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FICHA TÉCNICA
Título do projeto:
Roubo, proteção patrimonial
e letalidade no Rio de Janeiro
Instituição proponente:
Cidade & Conflito
NECVU/IFCS/UFRJ
GENI/UFF
Autores:
Daniel Veloso Hirata
Equipe:
Carolina Christoph Grillo
Alanna Itajahy Mainente
Artur Ramon Ozorio de Souza
Pesquisadores:
Barbara Gomes d’Ascenção
Renato Dirk
Beatriz Trindade Dantas
Lucas Roberto
Camila Vaz Neto Ferreira Correia
Pedro Aguiar (Graphisme)
Fabian Luiz Gomes da Silva
Fernanda de Gobbi
Revisão
Fernanda Halegua Gonzalez
Marilene de Paula
Gabriela Hafner Soares
Gustavo de Queiroz Mesquita Farias
Projeto gráfico e diagramação: Gustavo Junqueira Costa Maia
Beto Paixão Heloisa de Oliveira Duarte
fb.com/bpstudiodesign Isabela Meira Aleixo
betopaixao.jf@gmail.com Julia de Menezes Sampaio
Liege Rodrigues Lemos da Silva
Fundação Heinrich Böll Lucas Vinícius Albuquerque Pípolos
Rua da Glória, 190/701 – Glória Maria Eduarda Ferreira José
Rio de Janeiro - RJ – Brasil Mariana Gondim Coelho
CEP 20.241-180 Mila Henriques Lo-Bianco
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info@br.boell.org Nathalia Gomes da Costa
www.br.boell.org Rafaela Vasconcelos da Silva
Renata Montes Alves
Parceiro:
Licença CC BY-NC-AS 4.0 Fogo Cruzado – RJ
H668r
Hirata, Daniel Veloso
Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro.
Daniel Veloso Hirata, Carolina Christoph Grillo, coordenadores.
Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2019.
75 p.
ISBN 978-85-62669-34-7
CDD 364.98153
LISTAS
Marilene de Paula
Coordenadora de Programas
Fundação Heinrich Böll - Rio de Janeiro
SUMÁRIO
Introdução 7
1. Crime e Crise 11
1.1 O aumento dos crimes patrimoniais
e o roubo de cargas 11
1.2 Crise socioeconômica: desocupação,
pobreza e poder de compra 16
1.3 Relações entre crimes patrimoniais
e crise socioeconômica 19
1.4 Transformações nas dinâmicas
dos mercados criminais no contexto da crise 25
Conclusão 52
Referências bibliográficas: 59
INTRODUÇÃO
2 Sobre esse ponto ver: MACHADO DA SILVA (1999). inferior à registrada em estados como
Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Norte políticas de uso da força legal no Rio
(IPEA e FBSP, 2018). Mas apesar da taxa de Janeiro se dirigem principalmente
de homicídios ser internacionalmente à proteção patrimonial, mas parecem
reconhecida como o principal indicador elas estar sendo cada vez mais pauta-
da violência, são poucas as políticas vol- das por grupos cujo interesse é preser-
tadas para a sua redução no Brasil. Num var-se das crescentes ameaças à posse
país em que mais de 60 mil pessoas são e circulação de riquezas no estado. O
assassinadas por ano – especialmente jo- relatório final do Observatório da In-
vens pretos, pobres e periféricos – a prio- tervenção (CESeC-UCAM), publicado
ridade dos órgãos de segurança pública recentemente, confirma que: “No perí-
parece ser a defesa da propriedade, não odo da intervenção federal na seguran-
da vida, derramando-se, inclusive, muito ça pública fluminense, os crimes contra
sangue para esse fim. o patrimônio, especialmente os roubos
de carga, foram os mais combatidos”
Temos trabalhado com a hipótese de
GRÁFICO 1
Prisões por tipo penal (Estado do Rio de Janeiro, 2014)
6% Contra a pessoa
7%
Patrimonial
Dignidade sexual
Drogas
Paz pública
20%
Administração Patrimonial Fé Pública
Pública
1% 59%
Administração Pública
Fé
Pública Drogas
1%
Paz Estatuto do desarmamento
Pública
Dignidade
2% sexual
4%
9
Fonte: INFOPEN
Apesar da relevância que os crimes contra e ponderada por dados provenientes de
o patrimônio – sobretudo os roubos, que redes sociais, especialmente o Twitter.
