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e Resumos
REALIZAÇÃO
APOIO
PATROCÍNIO
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SC-01
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Introdução
O Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho (LPdT) vinculado ao Programa de Pós-Graduação
em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
tem desenvolvido suas atividades em colaboração com o Centro de Documentação, Pesquisa e
Formação em Saúde e Trabalho (CEDOP) da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Em 6 anos de trabalho, o Laboratório tem proposto o estudo da Psicodinâmica do Trabalho como
uma metodologia de pesquisa e de intervenção que inova na compreensão e nas abordagens em
Saúde e Trabalho, colocando esta metodologia strictu sensu em prática nas pesquisas
desenvolvidas. Neste tempo de existência o Laboratório apoiou e discutiu a construção de
Dissertações de Mestrado, artigos, trabalhos apresentados em congressos, palestras e, também
consultoria para instituições públicas, palestras e ações de ensino.
A produção de conhecimento na área, disseminação da Metodologia e a discussão permanente da
saúde mental e trabalho são metas do grupo que compõem o Laboratório.
O Percurso
A criação inicial de um Grupo de Pesquisa em Psicodinâmica do Trabalho, no Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social e Institucional (PPGPSI-UFRGS), teve como objetivo buscar
aplicar, de maneira strictu sensu, a metodologia proposta por Dejours (Dejours, 2004). Buscando
avançar em pesquisas sobre saúde mental, prazer e sofrimento no trabalho, através da
compreensão das estratégias de defesa coletivas elaboradas pelos trabalhadores investigados e,
buscar intervenções, com os coletivos de trabalhadores, nas organizações de trabalho, além de
avançar na compreensão destes processos.
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preciso cuidar de quem cuida: “precisamos ser escutados, ser cuidados, para poder cuidar”.
(Tressel & Merlo, 2009, p. 108)
Momento atual
Atualmente o Laboratório é composto de 1 médico do Trabalho (Coordenador do Laboratório), 4
Doutorandas, 5 Mestrandos e 2 bolsistas de Iniciação Científica como integrantes fixos. Além
destes, outros profissionais participam de discussões abertas, reuniões ampliadas e seminários
promovidos pelo Laboratório, se incorporando a trabalhos específicos.
A maioria das pesquisas realizadas no Laboratório são feitas na área pública, pela inserção
anterior dos próprios estudantes, ou por demandas feitas ao grupo por órgãos públicos. A
aproximação com sindicatos tem aumentado, o que gerou 2 pesquisas no ultimo ano.
O Sindicato dos Trabalhadores da Justiça Federal do Rio Grande do Sul (SINTRAJUFE-RS)
procurou o Laboratório devido ao aumento das queixas relacionadas à saúde dos Oficiais de
Justiça da Justiça Federal de Porto Alegre, e por considerar que estas estariam relacionadas ao
trabalho. Desta demanda foi realizada uma pesquisa, combinando a metodologia em
Psicodinâmica do Trabalho, com uma avaliação quantitativa que o Sindicato já realiza há alguns
anos, o que gerou um relatório com recomendações diante dos resultados encontrados, que foi
apresentado ao conjunto dos Oficias de Justiça, bem como encaminhado aos superiores
hierárquicos.
Já o Sindicato dos Aeroviários trouxe a demanda de inicialmente investigar os trabalhadores de
check in para depois expandir para outras categorias relacionadas ao trabalho nos aeroportos,
pois verifica-se que os funcionários dos aeroportos dão sinais de que os efeitos do caos aéreo
atingem a qualidade de vida, segurança e disposição para continuar no emprego. A investigação
está analisando a correlação entre demanda e controle no trabalho, e a partir de então a relação
entre a saúde física/mental e a doença entre os trabalhadores aeroviários que atuam no Aeroporto
Internacional de Porto Alegre.
Os campos de pesquisa atuais estão voltados para as áreas públicas de segurança, educação e
sistema de saúde, mas temos projetos na área da educação privada e com outros sindicatos que
tem reconhecido a importância de também estarem voltados para a saúde de seus trabalhadores.
Além de pesquisa, algumas instituições tem buscado o Laboratório para consultorias e
assessorias, pelo reconhecimento do trabalho realizado no estado.
O Laboratório tem feito aproximação com os demais Laboratórios e grupos organizados do país
que estudam e fazem uso da metodologia em Psicodinâmica do Trabalho, além de outras
pesquisas e intervenções que discutam a saúde e trabalho. A parceria com estes grupos tem se
dado em eventos diversos, além da organização de grupos de discussão virtuais que tem
aproximado seus integrantes bem como os trabalhos realizados.
Nos meses de janeiro e fevereiro (2011), o Coordenador do Laboratório esteve na Bélgica e na
França. O principal objetivo da viagem foi cumprir a missão de um convênio CAPES do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UNB, no qual foi incluído o
PPGPSI/UFRGS, com a Université Catholique de Louvain. Neste período apresentou os
trabalhos realizados pelo Laboratório e acompanhou a ida de uma doutoranda, que irá
desenvolver uma parte do Doutorado durante um ano em Louvain. Como o Doutorado ainda é
recente na universidade, esta é a primeira doutoranda no Programa que vai complementar seus
estudos no exterior, o que amplia os debates do Laboratório pela experiência vivida fora do país.
Na viagem, o Coordenador pôde conhecer e acompanhar o trabalho de uma rede de atendimento
em saúde mental e trabalho que existe na França, mobilizado principalmente pelas mudanças que
vem ocorrendo nos atendimentos do Ambulatório de Doenças do Trabalho-ADT (Serviço de
Medicina Ocupacional) do HCPA (do qual faz parte). Esse ambulatório foi criado há 22 anos e
teve, nesses anos todos, como demandas principais, as patologias osteomusculares (LER/DORT),
as intoxicações (chumbo, solventes, etc.), as pneumoconioses e os acidentes com material
biológico. Porém, no último semestre, começou a receber trabalhadores, encaminhados pela rede
básica de saúde, com queixas exclusivamente psíquicas. Não se tratam de trabalhadores com
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alguma patologia somática e que tinham, também, algum tipo de transtorno psíquico secundário
(p. ex. depressão secundária a LER/DORT). Existiram vários casos de transtornos depressivos
produzidos, principalmente, por assédio moral. Inclusive o caso de uma trabalhadora, de uma
grande rede de supermercados recentemente comprada por uma multinacional, com 26 anos, sem
nenhuma história psiquiátrica prévia, que fez duas tentativas de suicídio.
A literatura tem demonstrado que situações como essa vem ocorrendo há pelo menos 10 anos em
vários países. França, Japão e China são os mais bem documentados. E, contrariamente ao que
pode se pensar, não são os trabalhadores mais "frágeis" os que desenvolvem transtornos
psíquicos ou que fazem tentativas de suicídio. São justamente os mais comprometidos com o
trabalho que estão sofrendo com os novos modelos de gestão onde o assédio moral, a mentira e a
traição fazem parte do dia-a-dia do trabalho. (Dejours & Bègue, 2010)
Na França foi criada, por uma psicanalista e psicóloga (Marie Pezé), uma rede voltada para esse
tipo de atendimento (Souffrance au Travail) em 1997 e que tem hoje uma enorme experiência. É
um trabalho no qual estão envolvidos profissionais de várias áreas, inclusive, psicanalistas de
orientação lacaniana. É uma rede de atenção que cobre todos os departamentos da França.
Considerações finais
Nas discussões realizadas pelo grupo que compõe o Laboratório, estão a preocupação em adaptar
a metodologia da Psicodinâmica do Trabalho à realidade brasileira, e às necessidades dos
campos de pesquisa dos mestrandos e doutorandos, pois “[...] a prática da clínica em
psicodinâmica não se reduz ao método”. (Mendes, Araújo e Merlo, 2011, p. 174)
Também outra discussão muito presente são a do conhecimento e aprofundamento das “Clínicas
do Trabalho”, onde os temas pesquisa e intervenção digam respeito às diversas formas de mal-
estar relacionadas ao trabalho. (Bendassolli & Soboll, 2011).
Além dos aspectos apontados anteriormente, o Laboratório sente-se compromissado em fomentar
a discussão em saúde e trabalho no Programa de Pós-Graduação do qual faz parte, chamando
atenção da comunidade acadêmica para as questões atuais relativas ao mundo do trabalho, suas
modificações e a necessidade desta pauta nas ações desenvolvidas no Programa e em suas
disciplinas.
Finalmente, o Laboratório busca desenvolver um trabalho de pesquisa e assessoria que possa
estar disponível para Instituições que dele necessitem além de contribuir com avanços em
pesquisa para a Psicologia Social.
Referencias
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TRENTINI, L. B.; BOTTEGA, C. G. ; DORNELLES, R. A. N. ; MERLO, A. R. C. (2010). A
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Impresso), v. 30, p. 215-215,
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trabalho de enfermagem. Psico (PUCRS. Impresso), v. 40, p. 102-109,
MERLO, A. R. C. ; MENDES, A. M. B. (2009). Perspectivas do uso da psicodinâmica do
trabalho no Brasil: teoria, pesquisa e ação. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho (USP), v.
12, p. 141-156,
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juízo: prazer e sofrimento psíquico em cargos de gerência. Cadernos de Psicologia Social do
Trabalho (USP), v. 11, p. 139-157,
BAIERLE, Tatiana Cardoso; MERLO, A. R. C. (2008). Trabalho, saúde mental e subjetividade
em uma guarda municipal: estudo em psicodinâmica do trabalho. Cadernos de Psicologia Social
do Trabalho (USP), v. 11, p. 69-81,
MACHADO, Aline Gonçalves; Merlo, Álvaro Roberto Crespo. (2008). Cuidadores: seus amores
e suas dores. Psicologia e Sociedade, v. 20, p. 444-452.
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trabalho em empresas privadas. Psicologia Ciência e Profissão, Brasília, v. 27, n. 2006, p. 132-
147,
MERLO, Álvaro Roberto Crespo; LAPIS, Naira Lima . (2007). A saúde e os processos de
trabalho no capitalismo: reflexões na interface da psicodinâmica do trabalho e da sociologia do
trabalho. Psicologia e Sociedade, Porto Alegre, v. 19, n. 2007, p. 61-68,
MERLO, A. R. C. (2007). Trabalho, adoecimento e sofrimento. ComCiência, v. 87, p. 1.
SPODE, Charlotte Beatriz; Merlo, Álvaro Roberto Crespo . (2006).Trabalho policial e saúde
mental: uma pesquisa junto aos Capitães da Polícia Militar. Psicologia. Reflexão e Crítica, Porto
Alegre, v. 19, n. 3, p. 362-370.
BARFKNECHT, Kátia Salete; MERLO, Álvaro Roberto Crespo ; NARDI, Henrique Caetano.
(2006). Saúde mental e economia solidária: análise das relações de trabalho em uma cooperativa
de confecção de Porto Alegre. Psicologia e Sociedade, Porto Alegre, v. 18, n. 2, p. 54-61.
GHISLENI, Angela Peña; MERLO, Álvaro Roberto Crespo . (2005). Trabalhador
contemporâneo e patologias por hipersolicitação. Psicologia. Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v.
18, n. 2, p. 171-176.
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Considerações e possibilidades
O Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho da UFAM possui uma breve história. Entretanto,
desde 1998 o referencial da psicodinâmica do trabalho já se faz presente em pesquisas da
UFAM. A partir de 2008, ocorreu uma intensificação das atividades de ensino, pesquisa, estágios
e extensão que incorporavam a psicodinâmica do trabalho como abordagem teórica e/ou
metodológica. Essa ampliação de atividades culminou com a criação do LAPSIC.
O LAPSIC tem possibilitado um avanço nas discussões e inclusão da abordagem no currículo do
curso de graduação em psicologia e no programa de pós-graduação em psicologia da UFAM.
Esse fortalecimento tem apontado algumas possibilidades, entre elas, a aplicação da metodologia
dejouriana strictu sensu de forma mais sistemática, construindo estratégias para a viabilização
dessa abordagem na realidade brasileira, e mais especificamente em Manaus.
Vislumbrando essas possibilidades e aprendendo com as produções de outros laboratórios de
psicodinâmica do trabalho, em especial o da UNB, pretende-se desenvolver o método a clínica
do trabalho dejouriana, de forma sistemática, articulando docentes, mestrandos, estagiários e
atividades de ensino. Para tanto, submetemos para avaliação do Edital PROEXT/MEC/SESU
2011 um projeto que pretende ser o embrião da implantação de um serviço de clínica do trabalho
na Universidade Federal do Amazonas - UFAM, atendendo a uma demanda social de escuta
clínica do sofrimento do trabalhador, de diversas categorias profissionais, sinalizada pelo Centro
de Referência em Saúde do Trabalhador – CEREST/AM.
Referências
Andrade, F.R.A. (2010) . O Trabalho e a Saúde Mental das Auxiliares de Serviços Gerais de
Escolas Públicas Estaduais de Manaus - AM. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade
Federal do Amazonas
Carvalho, G.L.M. (2010). Vivências Subjetivas de Trabalhadores Terceirizados em Funções
Administrativas no Pólo Industrial de Manaus Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade
Federal do Amazonas.
Castro, M. A., Martins, P. A., Moraes, R. D. (2010). Reconhecimento e mobilização subjetiva no
trabalho: um estudo o polo industrial de Manaus. Anais do IV Congresso Brasileiro de
Psicologia Organizacional e do Trabalho. São Bernardo do Campo, SP.
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Introdução
Apresenta-se aqui a trajetória de formação e consolidação do Grupo de pesquisa “Trabalho e
processos de subjetivação” (TPS), destacando as atividades que auxiliaram na institucionalização
do grupo e no seu registro junto ao CNPq, as características principais de suas pesquisas e a
metodologia utilizada pelo grupo.
O grupo de pesquisa “Trabalho e processos de subjetivação” (TPS) foi registrado no CNPq e
certificado pela UFPR no final de 2010, tendo como líder a Profa. Dra. Lis Andréa Pereira
Soboll. Entretanto, as suas atividades tiveram início muito antes de sua formalização, ainda no
âmbito dos trabalhos do Grupo de Pesquisa Economia Política do Poder e Estudos
Organizacionais – EPPEO, certificado pela UFPR, do qual a líder do novo grupo é pesquisadora
integrante desde o seu início, em 2001. A proposta do grupo de pesquisa TPS se configura como
uma continuidade dos trabalhos do Grupo de Pesquisa EPPEO, coordenado pelo Prof. José
Henrique de Faria. Embora com vínculo estreito de pesquisa, estes dois grupos apresentam
equipes e produções diferenciadas entre si.
A formalização do grupo TPS no CNPq consolida a parceria de pesquisa com o “Laboratório de
Psicodinâmica e Clínica do Trabalho” (LPCT) da UNB, um dos principais centros de pesquisa
em Psicodinâmica do Trabalho no Brasil, coordenado pela Profa. Dra. Ana Magnólia Mendes.
Desde 2006 tem-se desenvolvido atividades em parceria com o grupo da UnB, resultando em
publicações e atividades de ensino e pesquisa conjuntas. Buscando uma maior aproximação dos
grupos de pesquisa, foi instituída uma linha de pesquisa comum entre os grupos TPS, EPPEO e
LPCT, denominada “Organização, Trabalho e Subjetividade”. Tem-se estabelecido cooperação
de pesquisa entre estes grupos para coleta de material bibliográfico, elaboração de projetos de
pesquisa, coleta e tratamento de dados, análise de dados e publicações conjuntas.
Ainda antes de seu registro no CNPq, em julho de 2010 o grupo conquistou um financiamento
pela Fundação Araucária, do projeto de pesquisa intitulado “Práticas organizacionais e formas de
subjetivação no trabalho”. Atualmente o grupo é constituído por 5 pesquisadores e 21 alunos
(doutorado, mestrado e graduação), tendo como coordenadora a Profa. Dra. Lis Andrea Soboll.
Embora certificado pela UFPR, o grupo articula estudantes e pesquisadores de diversos centros
de pesquisa do Paraná, dentre os quais destacam-se o a graduação em psicologia e o Mestrado
em Organizações e Desenvolvimento da FAE Centro Universitário Franciscano – PR, o mestrado
e a graduação de Psicologia da UFPR e o mestrado em administração da UFPR. Atualmente o
grupo é formado por 09 alunos de mestrado.
O objetivo do TPS é investigar a relação entre trabalho e subjetividade, considerando o contexto
político econômico, a atividade de trabalho, as práticas organizacionais e as formas de
subjetivação, incluindo os processos de adoecimento, os comportamentos defensivos e
emancipatórios e as vivências de prazer e sofrimento relacionados ao trabalho.
Destaca-se como contribuição científica do grupo o desenvolvimento de aporte teórico-
metodológico construído de maneira interdisciplinar, a partir do diálogo entre a perspectiva das
teorias Psicodinâmica do Trabalho, Psicossociologia e Economia Política do Poder, promovendo
avanço teórico sobre os processos de subjetivação no trabalho e sua relação com a forma de
organização do trabalho no contexto produtivo atual, rompendo com a individualização na
análise das questões subjetivas no trabalho e subsidiando ações de empresas, sindicatos e
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categorias encontradas são interpretadas a partir dos referenciais adotados. A proposta da Análise
do Núcleo do Sentido, proposta por Mendes (2007), também é utilizada.
Associado ao estudo qualitativo, métodos quantitativos também são utilizados, dentre os quais
destaca-se o ITRA – Inventário sobre Trabalho e Risco de Adoecimento (Mendes e Ferreira,
2007), validado no Brasil e elaborado a partir dos pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho,
que avalia algumas dimensões da inter-relação trabalho e processo de subjetivação.
Questionários elaborados a partir de categorias identificadas na realidade também são utilizados
para coleta complementar de dados. Para o tratamento dos dados quantitativos, é utilizado o
programa Statistical Package for Social Science – SPSS. Para as fontes documentais e
decorrentes de depoimentos, dependendo de cada caso, podem ser utilizadas análises de
conteúdo, proposta por Bardin (1977), e os softwares específicos para este tipo de tratamento de
dados. O que define o uso do método qualitativo ou quantitativo é o objetivo e as condições de
cada estudo. Ainda assim, tendo em vista o desenho geral das pesquisas do grupo, a pesquisa é
sempre de natureza qualitativa, podendo associar métodos qualitativos e quantitativos.
Considerações finais
A experiência da constituição e consolidação do grupo de pesquisa “Trabalho e processos de
subjetivação” no decorrer de um ano evidencia que a construção do conhecimento depende de
relações de cooperação, de espaços de fala, de fracasso, de criatividade e de reconhecimento, no
qual é permitido deixar sua marca pessoal. Assim temos, juntamente com os grupos LPCT e
EPPEO, com mais proximidade ainda, com o Prof. José Henrique de Faria e com a Profa. Ana
Magnólia Mendes, minimizado a superficialidade dos vínculos (tão bem descrita por Richard
Sennett) e a solidão, tão característicos da vida acadêmica contaminada pela doença das medidas
(quantofrenia, descrita por Vincent de Gaulejac). Mais do que números, produção, metas, somos
movidos pelo sentido que o trabalho vivo pode nos conferir à identidade. Acreditamos que
somente as parcerias intra e inter grupos podem nos tirar da solidão acadêmica e fazer nossas
pesquisas terem mais sentido para nós que as desenvolvemos assim como para a sociedade. E
nossos próximos passos serão assim construídos,coletivamente.
Referências
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DEJOURS, C. (2004)Addendum teórico" – Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In:
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DEJOURS, C. (1992) A loucura do trabalho. São Paulo: Cortez/Obóre.
DEJOURS, C. (1999) A Banalização da Injustiça Social. Rio de Janeiro:Editora FGV.
DEJOURS, C. (1999) Conferências Brasileiras: identidade, reconhecimento e transgressão no
trabalho. São Paulo: Fundap: EAESP/FGV, 1999.
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Brasília: Paralelo 15.
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DEJOURS, C. (2007)A psicodinâmica do trabalho na pós-modernidade. In: MENDES, A. M.;
LIMA, S. C. da C.; FACAS, E. P. (orgs.). Diálogos em Psicodinâmica do trabalho. Brasília:
Paralelo 15, 2007, p. 13-26.
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p. 27-34, set-dez, 2004b.
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Introdução
A psicodinâmica do trabalho (PDT) é uma disciplina clínica-teórica. Sua investigação clinica de
um determinado contexto de trabalho está fundamentada na observação e na escuta de situações
vivenciadas pelos trabalhadores. Seus estudos e pesquisas estão apoiados na descrição e no
conhecimento das relações entre trabalho e saúde que procuram descrever os resultados da
investigação clínica da relação com o trabalho numa teoria do sujeito que inclui conhecimentos
oriundos tanto da psicanálise como da teoria social, incluído também contribuições da psicologia
do trabalho e da ergonômia franco belga.
A psicodinâmica do trabalho, desenvolvida inicialmente na França desde o final da década de
1980 por Christhophe Dejours. Há duas décadas a PDT vem se desenvolvendo em diversas
universidades no Brasil, com adaptações em sua metodologia. O grupo de pesquisadores da
UNB, desde seus primórdios, tem uma preocupação em fazer uma psicodinâmica do Trabalho
brasileira, promovendo a organização de coletivos de pesquisadores com percurso próprio.
Nessa perspectiva, torna-se essencial pensar os acontecimentos concebendo a narrativa histórica
como um contínuo regresso ao outro, tornando presente uma ética do testemunho. O ato de
testemunhar sustenta a memória, constrói a historia, permitindo o reconhecimento do trabalho
pelo outro. A narrativa histórica é uma forma de resistência desde dentro dos acontecimentos. É
na posição de testemunha que faço esta narrativa sobre a história do Laboratório de
Psicodinâmica e Clinica do Trabalho- (LPCT), tendo como eixo os caminhos percorridos no
processo de construção de identidade de um coletivo de pesquisadores brasileiros que trabalham
na perspectiva da psicodinâmica do trabalho. É o testemunho apoiado numa convivência
periódica de dez anos com Professora Ana Magnólia (2001) e com membros do laboratório, bem
como na participação dos diversos eventos e publicações organizadas por ela.
1
Ver sites: www.lpct.unb.com.br.
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Dra Ana Magnólia Mendes, professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho e
do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e do Trabalho e das Organizações - PSTO
do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Estágio pós-doutorado no
Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), Paris, doutorado em Psicologia pela UnB e
sanduíche na Universidade de Bath, Inglaterra, mestrado e graduação em Psicologia.
Coordenadora do LABORATÓRIO DE PSICODINÂMICA E CLINICA DO TRABALHO.
Pesquisadora do CNPq desde 1996. Coordenadora do GT TRABALHO E SAÚDE na ANPEPP
desde 2006. Coordenadora do curso de especialização em psicodinâmica do trabalho na UnB
desde 2007. Sites www.psto.com.br; www.lpct.unb.com.br
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http://www.lpct.com.br/site/dissertacoes/morrone_trabalho_informal.pdf
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LER/DORT e de outros trabalhos da UFSC ( Martins, 2002, Lemos, 2001, Cruz, 2000) iniciava-
se em Santa Catarina o PMAST - Programa Multiprofissional de Atenção a Saúde do
Trabalhador junto ao Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina
(HU/UFSC). Durante quatro anos (2002-2005) atuei e participei conjuntamente com Prof.
Roberto Cruz (UFSC) e Prof Jadir Lemos (UFSM) da coordenação do PMAST. Este trabalho de
pesquisa e intervenção junto a usuários do SUS com doenças relacionadas ao trabalho teve como
base teórica e metodológica apoiada numa interlocução interdisciplinar : Psicologia do trabalho,
Psicodinâmica do trabalho, Psicanálise, Ergonomia (Franco belga), Cinesiologia e Psicologia
clinica. Com intervenções individuais em grupo, integrava alunos de doutorado, mestrado e
graduação (Martins, 2009)
Em Brasília, apoiados, em estudos empíricos, construindo o inicio de uma base da interlocução
interdisciplinar Ana Magnólia , juntamente com Mario Ferreira publicam o livro “Trabalho e
Riscos de Adoecimento - O caso dos Auditores-Fiscais da Previdência Social Brasileira (Mendes
e Ferreira, 2003). Um trabalho de pesquisa nacional desenvolvido com 1916 auditores fiscais da
previdência social brasileira (cerca de 50% da categoria), que investiga a inter-relação trabalho e
saúde apoiada no diálogo interdisciplinar entre ergonomia da atividade e a psicodinâmica do
trabalho.
Construindo Alianças
Durante o Congresso Ibero-americano de psicologia (SIP,2005), um grupo de pesquisadores na
área trabalho e saúde, sentados em um café em Buenos Aires compartilhavam a vontade de criar
um grupo que combate-se o pensamento hegemônico. Ana magnólia (UNB), Mario Ferreira
(UNB) Roberto Cruz (UFSC), José Newton Garcia de Araujo (PUC- MG) , eu, Soraya R.
Martins (doutoranda PUC-SP) e José Claudio Caldas Calgaro (Correios), resolvemos criar o
grupo de trabalho denominado “Trabalho e saúde” junto a ANPEPP. Com a proposta, a partir de
nossa experiência e desejo, de construir um dialogo interdisciplinar entre psicodinâmica do
trabalho, ergonomia da atividade e sociologia clinica.
Seguindo nossos propósitos de interlocução interdisciplinar, foi constituído realmente no
simpósio da ANPPEP em 2006 o GT – Trabalho e saúde, integrando diversos pesquisadores em
rede nacional . Este grupo marcado pelo interesse cientifico e pelos laços afetivos que uniam
alguns de seus membros funciona desde 2006, sob a coordenação de Ana Magnólia. Neste grupo
procurou-se construir um coletivo de pesquisadores que compartilhacem o campo de pesquisa
saúde e trabalho com o diálogo interdisciplinar entre as abordagens da psicologia social e do
trabalho, da ergonomia da atividade, da psicodinâmica do trabalho e da sociologia clínica. Como
pesquisadores permanentes do grupo ficaram: Ana Magnólia Mendes (UNB) e Soraya R.
Martins (UFSC) com abordagem psicodinâmica do trabalho, Mario Cezar Ferreira (UNB) -
Ergonomia da atividade, José Newton G. Araujo (PUC-MG), Marcus Vinicius Soares
Siqueira(UNB) e José Cláudio Calgaro (Correios) vinculados a Sociologia Clinica. Outras
pesquisadores vieram sendo que alguns permaneceram como Joseph Blanch (UA Barcelona),
Maria Ines Fernandes (USP), Janine Ribeiro (Unisinos), Cleverson de Almeida (Makenzie),
Magali Guimaraes (UniCeub), Leda Freitas (UCB), Suzana Cruz Lima (UFF) e Rosangela Dultra
Moraes (UFAM)e por último Emilio Facas (UFGO).
O GT Trabalho e saúde, serviu de berço para muitas alianças entre pesquisadores nacionais e
internacionais se realizando através de publicações. Dessas publicações participaram outros
pesquisadores como Christhophe Dejours (CNAM).
José Roberto Heloani (FGFV), Heliete Karan, Álvaro Crespo(UFRS) e Lis Soboll (UFPR).
Este grupo com o propósito de consolidar o campo de pesquisa trabalho e saúde, com base no
diálogo entre três teorias críticas: psicodinâmica do trabalho, ergonomia da atividade e
sociologia clínica. A integração dessas abordagens ampliou as perspectivas de interpretação dos
temas estudados, exigindo uma discussão multifacetada entre os pesquisadores. Como fruto do
trabalho do GT Trabalho e Saúde junto a ANPEPP estão as seguintes Publicações: (i)MENDES,
Ana Magnólia [org]. Trabalho e Saúde: O Sujeito entre Emancipação e Servidão, 2008; (ii))
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Considerações finais
A realização de vários coletivos de trabalho, eventos e publicações oferecem o panorama do
fortalecimento dos pesquisadores brasileiros organizados pelo LPCT, em torno de um percurso
que marca a busca alianças para construção de uma Psicodinâmica do Trabalho com uma
identidade brasileira. Entre os resultados deste percurso, marcado por muitas alianças, está a
organização deste congresso pelos grupos da UFRGS, UFAM e UNB deste II Congresso
Brasileiro de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho - III Simpósio Brasileiro de Psicodinâmica do
Trabalho.
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da criação literária. 2011. 203 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade de Brasília.
Orientadora: Ana Magnólia Bezerra Mendes
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SC-02
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Introdução
O objetivo deste estudo é discutir aspectos dos processos de mobilização subjetiva e da sabedoria
criativa, a partir do trabalho de criação artística do fazer literário. A investigação é parte de uma
pesquisa de doutorado que, com base no referencial teórico da psicodinâmica do trabalho,
analisou a criação literária como trabalho que possibilita o processo de constituição do sujeito.
O fazer literário é uma das mais antigas e conhecidas formas de arte. Ao longo da história, os
trabalhos de criação de inúmeros autores alcançaram espaços coletivos para além do seu tempo.
O fazer desses escritores mostra o quanto o trabalho não-alienado possibilita a conexão do
sujeito com o mundo, a ponto de transcender sua própria existência, transformando a sociedade e
afirmando a vida.
O fazer artístico pode ser utilizado como instrumento de crítica aos modelos sociais e
econômicos. Foi com esta visão que Marx se valeu da atividade artística como uma das
referências para criticar o trabalho assalariado, conforme Menger (2005), que o levaram à
distinção entre trabalho livre e trabalho alienado. Nesta linha, o trabalho vivo, não alienado, é
entendido como possibilidade de desenvolver as capacidades humanas e a construção de sentidos
para o sujeito e a sociedade. Para isso, é necessário que o trabalho não esteja submetido a
situações que levem à fragmentação das capacidades individuais e coletivas e anulem a
experiência da singularidade, como se observa no trabalho alienado.
A criação artística – e de modo especial a criação literária – também foram utilizadas pela
psicanálise como referência para a compreensão da atividade psíquica. O processo de criação
literária, descrito em Escritores criativos e devaneio (Freud, 1907/1976), foi adotado como
modelo para a análise da função do fantasiar na produção da realidade, como mostra Rivera
(1995), e constitui um dos aspectos inovadores da construção teórica da psicanálise.
As proposições freudianas e marxistas foram constituídas com base em pressupostos e contextos
teóricos diferentes, mas oferecem elementos importantes para estudarmos o fazer da criação
como dimensão fundamental da potência constituinte do trabalho vivo, o que indica que essa
forma de trabalho oferece um campo privilegiado de estudos para a psicodinâmica.
As pesquisas com o referencial da psicodinâmica voltadas para o trabalho artístico, no entanto,
são recentes (Segnini, 2006 e 2010; Lima & Mendes, 2009; Assis & Macedo, 2008; Santos 2008;
Bueno 2010). Tais estudos estendem o campo de estudos para formas de trabalho com forte
engajamento subjetivo e voltadas à criatividade.
Enfrentar os desafios do trabalho implica sutileza, inventividade e ações para neutralizar,
amenizar e até esconder as adversidades e o sofrimento. A psicodinâmica do trabalho estuda tais
comportamentos como estratégias de mobilização e estratégias defensivas individuais ou
coletivas, fundamentais para a interminável busca da estabilidade psíquica (Mendes, 2008). A
mobilização para enfrentar as adversidades e desafios do trabalho e fazer a experiência do real,
articula conceitos da psicodinâmica como mobilização subjetiva e sabedoria criativa.
A mobilização subjetiva é vivenciada de modo singular, não pode ser prescrita. Permite a
transformação do sofrimento por meio da construção do sentido do trabalho e da mobilização da
sabedoria criativa, necessária para enfrentar as restrições do trabalho prescrito e fazer a
experiência do real. Com isso, o sujeito desenvolve, a partir do seu corpo, um saber fazer
singular que caracteriza um modo próprio de criação.
A sabedoria criativa frequentemente está à frente da consciência e do conhecimento que o sujeito
tem do mundo e de si mesmo. É potencializada por condições psicoafetivas (ressonância
simbólica) e sociais (reconhecimento pelo outro). É fundamentalmente subversiva e pulsional, e
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Método
Trata-se de uma investigação exploratória, de natureza qualitativa, realizada com base em
pesquisa documental de 33 entrevistas completas publicadas em livros e revistas especializadas e
cinco trechos de entrevistas com 32 escritores, sendo 11 brasileiros, 11 hispano-americanos e dez
de outras nacionalidades, publicadas no Brasil, nos últimos 25 anos, conforme quadro a seguir.
Brasileiros Hispano-americanos Outras nacionalidades
Afonso Romano de Sant´Anna Carlos Fuentes Antonio Lobo Antunes
Caio Fernando Abreu Ernesto Sábato Ian McEwan
Charles Kiefer Gabriel Garcia Márquez Ítalo Calvino
Chico Buarque de Hollanda Jorge Luis Borges Jean Cocteau
Clarice Lispector Juan Carlos Onetti José Saramago
Fernando Bonassi Juan Rulfo Milan Kundera
Ferreira Gullar Júlio Cortázar Paul Auster
João Antônio Mário Vargas Llosa Peter Handke
João Gilberto Noll Octávio Paz Philip Roth
Lygia Fagundes Telles Pablo Neruda Primo Levi
Mário Quintana Ricardo Piglia
Resultados e discussão
Nos relatos dos escritores foram identificamos os seguintes aspectos relacionados à mobilização
subjetiva: o trabalho de criação como imperativo do desejo e a ressonância simbólica como
potência da mobilização subjetiva.
O comentário de Ian McEwan (2009, p. 139) nos remete ao primeiro aspecto: “Uma vez alguém
me perguntou: ´Se você pudesse viver até os 150 anos e tivesse a chance de se dedicar a outra
carreira, você o faria?` E eu disse: Não, obrigado, acho que vou ficar com essa mesmo”. Aqui
encontramos o movimento radical de recusar o que se coloque no caminho da realização do
desejo. Juan Carlos Onetti (1999, p. 106), também faz um comentário neste sentido: “Se nascesse
de novo, voltaria a ser romancista. Escrever é um pouco das três coisas: paixão, necessidade e
vício”.
Mesmo diante de adversidades como a falta de tempo e a dificuldade de viver de literatura, há
manifestações de que a escolha do trabalho de criação literária não seria diferente. Tais
comentários se aproximam das respostas obtidas com escritores por Heinich (2000), nas quais a
opção pelo trabalho de criação é encarada como lugar de engajamento subjetivo total, mesmo
quando não há remuneração ou os escritores pagam para editar seus livros. Situação semelhante
foi identificada com artistas de dança, que não trocariam seu trabalho por outro, na pesquisa
realizada por Segnini (2010), com base na psicodinâmica.
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A mobilização subjetiva pode alcançar dimensões mais amplas da existência, a ponto de outra
forma de vida tornar-se inadmissível, como vemos em diversos escritores. Peter Handke (1994,
p. 106), por exemplo: “A gente tenta [ser escritor] porque não suporta outra vida”. Resposta que
encontra eco na manifestação de Jorge Luis Borges (1988, p. 206): “Não posso não escrever (...).
Quando escrevo, escrevo porque uma coisa tem que ser feita”. E também nesta passagem de
Clarice Lispector (2007, p. 81): “Escrevo porque não posso ficar muda”.
Com isso, nos aproximamos da questão de Rainer Maria Rilke, no livro Cartas a um jovem
poeta: “Você seria capaz de viver sem escrever?”. O comentário que se segue à pergunta oferece
uma dimensão poética à mobilização subjetiva. Para respostas negativas, a sugestão de Rilke:
“construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar (...) um testemunho
desse impulso” (Rilke, 2006, p. 25). A proposição da vida como testemunho desse impulso nos
leva à vida como testemunho do desejo. Tais comentários sinalizam o fazer da criação literária
como imperativo existencial demandado pelo desejo.
A conexão com o desejo amplifica a mobilização subjetiva, essencial para a capacidade de sentir,
pensar e inventar o trabalho. Como outros aspectos da subjetividade, é condição para transformar
o sofrimento, para a construção do sentido do trabalho, que depende do quanto o trabalho
possibilita a experiência de criação e transformação.
A mobilização subjetiva é potencializada quando o trabalho resulta de uma escolha do sujeito e
possibilita a satisfação dos desejos inconscientes (Dejours, 2004b). Esse aspecto do engajamento
subjetivo está relacionado à pergunta: você continuaria realizando o mesmo trabalho se pudesse
escolher outro? A resposta positiva sinaliza que o trabalhar resulta de uma escolha. A questão
que se apresenta aqui, no entanto, é outra: a experiência de trabalhar das pessoas que orientaram
suas vidas para escolher – ou tiveram a condição de escolher o trabalho – oferece condição
diferenciada para compreendermos a potência criadora e o engajamento no processo de
subjetivação.
Em outras palavras, se a experiência de trabalhar não é fruto da escolha pessoal, se está
submetida às circunstâncias do momento ou da vida inteira da pessoa, as investigações sobre a
relação trabalho-sujeito-saúde deveriam ponderar isso. A mobilização subjetiva para o trabalho
que resulta de uma escolha pessoal não é diferente – e até bastante diferente – do engajamento
com o trabalho naquelas pessoas que desejariam fazer outra coisa? Qual a influência disso na
percepção e no enfrentamento das adversidades do trabalho? Não seria este aspecto uma questão
zero nas investigações sobre as vivências de prazer e sofrimento no trabalho?
Quando é possível escolher o trabalho, estamos diante de uma situação do sujeito que influencia
sua percepção e ação de trabalhar. São questões relevantes, na medida em que a subjetividade é
indissociável da dimensão intersubjetiva instaurada no encontro do sujeito com o coletivo e o
social. Não se trata de idealizar o engajamento subjetivo associado ao fazer o que se gosta, mas
considerar um aspecto da relação com o trabalho, ressaltado por Freud (1930/2010) e Dejours
(2004b), que não tem sido evidenciado nas investigações sobre o trabalhar. Assim, ao
estudarmos o trabalho cuja ressonância simbólica está potencializada nos aproximamos de um
campo privilegiado para criticar o trabalho alienado. Os relatos dessas pessoas evidenciam
dimensões da experiência de trabalhar que só se explicitam quando não se está refém das malhas
paralisantes do trabalho prescrito.
Com relação à sabedoria criativa, os aspectos identificados nos relatos dos escritores, forma: o
trabalho impõe um método, “apressa-te lentamente”, saber fazer instrumental e saber fazer com o
real.
"Eu não procuro, eu acho". O escritor Júlio Cortázar (2002, p. 34) resgata a conhecida frase de
Picasso ao se referir ao seu próprio modo de trabalhar. A distinção é significativa para nossa
discussão. A procura pressupõe algo previamente conhecido. Achar é o encontro com o
inesperado, com a dimensão enigmática do não-saber. São recorrentes as manifestações de
escritores que vivenciam o fazer literário como caminho que se mostra no percurso da escrita, à
frente do conhecimento, o que constitui aspecto significativo desse modo de saber fazer. Como
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vemos, no relato de Clarice Lispector (2007, p. 163): “Eu nunca sei de antemão o que eu vou
escrever (...). Vou me seguindo e não sei no que vai dar. Depois vou descobrindo o que eu
queria”. Júlio Cortázar (1991, p. 165) ressalta o saber fazer que antecede a consciência,
mobilizado por uma espécie de súbita corrente entre ele e o trabalho.
O trabalho me impõe um método. Posso estar dando voltas ao redor de um conto durante
semanas e de repente vou para a máquina achando que está pronto, que posso me soltar e
abandoná-lo bruscamente e não fazer nada de nada durante semanas. Mas o que eu posso dizer, e
por isso falo que o trabalho me impõe o método, é que, quando começo uma coisa, há
subitamente uma espécie de corrente entre mim e essa página que foi posta na máquina.
No relato de Juan Carlos Onetti (1999, p. 104): “O escritor deve enfrentar cada tema novo de
maneira nova. Eu não podia trabalhar Los adioses da mesma forma que em Junta-cadáveres. O
tratamento é sempre outro”. Ainda com Onetti (1999, p. 105), vemos que a descoberta é um dos
componentes da mobilização subjetiva do escrever: “Eu não sentiria o mínimo interesse em
escrever se soubesse o que vai acontecer. (...) Nada delibero de antemão”. Para Caio Fernando
Abreu (1988, p. 8): “O primeiro momento de escrever é intuitivo. Depois vem o trabalho braçal.
Os dragões não conhecem o paraíso eu reescrevi seis ou sete vezes”. Referência semelhante
encontramos em Ricardo Piglia (1999, p. 38), na qual o autor enfatiza o trabalho da reescrita:
Reescrever é a única maneira de saber aonde vou. Nada está previsto em minhas obras. O ponto
de partida de Respiração artificial foi o desejo de escrever em forma de um arquivo, misturando
tudo o que há num arquivo: cartas, testamentos. O título foi encontrado no final, pois chamava-se
A prolixidade do real, baseado em versos de Borges: "y la noche que de la mayor congoja nos
libra/la prolijidad de lo real”.
O comentário de Piglia é marcante para nosso percurso: a prolixidade do real, entendida como
dimensão da realidade que não cessa de mostrar o inesperado e colocar o instituído em questão.
O correlato simbólico da tentativa de lidar com a prolixidade do real é a busca incessante de dar-
lhe forma por meio da palavra, a interminável busca de simbolização. As tentativas – marcadas
pelo fracasso – de constituir sentidos para o real. Nessa perspectiva, Maurice Blanchot (1987, p.
17) é elucidativo: “Escrever é fazer-se eco do que não pode parar de falar”. O real não pode parar
de falar, mas é contido – e ao mesmo tempo alcançado – por nossas configurações simbólicas. A
escrita é a construção de uma escuta dessa prolixidade infinita.
Os depoimentos dos escritores também oferecem elementos para pensarmos a sabedoria criativa
como permanente invenção de um caminho para cada situação de trabalho. Desta forma, se
configura uma dinâmica mergulhada na experiência do real. Campo enigmático que escapa à
simbolização. A dimensão de um saber que se constituiu na experiência do real e com o real e o
simbólico.
Quanto ao saber fazer que procura contornar a dificuldade de simbolização, encontramos em
Vargas Llosa (1999, p. 180): “Algumas vezes eu também busquei a expressão: agora sei que
meus deuses não me concedem mais do que alusão ou menção”. A referência à alusão como
forma de trabalhar com a simbolização também é enfatizada por Ricardo Piglia (1994, p. 133):
O que se busca é o que não se disse, e esse processo equivale a uma edição, pois é mais
importante saber o que não se vai narrar. Os grandes narradores são aqueles que sabem deter um
relato no momento em que a alusão, o não-dito, a elipse produzem um efeito sobre o que se está
dizendo. Borges é um mestre absoluto nisso. (...) Trabalho a partir de um rascunho e, quando
chego ao final, vejo que deixei de contar muita coisa que pretendia.
