Você está na página 1de 33

A LINGUÍSTICA DE CORPUS NA E PARA A TRADUÇÃO

Stella E. O. Tagnin (USP)

ABSTRACT: This chapter aims at giving an overview of how Corpus Linguistics can be used in and for
translation. After a short introduction, Section 2 discusses what a corpus is and presents various types of corpora
suitable for translation purposes. The next section describes, in detail, the steps to be followed in order to
compile a corpus. Various kinds of annotation of a corpus are the topic of Section 4, and Section 5 addresses
computational tools available for investigating it. Section 6 discusses different studies that can be conducted
using corpora. Plenty of examples are given throughout the chapter to ensure that all the topics addressed here
are clear to a readership of novices in Corpus Linguistics.

KEYWORDS: Corpus Linguistics, Translation, Corpus compilation, Corpus annotation, Corpus tools.

1) Introdução
A Linguística de Corpus é uma abordagem empírica para o estudo da língua, em suas
diversas dimensões, como, por exemplo, na sintaxe, no léxico e no discurso. Por essa razão, é
especialmente útil no estudo da Tradução (OLOHAN, 2004; ZANETTIN, 2012). Essa
abordagem parte da observação de uma grande quantidade de textos, reunidos em corpora
(plural de corpus), para, a partir deles, fazer inferências a respeito de como a língua é usada.
A observação é feita por meio de ferramentas computacionais, que fornecem dados
quantitativos, mas que também permitem análises qualitativas.
Este capítulo constará de uma seção dedicada aos corpora (Seção 2), apresentando
seus diversos tipos e os objetivos a que se destinam, seguida de uma seção sobre a compilação
(Seção 3) e outra sobre a anotação de corpora (Seção 4). A Seção 5 tratará das ferramentas
computacionais de que se vale a Linguística de Corpus. Na Seção 6, será discutido como os
diversos tipos de corpora podem oferecer uma contribuição relevante às várias áreas da
tradução. A seção final é dedicada à conclusão.

2) O que é um corpus?
Os corpora são bancos de textos de linguagem autêntica, criteriosamente construídos,
destinados à pesquisa e legíveis por computador. Existem corpora que podem ser
consultados on-line, e corpora que podem ser consultados off-line. Muitos desses últimos são,
em geral, corpora especializados compilados por pesquisadores conforme seus objetivos (vide
Seção 3). Quando for esse o caso os chamaremos de corpora personalizados.
Na Linguística de Corpus, enfatiza-se sempre a linguagem autêntica, pois a língua é
tida como um sistema probabilístico (HALLIDAY, 1961), ou seja, um sistema em que,
embora muitas construções sejam possíveis, algumas delas têm probabilidade maior de
ocorrer. Em outras palavras, nem tudo o que é possível ou gramatical numa língua de fato
ocorre. Assim, por exemplo, apesar de amigo próximo ser uma combinação possível em
português brasileiro, a colocação mais provável, mais comum é amigo íntimo. Isso pode ser
confirmado no Corpus do Português12 em que amigo próximo totaliza 2 ocorrências somente
no Português Europeu (PE), e amigo íntimo resulta em 46 ocorrências ao todo, isto é, no PE e
no Português Brasileiro (PB).
Os corpora devem ser criteriosamente construídos, de acordo com o objetivo a que se
destinam, isto é, deve-se ter a certeza de que os textos compilados são representativos do
campo que se deseja pesquisar e são de fonte confiável, caso contrário os resultados podem
não ser. Esse tópico será discutido em detalhe na Seção 3.
Finalmente, os textos devem estar em formato digital para poderem ser lidos por
ferramentas computacionais.

2.1) Tipos de corpora


Numa visão geral, há corpora disponíveis para consulta on-line ou off-line. Os
corpora podem ainda ser monolíngues e bi- ou multilíngues, paralelos e comparáveis.
Vejamos cada um desses tipos.

2.1.1) Corpora disponíveis on-line e corpora off-line


Em geral, os corpora disponíveis on-line podem ser consultados diretamente na
Internet e costumam disponibilizar ferramentas embutidas que produzem resultados em vários
formatos. Em contraste, os corpora off-line, como dissemos acima, são, em geral, compilados
por pesquisadores ou tradutores para um objetivo específico e necessitam de ferramentas
externas para serem explorados.

2.1.2) Corpora monolíngues


Há vários corpora monolíngues on-line, a maioria deles para a língua inglesa (vide o
capítulo de Viana neste livro). Podem ser compostos pelo que se denomina ‘língua geral’, ou
por textos de ‘língua de especialidade’. Os de língua geral contêm textos jornalísticos,
acadêmicos, literários, científicos e, por vezes, também transcrições de textos falados.
Costumam ter uma interface bastante amigável, muitas vezes com tutoriais para orientar seu
uso. Um desses corpora é o Corpus do Português, com 45 milhões de palavras, cobrindo o

1
Todos os corpora mencionados neste capítulo são detalhados em Viana (2014), neste volume.
2
Corpus do Português: http://www.corpusdoportugues.org.
período do século XIV ao XX, com textos do PB e PE. Foi compilado por Mark Davies da
Brigham Young University e Michael J. Ferreira da Universidade de Georgetown. A tela
abaixo mostra uma busca pela palavra ‘implicar’ (Seta 1) apenas em textos dos séculos XIX e
XX (Seta 2), o número de ocorrências no corpus – 88 (Seta 3) e os respectivos exemplos (Seta
4).

2 4

Figura 1: Tela do Corpus do Português

Dentre os corpora de língua geral disponíveis on-line para o português brasileiro,


temos ainda o Lácio-Ref, dentro do projeto Lácio-Web3 (ALUÍSIO et alii, 2003), o Corpus
Brasileiro,4 além dos corpora disponibilizados pela Linguateca, como o NILC/São Carlos5 e o
ECI-EBR.6 Como cada corpus tem uma interface distinta, cabe ao usuário familiarizar-se com
cada uma delas.
Dentre os corpora de língua de especialidade, ou seja, corpora especializados, podemos
citar os corpora que compõem o CorTec, tanto em inglês quanto em português.

3
Lácio-Web: http://www.nilc.icmc.usp.br/lacioweb/.
4
Corpus Brasileiro: http://corpusbrasileiro.pucsp.br.
5
NILC/São Carlos: http://www.linguateca.pt/acesso/corpus.php?corpus=SAOCARLOS.
6
ECI-EBR: http://www.linguateca.pt/acesso/corpus.php?corpus=ECI-EBR.
2.1.3) Corpora bi- ou multilíngues
São corpora em duas ou mais línguas, como o próprio nome já diz. São esses os mais
usados nos estudos relativos à Tradução, pois permitem a comparação entre línguas. Podem
ser de dois tipos: paralelos e comparáveis.

2.1.3.1) Corpora paralelos


Corpora paralelos são compostos por textos originais em determinada língua e suas
respectivas traduções em uma ou mais línguas. Podem ser unidirecionais, ou seja, originais
numa língua A e traduções na língua B; ou bidirecionais, com originais tanto na língua A
quanto na B e, portanto, respectivas traduções também nas duas línguas. Há três corpora
paralelos disponíveis on-line que lidam exclusivamente com o par inglês-português, todos bi-
direcionais: o COMPARA7, o CorTrad8 e o COPA-TRAD9. O COMPARA é composto por
extratos de obras literárias de quatro variantes do português (Angola, Brasil, Moçambique e
Portugal) e três do inglês (África do Sul, Estados Unidos e Reino Unido). Permite uma grande
variedade de pesquisas, de simples a ultra-avançadas. A tela abaixo mostra uma pesquisa
simples, na direção português-inglês para a palavra ‘feijão’.

Figura 2: Tela do COMPARA

7 COMPARA: http://www.linguateca.pt/COMPARA.
8
CorTrad: http://www.fflch.usp.br/dlm/comet/consulta_cortrad.html.
9
COPA-TRAD: http://copa-trad.ufsc.br/
O COPA-TRAD, sediado na Universidade Federal de Santa Catarina, é composto por
cinco corpora distintos: (1) COPA-LIJ (Corpus Paralelo de Literatura Infantil e Juvenil), (2)
COPA-MDT (Corpus Paralelo de Meta-Discurso em Tradução, (3) COPA-RAC (Corpus
Paralelo de Resumos Acadêmicos), (4) COPA-TEJ (Corpus Paralelo de Textos Jurídicos, e
(5) COPA-TEL (Corpus Paralelo de Textos Literários).
Uma das formas de apresentação dos resultados é denominada concordância, que
apresenta, em contexto, todas as ocorrências da palavra de busca no corpus. No caso de um
corpus paralelo como o COMPARA, a concordância é exibida de forma alinhada, ou seja, os
exemplos aparecem lado a lado nas duas línguas (vide Figura 3).