envolvem violência ou grave ameaça – ad-
Do ponto de vista qualitativo, realizaram-
quirem para a produção da sensação de
se algumas incursões de campo nas áreas
insegurança da população e para o dire-
identificadas pela polícia como centros
cionamento das ações em segurança pú-
de “transbordo”, receptação e comercia-
blica, são escassos os trabalhos voltados
lização de mercadorias roubadas, espe-
para a compreensão das dinâmicas desses
cialmente fruto de roubos de cargas, com
tipos de crime e da repressão aos mes-
o objetivo de compreender os circuitos
mos. Justamente por essa relevância nos
econômicos e o mercado de trabalho que
parece importante identificarmos quais
se forma ao redor da distribuição e ven-
elementos produzem essa centralidade
da de produtos roubados. Também foram
dos crimes patrimoniais. Como já aponta-
realizadas entrevistas informais e semies-
do, neste artigo iremos buscar compreen-
truturadas com moradores de favela, tra-
der o impacto da crise na ocorrência de
CRIME
E CRISE
GRÁFICO 2
Números Absolutos de Roubo a Veículos
(Estado do Rio de janeiro, 1991-2018)
60.000
50.000
Início
da crise
40.000 Início
das UPPs
30.000
20.000
10.000
0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
12
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
10.000
0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
GRÁFICO 4
Números absolutos de roubo de cargas
(Estado do Rio de janeiro, 1991-2018)
12.000
10.000
Início
8.000 da crise
6.000 Início
das UPPs
4.000
2.000
0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
13
GRÁFICO 5
Taxa de roubo de cargas
(Brasil, Rio de Janeiro, São Paulo 2007-2018)
70
60
50
40
30
20
10
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Assim, para finalizar essa breve carac- RISPs 1, 2, 3 e 46 durante o período con-
terização do roubo de cargas no Rio de siderado.
Janeiro, cabe destacar que o período de 6 As Regiões Integradas de Segurança Pública (RISPs)
grande crescimento do registro de roubo são unidades administrativas de integração geográfica
entre as polícias civil e militar. Também são unidades
de cargas mostra uma forte concentra- (menores) as AISPs e CISPs, mencionadas um pouco
ção em suas áreas de ocorrência, média mais a frente no texto. Para maiores informações ver:
14
http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=38. Acesso
de 94,83% de todas as ocorrências nas em: 14, fev. 2019.
GRÁFICO 6
Porcentagem de roubo de cargas por RISP
(Rio de Janeiro, 2007-2018)
4000
3500
3000
2500
2000
1500
500
0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
RISP 01 RISP 02 RISP 03 RISP 04 Fonte: elaboração própria; ISP-RJ, FBSP, SSP/SP, ISP - RJ
GRÁFICO 7
Taxa de Desocupação (Brasil, Rio de Janeiro, 2012-2018)
16,0
12,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
que desde o final de 2014 até final bemos que a tendência de diminuição da
proporção populacional nessas condições 2017, chegando a 5,4. Isto significa que em
peníveis, que chegou a estar em 3,5 en- um período de quatro anos de crise, tive-
tre 2013 e 2014, se altera a partir de 2015, mos um acréscimo de mais de 300.000
quando aumenta consideravelmente até pessoas vivendo sob essas condições.
GRÁFICO 8
Percentual de rendimentos per capita até de salário mínimo
(Estado do Rio de Janeiro, 2012-2017)
6
0
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
GRÁFICO 9
GINI per capita do rendimento domiciliar
(Estado do Rio de Janeiro, 2012-2018)
0,550
0,540
0,530
0,520
0,510
0,500
0,490
0,480
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
17
GRÁFICO 10
Índice de preços ao consumidor geral e categoria alimentos e bebidas
(Estado do Rio de Janeiro, 2012-2018)
14
12
10
-2
-4
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
35
30
25 Alimentação e bebidas
Habitação
Artigos de residência
20
Vestuário
Transportes
15 Saúde e cuidados pessoais
0
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Poder
Pobreza Desigualdade Desemprego Renda de Compra -
Alimentos
Letalidade
73,7 3,7 82,5 73,6 - 84,0
violenta
Roubo de
79,7 36,5 93,5 77,7 - 88,7
veículos
Roubo a
65,7 20,8 68,7 73,6 - 57,4
transeunte
Uma visada mais geral sobre os resulta- dade violenta” como variável que con-
dos apresentados nos testes de correla- trastasse com os crimes patrimoniais.
