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Extinção do Diretório dos Índios

Data do documento: 12 de maio de 1798


Local: Palácio de Queluz
Folha (s): 23 a 34

“D. Francisco de Souza Coutinho[1], do meu Conselho, Governador e Capitão General do


Estado do Pará[2]. Eu a Rainha[3] vos envio muito saudar. Sendo a civilização dos índios,
habitantes dos vastos distritos dessa Capitania, um objeto mui digno da Minha Maternal
atenção, pelo bem real que eles, não menos do que o Estado, acharam em entrarem na
sociedade, e fazerem parte dela, para participarem igualmente com os outros
meus vassalos[4] dos efeitos do meu contente e ilegível interrompido desvelo em os
amparar à sombra das saudáveis determinações (...) e assim não só de convidar aqueles
índios que ainda estão embrenhados no interior da capitania a vir viver entre os outros
homens, mas de conservar ilegível e permanentes aqueles que já hoje fazem parte da
sociedade, servindo o Estado e conhecendo uma religião, em que vivem felizes, bem de
outro modo que os primeiros, desgraçadamente envolvidos em uma ignorância cega e
profunda até dos primeiros princípios da Religião Santa, abraçaram os últimos, por efeito da
pias e benéficas disposições dos Senhores Reis, meus predecessores e minhas: e querendo
igualmente que a condição destes índios, assim dos que já hoje tem trato e comunicação
com os outros meus vassalos, como dos que deles fogem, seja em tudo a de homens em
sociedade: Hei por bem abolir e extinguir de todo o Diretório dos Índios[5] estabelecido
provisionalmente para o governo econômico das minhas Povoações, para que os mesmos
índios fiquem, sem diferença dos outros meus vassalos, sendo dirigidos e governados pelas
mesmas leis, que regem todos aqueles dos diferentes Estados, que impõem (sic) a
Monarquia, restituindo os índios aos direitos, que lhes pertencem igualmente como aos
meus outros vassalos livres. E confiando eu que vós procedereis para o importante fim da
civilização dos índios com um acerto tanto do Meu agrado, quanto o foi o da informação que
cobre este objeto me destes, encarrego-vos de cuidar desde logo nos meios mais eficazes
de ordenar e formar os índios que já vivem em Aldeias, promiscuamente com os outros, em
Corpos de Milícias, conforme a população dos Distritos, e segundo o Plano por que estão
formados e ordenados os outros: E para Oficiais Comandantes de tais Corpos nomeareis
os principais e oficiais das povoações indistintamente com os moradores brancos, fazendo
executar as disposições e ordens concernentes ao governo e direção deles pelos referidos
oficiais comandantes e pelos seus juizes, alternativamente brancos e índios, segundo a
ordem a que pertencerem. Tratarei também de formar um Corpo efetivo de índios, bem como
os Pedestres de Mato Grosso[6] e de Goiases[7], preferindo porém os pretos forros e
mestiços, enquanto os houver, como mais robustos e capazes de suportar o trabalho,
deixando ao ilegível discernimento o modo porque, haveis de organizar o referido Corpo
efetivo, sem prejuízo da condução das madeiras e de outros serviços em que utilmente se
empregam os índios, fixando-lhes um número determinado de anos de serviço (...) só
trabalharão uma parte do ano, ficando-lhes a outra, para cuidarem nos negócios das suas
famílias; o que insensivelmente os irá costumando a ocupações sérias, e por conseqüência
a achar necessário para a sua felicidade um governo, que provê todas as mais precisões.
