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1 CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro

FICHA TÉCNICA

Título do projeto:
Roubo, proteção patrimonial
e letalidade no Rio de Janeiro

Instituição proponente:
Cidade & Conflito
NECVU/IFCS/UFRJ
GENI/UFF

Autores:
Daniel Veloso Hirata
Equipe:
Carolina Christoph Grillo
Alanna Itajahy Mainente
Artur Ramon Ozorio de Souza
Pesquisadores:
Barbara Gomes d’Ascenção
Renato Dirk
Beatriz Trindade Dantas
Lucas Roberto
Camila Vaz Neto Ferreira Correia
Pedro Aguiar (Graphisme)
Fabian Luiz Gomes da Silva
Fernanda de Gobbi
Revisão
Fernanda Halegua Gonzalez
Marilene de Paula
Gabriela Hafner Soares
Gustavo de Queiroz Mesquita Farias
Projeto gráfico e diagramação: Gustavo Junqueira Costa Maia
Beto Paixão Heloisa de Oliveira Duarte
fb.com/bpstudiodesign Isabela Meira Aleixo
betopaixao.jf@gmail.com Julia de Menezes Sampaio
Liege Rodrigues Lemos da Silva
Fundação Heinrich Böll Lucas Vinícius Albuquerque Pípolos
Rua da Glória, 190/701 – Glória Maria Eduarda Ferreira José
Rio de Janeiro - RJ – Brasil Mariana Gondim Coelho
CEP 20.241-180 Mila Henriques Lo-Bianco
+55 21 3221 9900 Millena Juliette Teles Moraes Ventura
info@br.boell.org Nathalia Gomes da Costa
www.br.boell.org Rafaela Vasconcelos da Silva
Renata Montes Alves

Parceiro:
Licença CC BY-NC-AS 4.0 Fogo Cruzado – RJ

H668r
Hirata, Daniel Veloso
Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro.
Daniel Veloso Hirata, Carolina Christoph Grillo, coordenadores.
Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2019.
75 p.

ISBN 978-85-62669-34-7

1. Roubo – Rio de Janeiro. 2. Patrimônio – Proteção – Rio de Janeiro.


I. Hirata, Daniel Veloso, coord. II. Grillo, Carolina Christoph, coord. III. Título.

CDD 364.98153
LISTAS

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 21 – Porcentagem de operações patrimo-


niais com mortos e feridos (civis e policiais) e cha-
cinas (RMRJ, 2007-2018)
Gráfico 1 - Prisões por tipo penal (Estado do Rio
de Janeiro – 2014) Gráfico 22 – Total de operações provenientes de
jornais, Twitter e em conjunto de jornais com Twit-
Gráfico 2 - Números absolutos de roubo de veícu-
ter (RMRJ, 2007 a 2018)
los (Estado do Rio de janeiro, 1991-2018)
Gráfico 3 - Números absolutos de roubo a tran-
seunte (Estado do Rio de Janeiro, 1991-2018) LISTA DE MAPAS

Gráfico 4 - Números absolutos de roubo de cargas


(Estado do Rio de Janeiro, 1991-2018) Mapa 1 – Total de operações policiais por municí-
Gráfico 5 - Taxa de Roubo de Cargas (Brasil, Rio pio (RMRJ, 2007-2018)
de Janeiro, São Paulo 2007-2018) Mapa 2 - Total de operações policiais por bairro
Gráfico 6 - Porcentagem de roubo de cargas por (Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)
RISP (Estado do Rio de Janeiro, 2007-2018) Mapa 3 – Principal motivação das operações por
Gráfico 7 - Taxa de Desocupação (Brasil, Rio de município (RMRJ, 2007-2018)
Janeiro, 2012-2018) Mapa 4 – Principal motivação das operações por
Gráfico 8 - Percentual de rendimentos per capita bairro (Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)
até de salário mínimo (Estado do Rio de Janeiro, Mapa 5 - Operações com apreensões por municí-
2012-2017) pio (RMRJ, 2007-2018)
Gráfico 9 - GINI per capita do rendimento domici- Mapa 6 - Operações com apreensões por bairro
liar (Estado do Rio de Janeiro, 2012-2018) (Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)
Gráfico 10 - Índice de preços ao consumidor geral Mapa 7 – Mortos em operações por município
e categoria alimentos e bebidas (Estado do Rio de (RMRJ, 2007-2018)
Janeiro, 2012-2018) Mapa 8 - Mortos em operações por bairro (Cidade
Gráfico 11 - Peso de diferentes grupos na cesta do Rio de Janeiro, 2007-2018)
de produtos e serviços (Estado do Rio de Janeiro, Mapa 9 - Operações com motivação patrimonial
2012-2018) por município (RMRJ, 2007-2018)
Gráfico 12 – Números absolutos de operações Mapa 10 - Operações com motivação patrimonial
(RMRJ, 2007-2018) por bairro (Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)
Gráfico 13 - Porcentagem das motivações válidas Mapa 11 - Tipos de apreensão em operações patri-
em operações (RMRJ, 2007-2018) moniais por município (RMRJ, 2007-2018)
Gráfico 14 - Motivações válidas das operações por Mapa 12 - Tipos de apreensão em operações pa-
ano (RMRJ, 2007-2018) trimoniais por bairro (Cidade do Rio de Janeiro,
Gráfico 15 - Porcentagem de participação das ins- 2007-2018)
tituições em operações (RMRJ, 2007-2018)
Gráfico 16 - Porcentagem de participação das di- LISTA DE TABELAS
visões em operações (RMRJ, 10 principais divisões,
2007-2018) Tabela 1 - Correlação de indicadores criminais e so-
Gráfico 17 - Porcentagem de operações com cioeconômicos (Estado do Rio de Janeiro, 2012-2018)
apreensões por tipo (RMRJ, 2007-2018) Tabela 2 - Porcentagem de operações com
Gráfico 18 - Número de mortos e feridos (civis e po- apreensões por motivação (RMRJ, 2007-2018)
liciais) e chacinas em operações (RMRJ, 2007-2018) Tabela 3 - Porcentagem de operações com mortos,
Gráfico 19 - Porcentagem das motivações patri- feridos e chacinas por motivação (RMRJ, 2007-2018)
moniais do total de operações (RMRJ, 2007-2018) Tabela 4 – Ocorrência de mortos, feridos e dispa-
Gráfico 20 - Porcentagem de tipos de apreensão ros de armas de fogo em operações patrimoniais
em operações patrimoniais (RMRJ, 2007-2018) (RMRJ, 2007-2018)
PREFÁCIO

Muito já se tem falado sobre o tema da violência no Rio de


Janeiro. E sim, a violência é um problema nessa cidade e sua
região metropolitana, um problema grave. No final de 2019,
nos encontramos frente a um paradoxo: as notícias contavam
que o número de mortes por homicídio finalmente caiu na
cidade, mas ao mesmo tempo que nunca antes a polícia teria
matado tantas pessoas em um ano. Foram 1.546 pessoas de
janeiro a outubro de 2019 e ainda faltam ser contabilizados
os dois últimos meses do ano, quando lançamos essa publi-
cação. Entre esses mortos se encontravam crianças e muitas
pessoas que não tinham nenhuma relação com o mundo do
crime ou da violência. Eram pessoas que estavam no momen-
to errado, no lugar errado. Importante ressaltar também que
matar pessoas envolvidas com o crime nunca será a solução.
Os altos números de mortes decorrentes de ações policiais
nos bairros populares mostram que a polícia do Rio de Ja-
neiro em 2019 declarou uma guerra aberta aos pobres, não
somente aos criminosos.
Mas esses números de pessoas mortas pela polícia, são só um
aspecto visível de uma política de segurança que não prioriza
o bem-estar de todas as moradoras e de todos os moradores
da cidade do Rio e da região metropolitana. A guerra aos
pobres e a utilização das palavras pobre e criminoso quase
como sinônimos, já é mais velha que esse governo. Os tem-
pos e os programas que optaram por outros caminhos, que
tentaram diminuir a violência na cidade com programas pre-
ventivos e a construção de alternativas, têm sido curtos e
poucos efetivos.
Além das mortes, a partir de 2017 a cidade sofreu com um
outro fenômeno de violência: foram roubados caminhões de
carga, entrando na cidade, em números antes desconheci-
dos. Foi declarada uma emergência de segurança pública,
mas não era tão fácil enfrentar o assunto. A imprensa falou
muito sobre os roubos, mas não se detectava uma linha cla-
ra. Foi roubado de tudo, sempre com a mesma metodologia:
os caminhões foram sequestrados, levados para um bairro
pobre, de pouco ou sem acesso para a polícia, esvaziados e
pronto. As estruturas de distribuição e comercialização pare-
ciam improvisadas, mas eficientes.
Nos bairros do centro nos surpreendíamos às vezes com cer-
tas ofertas não tão comuns no comércio de rua, como tone-
ladas de ovos baratos ou livros de fotos da cidade. Não tenho
certeza, se as nossas suspeitas eram acertadas, mas...
Depois de poucos meses o assunto virou prioridade na políti-
ca de segurança. E foi um dos poucos pontos exitosos da in-
tervenção militar que foi declarada no Rio depois do carnaval
de 2018. A intervenção se dava nos bairros pobres. O número
de mortos que já não era baixo com a intervenção, subiu.
A publicação Roubos, proteção patrimonial e letalidade no
Rio de Janeiro de Daniel Hirata e Carolina Grillo parte dessa
inquietação em relação aos roubos de carga e as operações
policiais no Rio de Janeiro. Se, como vemos, realmente na
política de segurança a propriedade prevalece ante a vida,
então essa política é para quem? Quem tem o poder no país,
na cidade para determinar o que e quem vale proteger?
Encontramos respostas diferenciadas e interessantes no es-
tudo que aqui apresentamos. E achamos que assim se coloca
mais um pedaço no grande quebra-cabeça de quem de fato
tem o poder nesse país.

Annette von Schönfeld


Diretora Fundação Heinrich Böll – Rio de Janeiro

Marilene de Paula
Coordenadora de Programas
Fundação Heinrich Böll - Rio de Janeiro
SUMÁRIO

Introdução 7

1. Crime e Crise 11
1.1 O aumento dos crimes patrimoniais
e o roubo de cargas 11
1.2 Crise socioeconômica: desocupação,
pobreza e poder de compra 16
1.3 Relações entre crimes patrimoniais
e crise socioeconômica 19
1.4 Transformações nas dinâmicas
dos mercados criminais no contexto da crise 25

2. O direcionamento do uso da força do Estado 28


2.1 A pressão das entidades empresariais 28
2.2 Operações policiais 31

Conclusão 52

Apêndice: Nota Metodológica 54

Referências bibliográficas: 59
INTRODUÇÃO

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


Esta publicação apresenta os resultados patrimônio ocorre no bojo da crise po-
da pesquisa “Roubos, Proteção Patrimo- lítica e econômica do Estado do Rio de
nial e Letalidade no Rio de Janeiro”, cujo Janeiro. Retomando uma tradição de es-
objetivo foi contribuir para o melhor en- tudos pioneiros que, na década de 1970,
tendimento e qualificação das relações procuraram estabelecer as complexas
entre o aumento dos crimes contra o pa- conexões entre dinâmicas políticas, eco-
trimônio e o direcionamento do uso da nômicas e criminais1, trabalhamos com a
força pelo Estado no contexto da crise hipótese de que há uma relação empírica
socioeconômica que nos últimos anos entre o aumento dos crimes patrimoniais
tem atingido a Região Metropolitana e o agravamento das condições socioe-
do Rio de Janeiro (RMRJ). Procuramos conômicas na RMRJ. Não se trata aqui de
aqui explorar as correlações entre a pio- estabelecer uma correlação linear entre
ra dos indicadores socioeconômicos e o pobreza e criminalidade, mas de propor
aumento da incidência de roubos na re- uma reflexão sobre as alterações produ-
gião e desenvolver a hipótese de que as zidas pela chamada “crise” nos mercados
operações policiais e militares têm sido de trabalho criminais e não criminais, as-
cada vez mais direcionadas à proteção sim como nas relações entre as cadeias
patrimonial em detrimento da defesa da de aprovisionamento de diferentes pro-
vida. Por fim, sustentamos que parte do dutos e serviços legais e ilegais.
aumento da letalidade decorrente de in- Em segundo lugar, mostraremos como
tervenção policial/militar está relaciona- foi sendo exercida a pressão política de
do ao empenho das forças da ordem em entidades empresariais sobre o planeja-
garantir a circulação e posse de riquezas, mento das ações em segurança pública
face ao aumento da pobreza. no Rio de Janeiro com vias a direcionar
Para tanto, em primeiro lugar é neces- 1 Para uma genealogia da sociologia da violência no
Brasil e da marginalização de abordagens que refletiam
sário compreender de forma precisa sobre a associação entre pobreza e violência, ver: MAR-
7

como o aumento dos crimes contra o QUES (2018).


o uso da força estatal para a proteção nar nos pontos de venda de maconha –
patrimonial em detrimento da proteção as chamadas “bocas de fumo” – há muito
da vida. Por fim, buscamos prospectar as existentes em favelas do Rio de Janeiro.
correspondências entre essas ações dire-
À medida que aumentava a rentabilida-
cionadas à proteção patrimonial (opera-
de das redes do varejo de drogas em
ções policiais e militares de incursão nos
favelas, ampliavam-se também as guer-
chamados “territórios da pobreza” ou de
ras concorrenciais entre traficantes pelo
“vulnerabilidade social”) e a letalidade
controle dos pontos de venda nesses ter-
decorrente de intervenção policial/mili-
ritórios e, ainda, a incidência da repres-
tar, em série histórica.
são policial. Os grupos locais do tráfico
Claro está que esse direcionamento das se organizaram para articular a defesa
ações estatais contra os crimes patrimo- armada das “bocas de fumo” e proteger
niais em detrimento dos crimes contra a tanto os seus territórios de atuação con-
vida não se inicia com a crise da RMRJ. tra as ofensivas de grupos rivais, quanto

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Desde os anos 1980, o Rio de Janeiro pas- as suas drogas, dinheiro, armas, vidas e/
sou a ser representado como uma cidade ou liberdade contra as operações poli-
violenta, na qual se percebia um aumen- ciais de incursão em favelas.
to substancial das ameaças à segurança
pessoal e patrimonial2 . Foi com referên- Se, na década de 1990, a população es-
cia à representação da “violência urbana” candalizou-se com o uso de fuzis AR-15
(MACHADO DA SILVA, 1999) e de uma e AK-47 por traficantes cariocas, após
“cidade partida” (VENTURA, 1994) entre algumas décadas de corrida armamen-
o “morro e o asfalto”, que a “metáfora da tista entre “comandos” criminais e forças
guerra” (LEITE, 2000) se destacou como policiais, fuzis 7,62 e 5,56, anteriormente
chave interpretativa para refletir sobre o de uso restrito das Forças Armadas, tor-
problema público da insegurança, pas- naram-se armas de uso corriqueiro pe-
sando a justificar o uso da violência poli- las polícias atuantes no combate ao cri-
cial contra a população pobre e favelada. me comum violento no Rio de Janeiro.
A escalada militar de ambos os lados foi
Para Michel Misse, a constituição do pro-
desenhando os contornos de um enfren-
blema da violência urbana nas grandes
tamento que passou a se utilizar de ar-
capitais brasileiras remonta em grande
mamento cada vez mais letal, um núme-
medida ao acúmulo histórico de desi-
ro maior de participantes, tiroteios mais
gualdades sociais e econômicas, às di-
intensos e, assim, produziu um espaço
ficuldades de absorção de setores da
urbano recortado por descontinuidades
população pelo mercado de trabalho e
geopolíticas entre “morro” e “asfalto” ou
a sua consequente marginalização. Mas
estas variáveis teriam interagido com entre os territórios controlados por dife-
uma série de acontecimentos e circuns- rentes “comandos” ou “facções”.
tâncias históricas ao longo do processo No ano de 2018, o Estado do Rio de Ja-
a que denominou “acumulação social da neiro foi submetido a uma intervenção
violência” (MISSE, 1999, 2006). Dentre federal na segurança pública, liderada
elas: a formação, no interior das próprias por generais do Exército. Parte das críti-
instituições policiais da década de 1950, cas ao decreto de intervenção evocaram
de “esquadrões da morte” cuja finalida- o fato de o Rio de Janeiro não estar entre
de era exterminar ladrões; bem como a os estados mais violentos do país, apre-
comercialização da cocaína, que em me- sentando uma taxa de homicídios – em-
ados da década de 1980 passou a funcio- bora acima da média nacional – bastante
8

2 Sobre esse ponto ver: MACHADO DA SILVA (1999). inferior à registrada em estados como
Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Norte políticas de uso da força legal no Rio
(IPEA e FBSP, 2018). Mas apesar da taxa de Janeiro se dirigem principalmente
de homicídios ser internacionalmente à proteção patrimonial, mas parecem
reconhecida como o principal indicador elas estar sendo cada vez mais pauta-
da violência, são poucas as políticas vol- das por grupos cujo interesse é preser-
tadas para a sua redução no Brasil. Num var-se das crescentes ameaças à posse
país em que mais de 60 mil pessoas são e circulação de riquezas no estado. O
assassinadas por ano – especialmente jo- relatório final do Observatório da In-
vens pretos, pobres e periféricos – a prio- tervenção (CESeC-UCAM), publicado
ridade dos órgãos de segurança pública recentemente, confirma que: “No perí-
parece ser a defesa da propriedade, não odo da intervenção federal na seguran-
da vida, derramando-se, inclusive, muito ça pública fluminense, os crimes contra
sangue para esse fim. o patrimônio, especialmente os roubos
de carga, foram os mais combatidos”
Temos trabalhado com a hipótese de

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(OBSERVATÓRIO DA INTERVENÇÃO,
que a iniciativa do Governo Federal por
2019, p.12).
intervir na segurança pública do Rio de
Janeiro se deveu em grande medida à Dados compilados no Departamento Pe-
pressão política exercida por entidades nitenciário Nacional (DEPEN, 2016), mos-
empresariais que reivindicam maior tram que no Estado do Rio de Janeiro
empenho das autoridades públicas no 59% dos presos cumprem pena por de-
combate aos crimes contra o patrimô- litos classificados como “crimes contra o
nio, que cresceram significativamente patrimônio”, frente a 6% daqueles classi-
nos últimos anos. Não é de hoje que as ficados como “crimes contra a pessoa”.