Pelas manhãs, depois que o In the morning, after her


marido, negociante de feijão e husband, a cereal merchant,
PBOL1(506): milho, vai para o trabalho, se goes to work, she leans out
debruça à janela pintada de of the green window.
verde.

O negociante de milho e Luckily the cereal merchant


de feijão, felizmente, não quis refused to accompany her in
acompanhá-la em seu the lamented beginning of
PBOL1(847): lamentado começo de viagem; her voyage; my parents
meus pais não me deixariam would not let me go out in
andar na rua, sem vigilância, the streets, unsupervised,
depois das oito horas. after eight.

PPJS1(1603): Tu tens feijão em casa, que have we got enough beans


chegue para nós? in the house for all of us?´

Estava preparando She was painstakingly


afanosamente o almoço, e, preparing lunch and, with a
com o mais juvenil dos girlish smile directed me to
PPJS1(1628): sorrisos, chamou-me a que peer inside a pan from
olhasse o interior de uma which she removed the lid:
panela que destapou: beans.
era feijão.
Figura 3: Algumas linhas de concordância para ‘feijão’ no COMPARA.

Além de concordâncias, o COMPARA, na opção ultra-avançada, também apresenta


resultados por categoria gramatical (substantivo, adjetivo, etc.), campo semântico (cor, roupa,
etc.), tempo verbal (presente, pretérito, etc.), fonte do texto, autor, entre outras.
O CorTrad é um corpus multiversão, pois apresenta, sempre que possível, o original e
várias versões da tradução desse texto. É composto por um subcorpus Jornalístico, um
Literário e um Técnico-científico.

Figura 4: Tela inicial do CorTrad mostrando uma busca pela palavra ‘doure’

Uma busca pela palavra ‘doure’, no subcorpus Técnico-científico, composto, por ora,
por um livro de culinária, originalmente escrito em português, traz 94 ocorrências, como
indicado na Figura 5.
Figura 5: Concordância parcial para ‘doure’ no subcorpus Técnico-científico do
CorTrad

Observe-se que a palavra de busca, ‘doure’, aparece em negrito na primeira coluna. As


outras duas colunas não apresentam a tradução dessa palavra em negrito, mas exibem as
sentenças nas versões traduzidas correspondentes às sentenças no texto original. Assim, cabe
ao pesquisador identificar essas traduções. Por exemplo, na primeira ocorrência, pode-se
afirmar que “doure ligeiramente a cebola” foi traduzido por “lightly brown the onion” nas
duas versões da tradução.
Outro tipo de corpus bi- ou multilíngue é o corpus comparável, que veremos a seguir.

2.1.3.2) Corpora comparáveis


Na realidade, essa terminologia pode gerar certa confusão por ser empregada para
vários tipos de corpora. Em primeiro lugar, pode ser empregada, num sentido bastante amplo,
para quaisquer corpora que se queira comparar. Neste volume, no entanto, corpora
comparáveis devem ser entendidos como aqueles com textos originais em duas (ou mais)
línguas, numa determinada área de domínio. Para efeitos de comparação, os corpora devem
ser constituídos por textos de mesma tipologia, de temática semelhante e cobrindo períodos
similares. A esse processo denominamos balanceamento do corpus. Por serem textos
autênticos nas duas línguas, são comumente usados para a extração de terminologia
especializada ou mesmo para certificar-se do termo correto empregado em determinado
contexto (BOWKER & PEARSON, 2002). O CorTec10 é um corpus técnico desse tipo, em
inglês e português, com cerca de 20 subcorpora de distintas áreas de especialidade, dentre
elas: Autoclaves, Culinária, Futebol, Hipertensão, Informática, Insuficiência Renal,
Medidores Eletromagnéticos de Vazão, e Prostodontia. O CorTec como um todo é um corpus
dinâmico, de modo que novos subcorpora podem ser incorporados sempre que disponíveis.
Possui ferramentas embutidas, dentre as quais um concordanciador, um gerador de n-gramas
(sequência de palavras) e um gerador de lista de palavras, que elenca todas as palavras
contidas no corpus, conforme se vê, parcialmente, na Figura 6.

10
CorTec: http://www.fflch.usp.br/dlm/comet/consulta_cortec.html.
Figura 6: As 22 palavras mais frequentes no subcorpus de Autoclaves do CorTec

É interessante notar, na Figura 6, que as primeiras palavras são palavras gramaticais,


como preposições e artigos. Aliás, isso ocorrerá em qualquer corpus, pois são sempre as
palavras mais frequentes A primeira palavra de conteúdo, “esterilização”, aparece na posição
19 e já dá alguma indicação do teor desse subcorpus.
As várias ferramentas empregadas na análise de corpora serão apresentadas na Seção
5. A seguir discutimos os passos para a compilação de um corpus.

3) Compilação de um corpus
O primeiro passo para a compilação de um corpus é definir seus objetivos, isto é, para
quê servirá o corpus: para consulta do tradutor? Para extração de terminologia de determinada
área? Para estudar estratégias de tradução? Para comparar diversas traduções de um mesmo
original? Uma vez definido o objetivo, devem ser estabelecidos os parâmetros de sua
composição. Por exemplo:
a. será um corpus estático (i.e. fechado) ou dinâmico (i.e. com atualizações)?
b. incluirá apenas textos escritos ou também língua falada?
c. será monolíngue ou multilíngue?
d. se for multilíngue, será paralelo ou comparável?
e. que tipos de textos serão incluídos: jornalísticos, manuais, artigos acadêmicos,
teses e dissertações, etc.?
f. qual será a proporção entre os diversos tipos?
g. quais domínios abrangerá? Por exemplo, natação, sustentabilidade, segurança
bancária, obras de determinado autor, obras de determinada época, etc.
h. qual será a fonte dos textos a serem compilados: Internet ou material impresso?
No caso de material impresso, é preciso lembrar que esse deverá ser escaneado ou, na pior das
hipóteses, digitado.
i. os textos serão completos ou apenas fragmentos? Por exemplo, os textos que
compõem o Brown Corpus são constituídos de trechos de 2.000 palavras, enquanto o Bank of
English abriga textos completos. Já o COMPARA é constituído, no geral, de 30% das obras
contempladas.
j. como será estabelecido o tamanho do corpus, pelo número de textos ou pelo
número de palavras? Essa decisão muitas vezes terá de ser modificada durante o processo de
compilação devido à especificidade dos textos. Esse tópico é discutido abaixo.
Embora esses itens devam ser estabelecidos antes de se começar a coleta dos textos,
alguns podem sofrer ajustes ao longo do processo de compilação. Por exemplo, no caso de um
corpus de contratos em inglês e português (CARVALHO, 2007), em que inicialmente se
determinou o número de 500.000 palavras para cada língua, logo se observou que isso
produziria dois corpora com conteúdos bastante diversos uma vez que esses documentos
tinham extensões distintas nas duas línguas. Enquanto os contratos em português eram
sucintos por fazerem apenas referência à legislação vigente, os contratos em inglês eram
muito mais longos por explicitarem a legislação pertinente. Assim, esse critério foi alterado
para incluir 28 tipos contratuais com 5 exemplares de cada.
Outro problema que pode surgir refere-se à disponibilidade de textos nas várias
línguas. Como o inglês é a língua mais representada na Internet, a coleta de textos nessa
língua costuma ser bem mais fácil do que nas outras, o que acaba demandando, por vezes, um
tempo maior para a realização da tarefa. Em determinados casos pode ser necessário recorrer
a textos impressos para se obter um corpus balanceado, isto é, um corpus bilíngue com
conteúdo equiparável nas duas línguas.
Um fator frequentemente discutido na literatura (e.g. LEECH 1991, BIBER 1993,
McENERY et al., 2006) diz respeito à representatividade de um corpus, ou seja, o fato de que
um corpus deve ser representativo daquilo que se pretende investigar, contendo uma
amostragem significativa do universo a ser estudado. Quando isso é alcançado, os resultados
obtidos podem ser generalizados para todo o universo em estudo (LEECH, 1991). No
entanto, o que seria uma amostragem significativa? Segundo Biber (1993, p. 243), a
representatividade diz respeito ao quanto uma amostra inclui toda a gama de variabilidade da
produção linguística que se pretende investigar. Dessa forma, um corpus geral, por exemplo,
deve incluir o maior número de gêneros e tipos textuais para assegurar sua representatividade.
Apesar disso, Leech (1991, p. 27) adverte que toda representatividade “deve ser encarada
como um ato de fé”,11 uma vez que ainda não há métodos científicos que mensurem esse
aspecto.
Uma vez coletados os textos, eles devem ser salvos no formato .txt para poderem ser
lidos pelas ferramentas computacionais. Para tanto, devem antes ser limpos de todos os
elementos que não sejam de interesse para a pesquisa linguística como, por exemplo, tabelas,
URLs, etc. Em seguida, cada arquivo deve ser nomeado de forma a deixar claro seu conteúdo.
O nome pode incluir a área (por exemplo, “derm” para dermatologia, “inf” para informática,
“cul” para culinária), o tipo de texto (“jor” para jornalístico, “aca” para acadêmico, “rec” para
receita), a língua (“pt” para português, “in” para inglês), e quaisquer outras informações que
sejam consideradas relevantes. Assim, por exemplo, um arquivo denominado:
culrecmaspt01.txt deixa claro tratar-se de um texto de culinária (“cul”), mais especificamente
de uma receita (“rec”) de massa (“mas”) em português (“pt”). O número indica ser a primeira
receita de várias outras de massa.
Os arquivos devidamente nomeados devem ser armazenados em pastas. No exemplo
acima, pode-se ter uma pasta denominada “Culinária” e uma subpasta indicando a língua, no
caso “Português”.
Feito isso, os textos estão basicamente prontos para serem explorados por ferramentas
computacionais. Porém, eles ainda podem ser enriquecidos com vários tipos de anotação.

