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ciedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (EHPS-PUCSP), onde obteve o título
de Mestre em Educação: História da Educação. Licenciado em Filosofia pela PUC-MG. Professor
assistente do Departamento de Ciências Humanas e Letras da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia (DCHL-UESB). Bolsista da CAPES.
‡ Doutoranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Socie-
dade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (EHPS-PUCSP), onde obteve o título de
Mestre em Educação: Ciências Sociais. Licenciada em Filosofia (UNIFAI). Bolsista do CNPq.
A Filosofia na escola secundária brasileira (1837-2008) 55
esse grau de ensino era caracterizado exatamente pelo ensino do Latim, como
preparatório para as escolas superiores. Souza (2012) acrescenta que esse tipo
de ensino não tinha por objetivo somente o domínio da língua e da eloquência,
mas que se “ancorava numa dada configuração histórica do saber, pautado na
unidade do conhecimento estranha à fragmentação disciplinar.” (p. 93). Buscava-
se o domínio da arte de pensar e da arte de escrever, constituindo-se em um saber
enciclopédico, ou seja, o domínio do conhecimento das artes e das ciências.
O Colégio Pedro II em sua fundação inspira-se no ideário humanista je-
suítico de tradição parisiense. Porém, sua estrutura curricular sustenta-se sob o
modelo napoleônico dos Liceus. Inspirado no modelo napoleônico dos Liceus, o
currículo do Colégio trouxe a organização das matérias em torno de uma estrutura
curricular que, ao mesmo tempo, respeitava o ensino humanista e flertava com o
modelo científico. Essa peculiaridade transformou o plano de ensino do Colégio
em um plano enciclopédico. Ao mesmo tempo em que se desejava fornecer aos
alunos a formação científica, buscava-se formar o caráter. Do ensino das matemá-
ticas, da física e da química, ao ensino do comportamento nas rodas sociais do
Império: ensinavam-se as ciências e aprendiam a dançar para os salões de baile
dos encontros sociais da época. (??).
Sob a influência da tradição francesa, embora a inspiração fosse o ensino
científico dispensado nos Liceus, o elemento aglutinador eram as humanidades no
molde dos colégios parisienses. (CHERVEL, 1992). Costurando o tecido curricular
estavam as disciplinas literárias e a retórica. Herança do sistema medieval dos
colégios parisienses preservado pelo Ratio Studiorum dos Jesuítas (??), o estudo das
línguas clássicas (latim e grego) e das línguas vernáculas (inglês, francês e alemão)
coroavam a formação do homem culto, letrado. O ensino da retórica, atrelado ao
estudo da literatura, formava o cidadão civilizado à semelhança europeia, capaz
de travar diálogo com as nações desenvolvidas. A novidade nesse plano de ensino
era a inclusão da Filosofia.
A inserção da Filosofia no currículo do Colégio Pedro II é curiosa. Ela não
estava presente no ensino das humanidades clássicas europeias e nem no plano
do Ratio Studiorum. Chervel (1992) não a encontra nos estudos que deram origem
ao secundário francês, no entanto vê indícios de seu ensino como preparatório
ao ingresso nos cursos superiores. Nos colégios jesuíticos, a Filosofia não fazia
parte dos estudos intermediários – como as humanidades são classificadas pelo
Ratio –; ela encontrava-se nos cursos superiores. Somente na reforma dos estudos
na França levada a cabo por Napoleão é que essa disciplina passou a compor
os estudos anteriores aos realizados nas faculdades. Chamado de bacharelado
esse nível de ensino tinha por função preparar os estudantes para o ingresso nos
cursos superiores ministrados nas Universidades francesas. Dado as influências
europeias e jesuíticas sobre a concepção do Colégio Pedro II, como a Filosofia
passou a fazer parte de seu currículo?
Semelhante ao sistema francês, as nossas Faculdades possuíam os seus cur-
sos preparatórios. Estes eram ministrados nelas próprias como forma de seleção
daqueles que ali queriam ingressar. Dada devida proporção, os preparatórios equi-
valiam ao bacharelado francês. Neles ensinavam-se as línguas, com a centralidade
Pedro II e dos demais estabelecimentos que o tomam como modelo por força
de lei, caracteriza-se pelo que Goodson (1997) descreve como característica do
ensino secundário. Segundo ele, as disciplinas nesse nível de ensino passam por
momentos de contestações, fragmentações que a conduzem a mudanças. Instalam-
se conflitos que evidenciam as questões de poder decorrentes das relações entre
forças internas à própria disciplina e cursos e externas a ela que advém das esferas
sociais intervenientes sobre as propostas curriculares. Notamos esses padrões
goodsonianos em relação à Filosofia no Colégio Pedro II. Um exemplo disso é a
sua inserção na grade curricular do Colégio.
