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O tecnólogo e sua formação

Texto de trabalho:
MACHADO, Lucília. O profissional tecnólogo e sua formação. Revista Trabalho.
Revista da RET, Ano II – número 3 – 2008.

Elaborado por Artur Sérgio Lopes

Geógrafo. Mestre em Geografia: Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Geografia (UFF/PPGEO). Doutor em
Políticas Públicas e Formação Humana: Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana, Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ/PPFH). Professor: Faculdade de Educação Tecnológica do Estado do Rio de Janeiro, campus Paracambi
(FAETERJ, Paracambi). Pesquisador associado, Núcleo de Pesquisas em Espaço e Economia (NuPEE/UERJ).
As questões que a autora expõe preliminarmente...

“O Portal do MEC (www.mec.gov.br) de 17 de agosto de 2006 trouxe pequena matéria sobre perspectivas e
formas de expansão da oferta de cursos superiores de tecnologia no país; um texto pequeno, porém instigante:

Ao comentar a situação dessas modalidades de cursos, o ministro afirmou que o ministério quer prestigiar a
profissão de tecnólogo e admitiu a possibilidade de ser feita uma campanha neste sentido.

Argumenta-se que a ampliação desta área do ensino está prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) e que
a profissão de tecnólogo caiu em desuso por causa do corporativismo de algumas profissões.

Algumas indagações podem ser feitas pelo leitor após a leitura desse texto: Em quais condições se praticou
anteriormente essa profissão? Por que se diz que o Tecnólogo é um profissional que só recentemente surgiu no
Brasil? Se houve reação corporativa contra essa atividade especializada, de quais profissões teria vindo? De que
forma se deu o cerceamento corporativista? Ele ainda ocorre?” (p. 1)
O que é o tecnólogo?

Pela legislação educacional brasileira, torna-se Tecnólogo quando se obtém um diploma após a integralização de um curso

superior de tecnologia. Esses cursos se definem simplesmente por serem abertos a candidatos que tenham concluído o ensino
médio ou equivalente e porque se estruturam para abranger áreas especializadas e atender necessidades de setores da
economia” (p. 2).

“O Tecnólogo, como uma categoria de trabalhador qualificado, expressa a dinâmica de surgimento de novas profissões e
especialidades, encontra-se no polo dinâmico do sistema produtivo, entretanto, está sujeito a certa ‘taylorização’ representada pela
formação de duração mais curta e pelo grau circunscrito de autonomia” (p. 15).

Concepção do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia (Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006): “Tomou-se,
como consenso, o entendimento de que esses cursos visam formar profissionais para utilizar, desenvolver ou adaptar tecnologias
sempre com o conhecimento das implicações daí decorrentes e de suas relações com o processo produtivo, a pessoa humana e a
sociedade. Eles visam também promover uma formação básica e conceitual que assegura a possibilidade de continuidade de
estudos em nível de pós-graduação, inclusive de stricto sensu, para os estudantes. Eles devem, assim, estimular o pensamento
reflexivo, a autonomia intelectual, a capacidade empreendedora, a compreensão global do processo tecnológico, em suas causas
e efeitos, e a capacidade de interagir e pensar de forma interdisciplinar” (p. 18-19).
“É falso, portanto, querer opor tecnologia e ciência, pois tecnologia também é ciência. Por outro lado, qual ciência prescinde, hoje,
da tecnologia para se desenvolver? Assim, não é paradoxal dizer que o Tecnólogo estuda, pesquisa, analisa, desenvolve, avalia e
aperfeiçoa. Ele também é inteligência, um produtor de sentidos, de significados e de história.

O conhecimento da tecnologia é também formalizado, tem sua linguagem e suas determinações sociais e políticas. Sua orientação
aplicada e predominantemente heteronômica em razão do caráter de classe da sociedade requer que se relacione com ele com
capacidade reflexiva e comportamento crítico e criativo.

Os Tecnólogos podem lidar com tecnologias físicas, quando suas atividades se concentram sobre processos mecânicos, térmicos
e eletromagnéticos presentes no funcionamento das ferramentas, máquinas, equipamentos, mecanismos e instalações.

Os Tecnólogos podem se ocupar de tecnologias simbólicas, quando se debruçam sobre processos e modos de percepção e de
intelecção, utilizam modelos teóricos para a concepção da realidade natural e social e de avaliação, recorrendo aos signos,
códigos, indicadores, parâmetros, bancos de dados, conceitos.

Os Tecnólogos podem se envolver com tecnologias de organização e de gestão, quando se dedicam a processos e modos de
vida, de trabalho e de produção, do acompanhamento e controle dos meios e resultados das mais diversas atividades humanas.

