítreo ·h ialóideo ou primário como responsável pelas


três estruturas (hialóide zonular, hialóide patelar e plicata ) ?

São pontos m a l ·elucidados, e que n ã o n o s parecem desprezíveis para


a interpretação de quadros biomicroscópicos.

Mas, prossigamos. Com BUSACCA, aceitamos a existência de uma


"hialóide anterior", indo d a ora serrata à face posterior do cristalino. Esque­
m atizemos para melhor comentar (fig. 8 ) .

A hialóide anterior (H) ou "membrana hialóidea anterior" é de uma


estrutural cuticular, muito embora s e lhe objete o fato de suas soluções de
continuidade não exibirem nítido enrolamento de suas bordas. Fixa-se no
esporão da ora serrata; vem em contato com o orbiculus, com fibras zonu­
lares posteriores interpostas, ancorando-a.

Na região zonular ( pericristaliniana), a hialóide "H", (hialóide zonu­


lar) torna-se mais livre, esboçando o "espaço retrozonular ou de HANNO­
VER", entre a hialóide H1 e as fibras zonulares posteriores. Daí dirige-se

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para a face posterior do cristalino, onde se fixa solidamente em W (liga­
mento hialóideo-capsular de WIEGER).

As ·expressões "canal de HANNOVER" e "canal de PETIT" é melhor


que as substituamos .por "espaço retrozonular" e "espaço intrazonular", pa­
ra fugirmos às conceituações em conflito.

Hialóide anterior em linha vermelha: H, - hialói­


'
de zonular; H, - h ialóide patelar; W - lig a mento
hialóideo capsular de WIEGER.

F IG. 8

Entre as fibras zonulares anteriores e posteriores, ficará o "espaço


intrazonular". Entre as fibras zonulares posteriores e a hialóide anterior,
ficará um espaço virtual, que é o espaço "retrozonular" (fig. 9).

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Para nós, como para BUSACCA e tantos outros, a câmara posterior
terá três porções: pré-zonular, intrazonular e retrozonular. Isto é, a câma­
ra posterior jaz entre a face posterior da íris e a hialóide anterior.

Mas anotemos, essa conceituação (que nos parece melhor) não é tran­
qüila. Basta por exemplo que leiamos DUKE-ELDER, em seu System ( 1 9 6 1 ) ,
a o tomar posição diferente, afirmand o : " a separação das fibras zonulares é
um artefato . . . A câmara posterior j az entre a face posterior da íris e a
face anterior da zônula". DUKE-ELDER fica com aquêles que, como REDS­
LOB, dão à câmara posterior apenas a dimensão pré-zonular.

Mas voltemos à hialóide anterior. A partir de W ( ligamento hialóideo­


capsular) , a hialóide anterior se funde à cristalóide posterior; normalmente,
a biomicroscopia não permite separá-las, mas em determinadas circunstân­
cias o fato sobressai. Com BUSACCA, dividiremos pois a hialóide anterior
em duas porções: H1 (hialóide zonular) e H2 (hialóide patelar) (fig. 8).

• Espaço intra-zonular; 2 • Espaço retro zonular


( virtua l).

FIG. 9

Êste ponto, muito debatido, é de real importância, e merece sem dú­


vida alguns comentários; mais adiante trataremos dos descolamentos do
v ítreo, e entre êles incluiremos o descolamento "anterior o u patelar", exa­
tamente porque admitimos a existência assim de uma "hialóide anterior" .

Tanto em casos especiais, como também após remoção intracapsular


do cristalino, a existência da hialóide anterior se impõe. São exatamente
os casos patológicos, em que a hialóide anterior se destaca da cristalóide
posterior, que permitem a sua confirmação.

Sem dúvida que BUSACCA tem as honras de haver sistematizado


esta matéria. Êle mesmo ressaltou a colaboração que o notável trabalho
de WEBER ( 1 944) lhe trouxe.

Por outro lado, a título de curiosidade histórica, vou reproduzir u m


sugestivo desenho de KOBY. Como todos sabem, KOBY, discípulo de VOGT,
escreveu em 1 932 um "Rapport" para a Société Française - "Biomicroscopie
du corps vitré". E o próptio KOBY funcionou como desenhista, ilustrando
o seu relatório; o que lhe d á muita autenticidade. Vou reproduzir a fig. 2
de sua Planche XVIII (fig. 1 0) .

E reproduzamos também, a respeito dessa figura (fig. 1 0 ) , o que o


próprio KOBY sôbre ela escreveu: "décollement antérieur du vitré simulant

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un dédoublement de la cristalloide". E mais explicitamente diz: "um exame
atento mostra que, abaixo do polo, se destacava do cristalino uma película,
turva aqui e ali, afastando-se para o alto e separada do cristalino por um
espaço comparável ao que existe normalmente entre a cápsula e a linha de
disjunção posterior. A cápsula parecia desdobrada". KOBY observou mas
não concluiu.

Além das linhas de disjunção e capsular poste·


riores, vê-se uma terceira linha mais poster'ior
(hialóide patelar descolada).

O grande mérito de BUSACCA, à base de sua infatigável e penetran­


te observação pessoal, foi exatamente o de dar forma e sentido a verifi­
cações esparsas, que, como a de KOBY, se aproximavam da verdade sem
atingi-la. Por exemplo, MORSMAN (1929) diz: "acreditou-se na existência
de uma membrana individualizada, a membrana hialóidea, separando o
vítreo de :tôdas as partes que lhe são anteriores", o que, para êle, bem se
casaria com a afirmativa de PRIESTLEY SMITH que, dissecando olhos
humanos, verificou que "em todos os casos, o vítreo era aderente à face
posterior da lente, da qual só se destacava com dificuldade". Depois de
chegar aí, MORSMAN recua, para admitir o "espaço retrolental" como o
espaço entre a plicata e a cristalóide.

Muito mais próximo chegou COWAN ( 1930-1932), verificando após


a extra Ç ão intracapsular da catarata, uma delgada membrana homogênea
entre vítreo e aquoso. Essa membrana, separada do vítreo por um espaço
ôpticamente vazio, parece estender-se, como uma membrana hialóidea, a
tôda porção anterior do vítreo. E concluía COWAN: "Finalmente, na opi­
nião do autor, o espaço retrolenticular está para trás da membrana hialóidea,
não em contato direto com a cápsula posterior". Como sempre em medicina,
as novas conquistas não se fazem súbitas, mas gradativas. Estava amadure­
cendo a hialóide anterior.

í:sses são depoimentos eloqüentes. Mas encontramos outros que tam­


bém tangenciam o alvo, permitindo divagações. Citemos o interessante caso
de LONGUET (1924). Após um trauma perfurante, o A. verificou uma

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imagem curiosa ao nível da cristalóide posterior - o corte óptico fazia uma
dupla angulação de vértice anterior, que o autor interpretou como pregas
da cristalide posterior, mas que nós poderíamos interrogar: - não seriam
descolamentos localizados d a hialóide patelar?

Hoje a s istematização defendida por BUSACCA parece-nos a me­


lhor. Adotêmo-la.

A êste assunto voltaremos, ao estudar os descolamentos do vítreo,


mas valha a digressão para permitir que novamente afirmemos : - seguire­
mos o esquema de BUSACCA, na descrição de uma hialóide anterior, cuti­
cular, autônoma, indo de ora a ora, e intimamente aderida à cristalóide
posterior.

E para trás d a ora serrata haverá uma hialóide posterior, análoga à


anterior que j á aceitamos? GOLDMANN quer admiti-la; BUSACCA nega-a.
Difícil opinar em tão representativa divergência, mas o nosso partido é
o de BUSACCA. Não temos até agora um elemento que nô-la confirm a ; até
segunda ordem, neguemos a hialóide posterior.

Extremidade de um vítreo descolado, deixan�


do entrever uma hialóide posterior.

FIG. 11 ( Z I M M E R M A N )

As verificações histológicas, nao concluem a favor de uma membrana


hialóidea posterior. O próprio ZIMMERMAN ( 1 960) inclui em seu capítulo
(em colaboração com STRAATSMA) a gravura a nexa (fig. 1 0, onde se
tem a impressão nítida de uma hialóide individualizada, deslocada da limi­
tante interna da retina. Apesar d a dupla e eloqüente imagem (hialóide +
+ limitante), ZIMMERMAN opina que só uma membrana existe normal­
mente.

Admite o emérito patologista americano, que nesses casos, passa-se


uma alteração gradativa, enfraquecendo a íntima união entre a retina e o
vítreo normal, afetando a estrutura fibrilar do córtex, levando ao descola­
menta do vítreo ·e à imagem patológica ou artificial de uma hialóide pos­
terior, normalmente inexistente.

A m icroscopia eletrônica (FINE e TOUSIMIS) não pôde identificar


nenhuma hialóide cuticular diferenciada, nem anterior nem posterior.

- 64 -
O diagrama anexo, reproduzido de IRVINE (fig. 12) além de nos
dar uma boa idéia da hialóide anterior (espaço de BERGER virtual), mos­
tra o vítreo posterior intimamente conectado à retina, com pontos de maior

Esquematizo a invólucro do vítreo.

F IG. 12 (IRVINE) �)
fixação na ora serrata, papila e mácula Talvez, diz IRVINE, "a hialóide
posterior seja realmente uma clivagem da membrana limitante interna da
retina", parte desta podendo se exibir como hialóide posterior. São argu­
mentos que se vão acumulando, nem sempre coincidentes, para um m elhor
discernimento futuro.

Tomando assim posição quanto à membrana hialóidea (ou hialóide),


qual será o comportamento da "camada limitante", isto é, da condensação
superficial do vítreo? Teremos que considerar separadamente (e didàtica­
mente) duas porções : - a "anterior" e a "posterior", tendo a ora serrata
como ponto de referência.

A camada limitante "anterior" reforçará internamente a hialóide an­


terior, indo com ela até o ligamento hialóideo-capsular (W)' e à face pos­
terior da lente (fig. 7).

Então, a hialóide anterior, reforçada por uma tênue "camada limi­


tante", formará, na face anterior do vítreo primário, uma depressão ou
"fossa patelar", mas só haverá um espaço virtual (retrocristaliniano ou de
BERGER), porque a hialóide está intimamente colada à cristalóide posterior.
O espaço de BERGER só aparecerá realmente em casos anormais.

Não confundamos. O espaço de BERGER ou retrocristaliniano é vir­


tual (não existe normalmente). O que alguns autores registram como tal é
um espaço triangular escuro (que nó passado se considerou õpticamente va­
zio), mas que em realidade pertence ao vítreo primário ou hialóideo : - li­
mitado anteriormente pela hialóide anterior, e posteriormente pela mem­
brana intervítrea de DÉJEAN, que VOGT tão bem descreveu com a de­
nominação de "plicata".

- 65 -
As plicatas "ântero-superior e ântero-inferior) aproximam-se inferior­
mente como em funil, para conformarem o que hoj e ninguém duvida ser o
"canal de C LOQUET", que corresponde ao vítreo hialóideo ou primário.

Se considerarmos as plicatas como membranas autônomas, a "camada


limitante anterior do vítreo", refletindo-se, virá reforçá-las (fig. 7 ) .

Mas, se admitirmos a plicata como dependente da "camada limi­


tante anterior" (WEBER, VOGT, etc.), teremos que considerar esta última
como desdobrando-se ao nível do ligamento hialóideo-capsular (W) : - uma
parte continuando em contato com a hialóide patelar, e a outra refletin­
do-se posteriormente para constituir a "plicata" ou "membrana intervítrea".

Plicata superior: 1 - parte fi'xa; 2 - parte


ondu lante. Plicata inferior; 3 � parte fixa;
4 • pa rte ondu lante. Na plicota inferior
vê-se o "crochet" entre 3 e 4.

Em outras palavras, a "plicata" tem orig.em idêntica à hialóide zonu­


lar, ou será apenas uma diferenciação d a camada limitante?

Já vimos que as opiniões colidem. Alguns autores dão à "membrana


intervítrea" o nome de "hialóide anterior", o que não procede. DÉJEAN

- 66 -
( 1 958) acha, como COMBERG ( 1 922), que o vítreo hialóideo (ou primário)
entre em contato direto com a cristalóide posterior, mas admite que limi­
tante intervítrea (DÉJEAN)I, limitante anterior do corpo vítreo (RETZIUS)
e camada limitante anterior (FRANZ) sejam expressões eqüivalentes.

Mas de qualquer forma a "plicata" é "intervítrea" no sentido de que


separa o vítreo hialóideo do vítreo definitivo. Aliás, muito antes de VOGT
(1935), BUSACCA, DÉJEAN, isto é, muito antes das expressões "plicata" e
"membrana intervítrea", DRUAULT ( 1914) já descrevia assim a "membra­
na hialóidea anterior" : -- -caminhando para o eixo do ôlho, e depois de
separar o corpo vítreo da zônula (isto é, o vítreo secundário do terciário,
na nomenclatura de MANN)', "essa membrânul:a vem atapetar a face pos­
terior do cristalino ; mais para dentro , ela abandona o cristalino e se dirige
para trás, separando o vítreo do canal de CLOQUET".

Mas vejamos melhor a "plicata" (VOGT} ou "membrana intervítrea"


(DÉJEAN), descrevendo-lhe três porções: - parte fixa, parte ondulante e
"crochet" inferior (fig. 13).

Louvando-nos grandemente nos ensinamentos e nas ilustrações de


BUSACCA, esquematizamos na fig. 13 a distribuição da "plicata" : - tanto
a parte superior ou ântero-superior ( 1 e 2), como a ântero-inferior (3 e 4).

Há sempre' uma porção fixa ( 1 e. 3), e uma porção ondulante (2 e 4).

A plicata superior ( 1 e 2) desce abaixo do eixo visual. A plicata infe­


rior tem a sua parte fixa (3)' ascendente, para desviar-se para baixo e para
trás. Nesse ponto de .defl'e xão, a plicata inferior forma um "crochet", que
é habitualmente muito visível em fenda estreita, com o paciente olhando
para baixo.

As porções ondulantes (2 e 4) desviam-se para baixo e para trás,


aproximando-se da parte afunilada do canal de "CLOQUET", de que essa
porção triangular retrocristaliniana é a parte mais anterior.

Segue-se-lhe, em direção à papila, o canal de CLOQUET que foi mui­


to questionado, mas que hoje é unânimemente reconhecido. 1:le corresponde
ao vítreo definitivo pela membrana intervítrea, que é a continuação da
plicata anterior.

Mas como se mostra o canal de- CLOQUET, e qual: o seu trajeto?


Ainda aqui não coincidem- as dl!scrições de BUSACCA e de, GOLDMANN.

Em um ponto coincidem todos. A parte mais posterior do canal de


CLOQUET é de difícil exame, e muitas vêzes a sua luz está bloqueada, o
que justificaria para alguns adotar-se o nome de "tracto hial'óideo" (SZENT­
GYõRGII) ao invés de "canal de CLOQUET", pois esta última denomi­
nação subentende sua permeabilidade.

O canal de CLOQUET (tracto hialóideo) é o remanescente do vítreo


primário, freqüentemente exibindo em sua luz restos fibrilares hialóideos.
Vai da hialóide anterior à papila.

- 67
GOLDMANN esquematiza assim sua trajetória (fig. 1 4 ) : - inicial­
mente para baixo e para dentro, depois sobe acima do ·e ixo visual, eleva­
se no sentido temporal superior, para depois recurvar-se para trás em
demanda da papila.

Trajetória esquemática do canal de C LOQUET.

No ôlho normal do adulto, é possível seguir-se o trajeto do canal


d e CLOQUET (como canal ou como tracto) e m quase tôda sua extensão.

Já BUSACCA diz que é curta a sua trajetória para trás e para baixo.
Como canal, perde-se inferiormente na porção central do ôlho, daí para
trás sendo e m geral difícil segui-lo.

Recentemente LINDER ( 1 966), cuja monografia seguiu de perto a


escola de GOLDMANN, dá ao canal de CLOQUET um percurso temporal
d e início (e não nasal-inferior como GOLDMANN ) .

Como s e vê, a discordância deixa transparecer a dificuldade e a va­


riabilidade do exame. O que sentimos é a dificuldade real de se acompanhar
a trajetória do canal, principalmente na sua porção mais posterior, fican­
do-nos impressão variável de caso para caso.