GRÁFICO 1
Prisões por tipo penal (Estado do Rio de Janeiro, 2014)

Estatuto do Contra a pessoa


desarmamento

6% Contra a pessoa

7%
Patrimonial

Dignidade sexual

Drogas
Paz pública
20%
Administração Patrimonial Fé Pública
Pública
1% 59%
Administração Pública

Pública Drogas
1%
Paz Estatuto do desarmamento
Pública
Dignidade
2% sexual
4%
9

Fonte: INFOPEN
Apesar da relevância que os crimes contra e ponderada por dados provenientes de
o patrimônio – sobretudo os roubos, que redes sociais, especialmente o Twitter.
envolvem violência ou grave ameaça – ad-
Do ponto de vista qualitativo, realizaram-
quirem para a produção da sensação de
se algumas incursões de campo nas áreas
insegurança da população e para o dire-
identificadas pela polícia como centros
cionamento das ações em segurança pú-
de “transbordo”, receptação e comercia-
blica, são escassos os trabalhos voltados
lização de mercadorias roubadas, espe-
para a compreensão das dinâmicas desses
cialmente fruto de roubos de cargas, com
tipos de crime e da repressão aos mes-
o objetivo de compreender os circuitos
mos. Justamente por essa relevância nos
econômicos e o mercado de trabalho que
parece importante identificarmos quais
se forma ao redor da distribuição e ven-
elementos produzem essa centralidade
da de produtos roubados. Também foram
dos crimes patrimoniais. Como já aponta-
realizadas entrevistas informais e semies-
do, neste artigo iremos buscar compreen-
truturadas com moradores de favela, tra-
der o impacto da crise na ocorrência de

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balhadores dos mercados informais ou
crimes patrimoniais (primeira parte) e o
consequente direcionamento do uso da criminais e representantes de divisões
força estatal para o combate a esses tipos policiais especializadas e entidades em-
de crime, assim como o impacto destes presariais. Especialmente importante
dois fatores na letalidade decorrente da para este relatório foram as entrevistas
ação oficial (segunda parte). com empresários ou lideranças de sindi-
catos patronais (como a FETRANSCAR-
A pesquisa tem conciliado metodologias GA, dentre outras mais setorizadas) e
quantitativas e qualitativas. Do ponto de entidades empresariais (como a FIRJAN
vista quantitativo, foram compilados e e a FECOMÉRCIO, dentre outras), assim
sistematizados dados provenientes dos como o trabalho de observação partici-
órgãos estatais oficiais e organizações pante em reuniões públicas ou corporati-
da sociedade civil sobre letalidade, ope- vas onde tais atores se reúnem com certa
rações e crimes patrimoniais. As análises regularidade, afim de identificar de que
apresentadas neste relatório, baseiam-se
maneira o roubo de cargas é construído
em dados do Instituto de Segurança Pú-
como “questão publica” e as formas pe-
blica ISP-RJ, autarquia vinculada à Se-
las quais a pressão de entidades empre-
cretaria de Estado de Segurança Pública
sariais estão sendo conduzidas.
– SESEG, construídos a partir dos Regis-
tros de Ocorrência lavrados pela Polícia Por meio dessa combinação de metodolo-
Civil do Estado do Rio de Janeiro; do Ins- gias quantitativas e qualitativas buscamos
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística uma melhor compreensão da economia
(IBGE); da plataforma digital colaborati- criminal associada aos delitos patrimo-
va Fogo Cruzado App RJ, que produz da- niais, suas redes operativas e relações
dos sobre tiroteios no Estado do Rio de com os mercados legais; os mercados de
Janeiro; e um banco de dados próprio so- trabalho criminais, suas modificações e
bre operações policiais de incursões em sobreposições; assim como a pressão de
favelas, produzido a partir da coleta nos entidades empresariais e o direcionamen-
jornais O Dia, Extra e Meia Hora, locali- to dado ao uso da força legal, além dos
zados no arquivo da Biblioteca Nacional, seus impactos na letalidade violenta.
10
1

CRIME
E CRISE

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1.1 O AUMENTO DOS CRIMES Considerando então esse período, mos-
PATRIMONIAIS E O ROUBO traremos a evolução de três dos princi-
DE CARGAS pais tipos de roubo tal qual a sua classifi-
cação oficial, resultado dos registros em
Nos últimos anos, a incidência de crimes
Delegacia de Polícia Civil e do trabalho
contra o patrimônio, com destaque para
estatístico do Instituto de Segurança Pú-
os roubos, teve um aumento expressivo
blica (ISP) do Estado do Rio de Janeiro:
na RMRJ, especialmente o roubo de car-
roubo a transeunte, roubo de veículos
gas, categoria que ganhou notoriedade
e roubo de cargas. Percebemos que os
em inúmeras matérias de jornal, manifes-
roubos aumentaram de forma constan-
tações de autoridades governamentais e
te e expressiva em praticamente todas
de grupos empresariais. Nos parece que
essas categorias. Durante o período de
não é uma coincidência que isso tenha
crescimento dos crimes patrimoniais (en-
ocorrido justamente no momento em
tre 2013 até 2017), houve um aumento do
que o Estado do Rio de Janeiro mergu-
roubo a transeunte de 41, 86%, o roubo
lhou em uma das crises mais graves de
a veículos teve um aumento de 94,15% e
sua história3. Como veremos no próximo
o roubo de carga 199,91%. Somente em
item, pode-se periodizar de forma mais
ou menos precisa a crise do Estado do termos comparativos, cabe dizer que a
Rio de Janeiro como tendo início no ano letalidade violenta teve um aumento de
de 2014 e agravando-se continuamen- 26,20% no mesmo período.
te até o ano de 2017, quando de forma Ao tomarmos uma série mais ampla (perí-
bastante incipiente os indicadores so- odo de 1991-2018), esse aumento no perí-
cioeconômicos parecem estabilizar essa odo da crise é ainda mais claro, apesar das
tendência, sem, contudo, melhorar até o variações para cada tipo. Nos parece mais
ano de 2018. Com relação aos dados cri- ou menos regular que, para as catego-
minais, essa periodização parece ser con- rias consideradas, o final dos anos 2000,
comitante, com variações não desprezí- quando se inicia o programa das Unida-
veis para cada tipificação. des de Polícia Pacificadoras (UPPs), em
dezembro de 2008, é um momento em
3 O trabalho pioneiro de Liliana Pezzini (1986), em estu- que os registros de ocorrência tendem a
do sobre os efeitos da crise dos anos 1980 em São Paulo diminuir, voltando a crescer já sob os aus-
sobre as dinâmicas criminais, encontrou forte correlação
entre essas dimensões, especialmente no que diz respei-
pícios da crise econômica do Estado do
11

to aos crimes patrimoniais. Rio de Janeiro, em 2014, com diminuição


a partir do ano de 2017, quando, como ve- doras do Rio, a FENASEG, a Secretaria de
remos na segunda parte da publicação, o Segurança e o Detran; 3) e a implemen-
direcionamento do uso da força estatal foi tação das UPPs. A primeira dessas ações
mais intenso para a proteção patrimonial. obteve êxito em dificultar a participação
de policiais nos mercados de receptação
No caso do roubo a veículos, durante a
e veio acompanhada de maior fiscaliza-
metade dos anos 2000 ocorreu uma que-
ção em oficinas e ferros velhos. Já nos
da dos registros de ocorrência que perdu-
anos iniciais de implementação das UPPs
rava até um pouco antes do período em
(2009-2011), lideranças locais do tráfico
que se inicia a crise, quando um cresci-
de drogas – “donos de morro” – proibiram
mento expressivo acontece. No que se re-
os assaltantes de guardar veículos rou-
fere especificamente a este tipo de roubo,
bados no interior das favelas, dificultan-
a compreensão do movimento de queda
do assim as dinâmicas desse mercado4.
nas ocorrências deve levar em considera-
Esta medida, em particular, afeta também
ção também o impacto de três ações em
a incidência de roubos a transeunte, que

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segurança pública sobre as dinâmicas dos
muitas vezes dependem do uso de carros
mercados de receptação: 1) A implemen- roubados para serem praticados.
tação do sistema de metas pela SESEG,
associada a um sistema de gratificação O roubo a transeunte tem um altíssi-
(MISSE, 2019); 2) a inauguraçã do Pátio mo crescimento a partir da metade dos
Legal, em julho de 2005, para abrigar os anos 2000, mas no final dessa década
veículos roubados ou furtados, recupera- percebe-se um decréscimo importante,
dos pela Polícia na Região Metropolita- que é revertido um pouco antes do iní-
na do Rio de Janeiro, como resultado de cio da crise.
Convênio entre o Sindicato das Segura- 4 Ver Grillo, 1999, 2016.

GRÁFICO 2
Números Absolutos de Roubo a Veículos
(Estado do Rio de janeiro, 1991-2018)

60.000

50.000
Início
da crise
40.000 Início
das UPPs

30.000

20.000

10.000

0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
12

Fonte: elaboração própria; ISP-RJ


GRÁFICO 3
Números absolutos de roubo a transeunte
(Estado do Rio de janeiro, 1991-2018)
100.000
Início
da crise
90.000
Início
das UPPs
80.000

70.000

60.000

50.000

40.000

30.000

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


20.000

10.000

0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Fonte: elaboração própria; ISP-RJ

O roubo de cargas manteve-se em um Quando a crise se inicia, o crescimento


patamar relativamente estável durante é muito expressivo, passando de 3.534
toda a década de 2000, inclusive com registros em 2013 para 10.599 em 2017,
registro de queda nos seus últimos anos. como já dito, aumento de 199,91%.

GRÁFICO 4
Números absolutos de roubo de cargas
(Estado do Rio de janeiro, 1991-2018)

12.000

10.000

Início
8.000 da crise

6.000 Início
das UPPs

4.000

2.000

0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
13

Fonte: elaboração própria; ISP-RJ


Particularmente no que diz respeito ao ram registradas 10.599 ocorrências fren-
roubo de cargas, cujo aumento foi o mais te a 7.281 ocorrências em terras paulis-
expressivo dentre todos os crimes patri- tas. Quando calculamos a taxa anual de
moniais, cabem algumas comparações roubo de carga por 100.000 habitantes,
afim de iluminar melhor a magnitude des- percebemos que, se antes de 2014 as ta-
se aumento. Em 2017, o Rio de Janeiro ul- xas do Rio de Janeiro eram próximas as
trapassou pela primeira vez São Paulo em de São Paulo (Rio de Janeiro com média
números absolutos de registros de roubo de 20,6 e São Paulo com média de 16,3)
de cargas, se tornando o estado de maior e maiores que a média brasileira (média
volume de ocorrências do Brasil. Ainda de 6,1), depois de 2014 essa diferença au-
que São Paulo concentre 28,76% de toda menta consideravelmente pois em 2017
a frota circulante do Brasil ante 6,42% do a taxa do Rio de Janeiro chega a 63 por
Rio de janeiro5, em terras fluminenses fo- grupo de 100.000 habitantes frente a 16,1
5 Em 2017 São Paulo tinha 18.934.102 caminhões em sua
por 100.000 habitantes em São Paulo e
12,5 por 100.000 no Brasil.

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


frota, o Rio de Janeiro 4.228.932. Para maiores dados ver
o estudo feito pelo IBPT com dados oficiais do DENA-
TRAN: disponível em http://www.automotivebusiness.
com.br/abinteligencia/pdf/estudo_frota_completo.pdf. Acesso em (consultado em 14.02.2019).

GRÁFICO 5
Taxa de roubo de cargas
(Brasil, Rio de Janeiro, São Paulo 2007-2018)

70

60

50

40

30

20

10

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Brasil RJ SP Fonte: elaboração própria; ISP-RJ, FBSP, SSP/SP

Assim, para finalizar essa breve carac- RISPs 1, 2, 3 e 46 durante o período con-
terização do roubo de cargas no Rio de siderado.
Janeiro, cabe destacar que o período de 6 As Regiões Integradas de Segurança Pública (RISPs)
grande crescimento do registro de roubo são unidades administrativas de integração geográfica
entre as polícias civil e militar. Também são unidades
de cargas mostra uma forte concentra- (menores) as AISPs e CISPs, mencionadas um pouco
ção em suas áreas de ocorrência, média mais a frente no texto. Para maiores informações ver:
14

http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=38. Acesso
de 94,83% de todas as ocorrências nas em: 14, fev. 2019.
GRÁFICO 6
Porcentagem de roubo de cargas por RISP
(Rio de Janeiro, 2007-2018)

4000

3500

3000

2500

2000

1500

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


1000

500

0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

RISP 01 RISP 02 RISP 03 RISP 04 Fonte: elaboração própria; ISP-RJ, FBSP, SSP/SP, ISP - RJ

Para situar mais concretamente: A 2ª Para retomar os principais argumentos


RISP, com média de 30,1% das ocorrên- desse item de forma sintética:
cias abrange a zona oeste e parte da zona
norte; a 3ª RISP, com média de 27,75% das 1. Há claramente uma coincidência
ocorrências, corresponde a Baixada Flu- temporal entre o aumento das três ti-
minense (com destaque para Duque de pificações de roubos analisadas e, es-
Caixas e Nova Iguaçu, quando observa- pecialmente o roubo de cargas, com
mos as AIPSs e CISPs correspondentes); o período inicial da crise no Estado do
a 1ª RISP, com média de 26,24% das ocor- Rio de Janeiro por volta de 2014, tam-
rências abrange zona sul, centro e parte bém uma redução depois de 2017;
da zona norte (sobretudo na zona norte,
2. Particularmente ao roubo de car-
quando observamos as AIPSs e CISPs cor-
gas, trata-se de um aumento muito
respondentes); e a 4ª RISP, com média de
expressivo, mesmo quando o com-
10,83% das ocorrências, Niterói e região
paramos com o de outros estados
dos lagos (com destaque para São Gonça-
da federação e com a média brasi-
lo, quando observamos as AIPSs e CISPs
leira, mostrando que é um fenômeno
correspondentes). Não por acaso quanto
singular e relevante;
mais próximo chegamos dos territórios,
fica claro que os lugares de maior registro 3. Os registros de roubo de cargas se
de roubo de cargas são aqueles mais po- concentram fortemente em 4 RISPs,
bres e nos quais a crise econômica produ- sendo possível afirmar que se tratam
ziu seus efeitos mais agudos, como será de áreas pobres e altamente suscetíveis
15

demonstrado na próxima sessão. aos impactos da crise socioeconômica.


1.2 CRISE SOCIOECONÔMICA: nacional, entre os anos de 2012 e 2018
DESOCUPAÇÃO, POBREZA E houve um aumento de 4,3% de desempre-
PODER DE COMPRA go, passando de uma taxa de 7,3 para uma
A crise que atingiu o Brasil a partir do ano taxa de 11,6. No caso da região metropoli-
de 2014 foi sentida de forma especialmen- tana do Rio de Janeiro, esse aumento foi
te forte no Estado do Rio de Janeiro. Con- de 7,7%, passando de uma taxa de 7,4 para
siderando a taxa média de desocupação 15,1, superando a média brasileira.

