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o que as
empresas
querem

84 HSMManagement 80 • maio-junho 2010 hsmmanagement.com.br


Reportagem mostra as empresas de vários setores de atividade
que investem somas cada vez mais altas para associar seu nome ao
futebol. Elas querem capitalizar a capacidade do esporte de atrair
um tipo muito especial de consumidor: o consumidor-torcedor

D
e uma população Os números con-
total de 6,75 bi- Sean Jefferson, firmam a tendência:
executivo sênior da
lhões de pessoas firma de consultoria segundo o GroupM,
na Terra, há mais Mindshare pertencente ao con-
de 3,5 bilhões que glomerado WPP, em
assistem habitual- 1997 havia 180 pro-
mente a partidas de futebol, como gramas de televisão
parecem concordar diferentes es- Jan Runau, no Reino Unido com
timativas. A cobertura da última diretor de mais de 15 milhões de
comunicação
Copa do Mundo da Fifa, na Alema- corporativa do espectadores; em 2006,
nha, chegou a 214 países durante grupo Adidas somente três eram capa-
73 mil horas de transmissão (76,4% zes de reunir tanta gente, e
mais horas do que em 2002, quando os três eram de esportes.
a Copa foi no Japão/Coreia). A final
entre Itália e França, a partida de EMPRESAS DE TV
maior audiência, teve 715,1 milhões Patrocínios de empresas e direitos
de espectadores. “Em um ambiente de de transmissão pela TV estão entre
mudanças vertiginosas, o futebol con- as principais fontes de faturamento
tinua chegando a um número imenso dos clubes de futebol europeus e, em
de pessoas, reunindo e entretendo pla- muitos casos, superam a venda de in-
teias locais, regionais e globais”, afirma gressos para o estádio. Segundo cons-
Sean Jefferson, executivo sênior da fir- ta no relatório Money League 2009,
ma de consultoria Mindshare, especiali- da divisão especializada no negócio
zada em patrocínio e publicidade nas in- de esporte da firma de consultoria
dústrias do esporte e do entretenimento. Deloitte, só os direitos de transmissão
representam cerca de 41% do faturamento
UM UNIFICADOR NA FRAGMENTAÇÃO dos 20 maiores clubes da Europa; em núme-
“Quando as audiências se fragmentam em muitas ros, isso representa US$ 2,17 bilhões de um total de
opções, desde canais de televisão até sites, fica cada vez mais US$ 5,3 bilhões na temporada 2007-2008.
difícil para as marcas alcançar públicos diversos. O atalho A Premier League inglesa encabeça o ranking de fatura-
são os grandes eventos esportivos e, em especial, o futebol. mento: pela transmissão ao vivo das partidas no período en-
Eles se transformam numa espécie de outdoor: todo o mun- tre 2007 e 2010 recebeu mais de US$ 2,029 bilhões da BSkyB
do os vê e comenta”, explica Jefferson. Se alguém quer falar e US$ 612 milhões da Setanta. Além disso, conseguiu US$ 270
com homens de 30 a 35 anos interessados em uma marca milhões da BBC pelo direito de mostrar os melhores mo-
de carro, por exemplo, tem duas opções, portanto: publicar mentos da partida do dia, e US$ 975 milhões pela trans-
anúncios em milhares de meios diferentes, ou patrocinar missão para o exterior. O preço do direito de transmissão
uma partida da Liga dos Campeões da Europa na quarta- mostra franco crescimento: o valor do primeiro contrato de
-feira à noite. televisão assinado pela Premier League para o período 1992-
-1997 foi de US$ 298 milhões por 60 partidas na temporada;
o valor do acordo para 2010-2013 chegou a US$ 2,78 bilhões
A reportagem é de Viviana Alonso, colaboradora de HSM por 138 partidas.
Management. Também contribuíram Leticia Gasca Serrano, Três das cinco grandes ligas europeias negociam os di-
do México, e Alexsandro Biaggi, do Brasil. reitos de transmissão e repartem o faturamento entre os

