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O MÉTODO DE EDUCAÇÃO CLÁSSICA E OS PARADIGMAS

DO MODELO EDUCACIONAL BRASILEIRO


Maurício Sérgio Ferreira Soares da Silva Júnior1
Ana Karine da Silva Sousa2
Silvailde de Souza Martins Rocha3

INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa analisar as razões que subjazem ao
processo de formação dos estudantes mediante uma análise do modelo
de ensino de linguagens do sistema educacional brasileiro, com base nos
conteúdos propostos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e
por outro, o modelo de Educação Clássica milenar como solução apon-
tada e que pode atenuar os principais problemas do processo de ensino
e aprendizagem.

Os problemas encontrados no contexto escolar brasileiro são


diversos. Entre os principais, estão: o desinteresse pela leitura, o analfa-
betismo funcional, o problema do método, e os baixos desempenho nas
disciplinas do campo das ciências exatas.

Estima-se que 30% dos homens, e 25% das mulheres brasileiras


que estão na faixa dos 15 e 64 anos, são analfabetos funcionais. Muitos
desses alunos ingressam nas universidades sem saber ler, e sequer expli-
car o conteúdo principal de um texto, ou interpretar o que lê4.

Mas, nem sempre foi assim. A educação já apresentou resulta-


1 Graduando de Licenciatura em Ciências Biológicas do Instituto Federal do Piauí (IFPI) - Cam-
pus Central, E-mail: mauriciobuther@gmail.com
2 Graduada em Licenciatura em Química da Universidade Federal do Piauí (UFPI) - E-mail:
anakarineufpi@gmail.com
3 Mestre em Políticas Públicas e Gestão da Educação Básica pela Universidade de Brasília (UNB),
Graduada em Pedagogia pela Faculdade Projeção. E-mail: silvailde_martins@hotmail.com
4 Indicador de Analfabetismo Funcional – INAF. Disponível em: INAFEstudosEspeciais_2016_
Letramento_e_Mundo_do_Trabalho.pdf

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dos. E propõe-se aqui revisitar o modelo de Educação Clássica que foi
responsável pela formação do ensino durante quase 25 séculos, momen-
to em que se observou um grande desenvolvimento na leitura, escrita,
e oratória. Durante esses séculos ela esteve presente entre os gregos, ro-
manos e cristãos, e foi responsável pela formação de grandes filósofos,
teólogos, cientistas, e matemáticos (ADLER, 2014). A Educação Clássi-
ca desenvolvia-se através do ensino das chamadas As Sete Artes Liberais.

As Artes Liberais constituíam o processo de formação clássica


e visavam à formação do caráter do indivíduo. Nelas, trabalhavam-se o
autodidatismo e a formação física e intelectual da criança em uma pers-
pectiva progressiva e gradual, e desenvolviam-se em etapas contínuas.
Após a superação com êxito, prosseguia-se à fase posterior.

As Artes Liberais dividiam-se em duas etapas. Na primeira eta-


pa, O Trivium, constituía-se das fases da gramática, lógica e retórica,
conhecidas como a arte da linguagem (BLUEDORN, 2016).

Em cada fase trabalha-se de acordo com a idade específica da


criança. Na infância, período em que esta absorve mais informações, es-
tudava-se a gramática. Nesta fase investia-se muito na leitura, na escrita
e no cálculo, e a criança era inserida no ambiente literário, no mundo
dos grandes filósofos. Em seguida, no momento em que a criança come-
çava a questionar, passava-se à fase da lógica. E, por último, a retórica,
momento de desenvolvimento da capacidade de expressão, e o adoles-
cente se tornava capaz de apresentar com habilidade o que ele aprendeu
e raciocinou (BLUEDORN, 2016).

Joseph (2008), ao descrever sobre cada fase do Trivium, define


a lógica como a arte de pensar; a gramática como a arte de inventar
símbolos e combiná-los para expressar pensamento; e a retórica, como

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a arte de comunicar pensamentos de uma mente a outra, ou de adaptar
a linguagem à circunstância.

A segunda etapa classificada pelas Artes Liberais denomina-


va-se, O Quadrivium. Nessa etapa desenvolviam-se os conteúdos mais
avançados da aritmética, geometria, astronomia e música.