Outro aspecto da sabedoria criativa é o saber fazer em um tempo próprio, que se aproxima da
temporalidade do inconsciente. Assim, destacamos o comentário de Octávio Paz (1999, p. 99):
“o tempo é o núcleo do que eu creio que seja a experiência literária. Ela é um dos modos de
aparição desse elemento estranho”. Tempo da elaboração para a enunciação do sujeito. Tempo
das ressonâncias com o desejo, dissonante do mundo conformador das representações. Como
indica Clarice Lispector (2007, p. 150): “Eu elaboro muito inconscientemente. Às vezes pensam
que eu não estou fazendo nada. Estou sentada numa cadeira e fico. Nem eu mesma sei que estou
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fazendo alguma coisa. De repente vem uma frase...”. E também Jorge Luis Borges (2009, p.
152): “O trabalho essencial do escritor consiste em distrair-se, em pensar em outras coisas,
fantasiar, não se apressar para dormir”. Tempo que extrapola horários regulares, se estende para
o sono e os sonhos. Das horas e noites nas quais sonhamos com o trabalho: “Quando escrevo um
livro, trabalho sem parar, até dormindo. Às vezes, viajo para ter sossego, às vezes fico por aqui
mesmo, mas mando dizer que estou na fazenda, embora não tenha fazenda", conta Chico
Buarque (2007, p. 100).
Para Dejours (2004b, p. 31), “o trabalho não é, como se acredita frequentemente, limitado ao
tempo físico. (...) O trabalho ultrapassa qualquer limite dispensado ao tempo de trabalho; ele
mobiliza a personalidade por completo”. E também “sonhamos com o trabalho. Pois bem, isso é
necessário para nos tornarmos hábeis em nossas atividades. (...) É toda a subjetividade que é
arrebatada nesse movimento, até o mais íntimo do ser” (Dejours, 2007a, p. 19).
O tempo da criação artística – e de todo trabalho de criação – se contrapõe à exacerbação do
tempo instrumentalizado pela conformação capitalista do trabalho. Como ressalta Edson Sousa
(2000, p. 216), o trabalho do artista introduz novas experiências sobre a função do tempo no
trabalho: “Justamente por não responder a uma lógica do capital, que em nosso tempo propõe
equivalências entre tempo e dinheiro, o artista produz muitas vezes, num longo tempo silencioso,
um trabalho nem sempre visível”. Há ressonâncias disso nas reflexões de Calvino (1990b, p. 67)
sobre o tempo da criação literária, descritas no livro Seis propostas para o próximo milênio. O
autor resgata a máxima latina festina lente (“apressa-te lentamente”). As avaliações quantitativas
do trabalho são descoladas do tempo singular de sua elaboração e realização cuja parte mais
importante é invisível. Dejours (2008, p. 65) afirma que “as pesquisas mostram claramente que o
empenho da subjetividade ultrapassa, e muito, o tempo que é contabilizado como tempo de
trabalho”. Tal instrumentalização induz à alienação, dado que a experiência de trabalhar não é
redutível à dimensão objetiva. Aqui reencontramos a visão de que a experiência de trabalhar
também escapa às definições, assim como o conceito de saúde.
Conclusão
A partir do modelo de investigação proposto, discutimos aspectos dos processos de mobilização
subjetiva e da sabedoria criativa, a partir do trabalho de criação artística do fazer literário.
Quando situada no território da não-funcionalidade, a mobilização subjetiva possibilita a
constituição da sabedoria criativa, necessária à experiência do real do trabalho e ao
desenvolvimento de um saber-fazer singular, um modo próprio de criação e invenção do sujeito e
da vida.
A sabedoria criativa ultrapassa a consciência e o conhecimento que o sujeito tem do mundo e de
si mesmo. Como indica Dejours (2004a, p. 287), uma das construções significativas da
psicodinâmica é que “a experiência precede o saber” e depende das condições psicoafetivas
(ressonância simbólica e mobilização subjetiva) e sociais (reconhecimento pelo outro) nas quais
o trabalho é realizado.
Com a visão de que trabalhar é fazer a experiência do real, do inusitado, da permanente busca da
verdade instaurada pelo não-saber, a permanente reinstauração subjetiva possibilitada pelo
trabalho de criação é indispensável para colocar em questão a normopatia que caracteriza o
adoecimento das relações sociais e de trabalho. Adoecimento que sugere importantes questões
para pensarmos a indissociável articulação entre as teorias do sujeito, da ação e da saúde, projeto
com o qual a psicodinâmica do trabalho tem se ocupado na sua jovem e inovadora trajetória e
que tem produzido significativas contribuições para a evidenciação da alienação no trabalho e
para a construção de práticas de emancipação do sujeito-trabalhador.
O fazer literário foi entendido como forma de trabalho que possibilita a compreensão e a
delimitação de elementos práticos das experiências do trabalhar como potência para a construção
de sentidos e da vida.
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Introdução
O estudo tem por objetivo apresentar uma experiência de intervenção em psicodinâmica do
trabalho com grupo de cuidadores sociais de um abrigo de crianças e adolescentes. A pergunta
que apresentamos como objeto desta investigação é: Qual o fazer e os modos de trabalho destes
profissionais que entendemos como os protagonistas dos serviços de abrigamento? Segundo as
orientações técnicas para serviços de abrigamento (CONANDA & CNAS, 2009), são “pessoas
selecionadas para trabalhar em instituições de acolhimento com o objetivo de cuidar, proteger e
educar crianças e adolescentes acolhidos nesses serviços”. Nossa intenção, no entanto, vai além
da mera descrição do trabalho prescrito desses profissionais. Queremos investigar o trabalho
vivo do cuidador social, seus modos de trabalho, analisar as narrativas dos próprios trabalhadores
sobre seu dia-a-dia de trabalho, suas dificuldades e estratégias adotadas para enfrentar a distância
entre o prescrito e o real.
Esta atividade, fruto da dinâmica institucional em que está inserida, foi se constituindo
especialmente por três faces: 1) como um trabalho de caridade, de voluntariado, em função da
herança do viés caritativo-assistencial atribuído a esta prática; 2) como uma função de vigilância,
predominante no modelo correcional, e 3) como educador, conforme se considera atualmente.
Assim sendo, desejamos compreender a condição do trabalhador da assistência social, este que
tem sua história marcada pelo trabalho voluntário, religioso e/ou filantrópico, caracterizado pela
“boa vontade” e não pela profissionalização. Um trabalhador que tem sua vivência marcada pela
precariedade, pela baixa remuneração, por sua pouca qualificação, pela falta de reconhecimento
e pela invisibilidade (Mello & Silva, 2004).
Baseadas neste histórico, acreditamos que a concepção de que “basta ter um bom coração” para
desempenhar este ofício ainda se sustenta. Associado a ela, dada a proximidade desta função
com o papel de mãe, seu saber-fazer é naturalizado como atividade da mulher e,
consequentemente, está calcado numa visão simplista do cuidado como algo natural, negando-o
como trabalho. Conforme nos mostra o estudo de Marques (2006), o principal critério utilizado
para a seleção nesta função refere-se ao fato de ser mãe.
Adotamos a abordagem da Psicodinâmica do Trabalho em diálogo com outras disciplinas como a
corrente francesa da Sociologia do Trabalho, especialmente no pensamento de Hirata e Kergoat
(2008), no sentido de buscar apoio para dar visibilidade à complexa relação entre subjetividade e
trabalho.
Nesta corrente teórica duas considerações são fundamentais: a centralidade do trabalho e a
normalidade como enigma. A proposição da centralidade porque o trabalho é considerado uma
prática central como estruturante psíquico e na construção da identidade, uma prática
privilegiada na mediação do inconsciente com o campo social, que considera que o trabalho,
dependendo das suas condições, pode favorecer a saúde e ou o adoecimento (Dejours, 2008).
Quanto à normalidade como enigma, é ampliar o campo de análise para além do prisma da
psicopatologia e estabelecer como questão central a investigação a respeito da forma como os
trabalhadores preservam o seu equilíbrio psíquico frente às adversidades e à precariedade que
muitas vezes caracteriza o seu contexto de trabalho.
Este campo de investigação está voltado para a análise da vivência intersubjetiva no trabalho.
Tem como foco os aspectos psíquicos mobilizados no encontro do sujeito com a sua situação de
trabalho – dimensões menos visíveis do vivido pelos trabalhadores, tais como a vivência de
prazer, de sofrimento e a dinâmica de reconhecimento.
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Método
O estudo foi realizado no Abrigo Centro Municipal de Apoio à Criança e ao Adolescente
localizado na cidade de Macaé no estado do Rio de Janeiro. O caminho metodológico adotado
segue o método proposto pela Psicodinâmica do Trabalho que é construído por uma série de
etapas, contando com adaptações consideradas necessárias em função das características do
estudo.
A primeira etapa, denominada pré-pesquisa, consistiu em trabalhar três aspectos: análise da
demanda, definição dos pesquisadores e trabalhadores envolvidos e ações voltadas para o
conhecimento prévio da organização do trabalho. Esta etapa voltada para a construção do
prescrito do trabalho do cuidador social contou com diversos recursos metodológicos: 1)
pesquisa documental que reuniu registros escritos sobre as atividades, atribuições e perfil deste
profissional na referida instituição, 2) visitas na instituição no próprio local de trabalho para
conhecimento prévio do ambiente e de sua rotina, e 3) entrevistas semi-estruturadas com o corpo
técnico e gestor da instituição para investigar a percepção destes profissionais sobre o universo
profissional do cuidador social. Os dados coletados nesta fase foram analisados utilizando-se a
Análise de Núcleos de Sentido (Mendes, 2007).
A segunda etapa, intitulada pesquisa, consistiu das discussões grupais com os cuidadores sociais
que teve por objetivo construir um espaço coletivo de discussão, espaço da palavra, propício para
ampliar a inteligibilidade do trabalho e, consequentemente, favorecer uma ação transformadora
no grupo de trabalho. Foram envolvidos todos os cuidadores da instituição, contudo, o presente
estudo trata da experiência com o grupo de cuidadores voltados para o atendimento de crianças
de zero a sete anos, foram oito cuidadoras e todas do sexo feminino.
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Foram realizados seis encontros com o grupo de cuidadores, de uma hora cada um, perfazendo
um total de seis horas, todos ocorridos na própria organização. Os encontros foram estruturados
da seguinte forma: 1) Apresentação dos participantes, discussão sobre os objetivos e a elaboração
do contrato do grupo para a atividade; 2) Discussão sobre o cotidiano do trabalho do cuidador, as
características e dificuldades do dia a dia de trabalho; 3) Continuidade da discussão orientada
pelas questões do encontro anterior; 4) Elaboração do plano de ação voltado para a
transformação da organização do trabalho; 5) Reflexão e validação do relatório do trabalho do
grupo; 6) Criação de um espaço de troca com a gestora e coordenação técnica para compartilhar
o relatório do grupo e suas reflexões.
A próxima etapa prevista pelo método refere-se à validação da participação dos trabalhadores
envolvidos e a aprovação e reflexão do relatório final, conforme apresentados na descrição
acima.
Resultados
Ao longo dos encontros foi expresso pelos participantes que o trabalho do cuidador não é um
trabalho fácil. Ele foi descrito como um trabalho difícil, especialmente pelas situações de
violência, de tristeza e de abandono que estão presentes no dia a dia, como, por exemplo, é ouvir
das crianças: “Minha mãe vem me buscar?”.
A rotina de trabalho inclui atividades ligadas à alimentação, higiene, educação, lazer das crianças
tais como: servir o café da manhã, arrumar o quarto, organizar o banho, acompanhar durante o
dia e a noite, arrumar para a escola, acompanhar almoço, lanche e jantar e levar para atendimento
médico ou de outra natureza. Rotina que demonstra ser um trabalho marcado pelo tempo, por
horários rígidos estabelecidos pelo horário de funcionamento da escola, o horário das consultas
de atendimento médico e assim por diante.
A organização dos plantões é por duplas de cuidadores. Cada plantão é de vinte quatro horas
com folga de setenta e duas horas. As participantes relataram que, no cumprimento do plantão,
existe muita flexibilidade entre as duplas para atender às necessidades dos grupos das crianças. O
grupo identificou que esta organização, flexibilidade no trabalho e a forma cooperativa da equipe
como aspectos muito positivos do seu cotidiano.
Esclareceram que é um trabalho que mobiliza muito o grupo, como afirma uma participante, “eu
voltava para casa chorando”. Um trabalho que exige muito controle emocional, atenção e
vigilância.
A maioria das participantes comentou que gosta do trabalho que realiza, que entrou nesta
atividade sem saber exatamente o que realizaria, ou seja, não escolheu esta atividade, mas que
gosta do trabalho.
Diversos sentimentos relacionados ao trabalho foram mencionados ao longo dos encontros num
desabafo sobre o trabalho. Comentaram sobre o sentimento de impotência, que é a sensação de
não ter como resolver determinadas situações diárias, onde se perguntam: “o que que eu faço?”,
“toda hora você tá: e agora?”. .
Outro sentimento trazido pelo grupo, refere-se ao sentimento de responsabilidade, que abrange a
clareza de que a instituição as responsabiliza pelo plantão e de que sua atitude frente às crianças
também têm repercussões na vida delas.
Um sentimento recorrente foi o sentimento de estar só, esclarecido pelo grupo que é vivido
principalmente pela insatisfação de que a equipe técnica não se coloca próxima no trabalho.
Associado a este sentimento de se sentirem sozinhas foi resgatado que não se sentem ouvidas no
trabalho. Reclamaram que as informações sobre as crianças não são compartilhadas com as
cuidadoras: “informação de lá para cá não tem”. Acreditam que eles deveriam ter mais
informações “porque quem fica 24 horas com eles somos nós, eles ficam até às cinco horas e vão
embora” (Cuidador Ia). Desta forma, não sentem que a palavra delas é valorizada.
Nas discussões sobre as dificuldades com a equipe técnica foi compreendido que falta um
trabalho cooperativo e integrado com a equipe técnica: “Falta (pausa com silêncio) é pensar
junto”.
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Frente aos sentimentos penosos vividos pelos cuidadores, o grupo demonstra adotar como
estratégia o uso do silêncio, por exemplo, como expressa esta participante: “eu procuro pra eles
(crianças) não lembrarem, porque eles falam mesmo e eu não dou margem, primeiro porque eu
não gosto (...) eu não tenho o que eu dizer então eu prefiro não tocar no assunto (...) eu procuro
ocupar para eles não falarem porque eu não sei o que eu vou falar”.
A impressão dos cuidadores é de que a própria equipe técnica utiliza a estratégia do silêncio: “a
equipe técnica gosta de passar a borracha na vida das crianças”.
Outro sentimento abordado, ao longo dos encontros com o grupo, refere-se ao medo. Medo
proveniente de diversas situações presentes no trabalho, como dos pais violentos das crianças
abrigadas, do risco de situações de violência com os adolescentes abrigados, de problemas de
segurança do prédio da instituição, dentre outros.
Outra forma de sofrimento discutida pelo grupo diz respeito ao desgaste em função das
condições precárias do contrato de trabalho. Todas estas cuidadoras são contratadas pela
prefeitura, forma de contrato que não oferece segurança, estabilidade no trabalho nem férias.
Ainda sobre o contrato de trabalho, queixaram-se do número de cuidadores da instituição.
Apontaram que a falta de pessoal impede que a atividade seja realizada de forma mais adequada,
o que prejudica o relacionamento das crianças e cuidadores, provocando a sobrecarga para o
grupo.
Sobre o papel de sua atribuição como cuidador, as cuidadoras assinalaram que é de favorecer o
desenvolvimento e a educação das crianças. Entretanto, debatem se a sua função é de oferecer
um mero e simples cuidado de alimentação e higiene ou se envolver mais com a educação das
crianças.
Existe a expectativa em colaborar na educação das crianças, mas sentem-se frustradas com o
destino que, muitas vezes, é vivido por elas. Por mais que expressem o entendimento de que são
responsáveis pela educação das crianças, parece que se mantêm presos às atividades mais
operacionais do cuidado. Sugerimos que a dor de não saber lidar com determinadas situações:
xingamentos, raiva da criança, hora que traz as histórias tristes, inclina os cuidadores a abafar as
possibilidades de trocas intensas com as crianças, presos ao trabalho operacional.
Análise
A pesquisa ainda está em andamento, contudo, acreditamos que algumas considerações podem
ser tecidas sobre a experiência subjetiva do trabalho do cuidador social no contexto estudado.
Nossa breve análise estará ancorada entre dois pontos considerados fundamentais para pensar o
trabalho do cuidador social: a precarização e o coletivo de trabalho.
A precarização porque identificamos que tal atividade está totalmente atravessada pelas marcas e
consequências da precarização. Dados como o quadro de pessoal reduzido para o
desenvolvimento do trabalho, o contrato de trabalho que não oferece estabilidade e benefícios
sociais, a falta de recursos materiais na instituição e a falta de suporte organizacional que ofereça
acompanhamento e orientação para os cuidadores numa função de extrema complexidade; são
indicativos contundentes da precarização. Condição esta que parece se colocar como um
agravante no descompasso entre o discurso – as medidas jurídicas hoje existentes para as práticas
de abrigamento – e a prática existente no campo da assistência social. Neste descompasso entre o
discurso e a prática, numa visão mais detida no trabalho do cuidador, demonstra a distância entre
o prescrito e o real no trabalho, no prescrito estabelecido de ter o papel de ser responsável pelo
desenvolvimento e educação das crianças e no real de apenas ser possível oferecer cuidados mais
operacionais às crianças abrigadas.
Quanto ao coletivo de trabalho, o estudo enfatiza que cuidar é uma ação coletiva, o ato de cuidar
prescinde de um coletivo de trabalho. Neste sentido, de acordo com a psicodinâmica do trabalho,
a formação deste grupo de trabalho depende da confiança, da visibilidade e do espaço público de
discussão.
Observamos entre os cuidadores sociais a existência de uma boa relação entre os pares, aspecto
considerado positivo no trabalho por eles, entretanto, a falta de espaço para dar visibilidade e
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Conclusão
Este relato corresponde a uma experiência singular em um contexto específico, com a intenção
de contribuir para a discussão sobre a ação em psicodinâmica do trabalho. É necessário
compartilhar nossas experiências de intervenção para aprimorá-las.
Acreditamos que a psicodinâmica do trabalho é uma abordagem crítica, interdisciplinar, que
favorece e potencializa as possibilidades de mudança na organização do trabalho. Um método
que reúne a intervenção institucional à pesquisa.
Referências Bibliográficas
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de Assistência Social (CNAS) (Coord.). (2009). Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento
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(Ed.), Ecologia do desenvolvimento humano: pesquisa e intervenções no Brasil. São Paulo: Casa
do Psicólogo.
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
1.Introdução
O presente artigo trata de um estudo exploratório cujo objetivo geral foi verificar as estratégias
que os pilotos de trem de metrô lançam mão para mediar o sofrimento frente à organização do
trabalho. De maneira específica, busca-se caracterizar a organização do trabalho dos pilotos,
investigar as vivências de prazer-sofrimento e os mecanismos utilizados pelos trabalhadores para
mediar o sofrimento. A escolha de tal categoria profissional se dá frente o baixo número de
estudos publicados no Brasil com esta categoria profissional no campo de saúde e trabalho. Além
disso, é interessante pensar de que modo as operações de um transporte que já foi considerado
modelo de modernidade se dão e, assim, qual a situação daqueles que lá trabalham. Como base
para a interpretação dos dados, foi utilizado o aporte teórico da Psicodinâmica do Trabalho,
privilegiando as dinâmicas intra-subjetivas do trabalhador – desveladas por meio de sua fala – e
investigando, assim, o modo como o piloto lida com o sofrimento em seu trabalho.
O conceito de trabalho para esta abordagem está ligado ao conceito de Organização do Trabalho.
Segundo Dejours (2007), esta se caracteriza como a forma como as tarefas são definidas,
divididas e distribuídas, a forma como são concebidas as prescrições, bem como a forma como
se operam a fiscalização, o controle, a ordem, a direção e a hierarquia.
Para a psicodinâmica do trabalho, há uma distância entre a organização prescrita – planejamento,
objetivos das tarefas, estabelecimento de regras, normas, procedimentos técnicos, estilos de
gestão, pressões e regulamentos do modo operatório – e o real do trabalho, que se dá a conhecer
por o que resiste ao domínio técnico e científico.
O que está prescrito nunca é suficiente para dar conta do real. É impossível atingir qualidade
respeitando as prescrições, uma vez que o real é submetido a eventos inesperados, panes,
imprevistos, problemas. A organização do trabalho é permeada pelas contradições, não somente
entre o prescrito e o real, mas dentro do próprio prescrito. As prescrições, concebidas para
organizar o trabalho, levam muitas vezes à desorganização (Dejours, 2004, 2008).
Para Dejours (2008), não existe trabalho apenas de execução. Assim, o conceito de trabalho para
a psicodinâmica se dá da seguinte maneira:
[...] o que o sujeito deve acrescentar ao que foi prescrito para poder alcançar os objetivos que lhe
foram atribuídos. Ou ainda: o que ele deve acrescentar por decisão própria para enfrentar o que
não funciona quando ele se limita escrupulosamente à execução das prescrições (p. 39).
O sofrimento emerge justamente dos conflitos e contradições originados do confronto entre os
desejos e necessidades do trabalhador e as características da gestão da organização do trabalho,
quando não há como o sujeito negociar este confronto. Por outro lado, o prazer provém da
satisfação dos desejos e necessidades quando do confronto bem-sucedido com os conflitos e
contradições gerados pela gestão da organização do trabalho. Para lidar com essa dupla
possibilidade de vivências, os trabalhadores constroem estratégias de mobilização subjetiva e
estratégias de defesas (Mendes, 2007, 2008a).
A mobilização subjetiva é o processo por meio do qual os trabalhadores se engajam na dinâmica
de construção e de evolução da organização do trabalho, lançando mão de sua subjetividade, da
sua inteligência prática e do coletivo de trabalho para transformar as situações causadoras de
sofrimento (Dejours, 2004; Mendes, 2007).
O real do trabalho se dá a conhecer por meio da resistência ao conhecimento. Assim, exige do
trabalhador inventar novas soluções, utilizar seu saber, sua criatividade, inteligência e iniciativa
para dar conta do inesperado – que se revela pelo fracasso e gera no trabalhador diversos
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sentimentos. A invenção dessas soluções e o uso de sua criatividade são fundamentais para
proteger sua subjetividade.
Segundo Mendes (2007), a inteligência prática é um recurso para transformar o sofrimento em
prazer e que, para ser efetiva, precisa ser validada socialmente por meio do reconhecimento dos
pares e da hierarquia. Para isso, é necessária a existência do espaço público da fala e do coletivo
de trabalho. Segundo Rossi (2008), é nesse espaço que as regras de ofício são construídas, e o
reconhecimento do esforço do trabalhador é dado – é o espaço no qual as opiniões podem ser
formuladas e declaradas.
Mendes e Morrone (2002) esclarecem que esse coletivo de trabalho é criado em uma situação,
não é dado pela empresa. Tem como base regras que vão além da técnica e que organizam as
relações entre as pessoas. Possui uma dimensão ética, com a noção de justo/injusto, não
constituem normas ou regulação e se portam pelo julgamento de estética e qualidade do trabalho.
Esses julgamentos se dão de duas formas: pela conformidade do trabalho – que deve ser
realizado, respeitando as normas – e pela originalidade – que diferencia os sujeitos e valoriza a
singularidade e a personalização. É este último que dá acesso à identidade que é construída no
coletivo.
A mobilização subjetiva depende da dinâmica entre o que o trabalhador oferece como
contribuição e a retribuição da organização do trabalho, que, quando não ocorre, leva o
trabalhador a se desmobilizar. Essa retribuição, de natureza simbólica, é dada por meio do
reconhecimento em duas diferentes dimensões: reconhecimento no sentido de constatação da
contribuição do trabalhador à organização do trabalho; e reconhecimento no sentido por essa
contribuição (Dejours, 2004).
O reconhecimento passa por um julgamento do trabalho que é realizado e se dá em dois
diferentes tipos: o julgamento de utilidade, proferido pela hierarquia, e o julgamento de
estética/beleza, proferido por pares e colegas. Apesar de tratarem do trabalho realizado (fazer),
esses julgamentos podem se inscrever na personalidade em termos de ganho da identidade. O
reconhecimento dá sentido à vivência do trabalho e, consequentemente, em relação às
expectativas subjetivas e à realização do trabalhador. Esse sentido pode transformar o sofrimento
em prazer. Quando não há espaço para o reconhecimento, os trabalhadores lançam mão das
estratégias defensivas (Dejours, 2004; Mendes, 2007).
Segundo Dejours & Abdoucheli (1990), as estratégias defensivas são mecanismos utilizados para
negar ou minimizar a percepção da realidade que faz sofrer. Mendes (2007) explica que as
defesas de proteção são modos de pensar e agir compensatórios, com vistas a racionalizar as
situações geradoras de sofrimento. Assim, evita o adoecimento se alienando de tais situações.
Essa forma de proteção, contudo, pode se esgotar, uma vez que não atua sobre a organização do
trabalho e, assim, não muda o que gera o sofrimento. A autora explica ainda que as defesas de
exploração e adaptação exigem do trabalhador um investimento físico e sociopsíquico que vai
além de seu desejo, e têm a negação do sofrimento e a submissão ao desejo da organização do
trabalho em suas bases. Assim, levam o trabalhador a manter a produção desejada pela
organização do trabalho, com vistas a atender ao desejo da excelência.
As estratégias defensivas podem ser individuais ou coletivas. As estratégias coletivas de defesa
dependem de condições externas e surgem do consenso de um grupo de trabalhadores, o que
envolve as relações intersubjetivas no coletivo de trabalho. Assim, essas estratégias coletivas
contribuem para a coesão do coletivo no enfrentamento do sofrimento causado pela organização
do trabalho, possibilitam a estabilização psíquica do trabalhador e contribuem para a construção
do sentido do sofrimento no trabalho (Rossi, 2008; Dejours, 2004, 1992).
Já as estratégias individuais se dão frente a organizações do trabalho para garantir a resistência
psíquica frente às pressões em organizações onde predominam regras, modos operatórios, rigidez
de tempo, separação entre as atividades intelectuais e de execução e divisão do coletivo (Rossi,
2008; Dejours, 1992).
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A utilização destas estratégias defensivas pode ter uma função positiva, uma vez que colabora
para o equilíbrio psíquico e favorece a adaptação às situações de desgaste emocional pelo
confronto permanente do profissional com a morte. No entanto, pode mascarar o sofrimento
psíquico quando provoca estabilidade psíquica artificial, adquirindo assim uma dimensão
patológica que interfere tanto no atendimento aos objetivos do trabalho, quanto na vida social
dos profissionais.
2. Método
A seguir, será apresentada a descrição do método empregado para a coleta de dados, que se deu
entre outubro e dezembro de 2008.
2.1. Participantes
Foram entrevistados, no total, seis pilotos, sendo cinco homens e uma mulher, com idade
variando entre 20 e 35 anos e escolaridade entre superior incompleto e superior completo. O
critério de escolha foi o interesse voluntário dos trabalhadores em participar da pesquisa.
2.2. Instrumento
A fim de favorecer a livre expressão do trabalhador, foi elaborado um roteiro de
entrevista/investigação formado por quatro questões estímulo, com base no referencial teórico
que norteia o estudo – especialmente em Rossi (2008) e Mendes (2007). É importante ressaltar
que mais do que perguntas que devem ser necessariamente seguidas, essas questões indicam uma
direção/sugestão para que o pesquisador comece a explorar os temas da pesquisa: 1) Fale-me
sobre o seu trabalho; 2) O que você sente sobre seu trabalho?; 3) O que você faz para lidar com
as dificuldades em seu dia-a-dia de trabalho?; 4) Você acredita que o trabalho está afetando sua
saúde? De que maneira?.
2.3. Procedimentos
O acesso aos trabalhadores se deu por meio do sindicato dos trabalhadores metroviários
do Distrito Federal. Os convites aos trabalhadores foram feitos pelo Sindicato ao longo de 20
dias. Era esclarecido para os trabalhadores que a participação era voluntária e que estavam sendo
convidados – e não “convocados” – a colaborar com a pesquisa. Foram realizadas seis
entrevistas individuais com durações médias de 1 hora e 40 minutos. Com a autorização dos
participantes, as entrevistas foram todas gravadas em meio digital e posteriormente transcritas
em sua integra.
3. Resultados
A organização do trabalho descrita pelos trabalhadores mostra uma série de tarefas e
procedimentos considerados automatizados/mecânicos. Os procedimentos para conduzir o trem
seguem uma sequência que pouco espaço dá para ser mudada, uma vez que se dá por meio do
acionamento de alavancas e botões. Seguem scripts a partir do momento em que se encaminham
para assumir o trem.
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A mecanização também se faz sentir quando precisam resolver os problemas do trem – não tanto
pelas falhas que se repetem, mas pela obrigatoriedade de se manter estritamente aos
procedimentos prescritos, aprendidos à época que entraram na empresa por meio de um
treinamento. Se não cumprirem esse prescrito, ainda que resolvam o problema sem prejuízos ao
trem ou aos passageiros, recebem reclamação – para a empresa, “errar é não seguir o protocolo”.
Relatam que muitas vezes esses procedimentos não são a melhor forma de resolver o problema, e
ainda assim precisam se manter a risca das prescrições. Ao mesmo tempo, quando surgem falhas
novas, o piloto precisa “se virar”, ser criativo, dar conta da situação, ir em “tentativa e erro”.
Nessa situação, frente à impossibilidade de lançar mão de seu saber-fazer para subverter o
prescrito e dar conta do real, o trabalhador tem negados sua inteligência e conhecimento sobre o
próprio trabalho – já que podem ser punidos. Ninguém sabe melhor sobre o trabalho do que o
próprio trabalhador, que está ali investido afetivamente naquilo que faz, que acumula
conhecimento e alternativas ao vivenciar seu trabalho. É no dia-a-dia, a cada nova situação, que
o trabalhador conhece os caminhos para diminuir a discrepância entre o prescrito e o real. O
piloto que não se atém ao protocolo nada mais faz do que seguir seu conhecimento, sua
inteligência astuciosa.
A organização do trabalho também se caracteriza por um amplo leque de mecanismos de
controle por parte das chefias, como nos critérios do sistema que indica quando o piloto vai dar
sua volta e qual o destino. Outro exemplo desse controle é o fato de, antes de tomar qualquer
decisão frente a qualquer situação excepcional, precisam se reportar ao CCO, que passa o
procedimento a ser seguido. A inteligência prática, que emerge frente ao inesperado, é controlada
por essa obrigatoriedade. O trabalhador não tem autonomia para fazer seu trabalho, preencher o
prescrito e o real. O controle exercido pela organização do trabalho se dá sobre o trabalhador e
sobre o próprio trabalhar.
Na apresentação de um estudo com telefonista, Dejours (1992) fala da construção de um
autocontrole, “pois o medo de ser vigiado é vigiar-se a si mesmo” (p. 102). É por meio do medo
e da ansiedade que o controle causa que a organização do trabalho consegue fazer com que os
preceitos técnicos e hierárquicos sejam respeitados. No caso dos pilotos, o trabalhador acaba
muitas vezes por escolher o procedimento que não irá gerar a punição, ou seja, o prescrito, ainda
que este não seja entendido como “a coisa certa”. Em uma organização do trabalho onde as
regras de controle são confusas e contraditórias, onde se vive simultaneamente o rigor e a falta
de clareza, o trabalhador se encontra ainda mais em uma posição vulnerável e confusa.
Ainda na temática das relações socioprofissionais, é importante caracterizar o modo como se dá
a relação entre o trabalhador (piloto) e o cliente da empresa (usuário). Em uma viagem sem
incidentes/acidentes, o piloto do trem de metrô é um sujeito invisível frente aos olhos do
passageiro. A qualidade do serviço, a rapidez, a tranquilidade, tudo é crédito de um sistema
automatizado e moderno, eficaz. Contudo, essa relação se modifica quando algo sai do
planejado. O piloto, em meio à viagem, é o representante da empresa. Fica exposto ao usuário,
que, insatisfeito com o serviço que lhe é prestado, adota uma postura agressiva. Muitas vezes,
contudo, o piloto está apenas seguindo uma ordem que vai contra seu próprio julgamento de
como seria melhor agir. Mais uma vez, tem que se colocar no lugar de uma máquina executora,
impedido de tomar as decisões que vão agir diretamente sobre suas tarefas.
Com relação aos sentimentos decorrentes da relação entre sujeito-trabalho, Dejours (1992)
esclarece que quando o trabalho está rigidamente organizado, não há como adaptar o trabalho à
personalidade, gerando frustrações e grandes esforços de adaptação.
A organização do trabalho, em especial a divisão das tarefas, faz com que o próprio piloto se
sinta um robô, uma máquina, já que não encontra espaço para lançar mão de sua inteligência e
criatividade frente a uma tarefa que não o desafia.
A divisão dos homens, por meio da falta de autonomia e de confiança no trabalho do piloto por
parte da chefia, também é apontada como algo que faz o sujeito se sentir robotizado. Tal como
encontrado por Itani (1997), para os pilotos entrevistados, o automatismo não se distingue de
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Falar e pensar sobre o trabalho remete aos sentimentos de inutilidade e indignidade, de se sentir
como uma peça de máquina, de não ter seu desejo inscrito na Organização do Trabalho, de não
ser reconhecido por sua chefia e pelos usuários do sistema de transporte. Negar o próprio
pensamento sobre o trabalho é a estratégia para evitar o contato com aquilo que faz sofrer.
4. Conclusão
O estudo objetivou verificar quais estratégias os pilotos de trem de metrô lançam mão para
mediar o sofrimento frente ao trabalho automatizado. Conforme apresentado, essas estratégias se
diversificam a depender do que se apresenta como causador do sofrimento. Na realidade
estudada, não se pode limitar o entendimento de “trabalho automatizado” às tarefas – sentir-se
“um robô”, como relatado por um dos trabalhadores, não é meramente consequência destas.
Muito além do que apertar botões, a automatização se faz presente no que os entrevistados
chamam de “filosofia” da empresa, que se mostra principalmente por meio das relações entre os
diferentes níveis hierárquicos. O automatismo, nesse contexto, deve ser visto como tudo aquilo
que nega ao sujeito a oportunidade de conceber e executar seu trabalho de acordo com sua
inteligência e saber – em suma, é o que faz o sujeito se sentir um mero executor.
Frente a uma organização do trabalho rígida, os pilotos se valem de um coletivo de regras e de
estratégias defensivas individuais. O primeiro surge para dar conta das discrepâncias entre o
trabalho prescrito e o real. Contudo, se limita às tarefas que não podem ser controladas pelas
chefias, ou seja, a uma minoria de atividades. Assim, os objetivos do coletivo ficam incompletos,
incapazes de atingir a maior parte das situações geradoras de sofrimento. Apesar disso, o espaço
de deliberação e escuta é fundamental para que o sujeito possa elaborar seu trabalho, reconhecer
o valor de seu conhecimento e buscar a possibilidade de inscrever sua subjetividade nas tarefas
em que realiza – afastando-se, ainda que de forma limitada, da mecanização. Para dar conta do
que o coletivo de regras não consegue mudar, os trabalhadores lançam mão de estratégias
defensivas individuais, visando minimizar o sofrimento causado pelas relações de poder,
estrutura hierárquica rígida, alto número de chefes e a própria natureza do trabalho automatizado
– “dar voltas e ponto”. Nota-se presença tanto de mecanismos de proteção quanto de adaptação,
com prevalência deste último no discurso dos pilotos. Expressam-se por comportamentos de
naturalização do sofrimento alheio, isolamento, individualização, evitação do pensamento no
trabalho e a racionalização, atribuindo causas externas para explicar porque se mantêm no
trabalho.
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1.Introdução
Propõe-se neste texto apontar algumas aproximações entre a organização do trabalho
autogestionária e a prática da clínica psicodinâmica do trabalho, sendo esta clínica um
dispositivo para que a autogestão seja vivenciada entre cooperados e/ou associados de
Empreendimentos de Economia Solidária - EES.
Esta análise é construída com base em alguns estudos considerados relevantes para fundamentar
as ideias desenvolvidas no texto. Entre eles destacam-se Bendassolli e Soboll (2011), Dejours
(1992, 2004), Lancman e Sznelwar (2004), Mendes (2007), Mendes, Araújo e Merlo (2011),
Mendes, Merlo, Morrone e Facas (2010), Merlo e Mendes (2009), Rossi (2010) e Santos Jr,
Mendes e Araújo (2009).
Inicia-se definindo e esclarecendo as diferentes clínicas do trabalho para aprofundamento teórico
metodológico na clínica psicodinâmica do trabalho, na sequência define-se autogestão em
empreendimentos de economia solidária e assim conclui-se com as contribuições da clínica em
psicodinâmica do trabalho para os problemas vivenciados nas organizações autogestionárias.
Bendassolli e Soboll (2011) afirmam que as clínicas do trabalho são um conjunto de teorias que
tem como foco de estudo a relação entre trabalho e subjetividade. As clínicas do trabalho, dentro
da sua diversidade epistemológica, teórica e metodológica, tem um objeto comum: a situação de
trabalho, com sujeito de um lado e trabalho e meio de outro. As Clínicas do Trabalho se
aproximam de uma clínica social, por terem como foco de pesquisa e intervenção a realidade
vivenciada pelos sujeitos, contemplando as vivências de sofrimento ancoradas nas experiências
objetivas e subjetivas do trabalho, porém não deve ser confundida com a clínica de consultório,
com ênfase nas problemáticas singulares.
As clínicas do trabalho estão sendo utilizadas em diferentes formas de trabalho (vão além da
vinculação a um emprego), pois o trabalho é entendido como uma “atividade pela qual o sujeito
se afirma na sua relação consigo mesmo, com os outros com quem ele trabalha e pela qual
colabora para a perpetuação de um gênero coletivo” (Bendassolli & Soboll, 2011, p. 6).
Estes autores abordam quatro clínicas do trabalho: a psicodinâmica do trabalho, a clínica da
atividade, a psicossociologia e a ergologia, a seguir um quadro resumo destas clínicas:
Início Principa
Teoria dos Principais fundamentos l autor
estudos
Psicodinâmic Década - Fundamenta-se na psicanálise, na ergonomia e na Cristoph
a do trabalho de 80 na sociologia do trabalho; e
França - Conceitos principais: Sofrimento e prazer no Dejours
trabalho; Estratégias defensivas; Sublimação e
trabalho vivo, mobilização subjetiva, O
reconhecimento se estrutura via as estratégias
defensivas e de mobilização subjetiva
- Fundamentos metodológicos: a pesquisa é uma
prática de intervenção
Clínica da A partir - Fundamenta-se na teoria de Vygotsky, Leontiev e Yves
atividade dos anos Bakhtin Clot e
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2.Método
Trata-se de um estudo teórico conceitual sobre o uso da clínica psicodinâmica do trabalho em
empreendimentos autogestionários. Esta relação é estabelecida a partir dos estudos feitos no
Laboratório de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho - LPCT da Universidade de Brasília - UnB
com as práticas realizadas pelo Núcleo de Economia Solidária NESol da Universidade Federal
do Tocantins – UFT.
Vale ressaltar que as clínicas do trabalho privilegiam metodologias qualitativas, especialmente os
métodos nos quais os próprios sujeitos são convocados a refletir sobre suas práticas (Bendassolli
e Soboll, 2011). O método da psicodinâmica do trabalho proposto por Dejours em 1986 e
reescrito em 2004, vem sendo reproduzido ou adaptado para a realidade brasileira nos últimos
anos, porém são os escritos a partir de 2004 que baseiam a clínica psicodinâmica do trabalho. A
prática clínica em psicodinâmica não se reduz ao método, ela atende a princípios teóricos
fundamentais para sua identidade, não se resumindo a cumprimento de etapas prescritas ou
aplicação de princípios (Dejours e Bègue, 2009).
3.Pressupostos teóricos
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trabalho é fundamental para a análise clínica, dado que é essa organização que promove e
configura a construção dessas estratégias.
É central para o clínico a análise de como se constroem as subjetividades no contexto de
trabalho, e para isso é criado um contexto diferenciado que propicie uma relação entre a
expressão do trabalhador por meio da fala e a escuta clínica, fundamentada em uma filiação
teórica que pressupõe conhecimento teórico-conceitual e habilidades intra e interpessoais
(Mendes e Cols, 2011).
A organização do trabalho, por sua vez, vem sendo definida pela psicodinâmica do trabalho,
sobretudo pelos autores Ferreira e Mendes (2003), Mendes (2008) e Facas (2009), como uma
representação relativa à natureza e a divisão de tarefas, normas, controles e ritmos de trabalho.
Há uma divisão do trabalho em si (divisão das tarefas entre os trabalhadores, do conteúdo da
tarefa, do que é prescrito) e uma divisão dos homens (na repartição das responsabilidades, no
sistema hierárquico, modalidades de comando, relações de poder, controle). Sendo que a
primeira evoca o sentimento e o interesse pelo trabalho, enquanto o segundo provoca relações e
mobiliza investimentos afetivos, tais como: amizade, solidariedade, cooperação, confiança.
Vale ressaltar que o hiato entre o trabalho prescrito e o trabalho real ocorre de acordo com as
seguintes premissas: a organização do trabalho não é absolutamente absorvida pelos
trabalhadores; as regras prescritas são reinterpretadas e reconstruídas; é impossível prever tudo e
ter domínio de tudo no trabalho. Além disto, o autor afirma que a organização de trabalho em si é
repleta de contradições devido ao volume e a impossibilidade de conciliar as regras entre si
(Dejours, 2004).
A clínica do trabalho é um modo de desvelar as mediações que ocorrem entre o sujeito e o real
do trabalho. A tradução deste real se dá pela escuta do “clínico” sobre a fala do trabalhador, e
assim dar visibilidade às situações de trabalho, as vivências dos trabalhadores no seu cotidiano.
São pontos importantes da clínica do trabalho em PDT, saber como se processa a transformação
do sujeito pelo trabalho e como o sujeito se mobiliza para se engajar no trabalho (Mendes e cols
2011).