... A paga deste Corpo será a mesma que a atual dos índios, acrescentando com uma porção
de sal à ração diária e dando-lhes outra de aguardente[8], quando andarem em viagens,
ou estiverem nos matos. Vencerá este Corpo dois uniformes cada ano (...) Conformando-
me igualmente com o vosso parecer acerca dos índios que se ocupam nas pescarias,
ordeno-vos, que façais logo alistar em número suficiente todos aqueles que houverem de
ser pescadores, dispensando-os de entrarem assim no Corpo do Meu Real Serviço como
nos de Milícias, e que lhes destineis as vilas em que devem habitar ficando porém sujeitos
a outros trabalhos da pescaria, e impondo-lhes uma pena proporcionada, àqueles alistados
que faltarem ao serviço ou abandonarem as embarcações (...) E porque não é da Minha
Real Intenção que o Contrato dos Dízimos suba de preço à custa dos índios, mas sim que
o dizimeiro e os outros contratadores daqueles contratos tenham gente para remar as
canoas que a eles pertencem, e a quem paguem pelo preço em que convierem. (...) O outro
meio que me propendes, como tendente também para o mesmo fim da Civilização dos
índios, é a continuação do comércio e navegação para Mato Grosso, feito por escravos[9],
e não pelos índios (...) E com a fiel e bem entendida execução que confio dareis a estas
Minhas Saudáveis Providências, espero ver realizados os desejos de aumentar o número
dos fiéis, atraindo ao Grêmio da Igreja e à obediência das Minhas Leis uma considerável
porção dos habitantes desse vasto país, que involuntário mas cegamente e infelizmente não
conhecem outra lei que não seja da sua vontade sem regra, nem discernimento. E quanto
antes poserdes em prática estas Minhas Disposições, tanto maior serviço fareis a Seus e a
mim, a quem será mui agradável que vós sejais o Instrumento da total civilização desses
índios, ao ponto de se confundirem as duas castas de índios e brancos em um só de
vassalos úteis ao Estado, e filhos da Igreja.
Restituindo assim aos seus direitos os índios, convém atalhar a natural ociosidade, que os
convida o clima, quer no Meu Real Serviço, que no dos particulares. (...) Iguais os índios em
direitos e obrigações com os meus outros vassalos, ainda falta facilitar-lhes alianças com os
brancos, como um meio muito eficaz para a sua perfeita civilização: Portanto ordeno-vos,
que cuideis muito em promover os casamentos entre índios e brancos[10] (...) conceda a
todos os brancos que casarem com índios a prerrogativa de ficarem isentos de todos os
serviços públicos os seus parentes mais próximos, por um número de anos (...) Regulado
assim a condição dos índios, que já vivem aldeados, é minha real Intenção, pelo que toca
ao que andam embrenhados nos matos e repugnam procurar a sociedade dos outros seus
semelhantes pelos justos motivos que me patenteais, alterar o sistema até agora seguido,
e substituir lhe outro, que tenha por princípio não o conquistá-lo e sujeitá-los, mas prepará-
los para admitirem comunicação e trato com os outros homens: e para este fim vos ordeno,
que não façais nem consintais se faça, debaixo das mais severas penas, que ficam
reservadas ao Meu Real arbítrio, guerra ofensiva ou hostilidades quaisquer
a nação[11] alguma de gentios[12], que habitam os vastos espaços dessa capitania; e
recomendo-vos do mesmo modo que nem deis nem consintais se dê auxílio direto ou indireto
nas guerras que umas nações às outras poderem fazer; proibindo, debaixo de rigorosas
penas, a compra ou recebimento de nenhum escravos apreendidos nas guerras que entre
si tiverem (...) E só vos será lícito adotar um sistema diferente deste puramente defensivo,
no caso em que algumas das mesmas nações intentem hostilidades e correrias contra as
cidades, vilas e outras povoações do norte (...) Todos e quaisquer comboios que
frequentarem o interior do Brasil, e dessa capitania em particular, seja navegando os rios,
seja caminhando pelas estradas, serão obrigados a levar entre os gêneros de que
compuserem as suas carregações, aqueles de que os gentios fazem naturalmente maior
estimação, afim que encontrando-os, os brindem com tais presentes (...) Todo aquele
indivíduo livre que quiser estabelecer-se nas terras e povoações dos gentios lhe serás
concedida licença para isso; mas não poderá fazê-lo sem dar parte ao governo (...)
Encarregando-vos ultimamente de cumprirdes e fazerdes se cumprir quanto nesta se
contém, não obstante quaisquer outras ordens ou disposições em contrário sejam. Escrita
no Palácio de Queluz[13] em 12 de maio de 1798.
[1]COUTINHO, FRANCISCO MAURÍCIO DE SOUZA (1730-1786): irmão de Rodrigo de
Sousa Coutinho, ministro e secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos de d.