4) Anotação de corpora
A anotação de corpora mais comum é a morfossintática (POS em inglês, de part-of-
speech), em que cada palavra recebe uma etiqueta correspondente a sua categoria gramatical
naquele contexto. Uma anotação lexical permite identificar, por exemplo, estrangeirismos,
entidades nomeadas (nomes próprios), termos técnicos, etc. Campos semânticos como cor,
roupa, sentimentos, modalidade (e.g. obrigação e possibilidade) também podem etiquetados.
Por exemplo, no COMPARA, as cores são etiquetadas semanticamente. Assim, uma busca
pela palavra ‘branco’ retorna 200 ocorrências em que essa palavra de fato denota uma cor, 96
em que se refere a raça, 9 em que é usada de forma metafórica ou idiomática, e 8 em que se
refere a vinho. Finalmente, temos etiquetas discursivas, que indicam as várias partes de um
texto, por exemplo, num texto acadêmico: resumo, introdução, materiais e métodos; ou numa

11
No original: “At present, an assumption of representativeness must be regarded largely as an act of faith”
(tradução da autora).
receita: ingredientes, modo de fazer, etc. Na realidade, cada pesquisador pode criar as
etiquetas que forem mais relevantes à sua pesquisa.
Essas anotações possibilitam pesquisas bastante elaboradas. O CorTrad, um corpus de
originais e respectivas traduções, tem anotação para cor e roupa. Assim, pode-se investigar,
por exemplo, como são traduzidas as diversas cores em qualquer um dos subcorpora que o
compõem (i.e. jornalístico, literário, técnico-científico). Santos et al. (2012), por exemplo,
estudaram o uso de cores nesses subcorpora e suas respectivas traduções. Concluíram que,
contrariando expectativas, as cores são muito empregadas na terminologia técnica, mas
variam de uma língua para outra, aumentando, assim, as possibilidades de erros tradutórios.
A seguir veremos as principais ferramentas que permitem a exploração de um corpus.

5) Ferramentas de investigação
Os corpora que não possuem ferramentas embutidas necessitam de ferramentas
externas para serem investigados. Os programas mais conhecidos que contêm essas
ferramentas são o AntConc (ANTHONY, 2004, 201212) e o WordSmith Tools (doravante
WST) (SCOTT, 199613) . O primeiro, desenvolvido por Laurence Anthony da Universidade
de Waseda, no Japão, pode ser baixado gratuitamente; o segundo, desenvolvido por Mike
Scott, é um programa comercial e pode ser adquirido on-line. Ambos apresentam as três
ferramentas básicas para a análise de um corpus: lista de palavras, lista de palavras-chave e
concordâncias.

5.1) Lista de palavras


Já vimos, na Figura 6, um exemplo de lista de palavras do CorTec. A seguir
apresentamos uma lista de palavras gerada pelo AntConc e outra pelo WSTWST – ambas para
um corpus de Culinária.14

12
AntConc: http://www.antlab.sci.waseda.ac.jp/antconc_index.html.
13
WordSmith Tools: http://www.lexically.net/wordsmith/index.html.
14
Esse corpus está disponibilizado no CorTec e foi compilado por Teixeira (2008).
Figura 7: Primeiras vinte palavras mais frequentes para um corpus de Culinária em
português listadas pelo AntConc

Figura 8: Primeiras vinte palavras mais frequentes para um corpus de Culinária em


inglês listadas pelo WST

Como vemos, a lista de palavras exibe todas as palavras do corpus (ou texto) que está
sendo investigado por ordem de frequência, como nos exemplos acima, ou alfabética. No
AntConc, os totais aparecem no topo da tela, subdivididos em types (palavras distintas ou
formas) – 5.451 – e tokens (número total de palavras ou ocorrências) – 94.627. O WST exibe o
número total de formas no final da tela – no caso, 11.141. Pela alta frequência das palavras
gramaticais em qualquer tipo de texto, são elas que vão encabeçar a lista. As primeiras
palavras de conteúdo geralmente indicam o tema do corpus. Pelas listas acima, fica fácil
identificar ambos os corpora como sendo da área da culinária, pois em português sobressaem
col, chá, sopa, sal, xíc, minutos, enquanto em inglês temos minutes, time, add, tbsp, oil, oz,
mins. Ao final da lista, constam as palavras com uma única ocorrência, denominadas hapax
legomena (vide Figura 9).

Figura 9: Algumas das palavras com uma única ocorrência no corpus de Culinária em
inglês listadas pelo WST

As palavras com uma única ocorrência podem indicar tanto termos de uma área
especializada quanto vocábulos usados criativamente.

5.2 Lista de palavras-chave


O AntConc e o WST também podem produzir listas de palavras-chave (em inglês,
keyword list). As palavras-chave resultam da comparação de duas listas de palavras, uma do
corpus de estudo e outra de um corpus que serve de comparação, geralmente denominado
corpus de referência, mas pode também ser chamado de corpus de contraste ou mesmo de
comparação.
Para fazer essa comparação, os programas recorrem a testes estatísticos: log-likelihood
(teste estatístico de máxima verossimilhança), T-score (escore-T) ou mutual information
(informação mútua). Nesse processo, as palavras que tem frequências estatisticamente
similares desaparecem, restando apenas as que são peculiares ao corpus de estudo. Assim,
uma lista de palavras-chave para um corpus de culinária em português15 apresentará os itens
indicados na Figura 10.

Figura 10: Primeiras vinte palavras-chave para um corpus de culinária em português


geradas pelo AntConc

Como se pode observar, a lista gerada pelo AntConc contém apenas as palavras
peculiares ao corpus de culinária com suas respectivas frequências brutas (Freq). Além disso,
indica também a chavicidade (Keyness), uma medida que indica o quão típica é a palavra
naquele corpus.
A lista apresentada pelo WST (vide Figura 11) apresenta, além dessas informações,
também a frequência no corpus de referência (RC. Freq.), além das frequências relativas, em
termos percentuais, tanto do corpus que está sendo investigado (%) quanto do corpus de
referência (RC. %).

15
Esse corpus está disponibilizado no CorTec e foi compilado por Teixeira (2008).
Figura 11: Primeiras vinte palavras-chave para um corpus de culinária em inglês
geradas pelo WST

A ferramenta Keywords do WST apresenta primeiramente as palavras-chave positivas,


que acabamos de ver (vide Figura 11). Mas, apresenta também – em vermelho –, ao final, as
palavras-chave negativas, ou seja, aquelas que são mais frequentes no corpus de referência do
que no corpus de estudo. Se contrastarmos um corpus de receitas brasileiras (como corpus de
estudo) com um corpus de receitas portuguesas (como corpus de referência) (TAGNIN &
TEIXEIRA 2004), por exemplo, teremos como palavras-chave positivas as do corpus
brasileiro e como negativas as do corpus português (vide Figura 12).
Figura 12: Palavras-chave positivas (até a linha 46) e negativas (linhas 47-60)

Na Seção 6, discutiremos as possibilidades de análise proporcionadas pelas palavras-


chave.