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clubes que as integram. Na Espanha, por outros, como no Real Madrid, é a área
sua vez, os clubes vendem os direitos de que mais tem crescido nos últimos dez
transmissão diretamente. É o caso do Real anos, superando os US$ 217 milhões.
Madrid, que assinou contrato por sete anos Além de lucrativos, os patrocínios
(até a temporada 2012-13) com a produ- parecem resistentes aos vaivéns fi-
tora Mediapro por mais de US$ 1,497 nanceiros. Segundo pesquisa da con-
bilhão. sultoria especializada em esportes
Em dois clubes latino-ame- Sport+Markt, publicada no final de
ricanos analisados aqui, 2009, os clubes mais importantes da
os direitos de transmissão Europa praticamente não sofreram
também ocupam lugar im- danos em seu faturamento provenien-
portante no faturamento, te do patrocínio na camisa do
mas não tanto como na time durante a última crise;
Europa. Em 2009, o São pelo contrário: alguns tive-
Paulo arrecadou cerca ram crescimento em relação
de US$ 15 milhões e à temporada anterior. As seis
o mexicano Pachuca, ligas mais importantes –In-
US$ 8 milhões. glaterra, Espanha, Itália, Ale-
Segundo José Luis manha, França e Holanda–
Nueno, especialista em acumularam US$ 537 milhões
marketing e professor do em contratos com patrocinadores
Iese: “um grupo menor para a temporada 2009-2010. Um
e mais seleto de atletas e pouco menos que o ápice anterior à cri-
clubes se apropria de uma se (2007-2008), quando essa cifra chegou
cota maior do faturamento. a US$ 551 milhões, porém mais do que uma
Acontece o mesmo que com temporada antes (US$ 534 milhões).
os filmes de grande sucesso, Na temporada atual, os clubes da Bundesliga, a
os best-sellers editoriais e os principal liga alemã, geraram as maiores receitas com patro-
hits musicais”. E ele acres- cínios (US$ 147 milhões), e dois dos maiores clubes ingleses,
centa: “o futebol é o conteúdo Manchester United e Liverpool, conseguiram novos patroci-
mais valorizado pelas em- nadores dispostos a pagar US$ 31 milhões ao ano para estar
presas de televisão, que desde na camisa do time. Outro dado interessante da Sport+Markt
o final da década de 1990 enfrentam a revolução digital. A é a lista dos setores que mais investem em patrocinar ca-
digitalização permite a transmissão simultânea de todos os misas: bancos, serviços financeiros e seguradoras; loterias e
jogos que acontecem em dado momento e transforma um apostas; energia; viagens e turismo, e telecomunicações.
conteúdo de vida curta, gratuito e de interesse fundamental-
mente local, em outro, com uma vida um pouco mais longa, O mercado europeu de patrocínios
pelo qual se tem de pagar para ver, e com alcance global”.
Investimento por setor em patrocínio de camisas das seis prin-
oUTRAS EMPRESAS cipais ligas de futebol regionais (em milhões de euros)
O fato é que a digitalização e a globalização transformam o Bancos/Serviços
futebol em um veículo essencial para o desenvolvimento das financeiros/Seguros
75,6
marcas (de esportes ou não): as empresas, com seus patro- Loteria/Apostas 56,4
cínios, buscam associar o nome aos valores representados
pelas equipes, já os clubes tentam comercializar sua marca Energia 48,3
em produtos de todo tipo.
Se a transmissão televisiva é uma das portas por onde en- Viagens/Turismo 43,4
tra forte fluxo de faturamento, os patrocínios e os produtos
com o logotipo, as cores e as insígnias dos clubes constituem Telecomunicações 29,0
outra, comumente chamada de “faturamento comercial”.
Em muitos casos, representa mais de um terço do total. Em Fonte: Sport+Markt European Jersey Report 2009-10, 10 nov. 2009.