O conhecimento tecnológico, embora multifacetado e abrangente, se unifica no seu objeto: os meios técnicos e os modos
operatórios de conceber, organizar, gerenciar e executar o trabalho nas mais diversas áreas profissionais ou mesmo de atividades
lúdicas e de consumo próprio. Orienta-se, sem dúvida, para fins práticos e resolutórios e tem uma racionalidade intrínseca: a
tecno-lógica, uma correlação entre techne (arte) e logos (saberes, ciência, filosofia)” (p. 20).
Por sua vez, é possível observar que os componentes da pesquisa e da extensão passam a pautar tais
políticas e práticas, já que se faziam presentes na “Declaração da Conferência Mundial sobre Ciência e o Uso do
Conhecimento Cientifico”, em 1999, em que a “ciência para o século XXI” deve ter, como umas das suas
aspirações, a “‘renovação do ensino da ciência e da tecnologia’”, tendo como um dos objetivos “‘a promoção da
compreensão pública da ciência e da tecnologia como parte da cultura”’ (MACHADO, ibid., p. 21-22).
Identifica-se, assim, avanços, como a criação do “Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em
Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI) pelo CNPQ” em junho de 2006 (ibid., p. 24). O que parece
desembocar, como movimento e conjuntura, na “criação dos Institutos Federias de Educação, Ciência e
Tecnologia, em 2008” (SOUZA. 2019 p.2) e como a implantação destes potencializa políticas e práticas voltadas
ao desenvolvimento local, regional (ibid., p. 6). Configura-se, assim, como um período profícuo, mas que cuja
realização destas aspirações se constitui pela incompletude e descontinuidades.

Extraído de Lopes (2021, p. 10)


Refere-se, assim, ao estudante, em sua condição e o que ele experimenta como possibilidade no âmbito do
mundo do trabalho: que perspectivas diante do mundo e da sua existência são forjadas e como a formação para a
tecnologia e a inovação cumpre o papel em potencializar estas perspectivas? Situar o aluno em suas condições e
potencialidades, pressupõe reconhecer a morfologia do mundo do trabalho em tempos de precarização e
flexibilização, mais especificamente o trabalho de viés tecnológico e cognitivo e em que processos de captura e
subjetivação este trabalho é forjado (ALVES, 2011; ANTUNES, 2009; HARVEY, 1996).

O que se pretende atentar aqui, é que analisar as perspectivas destes estudantes diante do trabalho e da
formação tecnológica conduz apreender este trabalho e as políticas que o constitui, assim como as dinâmicas de
reprodução em que estes estudantes, adultos e jovens, estão inseridos; conduz, também e por fim, o
reconhecimento da capacidade de apropriação de sua condição. A questão, a saber, é como a formação do
tecnólogo potencializa esta capacidade?

Extraído de Lopes (2021, p. 11)


Tal perspectiva sinaliza, por sua vez, ao reconhecimento do que de fato é potencializado pela implantação desta
rede de formação tecnológica no que tange ao desenvolvimento e suas expressões no território. Deriva-se, assim, ao
eixo analítico cujo o conjunto de questões postas pauta-se pelo lugar estratégico, no campo da pesquisa e da inovação,
que se é atribuído aos cursos de ensino médio integrado a formação técnica nas escolas técnicas e nos cursos
tecnológicos de formação universitária em faculdades e institutos. Em que termos cumprem de fato este papel? Como
se relacionam com os processos de modernização e desenvolvimento em âmbito local e urbano-regional? Destaca-se a
possibilidade de estudos concernentes as práticas e vivencias na formação acadêmica por via de projetos de pesquisa,
extensão e transferências de tecnologia que propicie estratégias vinculadas a economias e práticas locais e em rede que
potencialize o desenvolvimento de forma sustentável e justa: a inovação diante das possibilidades mitigadoras do
modelo desigual de desenvolvimento; a inovação para além das tecnologias da informação e da comunicação e que
coloca em pauta saberes e práticas outros.

Extraído de Lopes (2021, p. 16)


Os Institutos Federais e o desenvolvimento local/regional

O programa de expansão sistemática da rede federal de ensino profissional, empreendido pelo


Governo Federal a partir de 2005, foi concebido como um dos vetores estratégicos da política
pública de Educação para o desenvolvimento local e regional no País, visando a formação de
profissionais qualificados para atender às especializações e características da economia local e
regional. Entendia-se que a expansão e a desconcentração espacial da rede possibilitariam que as
instituições federais de ensino se tornassem estratégicas para o desenvolvimento territorial, na
medida em que propiciariam novas possibilidades às localidades e regiões atendidas (SOUZA.
2019 p.1).
Os dilemas dos Institutos Federais diante das demandas locais e do desenvolvimento

Não obstante, relembramos que uma das razões que serviram para justificar a desconcentração da rede federal de
ensino profissional fora a ampliação do acesso à educação profissional, e a verticalização do ensino, da população de
municípios e regiões mais carentes na oferta dessas formações. Com isso, um dilema que apareceu na fala da DG-Engenheiro
Paulo de Frontin foi sobre como o modo de seleção dos alunos ingressantes na graduação pode ser um problema para se
privilegiar a população local e regional:

[...]O SiSU escancara a formação da educação básica local... não se fala que a educação tá ruim, no Rio, não sei o
quê...porque o daqui, não quer dizer que os garotos não tentem estudar aqui...eles tentam, mas ele vai bater de frente com o
ENEM, com a nota do ENEM, com o cara de São Paulo, com o garoto do Rio... aí tudo fica às claras, as diferenças de tudo,
de você viver numa capital...tudo isso vem à tona...através do ENEM...[...] (DG-Engenheiro Paulo de Frontin)
Recordamos que em Engenheiro Paulo de Frontin dois cursos regulares são oferecidos: o curso profissional de nível
médio, na modalidade concomitante ou subsequente, de Informática para Internet e o curso de tecnólogo em Jogos Digitais,
de nível superior. De acordo com DG-Engenheiro Paulo de Frontin, a maior parte dos discentes do curso profissional de
nível médio é oriunda do município de Engenheiro Paulo de Frontin ou de municípios circunvizinhos. No entanto, os alunos
do curso de graduação se originam de outros municípios do estado e, também, de outras unidades da federação (SOUZA.
2019 p.12)..
Destaca a DG-Engenheiro Paulo de Frontin que o aluno do curso profissional de nível médio não alcança o nível
superior nesse campus do Instituto Federal porque grande parte dos alunos tem a formação de ensino básico cursada em
escolas da rede pública municipal ou estadual da localidade. Dessa forma, com a baixa qualidade dessa formação de ensino
básico, o aluno, apesar de ter cursado o curso técnico no campus, não consegue ingressar no tecnólogo ofertado pela
unidade. (SOUZA. 2019 p.12).

No que tange ao empreendedorismo, ainda se nota que há desafios a serem enfrentados. É interessante apontar que a
“cultura regional” aparece como uma das razões que explicaria a falta de capacidade empreendedora dos formados pelo
Instituto, na visão de um dos gestores da unidade Bom Jesus do Itabapoana.

[...] Do técnico ainda é muito tímido, acho que isso é cultural da região...CTA tem três alunos que empreenderam então,
temos, isso ainda que está um pouco tímido, acho que é muito cultural, as pessoas não se projetam tanto, ainda... (DE-Bom
Jesus do Itabapoana)
Destaca-se, no entanto, que esse é um dos papéis do instituto: estimular o empreendedorismo. Parece que ainda não há
uma política institucional que fortaleça o empreendedorismo na formação dos profissionais e, portanto, na mudança da
“cultura”. Ao perguntarmos sobre empreendedorismo ao entrevistado em Cabo Frio, fomos informados de que se está
“pensando em colocar no currículo o empreendedorismo, encaixar dentro das disciplinas” (DG-Cabo Frio), ainda que isso já
aconteça, sem esse grau de formalização. (SOUZA. 2019 p.13).
Outro aspecto abordado se refere às mudanças na base produtiva local e regional. Aparentemente, determinados cursos
técnicos podem perder a capacidade de atrair alunos, em vista das modificações produtivas locais e regionais:

Bom, do município em parte, mas da região, sim, e todos eles têm uma demanda razoável, né, o curso de agropecuária,
que aqui já foi uma região agrícola, o vale do ciclo café, depois a bovinocultura de leite, agora um pouco bovinocultura de
corte, mas aqui na cidade de Pinheiral e Volta Redonda, que tá muito próxima, até Barra do Piraí, da década de 50 pra cá, o
processo de industrialização acabou transformando essa área que era agrícola ou de pecuária, né, uma área mais industrial,
então a demanda por técnicos na área, é, agrícola, diminuiu muito, né, mas os outros cursos que nós temos de informática, de
administração, o próprio curso de agroindústria, meio ambiente são cursos que atendem à demanda solicitada... [...] (DG
Pinheiral)... . (SOUZA. 2019 p.13).
Considerando-se que a política pública de Educação empreendida pelo Governo Federal, a partir da criação dos
Institutos Federais em 2008, incorporou o território como base fundamental para orientar as atividades dos institutos federais
do Rio de Janeiro, é importante reconhecer a relevância dos atores locais que concretizam, ou buscam concretizar, as
aspirações que fundamentam essas instituições. Por outro lado, as unidades dos institutos federais no território fluminense se
revelam importantes, na medida em que se amplia a densidade organizacional dos territórios (RÜCKERT, 2005, p. 87),
dotando diferentes localidades de novos instrumentos no desenvolvimento. (SOUZA. 2019 p.14).

SOUZA, M..S. P.dos S. de. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia como vetores de desenvolvimento no
estado do Rio de Janeiro: a perspectiva de gestores de unidades. Revista brasileira de geografia econômica, XIV, pp. 1-17,
2019

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