GRÁFICO 7
Taxa de Desocupação (Brasil, Rio de Janeiro, 2012-2018)

16,0

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


14,0

12,0

10,0

8,0

6,0

4,0

2,0

0
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Rio de Janeiro - RJ RM Brasil Fonte: elaboração própria; IBGE, PNAD Contínua

O desemprego veio acompanhado de de 2017 o aumento de pobreza foi


aumento da pobreza e da desigualdade. de 33%, passando de 8,38% a 11,18%
No que diz respeito a pobreza, podemos da população brasileira. Este contin-
perceber que havia uma tendência bas- gente representa 23,3 milhões de po-
tante clara de redução da pobreza brasi- bres no país, um grupo maior do que
leira que é interrompida após 2014. Cabe a população chilena. Ele é resultado
destacar aqui algumas conclusões de da adição de 6,27 milhões de novos
Marcelo Neri sobre os impactos da crise, pobres às estatísticas sociais. (FGV
em relatório apresentado em 2018: SOCIAL, 2018).

Apenas em 2015, a pobreza subiu


19,3% no Brasil, com cerca de 3,6 mi- Para o caso do Rio de Janeiro, tomamos
lhões de novos pobres. Infelizmente, como linha de corte de pobreza extrema
a crise não acabou em 2015, quando a distribuição percentual de rendimento
a saga relatada na PNAD tradicional mensal domiciliar per capita de um quar-
se encerra. Nossos cálculos revelam to de salário mínimo. Dessa forma, perce-
16

que desde o final de 2014 até final bemos que a tendência de diminuição da
proporção populacional nessas condições 2017, chegando a 5,4. Isto significa que em
peníveis, que chegou a estar em 3,5 en- um período de quatro anos de crise, tive-
tre 2013 e 2014, se altera a partir de 2015, mos um acréscimo de mais de 300.000
quando aumenta consideravelmente até pessoas vivendo sob essas condições.

GRÁFICO 8
Percentual de rendimentos per capita até de salário mínimo
(Estado do Rio de Janeiro, 2012-2017)
6

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


3

0
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Fonte: elaboração própria; IBGE, PNAD Contínua

A variação da desigualdade também menos constante que a pobreza, é pos-


pode ser vista como uma contra ten- sível afirmar que a desigualdade social
dência à diminuição que se observava associada a renda aumenta quando con-
ao menos desde 2012, com um aumento sideramos o índice GINI do rendimento
iniciado em 2016. Apesar de um pouco domiciliar per capita.

GRÁFICO 9
GINI per capita do rendimento domiciliar
(Estado do Rio de Janeiro, 2012-2018)

0,550

0,540

0,530

0,520

0,510

0,500

0,490

0,480
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
17

Fonte: elaboração própria; IBGE, PNAD Contínua


Por fim, um indicador importante para médio real habitual medido pela PNAD
os efeitos específicos dessa pesquisa Contínua indique, para a cidade, o estado
é o poder de compra, especialmente e a região metropolitana do Rio de Ja-
aquele voltado a alimentos e bebidas. neiro, um pequeno aumento nominal no
O poder de compras de alimentos e be- período da crise. Mas isso deve ser con-
bidas é importante variável explicativa siderado em relação a outros fatores: em
para nossa hipótese de aumento dos primeiro lugar a inflação no período foi
crimes patrimoniais (e do roubo de car- muito mais alta que o aumento da renda,
gas em particular) no contexto da crise o que indica uma queda dos rendimen-
do Estado do Rio de Janeiro. Isto é o tos reais. Somente para se ter uma ideia,
que será desenvolvido na próxima par- no pior momento da crise (entre 2014-
te. Por hora cabe qualificar essa variável 2015) os rendimentos nominais aumen-
em sua relação com as outras variáveis taram 5,13% (passando de R$ 2.343 para
socioeconômicas. R$ 2.463,2), enquanto a inflação, medida
pelo IGP-M/FGV aumentava 6,87% (de

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


É claro que a desocupação atinge dire-
3,67% ao ano para 10,54%).
tamente o poder de compra das famílias,
especialmente aquelas mais vulneráveis a Para sermos mais precisos, cabe destacar
perderem as suas ocupações, causando nos dados do INPC as variações do índice
pauperização e aumentando a desigual- geral de preços e do grupo de “alimenta-
dade social. É verdade que o rendimento ção e bebidas”.

GRÁFICO 10
Índice de preços ao consumidor geral e categoria alimentos e bebidas
(Estado do Rio de Janeiro, 2012-2018)

14

12

10

-2

-4
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Índice geral Alimentos Fonte: elaboração própria; IBGE, INPC

É importante também sublinhar que o salários mínimos), em média 30% do to-


peso do grupo “alimentação e bebidas” tal. Esse peso é praticamente constante,
é o mais importante na população-obje- com pequeno aumento no momento crí-
18

tivo do INPC, de baixa renda (entre 1 a 5 tico da crise.


GRÁFICO 11
Peso de diferentes grupos na cesta de produtos e serviços
(Estado do Rio de Janeiro, 2012-2018)

35

30

25 Alimentação e bebidas
Habitação
Artigos de residência
20
Vestuário
Transportes
15 Saúde e cuidados pessoais

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


Despesas pessoais
10 Educação
Comunicação

0
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Fonte: elaboração própria; IBGE, INPC

Dessa forma, esperamos ter demonstra- item “alimentação e bebidas” (o de


do não apenas que o peso do grupo “ali- maior peso da cesta de produtos e
mentação e bebidas” é importante para serviços das famílias mais pobres).
as famílias que mais duramente foram
atingidas pelos efeitos principais da crise,
mas também que seu poder de compra, 1.3 RELAÇÕES ENTRE CRIMES
especificamente neste item, foi abalado. PATRIMONIAIS E CRISE
SOCIOECONÔMICA
De forma sumária, caberia sublinhar:
Diversos estudos procuraram, ao longo
1. O desemprego é uma variável so- do tempo, pensar a relação entre pobre-
cioeconômica central para entender- za, desigualdade socioeconômica e cri-
mos a crise na RMRJ, com aumento minalidade, havendo uma vasta biblio-
superior à média nacional durante a grafia nacional e internacional que se
crise; dedicou a refletir sobre o tema7. No Bra-
2. Houve, sobretudo decorrente do sil, particularmente, essa foi uma ques-
desemprego, aumento da pobreza e tão fundadora e seminal da sociologia
da desigualdade social na RMRJ, re- da violência nas décadas de 1970 e 1980,
vertendo uma tendência de redução quando muito se debateu, refutando a
do período imediatamente anterior; associação entre pobreza e criminali-
dade. Parte das críticas argumentavam
3. É possível identificar claramente
7 Para ficar apenas em alguns exemplos: Merton (1968);
uma perda do poder de compra das
19

Rusche e Kirchheimer (2004); Coelho (1978); Misse e


famílias mais pobres, sobretudo no Motta (1979).
que crimes eram praticados por mem- lações que podem existir entre essas
bros de todas as classes – a exemplo dos dimensões? Em nosso caso, procurare-
crimes de “colarinho branco” – e apenas mos explorar esta relação por meio das
mais perseguidos entre os pobres, que, conexões entre os mercados informais/
por sua vez, operavam distinções entre formais, legais/ilegais e suas formas de
distinções entre “trabalhadores” e “ban- controle. Posto de outra maneira: de que
didos”8. Outras críticas basearam-se no maneira a produção efetiva ou os po-
cruzamento de dados estatísticos para deres fáticos constroem mercados in-
demonstrar que a correlação entre po- formais/formais e ilegais/legais que co-
breza e crime era espúria9. nectam pobreza e riqueza, assim como
Segundo Michel Misse, os críticos dessa crime e Estado?
associação dirigiram-se principalmente Para iniciar a demonstração para o caso
ao imaginário das classes médias urba- de nosso estudo, consideraremos aqui
nas, pois não havia formulações socio- as tipologias dos crimes patrimoniais

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


lógicas que propusessem uma correla- tais como consideradas pelo ISP na
ção linear entre pobreza e criminalidade produção de seus dados. Para as vari-
(MISSE, 2006). Ele próprio, junto com
áveis socioeconômicas, afim de facilitar
Dilson Motta, propusera uma abordagem
a compreensão e o léxico analítico, re-
em que a pobreza comparecia como uma
agruparemos os indicadores apresen-
mediação entre a estrutura social (as
tados na sessão anterior em grupos:
causas da pobreza) e o crime, mas, em si
pobreza (distribuição percentual de
mesma, não explicava coisa alguma (MIS-
rendimento mensal domiciliar per ca-
SE e MOTTA, 1979). Tratava-se de refletir
pita de um quarto de salário mínimo);
sobre a associação de certo tipo de cri-
desigualdade (GINI); desemprego (de-
minalidade com certos modos de operar
o poder nas classes subalternas. Afinal, socupação); poder de compra (IPCN,
sublinhar a criminalização da pobreza e no grupo de alimentos) e renda (rendi-
a consequente seletividade da persegui- mento médio real habitual).
ção policial/judicial não deveria implicar Em seguida, realizamos testes de cor-
o abandono da investigação dessa asso- relação entre essas variáveis criminais
ciação, já que não é mera coincidência e socioeconômicas. Para tanto utilizare-
que os tipos de crimes mais combatidos mos o coeficiente de correlação (r) para
sejam justamente aqueles cuja prática se medir a relação entre duas variáveis.
concentra entre os mais pobres. Contudo, tão importante quanto estabe-
Nos aproximamos aqui das recentes con- lecer uma relação é saber a força dessa
tribuições de Adalton Marques (2018), correlação (se forte, média ou fraca) e o
para quem a associação entre pobreza sentido (se positivo, sendo diretamente
e criminalidade foi apenas parcialmente proporcional ou negativo, sendo inver-
explorada, ou melhor, a questão foi afas- samente proporcional). O coeficiente de
tada por meio de uma resposta parcial. correlação, portanto, é uma expressão
Se a sociologia do crime, no seu mo- numérica da força e do sentido da cor-
mento formativo, politicamente buscava relação. A tabela abaixo sintetiza esses
não criminalizar os pobres demostrando testes, onde a cor azul indica forte corre-
que a maior parte dos pobres não são lação (a partir de um limiar de 75), a ver-
criminosos, a pergunta que se coloca é de correlação moderada (limiar de 50), a
como não tratar as outras múltiplas re- vermelha correlação fraca (abaixo de um
8 Por exemplo, Zaluar, 1985. limiar de 49) - sendo o sinal, indicador
20

9 Principalmente Coelho, E., 1978. de correlação negativa ou positiva:


TABELA 1
Correlação de indicadores criminais e socioeconômicos
(Estado do Rio de Janeiro, 2012-2018)

Poder
Pobreza Desigualdade Desemprego Renda de Compra -
Alimentos

Letalidade
73,7 3,7 82,5 73,6 - 84,0
violenta

Roubo de
79,7 36,5 93,5 77,7 - 88,7
veículos

Roubo a
65,7 20,8 68,7 73,6 - 57,4
transeunte

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


Roubo de
86,0 14,8 82,7 77,1 - 69,7
cargas

Fonte: elaboração própria; ISP-RJ, IBGE

Uma visada mais geral sobre os resulta- dade violenta” como variável que con-
dos apresentados nos testes de correla- trastasse com os crimes patrimoniais.
ção confirma que esta relação entre in- Por isso mesmo, nos pareceu surpreen-
dicadores socioeconômicos e criminais dente tal resultado nos testes de cor-
está longe de ser consensual, visto os es- relação e, portanto, consideramos que
tudos anteriores presentes na bibliogra- seria necessário ainda um exame mais
fia específica10. profundo desses resultados. Uma pos-
Um resultado surpreendente foi encon- sível pista recai sobre a categoria “leta-
trar forte correlação entre a letalidade lidade violenta”, produzida dessa forma
violenta e os indicadores socioeconômi- pelo Instituto de Segurança Publica do
cos (forte e positiva para desemprego, Rio de Janeiro, agrupando as categorias
forte e negativa para poder de compra e homicídio doloso, morte por intervenção
moderada e positiva para pobreza e ren- de agente de Estado, latrocínio e lesão
da - a exceção ficando para a desigual- corporal seguida de morte e, portanto,
dade expressa no índice GINI, fraca e reunindo diferentes crimes contra a pes-
positiva). Baseando-se no conhecimen- soa com dinâmicas bastante diversas.
to acumulado por diversas pesquisas na- Em segundo lugar, se há maior concor-
cionais e internacionais11, que apontam dância de que os crimes patrimoniais são
resultados conflitantes na relação entre mais afetados pelos indicadores socioe-
indicadores socioeconômicos e crimi-
conômicos que os crimes contra a vida,
nais, mas de forma unânime apontam
os fatores socioeconômicos correlacio-
correlação fraca entre indicadores so-
nados aos crimes patrimoniais são tam-
cioeconômicos e crimes contra a pessoa,
bém controversos. Se a correlação fraca
imaginávamos utilizar a variável “letali-
entre desigualdade e dinâmicas criminais
10 Como bem salientaram José Luiz Ratton e Daniel Cer- encontrada em nossa pesquisa parece
queira. Ver: Ratton (2014) e Cerqueira e Lobão (2003).
ser coerente com outros estudos do mes-
11 Ver Beato e Reis. (2001); Sapori e Wanderley (2001);
mo gênero feitos nos últimos 20 anos, o
21

Cardia, Adorno e Poleto (2003); Kahn (2013); Blau e Blau


(1982); e Land, Mccall E Cohen (1990). mesmo não pode ser dito da forte corre-
lação entre desemprego, renda, pobreza minais, assim como no aprovisionamento
e dinâmicas criminais que encontramos de bens e serviços, igualmente criminais
nesses mesmos autores12. Contudo, cabe e não criminais.
destacar que, diferente desses autores,
Por um lado, as cadeias de aprovisiona-
não comparamos lugares com diferentes
mento de bens, sobretudos os alimen-
indicadores socioeconômicos e a varia-
tares (já apontado como o grupo mais
ção de ocorrências criminais, mas sim um
importante na cesta de produtos das
único lugar e sua mudança em um perí-
famílias mais pobres), é impactada pelo
odo de crise, ou seja, nossa pesquisa se
desemprego, o aumento da pobreza e a
posiciona no entendimento dos efeitos
queda do poder de compra no período
de uma crise socioeconômica sobre os
da crise. Se é verdade que é necessário
crimes em um dado lugar e não em luga-
certo patamar de disposição de bens e
res com variações socioeconômicas em
de circulação de riquezas para que os cri-
diferentes lugares. Ainda assim, os dois
mes patrimoniais aumentem13, nos parece
únicos estudos comparáveis, desse pon-

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


importante também que a pauperização
to de vista, também não são consensu-
afeta os lugares onde as pessoas irão
ais. Congruente com nossos resultados,
consumir, buscando lugares mais baratos
no pioneiro trabalho que procurou com-
como mercados de bairro e o comércio
preender as relações entre criminalidade
informal, com produtos que podem ter
e crise socioeconômica, Liliana Pezzini
proveniência duvidosa. Claro está que
(1986) encontrou uma forte correlação
o impacto do desemprego e da pobre-
dos indicadores da crise que São Paulo
za deve ser conjugado, portanto, com a
atravessou nos anos 1980 e os crimes pa-
queda do poder de consumo para que se
trimoniais. Por outro lado, nossos resul-
entenda essa relação entre pauperização
tados não são congruentes com pesqui-
e crimes patrimoniais como parte de uma
sa feita no Rio de Janeiro por Edmundo
cadeia de aprovisionamento14.
Campos Coelho (2005) entre os anos de
crise dos 1980-1983, que apontaram uma Por outro lado, essas mesmas dinâmicas
diminuição dos roubos no período. afetam as formas pelas quais as pesso-
as buscam seus meios de sobrevivência,
Podemos então nos encaminhar para a
procurando formas de rendimentos que
análise mais geral dos nossos resultados
não necessariamente estão no mercado
e a formulação de nossa hipótese acerca
formal, transitando entre ocupações ou
da relação entre dinâmicas socioeconô-
bicos com intenso trânsito entre a for-
micas e criminalidade - aqui situadas no
malidade-informalidade, quando não
aumento expressivo dos crimes patrimo-
trabalhos temporários legais ou ilegais
niais (em particular o roubo de cargas) e
(TELLES e HIRATA, 2007). Nesse sentido,
a atual crise do Estado do Rio de Janeiro.
cabe destacar que de forma geral o roubo
Nossos resultados apontam uma relação
de veículos apresentou maior correlação
entre o crescimento da pauperização so-
com os indicadores socioeconômicos, se-
cial e o aumento dos crimes patrimoniais,
guido do roubo de cargas e do roubo a
com menos intensidade para o roubo a
transeunte. Isto nos parece indicar, como
transeunte, mas com correlação forte
com roubo de veículo e roubo de cargas.
13 É exatamente a hipótese também sustentada por
Nossa hipótese é que durante o perío- outros autores ao longo do tempo. Ver primeiro Beato
do da crise encontramos alterações nos (1998). A mesma consideração em: Cardia, Adorno e
Poleto (2003). Finalmente em artigo recente, ver: Kahn
mercados de trabalho criminais e não cri- (2013).
14 Sobre as cadeias de aprovisionamento (supply
22