5.3 Concordanciador
Uma das ferramentas mais importantes para a Linguística de Corpus são os
concordanciadores, que geram linhas de concordância. Essas linhas apresentam todas as
ocorrências de uma palavra ou expressão de busca em contexto. No geral, a palavra é
apresentada no centro, isto é, com uma parte do contexto à direita e outro à esquerda. Muitos
concordanciadores permitem reordenar os resultados pela ordem alfabética das palavras que
ocorrem à direita ou à esquerda da palavra de busca. Esse processo facilita sobremaneira a
identificação de padrões recorrentes, como podemos ver na Figura 13.

1 a) de manteiga 1/2 xíc. (chá) de pinoli sal a gosto Modo de fazer: Refogue a c
2 as finas 1 1/2 col. (sopa) de manteiga sal a gosto Preparo Disponha a farinha
3 da 1 pitada de páprica 2 gemas 3 claras sal a gosto Preparo Lave as batatas, f
4 de purê de tomates 1 col. (chá) de mel sal a gosto Preparo Misture todos os i
5 obalo, abadejo etc.) em pedaços grandes sal a gosto Preparo Tempere o peixe e
6 nteiga, mexendo para misturar. Acerte o sal e a pimenta. Disponha o risoto nos
7 Junte os cubinhos de tomate e acerte o sal e a pimenta. Disponha os filés no
8 te a água para o cozimento, tempere com sal e a pimenta e deixe a panela semit
9 que aparecem. Reserve. Junte a água, o sal e o açúcar numa fôrma de alumínio
10 coloque o salsão, a manteiga, o açúcar, sal e pimenta e acrescente a água até
11 batata ralada à manteiga e tempere com sal e pimenta. Faça panquecas, apertan
12frescos, descascados e cozidos al dente sal e pimenta-do-reino moída 1 col. (s
13 tas médias descascadas e raladas grosso sal e pimenta-do-reino moída a gosto 1
14 da 4 col. (chá) de farelo de pão branco sal e pimenta-do-reino moída a gosto P
15 sa) picada Preparo Tempere os filés com sal e pimenta-do-reino moída a gosto.
16a salsinha e as azeitonas e tempere com sal e pimenta-do-reino moída a gosto
17mente) 1 col. (sopa) de salsinha picada sal e pimenta-do-reino moída a gosto P
18 ol. (chá) de páprica doce 1 ovo, batido sal e pimenta-do-reino moída a gosto P
19 sopa) de óleo 2 col. (sopa) de manteiga sal e pimenta-do-reino moída a gosto P
20 icada 3 col. (sopa) de salsinha, picada sal e pimenta-do-reino moída a gosto P

Figura 13: Linhas de concordância para sal, ordenadas pela 1ª e 2ª palavras à direita

A Figura 13 apresenta uma seleção das 845 linhas de concordância geradas pelo WST
para a palavra sal num corpus de culinária, em que podemos identificar os seguintes padrões à
direita da palavra de busca: sal a gosto, o sal e a pimenta, sal e pimenta-do-reino moída a
gosto.

6) Tipos de pesquisa e o que revelam


São vários os tipos de pesquisa que podemos desenvolver com o uso de corpora, tanto
comparáveis quanto paralelos. Alguns desses tipos são discutidos a seguir.

6.1) Corpora comparáveis – busca por equivalentes


Os corpora comparáveis, com textos originalmente escritos em cada língua, são
extremamente úteis para a tradução por atestarem o uso autêntico de palavras, termos ou
expressões. Dessa forma, prestam-se para a busca de equivalentes (TAGNIN, 2007; PHILIP,
2009). Assim, se o tradutor estiver em dúvida se pode traduzir para o inglês, num texto sobre
hotelaria, um apartamento num hotel por apartment, ele pode recorrer a um corpus
especializado e verificar a ocorrência de apartment. A Figura 14 apresenta os primeiros 5
resultados do subcorpus de Turismo-Hotelaria no Corpus Técnico (CorTec) do Projeto
CoMET.

1 u by adding an extra bed The Apartment We have one 2 bedroom suite


2 ast home is simple; A private apartment to call your home when visiti
3 fireplace. GARDEN COTTAGE APARTMENT Also, our Garden Cottage Apa
4 ENT Also, our Garden Cottage Apartment sleeps up to six (queen bed i
5 house, the one-bedroom luxury apartment, the two bedroom cabin, or on

Figura 14: Algumas linhas de concordância para apartment no subcorpus Turismo-


Hotelaria16 do CorTec

A partir da leitura das linhas de concordância na Figura 14, é fácil notar que não se
trata de apartamento em hotel, mas de apartamento em prédio. Nesse caso, cabe uma nova
busca, dessa vez no corpus em português para identificar os contextos em que apartamento
ocorre (cf. Figura 15).

1 partamentos Business center No Novo Apartamento Premium você encontra: 31m2 3


2 quecível. Núpcias White * Diária em apartamento luxo superior * Café da manhã
3 uxo superior * Café da manhã servido no apartamento * 02 botões de rosas vermelhas
4 o) Bufê de café da manhã Café e chá no apartamento Balcão de concierge Câmbio, na
5 t quente e frio 1 vaga de garagem por apartamento Ampla sala com varanda C
6 acionamento/desligamento de energia no apartamento Campainha, olho m gico e Rota
7 as at‚ 31/12/2011. Tarifa Balcão Apartamento Standard Single Double Triplo
8 rd Single Double Triplo Tarifa Acordo Apartamento Standard Single Double Tripl
9 de até 12 anos é free, quando no mesmo apartamento dos pais, sendo o máximo de 1
10 s pais, sendo o máximo de 1 criança por apartamento duplo; Prazo de cancelamento:

Figura 15: Algumas linhas de concordância para apartamento no subcorpus Turismo-


Hotelaria do CorTec

Nas linhas 7 e 8 da Figura 15, aparece a palavra single, como um tipo de apartamento.
Buscando essa palavra no corpus em inglês encontramos nas linhas 1, 2 e 5 (vide Figura 16),
a palavra room.

1 bath. * Rooms have a Queen bed and 2 single beds in the bedroom and a pull out
2 e Kitchens. Couples Room Options:- 2 Single beds or 1 King bedÊ Special Weekl
3 Square Inn was built in the 1860s as a single family home, and today its integrity
4 ek. Corporate rates are available for single business travelers Sunday-Thursday.
5 t pets at the Inn. Room rates are for single or double occupancy, $30.00 for each
6 VATE BATHROOMS: Rates & taxes apply Single/Double occupancy (except Garden Cott
7 es in San Antonio are available for the single business traveler, starting at $117
8 of your day. Corporate rates for the single weekday business traveler. Staying
9 Key West guest room rates are based on single or double occupancy and are subject
10 o (2) for one (1) spa service: book any single spa service and get another of equal

Figura 16: Algumas linhas de concordância para single no subcorpus Turismo-


Hotelaria do CorTec

16
Esse corpus foi compilado por Navarro (2012) para sua dissertação de mestrado.
Embora single não se coloque com room, ou seja, não ocorre single room, observa-se
que corresponde, no contexto, a ‘apartamento’ em português, pois encontramos, por exemplo,
nas linhas 5, 6, e 9 da Figura 16 uma referência a single or double occupancy, ou seja,
apartamentos para ocupação por uma ou duas pessoas. Dessa forma, o tradutor se assegura de
que a melhor tradução de apartamento para o inglês é room.
Outra forma de averiguar equivalências é pela frequência da palavra no corpus. Uma
busca no mesmo subcorpus de Turismo-Hotelaria em português, no CorTec, mostra que a
palavra apartamentos aparece na 31ª posição, com 3.044 ocorrências.
Já no corpus em inglês, a primeira palavra de conteúdo é room, na 16ª posição, com
5.920 ocorrências.

Pos. Palavra Freq.