Como termina posteriormente o canal de CLOQUET? Em 1 81 4 , MAR­


TEGIANI descreveu uma depressão afunilada posterior do corpo do vítreo.
Essa depressão corresponde à extremidade posterior do canal hialóideo ("ca­
nal central" ) , que em 1 8 1 8, CLOQUET descreveu do disco à cristalóide. Esta
extremidade posterior coincide com a "área MARTEGIANI". Em VOGT,
as ilustrações nos dão bem idéia dêsse afunilamento posterior, com enge­
nhosas comprovações experimentais.

Se o canal de CLOQUET termina inserindo-se nos limites da "área


MARTEGIANI", quais as dimensões desta área? GOLDMANN situa a área

- 68 -
MARTEGIANI a 3/4 de diâmetro papilar para fora da margem da papila.
BUSACCA vai inseri-la à margem da escavação fisiológica. Mas o mesmo
BUSACCA afirma: "no estado normal, não se encontra nenhuma ligação
entre papila e vítreo . . . Mesmo quando a extremidade do canal de CLOQUET
se aproxima da papila, nenhuma conexão é · visível".

1!:sse ponto é relevante, para que se compreenda a imagem do des­


colamento posterior do vítreo.
Se aceitarmos o canal de CLOQUET, o vítreo hialóideo, fixando-se
nos limites da área MARTEGIANI, tal fixação irá influenciar nas soluções
de continuidade da camada limitante posterior do vítreo (ou da hialóide pos­
terior, para alguns autores) ; por exemplo, GOLDMANN diz que, nos des­
colamentos posteriores simples, sempre há solução de continuidade (real
ou aparente) da membrana limitante posterior. Enquanto que nos desço­
·
lamentos com colapso (como veremos adiante} sempre há "floco pré-papi­
lar", atribuível para alguns ao menisco glial central.
Se o vítreo anterior vê a pouco e pouco desfeitas as grandes dúvi­
das, muito mais difícil se torna a elucidação posterior, quando o exafue
realmente se torna bastante difícil.
Antes de passar à constituição biomicroscópica do vítreo, convém
deixar consignado que a "camada limitante" tem pontos de maior ancora­
'
gem: anterior ' (pars plana) e postérior (peripapilar). Principalmente o ante­
rior, que é por isso conhecido como "base do vítreo", (SALZMANN) ou
"sínfise vítreo-retiniana". Também se admite maior intimidade ao nível' da
mácula.

ARQUITECTONICA BIOMICROSCóPICA DO VíTREO NORMAL

A biomicroscopia do vítreo, sobressaem logo duas modalidades de


substância : luminosa e escura (BUSACCA, KOBY), que correspondem às
"viscosa... e · ."aquosa" de REDSLOB.

Vamos reproduzir aqui · a sistematização de BUSACCA:

Biomicroscopia do vítreo
· { substância luminosa
{ 1) brilhante
2) opalescente
substância escura (õpticamente vazia)

A substância luminosa tem pêso específico maior que a escura. A


trama do vítreo apresenta-se normalmente (jovens e . emétropes) com o
aspecto membranoso, entremeando pequenas áreas luminosas e escuras, de
formas variáveis (retangulares, losângicas� arredondadas). o aspecto fila­
mentQ!!O já não é fisiológico, embora freqUente,. quando as fases claras e

- 69 -
escuras entremeadas são lineares. Reproduzamos aqui uma gravura de KO­
BY, que bem a esquematiza (fig. 1 5) .

-- ... .. ...
--- --- - -
-- ::...

-

2 Esquematizo 11membrona" ( b ) e

I
"filamento (a).

a
�- -
- - .i«
- -- b
F I G. I5 ( K O BY )

Registremos aqui um fato bem sabido : é grande a mobilidade de tô­


das as faixas vítreas, porém obediente sempre à mesma topografia original.
Mobilizam-se fàcilmente, mas retornam sempre rigorosamente ao mesmo
ponto de partida.

Esta grande mobilidade vítrea é um grande obstáculo ao bom exa­


me. Só com um doente dócil, e mesmo assim utilizando-se o ponto lumi­
noso de fixação, poderemos concluir conscientemente.

E, sempre que possível, devemos usar a lente de GOLDMANN de


três espelhos ( ou a GOLDMANN -BUSACCA, para os casos indicados), re­
servando-se a HRUBY para os casos em que impossível se torne a aplica­
ção daquelas ( êste assunto está descrito no capítulo "Técn ic.a ) . Para o e x a­
me do vítreo anterior pode-se prescindir da lente de contato, usando-se
iluminação intensa e ampla midríase. Fenda estreita, podendo servir bem
como índice a boa visibilidade da cristalóide e da faixa de disjunção pos­
teriores.

Para melhor seriação do assunto, poderemos assim esquematizá-l o :

I Biomicroscopia do vítreo hialóideo.

11 Plicata ( intervítrea) .

111 Biomicroscopia do vítreo definitivo.

- 70 -
I e 11 BIOMICROSCOPIA DO VíTREO HIALóiDEO (OU PRI­
-

MARIO) E DA PLICATA.

Na primeira parte dêste capítulo, já foi ventilado o vítreo· hialóideo


ou primário : confunde-se com o estudo do canal de CLOQUET (ou tracto
hialóideo).
Anteriormente, é êle limitado pela hialóide patelar (colada à crista­
lóide posterior). Segue-se-lhe uma área triangular escura, de base anterior,
que se pensou õpticamente vazia, mas que a maior iluminação mostra não
ser homogênea, havendo um tênue "tyndall" que ratifica sua natureza ví­
trea (hialóideo ou primário).
Já vimos que êsse triângulo é delimitadQ posteriormente pel:a plicata,
onde é exuberante o seu caráter membranoso ou lamelar, com a "substân­
cia luminosa" dominante. Essa plicata (VOGT) funciona como membrana
intervítrea (DÉJEAN).
Ao triângulo retrocristaliniano assim delimitado, segue-se para trás
<t parte afunilada do canal de CLOQUET, afunilada e por vêzes obstruída
em sua metade posterior, a justificar o rótulo de "tracto hialóideo", como
já vimos.
No interior do canal de CLOQUET; como j á ànotamos, vêm-se com
freqüência restos hialóideos filamentosos perfeitamente compreensíveis.

III - BIOMICROSCOPIA DO VíTREO DEFINITIVO (ou SECUN­


DARIO).

E' essencialmente aqui que surge interêsse em se dividir o vítreo em


"substância luminosa" e "substância escura" ; como registramos de início.
As faixas constitutivas do vítreo definitivo (ou secundário) obedecem
a uma sistematização caprichosa e difícil. Vamos transcrever a de BU­
SACCA, onde há ainda muitos pontos obscuros e interrogados, mas que
só dá uma impressão · de conjunto bastante boa.

Biomicroscopia do vítreo normal. a) Córtex


ou sistema cortical; b) Sistema central ao
axial (C LOQ!JET); c) Sistema das plicatas;
d) Sistema radiório principal; e) zona dos
sacos e lacunas; f) Vítreo posterior.

Pelo seu esquema (que transcrevemos com sua permissão}, no vítreo


normal podemos considerar as seguintes zonas e sistemas (fig. 16).

- 71 -
1 Sistema cortical
2 Sistema central
Vítreo definitivo 3 Sistema da plicata
(BUSACCA) 4 Zona dos sacos e lacunas
5 Sistema radiário principal
6 Parte posterior do corpo vítreo

1 - Sistema cortical - Na periferia d o vítreo definitivo, em contato


com a limitante interna d a retina, há uma camada densa opalescente, que
é o cortex ou sistema cortical (BUSACCA), melhor visível nos casos de
descolamento d o vítreo, quando o seu deslocamento centrípeto melhor o
expõe. A que GOLDMANN propõe denominar de "tracto pré-retiniano do
corpo vítreo".

2 - Sistema central ou axial - E' o canal de CLOQUET livre ou


obstruido (tracto hialóideo)', que já consideramos anteriormente, com as
plicatas ou intervitreas.

3 - Sistema da plicata - Compreende um conjunto de faixas lu­


minosas paralelas e justapostas à plicata superior, que descem se abrindo
em leque sôbre a parede superior do canal de CLOQUET. O número e a
distribuição dessas faixas são muito irregulares. GOLDMANN diz que, em
geral, só duas dessas faixas são bem visíveis. E' também o nosso entender.

4 - Zona dos sacos e das lacunas - Para trás do sistema da pli­


cata superior, vemos uma série de faixas luminosas, curvilíneas, paralelas,
separadas por faixas escuras, tôdas d e convexidade inferior, que GOLD­
MANN com felicidade comparou como a sacos "enfiados uns nos outros,
sendo sempre escuro o mais central". Êsses "sacos" também são visíveis
inferiormente, abaixo d o canal de CLOQUET, para trás da plicata inferior,
com convexidade superior, porém bem mais difíceis de s e ver. Sempre
muito móveis, voltando como de regra à disposição original após o mo­
vimento.

Os espaços escuros que separam êsses sacos luminosos são verdadei­


ras "lacunas".

5 e 6 - Sistema. radiário principal e parte posterior - Tem como


referência a "lâmina radiária principal" (BUSACCA), membrana brilhan­
te, que cai verticalmente do cortex equatorial, para se perder no sistema
central (tracto hialóideo).

Essa lâmina é reforçada por outras que lhe são paralelas, porém
menos brilhantes. Êsse sistema constitui o limite posterior dos "sacos e
lacunas".

- 72 -
Para trás dêsse sistema radiário principal, vem o vítreo posterior,
sempre de exame difícil, não nos permitindo ainda uma boa sistematização
(fig. 17).

Subdivisão esquemático do vitreo. 1 - Cártex;


2 - CLOQÜET (vftreo primário); 3 - . Plicatas;
4 - Socos e lacunas; 5 - Sistema rodi�rio
p rincipal; 6 - Vitreo posterior.

DESCOLAMENTOS DO VíTREO

Esbocemos uma discriminação:

Anterior

Completo
!l simples
com colapso

Deslocamentos
do vítreo Posterior
em funil
localizado ·
Parcial
irregular
Pse�do-descolamento (degeneração
lacunar ou pré-descolamento)

1 - Descolamento anterior do vítreo (descolamento da hialóide pa­


telar) - Encontra-se na literatura a expressão "descolamento anterior"
para indicar uma modalidade do descolamento vítreo ao perder sua inser­
ção ao nível da ora serrata superior. E' um quadró raro, mas que já tive­
mos oportunidade de registrar, quando o vítreo, deslig·ando-se de sua "ba­
se", afasta-se também da zônula e do orbiculus.
Mas aqui vamos utilizá-la com outro sentido, qual seja o de des­
colamento da hialóide patelar, que, como já vimos, é aderida normal e
intimamente à cristalóide posterior. A velhice e o traumatismo propiciam-

73 -
no ; e CIBIS o registrou em 8 . 5 % dos casos de descolamento da retina (sem
podermos ter a autoridade e experiência de CIBIS, parece-nos alta
esta cifra ) .

Quem primeiro descreveu essa modalidade (descolamento anterior o u


"patelar" do vítreo) foi WEBER ( 1 944), de que reproduzimos uma de suas
ilustrações, que são eloqüentes e que perfeitamente se ajustam às observa­
ções que já pudemos fazer (fig. 1 8 ) .

De>colamento d a hialóide patelar.

FIG. I B ( WEBE R )

Também merece registro o trabalho d e ROSEN ( 1 966) , que situa mui­


to bem esta modalidade de descolamento, ilustrando-o com nove observa­
ções pessoais. Mas coube indiscutivelmente a BUSACCA o mérito de bem
havê-lo sistematizado e difundido.

Para êsses casos, o exame biomicroscópico não necessita de lente de


contato. Midríase ampla, fenda estreita, iluminação intensa, aumento maior.

Bem focalizadas as duas linhas mais posteriores do cristalino (faixa


de disjunção e cristalóide), nota-se uma terceira e fina linha, que se separa
da cristalóide posterior por um espaço õpticamente vazio. Êsse espaço é o
real "espaço de BERGER". Deve-se registrar que o réliqua hialóide, habi­
tualmente identificado n a face posterior do cristalino, fica indiscutivelmen­
te impresso n a membrana hialóidea descolada (e não na cristalóide poste­
rior), o que ainda mais robustece a sua caracterização biomicroscópica.

Êsse réliqua hialóideo vem mostrar a natureza de certas cataratas


posteriores "espúrias", que um exame afoito poderá levar a um diagnóstico
de catarata capsular, quando são apenas tênues, irregulares e imutáveis opa­
cidades d a hialóide, e não da cristalóide. Êsses descolamentos comprovam-no.

Qual o comportamento da hialóide descolada fora da área patelar?


A dificuldade do exame justifica o silêncio d a literatura e o pouco conheci­
mento nosso a respeito. Os trabalhos de WEBER, BUSACCA, ROSEN tan­
genciam-no, mas não nos sentimos autorizados a abordá-lo.

2 - Descolamento posterior do vítreo - Engloba o descolamento do


vítreo, a partir da ora serrata para trás. Relembremos que aí não h á hia­
lóide cuticular individualizada, mas íntima coesão entre vítreo e membrana
limitante interna da retina , com pontos de fixação mais sólidos (ora serrata,

- 74 -
papila e mácula)'. Quem melhor sistematizou êste assunto foi HRUBY (1950),

{
cuja classificação é geralmente aceita:

simples
completo

{
com colapso
Deslocamento posterior do vítreo
(HRUBY) em funil
parcial localizado
irregular

Vamos nos cingir ao estudo do "completo" (simples e com colapso).


a) Descolamento posterior completo simples (sem colapso) - As
gravuras anexas (figs. 19 e 2 1 ) mostram bem as duas modalidades : simples
e com colapso.

Descolamento posterior sem colapso . 1 - Ví­


treo; 2 - Espaço intervitreo-retiniano.

Na forma simples, o vítreo se retrai como um todo, inclusive ao nível


da papila, formando um crescente posterior õpticamente vazio entre a re�
tina e a limitante do vítreo.
O seu diagnóstico é de regra um achado biomicroscópico, que pede
obrigatoriamente a lente de contato (GOLDMANN ou HRUBY)� Sempre
optar pela GOLDMANN, e preferentemente pela de três espelhos, reservan­
do a HRUBY para os casos em que a indocilidade do paciente ou as con­
dições do ôlho examinado não permitirem ou não o aconselharem.
Esta forma de descolamento (simples, sem colapso) é preferente dos
jovens (raro nos velhos), não míopes, pràticamente sem sintomas, com arqui­
tetônica do vítreo mais ou menos poupada, sem "floco pré-papilar'' (ao que
nos referiremos ao tratar da forma "com colapso").
Em geral, ocorre em jovens, em " Olhos com fenômenos inflamatórios
ou hemorrágicos.

- 75 -
A inexistência do floco pré-papilar torna-o assintomático e impossibi­
l ita o diagnóstico ou a suspeita oftalmoscópica.

Mesmo o seu diagnóstico biomicroscópico é muito difícil� permitindo


muitos enganos. Como diz GOLDMANN, dificilmente poderemos afirmá-lo
se outros elementos não estiverem presentes, principalmente a união à p a­
pila e soluções de continuidade na membrana limitante, na área papilar.

Essas soluções de continuidade (fig. 20)', constantes para GOLDMANN,


dão margem à dúvida: serão sempre soluções de continuidade reais, ou por
vêzes simples adelgaçamentos d a membrana a êsse nível?

Solução de continuidade da camada limitante


N . o. n u m descolamento simples (sem colapso).

F IG. 20 ( G O L D MANN )
O fato é que o diagnóstico desta forma de descolamento posterior, ba­
seado simplesmente numa linha d e condensação pré-retiniana, é muito di­
fícil (quase impossível) de se afirmar, salvo se aquêles dois, ou u m daque­
les dois elementos existir, como muito autorizadamente acentuou GOLD­
MANN: "il faut être três prudent dans le diagnostic de décollement total
postérieur simple".