12 Ver Beato (1998); Beato & Reis (2001); e também Sa- chains) ver o estudo seminal de Gereffi e Koreniewicz
pori & Wanderley (2001). (1994) e também Tsing (2013).
hipótese, que os circuitos legal/ilegal e que se opunha aos processos de moder-
formal/informal dos mercados parece nização (industrialização e urbanização)
ser uma dimensão importante a ser con- dos países do capitalismo periférico, pelo
siderada e aprofundada em estudos mais contrário, a informalidade era a condição
específicos e qualitativos. Isto porque os de instalação do capitalismo nesses es-
elos dos circuitos do roubo de veículos paços coloniais (e, até pouco tempo, es-
envolvem um número de pessoas e ins- cravistas) na medida em que rebaixava o
tituições muito grande (ladrões de dife- custo de reprodução da força de trabalho
rentes tipos, receptadores, revendedores, e permitia uma taxa de lucro maior para
seguradoras, leilões etc.) em comparação aquelas empresas instaladas na Améri-
com o roubo a transeunte, sendo que o ca Latina: a precariedade das vidas, no
roubo de cargas ocuparia uma posição seu habitar, trabalhar e consumir, tornava
intermediaria entre os dois. aceitáveis os baixos patamares salariais,
transformados em vantagens para o que
Mas é preciso dizer que para nós, não se
se chamava a época de núcleo dinâmico

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


trata de imaginar que um desempregado
da economia (sobretudo o setor indus-
e/ou um espoliado se torna ladrão – ou
trial), que assim garantia seu enriqueci-
que aquele cujo poder de compra baixou
mento.
vá roubar alimentos. Afastamos a discus-
são de cunho criminológico (o entendi- Trinta anos depois, quando a informali-
mento do comportamento e/ou motiva- dade já havia perdido seu valor heurís-
ção criminal) e nos aproximamos de uma tico15 dadas as intensas transformações
abordagem sobre as relações entre mer- do capitalismo mundial16, para Francisco
cados informais e formais, legais e ilegais, de Oliveira já não fazia sentido perceber
lícitos e ilícitos. Nos parece, resumindo a informalidade como forma socioeco-
até aqui nossos resultados e as ponde- nômica “a ser superada” - era claramen-
rações com a bibliografia brasileira sobre te uma dinâmica própria do capitalismo
o tema, que pobreza e desigualdade não global. Ou seja, se por um lado a infor-
mantém relações diretas com os crimes malidade se apresenta não como uma
em geral e os crimes patrimoniais em singularidade dos países do capitalismo
particular, mas que o desemprego afeta periférico, mas como tendência do capi-
o poder de consumo das famílias e, assu- talismo mundial, por outro lado, a “exce-
mindo certo patamar de disponibilidade ção que virou regra” é cada vez mais es-
de oferta de produtos (ou seja um pata- truturante nos países latino americanos,
mar mínimo de circulação de riquezas), aprofundando essa precarização estrutu-
o declínio do poder de compra expresso ral e incorporando contingentes cada vez
com expressividade no contexto da “cri- maiores em contexto de crise. Nunca é
se”, produz alterações nos mercados de demais lembrar que a reforma trabalhista
trabalho criminais e não criminais, assim de 2017 aprofundou tanto esse nível es-
como nas relações entre as cadeias de trutural, como trouxe novos contingentes
aprovisionamento de diferentes produtos de trabalhadores para a informalidade.
e serviços legais e ilegais. Em ressonância com esta hipótese, uma
Em um dos textos mais importantes do recente publicação (MUCA, IPPUR, 2019)
debate latino americano sobre a cha- demonstra que o trabalho de vendedores
mada marginalidade urbana, referência ambulantes no centro do Rio de Janeiro
fundamental para o entendimento da é, ao mesmo tempo, durável e passível
chamada “informalidade”, Francisco de de mudanças em um contexto de crise:
Oliveira (1972) apontava que esta não era 15 Também apontado por Machado da Silva (2002).
23

um resquício “arcaico” ou “pré-moderno” 16 Ver Portes(1997) e Tarrius (2002).


51,9% dos vendedores ambulantes tra- público realizado na OAB-RJ. Segundo
balham nas ruas a mais de dez anos, ao ele, no Rio de Janeiro se rouba sobre-
passo que 33% haviam iniciado suas ati- tudo aquilo que é possível distribuir em
vidades no período da crise. Poderíamos poucas horas dentro das favelas para os
então concluir que a maior parte dos ven- receptadores a que se tem acesso. Para
dedores ambulantes atua de forma está- ele, não se trata de quadrilhas especiali-
vel, fazendo parte constituinte da econo- zadas no roubo de produtos específicos
mia urbana como defendia Francisco de – como o aço ou café cru, cargas visa-
Oliveira, mas que no momento da crise das em outros estados –, mas assaltantes
esse número tende a crescer, sobretudo que interceptam quaisquer cargas que
nas modalidades mais precárias da venda por eles passarem. A imprensa tem divul-
ambulante, como aqueles que não tem gado imagens de caminhões sendo des-
ponto fixo, autorização e nem recursos carregados por pessoas que, como num
de venda, o chamado “pulo”17. saque, apressadamente levam consigo o
que podem.

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Mas então vejamos que esses vende-
dores estão abastecendo um mercado A ideia de saque no Brasil é algo que ime-
de consumo cuja demanda também au- diatamente nos faz referência aos ataques
menta, ou seja, provavelmente daqueles a supermercados nos anos 1980, quando
que também tiveram suas condições de da crise do desemprego e superinflação
vida precarizadas. De que maneira aque- não possibilitavam as famílias se reprodu-
les que tiveram seu poder de compra zirem socialmente. Mas já estamos longe
dilapidado agora conseguem manter os em vários sentidos dos anos 1980, dentre
seus lares? Como já destacado no item eles porque o crime se tornou um conec-
anterior, na cesta de consumo das famí- tor muito mais poderoso. É através do cri-
lias mais pobres o grupo “alimentação me que se conecta de forma muito mais
e bebidas” responde por um terço dos rápida a informalidade e a ilegalidade, ou
gastos familiares. Na única pesquisa em melhor, diversas modalidades dos ilegalis-
que se desmembra os itens subtraídos mos populares, mas também é através do
nos roubos de cargas, alimentos e bebi- crime que se conectam esses ilegalismos
das ocupam as primeiras posições, jun- populares com os ilegalismos de negó-
tos respondendo por 31,5% de todas as cios (FOUCAULT, 2013). Nossas incursões
cargas roubadas (ISP/SESEG-RJ, 2016). qualitativas em campo sinalizaram até
Diferentemente de outros estados, nos agora para as conexões entre legalidade
quais o roubo de cargas é feito por qua- e ilegalidade que dinamizam os mercados
drilhas especializadas e tendo como alvo de receptação. Pequenos mercados de
produtos pequenos e de alto valor agre- bairro ganham relevância nesse circuito,
gado (como eletrônicos) ou então produ- assim como as grandes redes varejistas
tos destinados à indústria (como o aço e formais, apontadas em entrevistas como
o café cru), no Rio de Janeiro os produ- responsáveis por distribuir produtos rou-
tos de primeira necessidade são aqueles bados, muitas vezes sob o rótulo de “pro-
mais frequentemente roubados. moções”. A comercialização de cargas
“Roubo de carga no Rio de Janeiro é sa- roubadas tem permitido evitar a perda de
que”, afirmou o presidente da FETRANS- clientela por parte de lojistas e o acesso
CARGA em uma entrevista que nos a produtos com preços acessíveis para o
concedeu e, posteriormente, em evento consumidor final.
17 O “pulo” é uma categoria nativa dos ambulantes para Do ponto de vista da hipótese que de-
designar a forma de venda mais precária e também a
fendemos, a crise potencializou enorme-
24

“entrada na camelotagem”, portanto, caracterizando


também aqueles recém-chegados.   mente essa articulação dos ilegalismos
(sob a forma jurídica legal ou ilegal, for- tas entre traficantes e/ ou milicianos pelo
mal ou informal) e, consequentemente controle de territórios de favelas e bairros
fez crescer concomitantemente o roubo periféricos. Tais transformações coincidem
de cargas, suas formas de receptação e com o início da “crise” socioeconômica,
distribuição, que garantiam a sobrevivên- mas também com a identificação de uma
cia das famílias cujo poder de consumo, “crise” na política das Unidades de Polícia
especialmente nos itens alimentares, se Pacificadora (UPPs).
tornava mais difícil.
Esta evidenciou-se a partir da segunda
Para retomar os principais argumentos metade de 2013 e, sobretudo a partir de
desse item de forma sintética: 2014, quando moradores passaram a de-
1. Apesar de ser uma relação con- nunciar o aumento da incidência de tiro-
troversa, nossos resultados parecem teios no espaço das favelas (MENEZES,
indicar correlação entre indicadores 2015), o que havia diminuído durante o
socioeconômicos e criminais; período de expansão das UPPs, entre

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2009 e 2013. Se a contiguidade territorial
2. Nossos resultados apontam ainda
entre polícia e tráfico ou a possibilidade
uma relação entre o crescimento da
de ocupação pela UPP havia produzido
pauperização social, expressa sobre-
rearranjos de poder e reconfigurações
tudo no desemprego, o aumento da
dos mercados criminais, essas transfor-
pobreza e a queda do poder de con-
mações não cessaram após o fracasso da
sumo e o aumento dos crimes pa-
UPPs. As relações entre polícia e tráfico,
trimoniais, com menos intensidade
entre comandos rivais e entre traficantes
para o roubo a transeunte, mas com
e moradores parecem estar se tornando
correlação forte com roubo de veícu-
ainda mais violentas do que antes em al-
lo e roubo de cargas.
gumas localidades.
3. Nossa hipótese é que durante o
Boa parte dos tiroteios que diariamente
período da crise encontramos altera-
ocorrem em diversas áreas da cidade e
ções nos mercados de trabalho crimi-
que tantas vezes resultam em vítimas le-
nais e não criminais, assim como no
tais se deve à predominância de uma es-
aprovisionamento de bens e serviços,
tratégia de atuação policial centrada em
igualmente criminais e não criminais.
operações de incursão policial em fave-
las. Estas caracterizam-se por serem in-
1.4 TRANSFORMAÇÕES NAS cursões armadas pontuais realizadas por
DINÂMICAS DOS MERCADOS forças policiais e/ou militares em favelas
CRIMINAIS NO CONTEXTO DA CRISE cariocas com o objetivo de prender e/ou
matar suspeitos, apreender armas, dro-
Como complemento da análise exposta até
gas, dinheiro e/ou recuperar veículos e
aqui, é importante destacar que estão em
demais bens roubados. Essas operações
curso uma série de reconfigurações das or-
pontuais de incursão em favelas consti-
ganizações e mercados criminais (tráfico
tuem o grande instrumento da ação pú-
de drogas, milícia, roubo de veículos, car-
blica (LASCOUMES & LE GALÉS, 2004)
gas etc.) no Rio de Janeiro, proveniente de
para a área de segurança pública no esta-
nosso trabalho de campo. Já chamamos a
do do Rio de Janeiro e conformam o cer-
atenção para o crescimento significativo
ne do “modelo das operações tópicas”
da incidência de crimes patrimoniais e da
(GRILLO, 2016).
letalidade decorrente de ações policiais/
militares na RMRJ, mas cabe também sa- Tal método de combate ao crime e às
25

lientar a vigente intensificação das dispu- drogas depende de que não haja poli-
ciamento regular em determinadas áreas duzindo novas tensões às dinâmicas cri-
da cidade, de modo que a presença da minais, em especial na relação entre trafi-
polícia se dê apenas por meio de opera- cantes e assaltantes. Durante os anos de
ções esporádicas e relativamente impre- expansão das UPPs, traficantes buscaram
visíveis. Sob o argumento de que não há reprimir a atuação de assaltantes para
segurança para os policiais realizarem evitar uma ocupação ou possibilitar uma
rondas cotidianas e atenderem a ocor- negociação com as forças ocupantes
rências nos mesmos moldes em que fa- (GRILLO, 2016). Esta dinâmica parece ter
zem no restante da cidade, grandes por- se transformado novamente e entrevistas
ções territoriais são taxadas como “áreas realizadas oferecem-nos os indícios de
de risco” e relegadas ao controle armado que hoje, após o fracasso das UPPs e a
de criminosos. Ao mesmo tempo, o impe- volta dos tiroteios no espaço das favelas,
rativo de combate ao tráfico de drogas e o tráfico tenha deixado de reprimir a atu-
crimes patrimoniais opera como justifica- ação de ladrões e esteja, pelo contrário,
tiva para a criação de territórios de exce- participando do lucro dos roubos.

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ção nos quais vige a suspensão de direi-
Como se sabe, os traficantes de drogas
tos civis e produz-se nos moradores que
do Rio de Janeiro oferecem resistência às
estão no “fogo cruzado” entre a violência
incursões bélico-policiais em favelas, ao
do tráfico e da polícia, uma experiência
mesmo tempo que se esforçam para pre-
de “vida sob cerco” (MACHADO DA SIL-
servar o funcionamento cotidiano de suas
VA & LEITE, 2008).
“bocas de fumo” mediante o pagamento
Diante da expectativa de sediar partidas à polícia, do suborno/extorsão conhecido
da Copa do Mundo de Futebol de 2014 como “arrego” (BARBOSA, 1998, 2005).
e os Jogos Olímpicos de 2016, o Gover- O valor desta “mercadoria política” (MIS-
no do Estado do Rio de Janeiro empe- SE, 1999, 2006) é ajustado em função das
nhou-se, a partir de 2008, na reformu- dinâmicas de confronto e acordo entre o
lação, através das UPPs, dos moldes da tráfico e forças da ordem, em que as ope-
relação entre polícia e tráfico em diversas rações bélico-policiais se prestam muitas
regiões consideradas estratégicas para a vezes a medir a capacidade de resistência
segurança dos megaeventos. Uma cida- dos traficantes à ação policial e impor o
de na qual existem áreas controladas por pagamento do “arrego” (GRILLO, 2016).
grupos criminosos, policiais utilizam fuzis No entanto, a possibilidade de negociar
para combater a criminalidade comum a redução da repressão policial não está
e os tiroteios no espaço urbano foram disponível quando se trata de operações
incorporados ao cotidiano não poderia que visam à recuperação de veículos rou-
receber os referidos eventos sem passar bados ou a retaliação por roubos prati-
por consideráveis transformações. Com cados por “bandidos” de uma determina-
as UPPs, a Polícia Militar passou a ocu- da favela. Por isso, traficantes sempre se
par de maneira estável e policiar regular- esforçaram para controlar a atuação de
mente uma série de regiões antes con- assaltantes, por vezes sacrificando-lhes a
troladas por traficantes, de modo que a vida para manter seus negócios.
contiguidade entre policiais e traficantes
Assim, o significativo aumento de inci-
dentro do espaço das favelas modificou
dência e a mudança de padrão de ocor-
os moldes de relação que se desenharam
rência dos crimes contra o patrimônio no
ao longo das três décadas anteriores, re-
Rio de Janeiro apontam para uma trans-
configurando a geopolítica local.
formação em curso nos mercados crimi-
Tais mudanças repercutiram para além nais. Circulam entre policiais e morado-
26

das relações entre polícia e tráfico, intro- res de favelas, rumores que alguns chefes
do tráfico estariam agora incentivando em favelas cariocas, apoiando outrora o
e participando dos lucros de roubos, em ADA e atualmente o TCP.
vez de reprimi-los. No caso específico do
A intensificação das disputas por territó-
roubo de cargas, a “contenção” das “bo-
rios de atuação entre facções, a alardeada
cas de fumo”, isto é, a resistência armada
mudança na atitude do tráfico com rela-
oferecida por traficantes às incursões po-
ção aos roubos e a adesão dos trafican-
liciais em favelas, tem sido determinante
tes a práticas características das milícias,
para que caminhões roubados sejam des-
como a cobrança de taxas sobre serviços
carregados à salvo de intervenção poli-
básicos, sinalizam para uma possível per-
cial. Mesmo quando a polícia identifica
da de lucratividade da venda de drogas.
o paradeiro do caminhão, não consegue
organizar uma operação em tempo há- Policiais entrevistados referiram-se a este
bil para a sua recuperação e sim apenas movimento como “diversificação” das
para uma retaliação posterior e a apreen- atividades do tráfico. Assim, nossa hipó-
são dos veículos e cargas já abandona- tese de que a crise e a consequente per-