1 and 40699
2 the 38540
3 a 24787
4 of 21234
5 to 20020
6 with 14526
7 in 13984
8 for 12720
9 is 9924
10 your 9532
11 our 9108
12 or 7500
13 you 7354
14 are 6608
15 at 6580
16 room 5920
17 on 5300
18 from 4772
19 an 4194
20 will 3786
Figura 17: Lista parcial de palavras do subcorpus de Turismo-Hotelaria do CorTec

Apartment aparece apenas 64 vezes no singular e 52 no plural, num total de 116


ocorrências, o que já é indicativo de que não pode ser equivalente a apartamento em
português.
Vejamos outro exemplo com o subcorpus de Insuficiência Renal. A palavra renal
aparece na 15ª posição com 1.267 ocorrências, enquanto rins e rim aparecem 148 e 124 vezes,
respectivamente.
No corpus em inglês, renal aparece 1.726 vezes, kidney e kidneys, 383 e 55 vezes,
respectivamente.
Essa semelhança no número de ocorrências de renal em português e em inglês pode,
entretanto, induzir-nos a conclusões apressadas, fazendo-nos supor que sejam equivalentes.
De fato, em alguns contextos as palavras são equivalentes, como, por exemplo, ‘doença renal’
e renal disease, como se vê na Figura 18.

1 ogia Assunto específico: Insuficiência renal crônica DISTRIBUIÇÃO Tipo: Impresso


2 ente, nem sempre o tratamento da doença renal, quando existe, resulta em reversão com
3 podem determinar a natureza da doença renal. Eventualmente, métodos adicionais, com

1 General Considerations Patients with renal disease can present in a variety of way
2 s on urinalysis. Once it is clear that renal disease is present, the primary goals a
3 of the renal damage. The major types of renal disease can be grouped according to the

Figura 18: Algumas linhas de concordância atestando a equivalência de ‘doença renal


crônica’ e renal disease

Vejamos agora uma concordância para kidney na Figura 19.

1 -dose methotrexate Chronic: Polycystic kidney disease, medullary sponge kidney,


2 cystic kidney disease, medullary sponge kidney, medullary cystic kidney disease
3 dullary sponge kidney, medullary cystic kidney disease Interstitial Disease Acute:
4 erstitial disorders, such as polycystic kidney disease, in which multiple bilateral
5 rtension, and analgesic abuse. Myeloma kidney, in which urinary immunoglobulin light

Figura 19: Primeiras cinco linhas da concordância para kidney no subcorpus de


Insuficiência Renal no CorTec

Podemos observar, na Figura 19, duas ocorrências de polycystic kidney disease (linhas
1 e 4), uma de medullary cystic kidney disease (linha 3), uma de medullary sponge kidney
(linha 2) e uma de myeloma kidney (linha 5). Embora renal disease seja uma colocação
frequente, quando se trata de uma doença específica (polycystic kidney disease e medullary
cystic kidney disease), temos kidney em vez de renal. Além disso, kidney é usado para se
referir ao órgão, como em medullary sponge kidney e myeloma kidney, que é também como
são usados rim e rins em português, como vemos na Figura 20.
1 ções de fazer avaliações estruturais do rim com detalhes finos, como dimensões de c
2 . Na estenose unilateral, a presença do rim contralateral íntegro exerce um efeito
3 . Na estenose bilateral, na estenose do rim único ou transplantado ou na coarctação
4 ocedimento11. Na situação particular do rim contraído unilateral, a decisão entre r
5 u eventualmente tentar revascularizar o rim pequeno deve levar em conta a dosagem d

1 rítica com disfunção renal importante e rins ecograficamente normais, podendo diagno
2 ), que normalmente são eliminados pelos rins. Embora controversas, existem evidência
3 is de parênquima pela ultra-sonografia. Rins menores do que 7cm, hiperecogênicos, se
4 ato gastrointestinal e excretados pelos rins. Na insuficiência renal crônica (I
5 irinas são normalmente excretadas pelos rins, níveis elevados dessas moléculas s

Figura 20: Algumas linhas de concordância para ‘rim’ e ‘rins’ no subcorpus de


Insuficiência Renal no CorTec

Voltando à Figura 19, observamos, nas linhas 1 e 4 , a ocorrência de polycystic kidney


disease. Para chegarmos ao equivalente desse termo em português, podemos fazer uma busca,
no CorTec, usando a opção “Começando com policístic”, para obter resultados nos dois
gêneros (masculino e feminino) e números (singular e plural).

1 paciente selecionado tinha doença renal policística bilateral como doença primária
2 cas e tardia ou ausente na doença renal policística do adulto. À semelhança do que
3 istos renais simples ou da doença renal policística do adulto,4 desenvolvendo-se, s
4 os pacientes portadores de doença renal policística, os binefrectomizados e aqueles
5 penas os grupos de portadores de doença policística ou com diagnóstico indeterminad

Figura 21: Algumas linhas de concordância para policístic* no subcorpus de


Insuficiência Renal no CorTec

Os resultados apresentados na Figura 21 confirmam ‘doença renal policística’ como


equivalente de polycystic kidney disease. Em outras palavras, nesse caso, renal em português
corresponde a kidney e não a renal em inglês.
Outro termo que chama a atenção na Figura 18, é ‘insuficiência renal crônica’ (linha
1). Será que ‘insuficiência’ deve ser traduzida como insufficiency? Supondo que ‘crônica’
corresponda a chronic, podemos gerar uma concordância para essa palavra, que fornece, entre
outros, os seguintes exemplos reproduzidos na Figura 22.

1 ly examinations reveals the presence of chronic renal disease. Timing may be partic
2 a patient with such findings who has chronic renal insufficiency, for example, th
3 , then the most likely causes of chronic renal insufficiency in a patient wit
4 at patients with most forms of acute or chronic renal failure may be oliguric (urine
5 AS: Measurement of renal function in chronic renal disease. Kidney Int 38:167, 19
6 ion rate determination in patients with chronic renal disease. JAMA 199:252, 1967
7 Vascular calcification in chronic renal failure. i
8 desc="head"> Vascular calcification in chronic renal failure. The prevalence
9 tory included type 2 diabetes mellitus, chronic renal failure requiring hemodialysis
10 ith earlier studies showing that stable chronic renal failure patients adjust their

Figura 22: Seleção de linhas de concordância para chronic no subcorpus de


Insuficiência Renal no CorTec

Temos, nesse excerto, duas ocorrências de chronic renal insufficiency (linhas 2 e 3) e


cinco de chronic renal failure (linhas 4, 7, 8, 9 e 10). Cabe-nos decidir qual a forma mais
usual. Um levantamento de todas as ocorrências apresenta os resultados reportados na Tabela
1.

Tabela 1: Ocorrências de renal failure e renal insufficiency no corpus de Insuficiência


Renal no CorTec
Failure Ocorrências Insufficiency Ocorrências
Chronic renal failure 189 Chronic renal insufficiency 25
Renal failure 387 Renal insufficiency 77
Total 576 Total 102

Em face disso podemos, com segurança, optar por chronic renal failure como a
melhor tradução de insuficiência renal crônica.
Salientando a utilidade e confiabilidade dos corpora comparáveis para o fazer
tradutório, Bernardini et al (2013) advogam a incorporação desse tipo de corpus e de
programas computacionais para sua exploração ao conjunto de ferramentas que os tradutores
já usam, no intuito de garantir um trabalho de melhor qualidade.
Os exemplos que apresentamos referem-se todos a linguagens técnicas. Uma vez
estabelecidos os equivalentes, esses podem vir a constituir glossários dessas áreas, como foi
feito, por exemplo, em Perrotti-Garcia & Rebechi (2007), Teixeira & Tagnin (2008) e Tagnin
(2013).17 A busca por equivalentes é também abordada nos capítulos de Moraes, Pagano et al.
e Rebechi, incluídos neste volume.

6.2) Corpora paralelos


Corpora paralelos, como já vimos, são compostos por textos originais e suas
respectivas traduções. Essas podem ser várias traduções na mesma língua ou em várias
17
Para trabalhos que abordam o uso de corpora no fazer terminológico, ver Tagnin & Bevilacqua (2013).
línguas. Podem até consistir de várias versões intermediárias de um mesmo texto até o texto
final, o que permite acompanhar o processo de revisão.
Contamos com dois corpora paralelos que contemplam exclusivamente o par
português-inglês: o COMPARA e o CorTrad, do Projeto CoMET.
Apresentamos, a seguir, algumas possibilidades de explorar esse tipo de corpus.

6.2.1) Possibilidades de tradução


Talvez o uso mais frequente que se faz de corpora paralelos é verificar como
determinada palavra ou expressão já foi traduzida.
Vejamos, por exemplo, algumas traduções para o verbo modal can no COMPARA.18

1. That’s another thing that can happen Isso é mais uma coisa que pode acontecer
to you that’s worse than a pain in the knee. com você que é pior do que uma dor no
joelho.