Embora a patogenia dos descolamentos do vítreo seja controvertida,


torna-se muito simpática e racional a explicação aventada por GOLDMANN
para esta forma "posterior sem colapso " : sinerese. A fase líquida, por mo­
tivo que nos foge abandonaria a trama vítrea, para se interpor entre vítreo
e retina.

b) Descolamento posterior completo com colapso - :Este reune a


maioria dos casos diagnósticos. A sua identificação biomicroscópica é em
geral tranqüila. E o seu diagnóstico é sugerido por sintomas bruscamente

- 76
deflagrados. O seu início brusco justifica o nome de descolamento "agudo",
por que é também conhecido.

Descolamento posterior com colapso. 1 • VI·


treo; 2 - Espaço intervítreo·r'etiniano.

Ao se descolar (fig. 21), há um colapso da massa vítrea, para baixo


e para frente, de modo a permitir que, a pouca distância do· cristalino, se
evidencie muito contrastada a camada limitante descolada, ondulante, des­
cendo verticalmente (a pouca distância do cristalino)•, para depois se reeur­
var horizontalmente para trás em direção ao polo posterior do ôlho. Altera­
se em decorrência a topografia das plicatas e do CLOQUET, cuja identifi­
cação nem sempre se torna _fácil.
Não só variará a distância entre a limitante descolada e o cristalino,
como a altura de sua retroflexão, que poderemos com elasticidade esque­
matizar como ao nível inferior da papila. E' comum que, antes de alcan­
çar o polo posterior, êle se eleve ligeiramente.

Embora seja em geral fácil e seguro o diagnóstico, impõe-se que o


façamos com os três espelhos, principalmente para seguirmos superiormente
a limitante descolada, a fim de diferenciarmos um descolamento real de
um "pseudo-descolamento".

FAVRE, da escola de GOLDMANN; estudou com miilúcia setenta ca­


sos de descolamento posterior com colapso, no que concerne ao limite supe­
rior da limitante descolada. E pôde verificar qile o seu comportamento é trí­
plice: a) há casos ( 25 % ) em que a linha pode ser vista perpendicular à re­
tina superior; são êstes casos mais graves sob o ponto de vista prognóstico,
pois que, como julga FAVRE, êsses casos, se associados à destruição fibrilar
do vítreo e a focos periféricos de degeneração retiniana, podem mais fàcil­
mente evoluir para roturas retinianas; b) em outros casos (25 % ) , a linha se
dirige para o alto e para a frente em direção à ora serrata, sendo impossível
acompanhá-la; c) em 50% dos casos, a limitante descolada recurva-se para
trás, para seguir paralelamente a retina, com uma camada vítrea normal
interposta entre a suposta limitante do vítreo e a limitante da retina. :ll:sses
casos são de "pseudo-descolamento". Simulam um descolamel'\to, mas êste

- 77 -
ainda não existe. E' uma lacuna, uma cavidade cheia de líquido, que em
futuro poderá se transformar em descolamento verdadeiro, como veremos
adiante. Nestes casos, o que parecia camada limitante do vítreo é camada
limitante da lacuna (não h á descolamento).

A figura anexa de FAVRE bem elucida essa tríplice possibilidade


(fig. 2 2 ) .

Comportamento do lim itante em casos d e


descolamento posterior c o m colapso. a) Per·
pendicular ao plano retiniano; b) recurva-se
para a frente, em direção à ora serrata; c)
recurvo-se para trás (lacuna ou falso d esce-
lamento).

O descolamento posterior com colapso é mais comum nos velhos ; ou


nos míopes, que são olhos precocemente envelhecidos, no dizer de HRUBY.
75% das pessoas maiores de 70 anos apresentam-no. Ao tratarmos mais adian­
te das alterações senis e miópicas, do vítreo , registraremos a respeito esta­
tísticas expressivas. Além da influência etária e refracional, indiscutível, a
preferência dêste· descolamento para o sexo feminino parece-nos real.

O fato é que seu aparecimento é brusco, agudo e sintomático.

Como pensavam F AVRE e GOLDMANN, parece que o vítreo inicial­


mente se cle.genera (destruição fibrilar ) ; depois, forma-se a "lacuna" ou
"pseudo-descolamento" que registramos linhas atrás (ver fig. 23, que esque-

Mostra como uma lacuna si m u la u m verdadei­


ro descolamento com colapso, se não se
não se acompanha a limitan�e descolado.

matiza a lacuna). Se, nessa situação, rompe-se em algum ponto a membra­


na limitante do vítreo e da lacuna, o líquido lacunar extravasa e se coleta
entre a retina e o vítreo, que assim se descola subitamente.

- 78 -
E ao se fa·zer o desc.olamento com colapso (agudo), o paciente acusa
fenômenos entpticos (tipo "môscas volantes") freqüentemente acompanha­
dos de fotopsia.

A respeito dêsses sintomas (fotopsia + entopsia}, convém destacarmos


os interessantes trabalhos de F. MOORE, confirmados e ampliados por
VERHOEFF, sôbre a síndrome das "estrias luminosas de MOORE". MOORE
e VERHOEFF deram-lhes exatas proporções, inclusive porque puderam con­

tar com suas auto-observações. �sses sintomas foram previamente descritos


por MOORE ( 1935), quase sempre em doentes com mais de 40 anos e mío­
pes. São estrias luminosas quase sempre temporais, que só aparecem com
o movimento dos olhos.
Diz MOORE : "Creio que a explicação de VERHOEFF da causa ime�
diata das "estrias" é provàvelmente a certa; êle as atribui a uma retração
ou descolamento parcial do vítreo, cujo movimento irá refletir-se sôbre a
retina".

Os sintomas do descolamento com colapso permitem assim a suspeita


diagnóstica. Não é pois de se estranhar que, muitos anos antes da descoberta
da lâmpada de fenda (que individualizou a entidade), já os autores se preo­
cupassem com o descolamento do vítreo, como por exemplo DE WECKER
(18.76), que lhe dedicou um capítulo especial na primeira edica da Enciclo­
pédia de Graefe-Saemisch, porém, "COmo acentua VOGT, só lhe dando evi­
dência anatômica e não prova oftalmológica. Chegando-se mesmo a admitir­
se-lhe, anàtomo-patolõgicamente, quatro formas:

a) uma forma limitada a qualquer ponto da circunferência ocular;


b) uma forma em funil : da papila à ora (fig. 24) ;
c) uma forma globular, com rotura das aderências papilares ;
d) e uma forma anterior muito rara, com perda de sua inserção na ora.

Descolamento do vítreo em funil, mostrando


o corpo e!itranho responsá vel.

O diagnóstico clínico ,pela primeira vez entrevisto por WEISS ( 1 897),


antes da-- lâmpada de · fenda, não podia ter segurança nem detalhe , mas tra"

- 79 -
duzia sem dúvida uma grande capacidade de observação dos que o realiza­
vam. E a identificação anátomo patológica das formas clínicas teria que ser
recebida com reservas, sabidas que são as dificuldades técnicas e as ima­
gens artificiais freqüentes. Como diz ETIENNE : "tout cela n'était que bal­
butiements".

Mas aqui relembramos êsses primórdios, para valorizar a sintomato­


logia habitual do descolamento posterior completo com colapso ; sintomas
que propociam a suspeita.

Isto é, a sintomatologia quase constante sempre alertou paciente e


·
médico, MOO:RE e VERHOEFF já nos deixaram acima a explicação para
a fotopsia. E porque a presença quase constante dos fenômenos entópticos?
E ' porque sempre existe nesses casos o "floco pré-papilar".

O que é "floco pré-papilar"? Floco pré-papilar ou anel pré-,Papilar,


floco fixo do vítreo ( GALEZOWSKI), corpos flutuantes papilares (BAI­
LLIART), descolamento posterior do corpo vítreo (BAENZIGER) ou desc o ­
lamento posterior completo com colapso, podem ser consideradas expressões
equivalentes. Sôbre o assunto convém a leitura do interessante trabalho de
DRUAULT ( 1 93 7 ) , que o assinala entre os 50-70 anos de idade, salva para
os fortes míopes, que j á o exibem a partir dos 25 anos. E ' pois manifes­
tação senil e miópica.

A opacidade, que hoje se considera glial, pode ou não ter a forma


anular evidente, mas sempre existe. Não se pode relacioná-la seguramente
com os limites da área MARTEGIANI, grande responsabilidade atribuindo­
se ao menisco glial central. A opacidade pode exibir formas variáveis, não
raro exibindo imagem anular (1 ou 2 anéis).

Se para a forma "simples ou sem colapso" o transporte líquido é por


um fenômeno físico-químico (sinerese ) , parece (FAVRE e GOLDMANN) que
aqui (descolamento posterior com colapso) a transferência seria direta, exi­
gindo a solução de continuidade da membrana limitante do vítreo, a per­
mitir o esvaziamento de uma "lacuna". Seria, por analogia, u m descola­
menta "regmatogênico" do vítreo. BUSACCA não subscreve êsse mecanis­
m o ; êle crê mesmo que "la phase sans collapsus précêde celle avec collapsus".

VOGT admite que o "foco pré-papilar" é sempre um "anel" muitas


vêzes deformado; e acrescenta que não são raros os anéis duplos, podendo
mesmo se ver um pequeno orifício subsidiário ao lado dos dois orifícios
principais.

Nunca existe "floco pré-papilar" no pseudo-descolamento, o que j á


n o s traz grande contribuição para o diagnóstico diferencial.

Qual a incidência do descolamento posterior d o vítreo e m olhos assin­


tomáticos, quando um dos olhos j á o exibe? A pergunta justifica-se, ainda
mais quando vemos VERHOEFF afirmar que, com o tempo o segundo ôlho
será sempre atingido - O que nos parece exato.

80 -
LINDER (1966) examinou 103 olhos assintomáticos de doentes que exi­
biam descolamento posterior com colapso no outro ôlho. E nêles encontrou
sempre o vítreo anormal: 59 com "degeneração lacunar", 9 com "degene­
ração fibrilar" e 35 com "descolamento posterior".
Porque o caráter assintomático? Cairá a sombra da opacidade sôbre
a papila? Má observação? Como explicá-lo?
c) Pseudo-descolamento (degeneração lacunar) - Já vimos que por
vêzes, não raras, um ôlho exibe. .à primeira vista, o quadro biomicroscópico
.

de um descolamento posterior completo com colapso, quando realmente


não o é. Já podemos desconfiar do diagnóstico porque em geral o ôlho é
assintomático, e nunca existe o "floco pré-papilar".
Mas só poderemos concluir em definitivo examinando meticulosamen­
te o limite . superior da membrana "descolada", com boa midríase e três
espelhos.
Já vimos, no item anterior, que nestes casos a linha "descolada", ao
se aproximar da retina, recurva-se para trás, deixando uma camada de ví­
treo entre ela e a retina.
A fig. 23 (LINDER) mostra bem uma grande lacuna, que passaria co­
mo descolamento (o seu limite anterior simulando a membrana limitante
vítrea descolada), se não se usar a lente de três espelhos, pois só ela nos
poderá indicar a realidade lacunar. RETZIUS ( 1894), muito antes da bio­
microscopia, já nos havia chamado atenção para essa possibilidade.
Lacuna ou pseudo-deslocamento do vítreo. Quiçá pré-descolamento.
E' bem verdade, como já vimos pela hipótese patogênica de GOLD­
MANN, que êsses casos de "pseudo-descolamento" estão a pique de se
transformar em deslocamento verdadeiro "com colapso", apenas aguardan­
do a rotura da membrana limitante do vítreo ·(para esvaziar a lacuna).
Se, para a patogenia, já esboçamos as duas principais hipóteses, como
conceituar os descolamentos no sentido etiológico?
1 - Descolamentos primários: miópicos e senis.
2 - Descolamentos secundários: facectomia, contusões, descolamentos
de retina, uveites, hemorragias retinianas (suo-hialóideas e marginais).
Apenas consignando aqui a freqüêm:1á- com que o descolamento do
vítreo acompanha o déscolamento da retina, reservamo-nos para maiores
·

comentários futuros, ao focalizarmos a relação vítreo-retina.

ALTERAÇõES DEGENERATIVAS SENIS E MlóPICAS

Se considerarmos, com HRUBY, que o ôlho míope é um ôlho preco­


cemente envelhecido, alterações degenerativas senis e miópicas do vítreo
caem em sinonímia.
Por outro lado, êste capítulo é indissociável do anterior. Vimos que
o descolamento posterior com colapso é de regra manifestação miópica ou

- 81 -
senil.DRUAULT ( 1 937) j á o assinalava entre os 50-<70 anos de idade, salvo
para os fortes míopes, que já o exibem a partir dos 25 anos (ou mesmo antes).

No velho e no míope, a trama vítrea (normalmente "membranosa")


vai se tornando "fibrilar". A fase líquida ("substância escura") liquefaz-se e
amplia-se. Em consequüência, liquefação progressiva do vítreo (sínquise) e
aparecimento de "lacunas". Estas, como já vimos, ampliam-se também : suas
paredes distendem-se até que, com a ruptura, elas se retraem "ex-vacuo",
na gênese d o descolamento posterior com colapso.

FAVRE e GOLDMANN ( 1 956) tomaram 1 2 1 pessoas, não portadoras


de uveíte nem de miopia maior de 4 D, e estudaram-nas quanto ao vítreo,
visando aos três aspectos já assinalados: degeneração fibrilar, degeneração
lacunar e descolamento posterior com colapso. E traduziram os seus resul­
tados no expressivo gráfico que abaixo reproduzimos (fig. 25).

100 °/o

90

80

70

60

50

40

JO
FIG. 2 5 - (tirada d e FAVRE e GOLDMA N N )
20
Estado do vítreo em diferentes grupos
10 : . etários ( 1 0-45, 46-65
e 66-86 anos).
:; . :: 2. 1 °'
/0 . .

10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
d9e
[] Df'st rudion fil_,r i ! 111ire
.

� Fonuat iou la.f'unain:-.

F 1 c . í4. -----:- Co:rf�ati n


r: entre la fràJurnc(' (/;' la
dcstrucfton ft brtllwre, furmution lacunairt' el
(��rul{f'l_n cnl du l'ilrf par Tll.f!fJúr/ ú 1'1iyr, clw:
l t ndl/Jldll nnrmal ( cl' ;l p rt'· s FA v n E t• t l ; o L u ­
M A � � ).
�=" ! G . 2 5

N o grupo etário de 1 0 -45 anos não encontraram descolamento, mas


destruição fibrilar ( 2 1 % ) e formação lacunar ( 1 3 % ) ; no grupo etário de 46-65
anos, as alterações vítreas cresceram (descolamento 6 % , degeneração fibrilar
37 % , formação lacunar 45 % ) ; e como é de se esperar, no grupo mais ve­
lho (66-80 anos) a incidência ainda cresceu (descolamento 65 % , degenera­
ção fibrilar 1 9 % e formação lacunar 1 6 % ) . A partir dos 75 anos de idade,
o descolamento do vítreo é a regra.

- 82
Tôdas as observações coincidem a êsse respeito. Por exemplo, PISCHEL
(1952) encontrou 53% de descolamento do vítreo em pacientes maiores de
50 anos, sendo que bilateral em 84% ,

Essas estatísticas, que se ajustam à experiência d e todos nós, são mui­


to mais reais do que a de RIEGER ( 1 936)' que, em 1452 doentes não míopes
maiores de 40 anos, apenas encontrou descolamento em 1 % dos casos.

Se o míope é um ôlho precocemente envelhecido, devemos esperar


que semelhantes estatísticas, realizadas em olhos com alta miopia, baixem
de muito a correspondência etária.

RIEGER ( 1 936), que encontrou números tão baixos em relação à ida­


de, teria que trazer números igualmente modestos para a incidência miópica.
Quanto maior a miopia, mais precoces as alterações vítreas : GOLDMANN
registrou descolamentos de vítreo em crianças míopes abaixo de 1 0 lanos
de idade.

Pelo que já ficou dito, as alterações senis e m10p1cas do vítreo po­


dem ser sintetizadas assim: destruição ou degeneração fibrilar, sínquise, de­
generação lacunar e descolamento posterior com colapso. Principalmente as
duas últimas (lacunas e descolamento) já foram descritas, neste e no ca­
pítulo anterior. Pouco teremos a aduzir.

