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DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

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DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

ÍNDICE

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................3
2 ELEMENTOS DE CARACTERIZAÇÃO DAS ALBUFEIRAS................................................6
3 CURVAS CARACTERÍSTICAS DE ALBUFEIRAS................................................................7
4 DETERMINAÇÃO DO VOLUME MORTO............................................................................10
5 CAPACIDADE ÚTIL DA ALBUFEIRA..................................................................................13
5.1 Fiabilidade..........................................................................................................................13
5.2 Cálculo da Capacidade Útil pelo Método de Rippl............................................................14
5.3 Determinação da Capacidade Útil pelo Método dos Picos Consecutivos..........................18
5.4 Modelos Complexos para a Determinação da Capacidade Útil.........................................20
6 DIMENSIONAMENTO DA CAPACIDADE ÚTIL COM CARÊNCIA DE DADOS............21

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DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

1 INTRODUÇÃO
A variabilidade temporal dos escoamentos superficiais, com uma marcada alternância entre
períodos de grandes caudais e períodos de estiagem ao longo do ano assim como de sequências de
anos húmidos e de anos secos, leva a que se recorra ao armazenamento de água para adequar os
escoamentos afluentes às necessidades de consumo.

O armazenamento é feito em reservatórios que podem ser naturais ou artificiais. Uma barragem cria
um reservatório artificial que se designa por albufeira.

Uma albufeira pode servir diversas finalidades:

* através da regularização de caudais


 abastecimento urbano e industrial;
 irrigação;
 controlo de cheias;
 produção de energia hidroeléctrica;
 navegação;
 controlo de poluição por diluição;
 contenção da intrusão salina;
* através do próprio volume de água armazenado na albufeira
 recreio;
 piscicultura;
 retenção de sedimentos;
* através da queda criada pela barragem
 produção de energia hidroeléctrica.

Em Moçambique existem algumas grandes albufeiras, destacando-se a de Cahora-Bassa no rio


Zambeze que possui uma das maiores capacidades de armazenamento em todo o mundo. Para além
de Cahora Bassa, devem referir-se as albufeiras de Massingir (rio dos Elefantes), Chicamba (rio
Revué), Corumana (rio Sabié) e Pequenos Libombos (rio Umbelúzi). O quadro 1 apresenta as
principais características dessas albufeiras. Moçambique dispõe ainda de outras albufeiras de
menores dimensões como as de Macarretane (rio Limpopo), Mavúzi (rio Revué), Ulongué (rio
Maué), Nacala (rio Muecate), Nampula (rio Monapo) e Locumué (rio Lucheringo).

O desenvolvimento sócio-económico de Moçambique irá necessitar da criação de muitas outras


pequenas e grandes albufeiras, atendendo à irregularidade dos escoamentos nos rios do país. A
figura 1 localiza as barragens existentes bem como diversas outras em projecto ou identificadas
como potencial.

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Quadro 1. Características das principais albufeiras de Moçambique

ALBUFEIRA RIO TIPO DE ALTURA CAPACIDADE MAX.ÁREA POTÊNCIA FINALIDADES


BARRAGEM m M m3 INUND. km2 MW
Cahora Bassa Zambeze Betão, abóbada 171 52,000 2,260 a) 3,600 Energia (P), irrigação, controlo de
cheias, navegação, pesca
Chicamba Revué Betão, abóbada 75 1,536 36 Energia (P), abastecimento a
Chimoio c)
Massingir Limpopo Terra, zonada 48 d) 2,844 151 b) 40 Irrigação (P), controlo de cheias e da
intrusão salina, energia, pesca
Corumana Sabié Terra, zonada 45 e) 1,230 90 15 Irrigação (P), energia, controlo de
cheias e da intrusão salina
Pequenos Libombos Umbeluzi Terra, zonada 46 400 38 1.4 Abastecimento a Maputo (P),
irrigação, controlo de cheias, recreio
e turismo, energia, pesca
(P) - finalidade principal do aproveitamento

a) – a potência actualmente instalada é de 2075 MW (central Sul)


b) – a central hidroeléctrica ainda não foi instalada
c) – o abastecimento a Chimoio a partir da albufeira da Chicamba apenas se iniciou em 1996
d) – a capacidade actual é de cerca de 1,200 M m3, enquanto não forem instaladas as comportas do descarregador de cheias
e) – a capacidade actual é de cerca de 700 M m3, enquanto não forem instaladas as comportas do descarregador de cheias