João VI, foi governador da província do Grão-Pará, entre os anos de 1790 e 1803. Foi
cavaleiro da Ordem de Malta e almirante da Armada Real. Durante o seu governo, promoveu
a urbanização da cidade de Belém, o estabelecimento do Jardim Botânico do Pará, o cultivo
de novas culturas agrícolas como o tabaco, cânhamo e arroz, além da introdução de novas
técnicas de cultivo.
[2]PARÁ, CAPITANIA DO: a etimologia do nome da antiga unidade administrativa decorre
do rio Pará, derivado do tupi-guarani pa'ra que significa rio do tamanho do mar ou grande
rio devido sua grande extensão. No ano de 1621, a colônia americana portuguesa foi dividida
em dois territórios administrativamente separados que respondiam ambos diretamente a
Lisboa: o Estado do Brasil, com sede em Salvador, e o Estado do Maranhão, com centro
administrativo em São Luís. O Estado do Maranhão e Grão-Pará permaneceu com essa
designação até o ano de 1751, quando no reinado de d. José I e do gabinete de Sebastião
José de Carvalho e Melo, transfere a capital administrativa de São Luiz para Belém (fundada
em 1616) e passa a se chamar Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Estado do Grão-Pará
e Maranhão era composto pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Rio Negro, mantida
essa estrutura até o ano de 1772/1774, quando o governo português resolve dividir o Estado
do Grão-Pará e Maranhão em duas unidades administrativas distintas: o Estado do Grão-
Pará e Rio Negro (1772/1774 -1850), ficando a capitania do Rio Negro Subordinada ao Pará,
e o Estado do Maranhão e Piauí (1772/1774-1811), ficado a capitania do Piauí subordinada
ao Maranhão. Ambas, as unidades administrativas criadas ficaram subordinadas
diretamente a Lisboa (SANTOS, Fabiano Vilaça dos. O governo das conquistas do norte:
trajetórias administrativas no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1780). Tese de
doutorado em História. USP, 2008). As conquistas do norte eram inicialmente subordinadas
ao Estado do Maranhão, que não conseguia defender toda a vasta região amazônica, além
de expandir as fronteiras para o oeste. Para tentar efetivar a apropriação do território e conter
o alcance da influência dos religiosos nas missões e aldeamentos, a Coroa criou e distribuiu
sistematicamente, entre 1615 e 1645, capitanias e sesmarias ao longo do rio Amazonas. As
capitanias que compunham o Estado do Maranhão no século XVII eram Pará, Maranhão e
Piauí – reais – e Cumá, Caeté, Cametá e Marajó (ou Ilha Grande de Joanes), estas
particulares e subordinadas às da Coroa. O regime das capitanias permaneceu em vigor
desde 1615 até 1759, quando o marquês de Pombal, primeiro-ministro de d. José I,
reformulou o sistema, incorporando todas à Coroa e dando uma nova configuração ao
Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Grão-Pará representou grande possibilidade de
riqueza para colonos e colonizadores, interessados nas drogas do sertão e nas terras
indígenas. O setecentos, sobretudo na segunda metade, foi um período profícuo para a
região, devido à intensificação do comércio das drogas e ao incentivo às culturas agrícolas,
como o cacau, tabaco, café, algodão, entre outros, promovidos pela Companhia de
Comércio do Grão-Pará e Maranhão e resultante da expulsão dos jesuítas, que controlavam
o comércio com os índios.
[3]MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita
Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O
reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do
marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e
laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os
espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia
do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo
(1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões
para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período
caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a
Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas
ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de
Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras
no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio
colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria
I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo
Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789)
ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a
colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente
impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal
e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil
em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.
[4]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século
XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o
serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do
apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os
vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes
títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa
nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus
e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a
concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades
financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos
e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo
vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos
e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.