1 - Destruição ou degeneração fibrilar e sínquise do vítreo A!>


-

membranas biomicroscópicas do vítreo normal ganham estriação longitudi­


nal, antes de se decomporem em filamentos luminosos. A princípio, êst'es
"filamentos" exibem s ua vinculação à membrana de origem. A pouco e
pouco, êles se individualizam, tomando direções e posições desordenadas,
inclusive agregando-se aqui e ali, podendo tornar-se entõpicamente visíveis.
Ao mesmo passo, a substância "escura" vai se ampliando, e a biomi­
croscopia vai nos mostrando cada vez mais a predominância da fase liquida.

Instala-se assim, em decorrência, a "liquefação" ou "sínquise" do


corpo vítreo, caracterizada pela predominância da substância escura (líquida)
e por sua grande mobilidade.
Trata-se de um fenômeno físico-químico, habitual na velhice e na
miopia, mas que não lhes é privativo.
Convém termos em mente um fato bem estudado por FAVRE ( 1960) :
em famílias de altos míopes, as alterações miópicas do vítreo e da retina
periférica podem ser vistas mesmo em emétropes.
2 - Progressivamente surgem as lacunas. E' importante registrar que
o interior dessas lacunas nem sempre é õpticamente vazio, podendo-se, co­
mo escreveu GOLDMANN, identificar-se aí "du réseau ou des amas de
fibrilles".
Porque se formam as lacunas? Quando vimos o descolamento poste­
rior sem colapso, aceitamos bem a interpretação de GOLDMANN : sinerese,

- 83 -
transportando a fase líquida para o espaço entre "hialóide" e "retina". Po­
deremos ver na lacuna uma sinerese intravítrea? Isto é, a fase líquida con­
centrando-se em uma cavidade "lacunar", dentro e delimitada pela própria
trama "fibrilar"? Pois, vimos, a destruição fibrilar e a sínquise já devem
traduzir uma alteração físico-química.

KOBY ( 1 932), que tanto devemos sôbre a biomicroscopia do vítreo, já


descrevera a imagem lacunar, denominando-a de "poche sombre", "que pa­
rece ópticamente vazia, que ocupa as partes anteriores d o vítreo e que é
delimitada em baixo por uma linha muito nítida côncava para cima". E
insinuava KOB Y : "cette formation est peut-être l'expression d'un effon­
drement déjà anormal du vitré".

Lacunas, , descolamentos, p s e u d o - d e s c o l a m e n t o s eram suscitados.


"Effrondrement" ou colapso?

3 - Descolamento posterior com colapso - Reportemo-nos ao capí­


tulo anterior.

VíTREO E UVEíTES

Nos processos inflamatórios, o vítreo altera-se habitualmente, po­


dendo-se registrar: "tyndall", opacidades pré-papilares, membranas opacas,
liquefação (ou sínquise ) , descolamento simples, "fenômeno de ascensão".

Nenhum corpo tem transparência ideal. Ao corte óptico haverá sem­


pre, ainda que e m grau mínimo, uma certa "difusão" lateral, que permite
identificar o feixe luminoso, normalmente conhecido como "tyndall", em
homenagem ao físico que o descreveu. O ar à luz difusa é ópticamente
vazio, o que está longe de ser verdade ao corte óptico.

Um colóide, que subentende "micelas", tem partículas a j ustificarem


sempre u m certo "tyndall". Em outras palavras, é normal u m discreto "tyn­
dall" vítreo.

Muitos entretanto , como BUSACCA, só usam a expressão "tyndall


d o vítreo" para os casos patológicos.

O caráter "ópticamente vazio" do espaço retrolenticular (vítreo pri­


mário) não é real : provinha de observação defeituosa. Existe ali um "tyn­
dall fisiológico".

Mas o aumento dêsse "tyndall" é patológico. Poderá haver um aumen­


to do "tyndall" ou por simples precipitação das micelas pré-existentes, o u
p o r aumento real do conteúdo protéico. Ao que s e somará a invansão celular.

E m outras palavras, as opacidades no vítreo poderão ser "acelulares"


("tyndall")' e "celulares".

O "tyndall", acelular, é protéico, e o aumento das proteínas vítreas


decorre d o exsudato.

- 84 -
Nas uveítas, a exsudação acarretará o aumento das protemas. O "tyn­
dall" tornar-se-á exuberante, a fase líquida deverá aumentar de pêso espe­
cífico (menor mobilidade), antes que uma "sínquise" secundária se possa
instituir; as mebranas tornar-se-ão mais contrastadas e claras, pela adsor­
ção e precipitação inevitáveis.

Caberia aqui um parêntesis, para inserir uma linha de pesquisas de


um de nós (A . L . M . ). Qual o comportamento do pêso específico do vítreo
nesses estados patológicos? A mobilidade de sua trama, ou melhor, a sua
·'velocidade de sedimentação" poderá ser índice da patologia vítrea? Numa
uveíte por exemplo, o · aumento de densidade da "fase líquida" (humor ví­
treo) j ustificaria uma velocidade de sedimentação diminuída, a ponto de
levar até ao "fenômeno de ascenção de BUSACCA"? Não nos esqueçamos
de que êsse fenômeno (como veremos adiante) cede com a inflamação: isso
significará a normalização do pêso específico da fase líquida, voltando a
se diferenciar a densidade das duas substâncias (luminosa e escura)'? Desde
o instante em que tenhamos um critério prático e acessível para deter­
minar a "velocidade de sedimentação do vítreo", certamente encontrare­
mos aí mais um elemento propedêutico para ajuizarmos da evolução de
um processo mórbido.

Já estava escrito o período acima quando tomamos conhecimento do


pensamento de SHAFER que, recentemente (1966) , acentuou que ' quanto
mais rígido o vítreo, pior o prognóstico do descolamento da retina; quanto
mais móvel o vítreo, melhor o prognóstico, porque o vítreo é mais fluido.
O autor americano foi além, para determinar que é de 28 segundos a ve­
locidade normal de sedimentação ("flow time"), podendo baixar em casos
patológicos até 10 segundos ou menos. SHAFER, que estava apenas consi­
derando o descolamento da retina, concluiu: "flow times of 15 seconds or
longer can be handled by conventional retina! surgery".

Mas voltemos a esquematizar as opacidades vítreas nas uveítes: a


precipitação das micelas ou o aumento do teor protéico (exsudação) acarre­
tarão a intensificação do "tyndall". A desnaturação e a coagulação das
proteínas também merecem ponderação.

Se a êsse acúmulo do teor protéico somar-se a intromissão celular, o


"tyndall", que é a visibilidade do corte óptico por difusão lateral, aqui j á
irá s e transformar e m opacidades· mais grosseiras, vistas por reflexão a qual­
quer iluminação: pontos ou manchas branco-amareladas, leitosas, membra­
nas espêssas e contrastadas, e freqüentemente a destruição fibrilar, irregu­
lar e desordenada da trama vítrea, com sínquise conseqüente. E' impossível
no vítreo separar-se rigorosamente o fenômeno físico-químico do inflama ­
tório, mesmo porque êles se imbricam.
O "tyndall" intensificado traduz inflamação. E pela sua intensidade
(nefelometria) podemos ajuizar da intensidade inflamatória. Permite o diag­
nóstico, valoriza a terapêutica e comprova a cura.

- 85 -
As vêzes existe, em conseqüência, um descolamento simples posterior
do vítreo, a j ustificar, por vêzes, opacidades mais densas d o "vítreo poste­
rior", a ponto de dificultar ou impedir a visibilidade do polo posterior.

Por falarmos em opacidades posteriores, nas uveítes, consignemos que


por vêzes elas são vistas com localização pré-papilar, o que para BUSACCA
decorreria d e uma "impregnação da parte posterior do canal de CLOQUET".

E' oportuno anotar que se registram casos, em que o vítreo como um


todo se torna opaco, leitoso, uniformemente compacto, principalmente em
rdação a o vítreo definitivo, não hemorrágico, sem que o segmento anterior
exiba qualquer alteração. Quero me referir a casos de "uveíte posterior n a
infância", freqüentemente binocular, podendo à s vêzes, em nossa experiên­
cia, relacionar-se com uma corioretinite difusa ( por icterícia ou vírus)
Entre os casos de nossa observação, registro um, que pude observar com o
Dr. Almeida Rebouças (Vitória), onde a etiologia ficou oscilante entre virus
e ·estreptococo, com u m passado pulmonar duvidoso e uma endocardite reu­
matismal. Recentemente, WITMER ( 1 967} abordou êste assunto, dando ên­
fase às ciclites posteriore s : vítreo com turvação completa ( e às vêzes com
nódulos leitosos pseudo-tumorais), ausência de manifestações conspícuas do
segmento anterior, e deixando como réliqua freqüentes alterações periféricas
de corioretinite disseminada ou de perivasculite. Registre-se que, como em
um dos nossos casos acima citados, êle verificou processos bronco -pulmo­
nares de natureza duvidosa.

"Fenômeno de ascenção das lâminas" - BUSACCA ( 1 953) foi o pri­


meiro a descrever êsse fenômeno, habitualmente transitório, que se observa
em casos de uveíte. Isto é, e m geral êle desaparece quando a uveíte cede.

O fenômeno, que certamente se subordina a alterações do pêso espe­


cífico das substâncias componentes do vítreo (aumento de pêso específico
da fase líquida?) , iremos procurar sintetizar.

"Fenômeno d e ascensão" d e BUSACCA. o)


CLOQUET em posição. normal (corte triangu­
lar); b) CLOQUET desviado para cima (corte
reta ngular).

a
F I G. 2 6
A figura anexa (fig·. 2 6 ) (calcada em BUSACCA) esclarece o fenô­
meno : - Normalmente (A), a plicata ântero-superior dirige-s e para baixo
(2,3), bem como a ântero-inferior (4,5), depois do "crochet" ( 1 ) . E m alguns
casos de uveíte (B), tanto a ântero-superior (2,3), como a inferior (4,5)

- 86 -
desviam-se para cima, passando o espaço retrocristaliniano do vítreo hia­
lóideo a ter a conformação retangular (B)I e não triangular (A).
Todos nós estamos habituados a confirmar a verificação hoje indiscu­
tível de BUSACCA. Temos a impressão pessoal de que, num ou noutro ca­
so, mesmo cedidos os fenômenos inflamatórios, pode persistir o deslocamen­
to das plicatas ; porém necessitamos de observação mais demorada para
afirmá-lo. Como também nos parece patognomônico das uveítes, embora
seja esta a causa essencial.
ROSEN (1962), ao comentar o fenômeno de BUSACCA, não fêz com
propriedade, interpretando-o mal.

A título de curiosidade, projetaremos uma fotografia de um corte


óptico de hemorragia maciça traumática, do vítreo definitivo, com poupança
do canal de CLOQUET em ascenção.

VíTREO E TRAUMATISMOS

Corpos estranhos (e impregnação secundária), hérnias, hemorragias,


descolamentos - são as alterações traumáticas a nos rerferirmos no cor­
po vítreo.
Corpos estranhos - Os corpos estranhos no vítreo produzem opaci­
dades esbranquiçadas, celulares, por inflamação coróido-retiniana e por
infecção secundária. Em geral, podemos subordiná-las a uma infiltração leu­
cocitária, que habitualmente se difunde por todo o vítreo, podendo, no
entanto, em casos menos freqüentes, limitar-se ao vítreo primário ou hia­
lóideo, ao longo do canal de CLOQUET.

A siderose e calcose também colorem a trama vítrea , na impregnação


difusa que alcança tôdas as estruturas. A pigmentação ·esverdeada do vítreo
é principalmente verificável nos casos de "calcose".
Quanto às hemorragias que os acompanham com freqüência, serão
consideradas mais adiante; e os descolamentos do vítreo são comuns.

A fig. 24 do nosso laboratório de Anatomia Patológica, mostra um


caso muito expressivo: descolamento em funil do vítreo, por um corpo estra­
nho metalico que nêle �e observa.
Hérnias de vítreo - Quanto às hérnias, convém registrarmos três
imagens : nas sub-luxações da lente, na afacia e · a sinéquia vítreo-corniana:

na sub-luxação do cristalino
Hérnias de vítreo na afacia
sinéquia vítreo-corniana

a) Nas sub-luxações do cristalino, a rotura zonular parcial permite


(mas não obriga) a intromissão do vítreo na câmara anterior, comprovando
ou suscitando o diagnóstico.

- 87 -
Por vêzes, há comprometimento das fibras zonulares anteriores; nou­
tras, também as posteriores são atingidas. Mas, para que o vítreo desponte
e invada a câmara anterior, muitas vêzes deslocando e deformando a pu-

Na sub-luxação posterior do crisfalino, a hér·


nia do vítreo não existe com hialóide íntegra
(a), mas sim com hialóide rôta (b).

F IG. 2 7

pila, é mistér que, além da rotura da zônula (anterior e posterior) também


haj a solução de continuidade da hialóide zonular (fig. 27).

- 88 -
E' por essa solução de continuidade que se faz o prolapso do vítreo,
razão porque não o vemos como uma hérnia lisa e regular, mas acidentada
e ondulada, por não haver o revestimento hialóideo cuticular, mas sim o
da plicata ou da camada limitante.
Habitualmente, essas hérnias carregam pigmentação permanente, uveal
ou hemática.

b) 9 vítreo na afacia (operação intracapsular) - Duas eventuali­


dades: integridade ou rotura da hialóide anterior.
Como já tivemos oportunidade de relembrar nas primeiras páginas
destas considerações sôbre o vítreo, a biomicroscopia de um ôlho afácico
(operação intracapsular) pode nos mostrar a hialóide patelar integra, que
assim se comprova irretorquivelmente. Reportêmo-nos, entre outros, aos
trabalhos de COWAN já citados. Por vêzes, a hialóide integra jaz plana n o
espaço pupilar, mas outras vêzes ela se projeta e m "champignon" n a câma­
ra anterior. Mas nunca existe hérnia verdadeira com hialóide patelar íntegra.

Por vêzes, nesses casos, a hialóide pode exibir soluções de continui­


dade, pelas quais pode herniar o vítreo desordenado, lamelar e biomicros­
cõpicamente característico. A alfa-quimo-tripsina parece facilitar estas so­
luções de continuidade.

E, finalmente, pode a hialóide estar amplamente rôta, e nesses ca­


"
sos o vítreo invade sem barreira a câmara anterior:"'

Como consignamos ao tratar das sub-luxações, aqui também é de


regra a existência de pigmentação (uveal ou sanguínea). Curiosa a persis­
tência da pigmentação hemática freqüentemente aí registrada.
c) Sinéquias vítreo-�Cornianas - Na cirurgia da catarata com per­
da de vítreo, principalmente com iridectomia totais, vê-se com relativa fre­
quencia um feixe pinçado na ferida límbica, permanente e estriado. As
lâminas vítreas convergem visivelmente para o ponto aprisionado.

Há casos de olhos afácicos, com ou sem iridectomia total, em que uma


pequena solução de continuidade da hialóide anterior permite que uma
ponta de vítreo se hernie através dela, e caminhe para a ferida límbica, aí
se aprisionando.

Outras vêzes, em geral, como conseqüência de uma discissão, um fei­


xe vítreo fica prêso à parte posterior da córnea, caracterizando uma ver�
dadeira sinéquia vítreo-corniana. Estas sinéquias são em geral afuniladas,
de vértice corniano, sempre mais contrastadas a êste nível, onde KOBY
( 1932) consignou de uma feita invólucro transparente do vítreo, que êle
interpretou como "manchon endothélial".
Hemorragias - Quanto às hemorragias relacionadas com o vítreo,
podemos esqu�matizá-las em três grupos : intravítrea, pré-retinianas e re­
tro-cristalinianas.

- 89 -
Hemorragias intravítreas - Quer as traumáticas quer as espontâneas
(tipo diabetes, Eal'e s, etc. ) , exibirão imagens decorrentes de sua intensi­
dade e de sua duração. Tentemos uma classificação, apenas didática:

Totais
com poupança do canal

I
de CLOQUET
Sub-totais
limitadas ao canal de
CLOQUET

Recentes

I
poeira dourada
Parciais poeira branca
Hemorrag-ias coágulos
intra-vítrea

Difusas (e organizadas)

Sedimentadas
Antigas
Com neo-vascularização e ret. prolife-

rante

E' natural que a imagem biomicroscópica varie com o estado estrutural


do vítreo. A sua trama, se normal, imprimirá ao sangue extravasado sua
própria arquitetônica.