O Trivium e o Quadrivium constituíam o ensino das escolas cate-


drais a cargo dos escolásticos e que se destinava principalmente à forma-
ção dos clérigos. Mas esta modalidade de ensino também se estendia às
escolas externas mantidas pela igreja. Com a fundação das universidades,
o ensino das escolas catedrais sofreu um declínio (LUZURIAGA, 1978).

Objetivos Gerais
Analisar o modelo de ensino educacional brasileiro de lingua-
gens fundamentais e descrever sobre as ferramentas e recursos do Tri-
vium considerando as dificuldades do sistema educacional em dialogar
com métodos diferentes dos modelos modernos.

Objetivos Específicos
Discutir sobre as deficiências do modelo de ensino contempo-
râneo e os resultados derivados da formação de alunos.

Analisar o modelo de ensino de linguagens fundamentais pau-


tado na Base Nacional Comum Curricular e seus elementos.

Descrever o processo constituinte do Trivium (Gramática, Ló-


gica e a Retórica) em contraste com o ensino atual de linguagens fun-
damentais.

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Fundamentação Teórica

Origem da Educação Clássica


A educação clássica no sentido mais restrito e histórico advém
dos gregos antigos, porém com raízes hebraicas. O interesse dos gregos
pela aquisição do conhecimento e da lógica se justifica pelo elevado va-
lor à formação de homens virtuosos e pensadores úteis para sociedade,
além de excelentes oradores, e propagadores de ideias, para assim for-
mar uma educação que permeou por séculos através das bases e experi-
ências que atribuem à educação clássica, não só como um modelo, mas
como uma arte que se prontifica no Trivium e Quadrivium, visto que o
trabalho se organiza na estrutura do Trivium para ordenar a efetividade
no ensino e seus elementos.

Sabemos que todo respaldo educacional do passado não só dei-


xa resquícios no modo de aprender a ensinar, mas faz parte de todo con-
teúdo constituído historicamente na educação, um exemplo é a compo-
sição epistemológica das ciências como diz Marshall McLuhan (2012),
sobre a citação exemplar de Arnold (1911);

Os estóicos se empenhavam para transformar os


mitos em símbolos de verdades científicas e o rito
num incentivo à vida honesta. Essa interpretação
era basicamente física, os deuses representam,
respectivamente, os corpos celestes, os elemen-
tos, as plantas, os amores divinos representam o
trabalho contínuo das grandes forças criadoras da
natureza. Em menor escala, explicações também
são encontradas na sociedade e na história. Essas
interpretações encontram um forte respaldo nas
etimologias (...). (apud MCLUHAN, 2012, p. 39)

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Essa relação que Arnold apresenta como forte respaldo nas eti-
mologias é claramente fonte de termos científicos, como por exemplo,
as máximas biológicas, conceitos literários, proposições musicais, ge-
ográficas, matemáticas. Todos estes conceitos advêm de um conheci-
mento da Antiguidade que se afixou com o tempo, e se aprimorou du-
rante a Idade Média onde a mesma foi resgatada, e oscilou nos modelos
Renascentistas. Foi no decorrer das aplicações que tais modelos foram
tornando-se irrelevantes e vistos como inúteis na Modernidade.

Essa relação da linguagem com o desenvolvimento pleno das


habilidades educacionais em ciências está relacionada diretamente ao
modo que o conhecimento linguístico é aprendido. Marshall McLuhan
apresenta implicações e detalhes, de que a gramática (antiga) e a ciência
eram originalmente inseparáveis, e que segundo a doutrina do Logos
universal, advinda dos analogistas antigos - e permeada durante a Ida-
de Média nos numerosos trabalhos de gramática especulativa escritos
pelos dialéticos -, deu-se continuidade à tradição que vai de Francis Ba-
con, Thomas Urquhart e os platônicos de Cambridge à James Harris,
sem falar de Condillac, Comte e, hoje, do conde Korzybski e da escola
de enciclopedistas da Universidade de Chicago (MCLUHAN, 2012).

Esse campo amplo e inexplorado, proposto por McLuhan, das


origens da gramática e seu vínculo natural por meio da linguagem como
expressão e analogia do Logos é uma clara análise de que esse campo
linguístico não é de modo algum divisível para ser estudado sem funda-
mentos multidisciplinares. (IBIDEM, 2012).