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O QUE OS PAÍSES BUSCAM


Se um evento se distingue no mundo do futebol, este é, sem de US$ 7,6 bilhões na economia sul-africana, com os cerca
dúvida, a Copa do Mundo da Fifa. Em 2010, é realizada, pela de 490 mil turistas e a criação de 415 mil postos de traba-
primeira vez, em solo africano; a África do Sul recebe as 32 lho. (Mas diga-se que a Alemanha pensava em criar 100 mil
seleções nacionais que se classificaram para participar e as empregos e criou 50 mil, e a Coreia do Sul esperava 500 mil
centenas de milhares de torcedores que viajam de todo o mun- turistas em 2002 e só metade apareceu.) O Brasil também
do para apoiá-las. E, em 2014, será a vez de o Brasil sediá- calcula receber cerca de 500 mil turistas em um mês por
-la.O país anfitrião é responsável por investir na infraestrutura conta da Copa, o equivalente a 10% do movimento total de
necessária para garantir que o campeonato seja um suces- turismo no ano inteiro. Isso estimula negócios e a revitali-
so –e são gastos de envergadura. Somente em estádios, por zação urbana, além de deixar um legado de infraestrutura
exemplo, o Japão e a Coreia do Sul gastaram, juntos, US$ 4,5 esportiva. Se há crescimento do PIB? Depende. Em 2002, o
bilhões nos anos que antecederam a Copa de 2002. Também PIB da Coreia avançou 3,1%, mas o do Japão recuou 0,3%.
nesse setor, a Alemanha investiu US$ 1,9 bilhão para a com- • Marketing global. Ao pôr o país no mapa, a Copa impul-
petição de 2006. O comitê organizador da Copa da África do sionaria fortemente a marca-país, atraindo investimentos.
Sul informou que a construção de cinco novos estádios e a Mas há cidades cuja imagem ficou prejudicada, por exemplo,
reforma de mais cinco exigiu mais de US$ 1 bilhão. No Brasil, pelos Jogos Olímpicos, como Munique, Montreal e Atlanta.
a previsão inicial é de US$ 5 bilhões em investimentos –e o • Índice de felicidade. As pesquisas demonstram que
valor tende a ser maior. os níveis de felicidade dos habitantes de países que se-
Por que tanta disputa entre países para sediar a Copa diaram um grande evento são muito mais altos do que
diante desses custos? Três motivos a justificam: eram no ano anterior a sua realização. E, quando se trata
• Motor econômico. Um relatório da firma de consultoria da Copa do Mundo, esse benefício permanece por ainda
Grant Thornton previu que poderão ser injetados em torno mais tempo.

Estratégias distintas Com essa soma, é possível comprar os direitos do uso da


Michael Stirling, fundador da Global Sponsors, firma de con- “propriedade” (no caso, o nome do evento), mas não inclui
sultoria que oferece assessoria a clubes de futebol da Liga o que o patrocinador deve gastar na “ativação”, ou seja, as
dos Campeões e a empresas listadas no ranking Fortune 500 promoções e campanhas publicitárias.
interessadas em desenvolver estratégias de patrocínio, expli- Stirling destaca vários fatores-chave que as empresas de-
ca as duas estratégias empresariais básicas: veriam levar em conta antes de fechar um contrato de pa-
• Algumas organizações acreditam que associar a marca trocínio:
a um clube de futebol não é conveniente, porque afasta os 1. “Entender quais são os direitos disponíveis no mercado.
torcedores de outras equipes, e por isso preferem patrocinar Os mais atraentes, em geral saturados, não mais à venda”.
competições. 2. “Não patrocinar algo com o qual já esteve vinculado um
• Outras têm bons resultados com estratégia ligada a um concorrente, porque isso somente gerará confusão no mer-
clube (ou até a um jogador), porque conseguem chegar ao cado. É preciso buscar elementos distintivos e identificáveis,
público regional ou global que lhes interessava. para que as pessoas estabeleçam uma associação clara com
“Um caso de sucesso é o patrocínio da Samsung ao Chel- a empresa”.
sea, que melhorou o posicionamento de sua marca ao pa- 3. “Contar com um orçamento de ativação, pois não basta
trocinar o time inglês. Ela assinara um acordo por três anos, comprar os direitos, é necessário pensar em como conseguir
que renovou há alguns meses. Só no Reino Unido, duplicou que sejam relevantes para o negócio, como se comunicar
as vendas de televisores e também aumentou as de telefones com o público para aumentar as vendas e os lucros. Nor-
celulares. A Vodafone, pelo contrário, historicamente asso- malmente há uma relação de um para um: se uma empresa
ciada ao Manchester United, mudou sua estratégia e prefe- destina US$ 25 milhões à compra de direitos, deverá dispor
riu buscar um público mais amplo: largou o time e passou a de outros US$ 25 milhões para ativá-los”.
patrocinar a Liga dos Campeões da Uefa”, explica Stirling. 4. “Fazer com que a estratégia de comunicação correspon-
Segundo a revista The Economist, patrocinar a Liga dos da ao que a empresa patrocina, que acentue os valores que
Campeões custa cerca de US$ 204,4 milhões por três anos. ela quer destacar”.