Nas hemorragias maciças totais, lastreando a ausência oftalmoscópi­


ca do clarão pupilar, a biomicroscopia é inconfundível.

Porém, ,em fases de reabsorção ou em quadros não maciços, vamos


encontrar o sangue vermelho disposto e m ondas ou em faixas sugerindo
o arcabouço vítreo. E' curioso .anotar que o corte óptico d o vítreo hemorrá­
gico, pode nos mostrar poeira pigmentada (semelhante à das uveítes), bem
como amarelada, acinzentada ou mesmo branca (protéica).

Com a reabsorção sanguínea, poderá haver desaparecimento total (ou


quase) da hemorragia, mas freqüentemente ficará o seu réliqua biomicros­
cópico : poeira colorida (hemosiderina), membranas organizadas, degeneração
fibrilar ou mesmo sínquise. São comuns e consecutivos, nestes casos, os des­
colamentos posteriores do vítreo (em geral, sem colapso).

- 90 -
As vêzes, só podemos confirmar um diagnóstico buscando o vítreo se­
dimentado, isto é, aquêle que está em posição declive. A simples movimen­
tação do ôlho, em geral nos mostrará os coágulos inconfundíveis. Pbrém,
em casos mais antigos, é preciso precaver-nos, pois nessas reg·iões declives
não iremos encontrar típicas imagens hemorrágicas, porém aspecto floco­
·

noso, leitoso, cuja localização vítrea ou pré-retiniana a. biomicroscopia elu­


cida. Mas que, sem esta, poderá levar a um. diagnóstico precipitado de
descolamento da retina.
Há casos de hemorragias recorrentes, onde o vítreo ganha opacidade
definitiva e irreversível, oriunda principalmente de membranas organizadas.

O grupo que diferenciamos como "sub-totais" visa apenas mostrar


que a clínica por vêzes vem exibir .a existência real das plicatas, isto é,
das meiilbranas intervítreas. Podemos encontrar }?.emorrágico o vítreo, de­
finitivo qu secundário, com poupança do canal de . ÇLQQUET; como. também
'
se tem descrito casos de hemorragia dêste último. (canai de CLOQUET ou
vítreo hialóideo), estando transparente o vítreo secundário, que o envolve.
Em outras palavras, a membrana intervítrea pode obstar a generalização
do derrame. Vendo-se inclusive coágulos aparentemente suspensos no meio
do vítreo, mas que em realidade repousam sôbre a intervítrea, que cons­
titui barreira ao seu deslocamento para baixo.

São casos clínicos que vêm comprovar a exatidão . dos conceitos ana­
tômicos (embriológicos e biomicroscópicos).

Hemorragias pré-retinianas (ou melhor, pré-vasculares} - Por muito


tempo, admitiu-se que êste tipo de hemorragia, em geral discóide, de limite
superior horizontal, encobrindo os vasos retinianos, preferencial mas não
privativo do polo posterior, fôsse sempre localizado entre a retina e o ví­
treo, justificando-se a sinonímia : "pré-retiniana" ou "sub-hialóidea".

A histologia entretanto veio mostrar que isso nem sempre era ver­
dade. E hoje a biomicroscopia pode a todo instante comprová-lo.

Embora tôdas sejam "pré-vasculares", há casos realmente "sub-hia­


lóides", mas existem outros "sub-limitantes" (ou marginais). O corte óptico
da retina mostra-o sem dúvida. Na borda da hemorragia , por vêzes, o perfil
anterior da retina perde-se por detrás dela (hemorragia sub-hialóidea), mas
em outros o perfil anterior da retina é elevado pela hemorragia sub-jacente
(hemorragia sub-limitante ou marginado). Esta observação é ainda mais
facilitada nos · casos em que, no mesmo ôlho, encontramos as duas mo­
dalidades.

Vamos reproduzir aqui, ao lado. de uma gravura eloqüente de GOLD­


MANN, a documentação de um caso nosso, claramente "sub-limitante" (figs.
28 e 29).
Convém, a respeito destas hemorragias, chamar atenção para dois
fatos: a sua relação com o descolamento posterior do vítreo com colapso, e
outro relacionado com sua reabsorção.

- 91
FIG. 28 (GOL DMANN }
Vêm-se cortes ópticos de hemorragias pré-re­ FIG. 29 - Retinografia de um caso d e he­
tinionas: ora sub-limitantes, ora sub-hialói­ morragia sub-limitante: ao seu nível, desa­
deas. parecia apenas o perfil posterior da retina.

No descolamento posterior do vítreo com colapso, não é raro que pe­


quenas hemorragias retinianas se observem j ustapapilares (de reabsorção rá­
p i da ) . Como também (GOLDMANN destaca-o) , elas podem se exibir pré­
retinianas, servindo de orientação para indicar o limite inferior do dito des­
colamento.

No ângulo ( 1 ) do esquema anexo (fig. 30) ', que indica o limite infe­
rior d o descolamento do vítreo, encontram-se por vêzes hemorragias pré­
retinianas arciformes que o denunciam, pois nem sempre o descolamento
vai inferiormente até as proximidades da ora serrata, como inicialmente
admitiu HRUBY.

\
\
\
\
\
\ / "' Hemorragia pré-retinia na ( 1 ) indicando o li­
,_...... \ mite do descolamento do vítreo.
I

FIG. 30
/

{!/
/
- 92 -
Em geral, a reabsorção dessas hemorragias pré-retinianas passa por
uma fase de sedimentação ou decantação. A parte inferior do disco hemor­
rágico "pré-retiniano" torna-se mais escuro , sobrenadando numa camada
translúcida ou, turva, ambas a pouco e pouco retraindo-se e desaparecendo.
Mas há casos mais raros, que convém se registrem, em que a hemorragia
passa do vermelho inicial para uma tonalidade branco-leitosa, "lipoídica",
antes que a reabsorção se dê. Quebra-se a molécula da hemoglobina?

Hemorragias retro-cristalinianas - E' uma localização comum das


hemorragias do vítreo, com peculiaridades interessantes. KOBY, BUSACCA,
VOGT e tantos outros têm-nas destacado.

Para que as compreendamos pem (ou menos mal), impõe-se um retros­


pecto do que de início consignamos sôbre a hialóide anterior, destacando-se
os seguintes ponto�: ..
�\··

1 -Entre a hialóide anterior (por��'·'Í>a1lelãl-") e a cristalóide pos­


terior, há um espaço virtual (espaço de BERGER}. ·

2 - A hialóide anterior está ancorada na face posterior do cristalino,


ao nível do chamado ligamento hialóideo-capsular de WIEGER.

3 - Dêsse ligamento à ora serrata, a hialóide anterior (porção "zo­


nular") está mais ou menos ajustada às fibras zonulares posteriores, mas
existindo também aí um espaço virtual (retrozonular).

4 - As plicatas ou intervítreas têm uma porção fixa, ligada à hialói­


de patelar.

A hialóide anterior impede assim que o sangue extravasado à sua


frente penetre no vítreo.

O ligamento hialóideo-capsular dificulta que sangue coletado peri­


fericamente entre a hialóide anterior e a cristalóide posterior desça fàcil­
mente pela ação da gravidade.

Retro-hialóideas (vítreo primário)

Pré-hialóideas patelares

{
Hemorragias re­
tro-cristalinianas hifema posterior
Arciform·es ou em crescente

As hemorragias "retro-hialóideas" são em realidade lima transição


entre êste grupo e o intra-vítreo já estudado. Mas há particularidades que
justificam aqui sua inclusão, não só por serem sempre hemorragias do ví­
treo primário ou hialóideo, como pela existência habitual de restos hai­
lóideos na hialóide patelar, podendo condicionar algumas hemorrag·ias.

A hemorragia retro-cristaliniana "patelar" é aquela que se insinua


entre a hialóide patelar e a cristalóide posterior, de origem traumática.
podendo exibir forma análoga à de um hifema.

- 93 -
Em geral, ela não consegue descer abaixo do ligamento hialóideo­
capsular. Mas quando ela consegue vencer êste obstáculo, o u quando logo
se deposita inferiormente no espaço retrozonular (entre hialóide zonular e
fibras zonulares posteriores), ela ficará aí coletada sob a forma de "hifema
posterior", que é a réplica retro-cristaliniana de um hifema anterior clássico.

A hialóide anterior (porção zonular) impede que o sangue de u m "hi­


fema posterior) ganhe a malha vítrea.

A hemorragia retro-cristaliniana "arciforme" ou "em crescente" é


aquela que forma crescente (ou anel) n a periferia posterior do cristalino,
por fôrça d o ligamento hialóideo-capsular. Reproduzamos uma figura de
TOLENTINO e col., que é bem eloqüente (fig. 3 1 ).

Mostra muito bem uma hemorragia retrocris­


taliniana arciforme, pré-hialóidea.

BUSACCA acha, entretanto, que essas hemorragias não são pré-hia­


lóideas mas retro-hialóideas; para êle, a hemorragia localiza-se entre a hia­
lóide e a parte aderente d a plicata. Isto é, para BUSACCA, a hemorragia
arciforme situaria retro hialóidea.

O chamado ligamento hialóideo-capsular, para bloquear a hemorragia


e dar-lhe a configuração arciforme ou em crescente, exigiria que o sangue
se situasse pré-hialoidiano, isto é, entre hialóide posterior, como no esque­
ma de TOLENTINO.

Realmente, a interpretação final é difícil, mesmo porque devem existir


as duas possibilidades.

Hemorragias retrocristalinianas . a) Superior


em crescente, pré-hialóidea; b) inferior pré­
hialóidea (em crescente ou em "hifema pos­
terior"); c) inferior retro-h ialóidea (em cres­
cente), entre a porção fixa da plicata inferior
(PI) e a hialóide patelar (H,).
H, hialóide zonular
H, hialóide patelar
PS plicata superior
Pl plicata inferior
a b c W ligamento hia lóideo-cap:.ular d e
F IG . 3 2 WI EGER.

- 94 -
Uma hemorragia arciforme retro-cristaliniana superior fará pensar,
preferentemente, numa localização pré-hialóidea, com o ligamento hialóideo­
capsular a bloqueá-la, imprimindo-lhe a morfologia em crescente (fig. 32 A).

Mas uma hemorragia retro-cristaliniana inferior, se pré-hialóidea (fig.


32 B), poderá ca.çtinhar tanto para o tipo "hifema posterior", como para o
"arciforme". Se retro-hialóidea, entre a hialóide patelar ·e a porção fixa da
plicata inferior (fig. 32 C), fácil é conceber-se a sua disposição arciforme
permanente.

Ficará a dúvida, para outrem dirimir.

VíTREO E DESCOLAMENTO DA RETINA

No descolamento idiopático ou regmatogênico da retina pode o vítreo


exibir uma série de alterações: descolamentos, hemorragias, aderências ví­
treo-retinianas, retração maciça, sínquise.

1 - Descolamento do vítreo - O descolamento posterior do vítreo


com colapso acompanha habitualmente , para não dizer sempre, o descola­
mento da retina. A recíproca será verdadeira?

Só em número limitado de casos vemos o descolamento posterior do


vítreo poder ·ser considerado como causador do descolamento da retina. Co­
mo já anotamos anteriormente (FAVRE), o descolamento com colapso, quan­
do a limitante descolada incide perpendicularmente sôbre a retina, e vem
associado à destruição fibrilar do vítreo e a focos periféricos de deg-eneração
retiniana, pode mais fàcilmente evoluir para roturas e daí ao descolamento
regmatogênico da retina. E não nos esqueçamos d e que êsse descolamento
posterior com colapso geralmente é senil ou miópico, onde as degenerações
periféricas da retina não são raras.

Se, no passado, autores como SALMANN e RIEGER chegaram a con­


siderar o descolamento do vítreo como a principal causa do descolamento da
retina, hoje prefere-se pensar como VOGT : "posterior detachment of the
vitreous cannot, as a general rule, be regarded as a cause of spontaneou,s
detachment of the retina". Mas as posiç'ões extremadas em geral não são as
exatas: devemos sempre nesses casos esmiuçar a retina periférica, em busca
de roturas.

Relembremos ainda que CIBIS encontrou 8.5 % de descolamento da


hialóide patelar em casos de descolamento da retina.

2 - Hemorragias -..,-- E' sabido que as hemorragias intravítreas (em


geral pequenas) são freqüentemente oriundas de uma rotura retiniana, de­
vendo sempre nos alertar praa um exame minucioso da retina, obri g;ando­
nos ao estudo detalhado de sua periferia. Há casos, entretanto, de hemorra­
gias totais ou "en coupole", que parecem não pre.ceder mas ser contempo�
râneas do descolamento da retina.

- 95
Não nos esqueçamos de que o vítreo prende-se mais intimamente à
retina ao nível dos vasos, do que entre êles (CIBIS). A tração vítrea , geran�
d o roturas, fàcilmente romperá vasos.

3 - Aderências vítreo-retinianas - As roturas retinianas, no desco­


lamento idiopático, decorrem de dois mecanismos: tração (aderências vítreo­
retinianas) e degeneração (ou atrofia)'. Freqüentemente os dois mecanismos
se associam.

As roturas em U mostram com freqüência, na sua lingueta central,


bridas vítreas que da retina se vão perder n a trama vítrea. O descolamento
posterior com colapso, pelo "choque vítreo", poderá deflagrar êsse tipo
de roturas.

4 - Retração maciça do vítreo -.,. Em antigos descolamentos, em geral


já operados sem sucesso, vamos encontrar por vêzes o quadro conhecido
como "retração maciça do vítreo", cujo achado pode-se dizer que lhe tira
qualquer possibilidade de cura.
Nesses casos, o vítreo como que se restringe a uma pequena porção
retro-cristaliniana, vendo-se a limitante posterior do vítreo muito nítida,
equatorial, a pouca distância e paralela à face posterior d a lente.

Entretanto, essa descrição não é pacífica. Essa membrana equatorial


será realmente a limitante do vítreo descolada ou será neoformada? O im­
portante a consignar é que a chamada "retração maciça d o vítreo" é acom­
panhada de grave retração d a retina, com pregas retinianas fixas. Como diz
SCHEPENS , nesses casos encontra-se sempre (ao exame cuidadoso) uma
membrana pré-papilar, fixa aos vértices das pregas retinianas, que s e irra­
diam d a papila.
.

A conceituação de SCHEPENS parece mais condizente com a reali-


dad e clínica, embora encontremos aquêles, como HRUBY, que admitem a
possível dissociação entre retração vítrea e retração retiniana. HRUBY crê
que o caso só se torna desesperado quando há aderência entre retina e ví­
treo retraídos, aderência que para êle não seria obrigatória.

Citemos SCHEPENS : "the condition in which fixed retina! folds


involve the whole fundus is called massive vitreous retraction". Como se
vê, SCHEPENS subordina o diagnóstico vítreo à imagem retiniana, como
nós n a prática o fazemos.

3 - BIOMICROSCOPIA DA REGIÃO MACULAR

AFONSO MEDEIROS

Entendemos, em biomicroscopia, por Região Macular, a área do polo


posterior delimitada pelo Reflexo Perimacular (RP).

- 96 -
�ste reflexo apresenta-se com forma elíptica e tem seu maior diâ­
metro orientado no sentido horizontal, medindo cêrca de 15 milímetros. O
meridiano vertical mede 10 milímetros de diâmetro aparente (devendo-�e
entender por diâmetro aparente a dimensão que a estrutura apresenta atra­
vés do biomicroscópio com poder de 10 aumentos). Sendo um reflexo for­
mado sôbre a Membrana Limitante Interna (MLI), é naturalmente passível
de modificações dependentes de variações de curvatura da própria mem­
brana (passagem de vasos sanguíneos, por exemplo) ; de estriações impos­
tas pela orientação das fibras nervosas; e, ainda, das condições de reflexão
que são variáveis de paciente a paciente e, num mesmo paciente , em etapas
diferentes da vida. Como sabemos, as condições de reflexão das membra�
nas oculares são melhores nos . jovens que em pessoas idosas.