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2 ELEMENTOS DE CARACTERIZAÇÃO DAS ALBUFEIRAS

A figura 2 representa esquematicamente uma barragem e a respectiva albufeira. Ela permite ilustrar
as seguintes características da albufeira:

 NPA é o nível de pleno armazenamento. É a máxima cota atingida pela água armazenada,
correspondendo à cota do topo das comportas do descarregador de cheias ou à da crista da
soleira do descarregador se este não tiver comportas. O NPA pode ser mantido por longos
períodos de tempo.

 NMC é o nível de máximo cheia. Quando ocorre a “cheia de projecto” , o caudal de pico
da cheia é superior à capacidade de vazão do descarregador o que origina que, durante um
certo período de tempo, parte do escoamento afluente se acumule na albufeira, elevando o
seu nível. O NMC é o nível máximo atingido nessas condições. Uma albufeira não pode
armazenar água em permanência acima do NPA, portanto esta é uma situação que ocorre
apenas durante cheias, num intervalo de tempo relativamente curto.

 Volume morto é a a parcela da capacidade da albufeira que se destina a ser preenchida com
os sedimentos transportados pelo rio e que, retidos pela barragem, se depositam. Quando a
barragem acaba de ser construída, o volume de sedimentos depositado é praticamente nulo;
esse volume vai sempre crescendo até ao fim da vida útil da albufeira. O volume morto
corresponde à situação atingida no fim da vida útil.

 NME é o nível mínimo de exploração. Corresponde à cota a que se colocam as entradas


das descargas de fundo. O NME é definido tendo em conta o volume morto para garantir
que as descargas de fundo não fiquem colmatadas durante a vida útil da albufeira.

 Capacidade da albufeira é o volume total de água que ela armazena quando o nível da água
é o NPA. Capacidade útil é a diferença entre a capacidade e o volume morto já que
qualquer volume de água armazenado abaixo do NME não é normalmente utilizável.

 Volume de encaixe de cheias é a diferença entre o o volume armazenado quando o nível da


água é o NMC e a capacidade da albufeira. Constitui um elemento importante para o
estudo do amortecimento (laminagem) da cheia pela albufeira pois quanto maior for esse
volume de encaixe tanto menor será o caudal de pico descarregado pela barragem.

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Figura 2. Representação esquemática duma barragem e albufeira

3 CURVAS CARACTERÍSTICAS DE ALBUFEIRAS

Tanto o dimensionamento duma albufeira como a sua exploração tornam necessário conhecer as
suas curvas características, sendo as principais:

 a curva dos volumes armazenados V (h);


 a curva das áreas inundadas A (h);
 a curva de vazão do rio numa secção imediatamente a jusante da barragem.

A curva dos volumes armazenados estabelece uma relação biunívoca entre a cota h da água na
albufeira e o correspondente volume armazenado V.

Nos estudos de dimensionamento de albufeiras, determina-se a capacidade total (soma da


capacidade útil e do volume morto) e o volume de encaixe de cheias necessários para satisfazer
respectivamente a demanda de água e garantir a segurança da obra. A curva V (h) permite então
determinar a cota h que corresponde à capacidade total mais o volume de encaixe de cheias. Essa
cota, adicionada à folga, permite calcular a altura necessária para a barragem. A curva V (h) permite
ainda determinar a carga sobre o descarregador e as descargas de fundo que é uma variável
necessária para se calcular o caudal descarregado; permite igualmente obter a queda para o cálculo
da potência e da energia produzida nas turbinas.

A curva das áreas inundadas estabelece uma relação biunívoca entre a cota da água h e a
correspondente área A da superfície de inundação da albufeira.
Nos estudos de dimensionamento e exploração de albufeiras, esta curva permite conhecer a máxima
área inundável pela albufeira bem como a área inundada em cada instante (o volume armazenado V
determina a cota h e esta determina a área inundada A). A área inundada permite também calcular o
volume de água que precipita sobre a albufeira e que dela se evapora num dado intervalo de tempo.

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As curvas A(h) e V(h) são facilmente obtidas a partir dum mapa com curvas de nível, abrangendo o
local da barragem e a zona da albufeira, veja-se a figura 3.