ção confirma que esta relação entre in- Por isso mesmo, nos pareceu surpreen-
dicadores socioeconômicos e criminais dente tal resultado nos testes de cor-
está longe de ser consensual, visto os es- relação e, portanto, consideramos que
tudos anteriores presentes na bibliogra- seria necessário ainda um exame mais
fia específica10. profundo desses resultados. Uma pos-
Um resultado surpreendente foi encon- sível pista recai sobre a categoria “leta-
trar forte correlação entre a letalidade lidade violenta”, produzida dessa forma
violenta e os indicadores socioeconômi- pelo Instituto de Segurança Publica do
cos (forte e positiva para desemprego, Rio de Janeiro, agrupando as categorias
forte e negativa para poder de compra e homicídio doloso, morte por intervenção
moderada e positiva para pobreza e ren- de agente de Estado, latrocínio e lesão
da - a exceção ficando para a desigual- corporal seguida de morte e, portanto,
dade expressa no índice GINI, fraca e reunindo diferentes crimes contra a pes-
positiva). Baseando-se no conhecimen- soa com dinâmicas bastante diversas.
to acumulado por diversas pesquisas na- Em segundo lugar, se há maior concor-
cionais e internacionais11, que apontam dância de que os crimes patrimoniais são
resultados conflitantes na relação entre mais afetados pelos indicadores socioe-
indicadores socioeconômicos e crimi-
conômicos que os crimes contra a vida,
nais, mas de forma unânime apontam
os fatores socioeconômicos correlacio-
correlação fraca entre indicadores so-
nados aos crimes patrimoniais são tam-
cioeconômicos e crimes contra a pessoa,
bém controversos. Se a correlação fraca
imaginávamos utilizar a variável “letali-
entre desigualdade e dinâmicas criminais
10 Como bem salientaram José Luiz Ratton e Daniel Cer- encontrada em nossa pesquisa parece
queira. Ver: Ratton (2014) e Cerqueira e Lobão (2003).
ser coerente com outros estudos do mes-
11 Ver Beato e Reis. (2001); Sapori e Wanderley (2001);
mo gênero feitos nos últimos 20 anos, o
21
12 Ver Beato (1998); Beato & Reis (2001); e também Sa- chains) ver o estudo seminal de Gereffi e Koreniewicz
pori & Wanderley (2001). (1994) e também Tsing (2013).
hipótese, que os circuitos legal/ilegal e que se opunha aos processos de moder-
formal/informal dos mercados parece nização (industrialização e urbanização)
ser uma dimensão importante a ser con- dos países do capitalismo periférico, pelo
siderada e aprofundada em estudos mais contrário, a informalidade era a condição
específicos e qualitativos. Isto porque os de instalação do capitalismo nesses es-
elos dos circuitos do roubo de veículos paços coloniais (e, até pouco tempo, es-
envolvem um número de pessoas e ins- cravistas) na medida em que rebaixava o
tituições muito grande (ladrões de dife- custo de reprodução da força de trabalho
rentes tipos, receptadores, revendedores, e permitia uma taxa de lucro maior para
seguradoras, leilões etc.) em comparação aquelas empresas instaladas na Améri-
com o roubo a transeunte, sendo que o ca Latina: a precariedade das vidas, no
roubo de cargas ocuparia uma posição seu habitar, trabalhar e consumir, tornava
intermediaria entre os dois. aceitáveis os baixos patamares salariais,
transformados em vantagens para o que
Mas é preciso dizer que para nós, não se
se chamava a época de núcleo dinâmico
lientar a vigente intensificação das dispu- drogas depende de que não haja poli-
ciamento regular em determinadas áreas duzindo novas tensões às dinâmicas cri-
da cidade, de modo que a presença da minais, em especial na relação entre trafi-
polícia se dê apenas por meio de opera- cantes e assaltantes. Durante os anos de
ções esporádicas e relativamente impre- expansão das UPPs, traficantes buscaram
visíveis. Sob o argumento de que não há reprimir a atuação de assaltantes para
segurança para os policiais realizarem evitar uma ocupação ou possibilitar uma
rondas cotidianas e atenderem a ocor- negociação com as forças ocupantes
rências nos mesmos moldes em que fa- (GRILLO, 2016). Esta dinâmica parece ter
zem no restante da cidade, grandes por- se transformado novamente e entrevistas
ções territoriais são taxadas como “áreas realizadas oferecem-nos os indícios de
de risco” e relegadas ao controle armado que hoje, após o fracasso das UPPs e a
de criminosos. Ao mesmo tempo, o impe- volta dos tiroteios no espaço das favelas,
rativo de combate ao tráfico de drogas e o tráfico tenha deixado de reprimir a atu-
crimes patrimoniais opera como justifica- ação de ladrões e esteja, pelo contrário,
tiva para a criação de territórios de exce- participando do lucro dos roubos.