[5]DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS: o Diretório que se deve observar nas povoações dos índios
do Pará e Maranhão, aprovado por d. José I em 1755, desempenhou papel central na política
metropolitana de controle dos povos indígenas durante o período pombalino. O alvará de 17
de agosto de 1758 estendia o Diretório a todo o Brasil. Dentre as principais disposições,
substituía os missionários por diretores leigos, nomeados pelos governadores, cujas
obrigações abrangiam o incentivo à agricultura, à mestiçagem por meio de casamentos
mistos e à adoção de hábitos e da língua portuguesa, com o fim de promover a “civilidade
dos índios”. Os índios seriam, assim, inseridos na “civilização” por meio da agricultura, da
comercialização de produtos agrícolas e do pagamento de tributos. Os aldeamentos foram
elevados a vilas e os jesuítas, que resistiam à adoção de uma administração secular desses
aldeamentos, foram expulsos do país (1759). Apesar de uma perspectiva civilizatória, que
pretendia abolir as diferenças entre índios e brancos, as determinações do Diretório nunca
impediram a exploração da força de trabalho indígena, a espoliação das terras dos
aldeamentos e o processo compulsório de aculturação dos inúmeros povos existentes no
Brasil. Em 12 de maio de 1798, o Diretório foi abolido em meio a denúncias de corrupção e
abusos cometidos pelas autoridades responsáveis.
[6]MATO GROSSO, CAPITANIA DE: pelo Tratado de Tordesilhas (1494), a região centro-
oeste brasileira pertencia à Coroa espanhola. Dessa forma, o território correspondente ao
Mato Grosso foi, inicialmente, ocupado pelos jesuítas espanhóis que fundaram missões que
se ocupavam da pacificação e catequização de grupos indígenas. Apenas na segunda
metade do século XVIII, com a descoberta de ouro e, posteriormente, diamantes na região
por bandeirantes paulistas, o governo português passou a demonstrar interesse naquelas
terras. Motivado pela exploração dos minérios e ciente da delicada situação delicada
fronteiriça, o Conselho Ultramarino determinou o desdobramento da capitania de São Paulo,
criando outras duas: a de Mato Grosso e Cuiabá, e a de Goiás, através do alvará de 9 de
maio de 1748. Em relação a Mato Grosso, a coroa buscava tornar a capitania forte o
suficiente para conter os vizinhos espanhóis, um antemuro para todo interior do Brasil, por
isso as tentativas de povoamento e incremento agrícola. A assinatura dos Tratados de
Madrid (1750) e de Santo Ildefonso (1777), com a Espanha, fixando as fronteiras na região,
concluíram o processo.
[7] GOIÁS, CAPITANIA DE: região localizada no centro-oeste brasileiro, já era conhecida
pelos portugueses desde o século XVI. No entanto, seu processo de colonização iniciou-se
apenas no final do século XVII, a partir das descobertas de minas de ouro por bandeirantes
paulistas – com destaque para Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, considerado o
descobridor de Goiás. Entre 1590 e 1670, diversas bandeiras percorreram a região, vindas
de São Paulo e, a partir de 1653, outras partiram de Belém pelo Amazonas e alcançaram a
região dos rios Tocantins e Araguaia. Além de bandeirantes em busca de ouro e escravos,
também jesuítas chegaram para catequizar, principalmente, os povos indígenas. Assim, em
1727 é fundado o arraial de Santana, que viria a se transformar na vila Boa de Goiás,
próximo da fronteira com o atual estado do Mato Grosso. A exploração do cobiçado mineral
na região ampliou as fronteiras ocupadas da América portuguesa, inicialmente com a
chegada dos colonos de São Vicente, tradicionalmente berço de desbravadores e caçadores
de riquezas, aos quais logo se seguiram reinóis e aventureiros de diversas capitanias. Índios
chamados Goyazes habitavam a Serra Dourada e deram origem ao nome da capitania.
Aparentemente, haviam migrado da região amazônica em tempos não muito remotos e
juntaram-se a outros grupos em resistência às seguidas tentativas de extermínio e
escravização pelos brancos que chegavam atrás do ouro. As “minas dos Goyazes”
estiveram inicialmente subjugadas à jurisdição da capitania de São Paulo. No entanto, sua
criação data de 9 de maio de 1748, quando a capitania de São Paulo foi desmembrada
dando origem a três capitanias distintas: São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Foi o segundo
maior produtor de ouro durante o período colonial, depois de Minas Gerais. Mas observa-se
também a existência de uma economia de subsistência para alimentar os mineiros e
escravos que trabalhavam nas minas. Com o declínio da mineração, em fins do século XVIII,
os goianos passariam a se dedicar a atividades agropastoris, exportando gado e seus
subprodutos, além de algodão e açúcar, para as capitanias vizinhas do Norte e Nordeste.