Figura 3. Mapa da zona da albufeira com curvas de nível

Determina-se, normalmente com um planímetro, a área de inundação que resultaria da água estar à
cota duma dada curva de nível. Obtem-se assim uma série de valores de A (A 100, A120, A140, A160,
A180 , no exemplo da figura 3) que permitem traçar a curva A(h) passando pelos vários pontos Ai(hi),
figura 4. A120 é a área sombreada na figura 3.

Figura 4. Curva de áreas inundadas

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Feito o traçado da curva A(h), torna-se bastante simples fazer o traçado da curva V(h). Para tal,

basta atender a que o volume elementar de água contido entre as cotas h - e h+ é dado
por
dV = A(h) dh

O volume total V(h) contido à cota h será então dado por

V (h) =

Então, para qualquer valor de h, o volume V(h) é igual à área entre a curva A e o eixo h e entre os
limites hmin e h. Esta área pode ser obtida por planimetria sobre a figura da curva A(h) ou fazendo, a
partir da curva A(h), uma tabela de valores de A e h e calculando a área por integração numérica.

Na fase de dimensionamento das albufeiras, as curvas A(h) e V(h) são estendidas até valores de h
que estejam claramente acima daquilo que se pensa venha a ser a cota máxima da albufeira.

Exercício) Para um dado local de barragem, mediram-se sobre uma carta áreas inundadas para
várias cotas, tendo-se obtido os seguintes valores:

h (m) 90 100 120 140 160 180


A (km2) 0 5 20 45 90 150

a) Trace em papel milimétrico a curva das áreas inundadas


b) A partir dela, elabore uma nova tabela de valores de h e A, com h em intervalos de 5 metros
c) Utilizando a nova tabela, elabore uma tabela de valores de V para os correspondentes valores de
h (de 5 em 5 m). Obtenha os valores de V por integração numérica.

Exercício) A curva de áreas inundadas da albufeira de Massingir é dada por

A = 43.665 (h - 101.5)0.3937 entre as cotas 106.0 m e 125 m

e por

A = 0.0253 (h - 82)2.53338 para cotas entre 84.0 m e 106.0 m.

Obtenha uma expressão para a curva dos volumes armazenados, entre as mesmas cotas limite.

A curva de vazão do rio numa secção imediatamente a jusante da barragem é outra curva cujo
conhecimento é necessário, tanto para estudos de produção de energia hidroeléctrica como para
análise da dissipação de energia em descarregadores.

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Esta curva de vazão determina o nível de água no rio em função do caudal descarregado pela
barragem, quer através das turbinas quer através de descargas de fundo ou do descarregador de
cheias. Quanto mais alto for esse nível, menor será a queda bruta disponível para a produção de
energia hidroeléctrica. Por outro lado, o nível de jusante influencia o funcionamento do ressalto
hidráulico em bacias de dissipação.

4 DETERMINAÇÃO DO VOLUME MORTO

Um rio transporta não apenas água mas também sedimentos de maiores ou menores dimensões.
Com excepção do sedimento muito fino (“wash load”) que se mantém em suspensão mesmo em
águas praticamente paradas, duma maneira geral a capacidade dum escoamento transportar
sedimentos aumenta exponencialmente com a velocidade.

O barramento dum rio numa dada secção e a criação duma albufeira originam uma curva de regolfo,
com alturas de escoamento superiores às que ocorriam antes da construção. Consequentemente, as
velocidades do escoamento tornam-se mais baixas, levando à deposição dos sedimentos. Esta
deposição inicia-se com os materiais mais grosseiros; à medida que o rio entra pela albufeira, as
velocidades vão sendo cada vez menores, causando a deposição dos sedimentos mais finos,
conforme se esquematiza na figura 5.

Figura 5. Deposição de sedimentos numa albufeira

A deposição de sedimentos originada pela albufeira tem numerosos inconvenientes:

 provoca a diminuição da capacidade útil - em muitas albufeiras da Índia, essa diminuição é de


0.5 - 1% da capacidade útil por ano e na grande barragem de Tarbela, no rio Indus no Paquistão,
ela foi de cerca de 20% em 15 anos;

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 eleva os níveis de cheia a montante da albufeira, devido à sobreelevação do leito à entrada da


albufeira;
 provoca erosões no leito e margens a jusante da barragem, devido ao facto da barragem
descarregar caudal desprovido do sedimento de que carece para uma situação de equilíbrio;
 diminui a qualidade da água na albufeira;
 reduz a jusante os nutrientes transportados pelos sedimentos finos.