Implicações Científicas e Sociais


Isso implica claramente nas camadas sociais que se apresentam
como reflexo do ensino abordado durante toda a história da humanida-

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de, seja ela um meio de utilização de uma educação autocrática, ou ela
por meio de um ensino “libertador”, Mcluhan (2012) vai dizer que até
o século XII a gramática e as artes da lógica e retórica reinavam como
a principal forma de ciência, mostrando que os estudiosos do período
clássico se mostravam indiferentes ao extraordinário papel desempe-
nhado pela gramática clássica na ciência e na tecnologia do medievo,
mostrando-se confusos, portando, acerca da natureza do Renascimento.
Também ressalta o estudo de Abrey Gwynn (1926) que fala

O tipo de educação que Quintiliano descreve em


suas Institutio Oratoria permaneceu por séculos
como a única forma de instrução conhecida no
mundo greco-romano. Os homens pobres conti-
nuavam a enviar seus filhos para as escolas primá-
rias do ludi magister e do calculator; no entanto, as
classes mais ricas, prósperas e profissionais man-
davam os meninos para as escolas de literatura e
retórica, contentando-se com as “artes liberais” da
egkuklios paideia. (...) Da época de Sócrates à que-
da do Império Romano, não havia outra forma de
educação conhecida na Europa; assim, quando a
Igreja se tornou a herdeira da civilização greco-ro-
mana, ela utilizou as Artes Liberais como estrutura
adequada para nova educação cristã praticada em
suas escolas. (apud MCLUHAN, 2012, p. 44)

Essa questão esclarece o fato de que o ensino no medievo não


se deu universalmente para todas as camadas sociais, porém, aquela ca-
mada que teve êxito com o ensino das “Artes Liberais”, foi extremamente
necessária para o crescimento científico.

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McLuhan (2012) argumenta que não somente a estrutura do
Trivium obteve um desenvolvimento essencial para a formação de gran-
des cientistas, gênios, polímatas, e tecnólogos, que se precedem até o
Renascimento (onde ainda se tinha a Educação Clássica) e que poste-
riormente foi se perdendo, mas, também a veemência de que as Artes
Liberais são inerentes ao aprendizado complexo das ciências, e a presen-
ça dos Gramáticos em todas as camadas do ensino.

McLuhan enfatiza que os Grandes gramáticos também são, “por


razões que esclarecemos, grandes alquimistas (IBIDEM, 2012, p. 31).
Assim, o autor descreve que “Durante a enarratio, ou comentário, era o
gramático que devia oferecer oferecer instruções gerais sobre todas as
artes: agricultura, medicina, arquitetura, história, retórica, lógica, músi-
ca, astronomia, geometria, etc. (IBIDEM, 2012, p. 45)

Além disso, “a filosofia derivativa e quase todas as histórias fi-


losóficas são elaboradas por gramáticos.” (IBIDEM, 2012, p. 57) “Dessa
forma, a instrução em assuntos gerais era adquirida nas circunstâncias
da exegese literária” (LABRIOLLE, 1925, p. 6), o que gerava um profun-
do conhecimento dessas áreas. McLuhan vai explanar a frase de Quinti-
liano “O pupilo perceberá a complexidade do tema, uma complexidade
que se destina não apenas à acuição da inteligência dos meninos, mas
até mesmo ao exercício do mais profundo conhecimento e erudição.”5
(apud MCLUHAN, 2012, p. 45, 46)

Vale ressaltar que a ligação da gramática com as ciências na-


turais, em especial a matemática, em questões como dependência da
leitura e interpretação, é retratada até por autores recentes como (SI-
QUEIRA, BEZERRA, GUAZZELLI, 2010).