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dos. É a resposta a essa transformação da de poder de consumo da população
que parece pautar as recentes iniciativas afetaram tanto os comércios legais como
de reforço na segurança pública, que cul- os ilegais não se restringe às dinâmicas
minaram no ano de 2018 com a interven- do roubo e receptação, mas também ao
ção federal. tráfico de drogas. É face à complexidade
das transformações em curso nos merca-
Ao mesmo tempo, observa-se também
dos criminais do Rio de Janeiro que te-
uma intensificação das disputas entre co-
mos refletido sobre o impacto da crise
mandos criminais pelo controle dos pon-
econômica sobre as recentes transforma-
tos de venda de drogas em territórios de
ções nos mercados criminais no Rio de
favelas. O aumento da ocorrência de tiro-
Janeiro.
teios possivelmente não se deve apenas
à maior frequência operações policiais e/ De forma sumária, caberia sublinhar:
ou militares, mas também às “guerras” 1. Nosso trabalho de campo indica
concorrenciais entre traficantes, que têm que está em curso uma série recon-
redesenhado as fronteiras geopolíticas figurações das organizações e mer-
entre comandos no Rio de Janeiro. Os
cados criminais no Rio de Janeiro
Amigos dos Amigos (ADA), que até pou-
(tráfico de drogas, milícia, roubo de
co tempo eram a segunda mais impor-
veículos, cargas, dentre outros);
tante facção do estado, perderam territó-
rios e homens para o Comando Vermelho 2. Essas reconfigurações ganham in-
(CV) e Terceiro Comando Puro (TCP), es- tensidade durante a crise socioeco-
tando à beira da extinção. E o Primeiro nômica, que coincide temporalmen-
Comando da Capital (PCC), oriundo de te com a crise da política das UPPs,
São Paulo, desde a sua ruptura de aliança a primeira tomando corpo entre os
com o Comando Vermelho em 2016, pas- anos de 2014-2015, a segunda entre
sou a interferir nas dinâmicas de “guerra” 2013-2014.
27
2

O DIRECIONAMENTO
DO USO DA FORÇA
DO ESTADO

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2.1 A PRESSÃO DAS ao ponto de o governo decretar em 2016
ENTIDADES EMPRESARIAIS o estado de calamidade pública no âm-
bito da administração financeira. Passa-
Desde 2009 a defesa patrimonial pos-
mos por um dos momentos mais graves
sui inscrição oficial e dirige as ações e
da história fluminense, que é tecnica-
esforços policiais em sua atuação coti-
diana. Os indicadores estratégicos de mente uma crise de Estado. Produziu-se
criminalidade no Estado do Rio de Ja- a incapacidade de arrecadação por meio
neiro são três: letalidade violenta, rou- de programas de isenção fiscal politica-
bo de veículos e roubos de rua. Note-se mente orientados, desencadeando a in-
que dos três indicadores, dois se refe- viabilidade operativa da administração,
rem a crimes contra o patrimônio, sendo o fechamento de setores estratégicos,
que há pressões de entidades patronais atrasos no pagamento dos salários de
para que o roubo de cargas seja incluído servidores, o sucateamento de serviços
como quarto indicador. Para o Instituto públicos e, mesmo, de obras do passa-
de Segurança Pública (ISP-RJ), tratou- do recente de megalomaníacos eventos,
se de produzir “indicadores com maior para ficar apenas em alguns (poucos)
impacto na sensação de insegurança da exemplos. Esse cenário de terra arrasada
população”, que serviriam para o moni- foi provocado pelos desmandos, a pilha-
toramento das ações em toda a área de gem e a péssima administração de políti-
segurança no estado18. Já a estratégia cos investigados – e muitos deles presos
gerencial, concebida por consultorias – que levaram a população do estado a
privadas, é construir indicadores de per- uma grave experiência de “crise”.
formance capazes de induzir a ação dos A saída que se buscou para a crise de
profissionais de segurança pública em Estado passou pela obtenção de emprés-
uma certa direção. timos e pelo voluntarismo militarista da
Mas o gerencialismo da administração intervenção federal na segurança públi-
pública do Rio de Janeiro vai muito mal, ca, que contou com o aceno positivo de
parte da população. Como demonstrado
18 Informação obtida na página de internet do ISP.
acima, o Rio atravessa uma grave reces-
28

Disponível em: http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?i-


dent=70. Acesso em: 14, nov. 2019. são econômica, e foi em meio a esse ator-
doamento que se fortaleceu a adesão as tes) não trabalham em cima da mancha
promessas de lei e ordem. criminal. Quem paga leva” (O GLOBO,
10/12/2015). Já o então secretário de go-
A compreensão desse momento deve
verno do Estado, Paulo Melo, esclareceu,
passar pela atenção às relações entre os
em defesa ao programa, que a escolha
grupos políticos que há tempos governam
das áreas foi feita a pedido do cliente e
o Estado do Rio de Janeiro e poderosos
que, “como em qualquer lugar do mun-
grupos privados, que têm direcionado as
do, quem financia escolhe” (PÚBLICA,
políticas de segurança pública cada vez
19/02/2016).
mais à defesa patrimonial. Isso não é novi-
dade e há uma longa história que poderia Além de violar a universalidade da segu-
ser contada. Mas nos concentraremos em rança pública via prestações de serviços
apenas alguns pontos dos desdobramen- privados em áreas específicas, busca-se
tos recentes desse percurso. produzir a sensação de segurança pelo
aumento da carga de trabalho dos pro-
A chamada “segurança presente” cons-

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fissionais e não pelo reforço do seu con-
titui um movimento importante. Gestada
tingente. A oficialização do “bico”, que
no interior de articulações entre a Se-
retira desses profissionais seu tempo de
cretaria de Estado de Governo e setores descanso, com impactos sobre sua saú-
empresariais, teve início no final de 2015 de mental e integridade física, foi agra-
por meio de um convênio entre a Secre- vada pelo contexto de penúria do Esta-
taria Estadual de Assistência Social e do, quando policiais passaram a receber
Direitos Humanos, a Prefeitura Munici- precariamente os seus salários. A “venda
pal do Rio de Janeiro e a Federação do do descanso” não incorporado a folha de
Comércio do Estado do Rio de Janeiro pagamento (com valores variando entre
(FECOMÉRCIO) (decretos, 45475/2015 R$150 e R$200 reais por turno adicional
e 45702/2016). Com investimentos par- de 8 horas) apresentou-se como salvação.
tilhados entre os poderes públicos e a
entidade patronal, estimados em quase Uma dinâmica perversa parece ter sido
R$50 milhões de reais anuais, estabe- gestada nas polícias. O sinal amarelo foi
leceu-se uma gratificação temporária a acionado pelo registro de diminuição do
agentes das forças armadas, policiais ci- efetivo para o patrulhamento em alguns
vis e policiais militares que reforçam o bairros, porque policiais preferem traba-
lhar para as “operações presente”, com
patrulhamento de áreas específicas.
pagamentos mais generosos que aqueles
Trata-se de um programa de proteção feitos por meio do Regime Adicional de
patrimonial cujo objetivo é estimular o Serviço (RAS). O sinal vermelho foi liga-
comércio carioca. Por isso, a sua atuação do quando o já citado deputado Paulo
se concentra em áreas de apelo turístico, Melo foi preso junto com Jorge Picciani,
como o Aterro do Flamengo e a Lagoa presidente da ALERJ, acusados de rece-
Rodrigo de Freitas, ou de forte ativida- ber propinas de empresários dos ônibus.
de comercial, como o Centro, a Lapa e o Além disso, Orlando Diniz, ex-presidente
Méier. Logo no início do “segurança pre- da FECOMÉRCIO, preso em desdobra-
sente”, o então secretário de segurança mento da operação Lava Jato que visava
pública, Jose Mariano Beltrame, se disse o grupo do ex-governador Sérgio Cabral
não informado sobre o programa e classi- Filho, está sendo acusado pelo Ministério
ficou a iniciativa como segurança privada Público de fabricar dossiês com dados
semelhante à “vigilância de shopping”. sigilosos coletados por policiais civis. As
Para Beltrame: “O problema desse tipo relações perigosas entre meios empresa-
29

de patrulhamento é que eles (os agen- riais, políticos, policiais e criminosos pa-
rece ter sido favorecida com esse movi- nio, tal como o roubo de carros, o con-
mento de salvaguarda patrimonial. Seria trabando e a pirataria; (4) a ausência de
esse o sentido oculto da frase de Paulo fiscalização e repressão nas feiras e pon-
Melo “quem financia escolhe”? tos de venda dos produtos roubados, em
Para nós, a intervenção federal no Rio geral em favelas ou áreas periféricas; (5)
de Janeiro pode ser pensada também os elevados custos econômicos do rou-
por meio do direcionamento das ações bo, gerando perdas de produtividade e
de segurança pública para a atuação financeiras para empresários e para o es-
na proteção patrimonial construída nas tado, com a redução de arrecadação, o
relações entre entidades empresariais aumento do preço final para o consumi-
e poderes públicos. “Pôr termo a grave dor e a desistência de empresas em atuar
comprometimento da ordem pública” no Rio; (6) a disparada nos preços de se-
foi o argumento constitucional evoca- guros no Rio e a contratação de serviços
do para fundamentar a intervenção, cuja privados especializados em segurança

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plausibilidade fora preparada durante o por empresas.
carnaval por meio da cobertura midiá- A segunda pista diz respeito aos diver-
tica de roubos e arrastões nas ruas da sos esforços empreendidos por entida-
capital. A ênfase conferida aos crimes des empresariais, sobretudo a FIRJAN,
contra o patrimônio na construção do para pressionar as autoridades estatais
imaginário de descontrole na seguran- a oferecerem maior segurança para a
ça do Rio aponta para qual o sentido da posse e circulação de bens na cidade.
“ordem pública” que se viu comprome- Esta entidade, obteve êxito em influen-
tido. Só não foi explicitado qual o tipo ciar a formulação do Plano de Desen-
de roubo que realmente preocupa as au- volvimento Urbano Integrado da Região
toridades ao ponto de articularem uma Metropolitana do Rio de Janeiro (PDUI
intervenção, no caso, o roubo de cargas. -RMRJ) e o Plano Estratégico de Logísti-
O acompanhamento sistemático da co- ca e Cargas do Rio de Janeiro (PELC RJ
bertura da grande imprensa sobre a as- 2045), lançado em 2016. Nos anos que
censão vertiginosa da prática do roubo antecederam a intervenção, a FIRJAN já
de carga na Região Metropolitana do Rio vinha atuando incisivamente para reivin-
de Janeiro, sobretudo a partir de 2015, dicar o retorno de tropas federais para
nos forneceu algumas pistas significati- o Estado (FIRJAN, 16/06/2017) e para a
vas sobre a centralidade adquirida pela formulação e aprovação de projetos de
gestão da mobilidade e circulação para lei visando ao combate ao roubo de car-
o processo de acumulação capitalista na gas, como a PL 1.639/12, aprovada pela
cidade. A primeira dessas pistas se refere ALERJ em 2016, que veda a comercia-
à cobertura quase diária do tema, com- lização, fabricação e aquisição de apa-
binando informações sobre (1) a reconfi- relhos eletrônicos usados para bloquear
guração do crime no estado e suas novas sinais rastreadores de veículos (FIRJAN,
formas de atuação; (2) a atratividade do 02/05/2017). Produziu também uma sé-
roubo de cargas para facções criminosas rie de relatórios relacionados ao tema
diante da inexistência de uma legislação como: “O impacto econômico do roubo
que assegure punições mais severas à de cargas no estado do Rio de Janeiro”
prática, da crise do Estado e do vazio de (FIRJAN, 2017a), “O impacto do roubo
autoridade e condições materiais para a de cargas no Brasil” (FIRJAN, 2018) e “O
devida operacionalização das forças de avanço da criminalidade no Rio de Ja-
segurança; (3) o aumento de diversos neiro: retrato e propostas para a segu-
30

outros tipos de crimes contra o patrimô- rança pública (FIRJAN, 2017b)”.


Em entrevista a equipe de pesquisadores, 2.2 OPERAÇÕES POLICIAIS
o presidente da FETRANSCARGA-RJ afir-
No Rio de Janeiro, ao longo das últimas
mou que vinha há muito tempo reivindi-
décadas, tiroteios no espaço urbano fo-
cando uma intervenção pelas autoridades
ram incorporados ao cotidiano dos habi-
federais no Rio de Janeiro, mas que esta só
tantes da cidade, principalmente à rotina
teria se tornado uma realidade após a ade-
dos moradores de favelas, que vivem no
são da FIRJAN ao movimento de pressão
“fogo cruzado” entre a atuação violenta
política. Durante o período da intervenção,
das forças policiais e os grupos armados
reuniões mensais entre representantes de
de traficantes de drogas que controlam
entidades empresariais, e autoridades poli-
esses territórios. Tal situação se deve aos
ciais e militares eram realizadas no Centro
processos sócio-históricos de acumula-
Integrado de Comando e Controle (CICC),
ção das redes do varejo de drogas em
sede da intervenção, para debater as me-
favelas cariocas (MISSE, 2006) e à pre-
didas de combate ao roubo de cargas.
dominância de um modelo violento de
Como resultado da prioridade concedida

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combate ao crime comum centrado no
ao combate ao roubo de cargas, houve,
policiamento ostensivo, sobretudo, em
durante a intervenção, uma redução de
operações de incursão bélico-policial em
17,2% na incidência deste tipo de crime no
favelas. Como colocado acima, tal méto-
estado, sendo -29,5% na capital e -23,6%
do de combate ao crime depende de que
na Baixada Fluminense (OBSERVATÓRIO
não haja policiamento regular em deter-
DA INTERVENÇÃO, 2019).
minadas áreas da cidade, taxadas como
Tendo em vista a influência exercida por “áreas de risco”, de modo que a presen-
entidades empresais sobre o direciona- ça da polícia se dê apenas por meio de
mento dos recursos e modos de atua- operações esporádicas e relativamente
ção das políticas de segurança pública, imprevisíveis.
deparamo-nos com a necessidade de
analisar quantitativamente o direciona- Tais incursões são a principal estratégia
mento da atuação das forças da ordem de combate ao crime na RMRJ e for-
de modo a buscar identificar possíveis malmente têm como objetivo prender
transformações relacionadas a mudan- e/ou matar suspeitos, apreender armas,
ças de conjuntura. drogas, dinheiro e/ou recuperar veícu-
los e demais bens roubados. As perver-
Para retomar os principais argumentos sas dinâmicas e efeitos das relações de
desse item de forma sintética: confronto e negociação espúria entre
1. No momento de convergência do policiais e traficantes nessas operações
aumento dos crimes patrimoniais e foram analisadas etnograficamente por
da crise socioeconômica, as entida- diversos pesquisadores. As experiências
des empresariais se organizam para vividas nos momentos de “operações” fo-
reivindicar maior proteção patrimo- ram relatadas de forma bastante contun-
nial dos poderes públicos e esta se dente por meio de dezenas de pesquisas
torna o centro do debate público so- qualitativas conduzidas junto a policiais,
bre segurança pública; moradores e traficantes ao longo dos úl-
timos anos.
2. A ingerência das entidades patro-
nais tem como antecedentes ime- Estas mostram como a atuação de po-
diatos a operação “presente” e, por liciais se volta para o combate de “ini-
meio de sua influência e pressão, foi migos em territórios hostis” (KANT DE
um fator determinante para a inter- LIMA, 1995; MUNIZ, 1999); como o “ter-
31

venção federal no Rio de Janeiro. ror” vivenciado pelos moradores que se


encontram no “fogo cruzado” entre a A inexistência de uma reflexão sobre os
violência de traficantes e policiais pro- números das operações de incursão em
duz uma experiência de “vida sob cerco” favelas pode ser entendida pela nature-
(MACHADO DA SILVA, 2008) ou “neuro- za das fontes privilegiadas que servem
se” e “asfixia” (FARIAS, 2008); e como de referência aos números produzidos e
a centralidade dos confrontos armados por uma perspectiva hegemônica ado-
torna não mais apenas a “disposição para tada para a construção dessa reflexão
matar” (ZALUAR, 1994), mas também a sobre quantidades. Grosso modo, po-
“disposição” para se lançar em aventura deríamos dizer que as fontes dos dados
de morte como um atributo fundamental que alimentam esse conjunto de atores
aos engajados no “crime” (GRILLO, 2013). e organizações sobre os temas da segu-
Tais operações também foram acima rança pública são majoritariamente esta-
descritas como parte dos cálculos para o tais e, particularmente policiais. De fato,
pagamento do chamado “arrego”, a com- os núcleos de irradiação são as polícias