Foram experimentadas diversas vias para evitar a retenção de sedimentos na albufeira,


principalmente através de operações de “flushing”. O “flushing” consiste em fazer periodicamente
descargas muito elevadas através das descargas de fundo para provocar o arrastamento dos
sedimentos depositados. Infelizmente, esta técnica tem revelado um sucesso limitado porque o
arrastamento dos sedimentos dá-se apenas nas zonas mais próximas das descargas de fundo.

A medida que se tem revelado mais efectiva é a prevenção da erosão nos solos da bacia drenante
através de medidas de conservação do solo como reflorestamento, construção de terraços em zonas
de grandes declives, manutenção do coberto vegetal, práticas agrícolas adequadas, construção de
açudes para retenção de sedimentos, e outras similares.

A deposição de sedimentos acontece em toda a albufeira mas a maior parte ocorre nas zonas mais
profundas da albufeira, junto da barragem. Assim, em primeira aproximação, pode desprezar-se a
deposição em cotas mais elevadas e admitir que ela se efectua apenas nas cotas mais baixas,
conforme se representa na figura 6.

Figura 6. Efeito da deposição de sedimentos na curva de volumes


armazenados

Com base nesta aproximação, o volume morto pode então ser determinado com os seguintes passos:

1o) Estimação do volume anual médio de sedimentos transportados pelo rio na secção da
barragem. Esta estimação pode fazer-se pelos seguintes processos:

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 medições de caudal sólido, em número suficiente para se estabelecer uma correlação com o
caudal líquido. Caso se consiga estabelecer essa correlação, torna-se possível então para
cada valor de caudal líquido (diário, por exemplo) calcular o correspondente valor do caudal
sólido, obtendo-se dessa forma uma série cronológica que poderá ser tratada
estatisticamente. As limitações de dados de medições de caudal sólido levam a que este
processo seja raramente utilizado;
 utilização de fórmulas semi-empíricas que permitem calcular o caudal sólido a partir do
conhecimento das características do escoamento líquido e de características do próprio
sedimento (granulometria, forma das partículas). Este é o processo habitualmente utilizado
por recorrer a dados existentes ou facilmente obteníveis;
 utilização de fórmulas de cálculo da erosão do solo na bacia drenante. Este método é de
mais difícil utilização devido à carência de dados necessários para a calibração dos
parâmetros que intervêm em tais fórmulas.

Estes processos serão vistos com mais pormenor no capítulo dedicado ao transporte de sedimentos.

2o) Estimação do coeficiente de retenção definido como a razão entre o volume de sedimentos
retido na albufeira e o volume de sedimentos afluente. Como era previsível e se tem verificado
experimentalmente, o coeficiente de retenção cresce com a regularização específica, aproximando-
se de 100% para o caso de grandes albufeiras. A figura 7 reproduz o gráfico apresentado por Brune
em 1953 relacionando o coeficiente de retenção com a regularização específica.

O produto do volume anual médio de sedimento transportado pelo coeficiente de retenção dá o


volume anual de sedimento que se deposita na albufeira.

3o) Definição da “vida útil” da albufeira - deve-se considerar para vida útil da albufeira um
valor entre 50 e 200 anos. Como indicação, sugere-se a adopção duma “vida útil” de 100 anos. Não
há ainda evidência suficiente sobre o comportamento de barragens com muito mais de 100 anos.

O volume morto será então igual ao produto do volume anual de sedimentos que se deposita na
albufeira pela “vida útil”.

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Figura 7. Gráfico de BRUNE (1953) para coeficientes de retenção

Exercício) O escoamento anual médio que aflui a uma albufeira é de 900 * 10 6 m3, tendo uma
concentração média de sedimento de 800 ppm em peso. A capacidade total da albufeira é de 100 *
106 m3 . A porosidade média do sedimento depositado é de 0.4, a densidade do sedimento é de
2,650 kg/m3. Determine a capacidade útil e o volume morto para uma vida útil de 100 anos.

Obs - O gráfico de BRUNE tem de ser aplicado em períodos curtos (10 anos) já que a regularização
específica vai diminuindo com o tempo.