O RP não se apresenta rigorosamente na mesma posição ; sofre mo­


dificações dependentes da incidência do feixe luminoso do sistema ilumi­
nador. Sua forma também não rigorosamente a mesma. Sofre alterações
decorrentes do fator acima referido e também da situação topográfica da
sua formação.
A existência do RP deve-se· à modificação de curvatura que apresenta
o perfil anterior da retina na região macular. Anatômicamente, ao ser atin­
gida a região macular, a retina sofre um aumento de espessura de cêrca de
200 micra dando, assim, formação ao torus macular.
E' um reflexo direto, isto é, acompanha o mesmo sentido do movi­
mento imprimido à fonte iluminadora. Apresenta-se constituído por uma
reunião de pontos luminosos.
No centro da região macular vamos encontrar um outro reflexo, o
reflexo foveal (RF). E' determinado pela convergência dos raios luminosos
que, ao sofrerem reflexão sôbre a MLI, vão encontrá-la côncava, circular ou
quase circular (fóvea) com pequeno diâmetro de 4 milímetros. E' um re­
flexo indireto. Localiza-se sempre dentro dos limites foveais e situa-se à
frente do plano retiniano.
Sua posição e forma também são vanaveis: punctiforme quando cen­
tral, irregular quando para-central. E' óbvio que estas variações são deco­
rrentes do exato local onde se processa a sua reflexão e da forma da
fonte iluminadora.
E' possível, em indivíduos jovens, intensamente pigmentados, exami­
nados com grande aumento, ver o RF sob a forma de um retângulo lumi­
noso, tendo uma estriação horizontal que corresponde ao diafragma da
·

lâmpada de fenda e às espirais que compõem o filamento da lâmpada


iluminadora.
A fovea centralis é limitada pela "linha marginal da fóvea" de
BUSACCA (LMF). �ste anel pode se apresentar ora cqm traçado regular
ora em linha quebrada ou em zigue-zague. Acontece, com relativa freqüên­
cia, não ser identificada em tôda sua extensão. Acreditamos tratar-se de
um fenômeno óptico, uma vez que a sua composição anatômica é evidente.

- 97 -
A fóvea possui uma côr castanho-rósea e um aspecto granuloso, pul­
verulento ou poroso que lhe é emprestado pelo plano pigmentar ( PP ) . A
imagem sugere pó de café espalhado sôbre uma superfície rósea translúcida
que corresponderia ao plano coroidiano anterior (PCA). N a dependência da
pigmentação d o grupo racial, vamos encontrar uma variação na quantidade
de grânulos pigmentados. Haja vista os melanodérmicos exibirem uma ca­
mada opaca quase contínua.

A retina macular oferece, ao exame biomicroscópico, u m outro aspec­


to. O PP já não é tão pródigo e m detalhes, por causa da interposiç'ão 'de
maior número de elementos retinianos. E' dotada de um aspecto opales­
cente e de vasos que s e dispõem em sentido radial.

Ao exame em iluminação indireta e focal (li) a região macular apa­


rece com uma tonalidade castanho-rosa escura, entrecortada irregularmente
por áreas de côr rosa-escura.

Em luz aneritra (LA) a fóvea mostra a sua granulação com côres


verde-escura alternando com grânulos verde-claros. No conjunto , o polo
posterior de côr verde...e scura contrasta nitidamente ,com o verde-claro da
retina periférica.
Corte óptico - O primeiro elem€nto anotado é a LPA (perfil ante­
rior). Êste perfil óptico apresenta-se, n a retina foveal, sob o aspecto de
uma linha brilhante e escassamento luminosa. Enquanto que n a retina ma­
cular êle aparece luminoso e algo opalescente.
A fóvea mostra uma espessura transparente, sem evidência de maio­
res detalhes. A espessura da retina macular é opalescente; lembra a imagem
biomicroscópica do parênquima corniano. Esta opalescência é devida às con­
dições d e reflexão particulares às camadas mais internas da retina.
Queremos ressaltar u m aspecto encontrado n a zona de transição da
retina foveal para a macular. Exatamente à altura da LMF é possível, em
certos casos, particularmente em jovens melanodérmicos, entrevermos o sur­
gimento de uma estratificação n a espessura retiniana. De u m lado, h á urna
camada transparente, examinada com grande facilidade na fóvea, não só
pelo acesso direto como também por apresentar aí maior espessura ; esta
camada deve se continuar por tôda a extensão da retina embora, é verdade,
com dimensões bastante reduzidas. E uma camada opalescente, anterior, lo­
calizada entre a primeira e a MLI (Fig. 33).

Assim, ao nível da LMF, observamos o início de uma interposição


entre a camada posterior e a MLI, de uma cunha de tecido opalescente que
mais e mais vai aumentando e m espessura, a ponto de mascarar a identi­
ficação da primeira. Há, como dissemos, uma cunha opalescente entre as
duas estruturas, um verdadeiro esporão, à semelhança da imagem histoló­
gica do esporão escleral (fig. 33).
Lembramos, por isso, a expressão "esporão foveal" para definir esta
estrutura. Somos de opinião que a LMF nada mais seria que a extremidade
do esporão foveal visto e m plano frontal.

- 98 -
IMAGEM BIOMICROSCÓPICA

Na fóvea só hó a "camada transparente".


Na mácula, a "camada opãi8Sc:ente" domina
a imagem biQmicroscópica. A LMF (linha
marginal da fóvea}o indica a e',dremidade do
"esporão fovea I?

-
IMAGEM HIPPTÉTICA

......
.._.... ..._,_.._
CAMADA ANTERIOR OPALE SCENTE ( ? )
CAMADA POSTERIOR TRANSPARENTE ( ? )
fiG. 33

Por que então não imaginarmos o corte óptico da retina como cons­
tituído, em geral, de duas camadas: uma anterior opalescente e outra pos­
terior transpare.nte? Evidentemente, a dúvida a respeito jamais será diri­
mida visto que a opalescência da camada anterior veda a identificação da
segunda. E as reduzidas dimensões do corte óptico retiniano dificulta a iden­
tificação.

A LPP (perfil posterior) é apresentada como perfil óptico luminoso


e acastanhado. Convém lembrar que a LPP é sempre mais iluminada que
a primeira. A menos que o exame da LPA seja feito em zona espelhante.

Na região macular, a barreira mais ou menos opaca do PP impede


a identificação dos demais perfis ópticos (fig. 34).

BIOMICROSCOPIA DO FUNDUS (SISTEMATIZAÇAO)

O Prof. BUSACCA sistematizou; · magistralmente, ·o estudo da biomi­


croscopia do fundus. Segundo êle; ciiÍ�o itens devem ser considerados, a saber:
1 - A linha do perfil anterior da retina (LPA), situada sôbre a su.­
perfície anterior da membrana limitante interna (MLI) ;
'

2 - A linha do perfil posterior da retina (LPP) ou plano pigmentar


(PP), correspondente à superfície anterior do epitélio pigmentar;

3 O plano coroidiano anterior (PCA), relacionado teõricamente à


posição da membrana de BRUCH;

4 - O plano dos grossos vasos coroidianos (PGV), coincidente à rêde


formada pelos grossos vasos da coróide;

- 99 -
MLI

, ,
, ,
I I
, ,
, ,
I I
I I
I I
I I
, ,
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I I
I I

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I I

f
L PA

t t �P P t
L PA
PE PGV
FIG . 34 F I G. 35
Na região macu lar s ó s e percebem o s perfis
retinianos (LPA e LPP). Os planos coróideos L.B. lâmina de BRUCH e cório-capilar
não pod�m ser vistos. P.G.V. plano do!.. grossos vasos coróideos
G.V. grossos vasos coróideos
L.P.A. linho do perfil anterior P.E. plano escleral
M.l.l. membrana limitante interna E. esclera
L.I'.P. linha· do perfil posterior R• .•

-' espessura da retina
E.P. epitélio pigmentar c. - espessura da coróide

1 00 -
5 - O plano escleral (PE) representado pela superfície anterior da
esclerótica.
Na prática, o estudo do corte biomicroscópico do fundus nos indica,
primeiramente, a LPA. Em seguida, a LPP que pode ser considerada como
um perfil luminoso resultante da fusão do pla:ilÓ pigmentar à membrana de
BRUCH. E, finalmente, os PGV e. PE (fig. 35).

4 - BIOMI�ROSCOPIA DA PAPILA

NASSIM CALIXTO

GENERALIDADES

De:nomina-se papila a extremidade anterior (inicial) do nervo óptico:


é fp rmada pela convergência e reunião das fibras nervosas da retina que
-
at di�essam os "brifícios comuns das túnicas oculares afi� de constituir o
nervo óptico; a partir da lâmina cribriforme as fibras adquirem uma bainha
de mielina, o que nos permite dividir o segmento bulbar do nervo óptico em
duas porções:

1 - Porção sem bainha de miélina.

2 - Porção com bainha de mielina.

Do ponto de vista biomicroscópico interessa-nos a porção inicial, sem


bainha de mielirta, única susceptível de ser explorada biomicroscõpicamente.

O exame biomicroscópico busca as alterações microscópicas "in vivo".


Logo devemos começar o nosso estudo por um apanhado microscópico da
papila normal: para o estudo da constituição anatômica da papila, servimo­
nos do tratado clássico de SALZMANN (fig. 36)'.

A papila tem a forma de um duplo tronco de cone cujas grandes


base:s são opostas (uma voltada para o vítreo e a outra voltada para a lâ­
mina cribriforme) : o duplo tronco de cone se une pelos vértices truncados
ao nível do forame da lâmina vítrea da coróide, que constitui o orifício
mais estreito de · todo o trânsito intrabulbar do nervo óptico.
Se iniciarmos o nosso estudo do ponto de vista histofisiológico (to­
dos sabemos que o nervo óptico é centrípeto) o segmento bulbar apresenta
três P.orções:

1 - "Lâmina retinalis".

2 - Lâmina chorioidalis.

3 - Lâmin.a scleralis.

- 101 -
Anatômicamente, em face da presença do canal escleral, as porções
coróidea e escleral não apresentam elementos que as separem distintamen­
te ,e ntre si, o que nos leva a agrupá-las e na realidade estudarmos duas
porções :

c
c
E
E

T
FIG. 3 6
Papila da nervo óptico - Corte horizontal (SALZMA N N ) : R · Retina; C . Coróide; E . Esclera;
T - Temporal; N - Nasal; D - Duramater; Ar - Aracnóide; I - Espaço intervaginol; P - Piamater;
Ma - Porção mielinizada do nervo óptico; Ccs - Cordão central de �u�tentação; A - A rtéria
central da retina; V - Veia central da retina; Lc - Lâmina cribriforme; Cn - Coluna nuclear; Es -
Escavação; Me Menisco central de su stentação (Kuhnt); l nt
· • Tecido intermediário de KUH NT;
Ce Canal escleral (tecido marginal de ELSC H N IG).
·

I - Porção retínica do nervo óptico.


2 - Porção cório-escleral representada p: lo canal escleral.

1 - PORÇAO RETíNICA DO NERVO óPTICO

As fibras ne,rvosas arqueam-se ao nível da papila para constituir o


nervo óptico ; êste arqueamento, aliado à convergência das fibras, faz com
que a zona de transição retinopapilar aumente a sua espessura com peque­
na saliência papilar para a cavidade vítrea, mais evidente do lado nasal.

A esta saliência segue uma d epressão no meio da papila, depressão


que n a maioria dos casos pode ser afunilada (umbilicada) ou cilíndrica (cra­
teriforme) - é a escavação fisiológica. Devemos já antecipar que a forma,
o tamanho e a profundidade da escavação estão sujeitas a variações no indi­
víduo normal. Esta depressão papilar, formada n a porção córioretínica do
nervo óptico, não é central. A porção retínica que envolve a escavação tem
a forma de um anel de espessura irregular; o quadrante temporal dêste anel,

- 102 -
além de ser mais plano (pelo menor volume da camada de fibras nervosas
dêste lado do nervo óptico), é mais estreito que os outros quadrantes: isto
se deve à escavação que, sendo excêntrica, o faz à custa do quadrante
temporal
As camadas retinianas diminuem de espessura ao se aproximarem da
papila (o que é compensado pelo aumento de espessura ao mesmo nível, da
camada de fibras nervosas). A terminação das outras camadas da retina,
ao se aproximarem da papila, faz-se desigualmente, iniciando-se por. aque­
las mais internas (isto é, pelas mais próximas das !fibras nervosas). O
epitélio pigmentar constitui o forame mais estreito, além de ser o mais
posterior que as fibras nervosas devem atravessar: o orifício por êle forma­
do além de não ser uniforme, apresenta pigmentação irregular de suas bordas.

A frEnte do epitélio pigmentar, separando as camadas retinianas dos


feixes mais externos das fibras do nervo . óptico interpõe-se um tecido glial,
de espessura variável, não estratificado, em anel via de regra incompleto:
é o chamado tecido intermediário de KUHNT.

DISTRIBUIÇAO VASCULAR

A papila tem forma elíptica de grande eixo· vertical.

Artéria e veia centrais caminham até à profundidade na parede na­


sal da escavação: a artéria é sempre nasal (media!} em relação à veia; de­
licados vasos, via de regra maculares, cruzam o quadrante temporal da
papila e as escavações em busca dos vasos centrais. O esquema de ROLLET
para a distribuição dos vasos papilares não têm substrato anatômico nem
embriológico (BUSACCA).

A A.C.R. bifurca-se no início da porção retiniana da papila enquanto


que a V.C.R. via de regra se forma ao nível da lâmina cribriforme: dêsse
modo a A.C.R. atravessa, em quase tôda a extensão, a porção amielínica do
nervo óptico e a V.C.R. se forma atrás, isto é, ao nível da lâmina cribriforme.

Os vasos centrais são separados da cavidade vítrea, ao nível da esca­


vação, por uma delicada camada de células e fibras gliais, não havendo
portanto fibras nervosas retinianas interpostas. Esta camada glial se espessa
no centro da escavação constituindo o chamado "menisco central de susten­
tação" (KUHNT).
O manto glial que separa os vasos centrais da cavidade vítrea acom­
panha, no interior do nervo óptico, os mesmos vasos e· constitui o "tecido
intercalar" de ELSCHNIG. Sabemos que a membrana limitante interna da
retina (formada pelos pés das fibras de MUELLER) não existe na papila :
a membrana que separa a papila da cavidade vítrea é formada pelas cé­
lulas e fibras gliais (JACOBY)', não só ao nível dos vasos centrais como
também na parte periférica; esta capa glial se continua com a membrana
limitante interna da retina, sua extremidade constituindo o limite retiniano
interno da papila que ultrapassa o seu limite externo representado pelo

- 1 03 -
anel escleral: daí a forma de tronco de cone que descrevemos para a por­
ção retiniana (inicial) d o nervo óptico.

2 - PORÇAO CóRIO-ESCLERAL DO NERVO óPTICO

Esta porção se inicia ao nível do orifício formado pela membrana de


BRUC H : "foramen opticum laminae vitreae chorioideae". Tem mais ou
menos 1.5 mm de diâmetro (extremos de 1.26 e 1 .6 0 mm) e é mais ou
menos regular; sua extremidade descreve pequeno arco de concavidade an­
terior (êste forame é formado exclusivamente pela porção elástica d a mem­
brana de BRUCH).

Neste orifício se inicia o chamado canal do nervo óptico: êste tem


a sua parede formada por um tecido branco-acizentado fibroso (tecido mar­
ginal de ELSCHNIG} que possivelmente provém d a esclera (que tem estru­
tura similar), sendo internamente revestido de tecido glial.

O canal escleral sendo dependente da túnica fibrosa se origina êle da


abertura escleral ("foramen opticum sclerae") e obliquá-se para dentro e
para frente e, como o "tecido intermediário de KUHNT", o canal separa
não só as fibras esclerais mais internas como quase tôdas as camadas da
coróide (da cório-capilar à lâmina fusca) dos feixes mais externos d o ner­
vo ptico. A extremidade anterior dêsse canal está situada logo atrás do fo­
rame d a lâmina vítrea (porção elástica} e se chama anel escleral que é
mais desenvolvido do lado temporal. Tem mais ou menos 0 . 5 mm de exten­
são e o canal tem a forma de u m tronco de cone com extremidade posterior
(base) bem mais alargada que a anterior e termina ao nível da lâmina
cribiforme. Sua secção transversal mostra a forma circular bastante regular
enquanto que o corte longitudinal apresenta extensas variações individuais.