Conceitos de prazer e sofrimento, estratégias defensivas e sobretudo mobilização subjetiva são
essenciais para se compreender a clínica psicodinâmica do trabalho. Segundo Mendes (2007) o
prazer emerge quando as condições geradoras de sofrimento podem ser transformadas, há a
possibilidade de enfrentamento das imposições e pressões do trabalho que causam a instabilidade
psicológica. O sofrimento surge quando não há espaço de negociação entre o trabalhador e a
realidade imposta pela organização, intensificando-se quando a organização do trabalho não
permite subverter o trabalho prescrito, no sentido de ser inflexível e impossibilitar ao trabalhador
colocar a sua criatividade, a flexibilidade no modo de realizar as tarefas e a subjetividade para
lidar com o real do trabalho.
Ressalta-se que o sofrimento pode ser criativo ou patogênico. Criativo quando ele se torna uma
extensão da mobilização subjetiva, há angústia e, portanto, sofrimento porque o trabalhador não
sabe o que vai acontecer diante do inesperado da organização do trabalho, mas ele se mobiliza e
age diante do real. Ao passo que o sofrimento patogênico acontece quando o sujeito não dá conta
desta angústia, não consegue se mobilizar para a ação, não ressignifica, instalando-se ai as
diferentes formas de patologias presentes no mundo trabalho.
As estratégias defensivas, por sua vez, são regras de conduta construídas e conduzidas pelos
trabalhadores, permitindo suportar o sofrimento e proteger o sujeito, sem adoecer, tem por alvo
minimizar as vivências de sofrimento, ou até mesmo, negá-las. São construídas em consenso
pelo grupo de trabalhadores, havendo um acordo tácito entre todos para a sua manutenção. Por
isto funcionam como regras do coletivo de trabalho. As defesas estão intimamente ligadas a
forma como o sujeito lida com este sofrimento, quando a defesa falha vem a patologia, ao passo
que a saúde está ligada a vivência da mobilização subjetiva, uma categoria central para a clínica
psicodinâmica do trabalho (Mendes, 2007).
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4.Resultados e Discussão
Mendes, Araújo e Merlo (2011, p. 180) ao relatarem as experiências com intervenções em
clínicas do trabalho, realizadas pelos pesquisadores do Laboratório de Psicodinâmica e Clínica
do Trabalho da UnB (LPCT) e pelo Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho da UFRGS (LPT)
ressaltam que “o sofrimento deve ser compreendido, interpretado, elaborado e perlaborado num
espaço público de discussão”. Os autores afirmam que o trabalhador ao falar do sofrimento se
mobiliza, pensa, age, cria estratégias para transformar a organização do trabalho.
Em empreendimentos autogestionários, assim como nas organizações heterogestionárias existem
limites para os trabalhadores a partir do real e prescrito da organização do trabalho. No entanto, a
maioria dos EES são pequenos e este dilema estrutural desaparece ou se torna minimizado. O
grande desafio, então, parece ser a inércia dos participantes em relação à própria participação e a
dificuldade em assumir responsabilidades. De acordo com Liboni e Pereira (2002) o principal
impeditivo para uma transformação efetiva da empresa em empreendimento autogerido é a
ausência de uma cultura autogestionária entre os membros participantes que, acostumados a
serem assalariados, muitas vezes preferem a condição anterior.
Longe de pretender explorar todos os desafios da construção da autogestão em EES, aponta-se
aqui alguns desafios e limites que obstacularizam o processo de construção. A importância de se
identificar esses desafios é que este exercício pode permitir se pensar em métodos, técnicas ou
processos de intervenção mais voltados para a resolução dos reais problemas dos EES, relativos
à autogestão. A seguir resume-se alguns pontos importantes nesse sentido:
a) A manutenção do emprego como principal motivação para as experiências de autogestão: uma
solução pragmática e não contestadora da ordem econômica e social vigente. Ou seja, muitas
vezes, sem entender o que é e para que serve, fazer parte de um EES se torna somente uma
alternativa para a falta de emprego.
b) Ausência de cultura autogestionária entre os membros participantes do empreendimento:
prevalece, então, uma democracia baseada somente na contagem dos votos, e não num espaço de
discussão e num debate democrático.
c) A falta de profissionalismo e conhecimento administrativo: o que facilita a conversão para as
estruturas e relações de poder parecidas com as das empresas capitalistas modernas, correndo-se
o risco da naturalização do controle burocrático e a consequente descaracterização da autogestão
(Venosa, 1982; Almeida, 1983).
d) Pouco ou nenhum interesse do trabalhador em assumir responsabilidades além do seu trabalho
(insegurança profissional): percebe-se que a maioria se interessa em decidir questões de curto
prazo e mais diretamente ligadas a ele e a repartição dos fundos (Almeida, 1983; Venosa, 1982).
Os desafios da autogestão se evidenciam ainda mais quando parte-se da ideia de autogestão
numa concepção multidimensional que envolve aspectos técnicos, econômicos, sociais e
políticos. Nesse sentido, seu significado não se vincula apenas à autonomia na governança da
organização. Agrega-se a construção cotidiana da autonomia dos trabalhadores; algo que exige,
por exemplo, rupturas com práticas autoritárias (Albuquerque, 2003).
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Assim, a clínica psicodinâmica do trabalho surge como uma teoria e método para transpor estes
obstáculos, pois ela tem em sua base o resgate do conviver, do viver junto, com todos os
conflitos e paradoxos que possa ter. Os trabalhadores dos EES têm seus sonhos e desejos, e é isto
que os coloca em movimento, mas ao mesmo tempo os frustra, pois nem tudo que almejam
conseguem, sobretudo por viverem num mundo de exclusão.
Conviver implica confiança e solidariedade, e isto só será construído a partir do viver junto no
cotidiano de trabalho, e é ai que surgem as tensões, que podem ser postas pelos próprios
trabalhadores no espaço público de discussão, sobretudo para dar voz a inteligência prática e
possibilitar que a cooperação aconteça, elementos essenciais da mobilização subjetiva.
Em empreendimentos autogestionários a possibilidade da ação coordenada para construir um
“produto comum” com base na confiança e solidariedade é possível via o dispositivo da clínica
do trabalho em psicodinâmica, pois o que se propões nesta teoria/método é a emancipação do
sujeito, ai acontece o encontro entre os princípios da economia solidária que balizam os
empreendimentos autogestionários com a clínica em psicodinâmica do trabalho.
5.Considerações Finais
Acredita-se que a implantação de espaços para a fala e discussão aliadas a uma escuta
qualificada, propostas pela clínica psicodinâmica do trabalho, se tornam potencialmente positivas
para criar um modo de gestão efetivo, com a participação de todos e, sobretudo, um senso de
pertencimento que permite ao trabalhador continuar se engajando (Mendes e Araújo, 2011).
O trabalho dos associados ou cooperados vinculados a EES autogestionários é que entra em
análise, diante da clínica psicodinâmica do trabalho, o interesse do “clínico” está em saber como
o sujeito se mobiliza e como o trabalho mobiliza o sujeito e assim, o coletivo de trabalhadores se
engaja com os propósitos do coletivo, para reverberar ações no EES.
O desafio da clínica psicodinâmica do trabalho está em colocar em ação a dimensão política e
emancipatória que a abordagem tem e assim desenvolver ações nos EES. Como perspectiva
prática pretende-se fazer uso desta teoria e método numa Associação de Catadores de Materiais
Recicláveis incubada pelo Núcleo de Economia Solidária da Universidade Federal do Tocantins.
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SC-03
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Resultados
Entre os respondentes, 62,8% são técnicos administrativos e 36,1% são docentes. Diferentes
tipos de contexto de trabalho foram abordados, sendo que 139 participantes eram vinculados a
órgãos da reitoria, 101 a órgãos complementares e 398 a unidades acadêmicas, subdivididos por
área do conhecimento. Os resultados dessa pesquisa serão disponibilizados à comunidade
universitária ainda no 1º semestre de 2011. Parte deles serão apresentados a seguir para
contextualizar como a análise dos dados dessa pesquisa culminou no entendimento de
necessidade de uma Clínica do Trabalho na UFG, para além de ações em QVT.
Na análise geral, organização do trabalho, condições de trabalho e relações sócio-profissionais
apresentam níveis críticos, com média mais alta em organização do trabalho que nos demais.
Porém, todas as dimensões apresentam médias graves em itens específicos, a depender do tipo de
contexto de trabalho, categoria (docente ou técnico administrativo), ocupação de cargo de
direção ou não, sexo do participante e tempo de serviço na UFG. Ritmo de trabalho acelerado é
avaliado como grave nas unidades acadêmicas e órgãos da reitoria. Nas unidades acadêmicas,
quando observadas por área de conhecimento, outros itens graves se revelam: nas ciências exatas
e da terra a presença de cobrança por resultados; nas ciências biológicas, pressão temporal,
cobrança por resultados, número de pessoas insuficiente, condições de trabalho precárias,
mobiliário inadequado, instrumentos de trabalho e material de consumo insuficientes; na área da
saúde, a presença de cobrança por resultados; nas sociais aplicadas, número de pessoas
insuficiente; e na escola de aplicação, cobrança por resultados, fiscalização do desempenho e
barulho no ambiente de trabalho.
Os únicos resultados satisfatórios, quando avaliadas as médias de cada fator por tipo de contexto
de trabalho, são as condições de trabalho e as relações sócio-profissionais nas engenharias; e as
relações sócio-profissionais na área de lingüística, letras e artes. Todos os demais apresentam
médias críticas. Por isso, apesar dos itens graves serem pontuais, e indicarem forte risco de
adoecimento e a necessidade de providências imediatas, o resultado geral é de um contexto de
trabalho que potencializa o mal estar no trabalho e oferece risco aos trabalhadores provenientes
da organização do trabalho, das condições de trabalho e das relações sócio-profissionais.
Discussão
Outra análise revela uma cisão entre a vivência de técnicos em cargos de direção e demais
servidores, quanto as relações sócio-profissionais nas unidades acadêmicas. Técnicos em cargo
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de direção apresentam médias satisfatórias quanto à falta de clareza e distribuição injusta das
tarefas, exclusão dos funcionários das decisões, individualismo, conflitos e comunicação
insatisfatória no ambiente de trabalho. Todavia técnicos e docentes em geral apresentam médias
críticas nesses itens. Algumas hipóteses para explicar esses dados como: negação ou
ideologização da realidade por parte dos técnicos em cargos de gestão; ou ainda falta de espaços
de participação capazes de aproximar a percepção desses atores, que permitam traçar objetivos
comuns. A aplicação da EACT permitiu observar diversos aspectos importantes sobre o contexto
de trabalho na UFG, que contribuíram na definição de intervenções prioritárias. Porém a escala
aponta problemas no contexto de trabalho sem indicar suas origens ou inter-relações,
compreensão esta que dependerá de intervenção qualitativa.
Em 2010 outras ações subsidiam a leitura do contexto da UFG. Realizou-se um levantamento de
necessidades no campus Jataí em parceria com a Coordenação do Curso de Psicologia - CAJ,
através de quatro grupos focais, com a participação de 37 servidores. Realizou-se ainda o I
Seminário Trabalho com Saúde e Qualidade de Vida no Trabalho em novembro de 2010, com o
objetivo desse evento foi discutir com a comunidade universitária temas relacionados à
Qualidade de Vida no Trabalho, Saúde do Trabalhador e processos organizacionais. Durante o
seminário, diversas foram as falas de denúncia de ingerências administrativas, contradições entre
o trabalho prescrito e o real, e constante retrabalho por falta de clareza das tarefas. Outro
problema abordado trata-se da atribuição aos técnicos de nível superior de tarefas de nível
médio, já que gestores desempenham as funções ligadas à tomada de decisão e planejamento. Em
uma instituição que até os cargos de nível médio são ocupados quase integralmente por pessoas
com no mínimo formação universitária. Muitas destas falas relacionavam essas dificuldades de
gestão do trabalho à falta de formação dos próprios gestores para esta função, quase totalmente
desempenhada por docentes de diversas áreas do conhecimento.
Ao analisar os dados do levantamento de contexto de trabalho tanto em Goiânia quanto em Jataí,
somada a análise das falas dos participantes do seminário, em atendimentos individuais e em
grupo, oficinas ou mesmo contatos informais com os servidores da UFG, compreendemos a
necessidade da criação de espaços que propiciem momentos de escuta grupais sobre as
dificuldades oriundas da organização do trabalho, espaços de convivência e apoio; de elaboração
de estratégias coletivas que substituam mecanismos de defesa individuais e, com isso, reduzam
agentes de adoecimento mental. Acima de tudo, faltam espaços de construção coletiva de
valores éticos, em respeito à dignidade do outro, com isonomia entre as categorias que compõem
a comunidade universitária. Encontramos respaldo teórico-metodológico para tal demanda na
clínica do trabalho proposta Dejours (2010) para criar o projeto “cuidar”.
Conclusão
O fenômeno de adoecimento a partir das relações de trabalho é uma sintoma, decorrente de
relações moldadas à lógica do capital, espaço em que valores de troca econômica se sobrepõem
aos valores humanos. Valores alinhados à ideologia dominante parecem transpassar às
instituições públicas, promovendo alienação e exploração dos trabalhadores, de quem se exige
submissão e adaptação.
O projeto “Cuidar”, portanto, pretende atender à demanda dos gestores e dos servidores da
Instituição. As condições necessárias para a implantação stricto sensu da intervenção na
Instituição está em construção.
Os próximos passos deste trabalho envolvem a pré-pesquisa, a análise de documentos e as
visitas. Na pré-pesquisa, deve-se considerar que a pesquisa necessita partir de uma demanda de
um grupo de trabalhadores ou de alguns trabalhadores inicialmente isolados, tratada acima.
Agora, para a preparação da pesquisa, deve-se definir os pesquisadores envolvidos, bem como
quem e quantos trabalhadores participarão. Esta etapa será seguida da análise dos documentos e
as visitas as quais não se pretendem a uma descrição objetiva da relação homem/trabalho. Mas
sim de “adquirir a base concreta necessária para compreender de que falam os trabalhadores que
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participam da pesquisa e de ter à mão uma representação em imagens das condições ambientais
do sofrimento” (Dejours, 2004, p. 106).
Em um terceiro momento, deve-se abordar a organização real do trabalho que desvenda a
dimensão dos conflitos entre os trabalhadores e a hierarquia, como a história das lutas, greves e
termos de negociação em relação à organização do trabalho. Como as centrais sindicais dos
docentes e técnicos neste momento se encontram em discussão com o Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão para revisão dos planos de carreira, os pesquisadores devem
estar atentos a estas negociações e suas repercussões nas vivências dos trabalhadores em seu
campo de atuação.
O relato dessa experiência ainda inicial indica a possibilidade de construção de uma nova forma
de se gerir as pessoas na organização, incluindo as necessidades dos trabalhadores enquanto
sujeito de uma ação transformadora de sua realidade social, que o inclua enquanto cidadão e
autor de sua história. Muito ainda por fazer, mas pode-se afirma que o início é promissor, e
coerente com as propostas da clinica do trabalho de Dejours.
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Introdução
Este texto tem por objetivo abordar as vivências do escritor literário em relação a seu trabalho e à
arte fazendo um cotejamento entre os textos literários, psicanalíticos e a psicodinâmica do
trabalho de Christophe Dejours com foco na mobilização desses trabalhadores em relação ao
sofrimento. O tema aqui apresentado embora tratado por disciplinas como a Sociologia do
Trabalho e a Psicanálise, é no entanto inovador neste campo de estudo. A sua articulação com a
problemática saúde-doença ainda necessita de sistematização, aprofundamento e novas
construções de conhecimento, sendo proposta deste texto.
A proposta foi abordar o tema trabalho, arte e processo criativo dos escritores literários a luz da
psicodinâmica, partindo do relato dos escritores literários filiados a União Brasileira de
Escritores, Seção Goiás. O objetivo do texto foi fazer dois tipos de análises, a primeira
documental, nos Cadernos de Literatura Brasileira - CLBs do Instituto Moreira Sales, um
trabalho pioneiro no Brasil sobre os grandes escritores brasileiros e a segunda análise sobre os
discursos dos escritores literários filiados à UBE-GO, como eles vivenciam o processo criativo
na produção de uma obra literária; e ainda analisar, a partir das categorias da psicodinâmica do
trabalho, se a UBE pode se constituir como um espaço de discussão coletiva sobre o trabalho do
escritor literário. Buscou ainda, verificar se o fato deste trabalho ser criativo, poderá representar
resistência ao sofrimento, sendo uma estratégia de enfrentamento?
Partimos de três pressupostos norteadores no presente texto:
1-O trabalho artístico do escritor literário permite superar alienação e estranhamento, gerando
identificação e reconhecimento.
2- A forma como o trabalho artístico do escritor literário é realizado via sublimação permite o
desenvolvimento de uma resistência natural – mecanismo de enfrentamento do sofrimento no
trabalho, e gerar prazer e identificação com o resultado do próprio trabalho.
3-Também se levou em conta enquanto pressupostos de trabalho que o trabalho literário é
artístico que pressupõe um processo criativo e possibilita a superação da alienação; da falta de
reconhecimento no seu próprio trabalho e ainda significar autonomia e levar o autor a se
reconhecer e identificar com sua obra.
Partindo de demandas, observações e levantamentos, um grupo se reuniu e começou a
desenvolver um projeto de pesquisa com vários subprojetos que têm em comum o eixo de
discussão onde o trabalho criativo na arte emerge como uma forma de enfrentamento do
sofrimento e de resistência à dominação.
Dos achados levantados até o momento, alguns indicadores chamam a atenção o fato de que em
seus discursos, os artistas declararam que o fato de trabalhar com arte se torna um divisor de
águas no sentido de se identificarem com seu trabalho, além do fato de o trabalho na arte se
constituir um espaço privilegiado para o exercício da criatividade, da autonomia, liberdade e
resistência ao sofrimento advindo do trabalho.
Outro conjunto de dados chama a atenção nas referidas pesquisas indica que: ao contrário do que
imagina o senso comum, o trabalho do artista é um trabalho, que cansa e sobrecarrega, pois exige
expertise técnica e disciplina; o trabalho inclui sofrimento; nem sempre é reconhecido pelos
outros; o uso do tempo é diferenciado, pois a maioria relata horário flexível que inclui
madrugadas adentro em ensaios, criação e execução da obra de arte; a maioria dos artistas não
consegue se sustentar unicamente pelo trabalho na arte, o que os leva a ter dois ou mais
empregos, gerando jornadas duplas ou triplas, indicando sobrecarga de trabalho; os riscos à
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saúde foram constantes, devido à exposição em lugares insalubres, horários noturnos, sem
descanso ou pausas, e ainda o fato de não haver no Brasil políticas públicas que permitam
financiamentos de projetos artísticos, os levando a viver uma instabilidade econômica muito
conflituosa.
Os resultados dos achados iniciais respondem a algumas questões norteadoras da pesquisa, quais
sejam: escrever pode ser prazer ou sofrimento depende dos sentidos do trabalho para o escritor,
há aqueles que escrevem por hobby, pela satisfação pessoal em escrever, em realizar um projeto
pessoal, um desafio, há, no entanto, os escritores profissionais contratados para produzir „sob
encomenda‟ e muitos momentos o ato criativo de escrever tornam-se um sofrimento podendo
levar ao adoecimento em seu trabalho e produzindo disfunções físicas, psicológicas e sociais
especialmente provocadas pelo confronto com o contexto de trabalho.
Segundo Macêdo (2008),há um aumento significativo na utilização do tempo do não trabalho,
que deve ser „empregado‟ em atividades de lazer e arte. Esse aumento no tempo do não trabalho
se deve principalmente a dois fatores fundamentais: de um lado, a expectativa de vida das
pessoas está aumentando, sendo que hoje há mais pessoas acima de 65 anos do que em toda a
história da humanidade, e por outro lado, as mudanças nas relações de trabalho, o desemprego
estrutural.
Pode-se afirmar, com alguma segurança, de acordo com Janson (2001) que uma obra de arte
influi sempre na visão de mundo do homem. A arte resiste à análise mais minuciosa e à
passagem do tempo.
5
Na entrevista a Geraldo Couto em 25/05/1994, publicada no “Caderno Mais” do jornal Folha de S. Paulo e editada
no livro Memórias do Presente: 100 entrevistas do “Mais”: 1992-2002: Conhecimento das Artes / Adriano Shwartz,
(org.) – São Paulo: Publifolha, 2003, p. 155.
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Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da
poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Note-se que é o mesmo caso
de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Veríssimo - que bem sabem
(ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras (Quintana, 1982). Os escritores produzem
seus produtos literários para organizações da mesma forma que os demais produtos e
organizações em geral, porém para os escritores o objetivo da literatura não é o de atuar sobre o
real, mas sobre a construção do imaginário do escritor, porém quando o escritor sai do mundo
imaginário e entra no mundo real passa pelos mesmos conflitos que os trabalhadores conforme
afirma Dejours (1994) ao propor que há um distanciamento entre as organizações do trabalho
prescrito e o trabalho real. O desafio para a psicodinâmica é atuar sobre o real.
Método
O texto foi construído utilizando embasamento teórico e trechos do discurso de escritores, que
relataram suas vivências relacionadas ao processo de criar e fazer arte. Esses discursos advêm de
análise documental que tomou por base as obras de Eder Chiodetto e nos Cadernos de Literatura
Brasileira – CLBs, publicados pelo Instituto Moreira Sales.
Resultados
Partimos da abordagem da psicodinâmica do trabalho para nortear a análise documental nessa
segunda parte do nosso texto, vamos apresentar o discurso dos escritores, publicados nos
Cadernos de Literatura Brasileira, partindo das categorias desta abordagem escolhida:
Categorias da psicodinâmica versus trabalho dos escritores.
1)Organização do trabalho. Compreende a divisão deste, a descrição de cargos bem como a
“divisão de tarefas entre os trabalhadores, repartição, cadência e, enfim, o modo operatório
prescrito e a divisão das pessoas: repartição das responsabilidades, hierarquia, comando,
controle, etc.” (DEJOURS, 1994, p.125). Quanto à organização do trabalho dos escritores
literários não temos registros de divisão espaços, repartição, comando, etc. Chiodetto (2002)
afirma que “o lugar do escritor” são todos os lugares. Percebe-se que é uma organização
praticamente individual, onde cada escritor cria seu espaço de acordo com seu estilo de
produção.
Adélia Prado afirma que: “Escrevo a mão, em cadernos, não importa em que lugar da casa.” A
organização do trabalho para Prado (2002, p.20) é no seu caderno. Ela diz que registra tudo até o
livro ficar pronto, depois queima tudo. ”Ela diz que o seu escritório de trabalho é sua vida. Se
montasse um escritório, ficaria pateta lá dentro, não teria o que fazer.”
Lygia Fagundes Telles descreve sua tarefa contando que : “ Datilografa, pára, pinta o erro com o
corretor liquido no papel sulfite e prossegue.Revisa o que acabou de escrever e parece
descontente com o resultado do seu trabalho. Corta a parte ruim, cola e recoloca o papel na
máquina e volta a escrever... Ganhei um computador do meu editor e talvez no próximo livro eu
aposente minha máquina de escrever.” Lygia gosta de ouvir musica enquanto escreve. “Não pode
ter letra se não me desconcentro. Invento, mas invento com a secreta esperança de estar
inventando certo. ”(2002, p.44)
Raquel de Queiroz. (2002, p.80) Conta que: “No meu escritório ninguém entra. Ali é o santuário
da gente.” Percebe-se que o trabalho ocorre principalmente em função de uma necessidade e
desejo individual, sendo que a forma como os artistas organizam internamente e organizam o
seu ambiente de trabalho é bem particular e individual, impedindo, portanto, que façamos
qualquer generalização indevida.
2)Condições do trabalho. Dejours (1992) considera as condições de trabalho como o conjunto
que envolve o ambiente físico (temperatura, pressão, barulho); as condições de higiene e de
segurança; e as características ergométricas do local de trabalho, tendo como alvo o corpo do
trabalhador, e podendo ocasionar desgaste, envelhecimento e doenças. Em relação a esta
categoria, temos os seguintes depoimentos:
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Moacyr Scliar afirma que: “Não faço questão de silêncio. Pode ter barulho, movimento de
pessoas, telefone que toca. Atendo e retorno a escrita sem perder a concentração. Consegui
superar essa compulsão pelo isolamento que assola a maioria dos escritores. Mantenho meus
livros deitados nas prateleiras, para que os autores também descansem.” (2002, p.24)
Ariano Suassuna conta que: “escreve a mão, em uma pequena mesa, depois datilografa numa
máquina antiga, mais tarde revisa os escritos deitado numa cama enorme seu locl preferido de
leitura, repleta de livros.” (2002, p.38)
Régis Bonvicino. “O ato de escrever depende de muita concentração. Como nem sempre consigo
tranqüilidade, aprendi a escrever no caos. Gosto de escrever como um musico de jazz que
trabalha muito com improvisão.”(2002, p.52)
3)Relações do trabalho.Para Dejours (2004), é por meio do desenvolvimento teórico e empírico
que a teoria psicodinâmica do trabalho concebe o modelo de homem como um ser que pensa em
sua relação com o trabalho; interpreta sua situação e, em razão dela, reage e se organiza. O
sujeito no mundo do trabalho tem uma história singular, complexa que constrói sobre o sentido
do trabalho. Alguns escritores depõem sobre o tema:
Ariano Suassuna quando me fecho no meu gabinete ninguém me aperreia, consegui impor esse
respeito pelo meu trabalho. (2002, p.38)
Ferreira Gullar diz que escreve a mão, que a poesia é coisa intempestiva, ninguém controla, é
inteiramente aleatória. A poesia não o obriga a rotina, ela quebra a rotina. Escrevo quando tenho
vontade, não forço a barra, não me submeto a uma disciplina rígida. Escrever é um troço bravo.
Tem momentos que estou mais intelectual, mais cerebral, outros mais sensoriais. (2002, p.28)
Para José J. Veiga escrever é abstrair o mundo. Quando escrevo me ausento daqui. Abstraio
totalmente. ( 2002, p.34)
Para Lygia Fagundes Telles. O escritório, no inverno, é num dos quartos, mas com o calor do
verão me mudo aqui para a sala. Fico deprimida no frio. “Se morasse na Europa, seria
alcoólatra.” (2002, p.44)
Talvez em virtude do trabalho criativo do escritor literário ocorrer de forma muito individual, e
também talvez em decorrência de que os mesmos relatam trabalhar sozinhos, as relações de
trabalho para essa categoria profissional fiquem limitadas.
4)Mobilização subjetiva do trabalhador. Dejours (1994 e 1999) afirma que a mobilização
subjetiva é definida como um processo caracterizado pelo uso dos recursos psicológicos do
trabalhador e pelo espaço público de discussões sobre o trabalho.
Ariano Suassuna. “Outro meu neto começou a chorar enquanto eu escrevia, pequei no colo e
fiquei brincando com ele e percebi que aquela invasão da realidade era mais bonita que a ficção
que eu tentava escrever.”
Patrícia Melo. ”Ao mesmo tempo em que preciso de concentração e solidão,preciso de uma certa
desorganização física, um desarranjo que tem no meu escritório. Só trabalho em meio a uma
pilha de livros. Quanto mais avanço nos meus romances, mais vai sendo criado um caos que se
instala no meu escritório. A morte me obriga a escrever.”(2002, p.38)
João Cabral de Melo Neto. “Não sou mais um escritor. Estou cego. Para escrever preciso ver.
Não leio não consigo escrever também. “Sou um ex-escritor (2002, p.60).
5)Vivências de prazer. Para Dejours (1994), as vivências de prazer emergem quando as
exigências intelectuais, motoras ou psicossensoriais da tarefa convergem para satisfação das
necessidades do trabalhador; de tal modo que a simples execução da atividade proporcione
prazer.
Rubens Figueiredo afirma que : “Não durmo com facilidade em nenhum lugar. meu sono é
escasso. A escrivaninha fica a três passos da cama. Levanto, lavo o rosto, tomo o café, volto para
cá e começo a trabalhar desde cedo.” (2002, p.66)
Para Augusto de Campos,“Livros são almas. Não posso deixar que Gertrude Stein e Exara Pound
se misturem. Ficam de lado opostos na estante, eles não se entendem.”( 2002, p.70)
Vivências de sofrimento
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Para Dejours não vivemos sem trabalho e sem sofrimento. “Sofrimento dos que temem não
satisfazer, não estar à altura das imposições da organização do trabalho” (Dejours, 1999, p.28).
Esse sofrimento advém das normas e procedimentos, horários rígidos, ritmo acelerado, de
formação, de informação, de aprendizagem, de nível de instrução e de diploma, de experiência,
de rapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos e de adaptação à “cultura” ou à
ideologia da empresa, às exigências do mercado, às relações com os clientes, os particulares ou o
público, dentre outros.
João Ubaldo Ribeiro diz que: “Sou composto por dois personagens: o Grande Ubaldo, um cara
legal, que leva a vida numa boa, e o pequeno Ubaldo, que me cobra, pega no meu pé, um chato.”
(2002, p.72)
Os escritores descrevem que entram em contato com alguns fantasmas em seus momentos de
solidão criativa. Os sentimentos e razões vão sendo mobilizados numa alquimia imprevisível no
sentido de se construir uma escrita, um registro do pensamento e da fantasia.
6)Estratégias de enfrentamento do sofrimento
Visando equilibrar o sofrimento decorrente do mundo do trabalho, os trabalhadores utilizam
estratégias defensivas que, conforme Rocha (2003) constitui as possibilidades de adaptação à
organização; à cultura organizacional; ajustamento às normas e procedimentos da organização do
trabalho ou sua transformação, visando colocá-la em concordância com o desejo deles. Quando
fracassam, abre-se espaço para o adoecimento no trabalho.
Manoel de Barros. “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira.
Não tenho inspiração. Escrevo religiosamente todo dia da seta ao meio dia. fecho-me no
escritório e não saio de lá por nada.” (2002, p.94)
Jorge Amado e Zélia Gattai afirmam que “A tristeza e a frustração são evidentes. Jorge acorda.
Melhor: inicia seu processo de acordar. Em dez minutos está finalmente de volta a este mundo.”
( 2002, p.96)
Discussão
Os escritores projetam nos livros uma dimensão existencial e criativa de suas obras, como no
caso de Cora Coralina descrita por Ramón (2006) plena de poder metafísico, de metáforas com
que converte as coisas do cotidiano em “coisas em segundo grau”, alcançando assim uma
dimensão. De acordo com Ramón (2006), o artista estranha, e esconde sua intimidade criativa.
Os dados levantados indicam que alguns aspectos relacionados ao processo criativo e ao trabalho
do escritor são comuns a outros artistas pesquisados nos estudos de Macêdo (2010) Alves
(2010), Assis (2010), Bueno (2010),Souza(2001) e Maheirie (2001), o trabalho do escritor é
artístico, utiliza o processo criativo, mas, antes de tudo é trabalho.Além disso, ele tanto gera
prazer, ligado a autonomia, liberdade principalmente no processo criativo, mas também
sofrimento, ligado a falta de reconhecimento e sobrecarga. O fato de grande parte dos escritores
também ter outras atividades laborais de onde adquirem recursos financeiros também é comum
aos artistas que trabalham com dança, teatro, musica, artistas plásticos, conforme configurado
nas obras acima citadas.
Sabatto (2003) afirma que o maior problema dos escritores literários Talvez seja o de evitar a
tentação de juntar palavras para fazer uma obra. O escritor é a voz de seu tempo. No livro “O
lugar do escritor”, Chiodetto (2002) apresenta dados coletados ao longo de cinco anos, feito pelo
autor que visitou 36 escritores brasileiros: de Adélia Prado a João Cabral de Melo Neto, de
Haroldo de Campos a Lygia Fagundes Telles, de Ariano Suassuna a Paulo Lins. Além de colher
seus depoimentos, o fotografo captou detalhes dos ambientes de trabalho onde esses escritores
literários produzem suas obras e realizam seus sonhos, desejos, onde projetam na tela do
computador ou na folha branca de papel seus inconscientes, seus imaginários. O citado autor
penetrou no território de suas bibliotecas, na maioria dos casos uma desorganização ou um caos
para os leigos e leitores e compôs um retrato sensível de cada um deles. Chiodetto (2002)
apresenta os registros de espaços físicos e psicológicos, que certamente os ultrapassam as
fronteiras da mente humana, do imaginário humano, dos olhares sem fronteiras e sem limites no
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horizonte utópico da realidade humana. Quando falamos sobre o sentido do trabalho para os
escritores literários, estamos fazendo uma pergunta: Qual é o lugar do escritor? Qual o lugar em
nossa mente, no coletivo social, na história, na subjetividade humana?
O processo de sublimação ficou evidente nos depoimentos dos escritores, que consideram que a
obra literária transita pelo mundo do desejo, da subjetividade e nem sempre o escritor se
preocupa com a solução dos conflitos humanos, pelo contrário muitas das vezes escancara os
conflitos, desnuda, o que provoca reações da critica.
Conclusões
O texto abordou o trabalho do escritor literário a partir da psicodinâmica do trabalho. O trabalho
literário é uma forma de arte e parte do processo criativo O uso deste processo pode possibilitar a
superação (ainda que parcial ) da alienação e promover a emancipação. O reconhecimento do
artista no resultado de seu próprio trabalho permite sua identificação com sua obra, podendo
ainda significar autonomia e resistência ao sofrimento.
Concluindo, o escritor literário trabalha e muito, normalmente não tem contrato de trabalho, não
tem limites de horas, nem garantias de salário ou lucros, mas vive do sonho, da ilusão, da utopia,
nas crenças do seu imaginário, do fugaz que o alimenta e o satisfaz nesse mundo tão difícil de ser
decodificado, que é o mundo da arte, que pode causar prazer e sofrimento para quem trabalha e
também para quem lê afinal autor e leitor criam uma relação simbiótica.
Uma característica desse profissional é sua individualização, se constituindo como quase
impossível pensarmos em um espaço de discussão coletivo sobre seu trabalho, salvo nos
encontros esparsos de instituições como a UBE –União Brasileira de Escritores.
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Introdução
O trabalho artístico no Brasil estrutura-se em grande parte por meio da exploração dos
trabalhadores artistas, que, por escolha, buscam no trabalho artístico a própria identidade, e
possibilidade de autonomia e emancipação. A remuneração da maioria dos artistas muitas vezes
é insuficiente para a garantia de uma vida digna. Portanto, para manter um padrão sócio-
econômico satisfatório, muitos artistas são obrigados a ter uma dupla jornada de trabalho: uma
que possibilite sua subsistência, e outra para sua realização como artista (Magaldi, 2006).
Hoje, o teatro mundial tem, graças aos meios de comunicação, uma platéia ilimitada. E, ao
menos em países mais ricos, os profissionais passam por uma relativa valorização (financeira e
simbólica) do seu trabalho como artista.
A gênese histórica do teatro no Brasil data do século XVII, com a representação dos índios, em
que o teatro catequético dos jesuítas, e os nativos e portugueses precisavam enfrentar os
invasores de França e Holanda (Magaldi, 2004).
A luta pelo fim da abolição deu ênfase ao teatro brasileiro. No decênio de 1880, tornou-se
comum os espetáculos cuja renda devia reverter na alforria de um escravo (Guinsburg, 2006).
A virada do século XX trouxe algumas produções já marcadas pela modernidade que se verifica
na literatura. Alguns autores se tornam famosos principalmente no Rio de Janeiro (Cattalo,
2007).
No teatro há inúmeras funções exercidas pelos trabalhadores, dentre elas: diretor, figurinista,
camareiro, câmara, assistentes em geral; bilheteiros, maquiador, cabeleireiro, e o próprio ator de
teatro (Heliodora, 2008).
A profissão de ator demorou séculos para ser respeitada e aceita. No Brasil, a profissão é
regulamentada pela Classificação Brasileira de Ocupações, com o número 2625-05, se
constituindo formalmente como tal. Apesar disso, as representações sociais ligadas aos artistas
(incluindo os de teatro) têm nuances de preconceito, desvalorização e exclusão social do
mercado de trabalho. (Oliveira, 2008).
“Ator é um instrumentista que usa como instrumento o próprio corpo. Voz, expressão, autoridade
cênica, tudo ele conjuga para alimentar o público”(Magaldi, 2006, p.24). É uma criação mediada
pelo corpo humano; sendo assim, diferenciada das demais, pois o ator é incumbido de corporizar
(dar cor e voz), fiscalizar (em atitudes, gestões, posturas, ações), de representar (em linguagem
teatral) a interface entre o épico e o dramático. Neste ato, o ator tem seu temperamento, talento e
aptidão revelados, pelo simples fato de não ter metamorfose completa no papel que representa.
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Método
O Método sugerido por Dejours e Bèngue (2009), é composto de algumas etapas como: a pré
pesquisa, onde os trabalhadores devem querer participar voluntariamente. A pesquisa
propriamente dita que subdivide em quatro momentos, análise da demanda, análise do material
de pesquisa, observação clínica e interpretação.
análise discursiva. Houve entrevistas coletiva para devolução e validação dos dados e a
posterior constituição de um espaço de discussão coletiva.
Resultados
Os resultados da pesquisa realizados com os artistas de teatro foram analisados considerando-se
as seguintes categorias de identidade profissional e arte; organização do trabalho; condições de
trabalho; prazer e sofrimento no trabalho e estratégia de enfrentamento.
Categoria 1: Identidade profissional e arte: Por tratar de um grupo de trabalho, não existe um
regime de contrato de trabalho, nem carteira assinada, nem salário fixo, existe o cachê recebido
nas apresentações. Porém, os trabalhadores sentem-se livres para criar, acreditam no trabalho que
fazem.
Ator: Fala de sua identidade profissional: “Eu acho assim, primeiro o ator, na minha visão de
mundo é uma pessoa que trabalha, mesmo sabendo que vai ganhar pouco ou não vai ganhar
nada, mas trabalha com a diversão do outro, com o lazer da outra pessoa, então a gente passa
meses ensaiando, editando, para aprimorar tecnicamente pra ter o lazer da outra pessoa, então eu
acho que é um trabalho que ele é difícil, mas também é muito gratificante, é muito divertido, a
gente ganha pouco, mas se diverte.”
Mesmo que o trabalho no trabalho seja cansativo, o horário de trabalho não sendo suficiente para
executar todas as atividades, o valor que percebem segundo os entrevistados não é suficiente,
mesmo assim, os trabalhadores do grupo de teatro estão neste grupo porque acreditam.
Categoria 2: Organização do trabalho: Na organização do trabalho, que compreende a divisão
do trabalho, a descrição de cargos bem como a “divisão de tarefas entre os trabalhadores,
repartição, cadência e, enfim, o modo operatório prescrito e a divisão das pessoas: repartição das
responsabilidades, hierarquia, comando, controle, etc” (Dejours, 1994, p.125).
Percebe-se que no grupo há a divisão do trabalho, conforme habilidades, experiências, afinidade
estética com a peça ou personagem.
Ator: “O trabalho é dividido, bem dividido, e não há cargos, não tem ninguém que tenha cargo
tal, cargo “X” ou cargo “Y”. Na organização do grupo, a gente sempre ta buscando se reunir e
dividir as tarefas, quanto às possibilidades reais de cada um, agora é claro que existem pessoas
que tem mais experiência e que de uma certa forma não só dirigem como também orientam e
acabam assumindo alguma atividade que outros não assumem, mas na medida do possível, a
gente procura fazer com que todas as pessoas assumam por igual às responsabilidades cm o
grupo.”
Há dois tipos de organização do trabalho, aquela em que o trabalho é prescrito (normas e
procedimentos) e aquela que o trabalho é real, a função do trabalho real é dar vida a estas normas
e procedimentos. Segundo o autor há um distanciamento entre as organizações do trabalho
prescrito e o trabalho real. O desafio para a psicodinâmica é agir sobre o real. (Dejours, 1994).
Categoria 3: Condições de trabalho: Quanto às condições de trabalho, no que se refere à
iluminação, ruídos, temperatura, higiene e maquinas e equipamentos, os participantes da
pesquisa não se queixaram, uma vez que, o teatro tem ar condicionado, iluminação adequada de
acordo com a peça que estão ensaiando, o espaço é adequado e é o único grupo de teatro que
possui uma sede própria para os ensaios o que os fazem se sentir privilegiados.
Ator: “tem ar condicionado dentro do teatro, espaço adequado, pois o lugar é: limpo, arejado,
acolhedor, gostoso, iluminação, temperatura, ventilação e higiene adequados.”
Categoria 4: Prazer no trabalho: Quando questionado sobre o significado do trabalho para os
artistas, o grupo respondeu que acreditam no trabalho do teatro, como solução da vida, solução
para o ser humano, a arte e o teatro é especial. Gostam do encontro com o público, do trabalho
em equipe, há liberdade e autonomia para o trabalho. Entram em um consenso para saber qual o
próximo trabalho que querem fazer.
Ator: “O Meu trabalho para mim significa assim, é uma coisa que me movimenta realmente me
dá vontade de fazer as coisa me dá o animo de viver porque eu acho assim, que é um trabalho
muito dinâmico, que eu tenho que correr atrás, tem desafios porque em uma peça que vou fazer
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Eu tenho que achar este personagem, então é assim é um trabalho é o lance de que quebrar a
cabeça então será que eu vou dar conta de fazer ou não e eu gosto disto. “
Ator: “Tudo, significa tudo, sabe, porque , é isso, o trabalho que eu faço, não só aqui também,
mas eu acredito de verdade, sou super romântica, que o mundo pode ser um lugar muito melhor
pra se viver e é isso que me move a fazer estas coisas, e é isso que me move (é o que mais você
gosta no seu trabalho?) é o que mais eu gosto, e também a gente acaba atingindo as pessoas por
uma outra via que é aqui sabe, que a via da emoção, não trem racional, não tem melhor e pior,
então isso pra mim, eu acho extremamente instigante, porque a gente consegue chegar lá, através
da emoção, quem é que consegue fazer isso?”
Pode se considerar com principais componentes mais evidentes para o trabalho como vivências
de prazer, satisfação concretas e simbólicas, vivências coletivas e individuais, conteúdo do
trabalho, reconhecimento, cultura, liberdade e autonomia (Santos, 2008).
Categoria 5: Sofrimento no trabalho e estratégia de enfrentamento: Quanto a preparação para ser
artista de teatro, todos se sentem preparados para executar a função, porém, alguns com maior
experiência de teatro que outros. A maior dificuldade encontrada pelos artistas de teatro é a
remuneração, ou seja, a falta dela. O sofrimento para o artista é as vezes passar meses sem
apresentar nada, por falta de patrocínio ou verba para montar uma peça.