5 Institutio Oratoria, i, p. 4-6. Ver também II, i, 4-7.

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Passando assim portanto por diversos aspectos temporais, des-
de os primeiros séculos até a Idade Média as Artes Liberais tornaram-se
alvo de elogios e análises profundas de diversos educadores, McLuhan
(2012) cita George G. Leckie (1938) do prefácio ao De Magistro de Santo
Agostinho6;

As artes naturais dizem respeito a essas mudanças


ordenadamente repetitivas da natureza. Esses são
sinais velados ou vestigiais. A tarefa das artes libe-
rais é traduzi-los em signos simples e em fórmulas
desses signos, ou seja, em símbolos estáveis e lu-
minosos do pensamento. (...) Por meio das artes
liberais, as coisas manejadas pelo homem exterior
são formuladas pelo homem interior, com a ajuda
da reflexão analítica orientada para a verdade e re-
gulada pelos caminhos formais da linguagem e da
matemática. (apud MCLUHAN, 2012, p. 49)

A Educação Clássica e suas Ferramentas


O historiador e pedagogo Luzuriaga (1978) atribui aos gregos e
romanos a origem da educação clássica. Mais especificamente entre os
séculos X a. C e V da era cristã, aproximadamente quinze séculos. Come-
ça com a civilização ocidental e tem, sobretudo, caráter humano e cívico.

Mas, a cultura clássica sofreu um declínio com a irrupção dos


bárbaros, germânicos, no Império Romano, no século V. Assim, o mun-
do ocidental entrou em um período chamado pelos ingleses de “idade
escura” sobrevivendo apenas as escolas cristãs primitivas que mais tarde
6 G. G. Leckie, prefácio ao De Magistro, de Santo Agostinho, p. XXVII. Para mais informações
sobre Santo Agostinho e os quatro níveis, ver seu De Utilitae Credendi, 3, 5; Migne, P. L. Vol 42,
Col. 48.

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se tornaram centros de cultura e educação. Neles se desenvolviam eleva-
do aspecto moral e espiritual. Surgem então as escolas catedrais onde se
aplicava o Trivium e o Quadrivium. (LUZURIAGA, 1978)

As fases do Trivium a gramática, lógica e retórica, é descrita por


Sayers (1947) em três estágios, o primeiro é o estágio do ‘‘Papagaio’’, e
segundo é o ‘‘Arrojado’’ e o terceiro o ‘‘Poético’’, a autora destaca que
esses estágios estão presentes no processo de desenvolvimento em cada
etapa da vida das crianças.

O estágio do papagaio corresponde à fase da gramática, e ocor-


re nos primeiros anos de vida, momento em que as crianças possuem
maior prazer em memorizar palavras, orações ou até mesmo textos; re-
citar poesias, e aprende com mais facilidade outros idiomas. Nessa fase
é estudada a gramática de todas as disciplinas (SAYERS, 1947)

Na história, aplicar a gramática é apreender sobre datas, even-


tos, reis, batalhas, guerras, e tudo isso na respectiva linha do tempo his-
tórico, para que possa produzir sentido, significado, e posteriormente,
lógica. Na geografia, podem ser ensinados os nomes dos continentes,
países, mapas, localização geográfica, climas, nome de países e capi-
tais, características naturais como fauna e flora. Na matemática, esse é
o momento certo para aprender as quatro operações, adição, subtra-
ção, multiplicação e divisão, figuras geométricas. Na ciência pode-se
ensinar nome dos animais, plantas, e outros conhecimentos práticos. A
fase da Gramática compreende entre crianças com a idade de 5-11 anos
(SAYERS, 1947).

O estágio arrojado corresponde à segunda fase, e é conhecida


como Fase da Lógica ou Dialética. Nela, a criança possui uma maior
capacidade de raciocínio. Wilson (2017) descreve que o ensino da lógica

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visa capacitar os estudantes a distinguir a estrutura de um argumento
a seu conteúdo. Este autor relata que nessa fase a criança já consegue
identificar a validade de um argumento.

Bluedorn (2016), também ressalta que por meio da lógica, um


aluno aprendia a dominar declarações, definições, argumentos e falácias.
Nesse estágio é possível relacionar conteúdos de diversas áreas do conhe-
cimento, pois ela está presente na matemática, física, química, biologia,
geografia, história etc. Aqui também é trabalhada a interdisciplinaridade
entre as disciplinas. Estão nessa fase crianças entre 12-14 anos.

O terceiro estágio é o poético, mais conhecido como a fase da


retórica, considerada a fase mais difícil. Para alcançar essa fase é neces-
sário ter um bom domínio das duas primeiras. Nesta, o indivíduo irá
aplicar tudo que ele aprendeu nas duas fases anteriores, e irão expressar
o que eles aprenderam com coesão e coerência. Aqui é trabalhado o dis-
curso criativo e persuasivo, a fase da retórica ocorre entre os 14-16 anos
(BLUEDORN, 2016).