5 CAPACIDADE ÚTIL DA ALBUFEIRA


5.1 FIABILIDADE

A capacidade útil duma albufeira permite-lhe exercer a função de regularização dos escoamentos,
armazenando parte do escoamento afluente durante a época húmida para reforçar os caudais
descarregados durante a época de estiagem.

A capacidade útil que é necessária para garantir determinados consumos a jusante depende das
características desses consumos, das características do escoamento afluente (valores médios,
variabilidade) e da fiabilidade exigida pelo consumo.

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Para se compreender o conceito de fiabilidade, considere-se uma albufeira que efectua descargas em
N períodos de tempo para satisfazer um dado consumo. A meta do consumo não é satisfeita em Nf
desses períodos, situações em que se considera haver falhas; a meta é satisfeita em N - Nf períodos.

A fiabilidade F é então definida como a probabilidade da meta do consumo ser satisfeita,


calculando-se pela expressão

F =

Embora não existam normas rígidas sobre os valores a adoptar para a fiabilidade em função dos
vários tipos de consumos, a prática internacional indica os valores que se apresentam no Quadro 2.

Quadro 2. Fiabilidades de diversos consumos de água

Fiabilidade (%)
Consumo Valores limite Valor usual

Abastecimento doméstico urbano 90 - 97 95


Abastecimento rural 80 - 90 85
Abastecimento industrial 75 - 97 90
Energia 75 - 99 95
Irrigação 75 - 85 80

5.2 CÁLCULO DA CAPACIDADE ÚTIL PELO MÉTODO DE RIPPL

O Método de Rippl ou método da curva de volumes acumulados é o método mais antigo


desenvolvido para determinar a capacidade útil necessária para satisfazer, sem falhas, uma dada
meta constante de consumo. A meta pode corresponder a um escoamento mínimo pretendido (p.ex:
para garantir a irrigação ou o abastecimento urbano) ou a um máximo (p.ex: controlo de cheias).
Este método foi proposto por Rippl em 1883.

Trata-se dum método gráfico e, como tal, é actualmente pouco utilizado na prática. O procedimento
é o seguinte:

1o) Utilizando uma série longa (20 ou mais anos) de escoamentos no local onde se pretende
construir a barragem, constroi-se a curva de volumes acumulados. Normalmente, utilizam-se séries
de escoamentos mensais, figura 8. A tangente à curva em cada ponto dá o caudal nesse instante; nos
meses de estiagem a curva aproxima-se da horizontal ao passo que nos meses húmidos tem uma
grande inclinação.

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Figura 8. Curva de escoamentos acumulados

2o) Traçam-se paralelas à recta dos consumos acumulados tangentes à curva no início de cada
período de estiagem (situação em que a albufeira estará cheia). Cada paralela vai do ponto de
tangência ao ponto em que volta a intersectar a curva dos volumes acumulados. A maior das
distâncias, na vertical, entre qualquer uma das rectas paralelas e a curva dos volumes acumulados é
a capacidade útil necessária. A figura 9 ilustra este passo.

Figura 9. Determinação da capacidade útil pelo método de Rippl

Se em A a albufeira estiver cheia, ela vai-se esvaziando até B voltando a encher a partir daí. Em C a
albufeira está novamente cheia visto que os volumes acumulados entre A e C, afluente e
descarregado, são iguais. Entre D e H a situação é similar, apenas diferindo pelo facto de que a
albufeira não chega a ficar cheia no fim da primeira época húmida que termina em F.

Se a maior das distâncias for, por exemplo, d3, então é claro que a albufeira não chega a ficar vazia
nos pontos B e E mas apenas no ponto G. Com efeito, entre D e G o escoamento afluente

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acumulado é inferior em d3 ao escoamento descarregado acumulado, ou seja, é preciso que exista


um volume d3 armazenado para se satisfazer a meta do consumo.

Note-se que, estando a albufeira cheia em H, ela irá descarregar um escoamento superior à meta do
consumo nos períodos de tempo imediatamente a seguir. Situação idêntica ocorre em C.

O passo 2o foi descrito na hipótese de que a meta do consumo se refere a um escoamento mínimo a
garantir. Se a meta for a de garantir que um escoamento máximo não é ultrapassado (controlo de
cheias), as paralelas à recta do escoamento máximo acumulado devem ser tangentes à curva dos
escoamentos acumulados no início de cada período húmido (situação em que a albufeira estará
vazia).