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


pra de proteção que traficantes pagam a civis de cada estado da federação pela
policiais para que possam continuar seus competência de lavrarem os Registros
negócios ilícitos – conceitualmente defi- de Ocorrência (RO’s) - documentos ad-
nidas como “mercadorias políticas”. Des- ministrativos com o objetivo de notação
se ponto de vista, a atuação da polícia em de eventos que se inscrevem em tipifi-
favelas não se propõe a prover segurança cações penais para orientar a investiga-
pública para a população, mas a regular ção subsequente. Em segundo lugar, os
as atividades do tráfico e demais ativida- trabalhos sobre números realizados pelo
des criminais, ao custo de vidas e da ex- ISP versam sobretudo sobre as ocorrên-
posição de moradores de áreas pobres à cias criminais, procurando oferecer um
experiência de “fogo cruzado”. panorama das variações da incidência
dos crimes e de produtividade da ação
O quadro de caracterização etnográfi-
policial, com o objetivo de dar magnitu-
ca do modelo de operações policiais de
de à performance das instituições de se-
incursão em favelas, contudo, não foi
gurança pública, seguindo os programas
acompanhado da produção de elemen-
implantados pela SESEG.
tos quantificáveis, ou seja, não existem
informações que sirvam para apoiar o de- Desde 2009, o ISP também organiza os
bate público sobre esse modo de uso da dados para o “Sistema de Metas e Acom-
força estatal. Essas operações não figu- panhamento de Resultados”, baseado
ram nos registros administrativos de for- nos “Indicadores Estratégicos de Crimi-
ças policiais como um evento distinto do nalidade”. Como assinalado acima, essa
patrulhamento de rotina. Assim, não são estratégia gerencial foi concebida por
produzidos dados sobre a realização de consultorias privadas e visou a construir
operações, sua motivação e resultados. A indicadores de performance capazes de
ausência de registros ou documentos de induzir a ação dos profissionais da área
notação para ações estatais tão impor- de segurança pública em uma certa di-
tantes para a política de segurança pú- reção. Sobre esse ponto, a profusão de
blica do Rio de Janeiro não deixa de ser dados de algumas das grandes ONG’s
notável. Nos parece que a carência de in- e think tanks nacionais e internacionais
formações sobre as operações policiais é presentes do Rio de Janeiro também
uma ação administrativa que ilumina, por buscam criar parâmetros avaliativos de
desorganização ou falta de interesse, uma políticas públicas, dos regimes de eficá-
delimitação do que deve ou não deve ser cia de ações e programas, por meio de
32

posto em debate de forma pública. indicadores de performance, avaliação e


rankings, típicos do benchmarking (BRU- 12 anos (2007-2018) na RMRJ, com maior
NO, DIDIER, 2013). detalhamento para a cidade do Rio de
Janeiro, onde as operações parecem se
Nosso intuito é adentrar o debate pú-
concentrar. Uma primeira aproximação é
blico acerca do uso da força estatal por
necessária para fazermos a caracterização
meio da análise das chamadas operações
mais geral das operações policiais neste
policiais, não nos limitando a nos servir
recorte espacial e temporal, sobretudo
das estatísticas produzidas pelo poder
mostrando sua evolução no tempo, quais
público para avaliar resultados de políti-
instituições atuam nessas operações,
cas pré-estabelecidas, mas sim suscitar a
quais as principais motivações das ope-
produção de novas informações, a partir
rações e os efeitos dessas operações em
da sociedade civil, ampliando a capaci-
termos de apreensões, prisões e de letali-
dade de pensamento sobre os proble-
dade. Em seguida passaremos ao objeto
mas públicos. Como ambição, desejamos
mais específico desse estudo, qual seja, o
romper com o controle da produção de
entendimento do direcionamento da for-

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


informação e propiciar que a sociedade
ça do estado para a proteção patrimonial.
civil possa se colocar no centro de defini-
ção das políticas e propostas de soluções
para a insegurança pública.
Caracterização geral
Para tanto, o ponto de partida é que es- das operações policiais:
sas operações constituem o grande ins-
Os elementos descritivos mais gerais para
trumento da ação pública para a área de
a caracterização das operações policiais
segurança pública no estado do Rio de
aqui utilizados são a sua evolução tem-
Janeiro e como tal devem ser caracteri-
poral, as instituições oficiais que partici-
zadas à contento. Para podermos dimen-
param e suas motivações, ou seja, cabe
sionar o direcionamento do uso da força
entender quantas operações foram feitas
pelo Estado e testar as nossas hipóteses
ao longo de 2007-2018, quem foi o res-
de pesquisa, foi necessário construir uma
ponsável e por qual razão a operação foi
base de dados própria sobre as opera-
realizada. Como complemento importan-
ções policiais. Nos concentramos, em
te a essas questões, sempre que possível
particular, nas operações de incursão ar-
acrescentamos a variável localização, ou
mada realizadas pelas forças da ordem
seja, onde essas operações foram feitas.
(policiais, mas também militares) em ter-
ritórios taxados como “áreas de risco”, Em primeiro lugar, chama a atenção a
notadamente favelas e bairros pobres enorme quantidade de operações na
do Rio de Janeiro, controlados por gru- RMRJ durante o período considerado.
pos armados de traficantes ou milicianos. Como explicado na nota metodológica,
Adotamos como fonte de informação os consideramos nossos dados não como o
principais jornais de “notícias policiais” total das operações, mas como uma esti-
(Extra, Dia e Meia Hora) e dados prove- mativa confiável, assumidamente subes-
nientes de redes sociais, especialmente o timada, mas, ainda assim, é notável que
Twitter. Este trabalho visa a estabelecer foram notificadas mais de 10 000 ope-
duas fontes comparativas com vistas a rações em doze anos, média de mais de
conferência das notificações das opera- duas operações por dia.
ções policiais19.
Sobre essa dupla base, o objetivo foi pro-
duzir dados sobre operações nos últimos
33

19 Ver nota metodológica para maiores detalhes.


GRÁFICO 12
Números absolutos de operações (RMRJ, 2007-2018)

1400

1200

1000

800

600

400

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


200

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

É importante notar que desde 2008 o Federal na segurança pública do estado


número de operações apresentava uma em 2018, a ocorrência de operações re-
tendência de queda bastante significati- torna ao patamar de 2014. Como vere-
va e que, entre 2013 - 2014, esse número mos mais a frente, o direcionamento das
cresce novamente. Nos parece que essa operações para a proteção patrimonial
queda pode estar associada à implemen- tem grande peso no aumento do número
tação das UPPs em 2008 e, consequen- de operações justamente entre os anos
te ao seu desmantelamento, a partir de de 2017-2018.
2013, com a crise do modelo, o número Considerando a distribuição espacial do
de operações começa a aumentar. total das operações, a capital fluminense
O período mais agudo da crise socioe- apresenta amplo predomínio das opera-
conômica e do aumento dos crimes pa- ções (79,9%), seguido da Baixada Flu-
trimoniais, entre 2015-2016 é coinciden- minense (11,5%) e o leste metropolitano
te com uma diminuição expressiva das (8,6%). Esse número pode apresentar
operações. Não podemos esquecer que distorções, porque as notificações na
durante esses anos houve paralisia gene- capital via de regra apresentam maior
ralizada dos serviços públicos, incluindo visibilidade nas redes sociais e nos jor-
também a falta de pagamento para po- nais que em outros lugares. Os cinco
municípios com maior número de ope-
liciais militares e civis no Rio de Janeiro,
rações registradas foram o Rio de Ja-
o que pode ter afetado a ocorrência de
neiro (79,9%), Duque de Caxias (4,4%),
operações.
São Gonçalo (4,4%), Niterói (3,5%) e
Já nos anos subsequentes, caracteriza- Belfort Roxo (1,9%), lugares de grande
dos pelos decretos da Garantia de Lei e ocorrência de roubos de carga, a ex-
34

Ordem (GLO) em 2017 e de Intervenção ceção de Niterói. Na cidade do Rio de


MAPA 1
Total de operações por município (RMRJ, 2007-2018)

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

MAPA 2
Total de operações por bairro (Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)

35

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora


Janeiro, nota-se também uma concen- de carga), situados entre as zonas norte
tração maior das operações em bairros e oeste da cidade. Os cinco bairros do
com grande incidência de roubo de car- Rio de Janeiro com maior porcentagem
gas (7 bairros entre os 10 bairros com de operações foram o Complexo do Ale-
maior aumento encontram-se entre mão (5,5%), Maré (4,8%), Penha (4,5%),
aqueles com grande registro de roubo Bangu (3,6%) e Costa Barros (3,6%).

GRÁFICO 13
Porcentagem de motivações válidas das operações
(RMRJ, 2007-2018)

50,0
45,1
45,0

40,0

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


35,0

30,0

25,0
19,4
20,0

15,0 12,7

10,0 8,6 8,0


6,1
5,0

0,0
Repressão ao Mandado Retaliação Operações Fuga/ Disputa
tráfico de armas de busca por morte patrimoniais perseguição entre grupos
e drogas e apreensão ou ataque criminais

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

Um segundo elemento geral de caracteri- ou busca e apreensão (19,4%), retaliação


zação são os motivos que são declarados por morte e ataque de unidade policial
para a realização das operações, bastan- (12,7%), patrimoniais (8,6%), fuga e per-
te iluminadores do direcionamento do seguição (8,0%) e disputa entre grupos
uso da força do Estado por parte das for- criminais (6,1%). Se aparentemente a po-
ças da ordem. Um primeiro elemento que lítica de guerra às drogas parece predo-
chama a atenção é que em 31,4% das ope- minar amplamente como motivação das
rações não consta nenhuma informação operações, observando atentamente as
acerca da sua motivação. Essa ausência nossas fontes no momento de coleta de
é em si um dado importante, pois denota dados, percebemos que muitas opera-
não apenas a falta de transparência, mas ções são notificadas como repressão
também a não necessidade de apresen- ao tráfico de drogas e armas (e assim
tar uma justificativa para a realização de as registramos), mas quando olhadas
incursões armadas nas áreas pobres do em contexto, as razões pareciam apon-
Rio de Janeiro. No gráfico acima, sepa- tar em outras direções, ou seja, a pre-
ramos apenas as motivações válidas, ex- dominância dessa motivação pode ser
cluindo as categorias “sem informação” e sobredeterminada por uma justificativa
“outros”. O motivo mais recorrente é a re- geral ao qual sempre se designa a ope-
pressão ao tráfico de drogas e armas de ração, o que não deixa de ser de inte-
36

(45,1%), seguido de mandado de prisão resse analítico, mas ao mesmo tempo


indica uma imprecisão no apontamento são os mandados) e a alta porcentagem
das motivações. Por outro lado, cabe de operações motivadas por retaliação
destacar nesses dados a baixa porcen- por morte e ataque à unidade policial, o
tagem de operações que provêm de que indica quase que um ato de vingan-
investigações judiciais (cujo indicativo ça institucional.

GRÁFICO 14
Motivações válidas das operações por ano
(RMRJ, 2007-2018)
400

350

300

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


250

200

150

100

50

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Disputa entre grupos criminais Fuga / perseguição Mandado de busca e apreensão


Operações patrimoniais Repressão ao tráfico de armas e drogas Retaliação por morte ou ataque

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

Ao observar as motivações das ope- mica, o que pode indicar que as opera-
rações na linha do tempo do período ções de retaliação por morte ou ataque
considerado, parte das considerações à unidade policial estejam ocorrendo
anteriores podem ser mais bem quali- mais como resposta mais ou menos
ficadas. Mesmo com a sobredetermina- descoordenada à ações pontuais e lo-
ção das operações de repressão ao trá- cais do que por ações dirigidas de for-
fico de armas e drogas já mencionada, ma mais central. Como hipótese com-
o período de crise das UPPs (pronun- plementar, poderíamos dizer também
ciado em 2014) apresenta um aumento que a sobredeterminação das opera-
das operações de retaliação por morte ções de repressão ao tráfico de armas e
ou ataque à unidade policial e daque- drogas talvez possa ter diminuído nesse
las provenientes de mandado de busca cenário de crise das UPPs e da crise so-
e apreensão, o que pode ser deduzido cioeconômica, ganhando maior visibili-
por uma perda e/ou tentativa de reto- dade o cenário mais próximo do que as
mada da ocupação das áreas de UPPs operações realizam efetivamente nesse
por parte das forças da ordem em con- contexto conflitivo. Por fim, como des-
texto de intenso conflito bélico. Como creveremos em detalhe nos próximos
também já dito, a partir de 2014-2015 capítulos, é visível que ganha proemi-
37

inicia-se o período da crise socioeconô- nência as operações patrimoniais.


MAPA 3
Principal motivação das operações por município (RMRJ, 2007-2018)

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

MAPA 4
Principal motivação das operações por bairro
(Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)

38

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora


Com relação à localização das opera- ções relacionadas à retaliação por mor-
ções, quando observada na escala da re- te e ataque à unidade policial os bairros
gião metropolitana do Rio de Janeiro, em principais foram o Complexo do Alemão,
apenas 4 municípios predominam moti- Penha, Lins de Vasconcelos, Rocinha e
vações diferentes da repressão ao tráfi- Cidade de Deus; as operações com man-
co de drogas e armas: em Paracambi e dado de busca e apreensão tiveram forte
Guapimirim predominam as operações presença na Penha, Maré, Rocinha, Com-
com mandado de busca e apreensão e plexo do Alemão e Tijuca; com relação às
Seropédica e Maricá apresentam moti- operações com motivações patrimoniais
vações múltiplas, sem predominância. os principais bairros foram Costa Barros,
Contudo, quando olhamos no interior do Pavuna, Penha, Bangu e Jardim Améri-
município do Rio de Janeiro, as motiva- ca; os bairros principais com operações
ções se apresentam de forma mais va- motivadas por fuga e perseguição foram
riável, apesar do predomínio da repres- Complexo do Alemão, Rocinha, Mangui-
são ao tráfico de drogas e armas. Santa nhos, Penha e Cidade de Deus; finalmen-

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


Cruz, Maré, Bangu, Penha e Cidade de te, as operações com a finalidade de in-
Deus foram os bairros onde mais ocorre- tervir em disputa entre grupos criminais
ram operações voltadas para a repressão foram Vicente de Carvalho, Maré, São
ao tráfico de drogas e armas; nas opera- Conrado, Leme e Santa Cruz.

GRÁFICO 15
Porcentagem de participação das instituições em operações
(RMRJ, 2007-2018)

90,0

80,0 78,2

70,0

60,0

50,0

40,0

30,0
18,7
20,0

10,0
2,0
0,6 0,1 0,2 0,07 0,03
0,0
Polícia Polícia Forças Polícia Ministério Força Polícia Bombeiros
Militar Civil Armadas Federal Público Nacional de Rodoviária
Segurança Federal

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

O último elemento geral das operações dado seu caráter ostensivo, participou de
consideradas no período são as institui- 78,2% das operações no período, seguida
ções que participaram dessas operações. da Polícia Civil, com 18,7% de participação
39

A Polícia Militar, como era de se esperar e o Exército com 2,0% de participação.


GRÁFICO 16
Porcentagem de participação das divisões em operações policiais
(RMRJ, 10 principais divisões, 2007-2018)

9,0
8,4
8,0

7,0

6,0
5,1
5,0
4,1
3,8 3,7
4,0 3,5 3,5 3,2
3,0
3,0

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


2,0

1,0

0,0
BOPE 14 BPM 41 BPM 16 BPM 9 BPM CORE BP Choque 7 BPM 22 BPM

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

Dentre as divisões que mais participa- ensões, assim como de mortos, feridos
ram das operações, selecionamos as dez e de chacinas (aqui definidos como
divisões que proporcionalmente mais ocorrência de mais de três mortes).
atuaram. Dentre essas dez principais di- Em uma primeira etapa, faremos isso
visões, nove são da polícia militar, sendo com dados totais, em seguida pen-
dois batalhões de operações especiais sando essas variáveis para cada mo-
(BOPE e BPCHQ) e sete batalhões de tivação das operações, dado que essa
área, além de uma unidade de opera- variação nos permite levantar algumas
ções especiais da polícia civil (CORE). questões mais precisas. Este percurso
Cabe destacar que, dentre os sete ba- será realizado sempre com atenção
talhões de área listados, 1 atua na zona para as diferenças nos municípios da
oeste (14° BPM,), 4 na zona norte (41° RMRJ e bairros da capital.
BPM, 16° BPM, 9° BPM e 22° BPM) e 1 no
leste fluminense (9°BPM). O primeiro resultado a ser analisado é a
porcentagem de apreensões e prisões.
Em 61,0% das operações notificadas
Operações policiais e seus resultados: houve apreensões e em 46,0% prisões.
Após estimarmos o volume, os auto- Dentre as apreensões, 42,0% eram ar-
res e as razões das operações poli- mas, 41,0% drogas, 8,0% veículos (so-
ciais, seguindo sempre as diferenças mados carros e motos) e 6,0% cargas
dos lugares onde ocorrem, cabe em (somados cargas e veículos de cargas).
seguida buscar entender os resultados Cabe destacar que as porcentagens não
dessas operações. Nesse item busca- somam 100% pois há operações com
remos apontar algumas variáveis que concomitância de prisões e apreensões
40

estimam o número de presos e apre- ou de tipos de bem apreendido.