Entre os professores fundadores do Colégio, em 1837, estava José Domin-
gos de Magalhães, considerado pela maioria dos historiadores da Filosofia no
Brasil como o “primeiro filósofo” brasileiro. (??). Domingos de Magalhães é o
propositor do plano de curso da disciplina e, quando da fundação do estabeleci-
mento, nomeado por D. Pedro II o lente – catedrático – de Filosofia do Colégio.
Suas atividades de catedrático da disciplina se iniciaram em 1842, quando pro-
feriu o Discurso sobre o objeto e importância da filosofia. Porém, Domingos de
Magalhães não exerceu atividades docentes de fato. Segundo ??), suas atividades
docentes foram reduzidas somente ao ano de 1842. No ano seguinte, deixou a
cátedra para secretariar Duque de Caxias. A partir de então a disciplina ficaria sob
a responsabilidade de professores substitutos.
O episódio da saída de Domingos de Magalhães e da delegação aos pro-
fessores de Retórica, Poética, Literatura e Latim que o substituíssem, coincide
com o primeiro movimento de redução da cara horária da disciplina. A reforma
do currículo realizada em 1841, mas posta em prática somente a partir de 1843,
reduz de 20 horas-aula para 10 horas-aula. Outro fato marcante do período é o
desmembramento da disciplina em partes, ou subdivisões que se coadunassem
com o espírito científico que começava a contagiar a nação: no lugar de Filosofia
começaram a surgir estudos de História da Filosofia, Lógica, Teoria do Conheci-
mento (com o nome de Psicologia) etc. A partir de então, até 1889, se verifica dois
padrões em relação à disciplina Filosofia no currículo da escola secundária: um de
aproximação do seu conteúdo aos ideais cientificistas dos liberais e positivistas do
Império; outro de redução de sua carga horária no currículo conforme pode ser
visto no Quadro 1.
A reforma curricular de 1841 representou o início do processo de exclusão,
ou do movimento de intermitência, da Filosofia do currículo. Se nossa proposição
de que o afastamento de Gonçalves de Magalhães foi o elemento desencadeador,
podemos então inferir que a inserção da Filosofia nesse nível do ensino se deve a
dois fatores: a) preparatório para o ingresso nos cursos superiores; b) influência
política do filósofo – Gonçalves de Magalhães – sobre o legislador. A ausência de
um professor especialista no assunto e que tivesse certo poder político no âmbito
externo, aliado à visão propedêutica que se tinha em relação à Filosofia, parece
ter contribuído para o início do processo. Corrobora com esta tese o fato de que,
entre 1843 a 1855, os professores que ministraram a disciplinas o eram de fato
de professores de outras disciplinas. E, de 1856 a 1880, o professor que assume a
titularidade da cadeira de Filosofia, em substituição definitiva de Domingos de
Magalhães, havia sido o professor de Latim, o frade beneditino José Santa Maria
do Amaral.
O período de 1890 a 1915 representou o primeiro ato de extinção da disci-
plina Filosofia do secundário brasileiro. Esse fenômeno coincide com as reformas
levadas a cabo nos primeiros anos da República que dão ao ensino secundário um
caráter mais científico. Embora o debate entre o currículo humanista e o currículo
cientificista não se esgote nesse momento, há uma inclinação pelo segundo que se
consolidará na partir de 1964. Embora a exclusão da Filosofia ocorra a partir de
1890, as discussões em torno da importância da disciplina começaram em 1880,
com o ingresso de Silvio Romero no Colégio Pedro II. Crítico do Império, de seu
governo e de sua ideologia, Sílvio Romero se opunha ao ensino que era ministrado
na época, chamando-o de enciclopédico e anacrônico. Os programas da disciplina
Filosofia no período eram um retrato dessa característica.
Para Romero (1969), esse fato decorria da compreensão da filosofia como
uma ciência híbrida que, ao mesmo tempo, é uma síntese das ciências particulares.
Uma espécie de enciclopédia que reúne no seu seio um determinado número de
ciências “que hoje [1880] já se podem considerar inteiramente independentes, e
em parte, finalmente, o reduto impossível de alguns pretensiosos e enigmáticos
estudos, indevidamente elevados à categoria de filosofia.” (ROMERO, 1969, p.