O método de Rippl é um método simples que pode ser utilizado em análises preliminares ou em
estudos de pequenas albufeiras. Ele tem algumas limitações importantes:

 não considera a precipitação nem a evaporação na albufeira;


 não permite a introdução do conceito de fiabilidade uma vez que considera o
cumprimento da meta de consumo sem falhas;
 exige uma meta constante.

Exercício) São dados 10 anos de escoamentos trimestrais numa secção dum rio em que se pretende
criar uma albufeira de regularização. Determine pelo método de Rippl a capacidade útil necessária
para fornecer um caudal constante de

a) 0.5 m3 / s b) 1.0 m3 /s c) 1.5 m3 /s d) 2.0 m3 /s


e) A partir dos resultados das alíneas anteriores, construa a curva de capacidade útil vs.
caudal garantido.

Série de escoamentos (M m3)

Ano
Trimestre 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 10.3 8.2 12.7 3.0 3.5 12.0 9.5 9.4 4.7 10.6
2 48.3 49.0 49.0 23.4 48.7 53.0 63.0 29.3 66.0 41.0
3 33.7 13.2 19.1 10.2 31.1 33.2 25.3 8.3 30.8 16.4
4 7.9 21.1 7.3 7.1 10.7 7.7 4.4 5.0 5.7 4.3

Figura 10. Curva de capacidade útil vs. caudal garantido

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A curva de capacidade útil vs. caudal garantido tem a forma característica apresentada na figura 10,
onde se vê que pequenos armazenamentos conduzem a acréscimos significativos do caudal
garantido Q mas que, à medida que este se aproxima do caudal médio Q, a capacidade útil
necessária cresce muito rapidamente.

O método de Rippl permite também resolver o problema inverso: dada a capacidade útil da
albufeira, determinar o máximo caudal garantido (i.e., caudal que é sempre igualado ou excedido).
Para a resolução deste problema, o procedimento é o seguinte:

1o) Constroi-se a curva dos escoamentos afluentes acumulados, tal como no caso anterior.

2o) Desenha-se a mesma curva deslocada para cima na vertical duma distância igual à capacidade
útil da albufeira. A curva superior representa as situações de albufeira vazia enquanto a curva
inferior representa as situações de albufeira cheia, figura 11.

3o) A partir dos vários pontos de início de estiagem na curva inferior, procura-se a recta de maior
declive (que corresponde, portanto, ao maior caudal) possível a qual pode ser tangente à curva
superior (a albufeira fica vazia) mas não pode intersectá-la.

No entanto, este problema não tem grande relevância prática.

Exercício) Com os dados do exercício anterior, determine o máximo caudal garantido se a


capacidade útil da albufeira for de 140 Mm3. Compare o resultado obtido com o que obteria com a
curva da alínea e) do exercício anterior.

Figura 11. Determinação do máximo caudal garantido pelo método de Rippl

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5.3 DETERMINAÇÃO DA CAPACIDADE ÚTIL PELO MÉTODO DOS PICOS


CONSECUTIVOS

O método dos picos consecutivos (“sequent peak algorithm”) foi proposto por Thomas e Burden
em 1963. Este método permite determinar a capacidade útil necessária para uma albufeira de
regularização, oferecendo algumas vantagens sobre o método de Rippl:

 é um método analítico, podendo ser facilmente programado para computador;


 permite considerar uma meta que é variável ao longo do ano.

Tal como o método de Rippl, o método dos picos consecutivos não considera nem a precipitação
nem a evaporação na albufeira e também não permite introduzir o conceito de fiabilidade uma vez
que considera o cumprimentos da meta de consumo sem quaisquer falhas.

O algoritmo de cálculo tem os seguintes passos:

1o) Considerando a série de escoamentos afluentes (normalmente, mensais), determina-se em cada


período de tempo t o valor St dado por uma das duas alternativas

Rt - It + St-1 se positivo
0 se negativo ou nulo

em que Rt - meta de consumo no período t


It - escoamento afluente no período t
St - armazenamento necessário no período t

Toma-se So = 0

2o) Repete-se o passo anterior, tomando agora para So o valor de S obtido no ultimo período de
tempo do 1o passo.