O canal escleral emite prolongamentos externos e m estreita conexão


com os elementos constituintes d a esclera e prolongamentos internos múlti ­
plos que tabicam feixes de fibras nervosas. Êstes septos ao nível da porção
escleral têm o aspecto de um crivo ou peneira e daí o nome de "lâmina cri­
brasa" ou lâmina cribriforme.

O canal escleral abriga as duas últimas porções amielínicas do ner­


vo óptico.

Da porção escleral para trás o centro do nervo óptico é ocupado pelos


vasos centrais (A.C.R. do lado nasal e V.C.R. do lado temporal) e por tecido
conjuntivo ; o conjunto forma cordão central de sustentação que caminha
exatamente no centro d o nervo: a lâmina cribriforme apresenta uma aber­
tura central para a passagem d o cordão e a êle se fixa por traves con­
juntivas.

Os feixes de fibras nervosas permanecem separados entre si no canal


escleral não havendo anastomoses entre êles : verdadeiros túneis gliais en­
volvem os feixes de fibras isolando-os uns dos outros.

- 1 04 -
Desde JACOBY ( 1905) sabe-se que, de permeio com as fibras nervo­
sas, se encontra uma quantidade apreciável de glia, cujos núcleos celu­
lares se dispõem em fileiras como as contas de um rosário.

Quando se faz um corte longitudinal regular e exato (o que é quase


sempre impossível}, nota-se uma estriação longitudinal regular desde a por­
ção retíniana até à escleral do nervo óptico : há uma alternância de feixes
de fibras nervosas e paredes interpostas entre êles, ricas em núcleos - são
as chamadas "colunas nucleares ou túneis gliais" descritos anteriormente;
são menos desenvolvidos na porção retiniana do nervo óptico, espessam�se na
porção coroidiana e adquirem um aspecto fibrilar (em corte transversal) ao
nível da porção escleral.
Histolõgicamente podemos esquematizar a constituição da papila:

1 - Neuroglia: como na substância branca do cérebro e da medula


é constituída de dois elementos celulares : astroglia e oligodendroglia.
a) Astroglia : composta inteiramente de astrócitos fibrosos está pre­
sente na porção amielínica do nervo óptico e prolonga-se na porção mielí­
nica do nervo; é representada por fíníssimas fibras gliais que envolvem as
fibras nervosas formando túneis gliais; algumas fibras têm direção longi­
tudinal, outras são oblíquas e a grande maioria tem direção transversal
(isto é, penpendicular à direção das fibras do nervo óptico).
b) Oligodendroglia : está ausente na porção amielínica do nervo óptico
e é similar à oligodendroglia da substância branca cerebral. Numericamente
compreende 2/3 das células intersticiais do nervo. As fibras do nervo óptico
não têm bainha de SCHWANN , e, para DEL RIO ORTEGA ( 1928)', os oligo­
dendrocitos substituem no nervo óptico as células de SCHWANN sendo res­
ponsáveis pela formação e metabolismo da mielina.
2 - Microglia: as células microgliais são pequenas, pouco numero­
sas, irregularmente ovóides e em geral deformadas pelos outros constituin­
tes nervosos entre os quais se insinuam. São de origem mesodérmica e cons­
tituem os elementos retículo-histiocitários no S.N.C. Em condições normais
não se encontra microglia na porção amielínica do nervo óptico.
3 - Anel escle,-al: para ELSCHNIG é constituído de glia exclusiva­
mente. SALZMANN pensa que sua estrutura densa e colágena se parece
com a da esclera.
4 - Lâmina cribriforme: células gliais, células com núcleos alonga­
dos e dispostos transversalmente, fibras elásticas e colágenas e numerosos
capilares participam da constituição anatômica da lâmina cribriforme; os
elementos principais de sua constituição parecem provir da esclera. E' côn­
cava para diante e a concavidade é mais evidente do lado nasal (as fibras
não são rigorosamente paralelas à superfície interna da coróide). A lâmina
cribriforme é portanto uma estrutura de transição entre a porção amielí­
nica, pré-cribriforme, onde se encontra rêde glial (ectodérmica), sem re­
presentação mesodérmica (a não ser vasos), e a porção mielínica (retro­
cribriforme} onde a representação é mista (ectodérmica e mesodérmica).

1 05 -
TÉCNICA DA BIOMICROSCOPIA DA PAPILA

Apesar de ser tratada n a parte geral devemos ressaltar alguns pon­


tos que nos parecem importantes:
1 - Por se tratar de exame demorado, o paciente deve estar cô­
moda e confortàvelmente assentado e bem apoiado na mentoneira do bio­
microscópio.
2 - O exame deve ser procedido em câmara escura ou em semi­
obscuridade.
3 - Midriase : é indispensável e deve ser be.m ampla : simpaticomi­
méticos são preferenciais (às vêzes s e torna necessária a injeção subcon­
j untival j uxtalímbica 6 e 12 horas - de adrenalina em solução mile.si­
-

mal - cêrca de 0. 1 rol cada. Preferimos os simpaticomiméticos aos parassim­


paticolíticos pelas seguintes razões :
a) Com os primeiros , colocada a lente de contato sôbre o ôlho, o
diâmetro pupilar via de regra não se. altera, o que soe acontecer com os
parassimpaticolíticos: com êstes a midríase não se mantém e a pouco e

pouco a pupila se contrai.


b) Os simpaticomiméticos não interferem na acomodação.
4 - A papila pode ser examinada com a }ente de HRUBY ou com as
lentes espelhadas de GOLDMANN. Damos preferência à lente de GOLD­
MANN-BUSACCA (de aba escleral) por duas razões :
a)' A ausência de espelhos diminui a ocorrência de imagens fantas­
mas durante o exame.
b) A aba escleral permite a fácil retenção da lente sôbre o bulbo
ocular sem necessidade de mantermos a sua firme sustentação durante
o exame.
5 Para os possuidores de biomicroscópio Haag-Streit 900, aconselha­
-

se o emprêgo do diafragma médio para iluminação e utilização do espelho


pequeno com inclinação do sistema de iluminação, para melhor aprovei­
tamento do feixe luminoso.
6 - BUSACCA aconselho o emprêgo d a luz aneritra para os seguin­
tes casos:
a ) Para o estudo dos pequenos vasos que atravessam a papila : tor­
nam-se mais visíveis pela côr negra que adquirem em contraste com a
colaboração acinzentada do tecido papilar quando assim iluminado.
b) As estrias radiárias peridiscais tornam-se mais evidentes com êste
tipo de iluminação.
c ) O manguito glial que envolve o pedículo vascular torna - se mais
evidente (coloração branca) no seu percurso na parede nasal da escavação.
7 - Para se determinar, nos casos duvidosos, o limite d a papila usa­
se a iluminação indireta (GOLDMANN) : focaliza-se a papila com o micros­
cópio e projeta-se o feixe luminoso na retina j ustapapilar (via de regra tem­
poral) transilumina-se o disco papilar dentro d o canal escleral.

- 106 -
8 - A fenda horizontal, no que respeita à papila, pode ser útil
para o estudo morfológico da escavação.
9 - O vítreo pré-papilar pode ser examinado servindo-se do pequeno
artifício _(GOLDJ.14ANN): projeta-se o feixe luminoso próximo à papila e
através do microscóp iofocaliza-se a papila (exame monocular) : pequenas
alterações do vítreo podem · se tornar evidentes.

BIOMICROSCOPIA DA PAPILA NORMAL

Podemos distinguir, na papila normal, de acôrdo com BUSACCA,


duas porções: a) porção discai; b) porção peridiscal.
A porção discai é representad,ª .pelá papila propriamente dita e limi­
tada pelo anel esclerai (que nem seinpre é visível)'; a porção peridiscal cor­
responde ao tecido glial que ultrap8$sa o anel escleral e se continua na re­
tina . peripapilar, de extensão e contôrno irregulares.
A porção peridiscal é translúcida e forma um halo envoltório ao anel
escleral; tem aspecto estriado e radiário que BUSACCA interpreta como de­
vido ao tecido glial ( seplitransparente) e não como sendo devido às fibras
nervosas da retina (que são transparentes). As vêzes é possível estabelecer,
pela biomicroscopia, a transição entre a porção peridiscal da papila e a
retina circunjacen�
O .�el escleral da biomicroscopia representa a extremidade anterior
do tecido marginal de ELSCHNIG (não recoberto pelo epitélio pigmentar)
e, 1 biomicroscõpicamente, podemos dizer que, é uma formação intrapapilar.
:tste anel é distinto do crescente escleral (conus) oriundo da grande obli­
quidade do canal escleral cuja parede se forma visível oftalmoscõpicamente.
As fibras nervosas da retina formam uma massa transparente acin­
zentada que cavalga a reborda papilar, muito mais evidente, conforme sa­
lientamos na parte histológica, do lado nasal. Com técnica especial se pode
medir a espessura dessa camada (GOLDMANN em 22. casos encontrou
0.14 ± 0.0462. mm).
Do lado temporal a superfície papilar desce com inclinação (pen­
dente) suave, enquanto que do lado nasal de,vido à maior abundância de
fibras há pequena saliência desta po�ão para a cavidade vítrea e a seguir
uma angulação mais ou menos abrupta entre a porção nasal e a excavação.

VASOS PAPILARES

Na parte histológica focalizamos a disposição vascular na papila; tra­


taremos agora de sua visualização oftalmo-biomicroscópica : esta depende
principalmente da direção do canal escleral e também da excavação fi­
siológica.
Quando o canal escleral é reto (isto é, tem direção ântero-posterior)
o tronco da A . C . R . não é visível ao oftalmoscópio mas pode sê-lo quando
examinado em corte óptico : a artéria caminha na linha de visão do observa­
dor e, por esta razão, sua bifurcação faz um ângulo a,parente de 1 800.

- 107 -
Quando o canal é oblíquo (sendo sua extremidade anterior lateral e
a posterior medial )', a borda nasal da escavação é via de regra talhada a pi­
que e pode mesmo avançar lateralmente sôbre a escavação : aqui o tronco
d a A . C . R . é obscurecido por massa ·e spessa de fibras nervosas que enche
a parte nasal da escavação e cobre a primeira divisão da A . C . R . , que j á
aparece bifurcada e cujos ramos formam u m ângulo aberto lateralmente.

Quando o canal é oblíquo em sentido oposto (isto é, sua extremidade


anterior é voltada para a linha mediana) o aspecto é totalmente distinto :
a parede nasal da escavação é inclinada em pendente suave e a A . C . R .
é visível em tôda a sua extensão' e sua bifurcação se faz com ângulo aberto
para a linha mediana ( a distribuição é aparentemente inversa).

Podemos acompanhar os vasos centrais até à lâmina cribriforme e,


devido à inclinação do canal escleral, os vasos surgem aparentemente des­
locados para o lado temporal e não n o centro do canal como n a realidade
se situam. ,•

De interêsse, particularmente para explicar alguns aspectos biomi­


croscpico da estase papilar, é a ancoragem dos vasos na papila e retina
circunjacente.

Já dissemos (ver parte histológica) que, ao nível da escavação fisio­


lógica, não há fibras nervosas entre a parede dos vasos centrais (ou suas
primeiras divisões) e a cavidade vítrea a não ser uma delicada camada de
células e fibras gliais (exceção feita para o menisco de KUHNT lpre,s ente
no centro da escavação); mas os grossos troncos (via de regra venosol3),
franqueado o bordo glial d a papila, penetram profundamente n a retina (até
à granulosa interna conforme vi€jrificou BUSACCA em 1959), para em se­
guida voltarem à camada de fibras nervosas e caminhar logo atrás da limi­
tante interna: descrevem uma espécie de segmento de saca-rôlhas ou zigue­
zague a êste nível.
Isto se comprova fàcilmente à oftalmo-biomicroscopia: a veia ultra­
passando a projeção do anel escleral imerge da retina, e aparece neste
momento u m aumento d"e, seu reflexo dorsal (tecido interposto entre a veia
e a porção peridiscal da papila}; por vêzes se vê uma verdadeira faixa semi­
anular de tecido compacto diante d a imergência venosa retiniana e um
semi-círculo denso o redor do ponto d e imergência. As vêzes o "mergulho"
retiniano se d á ao nível de u m cruzamento artério-venoso j uxta-papilar (fal­
so esmagamento venoso) ; BUSACCA ( 1 959) comprovou êste aspecto biomi ­
croscópico por cortes seriados.

Isto pôsto , podemos ressaltar os seguintes pontos importantes:

1 - A papila se extende, na sua face vítrea, além d o anel escleral -


é a porção peridiscal.

2 - A porção peridiscal é constituída de glia (fibras e· células gliais).

3 - Os primeiros ramos de bifurcação dos vasos centrais se ancoram


profundamente (camada granulosa interna) n a retina circumpapilar.

- 1 08 -
ESCAVAÇAO FISIOLóGICA

As fibras nervosas da retina, ao atingirem a papila se angulam no


plano frontal e tomam a direção ânteroposterior: as mais internas delimi­
tam uma cavidade variável, em geral afunilada, que se conhece com o no­
me de escavação fisiológica.
Embriológicamente, quando passamos da fase de vesícula para cálice
óptico, as células da parede interna do cálice envolvem a extremidade su­
perior da fenda embrionária (*). Estas células envoltórias constituem a pa­
pila epitelial primitiva. Ocluída a fenda embrionária, as fibras nervosas
começam a se desenvolver centripetamente camínhando em direção do cé­
rebro primitivo através da haste óptica (arcabouço glial do futuro nervo
óptico) : ··�tas fibras atravessam a papila epitelial primitiva isolando muitas
células epitéliais da parede interna do cálice; à medida que as fibras ner­
vosas aumentam de número, algumas células epiteliais desaparecem per­
sistindo outras no centro da futura papila, de permeio às fibras e entre estas
e a retina em formação.
Estas células, sequestradas da parede interna do cálice óptico pelas
fibras nervosas formam u'a massa celular mais ou menos cuneiforme, no
centro da papila e se conh'E!!Ce com o nome de papila de BERGMEISTER
que alcança o seu maior desenvolvimento nos pássaros (rudimento do pec­
ten). No homem estas células epiteliais, g.Uais em natureza, proliferam du­
rante o 5.0 mês para formar o manto glial da artéria hialóide; êste manto
glial se atrofia com o sistema hialóide antes do 10:0 mês. O "quantum" de

FIG. 3 7

(OD e OE): E • Esclera; C • Coróide; R • Retina. Retinografia e corte óptico de papilas com
escavação umbilicada (normal). Para explicações ver texto.

(*) Impropriamente chamada fenda fetal, pois, estamos em plena


fase embrionária e não fetal.

- 1 09 -
reabsorção (atrofia) dêsses tecidos determina a morfologia da chamada esca­
vação fisiológica no interior da papila que é variável normalmente no
homem.
A morfologia d a escavação papilar definitiva, tendo em vista o expos­
to acima, depende:
1 - Da quantidade de células sequestradas da parede interna do cá­
lice óptico e de sua persistência;
2 Da proliferação dessas células no manto glial da artéria hialóidea;
3 Da posterior atrofia ou reabsorção variável dessas mesmas
células.
Outros fatôres, como por exemplo , a direção do canal escleral, não
introduzem modificações apreciáveis no aspecto da escavação.
O estudo biomicroscópico d a papila completado com o exame em
corte óptico permit� (BUSACCA, 1 959) distinguir três tipos fundamentais
de escavação.
1 - Escavação umbilicada (fig. 37) - Do lado temporal dos vasos
centrais a escavação se apresenta como um pequeno umbigo bem nítido
quando examinado a o corte óptico: é estreito, pouco profundo, d e vértice
posterior e sua parede temporal é mais esbatida que a nasal, o diâmetro
de sua base não ultrapassa e m geral 1 /4 de DP; por vêzes s e encontra no
fundo do umbigo papilar um tecido translúcido que ' fenda luminosa par­
cialmente atravessa entrevendo-se atrás (como uma linha de perfil pos­
terior)' a lâmina cribriforme.
2 - Escavação cilíndrica (fig. 38) - Aqui temos, embriolàgicamente
grande reabsorção d o manto glial. Forma-se uma escavação cuj o diâmetro

FIG. 3 8

(OD e O E do mesmo paciente): Retinog rafia e' corte da papila· com escavação cilí nd rica (normal).
Notar o seguinte: a ) Os vasos sofrem arqueamento nasal; b ) O canal esclerol é oblíquo (sua
extremidade anterior está voltada para a linha med�ana); c) A escavac;õo é cilíndrica mas nãO'
se vê o crivo da lâmina cribriforme; d ) A A.C.R. se bifurca na porção re.tiniana mais a nterior
do nervo óptico (ânguio de 1 80"), enquanto que a V.C.R. se forma ao n ivel da lâmina cri•
briforme.