Ator: “As dificuldades que eu tenho no trabalho, são basicamente a falta de recursos, pra poder
trabalhar mais em função apenas do “fazer teatral”, só, porque hoje em dia, a gente não trabalha
só em função de montar os espetáculos ou apresentar técnicas, ou nos capacitar para o trabalho,
todas as pessoas do grupo tem uma atividade paralela, por mais que estas atividades paralelas
seja dar aulas de teatro, mas é uma atividade paralela, então teria que ter esta possibilidade,
talvez se ela existir, se você me perguntar de novo, exista uma outra, mas eu acho que essa é a
principal agora.”
Quanto perguntado como o artista reage em situações difíceis, eles responderam que reage
tentando achar uma solução, que não precise perder aquilo que é bom, podendo criar.
Ator: “Eu procuro, na medida do possível, reconhecer o que está sendo demais, o que esta
passando, procuro ouvir quando as pessoas me dizem, “olha você esta indo demais por este lado,
ou você esta sobrecarregado ou deixa eu te ajudar”, eu procuro isso, antes eu não era assim, eu
fazia tudo que tinha que fazer, tudo eu fazia, tudo que era pra mim fazer eu fazer eu fazia, sem
reclamar e sem pedir ajuda, às vezes até me sobrecarregando muito, hoje eu estou tentando
dividir mais as coisas com as pessoas.”
Como indicador de vivências de sofrimento há uma sobrecarga de excesso de trabalho, como há
um acúmulo de funções, como: montar espetáculos, apresentar técnicas, ensaio, além de que
todos são também professores, ou seja, exerce uma atividade paralela ao de ator. Isso tudo gera
cansaço físico, mental, com medo de fracassar na realização da tarefa, insatisfação geral.
Ator: “Sim, me sinto às vezes, Eu procuro, na medida do possível, reconhecer o que está sendo
demais, o que esta passando, procuro ouvir quando as pessoas me dizem, “olha você esta indo
demais por este lado, ou você esta sobrecarregado ou deixa eu te ajudar”, eu procuro isso, antes
eu não era assim, eu fazia tudo que tinha que fazer, tudo eu fazia, tudo que era pra mim fazer eu
fazer eu fazia, sem reclamar e sem pedir ajuda, às vezes até me sobrecarregando muito, hoje eu
estou tentando dividir mais as coisas com as pessoas.”
“sofrimento dos que temem não satisfazer, não estar à altura das imposições da organização do
trabalho” (Dejours, 1999, p.28). São as normas e procedimentos, horários rígidos, ritmo
acelerado, de formação, de informação, de aprendizagem, de nível de instrução e de diploma, de
experiência, de rapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos e de adaptação à
“cultura” ou à ideologia da empresa, às exigências do mercado, às relações com os clientes, os
particulares ou o público, dentre outros.
Discussão
Na categoria 1: Identidade profissional e arte, no teatro, a organização do trabalho é
relativamente livre, pois existe certa autonomia, porém há mesmo que informalmente regras e
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
normas da empresa, tais como horários de ensaio e apresentações. As relações de trabalho são
mantidas de forma amigável, entre os componentes do grupo são respeitados pelo fato de uns
terem mais experiência que outros.
Categoria 2: Organização do trabalho, pesquisas mostram que em algumas organizações há
uma rigidez hierárquica, horários fixos, controle e trabalhos repetitivos, como afirma os
trabalhadores do shopping (Tomazini, 2010). Já para a organização circence o trabalho é
relativamente livre e variado, há divisão de trabalho, horários flexíveis (Brasileiro, 2008).
Para os trabalhadores do teatro percebe-se que há divisão dos trabalhos, baseados na experiência,
habilidades e competência de cada ator para desempenhar seu papel.
Categoria 3: Condições do trabalho: As análises feitas evidenciam o teatro como uma empresa
que, em seu contexto, é caracterizada por condições de trabalho semelhantes a organizações de
outras áreas, como o circo, o clube esportivo. E nesta pesquisa evidenciou que os trabalhadores
da companhia pesquisada estão satisfeitos com as condições de trabalho ali oferecidas. As
condições de trabalho mostram-se satisfatórias, proporcionando aos trabalhadores do teatro
segurança e estabilidade.
Comparado com a pesquisa efetuada com os jogadores de futebol, mostra que no clube as
condições de trabalho são boas, proporcionado aos jogadores possibilidade de ascensão
profissional, funcionando como uma “vitrine” (Silva, 2010).
Categoria 4: Prazer no trabalho: As vivências de prazer caracterizam, por tratar de um
trabalho onde há relacionamento entre os pares, coesão e integração da equipe. O relacionamento
com os colegas e com os superiores é feito com igualdade. Há reconhecimento por parte da
equipe, do público, da sociedade e estes fatores, faz com que o trabalho seja prazeroso.
Destaca-se que a obtenção do prazer está diretamente ligada às condições do trabalho, no qual se
englobam desde os relacionamentos interpessoais até o reconhecimentos o reconhecimento pelo
trabalho prestado.
Pode se considerar como principais componentes mais evidentes para o trabalho como vivências
de prazer, satisfação concretas e simbólicas, vivências coletivas e individuais, conteúdo do
trabalho, reconhecimento, cultura, liberdade e autonomia, que juntos formam um conjunto de
fatores extremamente positivos, como é o caso dos bailarinos profissionais (Santos, 2008).
Categoria 5: : Sofrimento no trabalho e estratégia de enfrentamento: As vivências de
sofrimento aparecem associadas à excesso de trabalho, acúmulo de funções, exercer atividades
paralelas. (Ferreira & Mendes, 2001).
Pesquisas efetuada com um grupo de trabalhadores de um Shopping Center evidenciam
que as vivências de sofrimento surgem de algumas dificuldades encontradas como processos
burocráticos, responsabilidades do cargo, sobrecarga. (Tomazini, 2010).
No teatro, a organização do trabalho é relativamente livre, pois existe certa autonomia, porém há
mesmo que informalmente regras e normas da empresa, tais como horários de ensaio e
apresentações. As relações de trabalho são mantidas de forma amigável, entre os componentes
do grupo são respeitados pelo fato de uns terem mais experiência que outros. As condições de
trabalho mostram-se satisfatórias, proporcionando aos trabalhadores do teatro segurança e
estabilidade.
O Teatro e as organizações de entretenimento/lazer possuem características específicas da área.
Estes resultados podem ser observados em trabalhos que seguiram a mesma linha de pesquisa.
(Brasileiro, 2008) e (Santos, 2008).
Conclusões
A pesquisa está em construção e já foram realizadas as etapas de demanda, coleta e validação. Os
dados e as reações diante da entrevista devolutiva para validação, indicam a necessidade de
aprofundamento nas situações de trabalho (real e prescrito), com a companhia de teatro. Visando
criar a possibilidade de construir um espaço de discussão coletiva relacionado ao mesmo.
Esta pesquisa permitiu compreender o trabalho do artista de um grupo de teatro visando
responder ao problema de pesquisa e os objetivos propostos de investigar a percepção dos
71
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
artistas de teatro em relação ao seu trabalho no teatro. As análises feitas evidenciam o teatro
como uma empresa que, em seu contexto, é caracterizada por organização, relações e condições
de trabalho semelhantes a organizações de outras áreas. Entretanto, existem aspectos das
organizações ligadas aos trabalhadores do circo e uma companhia de dança contemporânea, que
são específicas da área de entretenimento e lazer. E, ainda, algumas características específicas da
arte no caso o teatro.
Nas sessões coletivas foram apresentadas as categorias estudadas da psicodinâmica do trabalho,
com destaque a posteriori para a fala dos profissionais. As sessões coletivas não tem como
propósito definir uma identidade para o grupo e sim expor a fotografia do momento. (Mendes,
Araújo & Merlo, 2011).
As entrevistas coletivas levaram a crer que haverá dificuldades para um espaço de discussão
coletiva relacionado a organização do trabalho, há espaço de discussões inerentes ao teatro ao
processo de criação, ensaio e apresentações dentre outras atividades para compor as peças
teatrais. Este espaço é limitado a obra artística de montagem dos espetáculos.
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Introdução
O trabalho artístico no Brasil estrutura-se em grande parte por meio da exploração dos
trabalhadores artistas, que, por escolha, buscam no trabalho artístico a própria identidade, e
possibilidade de autonomia e emancipação. Segundo Macêdo (2010), no próprio tipo de vínculo
de trabalho que as organizações têm com os artistas, predominam características que não
priorizam as necessidades dos mesmos. É comum o vínculo deles como autônomos, a percepção
de uma remuneração geralmente insuficiente para seu sustento, falta de políticas públicas que
garantam estabilidade e reconhecimento financeiro e simbólico da profissão de artista. É comum
ainda que muitos artistas, para manter um padrão sócio-econômico satisfatório têm uma dupla
jornada de trabalho: um que possibilite sua subsistência, e outro para sua realização como artista.
Na Arte, como em tantas outras coisas, não deveria haver separação entre prática e teoria. O
professor é o disseminador de ideias e conceitos das práticas artísticas, tecendo uma rede
inesgotável de possíveis relações. O papel do educador nas escolas é o de ser um agente
responsável por instigar olhares, provocar nos alunos o despertar não só do ser objetivo, mas
evidenciar também o ser subjetivo e repleto de sensações muitas vezes adormecido. Para isso, o
educador, além de um agente responsável, deve ser um agente sensível. Ele, o educador, também
deve posicionar-se de maneira clara, expor-se inteiro, sem camuflagem, para que a relação entre
educador e aluno seja sincera. Expressar-se, sentir-se, derivar sensivelmente, explorar percepções
são tarefas para todos, não apenas para os professores, os artistas e os alunos; também a escola
pode ser um lugar/espaço para a descoberta do ser sensível. Ela é um dos primeiros espaços
abertos para a sociabilização, além de ser a “responsável” pela educação coletiva. (Crispe &
Fávero, 2010)
A prática de ensino na área da arte-educação no contexto escolar atual está aberta, discute-se
sobre a sua importância e como, hoje, ela é a disciplina que deve pensar o “tudo” e o “todo”.
Exatamente essa abertura, que a alguns incomoda, faz da disciplina de arte na escola um espaço
de extrema importância, pois ela deve instigar o pensamento sobre o mundo, trazer conceitos e
teorias que fundamentam nossa presença no mundo. Para o desenvolvimento do presente estudo,
optamos pela abordagem da psicodinâmica do trabalho, tendo em vista o fato de seu método
possibilitar um acesso privilegiado à subjetividade dos professores de arte.
74
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Método
Optamos em seguir a recomendação de Dejours na utilização do discurso dos trabalhadores, que
indicaria o funcionamento da própria organização do trabalho a ser decodificado. Optou-se por
utilizar como técnica para a coleta de informações entrevistas semi-estruturadas individuais com
os professores/artistas em seu ambiente de trabalho, com a devida autorização e agendamento
prévio.
Como critérios básicos para inclusão: ser professor da escola de arte e ter mais de 18 anos.
Assim, participaram do estudo 7 (sete) professores de arte de uma escola privada localizada no
município de Goiânia com idade variando entre 25 e 52 anos; quatro eram do sexo masculino e
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
três do sexo feminino. De todos, quatro haviam cursado pós-graduação, além de curso superior
completo. E tinham de 18 meses a 30 anos de experiência como professores da escola de arte.
Resultados
Para a análise dos dados, partiu-se das categorias da psicodinâmica do trabalho acrescidas da
identidade profissional.
Categoria 1: Identidade Profissional
Ao falar sobre sua profissão, a maioria dos participantes respondeu que simultaneamente eram
professores de arte e que atuavam como artistas. Isso indica a importância de sua identidade
enquanto profissional de arte ou artista.
Categoria 2: Organização do Trabalho
Nessa categoria os professores explicaram como é o funcionamento de suas tarefas, como fazem
para trabalhar e qual o seu papel no processo. Foi mostrado o funcionamento interno entre os
professores e os alunos, que trabalhavam em conjunto. Em relação ao trabalho na escola, os
professores utilizaram de quatro elementos para descrever suas funções: teoria; técnica
específica; história de arte e sensibilização. Comentaram também que, além do papel de
professores (que é de ensinar a técnica), eles também têm a função de educar, suprir carências
afetivas, dar apoio emocional, e ainda trabalhar disciplina, concentração, postura e respiração.
Quando perguntados sobre a divisão das tarefas eles afirmaram que é feita em sintonia, sempre
ligando as modalidades ministradas com diversas áreas. A realização de suas atividades é bem
significativa para os professores, que com isso conseguem negociar principalmente com os
objetos das relações sociais que possuem em seu trabalho. Em relação ao salário, apenas um
participante afirmou que o considerava justo, de acordo com o mercado de trabalho. Os demais
indicaram que todos deveriam ganhar mais não só nessa escola, mas de um modo geral. Os
números de aulas e de alunos também compunham o valor do salário que iria ser recebido por
cada professor.
Categoria 3: Condições de trabalho
Os fatores que resultam em um bom ambiente de trabalho e que são fundamentais para um ótimo
desenvolvimento dos professores são: cumprimento das normas e regulamentos escola; horários
suficientes; hora-extra; pausa no trabalho; viagens e condições físicas do ambiente.
Os participantes relataram que as normas são fixas, porém há flexibilidade. Geralmente giram
em torno da pontualidade, organização e conservação dos materiais, prioridade para os alunos e
pais de alunos no atendimento na secretaria. Os participantes relatam que não havia folgas e que
as reuniões, ensaios e apresentações eram horas extras previstas para complementar as
atividades, mas que nem sempre eram pagas, muitas vezes compensadas. Falaram também que
quando haviam apresentações poderiam dispensar os alunos por um dia para o descanso. Os
ensaios eram geralmente bem cansativos e ocorriam aos finais de semana. As reuniões eram
semanais, no horário de almoço para fechar os conteúdos ministrados em sala.
As condições de trabalho foram divididas em categorias: iluminação, ruídos e barulhos,
temperatura e ventilação, higiene, manutenção dos equipamentos e os riscos de acidente,
avaliados por eles como satisfatórias.
Categoria 4: Relações de Trabalho
Os participantes falaram dos sentimentos em relação à escola, dos fatores que os levaram a
escolher trabalhar na escola e do seu relacionamento com os colegas de trabalho e com as
chefias. Quando perguntados sobre o que sentiam por trabalhar na escola, todos responderam que
gostavam. Palavras como: “gratificante, muito bom e orgulho” foram usadas por eles, porém o
mais importante para eles era que o trabalho na escola dava status. E sobre os relacionamentos
com os colegas de trabalho, todos afirmaram que era uma relação amistosa, tranquila,
comparando-os até com irmãos e família. E em relação aos chefes, avaliaram também como uma
relação amistosa, de confiança e tranquila.
A imagem da escola na cidade goza de bom conceito, e o fato de um professor trabalhar lá indica
que é um profissional diferenciado, de alto nível, e isso aos olhos da sociedade, indica “status”.
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
A maioria das vivências relatadas pelos participantes ao serem perguntados sobre o que sentiam
ao pensar em seu trabalho na escola estavam relacionados ao prazer. Destacaram a gratificação,
realização e liberdade. A maioria relatou que gostava do trabalho, dos alunos, e do fato de lidar
com arte e criatividade, apesar do cansaço, e às vezes das tristezas quando as coisas não saiam
como queriam.
Alguns professores trabalhavam em outros lugares, como outras escolas, a Orquestra Sinfônica,
tocavam em eventos e em restaurantes. A diferença entre esses lugares e a escola de arte era o
espaço físico, o respeito e o prazer pelo trabalho.
Categoria 5: Vivências de prazer no trabalho
As vivências de prazer no trabalho estavam relacionados com a confiança e o relacionamento dos
colegas e de seus superiores, no reconhecimento das pessoas em relação ao seu trabalho e na
liberdade e autonomia (mesmo que relativa) na hora de realizar o seu trabalho. Essas vivências
são únicas para cada pessoa e dependem da sua satisfação em relação aos desejos, da sua
subjetividade e das necessidades do corpo/mente. O prazer no trabalho só pode advir dos ganhos
obtidos no trabalho justamente registrado na construção da identidade e da realização de si
próprio.
Todos os participantes consideravam que seus trabalhos eram bem significativos para sua vida e
utilizaram palavras como valorização, prazer, gratificação, reconhecimento, vida, algo
fundamental e a sensação de realização, para demonstrar como vivenciavam prazer. Todos
afirmaram que sentiam um certo tipo de reconhecimento pelo seu trabalho, senão por todas as
pessoas pelo menos por parte de algumas, nem que fosse apenas no dia do recital, após as
apresentações. Um dos participantes disse que após os novos projetos do governo (ensinar arte
nas escolas, mais investimentos na arte, etc.) esse reconhecimento iria aumentar, validando desse
modo as características de vivências de prazer descritas por Mendes e Linhares (1996).
Em relação à autonomia e à liberdade pode-se afirmar que eles possuíam liberdade durante as
aulas, mas a autonomia era relativa; tinham liberdade para escolher técnica para ministrá-las ,
mas pouca autonomia para definir o conteúdo, como em qualquer outra escola.
Categoria 6 – Vivências de sofrimento em relação ao Trabalho
Pelos relatos dos participantes durante a coleta de informação, os sentimentos predominantes no
discurso foram: indignidade; inutilidade e desqualificação.
Apenas um participante informou que não sentia insegurança e medo de fracassar, os outros
afirmaram que sentiam pelo fator financeiro e pela carreira de professor, mas que em relação à
escola, todos se sentiam seguros em trabalhar lá.
Categoria 7: Estratégias de enfrentamento
Os trabalhadores criam certas estratégias para lidar e lutar contra o sofrimento advindo do
trabalho. Essas estratégias podem ser tanto individuais quanto coletivas, sendo mais eficazes as
coletivas pela cooperação. Nesta categoria buscou-se compreender como era a relação familiar e
o que faziam nas horas livres; como eles reagiam em situações difíceis e o que faziam quando se
sentiam pressionados e/ou sobrecarregados, como percebiam o cansaço e a fadiga; se
trabalhavam em outros lugares, além da escola de música; se possuíam planos para o futuro e os
aspectos ambientais de trabalho que deveriam sofrer mudanças para melhorar a qualidade de
vida; e por fim, se eles tinham algo a mais para mencionar.
Discussão
Quando os participantes afirmam que suas famílias não aprovavam seus trabalhos na escola e
passaram a admirar e a apoiar depois de conhecer, pode indicar que eles fizeram uma
transformação na organização do trabalho e auxiliaram as famílias a conhecer sua realidade de
trabalho. Dejours e Abdoucheli (1994) afirmam que os trabalhadores constroem procedimentos
que vão além da adaptação às pressões rígidas da organização do trabalho, e não englobam
apenas os aspectos cognitivos da inteligência, mas também aspectos afetivos e revela o interesse
dos trabalhadores pelo trabalho.
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Como várias das vivências de sofrimento encontradas no presente estudo também foram
detectadas em outros estudos envolvendo artistas, como os de Assis (2008), Brasileiro (2009),
Santos(2009),Tomazini (2009) e Macêdo (2010), faz-se necessário comentar sobre a importância
do desenvolvimento de três frentes de trabalho: a primeira, seria desenvolver políticas públicas
que venham melhorar condições de trabalho dos artistas no Brasil; a segunda se refere a uma
maior valorização e reconhecimento do trabalho artístico pela sociedade, e a terceira, seria criar
espaços públicos de discussão composto por trabalhadores, visando discutir de que modo seu
trabalho poderia ser melhor desenvolvido e aproveitado.
Quando os participantes informaram como eles percebiam o cansaço, a pressão e a sobrecarga do
trabalho eles falaram que era devido aos fatores físicos do próprio corpo; já quando os
participantes descreviam como eles reagiam nas situações difíceis eles falavam das defesas de
proteção, que podem ocorrer na forma de pensar, sentir e agir para compensar algum tipo de
sofrimento.
Como estratégia para lidar com os conflitos advindos do trabalho, os participantes relataram que
tentavam resolver levando na esportiva, quando não conseguiam, compartilhavam com a
coordenação e, mesmo que não concordassem com algumas orientações, se submetiam e
obedeciam. Um professor informou que sempre que possível ele tentava sair um pouco da rotina,
sair com os amigos, tomar um “chopinho”, visitar a família e quando dava, ia viajar. Uma
professora informou que ficava cansada e quando ela sentia angústia, ela orava. Os professores
que comentaram que sentiam cansaço fisico e mental o percebiam pelas falhas de memória,
erravam muito, a cabeça ficava cansada, sentiam irritabilidade, dores musculares, ficavam tensos
e cansados no final do dia.
Uma estratégia relatada por todos os participantes para lidar com a instabilidade advindo do
trabalho foi o fato de os professores terem de três a quatro atividades em outros locais. Alguns
davam aulas em outras escola, ou em casa, alguns participavam de grupos musicais e outros
tocavam em eventos. Isso indica que é quase um desafio sobreviver financeiramente com arte no
país.
Apenas dois professores informaram que não precisavam fazer mudanças nos aspectos
ambientais para melhorar a qualidade de vida no trabalho. Os outros disseram que o que poderia
mudar o espaço externo; a iluminação à noite; poderia fazer um estacionamento; deixar os
professores fazerem as aulas mais descontraídas (“quebrar” um pouco a seriedade nas aulas) e
por último colocar palco nas salas de teatro (parecer como se fosse um mini teatro dentro da
sala).
O quadro a seguir demonstra as vantagens e as desvantagens de se trabalhar na escola.
Sofrimento profissional);
No Trabalho - divulgação de eventos (mídia);
- liberdade.
Fonte: Elaborado pelas autoras
Nenhuma atividade está isenta de propiciar satisfação ou desgaste físico e mental. Mas, na
dependência de fatores decorrentes de sua própria natureza, de sua forma de organização e de
condições de realização, a satisfação ou o desgaste físico e mental pode estar presente em maior
ou menor grau.( Lima Júnior & Ésther, 2001).
Lancman & Heloani (2004) ressaltam que a ação no mundo do trabalho não pode ser avaliada
somente no tocante às bases dos efeitos materiais dessa ação. As modificações materiais e
instrumentais conduzem a uma transformação da tarefa e a uma mudança significativa da
atividade que melhoram a eficácia do sistema, mas que apresentam novos impasses.
Conclusões
O objetivo geral foi investigar como os professores de uma escola de artes vivenciavam seu
trabalho. A demanda surgiu de um interesse das pesquisadoras, que convidaram a escola para
participar como campo de coleta de dados. O método utilizado foi adequado, apesar de algumas
limitações. Como limitações do estudo, deve-se ressaltar que a psicodinâmica do trabalho foi
utilizada como norteadora para as categorias de análise, porém não se trata de uma pesquisa em
psicodinâmica do trabalho stricto sensu, uma vez que não foi possível criar um espaço de
discussão coletiva com os professores nem fazer intervenções com o grupo e aprofundar o
conhecimento acerca de sua mobilização coletiva. Os dados foram devolvidos e validados em
duas reuniões realizadas com a presença dos pesquisadores e dos participantes. No entanto,
devido às características da escola e o pouco tempo disponível dos participantes, não foi possível
se constituir um espaço de discussão coletiva desses trabalhadores em relação ao seu trabalho.
O professor de arte cria estratégias múltiplas e dialoga com várias linguagens, com várias
matérias, com a vida. Não separa, não estabelece disciplinas ditadoras, não se sobrepõe a
ninguém. Exatamente essa possibilidade – trabalhar com um campo tão vasto e cheio de detalhes
e surpresas que é a Arte – é que torna o professor de artes um criador. Mesmo estando em um
contexto (ementa) a ser trabalhado, as suas possibilidades de conexão são inesgotáveis. Os
caminhos a seguir incluem a afetividade, primeiramente o afeto por si mesmo, pelo que faz
trabalhando e pelas pessoas para e com quem interage. Cada professor pode, inicialmente, tentar
mostrar que os conteúdos que ensina não estão isolados, mas relacionados de algum modo com
tudo o mais que o aluno aprende na escola, incluindo aspectos de sua própria vida. Crispe &
Fávero (2010)
Pode-se concluir que professores da escola pesquisada vivenciam a organização do trabalho com
algumas críticas, tendo que se adaptar á ela para que o trabalho possa ser realizado. Para isso,
vivenciam prazer e sofrimento, e utilizam estratégias de enfrentamento para lidar com os
sofrimentos e dificuldades advindas do seu trabalho na escola.
Referências
Assis, D. T. F. e Macêdo, K. B. (2009). O trabalho de músicos de uma banda de blues, sob o
olhar da psicodinâmica do trabalho. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em
Psicologia. Universidade Católica de Goiás. Goiânia, GO.
Brasileiro, J. E. (2008) A Vida no circo: relações e sentidos do trabalho. Dissertação de
mestrado. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Católica de Goiás. Goiânia,
GO.
Crispe, Juliana & Fávero, Sandra Maria. A cartografia do professor-artista e a arte do ver sem
fim. In: Macêdo, Kátia B. (org.) O trabalho de quem faz arte e diverte os outros. Goiânia:
Editora da PUCGO, 2010.
Dejours, C. (1999). A loucura do trabalho. São Paulo, SP: Cortez.
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SC-04
O propósito dessa sessão coordenada é apresentar uma pesquisa desenvolvida no Polo Industrial
de Manaus, que teve como objetivo compreender os processos subjetivos mobilizados no
trabalho com automação, a partir do referencial teórico da Psicodinâmica do Trabalho. Partiu-se
da análise da descrição da organização de trabalho nas áreas de inserção automática, focalizando
seus desdobramentos sobre as vivências de prazer-sofrimento, defesas, enfrentamento do
sofrimento, mediações para a saúde ou doenças. Utilizou-se a abordagem qualitativa, adequada
ao estudo da subjetividade. Participaram trinta e quatro operadores de sete diferentes empresas
de diversos segmentos do Polo Industrial de Manaus. A análise de dados fez-se com uma
adaptação da sistemática de análise da Grounded Theory. A fala dos operadores foi a principal
fonte de dados, coletados em entrevistas individuais. Os resultados apontaram para uma
organização de trabalho marcada por prescrições rígidas, reduzida autonomia, pressão por metas
e por qualidade, gerando sobrecarga e tensão, referidos como agravantes do sofrimento. As
defesas identificadas enfatizam a negação do adoecimento, a racionalização, a negação do
sofrimento e a resignação. O reconhecimento é pouco presente, o que dificulta a transformação
do sofrimento. O prazer no trabalho apareceu na dinâmica das relações entre os pares, na
obtenção de novos conhecimentos e no bom desempenho da função. A cooperação entre os pares
e com os superiores foi a principal estratégia de enfrentamento do sofrimento utilizada na busca
da solução de problemas. Quando se esgotam as estratégias de defesa e de enfrentamento,
manifestam-se as patologias; identificaram se as de sobrecarga (LER/DORT), sendo ainda
mencionados riscos de acidentes. Pesquisas dessa natureza são relevantes porque desmistificam o
discurso do fim do sofrimento no trabalho a partir da automação, indicando que o sofrimento e
os riscos continuam presentes e possivelmente se encontram agravados face ao aumento da
pressão por qualidade e produtividade.
Pesquisa financiada pelo CNPq.
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Introdução
O interesse pelo estudo da subjetividade no Polo Industrial de Manaus - PIM partiu de uma
pesquisa desenvolvida pela autora como tese de doutoramento, que abordou o prazer-sofrimento
no trabalho com automação em empresas japonesas do segmento eletro-eletrônico no Polo
Industrial de Manaus. Nessa pesquisa identificou-se que, a partir da intensificação da automação,
os processos subjetivos implicados na gestão da qualidade tornaram-se ainda mais evidentes. A
preocupação com a “qualidade total” se destacou como categoria central, modulando a vivência
de prazer-sofrimento no trabalho. Assim, na busca da obtenção da inacessível “qualidade total”,
as vivências de sofrimento se intensificam com o medo de errar, decorrente da pressão por
produtividade com qualidade. O prazer, por sua vez, foi associado à realização de um trabalho
sem erros (Moraes, 2010).
De forma mais ampla, a análise dos processos subjetivos mobilizados no trabalho com
automação em empresas japonesas no PIM, mostrou importantes aspectos: o prazer no trabalho
na seção de automação provém da identificação com a tarefa de operar máquinas, de alta
tecnologia, sem cometer erros; aprender mais e dominar a “tecnologia de ponta” é uma fonte de
mobilização subjetiva. O sofrimento decorre principalmente da sobrecarga de trabalho,
considerado mal remunerado, realizado sob intensa pressão por “qualidade” (Moraes, 2010).
A partir destas considerações, surgiu o interesse em ampliar as pesquisas acerca de processos
subjetivos implicados no trabalho com automação no PIM, motivado pela seguinte questão:
seriam esses achados específicos ao trabalho com automação em empresas de origem japonesa?
Haveria elementos específicos por se tratar do segmento eletro-eletrônico? A pesquisa ora
apresentada teve como meta aprofundar essa investigação, ampliando o número de empresas e de
trabalhadores, diversificando os segmentos e buscando o aprofundamento na análise
psicodinâmica do trabalhar no ambiente de inserção automática.
Como referencial teórico, assim como na pesquisa precursora desta (Moraes, utilizou-se a
psicodinâmica do trabalho, segundo Dejours (2001; 2008a; 2007). Atualmente essa abordagem
se encontra consolidada, como fruto do intercâmbio de três décadas entre diversos campos de
conhecimento, dentre os quais se destacam a psicanálise, a ergonomia, a sociologia e a filosofia.
A psicodinâmica se mantém aberta ao diálogo interdisciplinar e articulada às demandas recentes
do mundo da produção, dentre as quais se destaca a análise das patologias sociais relacionadas às
novas formas de organização do trabalho, decorrentes da acumulação flexível do capital
(Dejours, 2007; Mendes, 2007).
Christophe Dejours (2001; 2008a; 2007), fundador e propagador da psicodinâmica do trabalho,
postula que essa abordagem deve ser definida, preliminarmente, como uma clínica voltada para a
análise dos mobilizadores sociais do sujeito frente ao trabalho, do prazer no trabalho, do
sofrimento e das defesas, das patologias e da busca da saúde.
Situando a automação no PIM, observa-se que na década de 90 ocorreu a ampliação de
investimentos em aquisição de máquinas de inserção automática, como parte relevante do
processo de reestruturação produtiva. Essa se fez acompanhar por um discurso de redução do
sofrimento no trabalho a partir da adoção de maquinário, caudatário da tese do “fim do trabalho”.
Contrariando esse discurso, os dados empíricos mostram que, na última década, ocorreu a
redução dos salários e a intensificação do trabalho, a despeito do aumento de exigências de
qualificação aos trabalhadores e trabalhadoras (Moraes, 2010).
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Método
Elegeu-se a abordagem qualitativa, que se volta para a compreensão dos fenômenos sociais e
para o aprofundamento de seu significado e está em consonância com a abordagem dejouriana
(Dejours, 2008b).
Dejours (2008a; 2008b) propõe, além de uma teoria do sujeito fundada no trabalho, um método
específico, a clínica do trabalho, caracterizada por seu autor como pesquisa e ação. Na
metodologia dejouriana strictu sensu a demanda parte dos sujeitos e a coleta de dados é realizada
em diversas entrevistas grupais, onde também acontece o processo de validação dos resultados
(Mendes, Araújo & Merlo, 2011).
Na realidade da organização de trabalho nas áreas de inserção automática, caracterizada por
trabalho em turnos, marcado por sobrecarga, não foi possível realizar entrevistas coletivas. Além
disso, a demanda pela pesquisa partiu dos pesquisadores. Nestes termos, o instrumento de coleta
de dados foi uma entrevista individual.
Como técnica de análise, optou-se por adotar a sistemática de análise de dados da Análise de
Teoria Fundamentada - ATF (Grounded Theory), que foi utilizada pela coordenadora da
pesquisa em sua tese de doutorado (Moraes, 2010), da qual a presente pesquisa é uma expansão e
aprofundamento.
A Análise de Teoria Fundamentada - ATF, também chamada de Método de Comparação
Constante - MCC, foi criada por Glaser e Strauss em 1965. Atualmente a ATF serve de
inspiração para diversos pesquisadores que realizam adaptações (López & Scandroglio, 2007).
Embora esse método possibilite a criação de uma nova teoria acerca de um fenômeno social, esse
não é o objetivo dessa pesquisa, que utiliza um referencial teórico consistente e consolidado, o
dejouriano. Do MCC utilizou-se apenas uma parte – a sistemática de análise-, para articular as
respostas individuais e alcançar os eixos de análise.
A sistemática de análise a Teoria Fundamentada foi sintetizada por Moraes (2010, p. 166) da
seguinte maneira:
A sistemática da Teoria Fundamentada se destina a estruturar a informação, com vistas à
descoberta de elementos comuns nas diferentes entrevistas, utilizando inicialmente uma
codificação aberta. A etapa seguinte consiste na construção de categorias e subcategorias
(condições, interações, estratégias), que conduz ao delineamento dos eixos de análise. O
refinamento do processo possibilita a identificação e análise de uma categoria central, que
permita desenvolver uma teoria a respeito de determinado fenômeno social.
A Grounded Theory está sendo utilizada por um grupo de pesquisadores da Universidade
Autônoma de Madrid - UAM, que estabeleceu um intercâmbio com a Universidade Federal do
Amazonas; esses pesquisadores atuaram como consultores internacionais da presente pesquisa.
Instrumentos
Utilizou-se como instrumento de pesquisa a entrevista individual semi-estrutura com roteiro
previamente elaborado. As questões do roteiro referiram-se às seguintes categorias: organização
do trabalho, autonomia, prazer, reconhecimento, sofrimento, estratégias defensivas e de
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
enfrentamento. Oportunizou-se ainda aos trabalhadores a fala sobre algo mais que desejassem
falar.
Participantes
Foram entrevistados 34 (trinta e quatro) operadores de sete empresas, tendo seis empresas
contado com cinco informantes cada, e, uma empresa com quatro informantes. Os entrevistados
foram escolhidos dentro da maior diversidade possível quanto ao tempo de serviço na função e
indicados pelos superiores hierárquicos conforme a disponibilidade de tempo e possibilidade de
liberação de cada um no momento da entrevista.
No sentido de preservar em sigilo a identidade dos participantes e das empresas, lhes foram
atribuídos codinomes; aos entrevistados foram escolhidos “nomes de santos”; para as empresas,
nomes de letras do alfabeto grego.
Dos 34 participantes 65% (ou seja, 22 trabalhadores) são do sexo masculino. A média de idade
entre os participantes é de 29,7 anos aproximadamente. No que diz respeito ao estado civil 50%
dos entrevistados informaram serem casados, equivalente a 17 pessoas, 44% solteiros (15
pessoas) e 6% divorciados (2 pessoas).
Quanto à escolaridade 91% dos entrevistados possuíam o Ensino Médio Completo, 6% têm
Ensino Superior Completo, e uma pessoa, Ensino Fundamental Incompleto. Dentre os
entrevistados, o menor salário foi de um salário mínimo e o maior foi aproximadamente dois
salários mínimos.
Procedimentos
A coleta de dados: foi realizada a partir de uma entrevista individual semi-estruturada, gravada
em áudio mediante autorização dos participantes que assinaram o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido - TCLE.
As entrevistas foram realizadas com trabalhadores dos primeiro e segundo turnos e do horário
comercial, compreendendo uma jornada de trabalho de 06:00 h às 22:00 h.
A análise dos dados: foi iniciada pela transcrição das entrevistas e uma pré-análise.
Posteriormente realizou-se a comparação das empresas entre si. Iniciou-se pela estruturação de
uma matriz para cada empresa, composta da síntese das respostas de cada categoria, organizada a
partir da comparação constante. No momento seguinte partiu-se das matrizes para o refinamento
da análise, em que ocorreu a releitura das entrevistas e a validação da análise pelo coletivo de
pesquisa, composto pela equipe de pesquisadores, integrantes do Laboratório de Psicodinâmica
do Trabalho da UFAM.
As categorias foram comparadas entre si, conduzindo aos eixos de análise. Por fim realizou-se a
articulação dos dados empíricos com o referencial teórico, construindo a validação teórica.
Resultado e discussão
A organização do trabalho caracteriza-se por situações de tensão, cobranças com uma rotina de
verificações e procedimentos, assim como prescrições, conferências de parâmetros, incluindo
exigências cada vez maiores no cumprimento de seus prazos. Neste cotidiano se apresenta uma
organização do trabalho, “engessada” por normas, trabalho prescrito e rígido com uma rotina de
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trabalho que se distancia cada vez mais do real do trabalho, tendo em vista, os improvisos
recorrentes, tensões em prazos que propiciam burlar normas e rotinas para o alcance de metas e
até mesmo a exigência questionável da padronização. Diante de adversidades como estas,
Dejours (1997) questiona: qual é o lugar do sujeito no trabalho e de que liberdade ele dispõe para
elaborar um compromisso nos conflitos que surgem no confronto de sua personalidade e de seu
desejo com a organização do trabalho?
Essa rigidez da organização do trabalho parece impor limites à autonomia dos trabalhadores.
Assim, a autonomia não aparece explicitamente na fala da maioria dos trabalhadores - no sentido
compreendido pela psicodinâmica do trabalho. Entretanto, é possível encontrar alguns sinais que
apontam para a sua existência nas relações de trabalho dos operadores das empresas em questão.
Dessa forma, a autonomia enquanto instrumento que propicie ao homem uma forma de gestão do
trabalho pelo trabalhador, e não uma tentativa de sujeição do homem à organização do trabalho
como ocorre com maior freqüência, ainda não é vivenciada plenamente pelos trabalhadores.
A dificuldade das empresas em favorecer a autonomia aos trabalhadores, talvez, esteja associada
ao entendimento de que essa prejudicaria a execução das tarefas e diminuiria o poder dos
superiores sobre os operários, o que parece contraditório, pois, à medida em que o operador
passa a ter consciência clara do saber- fazer, pode encontrar meios de melhorar a produção e sua
qualificação no trabalho. Nota-se a importância de haver mais confiança no trabalhador no
que se refere à execução das tarefas e à escuta sobre o saber- fazer. Visto que, o funcionário ao
executar as tarefas no seu dia - a - dia, aprimora seu conhecimento no manejo com a máquina,
podendo encontrar outra forma de execução mais eficaz.
A rigidez da organização do trabalho e consequente limitações à autonomia, associada à
insuficiente qualificação dos trabalhadores, tem contribuído para intensificação do sofrimento de
trabalhadores do PIM.
Quantos aos agravantes do sofrimento, destacam-se alguns elementos, comuns nas respostas dos
trabalhadores das sete empresas pesquisadas: sobrecarga de trabalho, cobrança excessiva e
pressão por metas e por qualidade, intensificando o medo de errar, agravando a tensão e
conduzindo ao adoecimento.
Sob a justificativa de alcançar as metas de produção, as chefias usam autoritarismo, coação,
violência verbal; entre os pares há competição, fofocas e intrigas. E mesmo nas seções de
inserção automática consideradas de alta concentração tecnológica, ainda persiste o trabalho
penoso.
Os agravantes do sofrimento aparecem de forma destacada e as situações que favorecem a
transformação do sofrimento, como o reconhecimento, mostram-se pouco presentes.
Quanto ao reconhecimento, tanto os elogios por parte da chefia e companheiros de linha, como
também o salário, se mostraram fatores fundamentais para a mobilização dos sujeitos da
pesquisa. No entanto, os baixos salários aparecem de forma recorrente no discurso dos
trabalhadores, estando associados à percepção de desvalorização do seu trabalho.
Diante do sofrimento os trabalhadores têm desenvolvido estratégias defensivas individuais e
coletivas, em especial a racionalização, a negação do sofrimento e a resignação. Estas estratégias
dificultam a luta contra as pressões da organização e conseqüentemente a transformação da
realidade de trabalho. Implicam, portanto, em adaptação e consequentemente atendem mais ao
interesses organizacionais que aos trabalhadores.
Por outro lado, os operadores também têm desenvolvido estratégias de enfrentamento, como a
busca por cooperação por parte dos pares ou superiores quando precisam solucionar problemas.
Recorrem e reconhecem, assim, a importância da cooperação.
Quando as estratégias defensivas e de enfrentamento não se fazem presentes ou são ineficazes,
os trabalhadores apresentam sinais, sintomas, formas de adoecimento e manifestações
psicossomáticas.
As principais patologias que acometem os operadores são as patologias de sobrecarga, em
especial LER/DORTs, sendo os principais sinais, sintomas e adoecimentos: o cansaço;
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esgotamento físico; dores musculares, em especial nas pernas e nos ombros; afecções na coluna e
no ombro; bursite e nódulos de tendinite.
Além das patologias de sobrecarga foram identificados riscos de acidente, tais como: cortes e
ferimentos nos dedos, bem como risco de acidentes mais graves decorrentes do uso de inspetora
eletrônica.
E, “para não dizer que não falei das flores”, no que se refere ao prazer no trabalho, destacaram-
se, nas respostas, como mobilizadores comuns nas sete empresas: a dinâmica das relações entre
os pares, a obtenção de novos conhecimentos, as novas experiências e o fato de desempenhar
bem a função.
Na comparação entre as sete empresas, pode-se verificar que há diferenças a serem mencionadas.
Nas empresas em que os salários são mais baixos e quase não há benefícios, a dinâmica das
relações e valorização da amizade como fonte de prazer no trabalho apareceu em quase todas as
respostas, como mobilizador de prazer e incentivo para ir trabalhar. Já nas empresas maiores, em
que são pagos salários melhores e os benefícios são grandes atrativos, o salário compatível com a
função e o sentir-se útil apareceu reiteradamente nas respostas como fonte de prazer.
Conclusão
A análise subjetiva das relações de trabalho, a luz da teoria Dejouriana, indica a importância da
valorização do saber-fazer, através do reconhecimento e cooperação para regular a organização
do trabalho e enfrentar a sobrecarga. Para todos estes elementos, o espaço púbico da fala faz-se
essencial. Ao conhecer o trabalho do outro é possível re-conhecer, valorizar, negociar os
diferentes modos operatórios, favorecendo a cooperação e o enfrentamento das situações que
agravam o sofrimento.