2. The trouble is, as cognitive behaviour O problema é que, como um terapeuta de


therapists point out, it can take forever to comportamento cognitivo faz questão de
discover the suppressed traumatic esclarecer, leva-se muito tempo para
experience, even supposing there was one. descobrir uma experiência traumática
suprimida, supondo-se que haja uma.

3. I mean, how trivial can you get? Quero dizer, quer coisa mais banal do que
essa?

4. It looks a bit tramp-like, but Dá um ar meio de andarilho, mas não posso


I can hardly bear to have it cut, each strand is suportar a idéia de vê-la cortada, pois cada
so precious. mecha é preciosa demais.

5. My hands are quite small too, but Minhas mãos são pequenas, mas com dedos
with long, shapely fingers; like a pianist’s, longos, esbeltos como os de um pianista, se
not that I can play any keyboard except an bem que o único teclado que eu saiba usar
IBM one. seja o de meu IBM.

6. There’s no difference between one Não há diferença entre um ou outro selo de


first-class stamp and another, and there’s a primeira classe, e há um número muito
very limited number of ways in which limitado de maneiras de destacá-los das
you can tear them off the sheets and shove folhas e passá-los pela janela do guichê.
them across the counter.
Figura 23: Algumas linhas de concordância para can no COMPARA.

18 Todos os exemplos do COMPARA são extraídos da versão 13.1.22.


Como se vê, nem sempre o modal can é traduzido pelo verbo poder em português.
Com exceção das linhas 1 e 4, nas outras ocorrências o verbo é praticamente omitido:

2. it can take forever to discover...  leva-se muito tempo para descobrir…


3. how trivial can you get?  quer coisa mais banal do que essa?
5. not that I can play any keyboard  se bem que o único teclado que eu saiba usar...
6. there’s a very limited number of ways in which you can tear them off the sheets... 
há um número muito limitado de maneiras de destacá-los das folhas
Com esse tipo de pesquisa, o tradutor pode enriquecer seu arsenal de possibilidades de
tradução e certamente encontrará opções que não lhe teriam ocorrido.
Uma área em que corpora paralelos são um recurso inestimável é a da tradução
automática. O capítulo de Caseli neste volume discorre sobre o treinamento de sistemas de
tradução automática a partir de corpora desse tipo.

6.2.2) Tradução de nomes próprios, palavras estrangeiras e termos culturalmente


marcados
Outra possibilidade é verificar estratégias empregadas para a tradução de itens por
vezes problemáticos, como nomes próprios, palavras estrangeiras e termos culturalmente
marcados.
Um exemplo emblemático de palavra culturalmente marcada é a nossa ‘cachaça’, que
recebe as mais variadas traduções. Entre elas, destacamos algumas na Figura 24.

1. Januário tirou a rolha de sabugo Januario pulled the corn-cob


com os dentes, deixou a cachaça cair stopper out with his teeth and
PBAD2(770):
quente goela abaixo. poured the spirit hot down his
throat.

2. -- Se me permite, senhor Holmes, «If you’ll permit me, Mr. Holmes,


o melhor remédio para esta sensação the best medicine for this morning-
PBJS1(106):
matutina é uma boa cachaça. after sensation is a good dose
of cachaça.»

3. Watson emborcou outra garrafa Watson gulped another bottle of


PBJS1(1322):
de cachaça e desandou a rir: rum and burst into laughter.

4. Um ano depois da tragédia, eu A year after the tragedy, I had


PBMR1(1622): substituía o uísque pelo finalô, replaced whiskey with brandy and
imediatamente substituído pelo gim e water, which was immediately
mesmo pela cachaça com limão. supplanted by gin, and then by
sugarcane rum with lime.
Figura 24: Algumas linhas de concordância para ‘cachaça’ no COMPARA

No primeiro exemplo, cachaça é traduzida por spirit; no terceiro, por rum; e no


quarto, por sugarcane rum. Apenas no segundo é mantida a forma original. Além disso,
observe-se que os exemplos 2 e 3 são da mesma obra (PBJS119), mas a tradução não é
padronizada. Temos aqui dois problemas: o emprego de rum, que é um produto diferente da
nossa ‘cachaça’,20 e a falta de padronização (ver REBECHI, 2012 para um estudo detalhado
dessas traduções).
Na Figura 25, temos uma ocorrência de expressão cultural (i.e. festa de São João) e
uma de nome de local, mais especificamente, de um cemitério no Rio de Janeiro, o São João
Batista.

Virgília tinha agora a beleza da Virgília now had the beauty of age,
velhice, um ar austero e maternal; an austere, maternal look. She was
PBMA2(139): estava menos magra do que quando less thin than when I saw here the last
a vi, pela última vez, numa festa time at a Saint John’s festival in
de São João, na Tijuca... Tijuca…

Disponível era receber suas ordens, willing to take orders, sign checks,
assinar cheques, desligar as luzes, turn the lights off, pay the real estate
pagar o imposto predial, verificar a taxes, check to see the doors are
PBRF2(685): fechadura antes de dormir, locked before bed, willing to make
providenciar o seguro de vida e o arrangements for life insurance and
jazigo perpétuo no São the family plot at São João Batista.
João Batista.
Figura 25: Linhas de concordância para ‘São João’ no COMPARA

Podemos observar que, no primeiro caso, o nome da festa foi simplesmente traduzido
por Saint John’s festival. Embora exista um Saint John’s festival em outros países, em geral
com um denominador comum – a construção de uma fogueira –, a forma de celebrar varia de

19
PBJS1 significa Português Brasileiro Jô Soares e o número 1 refere-se à primeira obra desse autor no corpus.
Trata-se do romance O Xangô de Baker Street, traduzido por Clifford Landers.
20
Costa (2006) salienta as altas tarifas alfandegárias a que a cachaça estava sujeita por ser traduzida como rum
nos documentos de exportação. Desde 2009, “[o] nome “Mapa da Cachaça está protegido por lei [Decreto
6871/2009] e a sua produção está restrita ao Brasil” (http://www.mapadacachaca.com.br/artigos/as-
diferencas-entre-rum-e-cachaca/). Com isso, a cachaça também recebeu tarifação própria. Além disso, já está
dicionarizada (http://www.merriam-webster.com/dictionary/cachaça), havendo, assim, uma tendência de se
manter a denominação “cachaça” nos textos traduzidos.
lugar para lugar e, certamente, nenhuma dessas se assemelha à brasileira. Cabe perguntar, será
essa a melhor tradução para festa de São João? A tradução de termos culturalmente marcados
é sempre um problema e não há um procedimento fixo para tal. A opção dependerá da posição
do tradutor. Se quiser manter a especificidade da referência, aproximando o leitor à cultura de
partida (no caso, a brasileira), pode manter o termo na língua original e, eventualmente,
acrescentar uma pequena explicação, em nota de rodapé ou mesmo no próprio texto, como um
aposto. Se o tradutor preferir facilitar a leitura para seu público-alvo, pode traduzir o termo ou
mesmo empregar um termo que designe algo similar na cultura de chegada. 21 Nesse último
caso, justifica-se a tradução de “festa de São João” por Saint John’s festival. Já no segundo
exemplo, o nome do cemitério foi mantido na língua original, o que denota uma intenção, por
parte do tradutor, de ‘levar’ o leitor para a cultura brasileira.
Uma visão mais ampla sobre a tradução de marcadores culturais é apresentada por
Zavaglia et al. (2012), em que os autores analisam as versões alemã, francesa, brasileira e
portuguesa de um manual de refrigerador. Discutem, entre vários outros aspectos, como a
cortesia é expressa em cada língua-cultura. No alemão e no francês, os manuais se dirigem ao
destinatário de maneira mais formal, Sie e vous, respectivamente; enquanto os manuais
brasileiros usam você. Em contrapartida, os manuais portugueses evitam dirigir-se ao
destinatário por meio de um pronome. Além disso, o alemão, francês e português brasileiro
empregam formas de cortesia como bitte, veuillez/s.v.p., e por favor, ao passo que no
português europeu não se encontram expressões similares. Segundo os autores, essa estratégia
reflete as expectativas dos destinatários portugueses, que considerariam as formas de cortesia
um obstáculo, desviando a atenção do conteúdo instrucional do manual. Dessa forma, caso se
fosse traduzir um manual alemão para o público português, essa formas deveriam ser
eliminadas, ao passo que, na direção inversa, fórmulas de cortesia teria de ser incluídas.