Tratando sobre a interdisciplinaridade, na fase da retórica,


Sayers (1947) descreve:

Neste estágio, a nossa dificuldade será manter as


matérias separadas; pois a Dialética terá mostrado
serem todos os ramos do aprendizado interrela-
cionados, então a Retórica tenderá a mostrar que
todo o conhecimento é um (SAYERS, 1947, p.14.
Tradução de Felipe Sabino).

A fase da retórica é muitas vezes descrita por educadores com


termos pejorativos, por lembrar os sofistas e políticos que utilizam essa

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metodologia para uma má aplicação. Todavia, ao analisar a raiz epis-
temológica da palavra ‘‘a arte da oratória, ou habilidades de falar em
público’’, observa-se que sua origem está intrinsecamente ligada ao dis-
curso, e debates que visam à utilização da dialética (BLUEDORN, 2016)
e (WILSON, 2017).

Embora existam três fases distintas no Trivium, em que cada


uma é desenvolvida em momentos diferentes, elas não podem ser disso-
ciadas, visto que seu êxito estaria comprometido, e por sua vez, a teoria,
a lógica e a argumentação. O que é proposto nas Artes Liberais, é que
esses estudos sejam feitos com maior intensidade em determinados mo-
mentos da vida das crianças.

Bauer (2015), se referindo a Francis Bacon quando comparou


a leitura de um livro a uma degustação, fez o mesmo comparativo ao
falar sobre a aprendizagem na Educação Clássica, resumiu-a da seguinte
forma: “degustar é adquirir conhecimento sobre um assunto; engolir é
submeter o conhecimento a uma apreciação, análise e avaliação; e por
último, digerir, ou seja, acomodar o conhecimento de acordo com a sua
compreensão” (BAUER, 2015).

A autora conclui ressaltando que ensinar a avaliar a informação


é um dos pilares básicos da formação clássica. Treinar a criança para
exercer o julgamento sobre um conteúdo é aplicar a lógica e o pensa-
mento crítico. Avaliar se a informação está correta é submetê-la à cone-
xão entre causa-efeito, eventos históricos, fenômenos científicos e seus
significados. A Educação clássica então se resume em aprender fatos,
analisá-los e expressar suas opiniões sobre eles (BAUER, 2015).

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Anais - I Encontro de História da Educação do Meio Norte do Brasil
A Educação Moderna
A educação moderna tem se revelado defeituosa em absoluta-
mente todas as áreas do conhecimento. Isso pode ser verificado fazendo
apenas uma análise superficial dos modelos educacionais encontrados.
O casal Bluedorn (2016), faz uma excelente observação sobre a triviali-
dade presente na educação moderna.

A educação moderna ensina um grande número


de matérias, mas não ensina as crianças a dominar
habilidades de compreender, raciocinar, e comu-
nicar-se, ou seja, o trivium. Já a educação clássica
se concentra em sentido primário no aprendizado
das três habilidades do trivium, enquanto pratica-
va as habilidades do trivium em várias matérias. O
aluno de hoje recebe muitas matérias mastigadas,
mas nunca é ensinado a aprender. O aluno anti-
go aprendia no início a aprender, depois aplicava
a habilidade de aprender a muitas coisas. (...) O
trivium é uma forma de autodidatismo que dura
a vida toda. A educação moderna é um aprendi-
zado árduo que dura a vida toda, ou poderíamos
dizer, um aprendizado servil que dura a vida toda.
(BLUEDORN, 2016, p.92).

A ineficácia do ensino de gramática na educação moderna é


muito bem descrita por Buin (2004), no seu artigo A gramática a serviço
do desenvolvimento da escrita, onde descreve que boa parte dos alunos
terminam o ensino médio com dificuldades de escrita e sem compre-
ensão da língua portuguesa, sem o domínio das normas gramaticais. A
autora relata que isso é resultado da falta de metodologias consistentes,

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Anais - I Encontro de História da Educação do Meio Norte do Brasil
que contribuem para um bom desenvolvimento do estudo da gramática
e interpretação de texto. Para a autora, a solução é a interação entres as
teorias gramaticais e a prática.