- 1 10 -
por vêze;s pode atingir (raramente ultrapassar) 1/2 DP e sua profundidade
se prolonga até à lâmina cribriforme. A escavação, como também a anterior,
é ligeiramente excêntrica ocupando mais a porção temporal da papila: bio­
microscõpicamente, no interior de um anel de superfície papilar (mais estrei­
to do lado temporal), uma escavação profunda com bordas mais ou menos
abruptas. O assoalho da escavação é mais pálido em comparação com a côr
rosada da superfície papilar. O .aspecto de crivo ou peneira da "lâmina cri­
brosa" é bem realçada pela biomicroscopia; eventualmente se vislumbra pelo
biomicroscópio a presença de, uma delicada camada de tecido transparente
que reveste anterior e profundamente a lâmina cribriforme (esbôço de me­
nisco de KUHNT?}.

Não raro se consegue ver (luz aneritra) um manguito branco que,


da lâmina cribriforme, acompanha os vasos até à sua bifurcação (BU­
SACCA o interpreta como tecido conjuntivo adventícia!). As vêzes se en­
contra no interior da escavação de um tecido transparente (de aspecto
vítreo) que emite prolongamentos que fazem uma verdadeira trama.

3 - · Papila com pseudo-escavação - Há uma semelhante entre êste


tipo de escavação e o anterior conforme uma oftalmoscopia superficial nos
poderia mostrar.
Na realidade a biomicroscopia, graças.. ao corte óptico, nos demonstra
que a �!?cavação aqui é rasa ou inexistente, pois, o que se interpreta como
escavação profunda na realidade é a presença . de um tecido· semitranspa­
rente que enche parcial ou totalmente a escavação. �te. tedpo é óptica­
mente mais denso em suas camadas profundas ("lâmina cribrosa glial"'?)'
e mais transparente em suas camadas anteriores; estas camadas transparen­
tes seriam de constituição idêntica ao tecido de aspecto vítreo que se pode
encontrar na escavação de tipo cilíndrico. Finos ramos vasculares atraves­
sam êsse tecido transparente superficial que ao oftalmoscópio se apresentam
como que suspensos. na escavação.
Elemento importante para a diferenciação entre êste tipo de escava­
ção e o anterior (escavação cilíndrica) é representado pela lâmina cribri­
forme que aqui é invisível e bem nítida na escavação cilíndrica.

- 11 1 -
BIOMICROSCOPIA DA PERIFERIA DA RETINA

PAULO GALVAO

a) Dados anatômicos de macro e microscopia

Ora serrata - Desenhada por arcos pigmentados contíguos, de con­


cavidade anterior (fig. 3 9 ) , representa o limite entre a retina óptica e a
retina cega. Para diante estende-se a pars plana até a pars plicata ou coroa
ciliar, constituída pelos processos ciliares.

Ora serrote. Preparação anatômica.

A ora serrata dista do limbo o térmo médio de 6.6 milímetros (RE­


NARD, LEMASSON e SARAUX, 1 965) cifra que varia de acôrdo com as di­
mensões d o bulbo ocular, o que equivale a dizer que aumenta nos míopes
e diminui nos hipermétropes. N o mesmo ôlho projeta-se mais do lado tem­

poral na direção do equador e seu contôrno é mais impreciso. De regra, o


serrilhado mostra-se algo regular no perfil, mas eventualmente olhos nor­
mais exibem variações na linha de contôrno da ora, surgindo cúpulas que
se afilam e prolongam, isoladas ou em bloco, na direção do equador.

Sulcos ou riscos às vêzes distintamente pigmentados partem de cada


ângulo reentrante entre os arcos, estriando a pars plana no sentido me­
ridional, e avançam em direção à coroa ciliar, perdendo-se nos vales ciliares.

O serrilhado característico d o ôlho humano, que inspira o têrmo "ser­


rata", não existe nos animais inferiores. Nossas observações em olhos de
peixe (curimatã), galinha, porco, gato e boi confirmam o fato ; a transição
é marcada por linha reta que, nos olhos fixados pelo form o ! , é recoberta
por dobra artificial da retina.

- 112 -
As formações mais anteriores à ora serrata escapam, em condiçõ·es ha­
bituais, à inspeção biomicroscópica. Algumas linhas, no entanto, elas me­
recem, no interêsse do esbôço panorâmico.

Corona ciliares - E' constituída pelos processos ciliares (66 a 'is no


homem), em forma de cristas dispostas em sentido meridional, afilando um
pouco na extremidade anterior. Na criança possue coloração cinza ·escuro e
brancacenta no velho. São_ separados pelos vales ciliares cuja supeÍfície é
ondulada: pelas , pregas- ciliares, aspecto que se acentua com a idade. Além
das pregas há, não raro, verrucosidades devidas à irregular proliferação do
€pitél:io.

Zônula d� ZINN - E' constituída de fibrilas com disposição radiária


que se inserem no corpo ciliar, no orbículo e na coroa ciliar, de onde se
dirigem para o cristalino. Podemos distinguir cinco tipos de fibrilas zonu­
lares, segundo RENARD, LEMASSON e SARAUX, ( 1 965) : orbículo-cap-
sulares posteriores, orbículo-capsulares anteriores, cílio-capsulares posterio­
res, cílio-equatoriais e cílio-ciliares, estas com função de sustentáculo dos
processos ciliares, garantindo a solidez do conjunto.

As orbículo-capsulares posteriores partem das proximidades da ora


serrata e caminham para diante entre o corpo ciliar e a hialóide anterior,
alcançando a cristalóide posterior um pouco abaixo do ligamento de WIEGER.

As orbículo-capsulares ante•riores, mais volumosas, partem de peque­


na crista paralela à ora (situada a 1 ,5 milímetros adiante desta), seguem o
mesmo trajeto das anteriormente descritas, guardando a mesma relação
com vítreo e orbículo , transitam pelos V'ales ciliares em cujas paredes se
fixam por finas fibrilas de sustentação e avançam para a vertente anterior
da borda cristaliniana.

As cílio-capsulares posteriores, muito numerosas e delgadas, partem


dos vales ciliares, cruzam as orbículo-capsulares anteriores e alcançam a
cristalóide posterior entre o equadro e a linha de inserção das cílio-capsu­
lares posteriores.

As cílio-equatoriais parte,m da cabeça dos processos ciliares alcançan­


do inserção nas pequenas elevações que conferem à borda cristaliniana seu
aspecto "crénelé". Jmersas numa substânci-a cujo índice de refração é igual
ao seu, não são visíve,is à biomicroscopia em condições normais, sendo vis­
tas porém, em certas condições patológ·icas (BUSACCA, 1966). Não existem
nos adultos.

As cílio-ciliares, muito tênues, são como já dissemos, elementos de


sustentação, ligam o orbículo aos processos ciliares e êstes entre si.

Feixe de SALZMANN - O feixe anular de SALZMANN é visto à


biomicroscopia (em olhos áfacos com iridectomila sectoral)1 como fino cordão
branco circular situado na extremidade anterior da cabeça dos proce�
ciliares. C orresponde ao ponto de contato das fibras zonulares posteriores
que, tangenciando a cabeça dos processos, se curvam na direção do eqJ,lador

- 1 13 -
do cristalino. A aderência que tais fibras contraem com a cabeça dos pro­
cessos (por meio de finas e curtas fibrilas da m.esma natureza das cílio ­
cili.ares ) impede que dêles se afastem quando submetidas à tração.

Câmara posterior - Para não entrarmos n a controvertida questão,


de sabor algo acadêmico, referente à delimitação da câmara posterior, pre­
ferimos, no momento , adotar a cnceituação e os têrmos topográficos simples
propostos por BUSACCA, reportando-nos a o capítulo "Biomicroscopia do
vítreo", onde o assunto foi ventilado.

Compreendida entre face posterior da íris e face anterior do vítreo,


é septada pelas fibrilas orbículo-capsulares anteriores e posteriores, n a de­
limitação de três espaços: pré-zonular, intra-zonu1ar ( PETIT) e retro-zonular
(HANNOVER), êste virtual (fig. 9)'.

b) Aspecto biomicroscópico normal da periferia d a retina humana.

Conquanto seja possível a biomicroscopia de todo o corpo ciliar, ora


serrata e gnande porção d a retina próxima à ora serrata, em olhos subme­
tidos à facectomia intra-capsular com iridectomia sectoral, iremos nos su­
bordinar principalmente, neste e n o tópico seguinte, à descrição sumária do
aspecto biomicroscópico normal e patológico d a retina periférica j usta-ora
sernata, o que será suficie,nte, no momento, para justificar e valorizar o
interêsse manifestado por essa propedêutica especializada. Registraremos, de
passagem, alguns processo9 acometendo estruturas mais anteriores.

A periferia da retina normal oferece pouco interêsse descritivo , de­


vendo-se anotar formações que, embora se modifiquem com a idade a ponto
de assumirem significado etiopatogênico, estão presentes desde o nascimen­
to, podendo ser consideradas achados normais. Vemos, de início, uma faixa
de retina branco-acinzentada imediatamente posterior à ona, onde identi­
ficamos linhas brancas anastomóticas, com direção dominantemente meri­
dional, limitando áreas poligonais escuras. Estas áreas são representadas,
freqüentemente, pelos microcistos ou lacunas de BLESSIG-IWANOFF que
têm caráter evolutivo, desenvolvendo-se e coalescendo com a idade. Os ris­
·cos delimitantes são, segundo a maioria dos autores, o resultado da j usta­
posição das paredes dos cistos. Opinião não partilhada por BUSACCA ( 1 966)
que interpreta o aspecto em palissada ou reticular ( "bande grillagée} co­
m o a expressão biom icroscópica das lâminas do corpo vítreo em sua base.
Em defesa dêste ponto de vista, reproduz, e m seu "Manuel de B iomicros­
copie Oculaire" sugestiva imagem histológica onde vemos feixes de fibri­
las partindo d a membrana limitante interna da retina e penetrando na cor­
tical do vítreo. Chama atenção para o fato de que, à iluminação indireta,
as cristas brancas têm aspecto vítreo enquanto os espaços por elas delimi­
tados s e ensombrescem. GOLDMANN ( 1 957) não se define categàricamente
a respeito, pare,c endo aceitar a possibilidade de que as camadas pré-reti­
nianas d o vítreo possam desempenhar também algum papel na formação
dessa estrutura.

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As terminações periféricas dos vasos retinianos chegam às proximi­
dades da ora, perdem-se entre as lacunas e, com freqüência, sofrem trans­
formações esclero-tróficas que se acentuam com o evolver dos anos.

c) Alguns aspectos da patologia periférica.

As formações císticas que, como dissemqs, são achados normais pela


sua constância, terminam se enquadrando também no grupo das alte·rações
degenerativas, porquanto evoluem até a rotura que conduz ao descolamento
evetual da retina.

Já os buracos de WEBER, formações bem mais raras, exibem mar­


cado caráter deg�erativo, porém, nunca serão responsáveis por descola­
mentos da retina, no que identificam aos buracos maculares. Os buracos
maculares e os buracos de WEBER são patologias· comuns ao centro e. à
periferia da retina representando, êstes, a réplica anterior daqueles. Os bu­
racos de WEBER mostram como manchas vermelhas, arredondadas, bordas
acinzentadas. São buracos sem opérculo, provàvelmente não perfurantes, em­
bora , sob corte óptico, deixem a impressão d e real perda de substância.
No grupo das alterações degenerativas mais freqüentes anotemos ain­
da,. as condensações fibril:ares do vítreo, a rêde de GONIN-VOGT ("lattice­
like"), as roturas re,tinianas periféricas, as alterações presentes nas miopias
e nas doen�as tapeto-retinianas.
As condensações fibrilares �a cortical vítrea são habitualmente vistas
como implantadas nas áreas de tração dos músculos extra-oculares, em par­
ticular na linha de inserção do oblíquo superior. São encontradiças tam­
bém em relação com áreas de atrofia coroidiana ou tracionando opérculos . de
roturas periféricas silenciosas.
A rêde de GONIN-VOGT caracteriza-se, como foi anotado na obser­
vação clássica de VOGT, pelas linhas. brancas entrecruzadas (vasos esclero­
sados) sôbre fundo escuro de atrofia coróido-retiniana.

As roturas periféricas, principalmente as silenciosas, não advertidas


pela sintomatologia, representam maior interêsse clinico. As silenciosas são
definidas, na expressão de GOLDMANN, como aquelas roturas típicas em
forma de ferradura, com retalho algumas vêzes desgarrado, que incidem,
preferencialmente, em descolamentos de vítreo seguidos de hemorragia.
A biomicroscopia vemos o retalho de retina aderente à hialóide posterior
descolada e em correspondência a feixes de densificação da cortical vítrea,
feixes que se perdem no seio do vítreo normal. Embora a pesquisa dessas
roturas seja possível com o emprêgo do oftalmoscópio binocular de SCHE­
PENS, através da depressão escleral, a biomicroscopia se impõe em certos
casos, dirimindo dúvidas quanto ao diagnóstico diferencial entre roturas e
cistos ou esclarecendo, p elo corte óptico, sôbre. a existência de descolamen­
tos planos incipientes, quando a oftalmoscopia deixa a desejar.
Nas miopias dominam os processos degenerativos vesiculares, a dis­
trofia epitelial e as modificações coroidi:anas, não· havendo paralelismo entre

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essas alterações periféricas e as do pol'o posterior ou o valor refracional
d a miopia.
Nas abiotrofias tapeto-retinianas, BUSACCA destaca a presença de
áreas periféricas de reflexo metálico, como alterações mais características.

Os descolamentos d o vítreo e as variações d a inserção das hialóides


descoladas j á foram considerados noutro capítulo dêste relatório ("Biomi­
croscopia do vítreo" ) .
N o grupo dos· processos inflamatórios periféricos consideremos, como
de maior interêsse, as úveo-retinites periféricas UJUSACCA), também de­
nominadas parsplanites (SCHEPENS) ou ciclites posteriores (GOLDMANN ) .
Môscas volantes, visão de teia de aranha, acuidade visual normal, fundus
normal à oftalmoscopia, sintomas persistentes que pouco se modificam sub­
j etivamente, sugerem alterações degenerativas ou inflamatórias crônicas da
periferia. A área comprometida limita-se, de regra, às vizinhanças d a ora
serrata, assumindo a forma de faixa anular, estendendo-se, por vêzes, na
direção do equador. A biomicroscopia, constatam-se modificações pouco pro­
nunciadas ao nível d a coróide, epitélio pigmentar, retina e vítreo. A coróide
comprometida é esverdeada à luz aneritra, em contraste com as regiões cir­
cunvizinhas não afetadas, identificando-se alterações vasculares e inter­
vasculares; a distrofia pigmentar é tipo sal e pimenta ; a retina opalescente
sofre modificações discretas, alojando pequenas hemorragias (melhor vistas
à luz aneritra) ; o vítreo é de aspecto filamentoso, com finas granulações
e pequenas opacidades.

Lembremos ainda o interêsse do exame biomicroscópico da periferia


na pesquisa dos brotos periféricos de retinoblastomas em crianças porta­
doras de tumor caracterizado no outro ôlho.

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