Nesse sentido, é necessário que as empresas valorizem a qualificação e a autonomia no processo
produtivo e criem formas alternativas de valorizar o saber-fazer dos trabalhadores. Isso talvez
seja possível a partir do reconhecimento do trabalho real integrando-o ao prescrito para melhor
execução das tarefas; da mesma forma seria importante propiciar momentos de escuta ao
trabalhador buscando dar significado a sua fala a partir da utilização de sua inteligência prática
para que se converta em sabedoria prática, ao ser incorporada pelo coletivo.
A fala e a escuta facilitariam a elaboração e a perlaboração das vivências, favorecendo a
mobilização subjetiva na construção de estratégias individuais e coletivas de enfrentamento das
dificuldades no trabalho. Isso possibilitaria a criação de novas formas de desenvolver e
aperfeiçoar a atividade, promovendo ganhos subjetivos e favorecendo a produção
(produtividade/qualidade).
Finalizando, este estudo reafirma a importância de continuar a investigar a dimensão subjetiva
do trabalho no PIM. Neste cenário, ameaçado pelo sofrimento e adoecimento, é necessário
continuar buscando uma aproximação do real do trabalho, sua valorização, seu sentido para o
trabalhador, a sua importância no fortalecimento da identidade e promoção de saúde.
Referências
Dejours, C. (1997) A Loucura do trabalho. São Paulo: Atlas.
Dejours, C. (2001) A banalização da injustiça social. 2° ed. Rio de Janeiro: Editora FGV.
Dejours, C. (2007). Psicodinâmica do Trabalho e pós-modernidade. Em: Mendes, A.M., Lima,
S. C., & Facas, E. P. (orgs). Diálogos em Psicodinâmica do trabalho.Brasília: Paralelo 15.
Dejours, C. (2008a). Addendum, Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho Em Lancman,
S. e Sznelwar, L. I. (Orgs). Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho,
Segunda Edição Revista e Ampliada, Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz / Brasília: Paralelo 15.
Dejours, C. (2008b) A metodologia em Psicodinâmica do Trabalho. Em Lancman, S. e Sznelwar,
L. I. (Orgs). Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho, Segunda
Edição Revista e Ampliada, Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz / Brasília: Paralelo 15.
Lópes, J. S. M; Scandroglio, B. (2007) Los fundamentos teóricos y axiológicos de La
intervención psicosocial. Em: Blanco, A. & Marin, J. R. (Coord.). Intervención psicosocial.
Madrid: Ed. Pearson Educación.
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Introdução:
Este texto se propõe a expor os resultados obtidos a partir de uma pesquisa realizada com
trabalhadores que operam máquinas automatizadas em empresas do segmento eletroeletrônico
localizadas no Polo Industrial de Manaus – PIM. Para tanto, foi feito um recorte com o intuito de
lançar olhar prioritariamente sobre duas categorias teóricas - que emergiram com grande
destaque durante a análise dos dados - a saber: a organização do trabalho e a autonomia no
trabalho.
Os resultados obtidos a partir desta pesquisa corroboram com a asserção de que o trabalho ocupa
um lugar central na vida de homens e mulheres e, que possui a potencialidade de ser ao mesmo
tempo fonte de prazer e sofrimento (Moraes, 2010).
No entanto, o construto dialético que envolve vivências de prazer-sofrimento no trabalho, assim
como os processos de subjetivação dos trabalhadores são mais facilmente compreendidos quando
evocamos a noção de Organização do Trabalho - (OT), conceito proposto pela psicodinâmica do
trabalho e que abrange a divisão das tarefas entre os homens; as formas como são concebidas as
prescrições; a organização do sistema hierárquico e o estabelecimento das relações de poder
(Dejours, 1997, 2008).
De acordo com Dejours (2008), a OT está fortemente atrelada às condições que agravam o
sofrimento psíquico no âmbito organizacional, visto que, o sofrimento emerge principalmente
em decorrência das contradições existentes entre a organização do trabalho prescrito e a
organização do trabalho real.
O trabalho prescrito é determinado pelos manuais, na forma de normas e regras impostas pela
organização que orientam não só a realização ou execução de uma atividade, mas, também
ordenam os ritmos impostos aos gestos e aos movimentos dos corpos (Dejours, 1997).
Já o trabalho real refere-se “aquilo que no mundo se faz conhecer por sua resistência ao domínio
técnico e ao conhecimento científico” (Dejours, 2005 p. 40), ou seja, o real é precisamente aquilo
sobre o qual a técnica fracassa.
A OT pode então ser representada como uma base sobre a qual se desenvolvem os processos de
trabalho e pode ser compreendida como um núcleo ao redor do qual se estruturam as vivências
de prazer-sofrimento, os conflitos e as estratégias de enfrentamento, possibilitando a constituição
dos processos que são favoráveis à saúde ou que ao contrário, podem levar ao adoecimento
(Moraes, 2010).
A organização do trabalho favorável permite conciliar os interesses da empresa às necessidades
do trabalhador, estabelecendo no âmbito da própria organização um espaço de discussão e
negociação onde os trabalhadores são atores ativos que podem gerir e até modificar as formas de
execução de suas atividades (Dejours, 2008).
Em contrapartida quando a OT não facilita o processo de gestão do trabalho pelo trabalhador e
não dá abertura para a existência de um espaço de discussão, assume um papel negativo frente às
vivências sócio-profissionais o que favorece a intensificação do sofrimento (Mendes, 2010).
Nesse sentido, também ganha destaque a noção de autonomia no trabalho, que se configura como
um importante elemento para a conquista de prazer no trabalho e para a promoção da saúde
estando articulada ao movimento de confronto à dominação que a organização impõe ao
trabalhador através da prescrição.
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Método:
Foram realizadas entrevistas individuais com 34 trabalhadores que operam máquinas
automatizadas. A análise dos dados obtidos foi feita a partir de uma adaptação da sistemática de
análise da Grounded Theory, sendo possível fazer uma discussão que buscou articular os dados
obtidos, aos construtos teóricos que vem se delineado com o desenvolvimento da disciplina
psicodinâmica do trabalho.
Resultados e discussão:
A partir dos resultados da pesquisa é possível afirmar que, em relação à organização do trabalho
as empresas investigadas apresentam tipos de organização do trabalho com um mesmo padrão
para a produção e para a relação estabelecida entre capital e trabalho, assim como em relação ao
ritmo da produtividade. As atividades são descritas pelos trabalhadores a partir de etapas que
revelam a rigidez do processo e da divisão de tarefas.
Percebe-se ainda que a automação produz, inevitavelmente, novos desafios para que os
trabalhadores possam desempenhar bem suas atividades. O novo olhar sobre a organização do
trabalho leva a refutar a divisão tradicional entre trabalho de concepção e trabalho de execução,
pois, entende-se que todo trabalho é sempre trabalho de concepção e que a execução da tarefa
prescrita é constantemente impactada pelo real do trabalho.
A pressão quanto à atenção, precisão e alcance de metas é reiteradamente mencionada pelos
operadores:
Tem meta, por exemplo, esta semana aumentou né? Aí ta exigindo mais da gente, era 700 agora
tem que dá 1000 (RAIMUNDO - EMPRESA PSI).
Eu tenho que dá 100 injetadas por hora (...) e ao todo tem que dá 700 (...) o padrão é 100. Se der
menos? (risos...) é porque tá com defeito, por causa da máquina mesmo (...) aí o líder chega pra
vê se tá acontecendo algum problema (...) (MARCOS - EMPRESA DELTA).
Os entrevistados destacam que o trabalho é mais complexo do que os superiores pensam, na
medida em que não se trata apenas de colocar a matéria prima nas máquinas, mas implica em
organizar/tratar o material, ou seja, o trabalho requer a realização de uma análise, não sendo
apenas mera execução. A falta de reconhecimento dos superiores em relação ao trabalho
realizado leva a desqualificação do saber-fazer.
(...) o meu trabalho é o seguinte, a princípio a forma como o meu líder e o meu supervisor olham
acham que é simples. É só trazer o material, pra linha e deixar lá, só que existem outras
dificuldades que atrapalha o meu trabalho, por exemplo, na forma que o material vem pra mim,
eu tenho que organizar, tratar ele pra poder mandar pra linha (...) eles acham que é só pegar o
material e trazer. Aí eles chegam me colocando mais outros trabalhos e isso vai acumulando, aí
no final das contas nem dou conta do meu, nem dou conta do deles e ainda passo por enrolão (...)
isso me deixa bem indignado e insatisfeito (...) porque eles (...) não vão procurar saber por que
eu estou tendo aquela dificuldade, só fazem cobrar (JOSÉ - EMPRESA ALFA).
A partir dos relatos fica claro que, para que a atividade seja executada de forma correta e para
que sejam cumpridas as metas estabelecidas pela organização, o trabalhador necessita estar
completamente empenhado no processo produtivo. Em alguns casos o trabalho é bastante
minucioso e necessita que a atenção do operador seja redobrada para que a produção não
diminua.
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Como a gente trabalha com manufatura, componentes SMD, é um trabalho muito minucioso
porque tem que ter bastante atenção, então quando é nesta hora do início a atenção é redobrada.
É muito corrido e bastante cansativo (TOMÉ – EMPRESA ÔMEGA).
A maioria dos entrevistados relata o trabalho com cansativo, pois, em algumas empresas o
trabalhador tem que permanecer até sete horas de pé, realizando movimentos repetitivos. Vale
destacar que alguns trabalhadores chegam a operar até seis máquinas. Não obstante, as empresas
acabam negligenciando um olhar mais atento pra esse tipo de situação, sendo que poucas vezes
consideram o esforço repetitivo como prejudicial aos trabalhadores.
(...) nós sempre somos pressionados em não errar, fazer rápido. Tudo isso chega a ser exaustivo
para o operador, apesar de eles pensarem que não é. Mas a pessoa já chega no trabalho e ficar 7
horas direto em pé, chega em casa acabado, sem condições mesmo. O trabalhador da empresa
aqui trabalha em pé direto, não tem cadeira. Na minha linha é 543 por hora, tenho que fazer 75
injetadas por hora pra poder alcançar a meta (THIAGO - EMPRESA BETA).
Eu tomo conta agora da calibragem, sendo que o processo é alimentar a calibragem e dar
sequência nas peças até a lavadora dois, então quer dizer que eu alimento uma prensa de
calibragem e tenho que olhar a prensa, tenho que olhar a laminadora, tenho que olhar a lavadora,
tenho que olhar as duas prensas e mais a lavadora (...) então no momento atual, eu to tomando
conta de seis máquinas (GABRIEL – EMPRESA SIGMA).
A divisão do trabalho, que faz surgir um tempo em que o produto em elaboração permanece
circulando, entre um processo e outro, agrega um trabalho humano que não aparece, o que
possibilita à gerência aumentar ainda mais o ritmo de trabalho e consequentemente a sobrecarga
do trabalhador.
Para Dejours (2008), a tarefa é o que deveria ser feito segundo as especificações dadas e a
atividade é o que se faz realmente. Na fala do operário observa-se que entre a tarefa e a
atividade há um descompasso quanto aos objetivos inicialmente fixados, o que compõe uma
parte enigmática do trabalho, aquela que fica irredutivelmente a cargo dos operadores.
Ainda de acordo com Dejours (2008), o essencial dos problemas submetidos à análise
psicodinâmica das situações de trabalho provém do desconhecimento e mesmo da inépcia quanto
às dificuldades concretas as quais os trabalhadores são confrontados quando se vêem diante da
imperfeição irredutível da organização do trabalho.
Os resultados da pesquisa, ainda no tocante a organização do trabalho, apontam para o excesso
de pressão tanto por agilidade, quanto pela qualidade, o que tende a tornar o trabalho ainda mais
penoso, pois a gestão pela qualidade total almeja apenas quantificar o resultado final do trabalho,
e o que importa neste caso é alcançar as metas de produção, não se levando em conta o esforço e
a dedicação investidos pelo trabalhador para chegar aquele quantitativo.
As condições de trabalho, também aparecem como um fator negativo que torna o trabalho ainda
mais penoso, o calor excessivo é uma das principais queixas, mas, também há queixas
relacionadas à qualidade das máquinas utilizadas, que de acordo com os trabalhadores, são muito
antigas e mal conservadas, fator que prejudica o bom desempenho da atividade.
Tem a questão também do calor, é muito quente. Os condicionadores de ar não são muito bons.
A gente tira a bata, se pudesse tirar a camisa tirava, mas não pode, porque é muito quente
(MATEUS - EMPRESA BETA).
Todas as situações suscitadas durante os discursos dos trabalhadores nos remetem a afirmação
feita por Mendes (2007) de que a reestruturação produtiva acarretou sobrecarga de trabalho,
desvalorização e desqualificação da atividade. Assim, vemos que as exigências em relação à
qualidade total e ao cumprimento de metas, força os trabalhadores a se colocarem inteiramente
disponíveis, desperdiçando energia física e psicológica, sem que se leve em conta que isso possa
causar sofrimento para o trabalhador.
No que diz respeito à autonomia no trabalho, os resultados demonstram que dentre os
trabalhadores, a maioria, atribui significados diferentes e muitas vezes divergentes para este
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termo. E ao serem questionados: Você sente autonomia no seu trabalho? Liberdade para
desempenhar suas funções? Alguns entrevistados responderam:
Sim (...) tenho. Posso fazer lá, o que quiser eu faço. Tenho liberdade pra tudo. O que eu quiser
fazer, eu faço (FRANCISCO - EMPRESA DELTA).
Tenho, às vezes temos um pouco de dificuldade porque não depende só da gente, sempre
dependemos de alguém, mas creio que no geral sim (JÚLIA - EMPRESA OMEGA).
No entanto, a maioria das respostas dadas pelos funcionários supracitados é apresentada de
forma lacônica, não havendo uma especificação que indique a presença de autonomia na prática
das atividades realizadas e da mesma forma não fica claro nestas falas a compreensão que tais
funcionários têm do que seja autonomia.
Surgiram, nas falas dos operadores, muitos significados para o termo autonomia, que em alguns
momentos é referida como sinônimo de liberdade. Mas, mesmo este significado é verbalizado
pelos trabalhadores com duas interpretações distintas. Na primeira, liberdade ou autonomia é
compreendida como possibilidade de transitar por outros setores da empresa:
Sim, sinto liberdade porque vou ao banheiro quando quero, bebo água... Geralmente lá na minha
máquina... é porque nas outras máquinas o pessoal tem que chamar alguém para ficar no lugar e
na minha não precisa (...) (MARCOS - EMPRESA DELTA).
Provavelmente essa mobilidade é considerada como “liberdade” e compreendida como
“autonomia” porque a mesma nem sempre é possível ou permitida a qualquer tempo pela
organização, como podemos notar na fala a seguir:
(...) Se eu quiser ir ao banheiro eu tenho que chamar alguém senão eu me atolo, aí tem que ficar
esperando até a pessoa ir lá... ficar no lugar (CONCEIÇÃO - EMPRESA DELTA).
A segunda interpretação para o termo liberdade está atrelada ao fato de poder expressar
opiniões:
Bom, no meu trabalho eles dão assim, espaço pra gente dar opinião, sugestão, pra melhoria da
qualidade do trabalho. Assim, opinar em alguma coisa que deve melhorar, onde estamos errando,
onde estamos acertando (TADEU - EMPRESA GAMA).
Porém, apesar de haver a possibilidade de expressar opiniões, dificilmente estas são de fato
ouvidas pelos superiores e quando o são, nem sempre as contribuições oferecidas pelos
funcionários são “utilizadas” ou introduzidas na prática da atividade, o que indica pouca
autonomia para mudar a organização do trabalho e denota, além disso, uma desqualificação do
saber-fazer, como explicitado na fala a seguir:
Nem sempre. Na maioria das vezes você pode até dá sua opinião, mas, nem sempre isso quer
dizer que vai funcionar o que você ta falando (AUXILIADORA - EMPRESA OMEGA).
Quanto a isso, Ferreira (2010, p. 42) afirma que “a expectativa dos trabalhadores é que as
empresas os considerem como protagonistas responsáveis e se apóiem em seus esforços para
responder as novas orientações estratégicas”, daí a necessidade dos trabalhadores de participarem
dos processos de mudanças e de que suas opiniões sejam levadas em conta.
A dificuldade, encontrada pelos funcionários, no momento em que colocam em evidência através
da fala a inteligência prática utilizada na execução da atividade, está relacionada ao fato desta
fala não encontrar uma escuta acolhedora na organização, o que interfere de forma negativa no
processo de mobilização subjetiva do operário.
Percebe-se, que ao utilizar a fala o funcionário busca dar visibilidade ao saber-fazer e ao mesmo
tempo almeja dar sentido para o trabalho mediante o encontro com aquele que o escuta (Dejours,
2007).
Alguns entrevistados trazem um discurso que reflete às dificuldades de comunicação com os
superiores, principalmente com relação às mudanças feitas na organização do trabalho, os
funcionários não são consultados em relação a tais mudanças, sendo apenas comunicados quando
essas já foram feitas:
A gente sente dificuldade aqui porque não é ouvido, eles fazem mudanças no processo e não
comunicam a gente aí chegam lá e falam assim: - A partir de hoje vai ser assim! E aí nós que
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trabalhamos lá, a gente que sabe como é o melhor o desempenho de lá, os procedimentos estão aí
para serem cumpridos né? Nós cumprimos sim, mas acho que nós deveríamos ser mais ouvidos
neste ponto de o que é melhor para o processo e o que é melhor para o operador, levar em
consideração os dois lados (JULIA - EMPRESA ÔMEGA).
As exigências dos superiores pelo aumento da produção, vinculadas a necessidade da aceleração
das tarefas a serem executadas, e, além disso, a exigência para que seja cumprido o que está
prescrito, levam os funcionários ao sofrimento e a limitação da autonomia.
Compreende-se que nessa dinâmica existe uma relação em que os superiores se utilizam do
sofrimento do funcionário para obter uma maior produção, o que mostra ser uma relação
perversa, rude e violenta. A “exploração do sofrimento” de acordo com Dejours (2008) é
utilizada com bastante frequência em vários campos de trabalho, inclusive entre as indústrias de
produção onde a OT configura-se através da imposição de normas, regras e prescrições de forma
rígida.
A gente não faz aquilo só o que gosta, eu gosto de trabalhar com certo modelo, „a porque é mais
fácil, não dá tanto problema, porque é menos complicado, não é complexo‟, aí já vem à chefia e
coloca outro né, aí já é mais complicado, você não tem autonomia a esse ponto de escolher com
o que quer trabalhar (GUADALUPE - EMPRESA GAMA).
(...) a empresa não dá liberdade pra fazer o que quer, tem que seguir as normas da empresa
(TIAGO - EMPRESA BETA).
O relato a seguir deixa evidente que a limitação da autonomia também é atribuída a
“importação” dos modos de produção padronizados que são impostos aos funcionários, cabendo
a estes apenas tentar adaptar-se a prescrição da atividade, tendo pouco ou nenhuma autonomia no
sentido de realizar ajustes a sua forma particular de trabalhar.
(...) nos sentimos muito mal com isso, porque temos que utilizar uma tecnologia que vem lá de
não sei de onde, tipo o projeto é esse porque lá no outro país faz assim e dá certo então aqui
também vai ser assim e aí a gente não tem como nem pra que dizer o porquê de outra forma seria
melhor, é um pouco complicado aqui este negócio de linguagem, de conversa, de ter aquele
negócio de sentar e dizer é assim, tem muita falha nisto (JULIA - EMPRESA ÔMEGA).
É possível perceber ainda, um movimento por parte da organização de ora permitir certa
autonomia e ora negá-la. A esse respeito Dejours (2008) nos diz que a organização do trabalho
age simultaneamente impondo em alguns momentos a restrição, quando se observa ser capaz de
regular a desobediência e a fraude; e em outros momentos sendo mais tolerante, quando há um
ganho visível.
As falas de alguns funcionários indicam que, até certo ponto, é possível organizar a atividade
adequando-a a sua forma particular de trabalhar. A organização, no entanto, parece impor certos
limites a esta autonomia no momento em que o fazer criativo do funcionário necessita passar por
um processo de validação através do crivo dos superiores:
Tenho esse poder, entendeu? Eu decido a forma, a melhor forma eu decido, depois eles olham,
assim (...) se eles não gostarem a gente muda (JOSÉ - EMPRESA ALFA).
Os operadores devem solicitar à intervenção dos engenheiros ou dos técnicos que, de acordo com
as normas, são as pessoas mais indicadas para a resolução de determinados problemas, ainda que
alguns funcionários afirmem ter conhecimento ou, em suas palavras “certa experiência” e que,
portanto, sintam-se capazes para solucionar tais problemas.
Os relatos dos funcionários evidenciam que ainda permanece a divisão entre concepção e
execução, dentro do modelo de organização fabril taylorista, apesar dos discursos de inovação da
gestão. Essa divisão de trabalho, no entanto, desqualifica a inteligência prática do funcionário,
ao mesmo tempo em que indica que não houve real avanço no processo de autonomia dos
trabalhadores, em comparação com a gestão taylorista:
Existe um colaborador que tem a capacidade de agilizar algum procedimento para melhorar o
processo. No meu caso como já tenho uma certa experiência, se ocorrer alguma anormalidade,
tento arrumar; se não conseguir, chamo o técnico e digo: - Olha fiz até aqui dessa forma e daqui
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pra frente é contigo [...] a liberdade a gente nunca tem, porque o operador tem que seguir os
procedimentos já estabelecidos pela Engenharia; ele não pode mudar nada, primeiro porque ele
não tem formação pra isso, ele tem que chegar e executar o procedimento que é estabelecido.
Não tem autonomia; pode sugerir, dar opinião, de acordo com o conhecimento que ele já
adquiriu na experiência, ele pode informar aos técnicos de engenharia o que está acontecendo na
máquina, alguma coisa que ocorra defeito, de anormal no processo. Isso pode fazer, mas mudar
procedimento não pode! (JOAQUIM - EMPRESA OMEGA).
Os operadores associam ainda a autonomia à conquista da confiança dos superiores. Confiança
essa que, segundo os funcionários é adquirida quando conseguem “convencer” de que
alcançaram a um “alto nível de experiência”. Assim, alguns trabalhadores estabelecem uma
relação diretamente proporcional entre autonomia e confiança:
Conforme vai passando o tempo, vai adquirindo experiência, vai adquirindo confiança do pessoal
que lidera e você sente assim... uma certa liberdade. Hoje eu posso dizer que eu sinto essa
liberdade (CRISTOVÃO - EMPRESA SIGMA).
Conclusão:
Em suma, podemos concluir que a organização do trabalho prescrito manifesta-se como
inaplicável e fonte de inconveniências múltiplas, pois, para atingir os objetivos fixados na
definição da tarefa é necessário, conforme afirma Dejours (2008) adaptar, ajustar, inventar,
descobrir, experimentar, enfim, fazer uso de uma inteligência astuciosa que requer antes de tudo
a criação do novo.
Observa-se ainda que no PIM a organização do trabalho é marcada por uma divisão de tarefas,
com uma rotina de verificações e procedimentos, associada a pressões no sentido do
cumprimento de prazos e metas, e que a rigidez destas prescrições parece impor limites à
autonomia dos trabalhadores.
O nível de complexidade do trabalho do operador de inserção automática, em princípio,
pressupõe uma organização de trabalho que valoriza a autonomia, se aproximando do toyotismo.
No entanto, no PIM parece que não ocorreu a superação do taylorismo. Quando muito se pode
afirmar que se essa ocorreu foi de forma parcial e limitada. As falas demonstram a existência de
certa autonomia, porém limitada por dois fatores: o primeiro está relacionado à OT que apresenta
uma rígida prescrição de tarefas, mantendo a separação entre concepção e execução; e o segundo
as chefias que mantém o controle sobre o trabalho dos operadores em níveis diferenciados,
dependendo da relação de confiança, tempo de serviço e estilo pessoal.
Porém, o que fica claro a partir dos dados apreendidos através do discurso dos trabalhadores é
que a possibilidade de inserir ao processo de trabalho aspectos da singularidade do trabalhador é
de importância capital, pois através desse mecanismo o sujeito tenta adaptar as exigências da
organização as suas próprias necessidades. Porém, quando isso não é possível, quando o sujeito
não consegue adaptar os conteúdos do trabalho a sua singularidade ocorre gradativamente uma
desestruturação da relação homem/trabalho o que pode, com o passar do tempo, ter como
consequência o agravamento do sofrimento.
Referências:
Dejours, C. (1997) A Loucura do trabalho. São Paulo: Atlas.
Dejours, C. (2001) A banalização da injustiça social. 2° ed. Rio de Janeiro: Editora FGV.
Dejours, C. (2007). Psicodinâmica do Trabalho e pós-modernidade. Em: Mendes, A.M., Lima,
S. C., & Facas, E. P. (orgs). Diálogos em Psicodinâmica do trabalho. Brasília: Paralelo 15.
Dejours, C. (2008a). Addendum, Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho Em Lancman,
S. e Sznelwar, L. I. (Orgs). Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho,
Segunda Edição Revista e Ampliada, Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz / Brasília: Paralelo 15.
Dejours, C. (2005).O Fator Humano. 5ª edição. Editora FGV: Rio de Janeiro.
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Sofrimento no trabalho
Nos resultados da pesquisa empírica, o sofrimento aparece como categoria recorrente nas
respostas dos operadores acerca das vivências subjetivas no trabalho com automação. O principal
agravante do sofrimento mencionado foi a sobrecarga relacionada ao excesso de trabalho e
excesso de cobrança.
À sobrecarga devida ao excesso de trabalho, foi atribuída a vivência do medo de errar que se
relaciona ao risco de causar grandes prejuízos financeiros, o que faz com que o trabalhador
experimente alto nível de tensão, que potencializa o risco de errar, como expresso enfaticamente
na fala de Edwiges:
Correr o risco de colocar uma alimentação errada no processo, isso causa, assim, um tormento
mental, você fica com aquilo...de ficar pensando que foram tantas mil erradas, é um desperdício
né, uma falta de atenção que levou a um prejuízo. (Empresa Gama).
A pressão exercida de forma exacerbada, pela empresa desencadeia um “efeito dominó”, gerando
conflito entre as ordens dos diferentes membros da hierarquia – chefe, supervisor, líder - o que
aumenta a tensão do trabalho, levando a conflitos, clima de “loucura” e “agonia”. Esse ambiente
conturbado pela tensão, pela cobrança excessiva e por conflitos entre diferentes esferas de
comando desencadeia conflitos entre as pessoas, interferindo negativamente na dinâmica das
relações, agravando a sobrecarga de alguns, como segue explicando José, falando da situação dos
alimentadores de linha: “então, isso me deixa profundamente indignado, porque ou eu faço o
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meu [trabalho] ou eu faço o de todo mundo [dos operadores]; isso é geral, todos os
alimentadores são assim, porque não existe um alimentador feliz com a função dele”.
Ainda acerca da sobrecarga, os trabalhadores referem que para alcançar as metas elevadas, em
determinados períodos de “pico de produção” os superiores recorram à coação para que os
operadores trabalhem em horas extras:
....[Sofrimento] Com certeza quando você é forçado a fazer uma coisa que não quer, por
exemplo, hora extra; geralmente você não pode ou não tem como e... você tem que vir por
alguma coisa, sempre arrumam um argumento. É isso mesmo. (Auxiliadora, Empresa Ômega).
Outro problema de algumas empresas é a ocorrência de defeitos nas máquinas, que interfere
negativamente no processo produtivo. Os operadores são responsabilizados por atrasos na
produção em decorrentes desses defeitos, diante dos quais se sentem impotentes: “A máquina
injetora não pega culpa porque ela é uma máquina, né? Aí vai e pega pro operador da máquina
injetora” (Antonio, Empresa Delta).
A falta de reconhecimento também se mostra como agravante do sofrimento, como explica
Raimundo:
Sofrimento? Assim, a gente tem que se esforçar muito, o máximo possível pra poder dar a
produção e também, porque muita gente não reconhece, né? É muito esforço (EMPRESA PSI).
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Foram ainda relatados problemas nas relações com os pares (intrigas, fofocas), provavelmente
relacionados à competição e ao individualismo que caracterizam as novas formas de gestão
(Dejours, 2007b).
Bom, envolvimento pessoal, é muito difícil lidar com pessoas. Com máquina a gente pode até
lidar, a gente trabalha bacana, mas acontece que com pessoas é difícil de lidar. Então, a única
coisa que causa desconforto são as pessoas... Eu não quero falar de situações não, mas há
várias de envolvimento pessoal, intrigas, fofocas, isso em qualquer ambiente de trabalho
acontece. Então, há um desconforto, com discussões e brigas. (Bartolomeu, Empresa Ômega).
Nessas falas os operadores estabelecem uma comparação de pessoas com máquinas, em que
supervalorizam as máquinas em detrimento do humano: o ser humano pensa e questiona o que
causa desconforto. Estudando o trabalho com inserção automática no PIM Moraes (2010)
registrou a primazia das máquinas no discurso gerencial, que na presente pesquisa parece ter sido
absorvido pelos operadores.
Foram ainda mencionadas outras situações relacionadas ao sofrimento, como a autonomia
reduzida, o desvio de função e instabilidade quanto à permanência no trabalho. O risco de
demissão bem como o temor ao desemprego alcança a todos, segundo os operadores. As pessoas
são trocadas como se trocam peças das máquinas, por muitos motivos: como decorrência local
das crises globais, situações específicas daquele segmento industrial ou ainda por ajustes
periódicos nos planos de produção: “Quando chega final de ano, por causa das demissões, me
causa muita tristeza, fico nervosa, vou para o banheiro choro, volto... fico muito agoniada.”
(Efigênia, Empresa Psi).
O medo do desemprego e da exclusão social e econômica que esse acarreta tem repercussões
sobre o trabalhador e sobre a produção. No plano do sujeito, o estresse prolongado apresenta
elevados riscos à saúde; esse ambiente de tensão também agravando o risco dos temidos erros de
produção.
Estratégias defensivas
Em relação ao emprego de estratégias defensivas como meio de amenizar o sofrimento psíquico,
observou-se que os operadores do PIM não apenas têm se utilizado de defesas individuais, mas,
sobretudo, têm desenvolvido estratégias defensivas coletivas. Como estratégias defensivas
identificaram-se: negação do sofrimento; racionalização e a passividade (resignação).
A negação do sofrimento aparece de forma explícita na fala de Joaquim quando este faz
referência apenas às conseqüências das condições de trabalho deletérias ao corpo do trabalhador,
em detrimento da existência do sofrimento psíquico: “Sofrimento? Não tenho nenhum não...
sofrimento físico é por conta do serviço muito repetitivo, causa um desgaste que até as máquinas
tem desgaste quanto mais um ser humano, causa dores ficar o tempo todo em pé” (Joaquim,
Empresa Omega)
O sofrimento também foi negado e banalizado através de expressões como não ligo, não penso
nisso, não me importo. Esses discursos defensivos na base da negação do sofrimento levam os
trabalhadores a manter a produção exigida pela organização do trabalho, ao dirigirem seu modo
de pensar, sentir e agir para atender ao desejo de excelência (Mendes, 2007). Por outro lado, a
negação também foi identificada associada à redução de engajamento, como na fala: “Trabalho
normal, faz de conta que não tá acontecendo nada, aí fica empurrando com a barriga. É o jeito,
né?” (Antônio, Empresa Delta).
No que se refere à racionalização, os operadores sinalizam para a necessidade de emprego,
remuneração e sustento da família como justificativa da permanência nas empresas. A
racionalização emerge, portanto, no sentido de minimizar o sofrimento decorrente da
permanência em situações de trabalho consideradas precárias e insatisfatórias. Neste sentido, os
trabalhadores mesclam insatisfação e necessidade, em suas falas. “Eu fico pensando que a
situação aqui é precária, mas por enquanto, que não tenho outro em vista, tenho que ficar por
aqui até arranjar outro emprego. (João, Empresa Beta). A racionalização como estratégia
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defensiva tem emergido como forma de proteção em outras pesquisas brasileiras (Mendes, 1996;
Almeida, 2002; Barros, 2007)
Outra estratégia que os trabalhadores constroem coletivamente é a adaptação, como a resignação
que se expressam em falas como: “Eu tenho que ficar na minha, né? Que eu não vou é bater
boca, aí eu fico calada só...” (Conceição, Empresa Delta).
Sendo as possibilidades de mudança consideradas ínfimas, falar sobre o sofrimento, queixar-se,
questionar a organização ou as condições de trabalho não são percebidas como estratégias
interessantes. As queixas não são bem aceitas pela organização. Assim, a passividade diante da
situação de trabalho se dá como um recurso para evitar o risco de ser mal visto na empresa.
A ideologia defensiva de negação do sofrimento no trabalho no PIM postula que o trabalhador
deve ser extrovertido, não reclamar e não trazer problemas de casa para o trabalho. Na falta do
espaço coletivo da fala do sofrimento no trabalho, os entrevistados revelam que é em casa, com a
família, que encontram o espaço para falar sobre o que faz sofrer no trabalho: “Hum... bem
quando acontece isso é o jeito chegar em casa e desabafar, tem que vir, né? O que posso fazer?
Não posso tratar mal ninguém, então quando chego em casa desabafo com minha mãe.”
(Auxiliadora, Empresa Omega).
A passividade (resignação) dificulta a luta contra as pressões da organização do trabalho e
consequentemente a transformação da realidade de trabalho. Neste sentido, esta estratégia, mais
que defender os trabalhadores do sofrimento, atende a interesses organizacionais, sendo,
portanto, uma defesa explorada.
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Eu também, eu tenho um problema no ombro, mas nem por isso eu paro de trabalhar, eu
trabalho no meu ritmo normal de trabalho... só que nunca fui afastada por causa disso, eu
sempre trabalhei normal. Sentia as dores, mas não era uma coisa que me incomodava
profundamente, era uma dor suportável, tanto é que hoje em dia eu quase não sinto nada.
Graças a Deus, não sei como é que ta. (Maria, Empresa Alfa)
Ao fazer referência aos sintomas, Maria reconhece a existência de um problema, mas nega a
doença, negligencia os sinais do corpo e se matem na situação de trabalho. “Assim, não se trata
de evitar a doença, o problema é domesticá-la, contê-la, controlá-la, viver com ela” (Dejours
1997:31).
A negação do adoecimento é necessária, na medida em que reconhecê-lo implica em passar uma
imagem de sofrimento e fraqueza, incompatível com a permanência no sistema produtivo.
(Rocha, 2007). A esse respeito, Dejours (1997) faz referência à ideologia da vergonha, como
“uma ideologia elaborada coletivamente, uma ideologia defensiva contra uma ansiedade precisa,
a de estar doente ou, mais exatamente, de estar num corpo incapacitado”. (p.33). Neste sentido, a
vergonha está em parar de trabalhar, não é a doença em si, mas a doença enquanto impedimento
ao trabalho.
Quando acontece a procura da ajuda profissional, e ocorre o afastamento por licenças deferidas
pelo INSS, alguns operadores no retorno às situações de trabalho, relatam ficar sem posto6, o que
culmina com brincadeiras sarcásticas e constrangimentos por parte dos colegas, que os fazem
sentirem-se abandonados e discriminados.
O que me incomoda, é assim as pessoas que trabalham há muito tempo na empresa, ou então
pessoas que trabalham há pouco tempo também, mas que ficam doente, tipo assim ficam
lesionadas, você sabe que tem essa doença, na indústria é a que mais acontece, então essas
pessoas assim tipo quando voltam da sua licença do INSS, são afastadas, elas voltam e ficam
assim sem posto. Ai tipo assim tem gente que discrimina as pessoas, porque elas tem um
problema no ombro ou um problema na mão, ai fica jogando piada, não é chefe é os próprios
operadores mesmo. (Maria, Empresa Alfa)
O adoecimento de um ou de vários trabalhadores fragiliza a estratégia defensiva e desestabiliza o
grupo, pois evidencia o caráter patologizante do trabalho, o que leva os próprios trabalhadores a
discriminarem e responsabilizarem o colega que adoeceu como fraco, ou pior, como simulador
de adoecimento. Isso ocorre para que possam suportar o medo ante os riscos a que estão
expostos. (Lancman & Uchida, 2003)
Considerações Finais
A análise das respostas dos operadores apontou como principais agravantes do sofrimento no
trabalho com automação no PIM: a sobrecarga de trabalho sob tensão e excesso de cobrança, que
agrava o medo de errar e de adoecer; o não reconhecimento por parte dos superiores, que agem
com autoritarismo; a presença de trabalho penoso, por vezes com máquinas inadequadas, cujos
defeitos acarretam lentidão no processo, pelo qual os operadores são responsabilizados.
Na cultura do PIM não existe espaço para a fala do sofrimento. Além de calar e negar o
sofrimento, a gestão cobra aos trabalhadores que se mostrem “felizes” para manter um clima de
trabalho favorável (Moraes, 2010). Diante da impossibilidade de falar e agir para transformar o
sofrimento, os operadores recorrem às estratégias defensivas individuais e coletivas.
Essas estratégias defensivas estiveram presentes nas falas de trabalhadores de seis das sete
empresas que participaram da pesquisa. A racionalização, a passividade e a negação do
sofrimento aparecem como principais estratégias utilizadas. Estas estratégias dificultam a luta
contra as pressões da organização e conseqüentemente a transformação da realidade de trabalho.
Implicam, portanto, em adaptação e consequentemente atendem mais aos interesses
organizacionais que aos trabalhadores.
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Situação em que, quando do retorno ao trabalho, após a licença por adoecimento, não é designado um posto de
trabalho específico. Assim, o trabalhador volta à empresa, mas não tem trabalho prescrito a ser desenvolvido.
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REFERÊNCIAS
Almeida, N. D. V. (2002). Contemporaneidade X Transito: reflexão psicossocial do trabalho dos
motoristas de coletivo urbano. Psicologia Ciência e Profissão. PP.62-69.
Barros, P. C. R. (2007). Sofrimento e defesa no trabalho dos operários terceirizados da
construção civil de empreiteira e de cooperativa do Distrito Federal. In: Mendes, A. M. (Org.).
Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Dejours, C. (1997). A loucura do trabalho: estudos de psicopatologia do trabalho. 5ª ed.
ampliada. São Paulo: Cortez-Oboré.
Dejours, C. (2007a). Psicodinâmica do Trabalho e pós-modernidade. In: Mendes, A. M., Lima,
S. C., & Facas, E. P. (orgs). Diálogos em Psicodinâmica do trabalho. Brasília: Paralelo 15.
Dejours, C. (2007b). A banalização da injustiça social. 7° ed. Rio de Janeiro: Editora FGV.
Dejours, C. (2008). Trabalho, tecnologia e organização: avaliação do trabalho submetida à
prova do real. Crítica aos fundamentos da avaliação. Série Trabalho, tecnologia e organização, n.
2.
Lancman, S. & Uchida, S. (2003). Trabalho e subjetividade: o olhar da Psicodinâmica do
Trabalho. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho. vol. 6, pp. 79-90.
Mendes, A. M. (1996). Comportamento defensivo: uma estratégia para suportar o sofrimento no
trabalho. Psicologia Fortaleza. 13, pp.27-32.
Mendes, A. M. (Org.). (2007). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São
Paulo: Casa do Psicólogo.
Moraes, R. D. (2010). Prazer-Sofrimento e Saúde no Trabalho com Automação: estudo com
operadores em empresas japonesas do Pólo Industrial de Manaus. Manaus: Editora da
Universidade Federal do Amazonas.
Rocha, S. R. A. (2007). Depressão relacionada a distúrbios osteomusculares no trabalho
bancário. In: Mendes, A. M. (Org.). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas.
São Paulo: Casa do Psicólogo.
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Introdução
O estudo é oriundo de uma pesquisa realizada em empresas do Polo Industrial de Manaus – PIM
acerca da subjetividade do trabalhador. Serão enfocados os aspectos relativos ao prazer no
trabalho, seus mobilizadores e sua importância para a construção de identidade, partindo do
fundamento teórico da psicodinâmica do trabalho.
A psicodinâmica se mantém aberta ao diálogo interdisciplinar e articulada às demandas recentes
do mundo da produção, dentre as quais se ressalta a análise das patologias sociais relacionadas às
novas formas de organização do trabalho, decorrentes da acumulação flexível do capital
(Dejours, 2007; Mendes, 2007; Moraes, 2010). Parte de uma concepção de homem marcada pelo
poder de resistência, de engajamento e de transformação da realidade de dominação simbólica,
política e econômica (Mendes, 2007).
Dejours (1997; 2007) buscou compreender o sofrimento psíquico no trabalho, através da análise
da dinâmica do contexto de trabalho, partindo da tese da existência de um conflito central entre a
organização do trabalho e o funcionamento psíquico.
O objeto da psicodinâmica do trabalho é o estudo das relações dinâmicas entre organização do
trabalho e processos de subjetivação, que se manifestam nas vivências de prazer-sofrimento, nas
estratégias de ação para mediar contradições da organização do trabalho, nas patologias sociais,
na saúde e no adoecimento (Mendes, 2007).
A Psicodinâmica do Trabalho, do ponto de vista epistemológico, é uma “teoria crítica do
trabalho”, em que há os processos de construção-reconstrução das relações entre sujeitos-
trabalhadores e realidade concreta de trabalho, e articula a emancipação do sujeito do trabalho
(Mendes, 2007).
Método
A pesquisa abrangeu sete empresas inseridas no Polo Industrial de Manaus, foram entrevistados
34 (trinta e quatro) operadores que trabalham na inserção automática, buscando a maior
diversidade entre sexo, tempo na função e horário de trabalho.
Foi utilizado como instrumento de coleta de dados a entrevista individual semi-estruturada, em
que o roteiro foi elaborado anteriormente. A entrevista contemplou as categorias das vivencias
do trabalhador: organização do trabalho, autonomia, prazer, reconhecimento, sofrimento,
estratégias defensivas e estratégias de enfrentamento. Alem de dados socioeconômicos: idade,
sexo, naturalidade, tempo de serviço na função de operador de injeção plástica, entre outros.
Com a utilização do gravador, as entrevistas foram gravadas e transcritas, após assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, constando autorização do participante. A
partir desta fase, foram realizadas discussões e analises pelos pesquisadores do Laboratório de
Psicodinâmica do Trabalho da UFAM.
Resultados e discussão
As concepções de prazer e sofrimento constituem-se em um construto dialético inscritos em uma
relação subjetiva e intersubjetiva, visto que se constroem na esfera social. Segundo Mendes e
Tamayo (2001), as vivências de prazer-sofrimento formam um único construto composto pelos
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O que realmente me dá prazer é porque gosto do que faço. Gosto de exercer a função de
operador, gosto de mexer com máquinas, o ambiente, meus amigos. Eu gosto de trabalhar por
causa disso também, não pela empresa, mas sim pelas pessoas com que trabalho
(AUXILIADORA, EMPRESA ÔMEGA).