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Ao tratar das particularidades de nossos produtos com


do setor, Stirling destaca que é fun- o logotipo da Copa, fa-
damental considerar as diferenças bricar merchandising
regionais e exemplifica isso com o oficial, incluir o logo e
caso do futebol sul-americano: a imagem da Copa em
“O mercado do patrocínio na nossos produtos. Tam-
América do Sul está fragmentado e bém forneceremos a
mal gerenciado. As pessoas esperam bola oficial do campeo-
resultados rápidos e não possuem es- nato, que apresentamos
tratégias de longo prazo. Tende-se a em dezembro de 2009 na
assinar contratos de um ano em vez África do Sul, com o nome
de três, como é comum na Europa e nos de Jabulani. Como patro-
Estados Unidos. Além disso, as propostas cinadores do evento alcan-
dos donos dos direitos não são suficien- çamos certa visibilidade, mas,
temente criativas nem bem comunicadas
às empresas. Os direitos digitais móveis, o
Caso complexo é dado que somos uma marca de
esportes, queremos a maior visi-
nome do estádio, os serviços corporativos o das rivais Nike bilidade possível. Por isso, fecha-
e as entradas VIP não estão muito explo- e Adidas: uma mos contratos com as federações
rados. Outra área que deveria melhorar é nacionais de futebol para forne-
a de transmissão. Se querem aumentar o patrocina Cristiano cer camisas. Doze seleções vão
faturamento, os donos dos direitos devem Ronaldo; outra, o vestir camisas da Adidas na pró-
ter mais imaginação”. xima Copa, entre elas Argentina,
Real Madrid Alemanha, França, México, Japão
comunicação e imagem e África do Sul. Um terceiro nível
Muitas empresas têm procurado ter uma é o patrocínio de jogadores. Cem
estratégia de comunicação de marca vinculada com jogadores usarão chuteiras Adidas na
o futebol. Entre as que se associaram à Fifa recente- África do Sul. Kaká, Lionel Messi e David Beckham são
mente está a Visa. Andrew Woodward, encarregado da área protagonistas de nossas campanhas de marketing”.
de marketing e patrocínio, explica que a empresa costuma- Runau afirma que a prioridade deste ano será a campa-
va patrocinar o Campeonato Mundial de Rugby, mas em nha publicitária relacionada à Copa. O objetivo? “Queremos
2007 voltou seus esforços para o futebol. “Associar-se à Fifa dominar o campeonato. Para mostrar novamente ao mundo
cria valor de marca, porque seus campeonatos possuem que Adidas é a marca líder e também porque queremos al-
alcance planetário e porque as pessoas de todo o mundo cançar volumes de vendas sem precedentes na categoria de
amam o futebol. Além disso, nos permite dar benefícios às futebol”, afirma. O passado dá margem ao otimismo. Segun-
instituições financeiras que emitem o cartão de crédito. Al- do consta do balanço da empresa, no ano 2006, as vendas na
gumas aproveitam a relação Visa-Copa do Mundo em prê- categoria futebol cresceram 30%, superando US$ 1,632 bi-
mios para clientes e funcionários, como viagens à África do lhão. Ainda que não revele o montante exato de investimen-
Sul e ingressos para as partidas”, explica. tos em patrocínio, Runau admite que entre 12% e 13% das
A Adidas, por sua vez, faz tempo que associou sua ima- vendas mundiais (US$ 14,696 bilhões) se destinam ao mar-
gem à Copa. “Parte da história de sucesso da marca reside keting, o que significa algo entre US$ 1,7 bilhão e US$ 1,9
no fato de que ela sempre teve forte compromisso com os bilhão, boa parte do qual destinada a patrocínio.
eventos esportivos mais importantes: os Jogos Olímpicos e a Os cases de patrocínio de campeonatos, equipes e joga-
Copa”, explica Jan Runau, diretor de comunicação corpora- dores mostram a complexidade (e o risco) contido nesse
tiva do grupo. “Na Copa de 1954, na Suíça, a equipe alemã, universo. Um caso que chamou a atenção foi o de Cristia-
que usava nossas chuteiras, foi campeã pela primeira vez, e no Ronaldo, estrela da Nike que joga no Real Madrid, clube
Adi Dassler, fundador de Adidas, ganhou fama global.” Ru- patrocinado pela Adidas. Mas há relações sólidas e estáveis
nau descreve sua estratégia de patrocínio da seguinte forma: também. O Manchester United possui contrato com a Nike
“Como marca, queremos estar presentes nos três níveis de desde 2002, e por 13 anos.
patrocínio dos quais é possível participar. Primeiro, como
patrocinador oficial da Fifa e da Copa, teremos muitos di-
reitos exclusivos; por exemplo, podemos fazer promoções HSM Management

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