675). Para ele, a Filosofia nesse novo contexto – científico e moderno – devia ser
Porém, foi a Lei n. o 5692, de agosto de 1971 – que fixa diretrizes e bases
para o ensino de 1o e 2o graus– (BRASIL, 1971)2 que definiu a completa ausência
da Filosofia dos currículos escolares do nível secundário, até o fim do regime
militar.
Segundo seu Art. 1o , o ensino, tanto de 1o como de 2o grau, tinham como
objetivo geral “proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvi-
mento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação
para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”. (BRASIL,
1971). Tendo em vista, então, a qualificação para o trabalho, a Lei n.o 5692/71,
previa em seu Art. 4o a organização dos currículos, tanto do ensino primário
como o secundário, atribuindo-lhes um “núcleo comum”, obrigatório em âmbito
nacional, e uma “parte diversificada”, que deveria atender às necessidades de
cada escola e/ou região.
As disciplinas que passaram a constituir o núcleo comum, fixadas pelo Con-
selho Federal de Educação foram “Comunicação e Expressão (língua portuguesa
e língua estrangeira moderna), Estudos Sociais (história, geografia e organização
social e política do Brasil) e Ciências (matemática e ciências físicas e biológicas).”
(CARTOLANO, 1985, p. 76).
Além desse núcleo comum, outras disciplinas foram fixadas como obriga-
tórias pelo Conselho Federal. Conforme o Art. 7o da Lei n.o 5692/71, eram elas:
Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de
Saúde; o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituiu-se disciplina dos
horários normais dos estabelecimentos de ensino de 1o e 2o graus. (BRASIL, 1971).
Apesar das condições adversas, do ponto de vista legal, a Filosofia poderia
ser integrada no currículo do secundário, como disciplina da parte diversificada;
porém, na prática isso se tornava quase impossível, devido aos muitos dispositivos
criados pelo governo federal que inviabilizavam a inclusão da Filosofia nesse nível
de ensino.
Mesmo não sendo possível, neste momento, garantir sua presença no
currículo do Ensino Médio das escolas públicas nacionais, sempre existiu alguma
forma de pressão para a inclusão da Filosofia no currículo. É nesse período que
é criada a Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas (SEAF), em 1975, como
resposta à retirada da Filosofia do currículo do secundário.
A SEAF nasceu devido à necessidade de se criar uma alternativa para a dis-
cussão de ideias, compartilhar estudos, etc., atividades inviabilizadas nos cursos
e departamentos de Filosofia das universidades por causa da grande vigilância
imposta pelo regime militar. A SEAF fazia parte de um movimento de protesto
contra a exclusão da Filosofia, movimento que reivindicava a volta da disciplina
ao currículo escolar. Esse movimento contou também com outras importantes
referências nacionais, tais como a Sociedade Brasileira de Cultura (CONVÍVIO); o
Conjunto de Pesquisa Filosófica (CONPEFIL); a Associação Brasileira de Filósofos
2 Com a Lei 5692, de 1971 o colegial passou a se denominar 2o grau, que deveria ter três ou
quatro séries anuais. O ginásio incorporou-se ao ensino de 1o grau, que deveria ter a duração
de 8 anos letivos.
5 Algumas considerações
A reinserção da Filosofia como disciplina obrigatória na Educação Básica,
no nível do Ensino Médio representa uma vitória das associações de filósofos
que lutaram para que isso ocorresse. Obra de um grupo de especialista, seu
retorno ainda é tímido: uma hora-aula nos três anos do ensino médio. Além
disso, há dificuldades na implantação da lei por parte alguns Estados. Há falta
de professores preparados. Mas são problemas que começam a ser equacionados
pela formação intensiva via Plataforma Freire e pela consolidação de um grupo
de sustentação, formados na sua maioria por filósofos com pós-graduação em
Educação, empenhado em dar subsídios para o filosofar no Ensino Médio.
Como vimos na nossa exposição histórica da disciplina, três problemas
ressaltam na condição de intermitência da Filosofia na escola brasileira: o pri-
meiro diz respeito à inadequação do conteúdo ao que se deve ensinar; o segundo
refere-se à ausência de um corpus academicus que reivindicasse politicamente a
inserção e a sustentasse como disciplina; o terceiro advém das políticas públicas
do governo. Para nós, destes três o segundo é central. Ao longo da história do
ensino secundário, ou de segundo grau ou médio, brasileiro é clara a ausência do
grupo de especialistas congregados em uma associação. A ausência desse grupo
contribuiu para o movimento de intermitência, porque não realizou um plano de
ação em torno da reinserção da mesma. Porque não criou condições adequadas de
adaptação do saber filosófico ao conteúdo programático necessário ao nível que
se pretendia ensiná-la.
Referências