das relações entre polícia e tráfico, intro- res de favelas, rumores que alguns chefes
do tráfico estariam agora incentivando em favelas cariocas, apoiando outrora o
e participando dos lucros de roubos, em ADA e atualmente o TCP.
vez de reprimi-los. No caso específico do
A intensificação das disputas por territó-
roubo de cargas, a “contenção” das “bo-
rios de atuação entre facções, a alardeada
cas de fumo”, isto é, a resistência armada
mudança na atitude do tráfico com rela-
oferecida por traficantes às incursões po-
ção aos roubos e a adesão dos trafican-
liciais em favelas, tem sido determinante
tes a práticas características das milícias,
para que caminhões roubados sejam des-
como a cobrança de taxas sobre serviços
carregados à salvo de intervenção poli-
básicos, sinalizam para uma possível per-
cial. Mesmo quando a polícia identifica
da de lucratividade da venda de drogas.
o paradeiro do caminhão, não consegue
organizar uma operação em tempo há- Policiais entrevistados referiram-se a este
bil para a sua recuperação e sim apenas movimento como “diversificação” das
para uma retaliação posterior e a apreen- atividades do tráfico. Assim, nossa hipó-
são dos veículos e cargas já abandona- tese de que a crise e a consequente per-
O DIRECIONAMENTO
DO USO DA FORÇA
DO ESTADO
de patrulhamento é que eles (os agen- riais, políticos, policiais e criminosos pa-
rece ter sido favorecida com esse movi- nio, tal como o roubo de carros, o con-
mento de salvaguarda patrimonial. Seria trabando e a pirataria; (4) a ausência de
esse o sentido oculto da frase de Paulo fiscalização e repressão nas feiras e pon-
Melo “quem financia escolhe”? tos de venda dos produtos roubados, em
Para nós, a intervenção federal no Rio geral em favelas ou áreas periféricas; (5)
de Janeiro pode ser pensada também os elevados custos econômicos do rou-
por meio do direcionamento das ações bo, gerando perdas de produtividade e
de segurança pública para a atuação financeiras para empresários e para o es-
na proteção patrimonial construída nas tado, com a redução de arrecadação, o
relações entre entidades empresariais aumento do preço final para o consumi-
e poderes públicos. “Pôr termo a grave dor e a desistência de empresas em atuar
comprometimento da ordem pública” no Rio; (6) a disparada nos preços de se-
foi o argumento constitucional evoca- guros no Rio e a contratação de serviços
do para fundamentar a intervenção, cuja privados especializados em segurança
1400
1200
1000
800
600
400
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
MAPA 2
Total de operações por bairro (Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)
35
GRÁFICO 13
Porcentagem de motivações válidas das operações
(RMRJ, 2007-2018)
50,0
45,1
45,0
40,0
30,0
25,0
19,4
20,0
15,0 12,7
0,0
Repressão ao Mandado Retaliação Operações Fuga/ Disputa
tráfico de armas de busca por morte patrimoniais perseguição entre grupos
e drogas e apreensão ou ataque criminais
GRÁFICO 14
Motivações válidas das operações por ano
(RMRJ, 2007-2018)
400
350
300
200
150
100
50
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Ao observar as motivações das ope- mica, o que pode indicar que as opera-
rações na linha do tempo do período ções de retaliação por morte ou ataque
considerado, parte das considerações à unidade policial estejam ocorrendo
anteriores podem ser mais bem quali- mais como resposta mais ou menos
ficadas. Mesmo com a sobredetermina- descoordenada à ações pontuais e lo-
ção das operações de repressão ao trá- cais do que por ações dirigidas de for-
fico de armas e drogas já mencionada, ma mais central. Como hipótese com-
o período de crise das UPPs (pronun- plementar, poderíamos dizer também
ciado em 2014) apresenta um aumento que a sobredeterminação das opera-