[8]AGUARDENTE: bebida derivada da fermentação e destilação do caldo ou do melaço da
cana-de-açúcar, conhecida também como jeribita, táfia, cachaça, vinho de mel, ou ainda
garapa azeda. Foi introduzida no Brasil pelos primeiros colonizadores portugueses, surgindo
como subproduto dos engenhos de açúcar. Destinada inicialmente ao consumo local, ficou
conhecida por muito tempo como bebida de escravo. Entretanto, pelo altíssimo teor alcoólico
e baixo preço em relação ao vinho português, sua venda disseminou-se não só na América,
como também em outras colônias portuguesas, de maneira que, no século XVII, já era
utilizada como moeda de troca na compra de escravos na costa africana. A concorrência
com a produção das Antilhas no Seiscentos fez despencar o preço do açúcar brasileiro no
mercado internacional, forçando a procura por outros gêneros com características
semelhantes. Foi nessa conjuntura que a aguardente ganhou espaço, sendo considerada
como produto compensador da economia açucareira. Mesmo nas fases favoráveis, o açúcar
possuía uma grande desvantagem em relação à aguardente: a baixa lucratividade para os
seus produtores. Sendo um derivado da cana-de-açúcar, a aguardente era a grande
responsável pelos ganhos dos engenhos brasílicos (25%), pois não estava atrelada ao
dízimo e não era mercadoria dividida com os lavradores de cana. Devido à alta lucratividade
dada aos senhores de engenho na colônia e ao temor da concorrência com o vinho
português, a Coroa passou a tributar o produto e proibir sua comercialização. Apesar disso,
as engenhocas, que oficialmente fabricavam rapadura, e os alambiques continuaram a
produzir aguardente, o que contribuiu para disseminar a expressão a “salvação da lavoura”.
Baixo custeio da produção e alta lucratividade fizeram da bebida, tipicamente tropical, o
recurso acionado em momentos de dificuldades.
[9]ESCRAVOS [INDÍGENAS]: logo nos primeiros anos da colonização no Brasil, utilizou-se
trabalho escravo indígena para garantir a mão de obra necessária à produção açucareira,
principal atividade da economia colonial até o século XVIII. Empregados nas lavouras, nos
engenhos, nos moinhos, na criação de gado e nos serviços domésticos, os índios foram a
primeira opção dos senhores de engenho para o trabalho compulsório, devido ao grande
contingente populacional então existente e à falta de recursos suficientes que viabilizassem
a importação de escravos africanos, já conhecidos pelos portugueses. Apesar da existência
de uma legislação que proibia a escravidão indígena desde o final do século XVI – somente
através da guerra justa seria possível tornar um índio cativo: diante da recusa à conversão
católica poderiam, então, ser escravizados – a Coroa portuguesa não conseguiu extingui-la.
A necessidade de mão de obra barata levou os colonos a encontrarem maneiras de burlar
as restrições legais, simulando pretextos para guerras justas. No entanto, encontraram na
ação da Companhia de Jesus um entrave para expansão da instituição. Contrários a
escravidão dos nativos, os jesuítas fundaram missões – aldeamentos indígenas formados
com o intuito de civilizar e catequizar os índios – onde esses teriam proteção contra as
investidas dos colonos em busca de mão de obra. No entanto, tais aldeamentos foram
constantemente atacados por sertanistas ao longo do período colonial e diversos povoados
destruídos. Os gentios reagiam a escravidão das mais diversas formas: lutas armadas, fuga,
alcoolismo e suicídio foram os meios encontrados para reagir à violência do escravismo
colonial. A substituição do escravo indígena pelo escravo africano deu-se a partir do século
XVII, resultando de vários fatores: a grande resistência dos índios à escravidão; a crescente
escassez de mão de obra indígena, decorrente da mortandade gerada pelas doenças e
pelas guerras; a posição contrária da Igreja Católica e o tráfico de escravos africanos
intercontinental. Na verdade, foi o lucro originado do comércio negreiro que, tornando-se
uma das principais fontes de recursos para a metrópole, fez do escravo africano mais
atrativo do que o indígena.
