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Réplica à Constantino

Por Bruno Almeida | Historiador


almeida.online@yahoo.com.br

O ambiente público tem sido protagonizado por uma ode à canalhice,


sordidez e superficialidade sem precedentes. Quando Umberto Eco constatou
que a internet “promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade” não poderia
ter sido mais certeiro.
Na condição de militante na luta pelos direitos das pessoas com
deficiência e pai do Bernardo, que já apresentei aqui nesta coluna – sim, aquele
garotinho fantástico e sorridente! – me senti na obrigação de rebater a
verborragia ideológica do economista Rodrigo Constantino que publicou, no
último dia 12, em seu blog um texto inclassificável que estabelece uma relação
entre o empreendedorismo de jovens argentinos com Síndrome de Down e a
insatisfação dos jovens universitários com a vitória de Donald Trump nas
eleições norte-americanas.
Antes de tudo mais, gostaria de solicitar à Rodrigo Constantino que faça
jus a responsabilidade que lhe imputam o título acadêmico, o currículo e a
popularidade da qual desfruta a fim de elevar a qualidade dos debates públicos
nos quais se propõe participar.
A grafia correta é “Merthiolate”, Constantino.
Pessoas com Síndrome de Down, definitivamente, não têm obstáculos
naturais, Constantino.
Síndrome de Down é uma alteração cromossômica que condiciona
determinadas peculiaridades físicas, metabólicas, fisiológicas e patológicas na
pessoa que nasce com a síndrome. Jamais define a pessoa enquanto sujeito.
A luta cotidiana da pessoa com Síndrome de Down – que óbvia e
louvavelmente é a luta dos jovens argentinos – é para superar o estigma,
desconstruir o estereótipo, a preconcepção que, por sua vez, é sempre exterior
e não faz parte das peculiaridades determinadas pela alteração cromossômica
supramencionada. É uma luta contra esta construção social compartilhada no
ambiente público por pessoas rasteiras e mal-intencionadas.
Pessoas que, no afã de desqualificar os jovens que protestam contra a
eleição do projeto reacionário representado por Trump, os compara
levianamente com os jovens empreendedores argentinos da pizzaria “Los
Perejiles”. A lógica rasteira de Constantino, transcrevo:

“É em meio a esse mundo um tanto patético que lemos com um enorme sorriso no
rosto notícias como esta, desses amigos que venceram os preconceitos, os obstáculos naturais,
todas as dificuldades reais (e não aquelas imaginadas pelos mimadinhos universitários), para
empreender numa pizzaria que se tornou um sucesso. [...] Sim, cambada de vagabundos,
turminha do mimimi e do chororô porque Trump ganhou as eleições: essa história deveria
deixá-los com muita vergonha mesmo!”.
Adaptado de: http://rodrigoconstantino.com/artigos/na-era-do-mimimi-amigos-com-sindrome-de-down-dao-show-ao-
abrir-pizzaria-de-sucesso/.

A comparação por si só é de uma superficialidade abissal. Um


reducionismo simplório que, vindo de um intelectual que se diz liberal, assusta.
Mas só assusta. O que incomoda e revolta é o elogio ao empreendedorismo e à
superação dos jovens argentinos por meio da reprodução do estereótipo. A
lógica que apresento ao leitor, transcrevo:

“Eles não merecem ser celebrados porque estão conseguindo chegar ao ensino superior
“apesar da sua condição”. Eles merecem ser celebrados, porque, contra todas as adversidades,
adversidades essas que não estão na deficiência e sim no contexto, estão se construindo como
indivíduos, para além das amarras das concepções prévias sobre suas capacidades. E estão
fazendo isso junto com a sua condição e não “apesar dela”.
(Gisele Fontes).

Gisele Fontes tem mestrado em Direitos Humanos pela Universidade


Federal do Pará (UFPA), é professora universitária, servidora do Tribunal de
Justiça do Pará, encabeça a Associação Singularidade Down e o texto acima foi
publicado em sua conta pessoal do Facebook. É um comentário sobre os
preconceitos embutidos nas congratulações aos jovens vestibulandos que
conseguem aprovação.
Pena que o blog de Rodrigo Constantino tenha mais audiência que o
perfil de Gisele Fontes.

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