É observável a identificação com a função de forma positiva, em que o prazer ocorre a partir do
gostar de fazer o trabalho correto, ou simplesmente, fazer o trabalho. De acordo com Ferreira e
Mendes (2001, p.2), o prazer ou sofrimento no trabalho é “uma vivência subjetiva do próprio
trabalhador, compartilhada coletivamente e influenciada pela atividade de trabalho”.
Na análise das falas dos operadores, observou-se que muitos consideram prazeroso desenvolver
um bom trabalho e dar conta das atividades, preencher a lacuna prescrito-real. A identificação
com a tarefa que se realiza é um mobilizador de prazer.
Na maioria das entrevistas, ter um trabalho e um salário apareceu como elemento de prazer, por
permitir o sustento da família, destacando a importância do aspecto financeiro nesse contexto de
trabalho, além da possibilidade de sentir-se útil e produtivo.
Ah, é a satisfação de estar trabalhando (risos), me dá muito prazer porque tenho de onde tirar o
sustento da minha família; e também o ambiente de trabalho aqui é bom, pelo menos pra mim é,
sim (JÚLIA, EMPRESA ÔMEGA).
Nenhum... eu to aqui mesmo por necessidade, mas eu já conversei com meu supervisor e ele vai
fazer minha movimentação de demissão até dezembro, já negociei. (JOÃO, EMPRESA BETA)
Bom prazer mesmo não tem não, no momento não sei nem te falar bem sobre isso. Motivação
aqui não tem muito porque o salário é R$601,00. E pra conseguir a gente tem que correr atrás e
uma coisa que eles podiam fazer também é a participação de lucros, que eles não fazem aqui e
deixa a gente pra baixo. (RAIMUNDO, EMPRESA PSI)
De forma sintética, as respostas apontam para a relação entre o prazer no trabalho com
automação e a identificação com a tarefa, a busca do aperfeiçoamento e
o reconhecimento, que promovem o sentido do trabalho. Também é apontado que esse trabalho,
para muitos operadores, representa fundamentalmente uma fonte de sobrevivência, sem que
promova prazer e agregue valor para a identidade.
Mendes e Morrone (2010) afirmam que a dinâmica do reconhecimento, que é fonte de prazer,
exerce papel relevante no estabelecimento de uma relação salutar com o trabalho e na
modificação do sofrimento patogênico em criativo, através de um processo de reapropriação que
extrapola a ação de resistir ao sofrimento e ao adoecimento, possibilitando a construção de um
estado de saúde. E ao mobilizar-se nessas relações, as estratégias de enfrentamento produzem o
prazer no trabalho.
Conclusão
As estratégias de enfrentamento apresentaram-se como uma mobilização subjetiva do
trabalhador, que contribui a uma transformação do sofrimento, recupera o sentido do trabalho e
promove vivências de prazer.
Quanto aos aspectos comuns às sete empresas, se destacaram os seguintes mobilizadores de
prazer: a dinâmica das relações entre os pares, a obtenção de novos conhecimentos, as novas
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Por outro lado, nas empresas maiores, em que são pagos salários melhores e os benefícios são
grandes atrativos, o salário compatível com a função e o sentir-se útil apareceu reiteradamente
nas respostas como fonte de prazer.
uma empresa que eu vejo assim, de abrir as portas pro funcionário, dar oportunidade, fazer
seleção interna dando a oportunidade de crescer, pegar promoção né, abrindo vagas pras pessoas,
até dando oportunidade para as pessoas estudarem né, crescer e... plano de saúde é visionando...
outra coisa é o salário aqui né, assim, tem momentos que eu vejo assim, pessoas que trabalham
na linha de produção e ganham salários abaixo de 700 reais, eles dão... O caso é o seguinte, até
os seis meses, aquela pessoa que tem filho, ta gestante eles dão o enxoval durante seis meses ali.
Então eu vejo assim a Gama como uma empresa, pra mim pessoalmente como uma empresa...
uma „mãe‟, pra mim. Então, o que eu vejo de prazeroso é isso, essas oportunidades que ela dá
aqui dentro pro funcionário crescer. (TADEU, EMPRESA GAMA)
Assim, a análise das falas que se referem ao prazer no trabalho com automação no PIM conduz à
reflexão acerca da importância de investir em mecanismos que possam contribuir para uma
relação mais prazerosa do trabalhar, o que beneficia o sujeito e a empresa.
Referências
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Moraes, R. D (2010). Prazer-sofrimento no trabalho com automação: estudo em empresas
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SC-05
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Introdução
O sofrimento faz parte da condição humana. Na concepção da psicodinâmica do trabalho, o
sofrimento integra o trabalhar porque inevitavelmente acontecem imprevistos e incidentes, dada
a distância irredutível entre o trabalho prescrito e o real. Os incidentes, os acidentes e as panes
colocam o sujeito diante do desconhecido, confrontado-o com o não saber fazer e com o
sofrimento do medo de fracassar (Dejours, 2007a).
O sofrimento no trabalho não é necessariamente patogênico; pode atuar como um propulsor para
mudanças, caracterizando-se como sofrimento criativo. Pode mobilizar o sujeito para buscar a
solução para os problemas; essa mobilização abrange aspectos afetivos, cognitivos e sensoriais
constituindo a inteligência prática, que é guiada pelo sofrimento (pathos), e tem como meta
ultrapassar as dificuldades e subverter o sofrimento em prazer (Dejours, 2008ab).
Por outro lado, quando se esgotam as tentativas de transformar ou se defender do sofrimento, a
vivência prolongada do mesmo pode desencadear uma crise de identidade que abre caminho para
o adoecimento (psíquico e/ou somático). Dessa forma, os destinos do sofrimento indicarão se o
mesmo atuará como mediador para a saúde ou para a doença (Dejours, 2007a; 2008a; Gernet,
2010).
Segundo Mendes e Morrone (2010, p. 31/32), a vivência de sofrimento no trabalho é
caracterizada pela presença de medo, insatisfação, insegurança, estranhamento, desorientação,
impotência diante das incertezas, alienação, vulnerabilidade, frustração, inquietação, angústia,
depressão, tristeza, agressividade, impotência para promover mudança, desgaste, desestímulo,
desânimo, sentimento de impotência, desgaste físico, emocional, desvalorização, culpa, tensão e
raiva.
A pesquisa utiliza o referencial teórico da psicodinâmica do trabalho, abordagem que se encontra
consolidada, como fruto do intercâmbio de três décadas entre diversos campos de conhecimento:
psicanálise, sociologia, ergonomia, dentre outros. A psicodinâmica do trabalho se mantém atenta
às demandas recentes do mundo da produção, dentre as quais se destaca a análise das novas
formas de organização do trabalho e sua incidência sobre a subjetividade e a saúde dos
trabalhadores (Mendes, 2007).
A organização do trabalho - OT é um aspecto central para a compreensão do trabalho e para
contextualizar as falas que expressam as vivências subjetivas dos trabalhadores. A OT Inclui as
normas, as prescrições, as tarefas, os ritmos, bem como a dinâmica das relações, a estruturação
da hierarquia, nos aspectos formais e informais.
Situando o Polo Industrial de Manaus – PIM, instado há 44 anos, atualmente é constituído por
cerca de 450 empresas e agrega aproximadamente 110 mil trabalhadores em empregos diretos
(incluindo os terceirizados) (SUFRAMA, 2011). Na década de 90 ocorreu a ampliação de
investimentos em aquisição de máquinas de inserção automática, como parte relevante do
processo de reestruturação produtiva. Essa se fez acompanhar por um discurso de redução do
sofrimento no trabalho a partir da adoção de maquinário, relacionado à tese do “fim do trabalho”.
Contrariando esse discurso, os dados empíricos mostram que, na última década, ocorreu a
redução dos salários e a intensificação do trabalho, a despeito do aumento de exigências de
qualificação aos trabalhadores/as.
A reestruturação produtiva e a automação trouxeram uma maior exigência de engajamento
subjetivo, decorrente da busca de “qualidade total”. No fordismo periférico do PIM coexistem
práticas tradicionais de gestão e ao lado de novos e discursos oriundos do chamado modelo
japonês. O acoplamento de técnicas do toyotismo (que pressupõem engajamento subjetivo e
autonomia) sobre a base fabril taylorista (marcada por controle e rigidez hierárquica) conduz a
incongruências que agravam o sofrimento no trabalho.
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A pesquisa empírica abrangeu o estudo de diversos aspectos das vivências subjetivas no trabalho
com automação. O recorte aqui apresentado destaca o sofrimento no trabalho. O objetivo desse
estudo é analisar os agravantes do sofrimento no trabalho com automação no PIM.
Método
O campo empírico constitui-se de nove empresas, de diversos segmentos (eletro-eletrônico, duas
rodas, aparelhos celulares), instaladas no Polo Industrial de Manaus, que possuem uma seção de
automação, compreendida como inserção automática de componentes ou de injeção plástica. A
inserção automática é o processo inicial de fabricação dos diversos aparelhos eletrônicos
(televisores, aparelhos de som, filmadoras, DVDs, aparelhos de som para automóveis, fornos de
microondas).
Os participantes foram cinqüenta e cinco operadores e operadores de máquina, que responderam
a uma entrevista individual semi-estruturada. Os operadores/as são mencionados por codinomes,
“nomes de Santos”, o que possibilita a identificação do gênero, mantendo em sigilo a identidade.
A análise de dados foi realizada a partir da sistemática de análise da Grounded Theory, também
chamada de Método de Comparação Constante. A sistemática da Teoria Fundamentada se
destina a estruturar a informação, com vistas à descoberta de elementos comuns nas diferentes
entrevistas, comparando-as e articulando-as até alcançar os eixos de análise e a categoria central,
que permita desenvolver uma teoria a respeito de determinado fenômeno social (López &
Scandroglio, 2007; Trinidad, Carrero & Soriano, 2006). Foram utilizadas categorias de análise
oriundas da psicodinâmica do trabalho, teoria já consolidada, recorrendo-se à Grounded Theory
apenas como sistemática de análise.
Resultados e discussão
O sofrimento no trabalho obteve grande destaque na fala dos operadores. O principal agravante
do sofrimento é o excesso de trabalho e cobrança, caracterizando a sobrecarga, mencionada em
todas as empresas, conforme é referido nas falas a seguir:
Sofrimento... Excesso de trabalho. Excesso de cobrança; às vezes, assim... Bora, bora, vem, tem
que se... e move e troca. Guadalupe, Empresa Gama.
Sofrimento, é que é muita cobrança também, né? E é muito trabalho, o cara trabalho demais... às
vezes fica na hora do almoço, tem que voltar cedo pra adiantar lá, tem que fazer isso. Francisco,
Empresa Delta.
Sofrimento? Assim, a gente tem que se esforçar muito, o máximo possível pra poder dar a
produção e também, porque muita gente não reconhece, né? É muito esforço. Raimundo,
Empresa Psi.
[...] tu tem muita coisa pra fazer, tu não consegue fazer, e eles te criticam: tu não ta conseguindo
fazer, antes você era melhor, antes você fazia isso, não demorava fazia aquilo que eu não pedia,
entendeu? Eu fazia essas coisas, mas hoje já não tá mais a mesma coisa, porque, eu tenho
problema de coluna, tenho outros princípios de bursite, meu braço já tem um nódulo aqui, tipo
uma tendinite, eu tou saindo já da fabrica praticamente, todo aleijado, e já não sou a mesma
pessoa, é claro, de quando eu cheguei aqui, cheguei aqui eu tinha saúde. Empresa Alfa.
O risco de adoecimento em decorrência da sobrecarga conduz ainda ao sofrimento relacionado
temor do afastamento por doença, que implica dificuldade de promoção e reinserção. Há
operadores que mencionam dores, sinais e sintomas mas evitam buscar atendimento temendo
que, ao serem afastados, percam as possibilidades de promoção ou até mesmo a reinserção em
seu posto de trabalho.
Também foi mencionado o sofrimento do medo de errar, que está relacionado às pressões por
“qualidade” e ao excesso de trabalho e de cobranças. O medo de errar de relaciona ao risco de
causar grandes prejuízos financeiros, vista a rapidez do processo de inserção automática; inclui o
sofrimento de decepcionar a empresa e a si próprio, o que deixa o trabalhador em alto nível de
tensão, o que é expresso com muita ênfase na fala de Edwiges:
Correr o risco de colocar uma alimentação errada no processo, isso causa, assim, um tormento
mental, você fica com aquilo... Um caso, uma vez que passou uma alimentação errada num final
de semana que seria um feriado prolongado, não fui eu, mas eu fiquei..., como era no processo
que eu trabalhava, fiquei... tive até problema de pressão alta, de ficar pensando que foram tantas
mil erradas, é um desperdício né, uma falta de atenção que levou a um prejuízo. Aí isso me deixa
assim, dessa vez me deixou completamente perturbada, a pressão [arterial] aumentou. Empresa
Gama.
Quando a gente faz com pressa às vezes se acidenta, corta o dedo, porque na lâmina... na
máquina tem lâminas, né. Aí você fica assim... porque é vinte minutos só que você tem pra trocar
modelo, entendeu? Empresa Gama.
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[...] Como operadora de máquina se trabalha em pé. Você não senta, às vezes você só senta na
hora da refeição, mas é em pé o dia todo. Guadalupe, Empresa Gama.
Além dos aspectos mencionados, a dinâmica das relações se destaca como agravante do
sofrimento em diversas situações. Há queixas referentes aos superiores, tais como autoritarismo:
Tem algumas coisas ([...] de chefe vir gritar, falar alto, entendeu? Essas coisas aí... tratar mal isso
aí...Francisco, Empresa Delta.
Ëntão, ele chegava a chamar uma pessoa de burro... Aí já é demais, né! Bento, Empresa Sigma.
Conclusão
Embora o sofrimento integre o trabalhar, e a experiência afetiva do trabalho se dê a partir da
vivência de sofrimento, Dejours (2007a) enfatiza que a necessidade de alívio conduz a uma
busca intensa por transformação do sofrimento, na esperança de subvertê-lo em prazer.
Mendes e Morrone (2010) destacam como elementos que favorecem a transformação do
sofrimento: a inteligência prática, o reconhecimento e a cooperação. Na pesquisa empírica o
individualismo, relacionado à competição, dificulta a cooperação. Se os outros são vistos como
concorrentes, como partilhar o saber e expor seus limites e as suas dúvidas? A cooperação e o
reconhecimento ficam grandemente prejudicados. A falta de reconhecimento e a reduzida
autonomia limitam o exercício da inteligência prática e a transformação do sofrimento.
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Referências
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Vasconcellos, J. G. M. (1996) O Coronelismo nas organizações: a gênese da gerência autoritária
brasileira. Em: “Recursos” humanos e subjetividade. Davel, E.; Vasconcellos, J. (Orgs).
Petrópolis: Vozes.
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Introdução
Este trabalho é fruto de uma pesquisa realizada com funcionários de empresas do Pólo Industrial
de Manaus, afastados do trabalho em decorrência do adoecimento no trabalho por Lesão por
Esforço Repetitivo (LER) / Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). O
objetivo da pesquisa foi analisar a relação entre sofrimento, violência psicológica e adoecimento
no trabalho.
À psicodinâmica do trabalho interessa a análise das relações dinâmicas entre a organização do
trabalho e os processos de subjetivação do trabalho (Mendes, 2007) Prazer-sofrimento,
estratégias defensivas, patologias sociais são alguns dos exemplos de tais processos.
Nessa dinâmica, o sofrimento criativo surge como uma saída possível para um estado de
normalidade do trabalhador, protegendo seu estado psíquico (Dejours, 2007; Mendes, 2010),
pois valoriza o tripé inteligência prática-cooperação-reconhecimento (Martins; Moraes; Lima,
2010).
No entanto, verifica-se que as novas formas de gestão praticadas precarizaram ainda mais as
relações de trabalho, pois se baseiam em ameaças constantes de desemprego, apoiadas pela
pressão de se manter competitivo e qualificado continuamente. Assim, surgiram novas patologias
do trabalho, tais como a Patologia da sobrecarga, da servidão e da violência (Mendes, 2007).
A violência é um tipo de relação na qual uma pessoa submete a outra contra sua vontade,
caracteriza-se pela agressividade que pode ser manifestada por atitudes de desprezo, sarcasmo,
injúrias verbais, prepotência, perseguição coletiva, assédio sexual, intimidação, perseguição de
outros, isolamento, gestos rudes ou discriminação racial (Ferreira, Guimarães, & Almeida, 2010;
Ferreira, 2009).
Na última década, a violência psicológica no trabalho se destaca como um dos temas
preocupantes no debate multidisciplinar tecido nas ciências do trabalho, tendo em vista o
agravamento de doenças a ela relacionadas e até mesmo a ocorrência de suicídios relacionados
ao trabalho (Dejours, 2008, 2010; Soboll, 2008). As situações de violência psicológica no
trabalho ocorrem em diversos lugares do mundo. Há estatísticas de casos de assédio moral na
Espanha, Inglaterra, Dinamarca, Chile, entre outros (Martinez-Lugo, 2006).
Um dos mais emblemáticos tipos de violência psicológica que se tem conhecimento é o assédio
moral, caracterizado por situações de agressividade, que ocorrem com certa periodicidade,
direcionadas para uma determinada pessoa ou grupo, cujo objetivo é humilhá-los e/ou excluí-los
(Soboll, 2008).
Além do assédio moral, há o assédio organizacional, diretamente relacionado ao perfil da
organização, à sua estrutura, suas políticas que propiciam a disseminação de abusos para com os
trabalhadores. Diferentemente do assédio moral, o assédio organizacional não é direcionado para
uma determinada pessoa.
Nos resultados serão discutidos os processos de adoecimento, as repercussões desta relação sobre
o sujeito-trabalhador, bem como suas formas de enfrentamento e os desdobramentos da violência
sobre o adoecimento, tendo como fundamentação teórica a psicodinâmica do trabalho.
Método
Os participantes foram cinco pessoas afastadas de seus postos de trabalho, no Polo Industrial de
Manaus - PIM, que atualmente são membros da Associação dos Trabalhadores Lesionados por
Doença e Acidente no Trabalho do Amazonas – ATLEDATAM – funcionários de três empresas
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Resultados e discussão
A maioria dos entrevistados apresentou um quadro de doença relacionado à sobrecarga de
trabalho, pois eram submetidos a condições de trabalho inadequadas e que excediam suas
capacidades físicas, levando-os a exaustão e a doença:
Eu, como... [adoeci] devido o esforço físico, porque a gente trabalha em pé e a gente [trabalha]
fazendo todo tipo de atividade. As laborativas muitas vezes vem sem proteções, sem o EPI
adequado, ao longo do tempo, das atividades, final, do final da jornada de trabalho, vai ocasionar
uma doença ocupacional, a famosa LER, né. Então isso que eu ganhei (Carlos, Empresa Jaspe).
A organização do trabalho dos participantes desta pesquisa estava permeada pelo individualismo
e hostilidade, uma vez que os próprios colegas de trabalho discriminavam os sujeitos
participantes, uma vez que apresentavam os sintomas de LER/DORTs. A negação do
adoecimento e a discriminação dos colegas adoecidos foi identificada por Moraes e Vasconcelos
(2011) como uma estratégia coletiva de defesa utilizada por operário do PIM. Ao negar o
adoecimento, os operários minimizam a angústia face ao medo de adoecer, porém ao custo de
alienação e agravamento dos riscos. Discriminam e hostilizam os colegas adoecidos que
ameaçam a eficácia da estratégia defensiva por trazem a lembrança do risco das doenças do
trabalho. Essa hostilidade, oriunda dos próprios colegas, é um agravante do sofrimento para os
portadores de sintomas de LER/DORTs, e atua no sentido de ocultar os sintomas e retardas a
busca de atendimento, agravando os riscos.
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Nesse contexto de trabalho não havia espaço para o sofrimento criativo, pois não se estimulava a
cooperação entre os trabalhadores, tampouco a inteligência prática e o reconhecimento. Os casos
aqui mencionados confirmam que as novas patologias são patologias da solidão (Martins et al.,
2010) e que as estratégias coletivas estão deterioradas.
Além da falta de solidariedade dos colegas, o operário adoecido é tratado pela hierarquia como
alguém perigoso, que pode “contaminar” os colegas, sendo monitorado por outro operador que
passa a vigiar seus movimentos:
. É. Me monitorando direto, inclusive o rapaz que ia comigo atrás de mim, ele dizia que tinha um
posto, e ele precisava trabalhar e ele dizia que eu atrapalhava ele. Aí, eu tive que me afastar
novamente, porque além de eu tá sendo prejudicada, sendo pressionada, sendo perseguida, eu
ainda tava prejudicando alguém que tava trabalhando também (Cora, Empresa Quartzo).
Apesar de todo o sofrimento de sua condição, a operária Cora inda se preocupava em não
prejudicar a produção, incluindo a preocupação de não “ocupar” o tempo do colega designado
pela chefia para monitorá-la, que estava em uma posição de “fiscal” de seus movimentos, em
uma posição de adversário. Isso mostra a perversão dessa organização de trabalho, que faz com
que o operário seja responsabilizado e assuma a responsabilidade pela doença, e coloque a
produção acima de qualquer interesse, inclusive de sua saúde.
Apesar da doença, os entrevistados tentavam permanecer no posto de trabalho, suportando o
sofrimento e movidos pela “disciplina da fome” (Dejours, 1992). Aquele emprego representava
uma possibilidade de sobrevivência financeira e, em alguns casos, uma oportunidade de
realização pessoal e crescimento.
Observa-se que a violência psicológica está presente, de acordo com o relato dos entrevistados,
antes e depois do surgimento da LER/DORT ou, em alguns casos, da doença psíquica. A
diferença está no propósito da violência psicológica: antes da doença ocupacional ela é um
instrumento da gestão por estresse e/ou dos erros de gestão (Soboll, 2008). Depois do
adoecimento, a ofensa e a intimidação servem como meios de inibir os sujeitos adoecidos de
lutarem por seus direitos.
Um dado que chamou a atenção foi o papel do médico do trabalho. A maioria dos entrevistados
afirmou que foi intimidada, humilhada e constrangida pelos médicos do trabalho: há um caso de
laudo médico forjado pelo médico do trabalho, atestados de outros médicos (que não fazem parte
do quadro de funcionários da empresa) questionados e/ou negados, negligência e omissão do
médico do trabalho durante a recolocação dos sujeitos participantes.
A relação entre os sujeitos adoecidos com os médicos do trabalho está adoecida. Como tais
médicos são funcionários, ou seja, são parte da hierarquia da empresa, observa-se que não há
uma conduta ética por parte dos primeiros. Os dados aqui coletados mostram que eles não
apresentam fidedignidade ao conhecimento médico das lesões e doenças relacionadas ao
trabalho, mas servem aos interesses das empresas, colocando-se contra os operários lesionados.
O bem-estar físico e psíquico dos sujeitos que adoeceram no ambiente de trabalho é
negligenciado e tais pessoas são submetidas a diversos tipos de violência psicológica.
Os médicos especialistas, externos às empresas, solicitaram que se os operários fossem afastados
dos postos de trabalho onde adoeceram, mas recomendação foi ignorada pelos médicos do
trabalho das empresas. Há que se questionar qual é a influência do vínculo de trabalho na
conduta de tais médicos e que é o papel da ética profissional no exercício da medicina do
trabalho.
Os impactos do adoecimento no trabalho refletem nas relações familiares, uma vez que os
participantes eram os principais mantenedores da família e há uma perda de poder aquisitivo
devido ao afastamento do trabalho. Assim, ocorre uma inversão de posições, pois, a partir do
afastamento, os operários que passam a necessitar da ajuda financeira de seus familiares. No
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entanto, a família não os apóia a lutar por seus direitos no plano legal, buscando instâncias da
justiça do trabalho:
... Depois de todas essas coisa que me aconteceu, né... Comigo... Atinge não só a mim, mas
atinge a família, entendeu, você percebeu que eu tenho família por trás disso, e, fica uma coisa
muito chata, né, em relação isso aí, mas eu fiquei muito debilitado, fisicamente,
psicologicamente, muitas vezes familiarmente né. (CARLOS, JASPE)
Uma vez que adoecidos, os operários são excluídos do espaço produtivo, pois a “normalidade” é
uma condição para permanência no trabalho (Dejours, 1992). Além da exclusão social, o
trabalhador perde no registro da identidade, por não ser mais o operário da empresa X, mas um
“encostado”, posição que é alvo de desconfiança e suspeita por parte dos antigos pares e
superiores e ainda dos familiares, o que agrava o sofrimento. Tendo em vista a centralidade do
trabalho para a identidade (Dejours, 2008a), uma das tarefas do operário afastado é buscar uma
nova atividade, uma nova identidade, um outro trabalho.
Quatro dentre os cinco participantes da pesquisa estão buscando profissionalização em outras
áreas de trabalho. A exceção foi Vinícius, cujos comprometimentos são psíquicos mais graves
(foi diagnosticado transtorno de pânico, além de depressão).
Mário trabalha como locutor de um programa de rádio no qual procura dar suporte aos
trabalhadores sobre os seus direitos e fundou uma associação – a ATLEDATAM. Cora e Mário,
por exemplo, escolheram o Serviço Social e Comunicação, respectivamente. E ambos afirmam
que seu propósito é auxiliar outras pessoas que passam por situações parecidas com as que
vivenciaram.
Como um dos entrevistados bem colocou, é uma luta desigual. O que se verifica no relato destas
pessoas adoecidas física e emocionalmente é uma tentativa de sair daquele ambiente que
patogênico. Assim, o principal impacto percebido foi o desejo de mudar de profissão, buscar
uma nova significação do trabalho e novas oportunidades de emprego.
Conclusão
Os resultados da pesquisa mostraram que o sofrimento e a violência psicológica estão presentes
no ambiente de trabalho de empresas do PIM. As pressões e as ameaças são utilizadas tanto
como um instrumento para alcançar a produtividade como enquanto meio para intimidar os
sujeitos adoecidos em decorrência do trabalho. Há que se questionar se o propósito dessa
intimidação não seria o pedido de demissão do lesionado, uma vez que, de acordo com os
relatos, a empresa não estava interessada em recolocar aquelas pessoas.
O sofrimento agravado pela violência psicológica aqui destacada mostra que, em ambientes em
que não existe o tripé inteligência prática-cooperação-reconhecimento, há uma grande
possibilidade de germinar a banalização da injustiça social.
O processo de adoecimento da maioria dos entrevistados parece corroborar com o que Dejours
(1992) coloca, que para o bem trabalhar e para obter boas performances produtivas, muitas vezes
é melhor para o trabalhador bloquear o seu pensamento. Nos ambientes de trabalho descrito
pelos sujeitos não havia espaço para a criatividade, inteligência prática ou cooperação. Com isso,
anulava-se a subjetividade dos entrevistados. Assim, eles foram mantidos alienados, não
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procurando refletir sobre as implicações da organização do trabalho sobre o seu estado de saúde
e ignorando os sinais de adoecimento que seus corpos transmitiam.
Por outro lado, ocorreu uma mobilização subjetiva na maior parte dos casos aqui relatados.
Apesar do sofrimento, da violência e do adoecimento, os trabalhadores buscaram alternativas.
Embora não tenham conseguido transformar o ambiente de trabalho, a criação de uma associação
e a reflexão sobre as situações de injustiça que vivenciaram em seus ambientes de trabalho
demonstram o desenvolvimento da mobilização subjetiva.
Não obstante os participantes desta pesquisa tenham vivenciado intenso sofrimento psíquico –
além de sofrerem com as doenças adquiridas – constatou-se que a maioria conseguiu desenvolver
o sofrimento ético que lhes possibilitou refletir sobre as contradições entre o trabalho real e o
prescrito, e buscando alternativas para sua vida, apesar da do doença do trabalho.
Referências
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115
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Introdução
Tendo como base a centralidade do trabalho na vida do sujeito e seu papel na construção da
identidade, buscamos compreender qual o impacto que a função de liderança exerce na
subjetividade dos sujeitos que ocupam o cargo de Líder 7, situado na base da hierarquia de
comando da empresa; como são as vivências subjetivas desses Líderes, ao se depararem com as
pressões geradas pela empresa, com suas metas de produtividade e qualidade total, face às
limitações impostas pela organização do trabalho, ou pelas exigências que estes mesmos impõem
aos seus subordinados, sendo conhecedores e tendo consciência das limitações impostas pelo real
do trabalho que esses trabalhadores vivenciam.
O Líder, participante da pesquisa dessa dissertação, é aqui definido como aquele que ocupa o
cargo situado imediatamente acima dos operários da produção, sendo o primeiro cargo nas
hierarquias da empresas do Pólo Industrial de Manaus - PIM. Geralmente, esse Líder advém da
linha de montagem, da produção, conhecendo bem o trabalho prescrito nos procedimentos e a
lacuna que existe entre o que está no procedimento e sua real execução.
Em tempos de modelos de gestão que enfatizam a obtenção das normas de certificação ISO
9000, ISO 14000, SA 8000, os programas de Qualidade Total, Excelência nos Resultados,
Gestão por competências, Just in Time, Six Sigma e demais “modismos” de gestão que prometem
a “felicidade” ao sujeito, que têm mobilizado o Pólo Industrial de Manaus, cuja estrutura ainda é
baseada na tradição Taylorista-Fordista, surge o questionamento: Será que os Líderes sofrem das
mesmas pressões de seus subordinados? Caso sofram, que estratégias utilizam para lidar com tal
sofrimento? Tais questionamentos motivaram a realização dessa pesquisa, estabelecendo-se
como o problema a ser investigado.
No intuito de conseguirmos caminhos que nos levassem a ampliar nosso olhar sobre essa
construção complexa entre subjetividade e trabalho e a possíveis respostas para nossos objetivos,
buscamos um diálogo entre a sociologia clínica, que tem como objetivo investigar as
reciprocidades entre o psíquico e o social, e a Psicodinâmica do Trabalho, uma teoria que se
define primeiramente como uma clínica do trabalho, que se apóia na descrição e no
conhecimento das relações entre trabalho e saúde mental, que se insere numa teoria do sujeito
que inclui conhecimentos da psicanálise, ergonomia e da teoria social, situando-se como
pesquisa e ação, intervindo no “mundo do trabalho”, buscando compreender o que está em jogo
na “saúde”, na experiência dos trabalhadores (Dejours, 2004).
Esta pesquisa foi realizada em uma empresa localizada no Pólo Industrial de Manaus - PIM, que
é considerado a base de sustentação da Zona Franca de Manaus, sendo formado por
aproximadamente quatrocentas e cinqüenta indústrias, em sua maioria empresas transnacionais,
que buscam adequação às exigências das certificações internacionais - série ISO e seus correlatos
(Suframa, 2011).
Método
Foi empregada a metodologia qualitativa, em concordância com a abordagem da Psicodinâmica
do Trabalho, pois esta privilegia as falas dos participantes. Não conhecemos o prazer nem o
sofrimento de maneira objetiva. Na ordem do objetivo conhecemos somente as
7
Diferenciamos o Líder, sujeito da pesquisa, com “L” maiúsculo do líder, no sentido genérico, com “l” minúsculo.
116
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
desregulamentações e retornos ao equilíbrio, mas este registro não informa sobre a vivência
subjetiva, da qual se obtém uma maior aproximação a partir da abordagem qualitativa. A fala é a
mediação privilegiada desta relação, e é sobre ela que trabalha a psicodinâmica do trabalho
(Dejours, 2008a).
O objetivo da psicodinâmica do trabalho como clínica do trabalho é a analisar a organização do
trabalho e a partir do seu entendimento compreender como são produzidos os processos de
subjetivação, as patologias e a saúde. A subjetividade expressa nas inter-relações subjetivo-
objetivo, visível-invisível, psíquico-social (Mendes, Araújo e Merlo, 2011).
Além do conjunto de postulados teóricos, a Psicodinâmica do Trabalho possui uma metodologia
específica, porque a clínica do trabalho é uma construção que inclui uma abordagem teórico-
metodológica. A metodologia dejouriana strictu sensu é a clínica do trabalho, que pressupõe a
demanda de investigação partindo dos sujeitos, a disponibilidade dos trabalhadores em se reunir
no próprio ambiente de trabalho, para uma escuta livre dos conteúdos subjetivos do trabalho, em
aproximadamente doze encontros. Nesta pesquisa, não foi utilizada a metodologia da
Psicodinâmica do Trabalho strictu sensu, uma vez que esta postula que, a priori, a demanda deve
partir dos trabalhadores (Dejours, 2008a), além de propor 12 sessões, o que, por restrições da
empresa, não seria possível, uma vez que a empresa liberou apenas para 06 encontros.
Além disso, nesta pesquisa a demanda partiu do pesquisador, o que é uma realidade freqüente no
Brasil (Moraes, 2010). Assim, foram escolhidas previamente seis categorias de análise, que
implicaram em temas mobilizadores de discussão nos encontros das entrevistas coletivas. No
entanto, tais mudanças não invalidam a análise fundamentada na teoria Psicodinâmica, que
permite adaptações para a investigação da subjetividade no trabalho (Mendes, 2007a).
Para realizar a análise dos dados obtidos nas entrevistas coletivas, optei por adotar a sistemática
de análise de dados da Análise de Teoria Fundamentada (ATF) ou Grounded Theory, adaptada
por Moraes (2010), que articula as respostas e estabelece a comparação entre as mesmas,
conduzindo a eixos de análise, o que se mostrou pertinente aos fundamentos, ao objeto e aos
objetivos dessa pesquisa.
Participantes
Dos quarenta Líderes de produção que compõe o quadro da empresa pesquisada, seis aceitaram o
convite encaminhado pelo departamento de Recursos Humanos da empresa, sendo 05 homens e
01 mulher. Os critérios de inclusão para participar da pesquisa foram: ter no mínimo 02 anos
como funcionário da empresa e no mínimo 06 meses na função de líder de Produção. A escolha
dos informantes buscou a maior diversidade possível quanto à idade, tempo de serviço na função,
gênero, turno de trabalho, a nos diversos setores que compõe a área de produção da empresa. Os
Líderes de produção são os funcionários que acompanham as atividades de uma linha de
produção e auxiliam o supervisor em tarefas administrativas referentes àquele setor. Ressalta-se
que, como forma de preservar a identidade dos Líderes participantes, foram utilizadas siglas
aleatórias na identificação das falas.
Foram realizadas seis entrevistas coletivas, com duração aproximada de cinqüenta minutos cada,
em uma sala utilizada para treinamentos internos, localizada na própria empresa, seguindo a
orientação de Dejours (2008c), que recomenda a realização da pesquisa em espaço relacionado
ao trabalho, o que também otimizou o tempo de ausência dos sujeitos de suas atribuições
laborais, uma vez que a pesquisa foi realizada em horário de expediente. Participaram os seis
líderes, falando sobre os temas propostos pelo pesquisador em cada sessão
A empresa onde a pesquisa foi realizada aqui será tratada pelo codinome Empresa X; situada no
Pólo Industrial de Manaus, pertence a um tradicional grupo japonês que atua no Brasil desde
1997, possuindo 18 fábricas, distribuídas em 09 países, produzindo componentes mecânicos e
conjuntos de transmissão para veículos de duas rodas. A filial de Manaus possui atualmente 633
trabalhadores e cerca de 40 Líderes de produção. Tem a certificação da ISO 9001:2000, e está
fase de planejamento para a certificação do Sistema de Gestão Ambiental (ISO 14.000). Sua
escolha se deu em virtude de acesso viabilizado por contato anterior, em que foi realizado um
117
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
trabalho de consultoria com um grupo de líderes. A filial de Manaus fornece peças para uma
única empresa, aqui denominada empresa Y. Tal fato gera uma forte relação de dependência
econômica com esta empresa, o que exige a adequação a todas as exigências que esta empresa
cliente impõe. Essa situação cria um ambiente de forte tensão para atingir os resultados
operacionais de produção e busca pela excelência em qualidade e produtividade.
Resultados e Discussão
De acordo com Mendes (2007b), o sofrimento surge quando não é mais possível a negociação
entre o sujeito e a realidade imposta pela organização do trabalho. Uma dessas impossibilidades
de negociação do líder participante da pesquisa, frente ao real do trabalho é a que diz respeito à
insatisfação salarial dos seus subordinados:
Uns conflitos que a gente tem, é com relação a salários, cargos e salário. [...] todos tem essa
consciência de que o que se recebe é bem menos do que é pago por outras empresas. [...], eles
exigem, eles cobram, quer dizer, eles jogam assim na nossa cara porque eles ganham tão pouco
se em outras empresas paga-se melhor [...]. E hoje em dia eu estou com este problemão
para[...]é um assunto muito delicado e difícil de ser resolvido, principalmente os nossos
superiores e diretores é que resolvem (Líder HG).
Sobre o pagamento de baixos salários no PIM, Moraes (2010) afirma que a prática de se pagar
baixos salários nos cargos operacionais é constituinte das políticas do PIM, tendo visto as altas
margens de lucro que as empresas buscam, na lógica de que no capitalismo periférico a
exploração dos trabalhadores é exacerbada.
Outra situação que parece causar sofrimento ao Líder, é estar na posição de liderança, pois este é
visto ainda como um “capataz” a serviço da empresa. A organização impõe ao líder alcançar as
metas de produção e qualidade, mesmo que isso custe “medidas impopulares” junto aos seus
subordinados.
E uma hora eu vejo quando a gente é carrasco não gosta, quando é intermediário não gosta e
quando é bom não gosta. Por isso que eu digo: - Por quê? Então esse sentimento que fico. Dá
vontade de arrancar esse sentimento fora porque não tem o reconhecimento da equipe em si.
Quando acontece uma situação dessas você é criticada por que está cobrando muito, mas é o
serviço, é a condição. Essa parte de produtividade e relacionamento social com a equipe, você
precisa conciliar isso, os extra partes. (Líder T)
Uma vez teve uma situação que disseram que era pra ficar até duas horas da manhã, aí
disseram: - Não, faz o seguinte, deixa só o A até duas horas. E eu conversei com o colaborador e
ele disse: - Ah! Não vou ficar não, já me pediram para eu ficar até essa hora, to em pé aqui. Aí
eu voltei lá e falei aí o supervisor disse: - Eu, quando era peão, fazia sacrifício e se precisar eu
fico quantas vezes for necessário -. E eu, em uma situação dessas, como que eu ia falar pro cara
que tinha que ele tinha que ficar? Então, imagina a minha situação. Aí eu disse: eu não vou
falar, eu não vou falar... Então bota o telefone na orelha dele aí e eu disse: - Ele quer falar
contigo. As mesmas coisas que ele falou pra mim ele falou pra ele. Cara, isso me doeu assim, a
lágrima escorreu. Deu pra sentir que ele estava com muita raiva, mas ele disse: - Eu vou ficar.
118
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Mas a lágrima escorrendo assim. Ele disse: - Eu vou ficar e resolver minha situação, esse
momento é que eu to precisando mais porque meu filho tá novo, mas quando resolver minha
situação vou sair daqui. Agora não tem jeito, eu vou ficar. Cara, eu fui com aquilo na cabeça
pra casa, aquela coisa entalada assim (Líder HG).
As falas dos líderes mostram que não existe o reconhecimento no sentido da gratidão do
trabalho, pelo esforço desprendido, e muitas vezes não há o reconhecimento de utilidade, pela
obtenção dos resultados para a organização. Todos afirmam que o reconhecimento é importante,
mas não se sentem reconhecidos. Percebem como não sendo uma prática na empresa e acabam se
resignando, usando a Bíblia para justificar que, no âmbito religioso, devemos fazer o bem aos
outros sem esperar retribuição ou reconhecimento,conforme a fala do Líder abaixo:
A gente sabe que o reconhecimento é... Uma coisa que a gente tem que fazer, todo o dia, nosso
trabalho; a gente tem que esperar, realmente quando a gente espera... A gente tem que pensar
que eu vou fazer isso, o A vai me agradecer, ele vai reconhecer... Eu penso que, quando a pessoa
pensa assim, quando não acontece, há frustração, a pessoa se abate. Eu prefiro não pensar
assim, eu prefiro fazer, me empenhar, vestir a camisa, dar o sangue mesmo, fazer... (Líder XT)
O reconhecimento é uma das condições que permite transformar o sofrimento em prazer, pela
interpretação do sentido dado à tarefa, quando as contribuições do trabalhador são reconhecidas
pelos outros (Gernet, 2011). O não reconhecimento dificulta a transformação do sofrimento do
líder, comprometendo o sentido de seu trabalho.
Em síntese, a organização de trabalho dos líderes é caracterizada por falta de autonomia para
tomada de decisões; assim, são pressionados a infligir sofrimento aos seus subordinados ou a
outros trabalhadores, o que conduz à percepção, por parte dos operários, de que são “capatazes”
a serviço dos interesses da empresa, o que dificulta a cooperação entre subordinados e líderes. O
individualismo e a competição dificultam a cooperação entre pares e o reconhecimento, o que
deve paralisar, em grande medida, a dinâmica da transformação do sofrimento.
Considerações finais
A organização de trabalho, possivelmente pela forte dependência que tem com a única empresa
que compra seus produtos, tem foco em alta produtividade, atrelada a uma necessidade
preeminente de produzir peças com qualidade, gerando grande sobrecarga de trabalho, dá pouca
autonomia para os líderes tomarem decisões, o que limita a atuação do Líder, no intuito de
conseguir atingir as metas estabelecidas, levando-o a infligir sofrimento aos seus subordinados,
fazendo com que estes percebam os Líderes como “capatazes”, dificultando a cooperação entre
pares e o reconhecimento o que deve paralisar, em grande medida, a dinâmica da transformação
do sofrimento. Esse modelo de gestão adotado pela empresa, gera grande sofrimento, pela falta
de reconhecimento, que poderia agir como transformador deste sofrimento, dando significado ao
seu trabalho e construindo sua identidade, e dificulta a conquista do prazer, desencadeando uma
série de sintomas de adoecimento ligadas a sobrecarga, pressão por resultado, estresse, pressão
alta, dores de cabeça, dores nas costas, além da violência verbal, violência psicológica, que
favorece o aparecimento de quadros depressivos, tendo conseqüências no físico do sujeito que
sofre.
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em www.suframa.gov.br. Acesso em 21 jan 2011.