[10]PROMOVER O CASAMENTO ENTRE ÍNDIOS E BRANCOS: de acordo com a
historiografia tradicional, a Coroa portuguesa enviou, no final do século XVI, navios com
mulheres brancas para que os primeiros colonizadores pudessem estabelecer famílias no
Brasil. Isto seria também uma maneira de impedir a miscigenação das raças e a união sem
a benção da Igreja Católica. No entanto, estudos atuais sobre a colonização brasileira
mostram que estes casamentos inter-raciais foram em algumas situações até estimulados,
uma vez que o casamento entre um europeu e uma índia de determinada tribo poderia
assegurar vantajosas alianças políticas nas batalhas que envolvessem um povo
considerado inimigo pelo grupo da esposa. Além disso, havia a questão da aculturação dos
povos indígenas, a partir do incentivo da Igreja através da catequese, que asseguraria ao
marido a legitimidade da união, uma vez que a esposa passaria a professar a fé católica. A
política portuguesa de povoamento das áreas coloniais de fronteira, também foi fator
impulsionador da miscigenação, pois os casamentos mistos incentivavam um
aportuguesamento da população que ocupava essas áreas, contribuindo sobremaneira para
povoar/colonizar o vasto território fronteiriço. O Diretório dos Índios de 1757 – conjunto
normativo com o objetivo de organizar a administração e o governo dos índios do Pará e
Maranhão –, previa, entre outras questões, o incentivo ao casamento entre índios e brancos:
“Pelo que recomendo aos Diretores, que apliquem um incessante cuidado em facilitar, e
promover pela sua parte os matrimônios entre os Brancos, e os Índios, (…). Para facilitar os
ditos matrimônios, empregarão os Diretores toda a eficácia do seu zelo em persuadir a todas
as Pessoas Brancas, que assistirem nas suas Povoações, que os Índios tanto não são de
inferior qualidade a respeito delas, que dignando-se Sua Majestade de os habilitar para
todas aquelas honras competentes às graduações dos seus postos, consequentemente
ficam logrando os mesmos privilégios as Pessoas que casarem com os ditos índios;
desterrando-se por este modo as prejudicialíssimas imaginações dos Moradores deste
Estado, que sempre reputaram por infâmia semelhantes matrimônios”.
[11]NAÇÃO: a ideia de nação surgiu como atributo central no processo de legitimação dos
Estados territoriais modernos. Nas sociedades europeias de Antigo Regime, afirmou-se a
tendência para identificação da Nação com o Rei, representante máximo do reino e da
própria comunidade, por direito divino e monopólio do uso da força – uma construção
ideológica criada pelo próprio Estado para estabelecer uma unidade, uma identidade
coletiva. No entanto, o conceito ganharia importância e nova forma a partir da Revolução
Francesa. Ao substituir um governo absoluto pelo poder do povo, procurou-se manter a
soberania através da ideia de nação, conjunto político formado pelos cidadãos de um país.
Buscou-se legitimar o novo poder e as novas leis, que não mais adivinham de um poder
monárquico, mas sim de todos os indivíduos, capazes de se autogovernar. O rei absolutista
deixava de ser o sujeito político preponderante, substituído por um ator coletivo, a nação. O
industrialismo também teve papel fundamental na construção das nações modernas,
sobretudo na criação de uma cultura comum, respaldada num sistema escolar de massa e
nos meios de comunicação e propaganda. Na busca pelo desenvolvimento dessa
consciência comum/nacional, os Estados investiram na adoção de uma língua comum e no
reconhecimento de uma individualidade no campo internacional – através da afirmação da
soberania e na total independência política diante de qualquer poder externo. Em Portugal,
o termo nação ganharia força a partir das invasões francesas e a transferência da corte para
o Rio de Janeiro, do confronto da população, do povo, contra a ocupação estrangeira, uma
força autônoma em relação à figura do rei afastado geograficamente. Cabe lembrar que, a
ideia de nação portuguesa incluía os domínios lusos no ultramar, usada ainda no sentindo
de império, abarcando lusos e brasileiros. O processo de formação de uma nação no Brasil
está atrelado aos movimentos emancipacionistas das ex-colônias na América e à
consolidação e legitimação política do Estado Imperial brasileiro. A manutenção do regime
monárquico, após o rompimento com Portugal em 1822, visava, por um lado garantir a
independência política do Brasil e a unidade nacional e, de outro, evitar rupturas na estrutura
socioeconômica da nova nação, ou seja, o latifúndio e a escravidão. Serão esses os
interesses político econômicos contemplados no projeto de Estado-nação brasileiro.