das operações de retaliação por morte ções de repressão ao tráfico de armas e
ou ataque à unidade policial e daque- drogas talvez possa ter diminuído nesse
las provenientes de mandado de busca cenário de crise das UPPs e da crise so-
e apreensão, o que pode ser deduzido cioeconômica, ganhando maior visibili-
por uma perda e/ou tentativa de reto- dade o cenário mais próximo do que as
mada da ocupação das áreas de UPPs operações realizam efetivamente nesse
por parte das forças da ordem em con- contexto conflitivo. Por fim, como des-
texto de intenso conflito bélico. Como creveremos em detalhe nos próximos
também já dito, a partir de 2014-2015 capítulos, é visível que ganha proemi-
37
MAPA 4
Principal motivação das operações por bairro
(Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)
38
GRÁFICO 15
Porcentagem de participação das instituições em operações
(RMRJ, 2007-2018)
90,0
80,0 78,2
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
18,7
20,0
10,0
2,0
0,6 0,1 0,2 0,07 0,03
0,0
Polícia Polícia Forças Polícia Ministério Força Polícia Bombeiros
Militar Civil Armadas Federal Público Nacional de Rodoviária
Segurança Federal
O último elemento geral das operações dado seu caráter ostensivo, participou de
consideradas no período são as institui- 78,2% das operações no período, seguida
ções que participaram dessas operações. da Polícia Civil, com 18,7% de participação
39
9,0
8,4
8,0
7,0
6,0
5,1
5,0
4,1
3,8 3,7
4,0 3,5 3,5 3,2
3,0
3,0
1,0
0,0
BOPE 14 BPM 41 BPM 16 BPM 9 BPM CORE BP Choque 7 BPM 22 BPM
Dentre as divisões que mais participa- ensões, assim como de mortos, feridos
ram das operações, selecionamos as dez e de chacinas (aqui definidos como
divisões que proporcionalmente mais ocorrência de mais de três mortes).
atuaram. Dentre essas dez principais di- Em uma primeira etapa, faremos isso
visões, nove são da polícia militar, sendo com dados totais, em seguida pen-
dois batalhões de operações especiais sando essas variáveis para cada mo-
(BOPE e BPCHQ) e sete batalhões de tivação das operações, dado que essa
área, além de uma unidade de opera- variação nos permite levantar algumas
ções especiais da polícia civil (CORE). questões mais precisas. Este percurso
Cabe destacar que, dentre os sete ba- será realizado sempre com atenção
talhões de área listados, 1 atua na zona para as diferenças nos municípios da
oeste (14° BPM,), 4 na zona norte (41° RMRJ e bairros da capital.
BPM, 16° BPM, 9° BPM e 22° BPM) e 1 no
leste fluminense (9°BPM). O primeiro resultado a ser analisado é a
porcentagem de apreensões e prisões.
Em 61,0% das operações notificadas
Operações policiais e seus resultados: houve apreensões e em 46,0% prisões.
Após estimarmos o volume, os auto- Dentre as apreensões, 42,0% eram ar-
res e as razões das operações poli- mas, 41,0% drogas, 8,0% veículos (so-
ciais, seguindo sempre as diferenças mados carros e motos) e 6,0% cargas
dos lugares onde ocorrem, cabe em (somados cargas e veículos de cargas).
seguida buscar entender os resultados Cabe destacar que as porcentagens não
dessas operações. Nesse item busca- somam 100% pois há operações com
remos apontar algumas variáveis que concomitância de prisões e apreensões
40
45%
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
0
Armas apreendidas Drogas apreendidas Veículos recuperados Cargas e veículos
de cargas
recuperados
MAPA 5
Operações com apreensões por município (RMRJ, 2007-2018)
41
Dentre os cinco municípios com maior Roxo. Dentre os bairros, os cinco com
número de apreensões em operações, maior número de apreensões foram Maré,
encontram-se o Rio de Janeiro, São Gon- Costa Barros, Santa Cruz, Bangu e Cida-
çalo, Duque de Caxias, Niterói e Belfort de de Deus.