120
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Introdução
Os Tribunais de Justiça são instituições que exercem funções estatais e que correspondem a um
conjunto de competências conferidas por lei, sendo encarregados de resolver conflitos da
sociedade. Para o desempenho de suas atividades, estes órgãos contam com o trabalho de
magistrados, os quais exercem atribuições constitucionais com plena liberdade funcional para o
exercício de suas tarefas; e servidores públicos que recebem delegação para práticas de atos
administrativos, não possuindo, porém, poder decisório (Júnior, 2006).
Nesta perspectiva, o servidor público da Justiça está encarregado de iniciar e dar andamento às
atividades relacionadas aos processos judiciais, nos quais grande parte das tarefas é burocrática e
repetitiva e os magistrados finalizam o trabalho judicial com o julgamento e elaboração da
sentença. Desta forma, a compreensão das vivências subjetivas no trabalho dos servidores
públicos da Justiça estadual amazonense está diretamente ligada à gestão burocrática do trabalho
e ao sofrimento gerado pela falta de autonomia decorrente deste tipo de gestão.
O estudo buscou compreender os processos psicodinâmicos implicados no trabalho nas varas
criminais do Tribunal de Justiça do Amazonas - TJAM, analisando a organização do trabalho -
OT, as vivências de prazer-sofrimento, as estratégias defensivas e de mobilização subjetiva, e a
promoção de saúde-adoecimento. Os propósitos específicos da pesquisa foram identificar as
características da organização do trabalho no TJAM, as contradições entre o trabalho prescrito e
o real e suas relações com o prazer-sofrimento; apontar os fatores que contribuem para o alcance
de prazer no trabalho e para a criação de estratégias de mobilização subjetiva; elucidar as
estratégias defensivas utilizadas para enfrentar o sofrimento; identificar patologias do trabalho e
apontar os riscos de adoecimento psíquico dos servidores; e propor ações interventivas que
favoreçam relações saudáveis de trabalho no âmbito da Justiça criminal.
A pesquisa proporcionou ampla compreensão acerca da psicodinâmica do trabalho nas varas
criminais do TJAM. Entretanto, aqui, será dado destaque aos fatores que geram sofrimento e as
vivências subjetivas de mal-estar. Serão também ressaltados os obstáculos à transformação do
sofrimento no trabalho, que dificultam o engajamento dos servidores em estratégias que
proporcionem mudanças na organização do trabalho.
Metodologia
A pesquisa foi realizada no Tribunal de Justiça do Amazonas - TJAM, órgão público ligado ao
Poder Judiciário. O TJAM possui 11 Varas Criminais que tratam de processos referentes a
delitos sobre tráfico e uso de entorpecentes, crimes resultantes de acidentes de trânsito,
estelionato, furto, roubo, estupro, entre outros. Nestas unidades criminais trabalham em média 60
servidores.
Os participantes foram os servidores concursados do Tribunal de Justiça que exercem suas
atividades nas Varas Criminais, sendo 6 (seis) mulheres e 1 (um) homem. A média de tempo de
trabalho dos participantes na instituição é de 11 anos, sendo que dois deles trabalham há mais de
20 anos no TJAM, o que revela grande experiência no trabalho executado, bem como
conhecimento acerca do TJAM.
Ressalta-se que o método adotado para o estudo é qualitativo. Optou-se por utilizar a
psicodinâmica do trabalho não somente como referencial teórico, mas também como método,
procurando reproduzir a clínica do trabalho conforme preconizada por Dejours (2008a) na
França e aplicada por pesquisadores brasileiros como Lancman, Szelwar e Jardim (2007);
Baierle e Melo (2008); Vital-Júnior, Mendes e Araújo (2009).
121
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
2.1 A pré-pesquisa
Inicialmente foram observados aspectos relacionados às queixas de servidores e gestores que
compareciam ao Setor de Recursos Humanos. O segundo momento da pré-pesquisa ocorreu por
meio de sondagens realizadas diretamente nos cartórios judiciais onde trabalhavam os servidores
ou chefes que procuravam o Setor de Recursos Humanos para solucionar conflitos relacionados
ao trabalho.
A formulação dessas observações fundamentou os objetivos e metodologia da pesquisa, período
em que foram também planejados os locais, horários e duração dos encontros de clínica do
trabalho que fosse melhor adequados às rotinas dos trabalhadores.
2.2 A Pesquisa
A pesquisa propriamente dita foi realizada em 10 (dez) sessões coletivas que ocorreram
semanalmente entre os meses de setembro e novembro de 2010, com duração média de uma hora
e meia (1h30min) por encontro. Na primeira sessão os participantes foram esclarecidos a respeito
do objetivo da pesquisa e da demanda. Esta fala inicial teve o propósito de levar os trabalhadores
a expressarem seus comentários. Ao final do primeiro encontro, os participantes foram
convidados à leitura e assinatura do termo de consentimento.
As sessões seguintes foram iniciadas com a leitura do memorial contendo as informações e
interpretações das falas que surgiram no encontro anterior. A função do memorial é iniciar as
discussões que partem dos comentários dos próprios trabalhadores, para que a temática seja livre.
Além de ser uma forma de validação dos dados da pesquisa conforme será explicitado adiante.
122
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Resultados e discussão
Mendes e Facas (2010) afirmam que cada categoria profissional está vulnerável a uma realidade
complexa e a sistemas específicos de produção, que delimitam diferentes estilos de gestão, de
relações socioprofissionais, de conteúdo das tarefas, e podem também ser facilitadoras ou não de
vivências de prazer-sofrimento. O estudo realizado com os trabalhadores do judiciário
amazonense revela que as peculiaridades da organização do trabalho contribuem para o
desencadeamento de sofrimento e ao mesmo tempo dificultam sua transformação. Portanto, é
necessário compreender a hierarquia exercida, as relações profissionais, a divisão do trabalho e
dos trabalhadores e as normas aplicadas no TJAM, uma vez que a OT tem estreita relação com as
vivências de sofrimento.
As relações de trabalho são marcadas pela hierarquia, burocratização e práticas de gestão
pautadas em interesses particulares. Ao mesmo tempo, há um movimento direcionado para suprir
necessidades coletivas, para modernizar as atividades realizadas como a informatização e
virtualização dos processos e para promover melhorias no atendimento ao público. Isto configura
uma incoerência organizacional que afeta diretamente os trabalhadores da instituição.
O contexto de trabalho no Judiciário amazonense revela também situações caracterizadas por
mudanças constantes de gestão, gerando contínuas modificações de chefias e consequentemente
alta rotatividade dos servidores nas unidades de trabalho, que geralmente são vinculados a
gestores (diretores, magistrados, desembargadores) e não ao tipo de trabalho que melhor
desempenham. Esse panorama favorece relações de trabalho que direcionam pouca importância
às competências, conhecimentos e habilidades do servidor, uma vez que privilégios são
oferecidos àqueles que estabeleceram laços de confiança com os gestores ou àqueles que
exercem cargos comissionados (servidores não-concursados).
O favoritismo praticado na gestão do trabalho e das pessoas é, então, comum no cotidiano dos
trabalhadores, ofuscando o papel do reconhecimento. E, sendo um agravante do sofrimento, gera
sentimento de injustiça naqueles que são desfavorecidos ou esquecidos pela gestão do Tribunal.
Diante da falta de um sistema de progressão interna pautada na realização das tarefas ou no
reconhecimento do trabalho exercido pelo servidor, são originados sentimentos de descrédito
deste trabalhador com a instituição para a qual trabalha. Isto é evidenciado pelo grande interesse
dos servidores em realizar outros concursos públicos, no intuito de alcançar melhores posições.
O estudo mostrou também que o aumento de demanda de processos e as recentes exigências
quanto à agilização das audiências não acompanharam a promoção de recursos físicos e
materiais para que os servidores pudessem desempenhar suas atividades, ocasionando sobrecarga
de trabalho. Essa observação é confirmada ao constatar que uma das varas criminais do TJAM,
123
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
que possui em média 1,4 mil processos a serem julgados, conta somente com o trabalho de dois
servidores, além do juiz.
Contribuem para isso não somente a forma de gestão aplicada, mas também as condições de
trabalho impostas aos servidores e as características da tarefa desempenhada por eles. O
agendamento de várias atividades ao mesmo tempo como correições, plantões judiciais e
mutirões carcerários ocorrem cotidianamente, dificultando a apresentação de um trabalho com
qualidade pelos servidores, e ocasionando-lhes a sensação de que seu trabalho é mal feito. Esses
entraves à realização de um trabalho favorável à população têm efeitos deletérios para a
identidade do trabalhador. Para Dejours (2008a), a construção da identidade recebe influências
do julgamento, da dinâmica do reconhecimento que atribui à obra do trabalho sua utilidade, sua
beleza, ou ao contrário, sua inutilidade e ineficácia. Considerando que o trabalho desses
servidores é julgado por seus chefes e pela população como insatisfatório, isso pode contribuir
para que estes servidores tenham uma auto imagem falha, uma identidade pautada na
incompetência, o que se constitui um risco para a saúde psíquica.
Esta vivência de sofrimento é expressa pelos trabalhadores da seguinte maneira: “a gente leva a
fama quando o cartório inteiro não funciona” (Participante). É como se lhes fosse atribuída toda
a responsabilidade pela lentidão da Justiça, o que é reforçado pelo estigma de que servidor
público não trabalha. Este é um agravante do sofrimento, e leva os servidores a construírem
estratégias defensivas.
A falta de estrutura, recursos adequados e pessoas no Tribunal de Justiça ocasionam também nos
servidores a sensação de que o serviço está sempre em déficit em relação à grande demanda da
população. Isto pode ser visualizado concretamente pelos servidores na falta de espaço físico das
varas para alocar os processos, falta de banheiros para os servidores, ambientes pequenos para
acomodar ao mesmo tempo os funcionários e a população.
Outra forma de expressão do sofrimento é o sentimento de desvalorização gerado pelo descaso
da administração do Tribunal em relação aos cartórios judiciais. A respeito disto os trabalhadores
disseram que: “O juiz já foi lá. Já falamos diretamente com a administração. São ofícios e mais
ofícios, mas continuamos na mesma situação” (Participante).
A desvalorização, a excessiva hierarquização das relações, a falta de políticas de
desenvolvimento na carreira e descumprimento do plano de cargos e salários desencadeiam nos
servidores um sentimento de impotência, que também gera sofrimento.
A insatisfação relacionada às insuficientes condições de trabalho e às características da OT
discutidas acima, leva os servidores a mudarem constantemente de cartórios, gerando alta
rotatividade de pessoas nos locais de trabalho. Essas mudanças são registradas na ficha funcional
do servidor, assim, aqueles que são devolvidos ao setor de recursos humanos se consideram
“ficha suja” (Participante), mesmo que não tenham feito nada ilegal e que mereça punições
administrativas. Em algumas situações eles chegaram a se intitular “os criminosos”
(Participante), expressando uma identificação subjetiva com o público atendido por eles em seu
trabalho - os réus - aqueles que supostamente cometeram atos ilegais.
Outras expressões também utilizadas pelos servidores que indicam a identificação com o crime é
“ficha suja” (Participante) e “autodefesa” (Participante). Elas são utilizadas quando os servidores
são trocados de cartório sem saber o motivo, o que lhes causa a sensação de serem inadequados
para aquele trabalho ou de terem feito algo errado, sem, porém terem voz de defesa.
Neste sentido, o sofrimento no trabalho está relacionado ao medo de se tornar um criminoso
diante dos gestores ou da administração do Tribunal, assim como aqueles réus cujos processos
são manuseados por eles em seu cotidiano de trabalho.
Para Dejours (2008b), o sofrimento impulsiona a construção de um sentido comum ao coletivo
de trabalho. Apesar de cada trabalhador ter vivências individuais, o sofrimento é compartilhado
por todos, sendo que essa experiência conduz à elaboração de um sentido comum, que somente é
possível através da linguagem, da utilização de palavras comuns que expressem a experiência
124
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Conclusão
O Judiciário amazonense segue a tradição das relações de trabalho coloniais, em que há intensas
vivências de sofrimento, de servidão. As relações socioprofissionais envolvem aceitação de
modelos prontos, ditados pela hierarquia. Essas questões se colocam como entraves à
transformação do sofrimento no trabalho e contribui para que o grupo de trabalhadores encontre
dificuldade de pensar ações coletivas em busca da melhoria do bem-estar no trabalho.
Neste caso, a criação de um espaço de escuta conforme proporcionado pela pesquisa, é
importante para que os servidores possam falar sobre a experiência em trabalhar no Tribunal de
Justiça, o que pode viabilizar a livre expressão acerca das insatisfações e do sofrimento. Para
Dejours (2008a), a fala e a escuta possibilita aos sujeitos pensarem na sua relação com o trabalho
e em sua ressonância para a vida fora do trabalho.
A necessidade de ser escutado ficou evidente desde a fase da pré-pesquisa, já que os
trabalhadores procuravam voluntariamente o setor de recursos humanos da instituição para falar
de questões que geralmente revelavam mal-estar e incômodo com relação às formas de gestão.
Entretanto, a rigidez da organização do trabalho é desfavorável aos benefícios causados pela
promoção do espaço da escuta. O alívio do sofrimento é momentâneo diante das precárias
condições de trabalho. A transformação deste sofrimento somente poderá ser efetiva caso os
trabalhadores desvendem novas formas de ultrapassar os malefícios desencadeados pela
organização do trabalho e até mesmo impulsionar mudanças reais na forma de gestão praticada.
125
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Embora permaneça a ênfase na gestão burocrática, foi possível observar indícios de mudanças,
principalmente por conta de ações adotadas pela nova administração do TJAM, iniciada em
junho de 2010. Iniciativas como reuniões com sindicatos e servidores, em que pudessem ser
abertas negociações e discutidas possibilidades de mudanças, são positivas aos trabalhadores.
Outro indicativo que aponta para melhorias é a criação de uma Escola Judicial para aperfeiçoar
os cursos e treinamentos oferecidos aos servidores, bem como para capacitar de maneira
adequada àqueles que necessitam de novos conhecimentos para a execução de seu trabalho. Isto
parece representar uma quebra com a cultura do favoritismo, que ocasiona vivências subjetivas
de sofrimento aos trabalhadores do Judiciário amazonense.
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126
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
SC-06
Esta sessão apresenta pesquisas sobre o trabalho de professores. Os estudos foram realizados
tendo como referencial teórico-metodológico a psicodinâmica do trabalho. Esta abordagem
estuda as relações dinâmicas entre organização do trabalho e processos de subjetivação que se
manifestam nas vivências de prazer-sofrimento, nas estratégias de ação para mediar contradições
da organização de trabalho, nas patologias sociais, na saúde e no adoecimento. O primeiro estudo
trata das vivências de prazer-sofrimento no trabalho de professores e sua relação com o contexto
de trabalho. Os resultados apontam que os professores vivenciam prazer e sofrimento no
trabalho, sendo o sofrimento mais presente. Os professores enfrentam o sofrimento por meio de
estratégias defensivas e de mobilização subjetiva. A segunda pesquisa foi realizada com
professores da rede pública de ensino do Distrito Federal, cujo objetivo foi investigar o contexto
de trabalho e os riscos de adoecimento dessa categoria. Aplicou-se o Inventário de Trabalho e
Riscos de Adoecimento – ITRA. Os resultados revelam que o espaço individual e coletivo de
discussão está interditado, o que favorece o aparecimento de danos físicos, psicológicos e
sociais. A terceira pesquisa investigou os professores da rede pública de Manaus. Os resultados
indicam vivências de sofrimento relacionadas com as precárias condições de trabalho na escola;
baixos salários; sobrecarga de trabalho; desvalorização social e não-reconhecimento do trabalho,
e; violência. As precárias condições de trabalho associadas a uma organização do trabalho
marcada por sobrecarga de trabalho e uma autonomia limitada tem implicado em intensificação
do sofrimento. O último estudo analisou as vivências de ser professor em um contexto de grande
pressão, multiplicidade de papéis e significativa instabilidade do trabalho docente. A escuta com
os professores mostra a necessidade de um espaço de comunicação e de circulação da palavra
com a finalidade de tornar a escola um lugar mais favorável à negociação e transformação do
sofrimento docente
127
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é analisar a influência do contexto de trabalho dos professores nas
vivências de prazer-sofrimento, na construção de estratégias de mediação e no processo de
saúde-adoecimento. A abordagem que fundamenta este estudo é a Psicodinâmica do Trabalho,
que tem como campo o conteúdo, a significação e a forma do sofrimento, situando sua
investigação no campo do infrapatológico ou do pré-patológico. Tem por objetivo a análise de
estratégias de mediação do sofrimento, individuais e/ou coletivas, utilizadas pelos trabalhadores
em busca da saúde, considerando a subjetividade no trabalho como resultante da interação entre
o sujeito e as dimensões do contexto de produção de bens e serviços. Para essa teoria, o
importante é a compreensão de como os trabalhadores mantém o equilíbrio psíquico mesmo
quando submetidos a condições de trabalho desestruturantes (MERLO, 2006; FERREIRA &
MENDES, 2003; DEJOURS, 1993).
Segundo a Psicodinâmica do Trabalho, o trabalho é visto como estruturante psíquico e como
uma atividade preponderantemente humana, de caráter intencional, finalístico e perpassado pela
cultura (FERREIRA & MENDES, 2003). Tem como função a busca de sobrevivência e a auto-
realização. O trabalho, quando não proporciona ao trabalhador a garantia de sobrevivência e a
construção de sua identidade, pode resultar em sofrimento, e este, se não for enfrentado
adequadamente, pode levar ao adoecimento.
Para a Psicodinâmica do Trabalho, a saúde no trabalho está na busca pela integridade física,
psíquica e social pelos trabalhadores em seu contexto de trabalho (CT) e se viabiliza pelo uso
eficaz de estratégias para responder às diversidades do contexto de produção, possibilitando a
ressignificação ou transformação do sofrimento no trabalho. Entende-se, assim, que a saúde não
pressupõe a ausência deste, mas as possibilidades que o trabalhador terá para transformar tal
vivência (MENDES, 2007; FERREIRA & MENDES, 2003).
A saúde, neste estudo, é compreendida, conforme a definição proposta por Ferreira e Mendes
(2003), como sendo um processo de busca permanente dos trabalhadores pela integridade física,
psíquica e social nos Contextos de Trabalho (CT). O CT caracteriza-se pela organização,
condições e relações de trabalho, conforme estudo realizado por Ferreira e Mendes (2003) com
auditores-fiscais da Previdência Social brasileira.
Segundo os autores, a organização do trabalho é constituída pelos elementos prescritos (formal
ou informalmente) que expressam as concepções e as práticas de gestão de pessoas e do trabalho
presentes no lócus de produção e que balizam o seu funcionamento. As condições de trabalho
são constituídas pelos elementos estruturais que expressam as condições de trabalho presentes no
lócus de produção e caracterizam sua infraestrutura, apoio e práticas administrativas. As relações
socioprofissionais são constituídas pelos elementos inter-racionais que expressam as relações
socioprofissionais presentes no lócus de produção e caracterizam sua dimensão social.
As vivências de sofrimento podem se expressar pelos males causados no corpo, na mente e nas
relações socioprofissionais. Suas causas advêm do contexto de trabalho e manifesta-se por
ansiedade, insatisfação, indignidade, inutilidade, desvalorização e desgaste no trabalho. O
sofrimento no trabalho é compreendido por meio de vivências simultâneas de esgotamento
emocional e falta de reconhecimento. O esgotamento emocional se expressa por vivência de
frustração, insegurança, inutilidade e desqualificação diante das expectativas de desempenho,
128
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
129
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1 PERFIL DOS PARTICIPANTES
O perfil dos participantes indica uma amostra representativa de trabalhadores qualificados, não
muito jovens e com experiência no exercício da profissão. A amostra é composta por 17
professores, 16 concursados e 1 contratado temporariamente. Em sua maioria, são do sexo
feminino (76.5%), com ensino superior completo, idade entre 30 e 55 anos, mais de 5 anos de
docência e carga horária em torno de 8 horas diárias.
3.2 INSTRUMENTOS
Para a pesquisa, foram realizadas quatro entrevistas coletivas semiestruturadas, com base nos
seguintes temas: a) Organização do trabalho; b) condições e relações de trabalho; c) sentimentos
relacionados ao trabalho; d) estratégias para o enfrentamento das adversidades do contexto de
trabalho.
3.3 PROCEDIMENTOS
A pesquisa foi divulgada para todos os professores do CAIC. Para organizar as entrevistas
coletivas, uma reunião com a orientadora educacional foi realizada antecipadamente.
Os professores foram selecionados a partir dos seguintes critérios: a) professores que atuam no
matutino e vespertino; b) professores de todas as séries; c) professores concursados e
temporários.
3.4 ANÁLISE DOS DADOS
Para a análise dos dados, aplicou-se a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 1977), que, por
suas características, permite explicar os aspectos simbólicos e reais no processo de interação do
sujeito com a sua realidade de trabalho.
4 RESULTADOS
4.1 O CONTEXTO DE TRABALHO DOS PROFESSORES
4.1.1 Organização do Trabalho
Quanto à organização, o trabalho dos professores pesquisados (educação infantil e ensino
fundamental 1ª fase) consiste em atividades de planejamento, sala de aula, estudos e reuniões
com a direção da escola.
Os professores cumprem uma carga horária semanal de 40 horas de trabalho, sendo 8 horas
diárias: 5 horas em sala de aula e 3 horas em atividades na coordenação pedagógica.
Nas horas destinadas à coordenação, o professor faz o planejamento das aulas, participa de
reuniões para discutir assuntos da escola e realiza atividades de formação continuada.
O planejamento das atividades é feito semanalmente e coletivamente, tendo como referencial as
orientações da Secretaria de Educação e da direção da escola. Para que o planejamento aconteça,
os professores se organizam nas séries em que atuam.
De acordo com as entrevistas, nota-se que o cotidiano da sala de aula é desenvolvido conforme o
planejamento elaborado na coordenação e que a rotina de sala de aula ocorre a partir da vontade
dos professores e das necessidades dos alunos, exceto para os professores que atuam no Projeto
“Se Liga”1, que tem uma dinâmica própria e um planejamento pronto vindo da instituição que o
gerencia.
Os professores organizam as cinco horas de trabalho com os alunos da maneira que consideram
mais apropriada. O trabalho em sala de aula envolve atividades coletivas com os alunos e, em
alguns momentos, atividades individualizadas. O atendimento individualizado ao aluno é, muitas
vezes, impossível de ocorrer, visto o grande número de alunos por turma.
130
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Nas turmas de ensino fundamental (fase I), os professores, com frequência, utilizam o livro
didático para realizar as tarefas e precisam falar muito para manter o interesse dos alunos nas
atividades de aula durante as cinco horas. Além disso, necessitam repetir constantemente as
orientações para que as crianças não se dispersem durante a aula e usam todo o afeto possível
para elas se engajarem nos estudos.
Não bastasse essa organização no trabalho, os professores sentem-se pressionados pelos pais e
pelo governo; são cobrados excessivamente; e buscam solitários resolver as inúmeras demandas
do cotidiano de ser professor. Queixam-se que o trabalho não termina quando acaba o horário
das aulas, pois em casa não conseguem se desligar dos problemas das crianças e da escola, isso
quando não levam trabalho para casa para dar conta de toda a demanda do fazer docente.
4.1.2 Condições de Trabalho
Em relação às condições de trabalho, os professores da educação infantil, em particular,
reclamam da falta de monitores e do número excessivo de alunos em sala de aula, o que dificulta
manter uma atenção individual e um trabalho de qualidade com as crianças. Avaliam ainda a
falta de um grupo de apoio, formado por orientadores, psicólogos e professores nas áreas de artes
e educação física, para dar suporte e minimizar as dificuldades do professor em sala de aula.
De acordo com os professores, a escola não dispõe de material didático adequado para as
atividades pedagógicas. A qualidade do giz enviado pela Secretaria de Educação, por exemplo,
não é satisfatória; ele é muito duro, deixando a mão do professor dolorida após o trabalho.
Os professores destacam ainda que o ambiente físico é precário. Faltam melhores banheiros,
parques e salas de aula mais adequadas. Também não há brinquedos e computadores para
diversificar as aulas e melhorar o trabalho do professor.
Por fim, os professores afirmam ser desvalorizados não somente pela questão salarial, mas
também pela falta de respeito dos governantes em relação às condições precárias de trabalho. E
ainda destacam que muitos pais não reconhecem o trabalho que eles desenvolvem com as
crianças na escola.
4.1.3 Relações Socioprofissionais
Os professores destacam que o relacionamento com os alunos, sobretudo com as crianças, é
satisfatório, embora alguns deles relatam ter problemas com alunos adolescentes, que costumam
agredi-los com insultos.
A relação dos professores com os colegas é marcada pelo trabalho em grupo, e sua união, e pela
troca de idéias na busca de resolução dos problemas.
Segundo os professores, o diálogo com a direção da escola é recente e conquistado por meio da
pressão dos próprios docentes. A direção é um pouco distante, mas faz o que é possível para a
escola.
A maior queixa dos professores diz respeito à relação com os pais. Muitas vezes, eles chegam à
escola alcoolizados e os insultam. Quando acontecem problemas com os alunos, os pais não
procuram nem saber, já chegam com ofensas para cima dos professores.
Ademais, a postura da Secretaria de Educação, segundo os docentes pesquisados, é de total
desrespeito e falta de consideração para com eles.
4.2 VIVÊNCIAS DE PRAZER E OU SOFRIMENTO
4.2.1 Vivências de Prazer
O prazer dos professores pesquisados está relacionado com o desempenho das crianças no seu
processo de aprendizagem, pois isto faz com que eles se sintam satisfeitos e motivados para o
trabalho.
Os professores demonstram prazer também na confiança que sentem dos colegas e no
reconhecimento dos alunos. Além disso, os elementos de autonomia para organizar o processo de
trabalho geram satisfação e minimiza o sofrimento causado pela intensa demanda de trabalho.
Exceto para os professores do projeto “Se Liga”, os quais recebem o planejamento das atividades
pronto.
4.2.2 Vivências de Sofrimento
131
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
5 DISCUSSÃO
Os resultados sobre o contexto de trabalho dos professores investigados indicam que há
precariedade na organização, nas condições e nas relações socioprofissionais. As inúmeras
exigências para o fazer docente, a pressão de pais e governo pela aprendizagem dos estudantes, o
número excessivo de alunos em sala, a precariedade de instrumentos de trabalho e a carência
material dos alunos contribuem significativamente para as vivências de sofrimento dos
professores.
As vivências de prazer, por sua vez, manifestam-se pelo reconhecimento dos alunos, pela
satisfação em ver o desenvolvimento dos estudantes, pela autonomia para organizar o trabalho e
pela relação saudável entre os colegas. Tais vivências constituem-se indicadores de saúde no
trabalho, ao proporcionar a estruturação psíquica, a identidade e a expressão da subjetividade no
trabalho (FERREIRA & MENDES, 2003). Por isso, o contexto de trabalho investigado favorece
a mobilização subjetiva (DEJOURS, ABDOUCHELI & JAYET, 1994), tendo em vista que há
espaço para a ação coletiva dos trabalhadores, por meio do planejamento semanal e coletivo do
trabalho que realizam.
É justamente por meio deste olhar dos pares, possibilitado pela cooperação entre os trabalhadores
e, principalmente, pela possibilidade das ações coletivas, que a subjetividade do professor se
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
fortalece. A retribuição simbólica, possibilitada pelo reconhecimento dos pares, possibilita dar
sentido a algo que gera angústia justamente por estar fora da lógica de trabalho do sujeito. Esse
olhar do outro serve também como um espaço de validação do saber, por meio da possibilidade
de ter seu trabalho reconhecido, de ver sua solução sendo aprovada e utilizada pelos pares.
Assim, o sujeito tem a oportunidade de buscar e garantir sua integridade psíquica, de se
inscrever, de constituir sua identidade.
O sofrimento evidencia-se por meio de vivências de estresse, frustração, esgotamento,
sobrecarga e desgaste. Para enfrentar o sofrimento, os professores compartilham,
conscientemente, de estratégias defensivas. Observa-se que os docentes racionalizam as
dificuldades por meio da suavização dos problemas. Envolvem-se, sobremaneira, com as
crianças e buscam dar conta de tudo.
Os dados demonstram que os professores utilizam estratégias de mobilização coletiva. No
contexto de trabalho estudado, identifica-se um espaço público de discussão e de cooperação
entre os trabalhadores investigados. Isto contribui para ressignificar o sofrimento e para
transformar em fonte de prazer o contexto de trabalho.
No presente estudo, observa-se que há indicadores de saúde, ao mesmo tempo em que existem
indicadores de adoecimento. Os indicadores de saúde dos professores investigados se viabilizam
pela busca constante por integridade física, psíquica e social e pela utilização de estratégias de
mediação do sofrimento para dar conta das contradições do contexto de trabalho.
Os indicadores de adoecimento revelam-se pelos danos físicos e psicológicos. O uso excessivo
da voz e a postura inadequada surgem neste estudo como elementos causadores de danos físicos
à saúde dos professores. As queixas de dores musculares são recorrentes entre os docentes. Os
danos psicológicos manifestam-se pela intensa tristeza e, em alguns casos, até pela depressão.
Tais resultados confirmam as pesquisas de Scalco, Pimentel e Pilz (1996), Codó e Vasques-
Menezes (1999), Fonseca (2001), Gomes (2002), Sobrinho (2002), Porto et al. (2004), as quais
indicam que o trabalho docente apresenta uma alta sobrecarga e, por conseguinte, produz
problemas físicos e psíquicos. Nessas pesquisas, os autores afirmam que os professores, em
função do desgaste causado pelo excessivo trabalho e pela pressão dos pais e da escola pela
aprendizagem dos estudantes, expõem-se à síndrome de Burnout, ao estresse, à depressão e a
tensões e ansiedades.
Neste estudo, portanto, percebe-se a coabitação do prazer e do sofrimento, sendo este último o
que predomina. Deduz-se que o contexto de trabalho investigado favorece os riscos de
adoecimento, uma vez que o sofrimento prevalece em pontos centrais do fazer docente. Nota-se
que o adoecimento, por um lado, está contido pelo sucesso da utilização das estratégias de
mediação do sofrimento e, por outro lado, está presente em função da sobrecarga e das
exigências da escola, dos pais, da Secretaria de Educação e do governo.
6 CONCLUSÃO
A presente pesquisa corrobora com estudos anteriormente citados ao indicar que o sofrimento
dos professores é proveniente da sobrecarga de trabalho; da pressão de pais e do governo; e das
más condições de trabalho. Todo esse contexto acarreta danos físicos (problemas na voz e
LER/DORT) e danos psicológicos (depressão e ansiedades), conforme destacado anteriormente.
As pesquisas com professores indicam que os riscos para a saúde no ambiente de trabalho
derivam dos movimentos repetitivos, da exposição ao pó de giz, do uso excessivo da voz e da
postura inadequada (SCALCO, PIMENTEL & PILZ, 1996; PORTO et al., 2004). Ademais, há
os riscos para a saúde em função da desvalorização profissional, do cansaço, da ausência de
capacitação para lidar com questões próprias do trabalho, da exigência de manter a disciplina em
sala de aula, da sobrecarga de trabalho extraclasse, do desgaste, do volume da carga cognitiva e
também da excessiva pressão dos pais e da direção da escola pela aprendizagem dos alunos.
A pesquisa revela que os professores investigados buscam a saúde por meio da mobilização
coletiva. Entretanto, o contexto de trabalho, em vários aspectos, não dá conta de garantir a saúde
nos seus aspectos físicos, psíquicos e sociais. Nesse sentido, urge, por parte da gestão, ações que
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O presente texto apresenta pesquisa realizada com professores da rede pública de ensino do
Distrito Federal, cujo objetivo foi investigar o contexto de trabalho e os riscos de adoecimento
dessa categoria. A demanda foi proposta pela Secretaria de Saúde e pela Direção do Sindicato
dos Professores no Distrito Federal, devido aos inúmeros casos de adoecimento atendidos, que
vem contribuindo para um crescimento expressivo dos afastamentos do trabalho, gerando
diversos problemas para a categoria e para a educação.
O referencial teórico utilizado para realização dessa pesquisa é fundamentado na abordagem da
psicodinâmica do trabalho, especificamente, nos estudos desenvolvidos pelo Laboratório de
Psicodinâmica e Clinica do Trabalho (LPCT), da Universidade de Brasília, e em Ferreira e
Mendes (2003), Mendes (2004) e Dejours (2004).
Constitui como um dos interesses da psicodinâmica do trabalho o estudo das relações dinâmicas
entre organização do trabalho e processos de subjetivação, que se manifestam nas vivências de
prazer-sofrimento, nas estratégias de ação para mediar contradições da organização de trabalho,
nas patologias sociais, na saúde e no adoecimento. Nessa perspectiva, é central para
psicodinâmica a problemática da mobilização e do engajamento que a organização exige do
sujeito trabalhador, que passa pelo uso da palavra.
Estes estudos apontam que o trabalho é visto como estruturante psíquico e como uma atividade
preponderantemente humana, de caráter intencional, finalístico e perpassado pela cultura
(Ferreira e Mendes, 2003). Tem como função a busca de sobrevivência e a auto-realização. O
trabalho, quando não proporciona ao trabalhador a garantia de sobrevivência e a construção de
sua identidade, pode resultar no aparecimento do sofrimento. Este, se não for enfrentado
adequadamente, pode levar ao adoecimento.
A saúde é compreendida, conforme a definição proposta por Ferreira e Mendes (2003), como
sendo um processo de busca permanente dos trabalhadores pela integridade física, psíquica e
social nos contextos de trabalho. Para os pesquisadores, a saúde se viabiliza na medida que os
trabalhadores conseguem utilizar as estratégias de mediação individual e coletiva para dar conta
das diversidades do contexto de trabalho.
Segundo os autores, as vivências de prazer-sofrimento são indicadores do processo saúde-
adoecimento e têm como principais antecedentes as dimensões da organização,condições e
relações sociais do trabalho, está baseada na origem do bem/mal que o trabalho causa no corpo e
na relação com as pessoas e manifestam-se por meio da realização, liberdade, esgotamento
profissional e falta de reconhecimento.
As vivências são a expressão da subjetividade no trabalho: uma construção compartilhada do
sentido dado ao trabalho com base nas interações entre desejo/necessidade do trabalhador e as
condições, organização e relações de trabalho particulares a determinado contexto de produção.
Nessa perspectiva, o sofrimento não é patológico, mas um sinal de alerta para evitar as doenças
ocupacionais, podendo ser mascarado e/ou ressignificado por meio de estratégias de mediação.
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determinados contextos de trabalho. É formada por três fatores: danos físicos – dores no corpo e
distúrbios biológicos; psicológicos – sentimentos negativos em relação a si mesmo e a vida em
geral; e sociais – isolamento e dificuldades nas relações familiares e sociais.
Os dados foram tabulados e tratados no programa SPSS (Statistics Package for Social Sciences)
12.0. A interpretação dos dados é feita com base em quatro diferentes tipos de análise: a) média
geral do fator; b) percentual de respondentes nos intervalos das médias; c) análise dos três itens
do fator avaliados com médias mais altas e mais baixas, a fim de verificar quais situações estão
influenciando os resultados gerais; d) análise de variância, a fim de verificar diferenças de
avaliação entre os grupos demográficos.
A amostra final foi de 1462 professores. De um modo geral, os participantes têm em média 38
anos de idade e 11 anos de serviço no cargo. A maioria dos respondentes é do sexo feminino
(62%), possui Especialização (Pós-Graduação Lato Sensu) (38%), casado (39%), é o principal
responsável por sua renda familiar (46%), possui contrato efetivo de trabalho (72%), precisou de
atestado ou licença médica nos últimos 6 meses (50%), possui jornada de trabalho de 40 horas
(67%), possui jornada de trabalho ampliada (59%) e não exerce atividades além das de professor
(61%). A maioria exerce função de sala de aula (62%), trabalha com ensino fundamental – séries
iniciais (31%), leciona língua portuguesa (16%), está lotado em escola da rede pública – ensino
regular urbano (32%), está atualmente ativo (69%), e trabalha no turno matutino (57%).
A avaliação do contexto é realizada por meio da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho
(EACT), conforme já descrito. Utilizam-se, para a leitura dos dados, os seguintes níveis de
análise: Abaixo de 2,30: Avaliação mais positiva – satisfatório; Entre 2,30 e 3,69: Avaliação
mais moderada – crítico; Acima de 3,69: Avaliação mais negativa – precário;
Satisfatório significa um resultado positivo, produtor de prazer no trabalho organizacional,
aspecto a ser mantido e consolidado no ambiente organizacional. Crítico é um resultado
mediano. Indicador de “situação-limite” sinaliza estado de alerta, requerendo providências a
curto e médio prazo. E precário é um resultado negativo e produtor de sofrimento, requerendo
providências imediatas nas causas, visando eliminá-las e/ou atenuá-las.
A análise mostra que o fator Organização do Trabalho teve média 3,90 (DP=0,62). Isso indica
que, em média, o fator é percebido pelos professores como precário. Assim, é preciso
intervenção imediata na natureza e divisão das tarefas, controles e ritmos de trabalho. De 1327
pessoas que responderam a este fator, 67% (n=892) avaliam esta dimensão como precária, 31%
(n=412) como crítica e apenas 2% (n=23) como satisfatória. Nota-se que mesmo o item mais
positivo do fator – existe fiscalização de desempenho – tem média superior a 2,29, ou seja, é um
item crítico. Desse modo, pode-se afirmar que nenhuma das dimensões estudadas da
Organização do Trabalho se apresenta como satisfatória, o que corrobora os dados de média e
freqüência do fator e indica que a intervenção precisa ser realizada em todos os itens
perguntados.
Já em Relações Socioprofissionais, o escore 3,61 (DP= 0,80) indica que, em média, o fator é
percebido como crítico. Entretanto, observa-se que, das 1274 pessoas que responderam ao fator,
50% (n=639) avaliaram a dimensão como precária, enquanto 45% (n=570) como crítica e apenas
5% (n=65) como satisfatória. Assim, apesar da média crítica, a maior parte dos respondentes
avalia as relações sociprofissionais como precárias, requerendo providências imediatas na gestão
do trabalho, na comunicação e interação profissionais.
Para o fator Condições de Trabalho, teve-se média 4,07 (DP= 0,85). Isso indica que, em média, o
fator é percebido pelos professores como grave. Assim, é preciso intervenção imediata na
qualidade no ambiente físico, posto de trabalho, equipamentos e material disponibilizados para a
execução do trabalho. Das 1299 pessoas que responderam ao fator, 73% (n=945) avaliaram a
dimensão como grave, enquanto 23% (n=306) como crítica e apenas 4% (n=48) como
satisfatória.
Na análise de médias e desvio-padrão da escala evidenciou-se que os professores julgam o
contexto de trabalho precário ou crítico. Os índices indicam uma situação alarmante,
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O adoecer nesse sentido diz respeito a posição que o sujeito toma frente aos seus ideais e para
entender o seu sofrimento é necessário compreender a lógica que o perpassa e a do imaginário
social. Assim, cabe-nos olhar a doença, aquilo que teve que vir para exterioridade, pela
impossibilidade do sujeito comunicar os acontecimentos dolorosos e/ou perturbadores que já
apontavam no seu interior.
Por meio de análise de regressão stepwise, buscou-se verificar quais fatores das escalas de
Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT) e de Indicadores de Prazer-Sofrimento (EIPST) são
os maiores causadores dos danos físicos, psicológicos e, num segundo momento, verificar quais
os fatores da EACT causam as vivencias de prazer-sofrimento. Foi realizada para cada um dos
fatores da escala de danos relacionados ao trabalho regressão, bem como para cada um dos
fatores da escala de indicadores de prazer-sofrimento.
Percebeu-se que os danos relacionados ao trabalho são melhores explicados, ou seja, causados e
provocados pelas vivências de sofrimento. Danos físicos como dores no corpo, dores nas pernas
e alterações no sono, por exemplo, são melhores explicados pela vivência de esgotamento
profissional – frustração, insegurança, inutilidade e desqualificação diante das expectativas de
desempenho, gerando esgotamento, desgaste e estresse. Assim também são os danos psíquicos,
como vontade de desistir de tudo, tristeza e irritação com tudo. Já os danos sociais, tais como
vontade de ficar sozinho, impaciência com as pessoas em geral e conflitos nas relações
familiares são melhores explicados pela falta de reconhecimento – vivência de injustiça,
indignação e desvalorização pelo não reconhecimento do seu trabalho.
Já as vivências de prazer-sofrimento são causadas pelas relações socioprofissionais e pelas
condições de trabalho. Os indicadores de baixa vivência de prazer, como baixos valorização,
reconhecimento e motivação – realização profissional – e baixas confiança entre os colegas,
cooperação entre os colegas e liberdade para expressar opiniões no local de trabalho – liberdade
de expressão – são melhores explicadas pelas relações socioprofissionais, caracterizadas como
gestão do trabalho, dificuldades na comunicação e interação profissional. Também é melhor
explicada/causada pelas relações socioprofissionais a falta de reconhecimento, expressa em
indicadores como desvalorização, indignação e falta de reconhecimento do esforço. Já a vivência
de esgotamento profissional, expressa, por exemplo, por estresse e sobrecarga, é melhor
explicada pelo fator condições de trabalho, caracterizado por qualidade no ambiente físico, posto
de trabalho, equipamentos e material disponibilizados para a execução do trabalho.
No estudo realizado com os professores da rede pública do Distrito Federal chamou a
atenção, que em todas as dimensões estudadas, nenhuma se apresentou como positiva, indicando
um “sinal de alerta” para a saúde dessa categoria profissional.
Percebe-se pelas respostas obtidas que o espaço individual e coletivo de discussão está
interditado, o que favorece o aparecimento de muitos danos físicos, psicológicos e sociais.
Assim, é importante criar espaços públicos para que as trocas sejam possíveis, planejamentos
discutidos, elaborações compartilhadas de vivências e proposições de soluções, facilitando a
experiência da elaboração coletiva do sentido no trabalho. A criação destes espaços
organizacionais deve reconhecer e fortalecer os vínculos entre os pares pelo seu saber-fazer,
engajando as pessoas em ações e que obtenham reconhecimento .