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3o) A capacidade útil necessária é o máximo de St obtido nos passos 1 e 2.

Capac = max { St }
t

A aplicação do algoritmo duas vezes à série de escoamentos permite tomar em consideração a


possibilidade do período crítico em termos de carência de água se situar nos extremos da série. Esta
repetição só é necessária se, no 1o passo, o St do último período não for nulo.

Não deve confundir-se a equação do algoritmo dos picos consecutivos

S t = R t - It + S t - 1

com a equação do balanço hídrico na albufeira que seria

S t = S t - 1 + It - Rt

Com efeito, no método dos picos consecutivos Rt - It representa, no caso de ser positivo, o
excedente da meta do consumo em relação ao escoamento afluente. Esse excedente tem de ser
fornecido pela albufeira e, para isso, esta tem de dispor dum armazenamento St = Rt - It. Se no
período anterior já a albufeira tivesse também de repor um excedente, através do valor St - 1, então a
necessidade total de armazenamento seria St = Rt - It + St - 1.

Exercício) Utilizando a série de escoamento trimestrais anteriormente apresentada (v. método de


Rippl), determine:

a) as capacidades úteis necessárias para garantir um caudal mínimo de 0.5, 1.0, 1.5 ou 2.0 m 3/s e
compare os resultados com os obtidos pelo método de Rippl;

b) determine a capacidade útil necessária se a meta do consumo for variável ao longo do ano,
sendo nos trimestres sucessivos de 2.0, 0.5, 1.0, 2.5 m 3/s. Compare o resultado com o obtido
para uma meta constante de 1.5 m3/s e tire conclusões.

A possibilidade de se considerar uma meta de consumo variável ao longo do ano é uma grande
vantagem do método dos picos consecutivos sobre o método de Rippl visto que alguns consumos,
principalmente a irrigação, têm uma marcada variação ao longo do ano.

O método dos picos consecutivos não permite a resolução directa do problema inverso, i.e, a
determinação do máximo caudal garantido para uma dada capacidade útil da albufeira. O problema
inverso pode ser resolvido por via indirecta. Arbitrando vários caudais garantidos, determinam-se
pelo método dos picos consecutivos as correspondentes capacidades úteis necessárias e, a partir daí,
constrói-se a curva de capacidades vs. caudal garantido (ver figura 10) e dela obtem-se o caudal que
corresponde à capacidade dada;

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Exercício) Determine o caudal constante garantido por uma albufeira com uma capacidade útil de
10 M m3 para a série de escoamentos trimestrais anteriormente referida.

5.4 MODELOS COMPLEXOS PARA A DETERMINAÇÃO DA CAPACIDADE ÚTIL

Os dois métodos anteriormente apresentados são bastante simples e têm algumas limitações sérias
pelo que devem ser utilizados apenas em estudos preliminares ou para pequenas albufeiras. Para
grandes albufeiras ou quando há que considerar um sistema de várias albufeiras, é necessário
utilizar modelos mais complexos baseados na Análise de Sistemas. Para os problemas de
dimensionamento de albufeiras, os modelos mais utilizados são os de Programação Linear,
Programação Dinâmica e Simulação.

Não é possível no âmbito destas notas desenvolver a aplicação dos modelos acima referidos. Far-se-
á apenas uma breve introdução aos modelos de simulação, normalmente os mais utilizados.

As principais razões para a popularidade dos modelos de simulação são a sua simplicidade
matemática e a sua versatilidade. Do ponto de vista matemático, o modelo de simulação não é mais
do que a aplicação sequencial, ao longo dos vários períodos de tempo, da equação do balanço
hídrico na albufeira. Por outro lado, o fácil acesso a computadores tem permitido desenvolver
programas relativamente simples mas descrevendo com muito pormenor o comportamento do
sistema.

O modelo de simulação toma esse nome exactamente porque simula ou imita o comportamento dum
dado sistema (neste caso, a albufeira e as diversas utilizações da água) ao longo do tempo.

O modelo de simulação parte duma situação em que o sistema está perfeitamente definido, i.e., são
conhecidos a priori:

 a capacidade da albufeira e as curvas V(h) e A(h);


 os consumos (abastecimento, irrigação, controlo da poluição, navegação, etc.) e a sua
distribuição ao longo do ano;
 outras utilizações da água (controlo de cheias, produção de energia, níveis mínimos na albufeira
para pesca e recreio, etc.);
 a hidrologia do sistema (escoamentos afluentes à albufeira e em outras secções do mesmo e
outros rios, precipitação e evaporação na albufeira, etc.);
 as regras de operação da albufeira.

Com estes dados, a aplicação sequencial do balanço hidrológico permite conhecer o comportamento
do sistema em cada período de tempo (volume armazenado, volume evaporado, descargas
efectuadas para diversos fins, energia produzida, etc.). No final da simulação, é possível fazer a
determinação de:

19
DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

 fiabilidades atingidas pelos diversos consumos, calculadas a partir das falhas registadas em
cada período;
 energias firme e secundária produzida anualmente;
 cheias verificadas e caudais máximos descarregados;
 ......

Quando se pretende utilizar um modelo de simulação para determinar a capacidade útil duma
albufeira necessária para garantir determinados consumos com dadas fiabilidades, é preciso seguir
um processo iterativo:

1o Arbitra-se um certo valor de capacidade;


2o Efectua-se a simulação e determinam-se as fiabilidades;
3o Se as fiabilidades forem muito altas, reduz-se a capacidade e repete-se a simulação;
inversamente, se as fiabilidades forem baixas, aumenta-se a capacidade e repete-se a
simulação;
4 Repete-se o passo anterior até se alcançarem as fiabilidades desejadas.
o

Nos últimos anos tem-se utilizado modelos de simulação em Moçambique para estudos de
albufeiras (dimensionamento, planeamento, operação) referentes às albufeiras de Pequenos
Libombos, Corumana, Massingir, Chicamba, Cahora-Bassa, Locumué, Moamba - Major, Mapai,
Bué - Maria (as três últimas na fase de planeamento) e à bacia do rio Malema.

6 DIMENSIONAMENTO DA CAPACIDADE ÚTIL COM


CARÊNCIA DE DADOS

Em Moçambique o número de estações hidrométricas com longas séries de escoamentos é


pequeno. Por isso, é frequente a situação em que, para se dimensionar a capacidade útil duma
albufeira de regularização, não se dispõe de registos de escoamentos ou a série disponível é curta e
com falhas, sobretudo se a albufeira não se localiza num dos rios principais. Normalmente, nessas
situações pode tentar obter-se uma série longa de escoamentos a partir de séries longas de
precipitação em postos localizados na bacia drenante ou próximos.

Para isso, é preciso utilizar modelos complexos de simulação hidrológica que, tomando como input
a precipitação sobre a bacia drenante, “simulam” as fases do ciclo hidrológico (retenção superficial,
infiltração, percolação, escoamento subterrâneo, escoamento superficial) e permitem obter o
escoamento resultante. São exemplos desses modelos o NWSRFS e o HEC-1.

Para utilizar estes modelos é necessário uma fase de calibração. A calibração exige a
disponibilidade de dados diários simultâneos de precipitação e escoamento pelo menos durante 3 a
5 anos (se os dados de escoamento não existirem de todo ou não merecerem confiança, é necessário
fazer o registo de alturas e caudais durante 3 anos). Com estes registos, os parâmetros do modelo

20
DIMENSIONAMENTO DE ALBUFEIRAS

são calibrados de forma a que o input (precipitação) produza um output (escoamentos) similar ao
registado.

A partir daí, utiliza-se o modelo calibrado para esses valores dos parâmetros para o correr com os
valores da série longa de precipitação e assim obter a série de escoamentos.

Existem processos mais expeditos para tentar obter séries de escoamentos mensais num dado local
quando a série de registos é inexistente ou muito curta. Alguns desses processos são referidos na
bibliografia de Hidrologia.

Bibliografia para aprofundamento da matéria

NOVAK et al. – Hydraulic Structures, Unwyn Hyman, London, 1990


QUINTELA et al. – Hidrologia e Hidráulica de pequenas barragens, UEM-IST, Maputo, 1987
LOUCKS et al. – Water Resource systems planning and analysis, Prentice Hall, New York, 1983
VAZ, A. C. – Modelos de planeamento de sistemas de albufeiras em condições de incerteza, Tese
de Doutoramento, IST-LNEC, Lisboa, 1985
VAZ, A. C. – Manual de Hidrologia, UEM, Maputo, 2000

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