TABELA 2
Porcentagem de operações com apreensões por motivação
(RMRJ, 2007-2018)
Veículos
Drogas Armas Cargas Veículos Dinheiro
Motivações vàlidas de Cargas
apreendidas apreendidas recuperadas recuperados recuperado
recuperados
Disputa entre grupos criminais 2,7 4,6 1,7 1,8 4,3 1,9
Fuga / Perseguição 4,8 8,3 1,3 2,3 9,2 9,3
Mandado de busca e apreensão 12,5 14,9 5,7 3,7 20,1 29,0
Operações patrimoniais 2,8 4,7 78,9 79,9 24,0 6,2
Repressão ao tráfico 71,6 59,9 12,1 10,5 36,5 48,8
de armas e drogas
Retaliação por morte ou ataque 5,5 7,5 0,3 1,8 5,9 4,9
Total 100 100 100 100 100 100
42
GRÁFICO 18
Número de mortos e feridos (civis e policiais)
e chacinas em operações (RMRJ, 2007-2018)
4500
4000
3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
Mortos civis Mortos policiais Feridos civis Feridos Policiais Chacinas
Um segundo resultado a ser considerado de mortos, 3860 eram civis e 176 poli-
na compreensão das operações policiais ciais, vinte e uma vezes mais civis. Cons-
são as suas consequências violentas. tatamos também que em 372 operações
Considerando o total de operações, em houve chacinas. É notável que a diferen-
88,7 % houve disparos de armas de fogo, ça entre policiais e civis mortos e feridos
em 22,9 % mortos e em 18,9 % feridos. No seja tão grande, o que para nós aponta
período, notificamos 2426 feridos civis e claramente um desequilíbrio grande de
824 policiais, ou seja, mais ou menos três forças nos confrontos e consequências
43
vezes mais civis. Dentre as notificações letais graves nas operações policiais.
MAPA 7
Mortos em operações por município (RMRJ, 2007-2018)
MAPA 8
Mortos em operações por bairro (Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)
44
Motivações vàlidas Mortos Civis Mortos Policiais Feridos Civis Feridos Policiais Chacinas
Disputa entre grupos criminais 15,6 13,3 13,2 8,0 21,5
Fuga / Perseguição 11,1 9,5 14,8 10,9 9,0
Mandado de busca e apreensão 10,7 12,4 10,1 8,2 12,5
Operações patrimoniais 4,9 5,7 4,5 3,8 4,3
Repressão ao tráfico de armas e drogas 45,3 26,7 36,4 31,9 44,9
Retaliação por morte ou ataque 12,4 32,4 21,1 37,3 7,8
Dentre os cinco municípios com maior cias são menores, assim como as opera-
30,0
25,0
20,0
15,0
10,0
0,0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Ao olhar detidamente o período, perce- ção foram o Rio de Janeiro (77,7%), São
bemos claramente que, nos anos de 2017- Gonçalo (7,8%), Duque de Caxias (4,2%),
2018 as operações patrimoniais tiveram Belfort Roxo (3,2%) e Niterói (2,5%), que,
um crescimento notável, verdadeira mu- a exceção de Niterói, são alguns dos mu-
dança de patamar quando observamos a nicípios nos quais os registros de ocorrên-
porcentagem de operações patrimoniais cia foram mais altos. Dentre os bairros do
ao longo dos anos anteriores. Nos dez Rio de Janeiro, os cinco que apresentaram
anos anteriores a 2017 (2007-2016), em o maior número de operações patrimo-
média as operações patrimoniais repre- niais foram Costa Barros (15,4%), Pavuna
sentavam cerca de 5,2% de todas as ope- (9,3%), Penha (4,4%), Bangu (4,2%) e Jar-
rações, entre os anos de 2017-2018, passa dim América (3,9%), todos eles lugares de
a 23,7% do total de operações. Este in- alta concentração de roubo de cargas.
crível aumento nos parece que se deveu
A descrição do tipo de apreensão prove-
a pressão das entidades empresariais,
nientes das operações patrimoniais é bas-
como já discutido anteriormente.