GRÁFICO 17
Porcentagem de operações com apreensões por tipo
(RMRJ, 2007-2018)

45%

40%

35%

30%

25%

20%

15%

10%

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5%

0
Armas apreendidas Drogas apreendidas Veículos recuperados Cargas e veículos
de cargas
recuperados

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

MAPA 5
Operações com apreensões por município (RMRJ, 2007-2018)

41

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora


MAPA 6
Operações com apreensões por bairro
(Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

Dentre os cinco municípios com maior Roxo. Dentre os bairros, os cinco com
número de apreensões em operações, maior número de apreensões foram Maré,
encontram-se o Rio de Janeiro, São Gon- Costa Barros, Santa Cruz, Bangu e Cida-
çalo, Duque de Caxias, Niterói e Belfort de de Deus.

TABELA 2
Porcentagem de operações com apreensões por motivação
(RMRJ, 2007-2018)
Veículos
Drogas Armas Cargas Veículos Dinheiro
Motivações vàlidas de Cargas
apreendidas apreendidas recuperadas recuperados recuperado
recuperados
Disputa entre grupos criminais 2,7 4,6 1,7 1,8 4,3 1,9
Fuga / Perseguição 4,8 8,3 1,3 2,3 9,2 9,3
Mandado de busca e apreensão 12,5 14,9 5,7 3,7 20,1 29,0
Operações patrimoniais 2,8 4,7 78,9 79,9 24,0 6,2
Repressão ao tráfico 71,6 59,9 12,1 10,5 36,5 48,8
de armas e drogas
Retaliação por morte ou ataque 5,5 7,5 0,3 1,8 5,9 4,9
Total 100 100 100 100 100 100
42

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora


Quando procuramos qualificar as apre- muito maior, mesmo se percentualmente
ensões segundo as diferentes motiva- apareçam em segundo lugar.
ções das operações alguns resultados in-
Cabe destacar também que as operações
teressantes vêm à tona. Drogas e armas
que buscam intervir em disputas crimi-
são mais apreendidas em operações de
nais raramente realizam apreensões, assim
repressão ao tráfico de drogas e armas,
como retaliação por ataque a unidade poli-
justamente porque, tautologicamente é
cial e fuga/perseguição. Essas três motiva-
dessa forma que se justificam enquanto
ções são aquelas que também não costu-
tal. Aqui um olhar mais detido seria ne-
mam resultar em recuperação patrimonial.
cessário, pois parte grande dessas opera-
ções fazem apreensões muito pequenas e Por outro lado, as operações patrimoniais
de fato seria necessário verificar em qual são bastante dirigidas para os seus objeti-
medida são operações que procuram vos, recuperando principalmente cargas e
drogas e armas ou apenas se justificam veículos de carga. Veículos e dinheiro têm

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


dessa maneira. As operações motivadas uma distribuição semelhante, normalmen-
por mandado de busca e apreensão, via te vinculados a operações de repressão
de regra conseguem apreender em cada ao tráfico de drogas e armas, mandados
operação drogas e armas em volume de busca e apreensão e patrimoniais.

GRÁFICO 18
Número de mortos e feridos (civis e policiais)
e chacinas em operações (RMRJ, 2007-2018)

4500

4000

3500

3000

2500

2000

1500

1000

500

0
Mortos civis Mortos policiais Feridos civis Feridos Policiais Chacinas

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

Um segundo resultado a ser considerado de mortos, 3860 eram civis e 176 poli-
na compreensão das operações policiais ciais, vinte e uma vezes mais civis. Cons-
são as suas consequências violentas. tatamos também que em 372 operações
Considerando o total de operações, em houve chacinas. É notável que a diferen-
88,7 % houve disparos de armas de fogo, ça entre policiais e civis mortos e feridos
em 22,9 % mortos e em 18,9 % feridos. No seja tão grande, o que para nós aponta
período, notificamos 2426 feridos civis e claramente um desequilíbrio grande de
824 policiais, ou seja, mais ou menos três forças nos confrontos e consequências
43

vezes mais civis. Dentre as notificações letais graves nas operações policiais.
MAPA 7
Mortos em operações por município (RMRJ, 2007-2018)

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

MAPA 8
Mortos em operações por bairro (Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)

44

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora


TABELA 3
Porcentagem de operações com mortos, feridos e chacinas por motivação
(RMRJ, 2007-2018)

Motivações vàlidas Mortos Civis Mortos Policiais Feridos Civis Feridos Policiais Chacinas
Disputa entre grupos criminais 15,6 13,3 13,2 8,0 21,5
Fuga / Perseguição 11,1 9,5 14,8 10,9 9,0
Mandado de busca e apreensão 10,7 12,4 10,1 8,2 12,5
Operações patrimoniais 4,9 5,7 4,5 3,8 4,3
Repressão ao tráfico de armas e drogas 45,3 26,7 36,4 31,9 44,9
Retaliação por morte ou ataque 12,4 32,4 21,1 37,3 7,8

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

Dentre os cinco municípios com maior cias são menores, assim como as opera-

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


número de mortes em operações, en- ções com mandado de busca e apreen-
contram-se o Rio de Janeiro, Duque de são. Nessa direção, nos parece claro que,
Caxias, Niterói, São Gonçalo e Belfort aquelas operações que seguem procedi-
Roxo. Dentre os bairros, os cinco com mentos judiciais e investigativos (patri-
maior número de mortes foram Penha, moniais e com mandado de busca e apre-
Maré, Complexo do Alemão, Costa Barros ensão) tendem a ser menos violentas, ao
e Santa Cruz. passo que aquelas com menor direciona-
A relação entre mortos, feridos e chaci- mento judicial e investigativo (retaliação
na com as motivações das operações é por morte ou ataque à unidade policial e
bastante esclarecedora com relação aos disputas entre grupos criminais) são mui-
efeitos de violência das operações poli- to mais violentas.
ciais. É bastante claro e evidente que as
operações de repressão ao tráfico de dro-
gas e armas são aquelas em que mais ci- Operações policiais
vis e policiais são mortos e feridos, assim e Crimes patrimoniais:
como quando ocorrem mais chacinas. Depois dessa rápida caracterização das
Cabe destacar ainda que, as operações de operações policiais e seus resultados,
retaliação por morte ou ataque a unidade podemos retornar para o objetivo espe-
policial é aquela que mais vitimiza poli- cífico da compreensão das operações
ciais (mortos e feridos) e a segunda mo- policiais para este estudo, a saber, os
tivação que mais provoca ferimentos em crimes patrimoniais. Dessa forma, cabe
civis. Essas operações, que como já disse- aqui qualificar se houve ou não um dire-
mos podem ser vistas como uma espécie cionamento do uso da força estatal para
de vingança institucional, não deveriam a proteção patrimonial, assim como seus
fazer parte do repertório de ação policial. resultados, durante o período de aumen-
As disputas entre grupos criminais tam- to desse tipo de crime no bojo da crise
bém são a segunda causa de mortes de socioeconômica.
civis e de chacinas, pois entrando em situ- Em primeiro lugar cabe relembrar que
ações de conflito deflagrado, as forças da em todo o período considerado, as ope-
ordem acabam por multiplicar as mortes. rações policiais com motivações patri-
Por outro lado, as operações patrimoniais moniais representam 8,6% do total de
45

são aquelas nas quais tais consequên- operações.


GRÁFICO 19
Porcentagem das motivações patrimoniais do total de operações
(RMRJ, 2007-2018)
35,0

30,0

25,0

20,0

15,0

10,0

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


5,0

0,0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

Ao olhar detidamente o período, perce- ção foram o Rio de Janeiro (77,7%), São
bemos claramente que, nos anos de 2017- Gonçalo (7,8%), Duque de Caxias (4,2%),
2018 as operações patrimoniais tiveram Belfort Roxo (3,2%) e Niterói (2,5%), que,
um crescimento notável, verdadeira mu- a exceção de Niterói, são alguns dos mu-
dança de patamar quando observamos a nicípios nos quais os registros de ocorrên-
porcentagem de operações patrimoniais cia foram mais altos. Dentre os bairros do
ao longo dos anos anteriores. Nos dez Rio de Janeiro, os cinco que apresentaram
anos anteriores a 2017 (2007-2016), em o maior número de operações patrimo-
média as operações patrimoniais repre- niais foram Costa Barros (15,4%), Pavuna
sentavam cerca de 5,2% de todas as ope- (9,3%), Penha (4,4%), Bangu (4,2%) e Jar-
rações, entre os anos de 2017-2018, passa dim América (3,9%), todos eles lugares de
a 23,7% do total de operações. Este in- alta concentração de roubo de cargas.
crível aumento nos parece que se deveu
A descrição do tipo de apreensão prove-
a pressão das entidades empresariais,
nientes das operações patrimoniais é bas-
como já discutido anteriormente.
tante clara, dado que 31,5% foram cargas,
Ao olhar os mapas de municípios e bair- 23,4% veículos de carga, 18,5% veículos,
ros onde as operações patrimoniais tive- 16,1% armas, 9,2% drogas e 1,3% dinhei-
ram lugar, percebemos que não apenas ro. Somados cargas e veículos de carga
houve um direcionamento do uso da força chega-se a 54,9% do total no período. A
para a proteção patrimonial, mas que isso importância do roubo de cargas passou a
ocorreu particularmente no que tange ao ser central, especialmente depois de 2017,
enfrentamento do roubo de cargas. Isso como já dito, quando a pressão das enti-
porque os lugares de concentração des- dades empresariais foi mais intensa e o
sas operações são exatamente aqueles crime passou a ser um problema publica
nos quais os registros de roubo de cargas de grande visibilidade social e de enorme
são mais expressivos. Em primeiro lugar, importância para o direcionamento das
46

os cinco municípios de maior concentra- operações patrimoniais.


MAPA 9
Operações com motivação patrimonial por município (RMRJ, 2007-2018)

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

MAPA 10
Operações com motivação patrimonial por bairro
(Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)

47

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora


GRÁFICO 20
Porcentagem de tipos de apreensão em operações patrimoniais
(RMRJ, 2007-2018)

35,0

30,0

25,0

20,0

15,0

10,0

5,0

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


0,0
Drogas Armas Cargas Veículos de Veículos Dinheiro
apreendidas apreendidas recuperadas cargas recuperados recuperado
recuperados

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

MAPA 11
Tipos de apreensão em operações patrimoniais por município
(RMRJ, 2007-2018)

48

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora


MAPA 12
Tipos de apreensão em operações patrimoniais por bairro
(Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

Os dados referentes aos municípios da de fogo, 2,9 feridos e 4,2 mortos por ano
região metropolitana do Rio de Janeiro e neste tipo de operação. Entre os anos
dos bairros da capital reforçam esse di- de 2017-2018, encontramos uma média
recionamento das operações para a pro- de 83 ocorrências de disparos de armas
teção patrimonial e a sua concentração de fogo, 12,5 feridos e 11 mortos por ano.
para o combate ao roubo de cargas.
Como vimos no item anterior, as ope-
No mesmo período em que se aumen- rações patrimoniais não estão entre as
ta o número de operações patrimoniais, mais letais, dado que na maior parte das
especialmente voltadas ao combate vezes este tipo de operação não encon-
ao roubo de cargas, também podemos
tra resistência e encontra cargas e veí-
constatar que elas se tornam mais vio-
culos de cargas abandonados. Contudo,
lentas. No período de aumento das ope-
rações patrimoniais, cresce também os na medida em que as operações como
disparos de armas de fogo, o número de um todo são realizadas de forma bastan-
mortos e de feridos. Nos dez anos ante- te violenta, o seu aumento faz também
riores a esse aumento (2007-2016), ha- crescer o número total de disparos de
49

via uma média de 21,8 disparos de armas armas de fogo, mortos e feridos.
TABELA 4
Ocorrência de mortos, feridos e disparos de armas de fogo
em operações patrimoniais (RMRJ, 2007-2018)

Ano Mortos Feridos Disparo de arma de fogo


2007 8 7 57
2008 6 3 22
2009 3 2 16
2010 2 3 7
2011 5 2 12
2012 1 0 6
2013 7 6 44
2014 8 2 16
2015 1 1 11

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


2016 1 3 27
2017 16 21 139
2018 6 4 73
Tota 64 54 430

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

GRÁFICO 21
Porcentagem de operações patrimoniais com mortos e feridos
(civis e policiais) e chacinas (RMRJ, 2007-2018)

60,0

50,0

40,0

30,0

20,0

10,0

0,0
Mortos civis Mortos policiais Feridos civis Feridos Policiais Chacinas

Fonte: elaboração própria; Jornais O Dia, Extra e Meia Hora

No total das operações patrimoniais, en- operações houve chacinas, isto é, 3 ou


contramos em 54,6% civis mortos frente mais mortes. Por um lado, esse dado apon-
a 2,8% com policiais mortos; 29,6% das ta para a mesma tendência das operações
operações com feridos civis e 7,9% com em geral, como vimos no item anterior, ou
50

feridos policiais; ainda, em 5,1% dessas seja, que a violência das operações atinge
sobretudo a população civil. Essa seme- ca na área de segurança pública e
lhança pode ser notada com um peque- sua forma de incidência no período
no aumento para o caso das operações de 2007-2018 é pontuada pela ins-
patrimoniais em relação às operações talação e a crise das UPPs, a crise
em geral na porcentagem de operações
socioeconômica e o aumento dos
com policiais mortos (2% frente a 2,8%
crimes patrimoniais;
nas operações patrimoniais), feridos civis
(24% frente a 29,6% nas operações pa- 2. A letalidade de tais operações
trimoniais), feridos policiais (8% para am- esta vinculada às diferentes moda-
bas) e no número de chacinas (4% frente lidades das incursões policiais, sen-
a 5,1% nas operações patrimoniais). Por do mais letais quanto menos prove-
outro lado, em 22,9% das operações em
nientes de procedimentos judiciais
geral encontramos ocorrência de civis
e investigativos;
mortos frente a 54,5% das operações pa-
trimoniais, o que indica uma maior letali- 3. Houve um direcionamento bastan-

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dade em operações desse tipo. te evidente para as operações patri-
Pode-se afirmar, portanto, que houve um moniais entre os anos de 2017-2018,
direcionamento bastante claro no uso da com maior número de operações, re-
força estatal para a proteção patrimonial e, cuperações e apreensões, especial-
especificamente, para o roubo de cargas. mente aquelas voltadas para o roubo
Cabe aqui retomar partes do argumento: de cargas e este direcionamento fez
1. As operações policiais são o aumentar o número de mortos, feri-
grande instrumento da ação públi- dos e chacinas.