6.2.3) Comparação de diferentes versões de uma tradução


Para alguns textos, o COMPARA oferece duas traduções, em geral uma portuguesa e uma
brasileira. Na Figura 26, temos algumas linhas de concordância das duas traduções de
Therapy, de David Lodge.22

21
Venuti (1995) chama a primeira estratégia de estrangeirização, e a segunda de domesticação. Schleiermacher
já apresentava essa dicotomia em 1813, em sua palestra Ueber die verschiedenen Methoden des Uebersezens. O
texto original e respectiva tradução para o português, realizada por Celso R. Braida, podem ser encontrados em
Heidermann (2010, p. 38-101).
22
David Lodge. Therapy. Londres: Secker & Warburg, pp. 3-97. 1995.
EBDL1T1: Terapia. Tradução de Maria do Carmo Figueira. Lisboa: Gradiva, pp. 11-88. 1995.
EBDL1T2: Terapia. Tradução de Lídia Cavalcante-Luther. São Paulo: Scipione, pp. 11-115, 1997.
EBDL1T1(900): «And how's the Angst ?» -- E o Angst , como vai?

EBDL1T2(900): «And how's the Angst ?» -- E como anda a Angst ?

Don't pretend you don't know Não finjas que não sabes o que é
EBDL1T1(903):
what Angst is. o Angst .

Don't pretend you don't know não queira dar uma de que não sabe
EBDL1T2(903):
what Angst is. o que é Angst .

Reading through that last entry Ao reler a entrada de ontem,


reminded me of Amy's odd lembrei-me da estranha pergunta da
EBDL1T1(1358):
question, «How's your Angst?» Amy -- «como está o teu Angst?» --
and I looked the word up. e fui à procura da palavra.

Reading through that last entry Ao ler aquela última passagem,


reminded me of Amy's odd lembrei-me daquela pergunta
EBDL1T2(1358): question, «How's your Angst?» esquisita de Amy: «Como vai a sua
and I looked the word up. Angst ?» e fui checar a palavra no
dicionário.
Figura 26: Excertos de duas traduções de Therapy, de David Lodge, no COMPARA.

Nas duas primeiras e nas duas últimas linhas notamos que a tradutora portuguesa,
responsável pela obra EBDL1T1, decidiu que Angst, uma palavra em alemão que significa
‘medo’, seria uma palavra masculina, enquanto a tradutora brasileira (vide EBDL1T2) optou
por considerá-la feminina. Outra diferença que se nota é que a tradução portuguesa usa a 2a.
pessoa do singular (“Não finjas”) enquanto a brasileira emprega a 3a. pessoa (“não queira
dar”).
Uma pesquisa que comparou traduções foi a de Gonçalves (2006) que construiu um
corpus paralelo com os contos Dubliners, de James Joyce, e suas respectivas traduções por
Hamilton Trevisan e José Roberto O’Shea para estudar as diferenças de abordagem dos dois
tradutores.
Neste volume, contamos com um capítulo que também compara traduções: Magalhães
e Blauth analisam alguns aspectos relativos ao estilo de seis tradutores da obra Heart of
Darkness, de Joseph Conrad. Essa pequena amostra já indica a gama de possibilidades que
esse tipo de comparação pode gerar.

6.2.4) Revisões de texto traduzido


O CorTrad apresenta uma ou mais versões da tradução de um texto. Isso permite
acompanhar o processo de revisão pelo qual passa a tradução. Na Figura 29, temos alguns
exemplos em que houve alterações de uma versão para outra, em geral de vocabulário.

Original Primeira versão Segunda versão Versão


publicada
I strike it home and Golpeio o ponto de Golpeio o ponto de Golpeio o alvo e
regain equilibrium. origem e recupero o origem e recupero o recupero o
equilíbrio. equilíbrio. equilíbrio.
My father died a Meu pai teve com Meu pai teve uma Meu pai teve
lingering, painful uma morte lenta, morte lenta e uma morte lenta
death of cancer -- in a dolorosa por causa dolorosa por causa e dolorosa por
Catholic old do câncer, em um do câncer, em um causa do câncer,
men’s home. asilo católico. asilo católico. em um asilo
católico.
Bill waited for Joe Bill esperou por Joe, Bill esperou por Bill esperou por
near the gap, and perto da vala, para Joe, perto da vala, Joe perto do
walked home with voltarem juntos para para voltarem desfiladeiro para
him. casa. juntos para casa. voltarem juntos.
Bill saw it but said Bill observou mas Bill observou mas Bill viu tudo,
nothing, and, seeing não disse nada, e, não disse nada, e, mas não disse
their father vendo o pai voltar vendo o pai voltar nada; ao
coming home from do trabalho, ele e o do trabalho, ele e o avistarem o pai
work, they hurried on. irmão correram. irmão correram. voltando do
trabalho,
correram.
Figura 27: Algumas linhas de concordância para home no subcorpus literário do
CorTrad

Notamos, na Figura 27, home empregada com vários sentidos. Na primeira linha, tem
o sentido de “alvo”, que é recuperado na última revisão. Na segunda, refere-se a “asilo”,
sentido mantido em todas as versões. Já nas duas últimas, refere-se a “casa”, que está presente
nas duas primeiras versões da terceira linha, mas fica implícita na última, ou seja, “voltarem
juntos para casa” dá lugar a apenas “voltarem juntos”. Na quarta linha, a palavra home não é
traduzida em nenhuma das versões.
Apesar de a busca ter sido feita para home, a observação das várias versões revela
outras mudanças. Na segunda linha, por exemplo, podemos ver que a “lingering, painful
death” foi primeiramente traduzida por “uma morte lenta, dolorosa” e já na primeira revisão
alterado para “uma morte lenta e dolorosa”, com o acréscimo do conectivo “e”, produzindo,
assim, uma forma mais natural de se expressar em português.
6.3) Corpora personalizados
Quando podemos manipular os corpora inteiros, como no caso de construirmos nossos
próprios corpora, temos acesso, com o AntConc ou o WST, por exemplo, a uma tabela com
vários dados estatísticos, a partir dos quais podemos tirar algumas conclusões.

6.3.1) Diferença de extensão entre texto original e texto traduzido


Uma das afirmações correntes sobre traduções é que essas costumam ser mais longas
do que seus originais. Por exemplo, em um estudo de corpus acerca de originais e traduções
de obras literárias canônicas e populares, Viana et alii (2008) mostram que as traduções são
maiores do que os respectivos textos originais. Contudo, apesar de o número de palavras
crescer nos textos literários traduzidos, o número de palavras distintas é maior em português
não obstante o fato de a obra ser original ou traduzida. A Figura 28 mostra os resultados para
o primeiro capítulo do romance Benjamin, de Chico Buarque, no original em português
(Ben01Po.txt) e em sua versão traduzida para o inglês (Ben01It.txt).

Figura 28: Estatísticas da ferramenta WordList do WST

Os números parecem confirmar que as traduções costumam ser mais longas do que os
originais: há 5.038 palavras (tokens (running words) in text) em português em comparação a
5.528 na tradução em inglês.

6.3.2) Densidade lexical


Outra informação que pode ser extraída da Figura 28 é a densidade lexical, ou seja, a
riqueza de vocabulário das duas versões. Quanto maior o índice, maior a diversidade lexical.
A tabela apresenta 1.863 palavras distintas (types (distinct words)) para o português e 1.745
para o inglês, o que corresponde a um índice item/ocorrência (type/token ratio) de 37,13%
para o português e 31,69% para o inglês, corroborando os achados de Viana et alii (2008) de
que textos em português têm uma diversidade vocabular maior do que aqueles em inglês.
Porém, tratando-se de textos de tamanhos diferentes, deve-se utilizar o índice padronizado
(standardized TTR), que dá 50,78% para o português e 47,16% para o inglês, confirmando a
maior diversidade lexical do português.