tante clara, dado que 31,5% foram cargas,
Ao olhar os mapas de municípios e bair- 23,4% veículos de carga, 18,5% veículos,
ros onde as operações patrimoniais tive- 16,1% armas, 9,2% drogas e 1,3% dinhei-
ram lugar, percebemos que não apenas ro. Somados cargas e veículos de carga
houve um direcionamento do uso da força chega-se a 54,9% do total no período. A
para a proteção patrimonial, mas que isso importância do roubo de cargas passou a
ocorreu particularmente no que tange ao ser central, especialmente depois de 2017,
enfrentamento do roubo de cargas. Isso como já dito, quando a pressão das enti-
porque os lugares de concentração des- dades empresariais foi mais intensa e o
sas operações são exatamente aqueles crime passou a ser um problema publica
nos quais os registros de roubo de cargas de grande visibilidade social e de enorme
são mais expressivos. Em primeiro lugar, importância para o direcionamento das
46
MAPA 10
Operações com motivação patrimonial por bairro
(Cidade do Rio de Janeiro, 2007-2018)
47
35,0
30,0
25,0
20,0
15,0
10,0
5,0
MAPA 11
Tipos de apreensão em operações patrimoniais por município
(RMRJ, 2007-2018)
48
Os dados referentes aos municípios da de fogo, 2,9 feridos e 4,2 mortos por ano
região metropolitana do Rio de Janeiro e neste tipo de operação. Entre os anos
dos bairros da capital reforçam esse di- de 2017-2018, encontramos uma média
recionamento das operações para a pro- de 83 ocorrências de disparos de armas
teção patrimonial e a sua concentração de fogo, 12,5 feridos e 11 mortos por ano.
para o combate ao roubo de cargas.
Como vimos no item anterior, as ope-
No mesmo período em que se aumen- rações patrimoniais não estão entre as
ta o número de operações patrimoniais, mais letais, dado que na maior parte das
especialmente voltadas ao combate vezes este tipo de operação não encon-
ao roubo de cargas, também podemos
tra resistência e encontra cargas e veí-
constatar que elas se tornam mais vio-
culos de cargas abandonados. Contudo,
lentas. No período de aumento das ope-
rações patrimoniais, cresce também os na medida em que as operações como
disparos de armas de fogo, o número de um todo são realizadas de forma bastan-
mortos e de feridos. Nos dez anos ante- te violenta, o seu aumento faz também
riores a esse aumento (2007-2016), ha- crescer o número total de disparos de
49
via uma média de 21,8 disparos de armas armas de fogo, mortos e feridos.
TABELA 4
Ocorrência de mortos, feridos e disparos de armas de fogo
em operações patrimoniais (RMRJ, 2007-2018)
GRÁFICO 21
Porcentagem de operações patrimoniais com mortos e feridos
(civis e policiais) e chacinas (RMRJ, 2007-2018)
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
Mortos civis Mortos policiais Feridos civis Feridos Policiais Chacinas
feridos policiais; ainda, em 5,1% dessas seja, que a violência das operações atinge
sobretudo a população civil. Essa seme- ca na área de segurança pública e
lhança pode ser notada com um peque- sua forma de incidência no período
no aumento para o caso das operações de 2007-2018 é pontuada pela ins-
patrimoniais em relação às operações talação e a crise das UPPs, a crise
em geral na porcentagem de operações
socioeconômica e o aumento dos
com policiais mortos (2% frente a 2,8%
crimes patrimoniais;
nas operações patrimoniais), feridos civis
(24% frente a 29,6% nas operações pa- 2. A letalidade de tais operações
trimoniais), feridos policiais (8% para am- esta vinculada às diferentes moda-
bas) e no número de chacinas (4% frente lidades das incursões policiais, sen-
a 5,1% nas operações patrimoniais). Por do mais letais quanto menos prove-
outro lado, em 22,9% das operações em
nientes de procedimentos judiciais
geral encontramos ocorrência de civis
e investigativos;
mortos frente a 54,5% das operações pa-
trimoniais, o que indica uma maior letali- 3. Houve um direcionamento bastan-
51
3
CONCLUSÃO
A principal motivação deste trabalho é te para cargas recuperadas, veículos de
a absoluta indignação com o direciona- carga recuperados, veículos recupera-
em que houve apreensões é semelhan- armas. O fato é que o roubo de cargas faz
parte dessas atividades de diversificação que a chamada “crise” produz alterações
das atividades criminais para incremen- nos mercados de trabalho criminais e não
to econômico nas atividades de guerra. criminais, assim como nas relações entre
Por isso, consideramos que o impacto do as cadeias de aprovisionamento de dife-
aumento do roubo de cargas na letalida- rentes produtos e serviços legais e ilegais.