As sequelas do fracasso escolar são descritas por Semeghini-Si-


queira (2010), no artigo Estágio supervisionado e práticas de oralidade,
leitura e escrita no ensino fundamental. Dentre os muitos problemas que
estão presentes na educação contemporânea, os autores citam o baixo
grau de letramento, e o péssimo desenvolvimento dos alunos na escrita,
leitura e oralidade. Os autores destacam ainda, que o mau desempenho
dos alunos na área de linguagem, compromete o seu rendimento em
todas as áreas do conhecimento, inclusive na matemática.

Metodologia
Para a realização deste trabalho utilizou-se livros e artigos cien-
tíficos que descrevem o papel da Educação Clássica ao longo da histó-
ria, identificando suas origens, implicações científicas, sociais e as ferra-
mentas educacionais.

Também se utilizou de fontes que relatam os problemas encon-


trados na educação moderna. Por fim, fez-se uma análise do modelo
educacional brasileiro de linguagens fundamentais, que é baseado no
BNCC, verificando os seus reflexos no ensino escolar, em comparação
com a metodologia utilizada na Educação Clássica.

Resultados e Discussão
Os índices que afligem a educação brasileira há tempos somam-se
a um conjunto de outros problemas, tais como: questões sociais, culturais,
políticas e econômicas. Essa discrepância foi analisada de modo especí-

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Anais - I Encontro de História da Educação do Meio Norte do Brasil
fico na deficiência do modelo e ensino linguagens, que se baseia na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), que assim descreve para a etapa
do ensino fundamental, no item 4.1 que trata da Área de Linguagens:

Se a linguagem é comunicação, pressupõe intera-


ção entre as pessoas que participam do ato comu-
nicativo com e pela linguagem. Cada ato de lin-
guagem não é uma criação em si, mas está inscrito
em um sistema semiótico de sentidos múltiplos
e, ao mesmo tempo, em um processo discursivo.
Como resultado dessas relações, assume-se que é
pela e com a linguagem que o homem se constitui
sujeito social (“ser” mediado socialmente pela lin-
guagem) e por ela e com ela interage consigo mes-
mo e com os outros (“ser-saber-fazer” pela/ com
a linguagem). Nesse “ser-saber-fazer” estão imbri-
cados valores sensitivos, cognitivos, pragmáticos,
culturais, morais e éticos constitutivos do sujeito e
da sociedade (BNCC, 2017, p. 59).

A base compreende que esse sistema de ensino está intimamen-


te relacionado aos fatores de ordem moral, cultural e valores sensitivos.
Porém, o ensino de linguagens - que tentam imputar todos esses fatores,
e o modelo de habilidade e competências da base curricular -, demons-
tram clara deficiência em aliar conceitos antigos de lógica e retórica com
o conteúdo a ser transposto na escola. Isto posto, tanto porque esses
conceitos de educação clássica foram esquecidos com o passar dos anos,
como também por serem taxados como “retrógrados”.

Todavia, sabe-se que as diversas dificuldades enfrentadas na

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educação de linguagens estão ligadas ao desenvolvimento em outras
áreas. São numerosos os linguistas que criticam o modelo de ensino de
linguagens em geral. O trabalho de Buin (2004, p.158), reforça a ineficá-
cia do sistema ensino de português, aponta incoerências, e insiste que os
objetivos da gramática tradicional estão colocados erroneamente.

Perini (2000) recomenda que a gramática deve ser estudada


para saber mais sobre o mundo, e não para aplicá-la à solução de pro-
blemas práticos como ler ou escrever melhor (apud BUIN, 2004, p. 158).
Apesar desta autora demonstrar soluções com novas metodologias con-
textualizadas, tais poderiam encaixar nas artes liberais, pois no Trivium
essa matéria não é dissociada da lógica e a retórica.

As habilidades desenvolvidas com o Trivium vão ajudar nas ma-


térias posteriores e na formação do aluno, não como um depósito de
conteúdos mastigados para os testes futuros que decidiram sua função
social, e sim um estudante que obtenha conhecimentos básicos eficien-
tes, que o capacite a prosseguir e desenvolver ciência de modo multidis-
ciplinar e inerente à realidade dos conteúdos. Há íntima ligação entre
Educação Clássica e o desenvolvimento científico e social.