51
3

CONCLUSÃO
A principal motivação deste trabalho é te para cargas recuperadas, veículos de
a absoluta indignação com o direciona- carga recuperados, veículos recupera-

CIDADE & CONFLITO - Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro


mento do uso da força em operações dos e até dinheiro apreendido. Contudo,
policiais e militares para a proteção pa- a frequência de mortes quando drogas
trimonial em detrimento da defesa da são apreendidas é mais alta e, quando
vida no contexto da crise socioeconômi- armas são apreendidas ainda mais alta.
ca que atinge a Região Metropolitana do A esse respeito, é importante notar que
Rio de Janeiro (RMRJ). Se é notável que boa parte das armas e drogas apreendi-
houve um aumento das operações pa- das em operações são encontradas em
trimoniais, muito possivelmente para o posse de traficantes presos ou mortos
combate ao roubo de cargas, dado que pela polícia, ao passo que cargas e veí-
número de apreensões desse tipo tem culos, por exemplo, são recuperados no
um peso bastante grande em nossa pes- território. A resistência à apreensão des-
quisa, cabe então compreender os efei- tes bens é menor, pois eles podem ser
tos dessas operações não apenas para a recuperados sem a necessidade de cap-
proteção patrimonial, mas também suas tura de criminosos. Pesquisas etnográfi-
consequências frente ao direito à vida. cas ressaltam que traficantes costumam
Importante para esta conclusão é apon- oferecer resistência à entrada da polí-
tar que a relação entre operações de re- cia na favela apenas para ganhar tempo
cuperação patrimonial e letalidade não para fugir e se esconder com as cargas
é direta. De fato, ao observamos a leta- de drogas e armas que carregam consi-
lidade em cada uma das motivações ca- go. Não há pretensão de impedir a en-
tegorizadas, os mortos e feridos em ope- trada das forças da ordem no território.
rações de recuperação patrimonial são Contudo, outro aspecto merece ser con-
menos frequentes do que quando as ope- siderado. O período analisado de, como
rações têm outras motivações. Isto por- já mencionado anteriormente, é também
que quando observamos as notificações um momento em que as relações entre
de recuperação patrimonial, percebemos diversificação das atividades criminais e
que estas são muito frequentemente rea- corrida armamentista entre as diferentes
lizadas por meio de mercadorias e veícu- facções em guerra (incluindo as milícias)
los já abandonados depois do transbordo é bastante alto o que explica o maior nú-
e sem resistência. mero de operações pertencentes a ca-
É possível perceber que a frequência tegoria retaliação por ataque a unidade
em que ocorrem mortes em operações policial e repressão ao tráfico de drogas e
52

em que houve apreensões é semelhan- armas. O fato é que o roubo de cargas faz
parte dessas atividades de diversificação que a chamada “crise” produz alterações
das atividades criminais para incremen- nos mercados de trabalho criminais e não
to econômico nas atividades de guerra. criminais, assim como nas relações entre
Por isso, consideramos que o impacto do as cadeias de aprovisionamento de dife-
aumento do roubo de cargas na letalida- rentes produtos e serviços legais e ilegais.
de não pode ser visto apenas nas opera-
Em segundo lugar, partindo dessa hi-
ções que visam diretamente a recupera-
pótese, demonstramos como foi sendo
ção patrimonial. Outras motivações das
exercida a pressão política de entidades
operações, como os mandados de busca
empresariais sobre o planejamento das
e apreensão (que podem visar os frutos
ações em segurança pública no Rio de
do roubo de cargas), a repressão ao trá-
Janeiro com vias a direcionar o uso da
fico de drogas e armas (uma categoria
força estatal para a proteção patrimonial
sempre genérica por definição) e mesmo
em detrimento da proteção da vida por
a disputa entre grupos criminais (e suas
meio dos dados sobre operações milita-
guerras, como destacado), podem man-

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res e policiais na RMRJ. Coube então ilu-
ter relações indiretas com o roubo de
minar as relações entre operações poli-
cargas e seus desfechos violentos.
ciais direcionadas à proteção patrimonial
Essas relações indiretas entre recupera- e a letalidade decorrente de intervenção
ção patrimonial e letalidade ainda preci- policial/militar durante o período da crise
sam ser melhor qualificadas, mas pode-se socioeconômica.
então ter como hipótese que o direciona-
Este texto buscou apontar:
mento do uso da força para a proteção
patrimonial, além de ser uma escolha po- 1. Uma relação entre o aumento dos
lítica equivocada e tendenciosa de prote- crimes patrimoniais e a degradação
ger bens e não pessoas, potencialmente socioeconômica derivada da crise,
pode aumentar a letalidade, ainda que especialmente associada à perda do
isso somente possa ser percebido de for- poder de consumo das famílias e a
ma indireta. expansão dos mercados legais/Ile-
gais e as suas cadeias de aprovisio-
O argumento se estruturou em duas etapas:
namento;
Em primeiro lugar foi necessário compre-
2. Um direcionamento do uso da for-
ender de forma precisa como o aumento
ça estatal para a proteção patrimo-
dos crimes contra o patrimônio ocorre
nial, feito por meio de mudanças in-
no bojo da crise política e econômica do
ternas das dinâmicas criminais e da
Estado do Rio de Janeiro. Para tanto, le-
pressão de entidades empresariais;
vantamos a hipótese sobre a relação em-
pírica entre o aumento dos crimes patri- 3. Um apontamento de possíveis re-
moniais e o agravamento das condições lações entre estas transformações e
socioeconômicas na RMRJ, qual seja, de a letalidade proveniente de opera-
53
ções militares-policiais.
Apêndice: Nota Metodológica

lhadas do que as mídias sociais digitais.


Base de dados de operações policiais As informações coletadas a partir dos
jornais revelaram-se muito mais com-
Este estudo foi baseado no método
pletas que aquelas advindas da mídia
quantitativo de pesquisa, com constru-
social Twitter, que é pública e de livre
ção de base de dados primária a par-
acesso e que foi utilizada neste estudo
tir de notícias veiculadas em jornais de
para efeitos de correspondência com as
grande circulação na Região Metropoli-
informações de jornais. Isso sem contar
tana do Rio de Janeiro sobre operações
e ações policiais. Tendo em vista não com a qualidade da narrativa nos dois
tipos de mídias. A busca por informa-

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haver informações estruturadas dispo-
níveis sobre as operações de polícia no ções que virariam dados numa base
Estado do Rio de Janeiro, foi necessá- foi além da mera descrição geográfica
ria a construção de uma base de dados e de período de tempo, era necessário
com o intuito de conhecer, mensurar e conhecer as motivações das operações,
avaliar melhor as ações de polícia resul- as instituições e divisões envolvidas,
tantes deste tipo de evento. As ações além do seu saldo, tal e qual, se hou-
sobre políticas públicas de seguran- veram mortos, feridos, presos etc, além
ça se baseiam, em grande medida, em de saber se houve algum tipo de recu-
operações policiais com o intuito de peração de bens materiais. Para acessar
repressão aos tráficos de armas e dro- toda essa gama de informações, os jor-
gas (no varejo), repressão a crimes con- nais se mostraram muito mais capazes
tra a propriedade, tais como os roubos de responder ao estudo que o Twitter,
de veículos e cargas, cumprimento de onde a linguagem é muito mais simples
mandados etc.
e direta, contudo faltam informações
Uma das maneiras de contabilizar as mais detalhadas, tendo em vista o pro-
ações de polícia e seus desdobramen- pósito da mídia social. Assim, retirar in-
tos e seus feitos é por meio dos veículos formações do Twitter foi muito menos
de comunicação escrita, notadamente, eficaz do que se esperava no início do
as notícias veiculadas em jornais de trabalho, até porque toda informação
grande circulação numa área geográfica deveria constar de uma única variável
qualquer. Outro modo de estruturação
de texto, que deveria descrever a ação
das informações sobre ações policiais
de polícia. Mas que, em grande medida,
é por meio das mídias sociais digitais,
tais informações são incompletas, não
contudo seu alcance é muito mais res-
permitem localizar o bairro ou município,
trito no que tange a qualidade da in-
ou não permitem estabelecer se houve
formação inserida, ou ainda, daquilo
que se pode extrair como informações ou não operação policial naquele exato
relevantes. Por exemplo, as notícias de dia. Isso fez com que as informações do
jornais, muito embora eivadas pela pre- Twitter reduzissem demais os números
mência e importância que a mídia ofer- de ocorrências de operações quando se
ta a esta ou aquela área em específico, aplicavam os “filtros”, na base de dados,
ou aquele ou este crime em particular, para estabelecer se houve realmente uma
54

possuem muito mais informações deta- ação policial e onde esta se desenrolou.
GRÁFICO 21
Total de operações provenientes de jornais, Twitter
e em conjunto de jornais com Twitter (RMRJ, 2007 a 2018)

1400

1200

1000

800

600

400

200

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0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Jornais Twitter Jornais e Twitter

É possível perceber, por meio do Gráfi- ses tomam por definição o limite inferior
co 21, dois fatores distintos entre as duas da cadeia de distribuição de dados. Não
bases: o primeiro é que os dados dos jor- existiriam valores menores que aqueles
nais e dos Twitter não possuem a mesma observados neste estudo, podendo sim,
tendência de resultados segundo anos, existirem valores maiores e não estarem
enquanto a base do Twitter é mais está- descritos aqui, e nem foi pretensão deste
vel até 2016, subindo somente após este estudo chegar a este propósito. Para efei-
ano, as bases dos jornais tem caracterís- to de exemplo do limite inferior da cadeia
ticas mais variáveis ao longo do tempo. A de distribuição dos dados, tomamos os
ascensão da base do Twitter nos dois úl- registros de ocorrência de violência se-
timos anos pode ser derivada do simples xual contra as mulheres. Todo estudo ba-
aumento na utilização do aplicativo devi- seado nos registros de ocorrência deste
do à facilidade cada vez maior de acesso tipo de evento, está, em última medida,
à telefonia celular e novas tecnologias. se referindo ao limite inferior da conta-
O segundo fator é demonstrado quando gem do fenômeno, pois sabemos que os
há a união entre as duas bases de dados, valores de violência sexual contra mulhe-
nas quais a resultante é uma diminuição res é maior do que aquele que chega a
expressiva do número de operações po- ser registrado em delegacia de polícia,
liciais que se encontrar em uma e outra devido a fatores múltiplos que relegam os
base de dados. valores reais à subnotificação. No mesmo
sentido e direção, tal conceito também é
Assim, por todos os aspectos acima men-
operacionalizado sobre os valores míni-
cionados, optamos por utilizar a base de
mos voltados às operações policiais.
dados de jornais na análise das informa-
ções. A base utilizada não corresponde A construção da base de dados referente
ao número total de operações efetiva- às operações policiais tomou como defi-
mente ocorridas, mas sim a um número nição, de tais operações, toda e qualquer
mínimo de operações policiais ocorridas ação policial efetivada em comunidades
em comunidades, ou ainda, o trabalho carentes, favelas ou aglomerados sub-
55

baseia-se na premissa de que as análi- normais, da Região Metropolitana do Rio


de Janeiro, que tiveram notícias veicula- Nº de mortos civis: havendo mortos civis,
das nos jornais Dia, Extra e Meia Hora, de qual foi a contagem do número desses
2007 a 2018. mortos.
Para a coleta efetiva dos dados foi criado Nº de mortos policiais: havendo mortos
um arquivo no software Excel para preen- das forças policiais, qual foi a contagem
chimento das diversas variáveis referentes do número desses mortos.
ao estudo. O arquivo foi distribuído entre Feridos: se houve feridos ou não naquela
os pesquisadores para preenchimento das operação policial.
variáveis a partir da leitura das notícias
dos jornais supracitados, com controle Nº de feridos civis: havendo feridos civis,
qual foi a contagem do número desses
por anos e nome do jornal.
feridos.
As variáveis que compuseram este estu-
Nº de feridos policiais: havendo feridos
do foram:
das forças policiais, qual foi a contagem

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Jornal: nome do jornal de onde foi extraí- do número desses feridos.
da a notícia sobre a operação policial.
Presos: se houve presos ou não naquela
Data: informação de dia, mês e ano em operação policial.
que ocorreu a operação policial.
Nº presos: havendo presos, qual foi a
Município: município da operação poli- contagem do número dos presos.
cial.
Disparo de arma de fogo: se houve dis-
Bairro: bairro do município da operação paro de armas de fogo durante a opera-
policial. ção policial.
Logradouro: endereço da operação po- Drogas apreendidas: se houve apreensão
licial. de drogas durante a operação policial.
Referência do local: qualquer tipo de in- Armas apreendidas: se houve apreensão
formação que pudesse localizar a opera- de armas durante a operação policial.
ção policial. Cargas recuperadas: se houve recupera-
Tempo de duração: se havia informação ção de cargas durante a operação policial.
sobre o tempo de duração da operação Veículos de carga recuperados: se hou-
policial em intervalo de horas. ve recuperação de veículos de carga du-
Instituição: Instituição ou instituições rante a operação policial.
(lista fechada) envolvidas na operação Veículos recuperados: se houve recupera-
policial. ção de veículos durante a operação policial.
Outra instituição: se havia algum outro Dinheiro apreendido: se houve recupe-
tipo de instituição envolvida na operação ração de dinheiro em espécie durante a
policial. operação policial.
Divisão ou DP: quais divisões institucio- Observações: qualquer tipo de informa-
nais realizavam a operação. ção julgada relevante que não estaria
Motivo da Operação: se haviam informa- contemplada nas variáveis anteriores.
ções que fossem a motivadora da opera-
ção policial.
Após o levantamento de todas as notí-
Mortos: se houve mortos ou não naquela cias veiculadas nos três jornais referentes
56

operação policial. a operações policiais em áreas de favelas,


foi necessária a junção de todos os arqui- PM, operação no morro, operação na fa-
vos, segundo ano e jornal. vela, incursão policial, incursão da polícia,
incursão da PM, incursão no morro, incur-
Foi preciso garantir que as notícias sobre
operações policiais não se repetissem, são na favela, polícia sobe o morro, polí-
pois havia levantamento de dados em cia entrando no morro, polícia entrando
três jornais distintos. Deste modo, foram na favela, morro lombrado, tiroteio entre
retiradas as repetições baseadas nas va- policiais e traficantes, polícia ocupa, PM
riáveis de dia, bairro e município, ou ain- ocupa e Exército ocupa.
da, inferiu-se que a operação policial que Após a primeira busca, a base de dados
ocorreu no mesmo dia, mesmo bairro e do Twitter retornou grande número de
mesmo município, ainda que em jornais postagens relativas às palavras chaves
distintos, eram referidas a um mesmo e (cerca de 600 mil tweets), em especial
único evento. entre os anos de 2011 e 2018. Deste pon-
A base de dados proveniente das notí- to em diante foram realizadas programa-

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cias veiculadas nos três jornais, sem as ções computacionais para excluir da base
repetições de eventos, somaram cerca de de dados original as postagens: (i) em
10.218 operações policiais, entre os anos língua estrangeira e, (ii) as postagens de
de 2007 e 2018, para a Região Metropoli- fora dos limites da Região Metropolitana
tana do Rio de Janeiro. do Rio de Janeiro. Após essa primeira
ação, a base de dados reduziu para, apro-
ximadamente, 50 mil tweets. Para excluir
Base de dados do Twitter as repetições, foram retirados das bases
os tweets que tinham mesma data e bair-
Tweet é o nome utilizado para designar
ro, para a Cidade do Rio de Janeiro, e
as publicações feitas na rede social do
mesma data e município, para as demais
Twitter. O Twitter é uma rede social mui-
cidades da Região Metropolitana.
to popular, na qual as pessoas compar-
tilham informações de modo aberto. E Neste ponto a base continha cerca de 10
muitas pessoas acabam por compartilhar mil tweets. E foi necessária leitura dos
informações sobre operações policiais, textos da base (única variável com infor-
tiroteios e outras informações que inte- mações necessárias ao estudo, exceto a
ressavam a este estudo. As postagens variável de data), um a um, para garantir
sobre operações policiais no Twitter ser- que o assunto tratado era, de fato, uma
viriam para comparar com as notícias re- operação policial, e que esta operação,
colhidas dos principais jornais na Região citada pelos usuários, ocorreu na data e
Metropolitana. Tomando por base que local corretos. Isso resultou num número
uma informação recolhida no jornal tam- final de 5.525 tweets relativos à opera-
bém foi veiculada por outra mídia, é uma ções policiais na RM do Rio de Janeiro.
maneira indireta de mensurar a validade A união da base de dados relativa às no-
da informação, evitando vieses. tícias de jornais com a base de dados
Assim, foi necessário autorização da em- proveniente dos tweets se deu da seguin-
presa responsável pelo Twitter para aces- te forma: para a cidade do Rio de Janei-
so ao banco de dados das postagens ro foram considerados eventos ocorridos
para realizar uma busca, via programação no mesmo dia e no mesmo bairro; para os
computacional, com palavras chaves ne- demais municípios, foram considerados
cessárias ao estudo das operações poli- eventos ocorridos no mesmo dia e na mes-
ciais. As palavras chaves foram: operação ma cidade. O recorte temporal para união
57

policial, operação da polícia, operação da das duas bases foi de 2011 a 2018, dado
que informações anteriores a 2011 na base total da base de jornais, ou seja, eventos
dos tweets, ou não existem ou são estatis- de mesmo dia e bairro (cidade do Rio de
ticamente irrelevantes. Tal procedimento Janeiro) e mesmo dia e município (demais
resultou numa correspondência entre as cidades) que foram encontrados nas duas
bases da ordem de 20,2% em relação ao bases, chegou a 1.367 casos.

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CIDADE & CONFLITO
Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro

Daniel Veloso Hirata | Carolina Christoph Grillo

GENI/UFF
e NECVU
IFCS/UFRJ

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