7) Conclusão
O objetivo deste capítulo foi apresentar um panorama das possibilidades oferecidas
pelo uso de corpora nos Estudos da Tradução, sempre com farta exemplificação. Começamos
com uma definição de corpus no âmbito da Linguística de Corpus e passamos a descrever
alguns dos tipos de corpora que mais se prestam à pesquisa e ao fazer tradutório. Além dos
corpora disponíveis on-line, descrevemos os passos para a compilação de um corpus que se
adeque aos objetivos de pesquisa do investigador. Posteriormente, discutimos alguns tipos de
anotação que enriquecem os corpora. Na seção seguinte, abordamos as principais ferramentas
para a pesquisa com corpora: lista de palavras, lista de palavras-chave e concordanciador. Por
fim, discutimos alguns tipos de pesquisa possíveis com corpora, com ilustração de trabalhos
já realizados.
Obviamente, o capítulo não pretendeu cobrir o assunto de forma exaustiva, pois muito
dependerá do tópico que o pesquisador pretende estudar e de sua criatividade na exploração
de corpora. Uma área que não foi aqui abordada foi a da compilação e exploração de corpora
de aprendizes de tradução,23 o que requereria um capítulo por si só. Outra área foi a da
Tradução Audio-Visual, em que o uso de corpora ainda é bastante incipiente. Enfim, este
capítulo pretendeu estimular o leitor a enveredar por esse caminho ainda pouco explorado e
descobrir o quanto essa metodologia pode revelar – coisas que jamais poderiam ser
descobertas de outra forma.

8) Referências bibliográficas
ALUÍSIO, S. et alii. The Lacio-Web Project: overview and issues in Brazilian Portuguese
corpora creation. In: ARCHER, D.; RAYSON, P.; WILSON, A.; MCENERY, T. (Eds.).
Proceedings of the Corpus Linguistics 2003 conference. Lancaster: UCREL, 2003, p. 14-21.
Disponível em: <http://ucrel.lancs.ac.uk/publications/CL2003/papers/aluisio.pdf>. Acesso
em: 16 abril 2014.

23
Vide Oliveira (2012) sobre o emprego de um editor de planilhas eletrônicas para o alinhamento de textos em
um corpus de aprendizes de tradução.
ANTHONY, L. Advancing AntConc: Design and Performance Improvements for Multi-
Language. Japan Association for English Corpus Studies (JAECS) Annual Conference, Sept.
29, 2012, Osaka University, Osaka, Japan, 2012.

_____ AntConc: A Learner and Classroom Friendly, Multi-Platform Corpus Analysis Toolkit.
In Proceedings of IWLeL 2004: An Interactive Workshop on Language e-Learning
pp. 7-13, 2004.

BERNARDINI, S. & FERRARESI, A. Old needs, new solutions. Comparable corpora for
language professionals. In SHAROFF, S.; RAPP, R.; ZWEIGENBAUM, P.; FUNG, P. (eds.)
Building and Using Comparable Corpora, Springer, 2013.

BIBER, D. Representativeness in Corpus Design. Literary and Linguistic Computing, Vol. 8,


No. 4, 1993, 243-257, 1993

BOWKER, L. & PEARSON, J. 2002. Term extraction. In Working with Specialized


Language – A practical guide to using corpora. London & New York: Routledge, 165-176.

CARVALHO, L. A tradução de binômios nos contratos de common law à luz da linguística


de corpus. Dissertação de mestrado. FFLCH-USP, 2007.

COSTA, A.T.P. Brasil mostrando a sua cara: estratégias de tradução no material de


divulgação cultural – um estudo baseado em corpus. Dissertação (Mestrado em Linguística
Aplicada) – Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília,
Brasília, 2006.

GONÇALVES, L.B. Dubliners sob a lupa da lingüística de corpus: uma contribuição para a
análise e a avaliação da tradução literária. Tese de doutorado. USP – FFLCH, 2006.

HALLIDAY, M.A.K. “Categories of the theory of grammar”. Word, Vol. 17, No. 3, pp. 241-
292, 1961.

HEIDERMANN, Werner (ed.). Clássicos da Teria da Tradução. Vol. 1: Alemão/Português.


2a. ed. revisada e ampliada. Florianópolis: UFSC, 2010.

LEECH, G. “The State of the Art in Corpus Linguistics”. In: English Corpus Linguistics:
Studies in Honour of Jan Svartvik. Ed. by AIJMER, K. & ALTENBERG, B., London & New
York: Longman. 8–29, 1991.

MCENERY, T., XIAO, R. & TONO, Y. Corpus-based language studies. London & New
York: Routledge, 2006.
NAVARRO, S. L. M. Glossário bilíngue de colocações de hotelaria: um modelo à luz da
Linguística de Corpus. Dissertação de mestrado. USP - FFLCH, 2012.

OLIVEIRA, J. (2012). A linguística de corpus na formação de tradutores: compilação e


análise de um corpus de aprendizes de tradução. Trabalhos em Andamento – Anais do Xi
Encontro de Linguística de Corpus (ELC 2012). São Carlos - SP. Disponível em:
http://nilc.icmc.sc.usp.br/elc-ebralc2012/anais/andamento/102956.pdf

OLOHAN, M. Introducing corpora in translation studies. Oxford: Routledge, 2004.

PERROTTI-GARCIA, A. J. & REBECHI, R.R. Vocabulário para Química –


inglês/português – português/inglês. Série Mil & Um Termos. São Paulo: SBS Editora, 2007.

PHILIP, G. 2009. Arriving at equivalence: Making a case for comparable general reference
corpora in translation studies. In: BEEBY, A., INÉS, P. R. & SÁNCHEZ-GIJÓN, P.
(eds.), Corpus Use and Translating: Corpus use for learning to translate and learning corpus
use to translate. Amsterdam: John Benjamins, 59-73. Disponível em
http://amsacta.cib.unibo.it/2124/1/ComparableCorpora.pdf

REBECHI, R.R. ‘Cachaça’ na tradução de obras literárias brasileiras para a língua inglesa.
TradTerm, São Paulo, v. 20, dezembro/2012, p. 95-110.

SANTOS, D., TAGNIN, S.E.O. & TEIXEIRA, E.D. CorTrad and Portuguese-English
translation studies: investigating colours. VARIENG, vol 12, 2012. Disponível em:
http://www.helsinki.fi/varieng/series/volumes/12/santos_tagnin_teixeira/

SCOTT, M. WordSmith Tools. Oxford: Oxford University Press. 1996.

TAGNIN, S.E.O. A Identificação de equivalentes tradutórios em corpora comparáveis. In


Anais do I Congresso Internacional da ABRAPUI: Belo Horizonte, 3 a 6 de junho de 2007.
Disponível em: http://www.fflch.usp.br/dlm/comet/Novo/Stella_Abrapui%202007_artigo.pdf

TAGNIN, S.E.O. (org.). Vocabulário para Fotografia – inglês/português. Série Mil & Um
Termos. São Paulo: SBS Editora, 2013.

TAGNIN, S. & BEVILACQUA, C. (org.). Corpora na Terminologia. São Paulo: HUB


Editorial, 2013.

TAGNIN, S. E. O. & TEIXEIRA, e. D. British vs. American English, Brazilian vs. European
Portuguese: how close or how far apart? - a corpus-driven study. In Lodz Studies in
Language 9, Frankfurt am Main. 2004, p. 193-208.
TEIXEIRA, E.D. A lingüística de corpus a serviço do tradutor: proposta de um dicionário de
culinária voltado para a produção textual. 2008. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos e
Literários em Inglês), Faculdade de Filosofia, Letras e Ci~encias Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo

TEIXEIRA, E.D. & TAGNIN, S.E.O. Vocabulário para Culinária – inglês/português. Série
Mil & Um Termos. São Paulo: SBS Editora, 2008.

VENUTI, L. The translator’s invisibility: a history of translation. London: Routledge, 1995.

VIANA, V. Corpora para consulta on-line e off-line: um guia para o tradutor/pesquisador. In


VIANA, V. e TAGNIN, S.E.O. (org.) Corpora na tradução. São Paulo: HUB Editorial.
VIANA, V.; ZYNGIER, S.; FAUSTO, F.; SILVEIRA, N. Original e tradução de obras
canônicas e populares em perspectiva: A análise de corpus como um recurso à crítica literária.
In: ZYNGIER, S.; VIANA, V.; SILVEIRA, N. (Eds.). Ver & visualizar: Letras sob o prisma
empírico. Rio de Janeiro: Publit, 2008, p. 61-74.

ZANETTIN, F. 2012. Translation-driven corpora: Corpus resources for descriptive and


applied translation studies. Manchester: St. Jerome, 2012.

ZAVAGLIA, A.; AZENHA, JR., J.; REICHMANN, T. Cultural markers in LSP Translation.
In: BAUMANN, K.-D. (Ed.). Fach Translat Kultur. Interdisziplinäre Aspekte der vernetzten
Vielfalt. Berlim: Frank & Timme, 2012. p. 785-808.

Você também pode gostar