[12]GENTIO: a designação foi empregada, ao longo da história da conquista da colônia,
para se referir ao índio não cristão, àquele que não havido sido integrado na órbita colonial
luso-brasileira. Gentio é um termo usualmente relacionado a “bárbaros”, “selvagens”,
“bravos”, “gentio”, ou ainda “tapuia” sem muita distinção, contribuindo para a construção de
um recurso jurídico visando a decretação de guerra justa, escravização dos índios e
liberação de terras para os colonos. Em carta a Mem de Sá, em 1558, o rei recomenda que
os colonos apoiem os jesuítas na tarefa mais importante da política real do Brasil, quer dizer,
na conversão dos pagãos “porque o principal e primeiro intento que tenho em todas as partes
da minha conquista é o aumento e conservação da nossa santa fé e conversão dos gentios
delas”. Em Apontamento de coisas do Brasil (1558), Nóbrega se refere ao gentio como “de
qualidade que não se quer por bem, senão por temor e sujeição, como se tem
experimentado e por isso se S.A. os quer ver todos convertidos mande-os sujeitar e deve
fazer estender os cristãos pela terra adentro e reparti-lhes o serviço dos índios àqueles que
os ajudarem a conquistar e senhorear, como se faz em outras partes de terras novas, e não
sei como se sofre, a geração portuguesa que entre todas as nações é a mais temida e
obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste
gentio do mundo.” (Ribeiro, D. e Moreira Neto, C.A. A fundação do Brasil. Petrópolis: Vozes,
1992: 121)
[13]QUELUZ: cidade portuguesa, parte do concelho de Sintra, área metropolitana de Lisboa,
no centro-sul do território do país. A cidade tornou-se célebre em função da construção do
Palácio de Queluz, em 1747, como residência de verão da família real portuguesa.
Anteriormente havia sido o pavilhão de caça da propriedade dos marqueses de Castela
Rodrigo, que foi confiscada pela Coroa portuguesa durante a Restauração. O palácio, em
estilo rococó, foi mandado construir pelo infante d. Pedro, futuro rei, tio e marido de d. Maria,
com todo o luxo e apuro que a monarquia portuguesa podia prover, de forma a promover e
indicar a solidez, a ostentação e a distinção da Coroa e de sua realeza. Com a morte do rei
em 1786 e do primogênito (d. José) em 1788, a rainha começou a apresentar sinais de
loucura e foi recolhida ao Palácio de Queluz. De lá, a partir de 1794, ela e o regente d. João
governaram o reino e seus domínios no ultramar, quando o Palácio da Ajuda, principal sede
da monarquia, pegou fogo e obrigou a Corte a mudar-se temporariamente para Queluz, onde
permaneceu até 1807, quando se transferiu para o Brasil, em fuga das invasões
napoleônicas. O “mundo” de Queluz ficou associado ao período em que foi sede do poder
político durante o reinado mariano e a regência joanina, de transição da monarquia absoluta
para uma governança constitucional e mais liberal. Esse mundo era caracterizado pela forte
presença de uma sociedade de Corte do Antigo Regime, espelhada na Corte francesa de
Versalhes (o palácio português era tido como uma versão modesta do exemplar francês),
em um momento de reação às políticas reformistas pombalinas, de centralização estatal e
de sacralização da figura do monarca, de intrigas palacianas e disputas entre os ministros e
a alta realeza, que se sentia diminuída frente aos mandos e privilégios dos secretários de
Estado. Antes de se tornar sede do poder político, Queluz era palco de grandes festas de
São Pedro e São João, com missas, corridas de touros, concertos musicais e óperas, até a
perda do herdeiro real, quando se manteve somente a celebração, bem mais modesta, do
aniversário da rainha. Em 1807 deixou de ser a sede do governo e a partir de 1826 não mais
foi usado pela monarquia para funções políticas. Foi no palácio que d. Pedro I, imperador
do Brasil (Pedro IV de Portugal) nasceu e morreu, em 1834. Um século depois (1934) passou
por um incêndio que destruiu todo o interior, mas foi completamente restaurado e atualmente
é um importante ponto de visitação turística, além de servir hospedagem para chefes de
Estado em visitas oficiais a Portugal.

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