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Injúria, racismo ou ambos... Não necessariamente nessa mesma ordem.

Por Bruno Almeida | Historiador


almeida.online@yahoo.com.br

Por volta de meados de setembro deste ano circulou na internet este vídeo
(https://www.youtube.com/watch?v=ozrVTM8EZjo), cujo conteúdo racista é para “parental
advisory” nenhum botar defeito. Adianto, ao leitor, vê-lo por sua conta e risco. Ocorreu em um
shopping center de Belém a partir de um desentendimento em fila para pagar o estacionamento.
A despeito do caráter de denúncia e da óbvia indignação coletiva, o vídeo trouxe à tona uma
inversão bizarra que me parece mais comum do eu supunha.
Como muitos indignados, compartilhei o vídeo em uma rede social e um usuário fez o
seguinte comentário:

“Não é o que se fala e sim como se fala, do mesmo


jeito que é uma negra poderia ser uma loira ou qualquer
outra pessoa. Esse tipo de gente estúpida não respeita
ninguém. O preconceito existe sim, cabe a vítima aceita-lo
ou não”.

Essa lógica absurda de transferir a responsabilidade do agressor para a vítima tem se


mostrado comum em casos de abuso sexual, atentado ao pudor, estupro, injúria racial, racismo e
é tão nociva quanto não enxergar que tanto a abordagem da segurança do shopping center,
quanto a da polícia militar, registradas no vídeo, foram as mais óbvias demonstrações de racismo!
O agressor dá prosseguimento ao cometimento do crime e sequer é algemado. Temos aqui um
crime hediondo sendo tratado como uma briga entre colegas de escola! A indignação da agredida
é vista como empecilho para o sucesso da abordagem que se resume a acalmar o agressor
descontrolado.
Outro “nó cego” nessa questão é o não reconhecimento, por parte do senso comum, da
gravidade do crime de racismo tal qual está tipificado na Lei n.º 7.716 de 1989. Normalmente
confunde-se o crime de injúria racial – que está prevista no Código Penal Brasileiro em seu
artigo 140 § 3º sendo caracterizado como prescritível, afiançável e de ação penal pública
condicionada – com o crime de racismo supracitado, este, por sua vez, imprescritível,
inafiançável e de ação penal pública incondicionada, sendo, portanto, considerado mais grave nas
formas da lei.
Vale lembrar que enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém se
valendo do uso de palavras depreciativas referentes à raça, cor ou etnia com a intenção de
ofender a honra da vítima, o racismo implica conduta discriminatória dirigida a determinado
grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos como a incitação ao ódio
racial.
Assim como transferir a responsabilidade do estupro à roupa da mulher estuprada é uma
inversão absolutamente absurda e rechaçável, fazê-lo nesse caso patente de racismo também o é!
Minimizar a agressão à negritude atentando para o fato de que loiras sofrem injúria não anula a
gravidade do racismo praticado pelo agressor, nem o dano à moral sofrido pela agredida.
Cabe-nos reconhecer as raízes históricas desses preconceitos, não os associando a
arroubos de vitimização rasteira, mas os vinculando ao escravismo, ao abolicionismo conservador
e reacionário e ao mito da democracia racial que teima em reinar no senso comum inviabilizando
um debate franco sobre o controverso tema das discriminações raciais. Mas voltarei a esta
questão mais técnica, por assim dizer, em outro momento, visto que a questão racial ainda é um
gargalo na efetivação de uma sociedade mais justa.

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