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Abordagem teórico-metodológica
Para compreender e intervir na atividade de trabalho em sua relação com a saúde, contamos com
uma abordagem pluridisciplinar: a) aportes teórico-metodológicos do Modelo Operário Italiano
de Produção de Conhecimento sobre Saúde e Trabalho - MOI (Oddone et al., 1986); b)
Ergologia (Schwartz, 1999/2000; 2003); c)a Ergonomia da Atividade (Wisner, 2004; Guerin et
al. 2001), e; d) a Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 1993, 2007 e 2008; Mendes, 2007).
O MOI emerge com o intuito de ser um movimento conjunto de técnicos, especialistas e
operários na luta pela saúde dos trabalhadores. Este movimento abriu espaço para a articulação
dos saberes formais (das disciplinas) com os saberes informais (da experiência) dos
trabalhadores no sentido da investigação e intervenção em situações de trabalho (Oddone et al.,
1986).
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Sofrimento de professores
A discussão dos professores, nos grupos de trabalho, sinalizou para vivências de sofrimento
relacionadas principalmente a aspectos como: precárias condições de trabalho na escola; baixos
salários; sobrecarga de trabalho; desvalorização social e não-reconhecimento do trabalho, e;
violência.
As queixas em relação às condições de trabalho referem-se à estrutura física, equipamentos e
mobiliário da escola. Essa restrição de recursos foi identificada em várias pesquisas nacionais
(Neves, 1999; Brito; Athayde; Neves, 2003; Vasconcelos, 2005; Oliveira, 2003; Oliveira, 2007).
Entretanto, foram os baixos salários os mais recorrentes e apontados pelos professores como um
dos principais agravantes de sofrimento.
Apesar da psicodinâmica do trabalho priorizar a organização do trabalho como elemento
fundamental na análise da vivência subjetiva no exercício profissional, no caso do magistério
brasileiro, é imprescindível a incorporação da questão salarial. A esse respeito, Neves (1999) faz
referência à necessidade de uma revisão salarial como fator decisivo para a sobrevivência do
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Mas a educação doméstica ela deve ser passada dentro de casa, se a estrutura da família está
com problema, então a criança vai levar pra dentro da escola e a escola é a cesta onde tudo cai
dentro e o professor é aquele que tá lá pra receber e as pancadas caem todas em cima dele.
No que se refere à falta de acompanhamento dos pais, Esteve (1999) relata que os agentes
tradicionais de socialização (família e outros grupos sociais organizados) têm renunciado as
responsabilidades que anteriormente desempenhavam no âmbito educativo e exigido das
instituições escolares que ocupassem este espaço. Como principais fatores que causaram estas
transformações nos agentes tradicionais de socialização são colocados: (a) a inserção em massa
das mulheres no mundo do trabalho e; (b) a transformação da família que ao afastar-se da relação
com outros membros reduziu-se a unidades menores.
A esse respeito, Richeter e Mota (2005) atribuem a modificação do apoio que antigamente o
professor recebia do contexto social principalmente ao abandono da idéia de educação como
promessa de um futuro melhor, pois, a massificação do ensino não produziu a igualdade e o
acesso de todos os escolarizados a uma promoção social.
Os professores relataram também ausência de reconhecimento e/ou valorização de seu trabalho
pelos gestores públicos e sociedade em geral. E, atribuem à desvalorização da profissão, a falta
de interesse dos jovens em ingressar na docência, bem como o interesse dos professores
migrarem do ensino fundamental e médio para o superior. A esse respeito, relatam:
(...). Não há interesse pra fazer essas licenciaturas e falta na escola e o resultado é esse.
“Ah, eu vou me preparar”, eu vou - “Ah, eu tenho mestrado, o quê que eu vou ficar
trabalhando aqui no município, eu vou numa particular dessas que vai me pagar melhor. Aí eu
saio daqui, eu vou dar aula lá no (nomes de universidades privadas) então, meu salário dobra.
A falta de valorização e interesse dos trabalhadores em se inserir como docentes em escolas
públicas municipais e estaduais, associada ao número reduzido de vagas em concursos públicos
parecem implicar em contratação temporária de profissionais que muitas vezes não possuem a
formação necessária. As falas a seguir ilustram essa realidade:
Esses profissionais, eles não tem domínio de conteúdo, domínio de classe, fica muito, deixa
muito a desejar.
Você abre os jornais todos os dias são chamados pessoas dos processos seletivos, não é só o
Estado é o Estado e o Município. O quê acontece? As pessoas que não tem experiência passa aí
e aí deixa o Estado do Amazonas lá embaixo.
A violência urbana e nas instituições escolares também foi mencionada como agravante de
sofrimento pelos professores, como pode ser identificado nas falas:
A minha escola fica, é considerada área vermelha... eu dando aula no segundo andar e veio uma
pedra de fora pra dentro da escola e atingiu o vidro e jogou os cacos de vidro tudinho, feriu
meus braços e acertou um aluno...de vez em quando acontece, de vez em quando não,
frequentemente, um dia sim e outro também.
Porque a pessoa fica tensa o ano todo -“ Vai acontecer, não vai acontecer?”, - “A escola vai ser
assaltada, vai ser invadida por traficantes, por alunos, por violências, né ?”. Essa pressão
psicológica, essa violência psicológica afeta bem, bem mesmo.
Aí outro fato que eu presenciei foi quando eu ia vindo pro trabalho e aí o aluno tirou a faca de
dento de um tijolo e colocou a faca aqui, aí eu vim correndo pra sala do diretor.
Quando foi no dia seguinte que eu cheguei tinha sangue na porta, sangue humano! Eles tinham
furado um aluno a noite e esse aluno é meu aluno desde pequenininho.
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parecem ser confrontados com situações com as quais não sabe lidar, vivenciando medo e
ansiedade.
Conclusão
Sobre a situação de trabalho de professores de escolas públicas em Manaus, foi possível
identificar uma realidade semelhante à nacional, no que se refere à relação saúde-trabalho. As
precárias condições de trabalho associadas a uma organização do trabalho marcada por
sobrecarga de trabalho e uma autonomia limitada tem implicado em intensificação do
sofrimento. A realização das atividades de trabalho em bairros considerados violentos parece
agravar essa situação e implicar em vivências de medo e ansiedade.
Acreditamos que a viabilização de um espaço de discussão em grupo possibilitou a identificação
e reflexão acerca de aspectos relacionados ao sofrimento no trabalho de professores que os
mobilizaram ao desenvolvimento de estratégias no sentido da intervenção/transformação da
relação saúde/trabalho. Assim, no momento atual das atividades do projeto Saúde de
trabalhadores/as de escola: formação para transformação, estamos construindo, a partir da
articulação entre saberes acadêmicos e saberes da experiência dos trabalhadores estratégias no
sentido de ações direcionadas à relação saúde-trabalho de professores.
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Introdução
De acordo com Gasparini, Barreto e Assunção (2005), ampliou-se o escopo das atividades do
professor para além da mediação do processo de aprendizagem. Entretanto, as condições e
recursos de trabalho não fornecem os instrumentos necessários para a superação de desafios cada
vez mais complexos. Conforme Esteve (1999), a mudança veloz do contexto social acumulou as
contradições do sistema de ensino. Assim, o professor, como figura humana dessa engrenagem
reclama de mal-estar, cansaço e desconcerto.
Neves e Seligmann-Silva (2006) referem, ainda, a ausência de reconhecimento social como uma
das queixas principais dos professores, sendo que sentem-se culpabilizados pelo fracasso da
escola pública em nosso país.
Dejours (1999) assevera que o trabalho nunca é neutro em relação à saúde, podendo promovê-la
ou levar ao adoecimento. Conforme o autor, o trabalho pode ser ora patogênico, ora estruturante,
tendo grande poder sobre o sofrimento psíquico, implicando em seu agravamento ou em sua
transformação.
De acordo com Esteve (1999), os docentes devem ,continuamente, assumir novas funções
exigidas pelo contexto social, demandando destes uma série de habilidades que não podem ser
reduzidas ao âmbito da acumulação de conhecimento.
Em concordância, Mariano e Muniz (2006) afirmam que a profissão docente apresenta
características que prejudicam a saúde física e mental, causando-lhes sofrimento e desgastes que
prejudicam sua saúde, causando-lhes sofrimento e desgastes que desencadeiam doenças
somáticas e psíquicas.
Conforme Esteve (1999), as dificuldades e pressões vivenciadas pelos professores estão
associadas a sobrecarga de trabalho, precariedade de material e recursos didáticos, inadequadas
condições de trabalho, tipo de clientela assistida, superlotação das salas, pouco reconhecimento
e desvalorização social do magistério.
Diante dessas pressões, os professores apresentam diversos sentimentos, tais como angústia,
desgosto, raiva, desesperança, desmotivação, cansaço e estresse que podem culminar em agravos
à sua saúde mental. (Mariano e Muniz, 2006)
Analisando-se o contexto escolar a partir dos pressupostos da psicodinâmica do trabalho, pode-se
compreender que o mesmo está associado a intenso sofrimento, com pouco espaço para
transformação, tendo em vista a rigidez dos conteúdos a cumprir, a degradação das relações, as
limitações à mobilização subjetiva e à cooperação, bem como, a obturação dos espaços coletivos
e de convivência, o que torna este contexto pouco propício ao reconhecimento e à transformação
do sofrimento vivenciado no trabalho, em prazer e realização.
Contudo, considera-se que o trabalho docente pode constituir um espaço extremamente rico para
uma pesquisa intervenção pois o investimento neste campo, através da escuta coletiva, pode
deflagrar novas relações de trabalho e de ensino/aprendizagem ao impulsionar a busca
cooperativa de soluções e a mobilização para a reflexão sobre este saber-fazer, potencializando e
promovendo saúde no contexto educacional.
Sendo assim, apresenta-se a seguir os pressupostos metodológicos da presente pesquisa.
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2. Método
Esta pesquisa baseou-se nos pressupostos metodológicos da psicodinâmica do trabalho (Dejours,
1992, 2008; Merlo e Mendes, 2009; Sznelwar, 2008).
Segundo Dejours (2008, p.116), o material da pesquisa em psicodinâmica é o resultado de uma
operação realizada no que foi anteriormente discutido. Esta operaçãoo refere-se ao que foi dito,
ao que é “uma formulação original, viva, engajada e subjetiva dos trabalhadores”. Assim,
objetiva-se conhecer as vivências relativas ao ser professor na atualidade e abrir espaço para a
interlocução e intercompreensão, em uma perspectiva que busca articular a clínica do trabalho e
a crítica social. (Perrileux, 2010).
O material de pesquisa foi colhido nos encontros com o grupo, sendo, conforme propõe Dejours
(2008, p. 116) resultado de uma operação realizada no que foi anteriormente discutido. Esta
operação, conforme o autor é “uma formulação original,viva, engajada e subjetiva do grupo de
trabalhadores”. Neste sentido, o que levou-se em consideração foram as vivências, sendo que os
comentários dos participantes foram o principal veículo de acesso à subjetividade destes
trabalhadores.
Foram realizados cinco encontros com o grupo, constituído por 6 a 8 professores do ensino
fundamental de uma escola pública localizada em um bairro de significativa vulnerabilidade
social. O grupo não contou sempre com os mesmos participantes, o que não prejudicou o
andamento da pesquisa, tendo em vista que, segundo o autor, não importa se os membros do
grupo se alternam pois o que está sendo escutado é o coletivo e não as histórias individuais.
No que se refere à interpretação, adotou-se, conforme este pressuposto metodológico, a posição
de interlocutor e não de especialista, considerando que, para o autor, é esta posição que torna
possível a abertura para o discurso referente ao sofrimento e ao prazer vivenciados no trabalho,
discurso este passível de escuta e de interpretação.
Considera-se, assim, que este método tem a possibilidade de permitir que os agentes reflitam
sobre sua situação em relação ao trabalho e sobre as conseqüências dessa relação, em busca da
ressignificação de seu sofrimento, através da discussão e da reflexão encontrando, assim, sentido
para o mesmo. Dessa forma, a pesquisa em psicodinâmica constitui, também , uma fecunda
intervenção.
Enfim, considera-se de suma importância registrar a dimensão ético-política dessa metodologia.
Sendo assim, aplicar a psicodinâmica do trabalho “implica o engajamento subjetivo, político e
ético do pesquisador. “ (Merlo e Mendes, 2009, p.147).
Salienta-se que a validação da pesquisa deu-se no decorrer de sua realização, junto aos
participantes, conforme proposto por Dejours (1992,2008).
Foram feitas questões aos docentes visando a discussão e a reflexão . As perguntas foram: O que
é ser professor? Quais são os desafios e dificuldades nessa profissão? Quais são seus sentimentos
diante de seu contexto de trabalho?
Os encontros foram gravados para posterior transcrição, sendo que, após a mesma, as gravações
foram destruídas. A fim de preservar o sigilo quanto à identidade dos participantes, foram usados
nomes fictícios nos relatos. Ressalta-se que a pesquisa seguiu os princípios éticos da resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde que trata dos princípios éticos de pesquisa com seres
humanos.
A seguir são apresentados os resultados a partir de um relatório comentado. (Dejours 1992,
2008).
3. Resultados e discussão
A partir da escuta dos docentes surgiu o debate em torno da constatação do grupo de que ser
professor é ser mestre. Contudo, afirmam que hoje isto não é possível devido ao modo que os
alunos chegam na sala de aula, muitas vezes em situação de vulnerabilidade social, com uma
precária estrutura familiar, com atitudes agressivas e menosprezo ao papel do professor. Assim,
este acaba tendo que ocupar outro lugar do que o de mestre, conforme relato: “O papel do
professor é ser mestre. Só que hoje na verdade, é não ser mestre. Com os vários problemas, a
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escola, a política, a economia, a sociedade, reflete nos alunos e (...) muitas vezes a gente não
consegue ser mestre”(Miriam)
Pode-se perceber também ,ao longo das discussões, que muitos no começo da profissão
acreditavam que deveriam ensinar o que sabiam às crianças, que estas aprenderiam e estaria
cumprida sua missão. Porém, acreditam que hoje o papel do professor vai muito além de ensinar,
tendo que assumir várias funções e responsabilidades, conforme aponta Francesca: “O professor
cada vez mais, assume responsabilidades que não são suas(...) a gente vê que a miserabilidade é
muito grande em todas as partes”, E acrescenta: “é uma carência afetiva, é uma carência de
amor, é uma carência de ações e é uma carência financeira, né? E isso de alguma forma também
está dentro da escola”. A participante conclui: “Além de um educador, o professor tem que saber
todos os saberes pertinentes a sua profissão, mais todo esse afetivo que envolve, né´?”
As falas em questão vão ao encontro do que preconiza Esteve (1999) sobre o aumento das
responsabilidades e exigências sobre o professor, onde este deve exercer diversificados papéis
por vezes contraditórios, aliado à transformação do contexto social o que acaba por gerar a
modificação do papel do professor e o mal estar por sentir-se impotente diante de tantas
demandas.
Conforme Merazzi (apud Carlotto 2002), estas mudanças do papel do professor estão
relacionadas a determinados fatores. Primeiramente, a família que era fonte de socialização e
educação das crianças vem passando essa responsabilidade para as instituições escolares. Outro
fator é relativo às mudanças constantes nos referenciais, outrora, mais estáveis. Em conseqüência
dessa instabilidade e delegações de papéis à escola, surgem os conflitos que ocorrem dentro da
instituição escolar na busca de saber qual é o papel e função do professor, quais os valores que
devem transmitir e quais devem questionar.
Diante dos relatos dos professores pode-se perceber que muitos afirmam ter como limitação no
trabalho a pressão por quantidade e por resultados , sentindo-se coagidos a terminar um conteúdo
na expectativa de que os alunos tenham aprendido tudo, não havendo espaço para avaliar se a
criança teve mesmo um crescimento ou se deveriam aplicar outros métodos e recursos, não
conseguindo ter uma visão das lacunas que ficam no processo, tendo em vista as necessidades
específicas das crianças inseridas nesta escola, na grande maioria em situação de negligência e
abandono.
Isso transparece claramente na fala de Jonas: “(...)Tem que terminar um conteúdo que tu
aprendeu e tu quer que o aluno aprenda e tu não tem claro o que que falta, o que que teu aluno
pode aprender. E essa realidade pesa as vezes de a gente acabar perdendo o aluno.” O
participante acrescenta: “(...). Esse aluno, o drama de vida dele não deixa ele enxergar o que
ensinamos como uma coisa boa e daí ele entra em conflito sabe? Querem passar, querem que ele
aprenda, mas pra ele não é aquilo ali o importante.”Miriam complementa: “Frustra algumas
vezes porque o crescimento, o retorno que eles podem dar pra gente é pouco. E a gente sabe que
o retorno teria que ser maior, mas ao mesmo tempo não tem, não se consegue fazer com que esse
retorno seja maior.”
Nesse contexto Perrenoud (1999) afirma que quando um oficio impossível é estabelecido,
raramente os objetivos são atingidos. Assim, é pouco freqüente que todos os alunos de uma
turma aprendam perfeitamente os saberes visados pelos docentes.
Os professores relatam, ainda, que as famílias muitas vezes acabam pedindo ajuda aos
professores quanto aos filhos, pedindo que os mesmos coloquem limites, porém o professor não
consegue dar conta de mais essa função sentindo-se impotente.
O relato a seguir ilustra isso: “a família, as vezes eles esquecem ,sabe, que o professor é uma
pessoa humana. Eles pedem, sabe, que a gente faça coisas que a gente não consegue
mais”(Francesca)
Nesta direção, Alana acrescenta: “Eles acham que a salvação é o professor e o professor se sente
impotente, né, porque não consegue resolver(...)a gente não consegue superar a quantidade de
problemas que a gente tem(...), teu corpo já não agüenta. E conclui: “Começa a saúde da gente a
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falhar e aí a gente não tem a quem recorrer, tem que tirar atestado, o professor fica doente, o
professor tira atestado...”
Jane também expõe seu sofrimento diante dessas demandas: “Muitas vezes a gente se sente
impotente, né? Se sente, angustiada, impotente, tu não sabe o que fazer. Tu pensa: qual será a
melhor maneira de lidar e dar um jeito da gente se ajudar”.
Constata-se nesta fala um pedido de ajuda e o desejo de refletir sobre sua prática, buscando
novos caminhos e soluções criativas que somente podem ser encontradas no espaço coletivo e na
comunicação autêntica (Dejours 1999, 2001, 2008)
Perrenoud (1999) afirma que os sentimentos de fracasso, impotência, desconforto geram uma
reflexão nesse profissional sobre a sua forma de saber e sobre as situações a sua volta que
permeiam este processo.
Dejours (2008), defende que o trabalho é criação de algo novo e inédito, considerando que
quando o trabalho possibilita que o trabalhador efetue os ajustes na organização prescrita
colocando sua inteligência astuciosa em ação, sente-se fortemente envolvido pois está tendo a
oportunidade de dar sua contribuição e exercer sua criatividade. Em contrapartida, ao sentir-se
impotente em relação à rigidez das prescrições, não pode dar sua contribuição e, assim, o
trabalho perde o sentido pois o reconhecimento não encontra espaço para transformar o
sofrimento em prazer, culminando com o adoecimento.
Na visão do autor, o desejo do trabalhador é tão somente que o seu investimento não seja
frustrado, ou seja, que não seja visto como um marionete ou um simples executante de tarefas
condenado à obediência e à passividade.
Acrescenta, ainda, que existem condições que tornam possível a paixão e o prazer no trabalho
que implicam sempre um confronto com o real. Entretanto, este, confronto pode ser gerador de
um sofrimento intransponível, levando ao comprometimento da saúde pois o trabalhador se vê
exposto continuamente à repetição dos mesmos problemas, dos mesmos fracassos, chegando ao
limite do insuportável.
Neste sentido, os trabalhadores do grupo relatam que em seu contexto de trabalho ocorrem
problemas que se repetem ano após ano e que não existem espaços para pensar sobre isso, então
sentem-se incapazes. Assim, o adoecimento do profissional docente pode estar relacionado às
queixas de impotência frente à não aprendizagem associada a diversos fatores já mencionados,
trazendo preocupações aos professores por não visualizarem vias possíveis de resolução, o que
acaba afetando a sua saúde pois deparam-se continuamente com a frustração de seus planos e
objetivos traçados, conforme aponta Ester: “A gente fica doente, porque vê que não consegue
fazer muita coisa. E vê que o fim do ano está chegando e fica imaginando na realidade o que é
que a gente fez (...) a gente não conseguiu alcançar aquele aluno que dependia da gente.”
4. Conclusão
O grupo de discussão com os professores permitiu conhecer as vivências de ser professor em um
contexto de grande pressão, multiplicidade de papéis e significativa instabilidade.
Foi possível constatar, através do engajamento dos professores nas discussões, a grande demanda
por um espaço de comunicação, bem como a importância da escuta e da circulação da palavra na
abertura de caminhos e soluções, buscando tornar a instituição educativa mais favorável à
negociação e transformação do sofrimento docente, rumo à emancipação das relações de trabalho
em benefício de todos os envolvidos neste processo.
Outrossim, verificou-se que, a partir do grupo de discussão, ampliou-se a comunicação entre os
professores que antes estava atrelada a reuniões informativas o que possibilitou a elaboração de
conflitos e o enfrentamento coletivo de problemas e contradições que estavam na invisibilidade e
sobre as quais não se falava.
Percebeu-se, assim, que os professores desejam construir uma nova forma de cooperação que vai
para além dos métodos e recursos didáticos compartilhados, uma cooperação não prescrita,
conforme propõe Dejours (2008), caminhando rumo ao rompimento da invisibilidade e da
solidão docente através da potência da palavra.
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5. Referências
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Paralelo 15.
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SC-07
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Introdução
Esse estudo parte de uma pesquisa empírica acerca de subjetividade e trabalho, realizada em
seções de inserção automáticas de empresas do segmento eletro-eletônico, de origem oriental,
situadas no Polo Industrial de Manaus -PIM. Dentre os diversos aspectos subjetivos implicados
no trabalhar, esse estudo apresenta como recorte a análise das estratégias de defesa e de
enfrentamento do sofrimento. O objetivo é compreender a estruturação e o funcionamento das
estratégias de defesa e de enfrentamento que os operadores de máquinas de inserção automática
utilizam para lidar com o sofrimento no trabalho.
O Polo Industrial de Manaus é constituído por aproximadamente quatrocentas e cinqüenta
empresas, ultrapassando cem mil empregos diretos, incluindo postos efetivos, temporários e
terceirizados (SUFRAMA, 2011). O projeto Zona Franca de Manaus foi implantado há quatro
décadas e atualmente tem no polo industrial sua vertente de maior importância econômica.
A abertura do mercado brasileiro aos produtos importados, em 1990, causou grandes mudanças à
dinâmica do PIM. As indústrias que até aquele momento atendiam principalmente ao mercado
interno, foram compelidas à reestruturação produtiva, com vistas à competitividade no mercado
internacional. Nessa reestruturação destacou-se a aquisição de máquinas de inserção automática,
o que implicou redução de postos e intensificação da carga de trabalho, além da exclusão de
grandes contingentes de trabalhadores (Moraes, 2010).
Apesar de que os discursos gerenciais valorizam a automação industrial, com a promessa da
substituição de operários por máquinas na realização do trabalho penoso, o mesmo se mostra
presente nas áreas de inserção automática; com o agravante de que os operadores de máquinas de
tecnologia mais avançada recebem maior pressão e cobrança que aqueles operários que atuam
em linhas de montagem tradicionais (Moraes, 2010).
Por traz das vitrines de grandes e modernas indústrias, o sofrimento no trabalho está sendo
intensificado por exigência de qualidade, que é apontada por Dejours (2001, 2007, 2010) como
um dos agravantes do sofrimento no trabalho presente nas empresas que investem em
modernização tecnológica e em novas formas de gestão.
Situando a importância do estudo das estratégias de defesa, mencione-se que a psicodinâmica do
trabalho se diferenciou da psicopatologia do trabalho – constituindo-se enquanto disciplina
autônoma- a partir do desvelamento do papel das estratégias defensivas, que tornam possível que
os trabalhadores, em sua maioria, se mantenham no estado de “normalidade”, apesar do
sofrimento no trabalho, agravado por condições de trabalho marcadas por rigidez, pressões,
monotonia e outras condições deletérias à saúde (Dejours, 1997; 2008a). Dessa forma, as
estratégias de defesa são um conceito central na psicodinâmica do trabalho. São definidas como
recursos construídos pelos trabalhadores para lidar com o sofrimento e evitar a doença.
Segundo Dejours e Bègue (2010) as estratégias de defesa possuem um funcionamento
inconsciente e, na maioria das vezes, são construídas a partir de uma denegação em relação à
percepção daquilo que faz sofrer. Se manifestam em comportamentos paradoxais e ritualísticos,
sendo específicas a cada coletivo de trabalho.
Nas pesquisas iniciais, Dejours (1997) enfatizou as estratégias de defesa como uma construção
coletiva. Todavia, a progressiva individualização da organização de trabalho, relacionada às
novas formas de gestão, conduz ao enfraquecimento do coletivo e das estratégias coletivas;
multiplicam-se, então, as estratégias de defesa individuais (Dejours & Bègue, 2010), que são
menos eficazes para proteger o psiquismo porque não dispõem da estrutura de proteção conferida
pelo coletivo de trabalho.
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Método
A pesquisa empírica se desenvolveu em três empresas do segmento eletrônico, de grande porte,
duas japonesas e uma coreana, instaladas no Polo Industrial de Manaus; serão mencionadas
como Empresas A, B e C.
Os participantes foram vinte e seis operadores/as de máquinas de inserção automática: dez que
trabalham na Empresa A (japonesa), onze que trabalham na empresa B (japonesa) e cinco que
trabalham na Empresa C (coreana). Para mencionar a fala dos participantes recorreu-se ao uso de
codinomes, “nomes de Santos”, que possibilitam a identificação do gênero e mantém a
identidade em sigilo.
A coleta de dados foi realizada a partir de uma entrevista individual semi-estruturada, realizada
no local de trabalho. O método de análise foi construído a partir de uma articulação entre
categorias de análise fundamentadas na teoria psicodinâmica do trabalho e a sistemática de
análise da Grounded Theory ou Método de Comparação Constante –MCC (López &
Scandroglio, 2007; Trinidad, Carrero & Soriano, 2006).
A sistemática do Método de Comparação Constante se destina a estruturar a informação, com
vistas à descoberta de elementos comuns nas diferentes entrevistas, utilizando inicialmente uma
codificação aberta. A etapa seguinte consiste na construção de categorias e subcategorias
(condições, interações, estratégias), que conduz ao delineamento dos eixos de análise. O
refinamento do processo possibilita a identificação e análise de uma categoria central, que
permita desenvolver uma teoria a respeito de determinado fenômeno social (López &
Scandroglio, 2007; Trinidad et AL, 2006).
Na pesquisa realizada no PIM se partiu de categorias de análise definidas a priori a partir de uma
teoria já consolidada – a psicodinâmica do trabalho -, razão pela qual não se aplicou
integralmente a Grounded Theory; o objetivo dessa estratégia de análise foi comparar entre si as
entrevistas individuais partindo de uma base metodológica genuinamente qualitativa. No recorte
desse estudo serão mencionadas as estratégias de defesa e as de enfrentamento do sofrimento no
trabalho.
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Resultados e Discussão
Foram identificadas diferentes estratégias defensivas nas empresas japonesas e coreanas, que se
relacionam com a organização de trabalho de cada uma delas e os agravantes do sofrimento. A
negação do sofrimento se encontra na base das estratégias defensivas, nas quais o sofrimento
aparece metamorfoseado.
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assim... às vezes, de um trabalho, me deixar ali num canto, porque acha que você não serve mais
porque você adoeceu e não vê aquele lado bom do que você fez, entendeu” (Isabel, Empresa C).
Outro aspecto dessa estratégia de defesa consiste em negar a sua própria doença a fim de
permanecer no posto de trabalho (suportando as dores) para evitar a pressão e a exclusão. Essa
estratégia tende a agravar o sofrimento e a doença; e sua eficácia se esgota face ao acirramento
da sobrecarga e do trabalho repetitivo: três dentre cinco entrevistados mencionaram sintomas de
LER/DORTs.
Também nesse caso a estratégia coletiva de defesa está sendo exploradas a favor da empresa. Os
operadores Há um deslocamento de responsabilidade pelo adoecimento, da empresa para o
trabalhador, o que caracteriza uma relação perversa. A organização de trabalho patogênica não é
questionada. Esse quadro favorece o individualismo, porque os colegas que deveriam ser
solidários entre si relacionam-se como adversários.
Outras estratégias defensivas
Na pesquisa foram ainda identificadas as seguintes estratégias de defesa, comuns às três
empresas, tais como a negação das adversidades presentes no trabalho; a repressão à raiva e à
agressividade decorrentes das pressões e constrangimentos relacionadas à referida organização
de trabalho; a racionalização das situações que causam sofrimento, identificada no uso
freqüente da expressão “é normal” para justificar diversas situações tais como pressões relativas
à produtividade e à qualidade; a resignação no que se refere às condições adversas da
organização de trabalho; o alheamento aos afetos se mostra como uma forma de alienação. O
individualismo, relacionado às demais estratégias, se manifesta na falta de solidariedade. É
mencionado por Dejours (2001; 2007) como elemento comum às novas patologias do trabalho
que são, antes de tudo, patologias da solidão.
Estratégias de adaptação
Os operadores mencionaram estratégias que têm em comum a busca de adequação às exigências
da organização: Submissão às regras (fazer o que as chefias determinam, ainda que o operador
discorde); Ignorar os problemas (consiste e evitar a reflexão, “deixar pra lá”); Persistência
(pensar nas metas pessoais que dependem do salário, para não desistir do trabalho).
Esses recursos adaptativos possibilitam a permanência nesse trabalho mas não oferecem
alternativas à regulação da OT nem à transformação do sofrimento. Tendem a se esgotar com o
agravamento das situações de sobrecarga e tensão.
Estratégias de compensação
Face ao sofrimento do trabalho, os operadores necessitam de recursos de compensatórios para
evitar a descompensação, que inviabilizaria sua permanência no espaço produtivo.
Mencionaram: Conversar com a família (“Coloco tudinho pra fora se não eu já tinha explodido”.
Graça, Empresa A); Cultivar o bom humor (as piadas e brincadeiras mantém o “alto astral”);
Cultivar a vivência espiritual (Deixar a situação nas mãos de Deus); Praticar trabalhos manuais
(para relaxar das tensões do trabalho); Praticar atividade física: caminhada, jui-jitsu ,“pra
extravasar”.
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Conclusão
Como lidar com o sofrimento do trabalho sem adoecer? As estratégias defensivas minimizam a
percepção do sofrimento e protegem da doença. Todavia, não promovem a mudança na
organização do trabalho, pois se fundamentam na negação. Esconder o sofrimento está na base
das mesmas, razão pela qual os trabalhadores evitam a reflexão acerca daquilo que faz sofrer.
As estratégias de enfrentamento, por outro lado, mostram um avanço em relação às estratégias
defensivas por serem estruturadas de forma consciente, embora muitas delas tenham como
característica promover a adaptação e não a mudança. Algumas das estratégias compensatórias
implicam utilização do pouco tempo fora do trabalho (trabalhos manuais, conversar sobre o
trabalho), o que significa que o tempo de não-trabalho é empregado para manter o equilíbrio e
retornar ao espaço produtivo, reduzindo ainda mais o tempo livre.
Na tradição autoritária do PIM as relações de dominação se manifestam também no cerceamento
ao espaço público da fala. Cerceada a fala no espaço de trabalho, entra em cena a família. Ao
falar acerca do sofrimento os operadores têm maiores possibilidades de refletir, resistir ao
assujeitamento e construir alternativas para transformar a situação. A consciência do sofrimento
possibilita a busca de adaptação em um patamar mais avançado em direção à saúde.
As estratégias de enfrentamento fundamentadas na regulação da organização do trabalho
(redução de velocidade das máquinas, intervalo para descanso e mudança de posto) mostram
maior eficácia por atuarem na origem do problema. A estruturação dessa estratégia torna-se
possível a partir da fala do sofrimento (mesmo que transgressora) e da cooperação (inclusive dos
supervisores), evidenciando a importância do coletivo de trabalho.
As estratégias de enfrentamento que regulam a OT promovem a saúde por alterar a condição
patogênica e ainda trazem ganhos no plano da subjetividade. Os operadores resistem à
dominação e mostram que a OT não é um bloco monolítico: encontram frestas para alterar o
trabalho prescrito (Dejours, 2008a). A partir da resistência conquistam a condição de sujeitos de
seu trabalho, o que fortalece a identidade e promove a saúde. Avançam no sentido da ação
política, da mobilização coletiva, da cooperação, da emancipação, da transformação da realidade.
Referências
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O texto visa apresentar o artigo “Transgressões como resistência aos modos perversos de gestão
da organização do trabalho”, produzido no contexto do GT “Trabalho e Saúde” no XIII Simpósio
da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP. Buscou-se
discutir as articulações entre os modos perversos de gestão da organização do trabalho e a
transgressão como um caminho para sujeito resistir à dominação simbólica presente nesta
perversão, preservando sua saúde mental.
O estudo da transgressão no trabalho implica em desafios. O primeiro é o aprofundamento do
tema dentro da teoria psicodinâmica do trabalho, a partir principalmente do exposto por Dejours
(1999), mas com a retomada das contribuições da psicanálise. O segundo é desmistificar a idéia,
muito presente no senso comum, de que a transgressão implica necessariamente em um dano, um
mal e/ou uma negação do outro. Ao contrário, a teoria da psicodinâmica do trabalho nos mostra
que a transgressão muitas vezes é necessária para a realização do trabalho. Por fim, este é um
tema que começa a ser trabalhado agora no contexto dos estudos e pesquisas brasileiros, mas que
certamente não se esgotará, abrindo um campo vasto de possibilidades a serem exploradas.
Segundo Sugizaki (2000), o conceito de transgressão se deu, inicialmente, na esfera geográfica:
passar para outro lugar, atravessar, ir além, exceder, ultrapassar – transgredir um rio, uma
montanha. Esse conceito foi transportado da esfera geográfica para questões éticas e morais,
especialmente no que diz respeito às leis, normas e à ordem. Em tese, se o termo não diz por si o
que será transgredido, deveria manter-se neutro do ponto de vista moral. Contudo, essa
apropriação traz um peso, valores: desobediência, descumprimento, desrespeito, invasão,
safadeza, trapaça, fraude, crime, vileza, desonestidade, corrupção e pecado – palavras
normalmente ligadas à idéia de mal.
O autor justifica que isso se deve justamente por esse sentido ligado às leis, à ordem social – para
que se ajustem às ações de muitas pessoas (sociedade), é preciso haver acordos e respeito de
quem deve fazer o que e em quais circunstâncias. Transgredir assume o sentido de ir além,
desafiar as leis e os ajustes sociais. A transgressão é vista, então, como uma ameaça a esses
acordos e, consequentemente, às relações sociais. Assim, somos educados em diversos contextos
– família, escola, trabalho – para a não-transgressão do modus operandi das sociedades. De
modo geral, qualquer ato de infração e de transgressão é punido ou ao menos repreendido.
Adaptar-se às normas é passado como receita da felicidade – conformar-se e adequar-se como a
única via para ser feliz.
Para fazer face a estes conceitos e pré-conceitos, assume-se o conceito de transgressão proposto
por Birman (2002), que afirma ser a transgressão a maneira pela qual a individualidade pode
resistir ao imperativo da normalização e da disciplina, questionando o terreno delineado pelas
normas, na tentativa de ultrapassar limites e buscar traçar novas fronteiras. Neste sentido, a
transgressão sustenta o pluralismo, o respeito á alteridade, e torna possível a criação.
Este conceito no contexto do trabalho pode ser estudado a partir da idéia de que a transgressão
pressupõe um referente. No caso do trabalho, são as normas, os procedimentos – quer sejam
informais ou formais – ou seja, a organização prescrita do trabalho.
Segundo Dejours (1999), quatro pontos merecem destaque no estudo das transgressões no
trabalho:
Assumem um caráter muito grave com o advento de novas tecnologias e segurança;
É impossível trabalhar sem incorrer em transgressões;
A transgressão nem sempre é um prazer;
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O que está prescrito nunca é suficiente para dar conta do real. É impossível atingir qualidade
respeitando as prescrições, uma vez que o real é submetido a eventos inesperados, panes,
imprevistos, problemas. A organização do trabalho é permeada pelas contradições, não somente
entre o prescrito e o real, mas dentro do próprio prescrito. As prescrições, concebidas para
organizar o trabalho, levam muitas vezes à desorganização. Assim, não existe trabalho apenas de
execução. Entende-se, assim, trabalho como sendo o que o sujeito faz além da prescrição para
dar conta dos objetivos atribuídos a ele. (Dejours, 2004, 2008).
Para Dejours (2008), trabalhar bem significa subverter o prescrito, cometer infrações. Contudo,
em caso de incidentes, a boa vontade do trabalhador “se volta contra ele, uma vez que será
inevitavelmente acusado de não respeitar os regulamentos, as prescrições” (idem, p. 41), muitas
vezes colocando o sujeito em uma posição contraditória.
Nesta perspectiva, trabalhar é fracassar, trabalhar é sofrer. Este real vai se revelar ao sujeito pela
impotência. Desta forma, a dominação que aprisiona e faz sofrer é mobilizadora para construção
das formas de resistência. É nessa luta entre as prescrições fantásticas e o estranhamento de
perceber o sofrimento silenciado, promotor de adoecimento que o sujeito desenvolverá
estratégias junto ao coletivo para emancipar-se.
Segundo Mendes (2008b), é justamente um jogo de forças contraditórias que operam sobre o
trabalhador, como “qualidade x quantidade”, “trabalho em equipe x trabalho sozinho”, dentre
outros, que caracterizam esses novos modelos de gestão, que podem contribuir, de certa forma,
para uma nova exclusão do trabalhador, referente a sentimentos e capacidade de negociação na
construção dos processos de gestão do trabalho.
Ferreira (2007) entende que a racionalidade econômica pode ser ideologicamente defendida por
estratégias perversas da organização do trabalho, buscando a dominação simbólica dos
trabalhadores por meio de práticas como desrespeito aos direitos trabalhistas, exacerbação das
dimensões da organização pré-escrita do trabalho, racionalização de mentiras, gerenciamento
pela ameaça, dentre outras. Essas estratégias perversas, segundo o autor, funcionam a partir de
uma lógica que nega o reconhecimento, induz à alienação social, ao silêncio, ao individualismo e
à servidão voluntária.
De modo mais específico, Mendes (2008b) ilustra algumas dessas práticas da seguinte maneira:
gestão pelo controle, medo, insegurança; normas sem limites ou muito padronizadas; poder
autocrático ou permissivo; comunicação sem visibilidade, paradoxal, restrita; discurso de
transparência, ética e responsabilidade social; foco na produção, ideologia da excelência; metas
inatingíveis.
O discurso da valorização, responsabilidade e autonomia patrocinam uma organização
individualizada do trabalho e equipes de trabalho que desconsideram a importância do coletivo e
do reconhecimento. Essas equipes são mais coletivos de produção do que coletivos de trabalho,
como entende a psicodinâmica. Por exemplo, a polivalência cria o isolamento, frustração e
competição entre as equipes, sendo retirada a capacidade de criar regras de solidariedade e
confiança, não existindo a cooperação e coordenação, condições fundamentais para o coletivo de
trabalho.
Estas novas formas de gestão buscam revalorizar o trabalhador, mas trazem um sofrimento
suplementar por meio da intensificação da carga e individualização do trabalho, gerando uma
vulnerabilidade sobre o julgamento da beleza e da utilidade que ficam ligadas à capacidade
individual de fazer bem as tarefas existentes nas prescrições da polivalência. Como
conseqüência, promovem a deterioração da capacidade coletiva de defesa e a dicotomia entre o
fazer bem e o fazer mais.
As contradições da organização do trabalho encontram-se relacionadas a uma dimensão muito
importante para compreender a perversão: a comunicação. As distorções comunicacionais, que
se referem á interpretação dos sujeitos das normas prescritas, amplificam as condições de
perversão. Os modelos de gestão partem do princípio que o trabalhador deve obedecer ao
prescrito para obter os resultados esperados. Como isto é impossível, tanto do ponto de vista da
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própria prescrição como da afetação do trabalhador por ela, os modos de gestão estabelecem
estratégias que desconsideram estas contradições, imperando a gestão pelo medo, ameaça dos
que não se enquadrarem. Esta cobrança mobiliza o narcisismo, coloca em marcha um sujeito
empoderado, principalmente pela promessa de ser reconhecido que busca a qualquer custo
atender ao prescrito. É este sujeito que aos poucos vai se transformando na máquina inteligente,
se nega como humano, nega seu sofrimento diante do inevitável fracasso do real. É um sujeito
que nega a castração e não encontra na própria normatização a possibilidade de transgredir, de se
constituir e de criar.
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No entanto, este caminho não tem sido possível na maior parte das situações de trabalho. A
transgressão criativa passa a ser um risco, que gera medo e insegurança nos trabalhadores, e ao
mesmo, tempo imprescindível para a produção a ser atingida conforme o prescrito. Diante de tal
contradição, instala-se um conflito e um sofrimento patogênico, difícil de ser superado. Neste
caso, a perversão conquista espaço e o sujeito, sem alternativas, assume a posição de servidão, e
algumas vezes, de normopatia, transformando-se na máquina que faz, sem questionamentos, sem
sentir, perdendo assim, sua condição humana.
A padronização dos comportamentos, hoje resumida às palavras excelência, sucesso,
comprometimento, análise de desempenho é o modo de controlar a capacidade do trabalhador se
afetar. O controle é o sintoma, assim, como a normatização. A transgressão é vista como
infração, insubordinação, devendo ser escondida pelo sujeito e alvo de punição, caso descoberta.
Para fins de discussão, assume-se que a transgressão é resposta à perversão dos modos de
organização do trabalho. Para transgredir como forma de resistência saudável, o sujeito precisa
se deslocar da posição narcisista, da onipotência, não ser escravo do desejo do outro, se apropriar
do seu desejo, o que implica reconhecer a falta e o fracasso diante do real como condição do
humano. É encontrar o sofrimento, suportá-lo e ressignificá-lo.
Neste contexto, a transgressão é uma possibilidade de contínua reintegração de necessidades,
ampliadora do espaço socialmente possível de realização do desejo. Por isso, razoável seria uma
organização do trabalho, pautada na gestão social, que permitisse gratificar o desejo, sem
conseqüências nefastas para a saúde mental dos trabalhadores e para a sociedade. