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Memórias de Ezequiel Carvalho ABC das Barragens

1 GENERALIDADES

1.1 Introdução

No campo da engenharia civil, entende-se por obra hidráulica ou infra-estrutura hidráulica a uma
construção em que o elemento dominante tem relação com a água. As obras hidráulicas
constituem um conjunto de estruturas construídas com o objectivo de manejar a água, qualquer
que seja a sua origem, com fins de aproveitamento ou de defesa. Apresentam-se como exemplos
as pontes, os cais, os diques e as barragens. Este tipo de obra hidráulica tem sido o foco da
Cadeira de Obras Hidráulicas leccionada nas Universidades. Por esta razão, as barragens são
abordadas neste manual.

Genericamente, define-se barragem como sendo uma estrutura capaz de reter e armazenar água
com segurança. As barragens têm sido construídas pelo Homem há mais de 5.000 anos e têm
servido para armazenar água em tempo de disponibilidade, fornecendo-a quando é escassa nos
cursos de água, contribuindo ainda para mitigar os efeitos inconvenientes das secas e das cheias.
Mais de metade das cerca de 40.000 grandes barragens inventariadas foi construída na segunda
metade do século XX, sobretudo devido aos avanços tecnológicos. Actualmente a capacidade
total de armazenamento em albufeiras é de aproximadamente 6.000 Km3, mostrando claramente
a significativa contribuição das barragens na gestão dos recursos hídricos, que são limitados, mal
distribuídos no espaço e sujeitos a grandes flutuações sazonais.

1.2 Finalidades das barragens

São diversas as razões que justificam a construção de barragens. Referem-se as principais:


 rega;
 produção de energia eléctrica;
 abastecimento de água para usos domésticos e industriais;
 controlo de cheias;
 regularização de caudais de rios;
 usos recreativos;
 navegação;
 aquacultura;
 recarga de aquíferos;
 controlo da poluição;
 armazenamento de rejeitados de explorações de minas;
 controlo de marés à jusante.

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Tendo em conta a finalidade a atingir, as barragens podem ser concebidas de modo a criar
albufeiras de armazenamento, ou a elevar o nível de água à montante, ou ainda a controlar os
níveis a jusante.

Nas albufeiras de armazenamento o nível de água é variável tendo em vista a satisfação dos
consumos e o controle do regime de caudais curso de água à jusante. O tipo de regularização
conseguido por estas albufeiras é determinado pela variabilidade dos recursos superficiais no
tempo.

Nas albufeiras de regularização interanual é feita a compensação da falta de precipitação em


anos secos através do armazenamento da água que se consegue fazer em anos húmidos.

Nas albufeiras destinadas ao controlo de cheias, o nível da água é mantido à uma cota inferior à
do pleno armazenamento, para que o volume de uma cheia possa ser encaixado, total ou
parcialmente, no volume de que a albufeira dispõe, e libertando posteriormente para jusante com
caudais controlados.

As barragens que se destinam a elevar e a garantir o nível de água a montante, sem modificação
do regime de caudais, podem ser construídas por diversas, razões tais como:
 produção de energia eléctrica em regime de fio-de-água;
 aumento da profundidade para tornar possível a sua navegação;
 criação de um plano de água, por motivos ambientais ou recreativos;
 elevação do nível de água, de modo a permitir a derivação de água através de canais,
condutas e túneis.

Podem-se considerar, por outro lado, duas grandes categorias de barragens: i) barragens de um
único fim; ii) barragens de fins múltiplos.

Na primeira categoria (um único fim) que representam cerca de 40% das barragens, umas
destinam-se a rega contribuindo de uma forma decisiva para a produção de alimentos, outras
destinam-se ao abastecimento de água (doméstica e industrial) e um pequeno grupo contribui
para a produção de electricidade.

Na segunda categoria (fins múltiplos) que representam uma parcela importante do conjunto das
obras (cerca de 60%), as barragens estão cada vez mais associadas ao desenvolvimento das
regiões, isto é, ao fim principal têm sido agregados fins secundários por diversas razões, como
seja a racionalidade e economia dos recursos, as exigências ambientais, etc.

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1.3 Classificação de barragens

De acordo com a Comissão Internacional de Grandes Barragens (em inglês designada


Internacional Comission on Large Dams, ICOLD) as barragens podem ser classificadas segundo
vários critérios, nomeadamente quanto às suas dimensões, finalidade, capacidade de
armazenamento, materiais utilizados na sua construção e forma estrutural.

A opção por uma barragem de aterro ou de betão não é rigidamente definida, resultando da
solução que se revelar mais económica dentro das exigências da segurança e qualidade técnica e,
também, depende das condições dos locais da implantação da barragem, como por exemplo as
características morfológicas do vale, características geológicas, hidrogeológicas e geotécnicas do
maciço de fundação, os materiais disponíveis para construção, grandeza do caudal de cheia e a
tecnologia de construção existente.

Quanto à dimensão as barragens podem ser classificadas como grandes e pequenas barragens.
Considera-se como grande barragem, aquela que apresenta uma das seguintes características:
 Mais de 15 m de altura, medida desde o ponto mais baixo da fundação até ao
coroamento;
 Altura entre 10 e 15 m, desde que se verifique pelo menos uma das seguintes condições:
• Capacidade da albufeira superior a um milhão de metros cúbicos (1 Mm3);
• Desenvolvimento do coroamento superior a 500 m;
• Caudal da ponta de cheia de dimensionamento superior a 2.000 m3/s;
• Características pouco habituais na fundação ou no projecto.

Por exclusão das partes, uma pequena barragem é aquela que não é classificada como grande
barragem.

1.4 Barragens em Moçambique

As barragens em Moçambique classificadas como “grandes barragens” são: Cahora Bassa,


Massingir, Chicamba, Corumana, Pequenos Libombos, e ainda as barragens de Nacala (17 m de
altura e 4 Mm3 de armazenamento), Nampula (17.5 m, 4 Mm3), Chimoio (15 m), Macarretane
(12 m, 3 Mm3), Locomué (17.5 m, 1.7 Mm3). Na tabela 1.1, apresentam-se as características das
principais barragens de Moçambique.

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Tabela 1.1
Características das principais barragens de Moçambique

Barragem Tipo de Rio Máxima área de Capacidade Regularização Finalidades principais (P) e secundárias da Potência
barragem/Altura inundação da da albufeira específica a) barragem (MW)
(m) albufeira (Km2) útil (Mm3)
Energia hidroeléctrica (P), irrigação, controlo de 2075
Cahora Bassa Abóbada – 171 m Zambeze 2.700 52.000 0.59
cheias, navegação e pesca. 3735 b)
Chicamba Abóbada – 75 m Revué --- 2.020 1.75 Energia hidroeléctrica (P), pesca 38
Irrigação (P), energia hidroeléctrica, controlo de
Massingir Terra – 48 m Elefantes 151 2.244 1.22 40 c)
cheias, contenção da intrusão salina, pesca
Corumana Terra – 45 m Sabié 90 1.230 1.95 Irrigação (P), energia hidroeléctrica, controlo de cheias 15
Pequenos Abastecimento urbano a Maputo (P), irrigação (P),
Libombos Terra – 46 m Umbeluzi 38 400 1.17 controlo de cheias, energia hidroeléctrica, contenção 1.4
da intrusão salina, pesca, recreio

a) Regularização específica é a relação entre a capacidade útil da albufeira e o escoamento anual médio.
b) Potência a atingir com a instalação da Central Norte.
c) A instalar

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1.5 Barragens e ambiente

O aumento da preocupação em relação à interferência das barragens no ambiente natural, e com


as ameaças que o atingem, é um dos factos marcantes desde o final do século XX. O conceito de
desenvolvimento sustentável é um princípio orientador no esforço do desenvolvimento global.
No que respeita à água, trata-se também de harmonizar a necessidade de desenvolver os recursos
hídricos e a protecção do ambiente de uma forma que não comprometa as gerações futuras.

As barragens e as albufeiras são parte integrante do ambiente que as rodeia, que o influenciam e
o transformam, em maior ou menor grau, considerando-se aqui que o conceito de ambiente inclui
uma vertente social. Paralelamente aos importantes benefícios que proporcionam, as barragens
criam impactes negativos que dependem das situações concretas, como sejam, inundações de
vales a jusante, deslocação de populações para dar lugar à constituição de albufeiras, retenção de
caudais, alteração do regime de escoamentos do rio, interrupção da continuidade da vida aquática
e do transporte de sedimentos, alteração dos ecossistemas, alteração das temperaturas da água,
variação do nível da água, redução dos níveis de oxigénio nas albufeiras, riscos de ruptura, etc.
Por isso, cresceu nos últimos anos um movimento de contestação à construção de barragens,
sobretudo às de grandes dimensões. A análise destas questões é uma preocupação central no seio
da ICOLD.

1.6 Terminologia usada em barragens

Por uma questão de uniformização no uso de termos relativos a barragens, pela sua diversidade e
especificidade, a ICOLD preparou um dicionário técnico de barragens, com cerca de 3.000
entradas nos idiomas oficiais do ICOLD (inglês e francês) e em termos equivalentes nos
seguintes idiomas: alemão, italiano, espanhol e português.

Na figura 1.1 representa-se um corte tipo de uma barragem, onde se mostram apenas algumas
designações mais comuns da terminologia de barragens.

Figura 1.1 – Terminologia numa barragem de aterro

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Fontes bibliográficas

 Instituto de Água (2001) – Curso de Exploração e Segurança de Barragens, Lisboa


 Carmo Vaz, A. (1993) – Textos das Lições da Cadeira de Hidrologia. Universidade
Eduardo Mondlane (UEM), Maputo
 http://pt.wikipedia.org

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