O fracasso da escolar não é algo difícil de ser identificado nas


literaturas e na vida prática de uma sociedade. Basta observar os parâ-
metros educacionais que a educação está fundamentada. Esse problema
vem sendo verificado e debatido por educadores ao longo dos séculos.
As metodologias sugeridas para a solução também são comuns. Todavia,
a aplicação desses métodos educacionais tem falhado, e quase sempre
se retorna aos problemas iniciais. A falta de uma base fundamental no
ensino é semelhante à construção de um edifício sem nenhum alicerce.

O ensino clássico descreve que não haverá um progresso no en-

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Anais - I Encontro de História da Educação do Meio Norte do Brasil
sino, enquanto a educação não estiver alicerçada sobre os fundamentos
da gramática: conhecimento, entendimento e sabedoria, respectiva-
mente correspondentes à gramática, lógica e retórica.

Dentro desse espectro de discussão acerca da formação dos


alunos ainda existe resquícios da educação clássica em nossos dias, por
mais que elas tenham sido dilaceradas e taxadas como tradicionais de-
mais para a modernidade. Isso fica bem explanado em As ferramentas
perdidas da educação em uma versão comentada:

Por mais sólidas que sejam as raízes de uma tra-


dição, se ela não for nunca regada com água fres-
ca, ela morre, e morre mesmo. Hoje em dia um
grande número - talvez a maioria - dos homens
e mulheres, formadores de opinião, que escrevem
nossos livros e nossos jornais, que conduzem nos-
sas pesquisas, que atuam em nossas peças teatrais
e nossos filmes, que nos falam das plataformas e
dos púlpitos - sim, e que educam nossos jovens
- têm uma lembrança, ainda que vaga, de ter ex-
perimentado a disciplina no sentido escolástico
[original]. É cada vez mais raro ver as crianças tra-
zerem qualquer traço daquela tradição para a sua
formação. Dispensamos as ferramentas de estudo
da educação - o machado e a cunha, o martelo e a
serra, o cinzel e a plaina - que eram tão aplicáveis a
todo o tipo de tarefa. Em seu lugar, não nos restou
nada mais do que um conjunto de gabaritos com-
plicados, cada qual servindo para uma única prova
e nada mais; nem o olho nem a mão recebem qual-

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quer preparação para o uso [dessas ferramentas],
de modo que ninguém consegue mais enxergar
o trabalho como um todo ou ter a visão da “obra
acabada” (GREGGERSEN, 2011, p. 140-141).

GREGGERSEN (2011) define como “estupidez” o fato de uma


civilização se esquecer das suas próprias raízes. Segundo o autor, é este
fato que força a escorar o peso de uma estrutura educacional cambale-
ante, construída sobre a areia. “Estão realizando por seus alunos o tra-
balho que eles próprios deviam fazer por si mesmos. Porque o único e
verdadeiro fim da educação é este: ensinar os homens como educar-se
por si mesmos; e qualquer forma de instrução que falhe em fazê-lo, será
esforço desperdiçado e vão” (GREGGERSEN, 2011, p. 140-141).

Isso provoca à reflexão sobre como e porque se deve analisar


profundamente como nossos modelos educacionais são reformados e
alterados no decorrer da história. Nenhuma mudança que ignore ferra-
mentas básicas produzirá significados e resultado.

Conclusão
O moderno ensino de linguagens não tem alcançado êxitos nas
metas de desenvolvimento de capacidade expressivas e discursiva. Há
uma fragmentação das respectivas matérias e ideia de separação entre
estas, além de uma ruptura na formação dos estudantes, onde as ferra-
mentas apresentadas (gramática, lógica e retórica) não incorporam de
maneira eficaz, não dialogam entre si.

Como contraponto, as artes liberais possuem aparatos para de-


senvolver tais habilidades para melhor aprimoramento do aluno e das
capacidades que exigem multifunções cognitivas. Elas trabalham me-

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lhor o ensino de linguagens e inter-relação, uma vez que a gramática
apresenta uma rede complexa de competências discursivas e expressivas
do ser humano.

Conclui-se afirmando que um modelo de ensino clássico que se


solidificou durante quase 25 séculos e ofereceu grandes contribuições
ao ocidente não pode ser simplesmente ignorada como artifício para o
ensino moderno, mas deve ser investigada, resgatada para o bom êxito
daqueles que almejam uma educação de qualidade, de fato.

REFERÊNCIAS
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