de não pode ser visto apenas nas opera-
Em segundo lugar, partindo dessa hi-
ções que visam diretamente a recupera-
pótese, demonstramos como foi sendo
ção patrimonial. Outras motivações das
exercida a pressão política de entidades
operações, como os mandados de busca
empresariais sobre o planejamento das
e apreensão (que podem visar os frutos
ações em segurança pública no Rio de
do roubo de cargas), a repressão ao trá-
Janeiro com vias a direcionar o uso da
fico de drogas e armas (uma categoria
força estatal para a proteção patrimonial
sempre genérica por definição) e mesmo
em detrimento da proteção da vida por
a disputa entre grupos criminais (e suas
meio dos dados sobre operações milita-
guerras, como destacado), podem man-
possuem muito mais informações deta- ação policial e onde esta se desenrolou.
GRÁFICO 21
Total de operações provenientes de jornais, Twitter
e em conjunto de jornais com Twitter (RMRJ, 2007 a 2018)
1400
1200
1000
800
600
400
200
É possível perceber, por meio do Gráfi- ses tomam por definição o limite inferior
co 21, dois fatores distintos entre as duas da cadeia de distribuição de dados. Não
bases: o primeiro é que os dados dos jor- existiriam valores menores que aqueles
nais e dos Twitter não possuem a mesma observados neste estudo, podendo sim,
tendência de resultados segundo anos, existirem valores maiores e não estarem
enquanto a base do Twitter é mais está- descritos aqui, e nem foi pretensão deste
vel até 2016, subindo somente após este estudo chegar a este propósito. Para efei-
ano, as bases dos jornais tem caracterís- to de exemplo do limite inferior da cadeia
ticas mais variáveis ao longo do tempo. A de distribuição dos dados, tomamos os
ascensão da base do Twitter nos dois úl- registros de ocorrência de violência se-
timos anos pode ser derivada do simples xual contra as mulheres. Todo estudo ba-
aumento na utilização do aplicativo devi- seado nos registros de ocorrência deste
do à facilidade cada vez maior de acesso tipo de evento, está, em última medida,
à telefonia celular e novas tecnologias. se referindo ao limite inferior da conta-
O segundo fator é demonstrado quando gem do fenômeno, pois sabemos que os
há a união entre as duas bases de dados, valores de violência sexual contra mulhe-
nas quais a resultante é uma diminuição res é maior do que aquele que chega a
expressiva do número de operações po- ser registrado em delegacia de polícia,
liciais que se encontrar em uma e outra devido a fatores múltiplos que relegam os
base de dados. valores reais à subnotificação. No mesmo
sentido e direção, tal conceito também é
Assim, por todos os aspectos acima men-
operacionalizado sobre os valores míni-
cionados, optamos por utilizar a base de
mos voltados às operações policiais.
dados de jornais na análise das informa-
ções. A base utilizada não corresponde A construção da base de dados referente
ao número total de operações efetiva- às operações policiais tomou como defi-
mente ocorridas, mas sim a um número nição, de tais operações, toda e qualquer
mínimo de operações policiais ocorridas ação policial efetivada em comunidades
em comunidades, ou ainda, o trabalho carentes, favelas ou aglomerados sub-
55
policial, operação da polícia, operação da das duas bases foi de 2011 a 2018, dado
que informações anteriores a 2011 na base total da base de jornais, ou seja, eventos
dos tweets, ou não existem ou são estatis- de mesmo dia e bairro (cidade do Rio de
ticamente irrelevantes. Tal procedimento Janeiro) e mesmo dia e município (demais
resultou numa correspondência entre as cidades) que foram encontrados nas duas
bases da ordem de 20,2% em relação ao bases, chegou a 1.367 casos.
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FONTES DA IMPRENSA
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CIDADE & CONFLITO
Roubos, proteção patrimonial e letalidade no Rio de Janeiro
GENI/UFF
e NECVU
IFCS/UFRJ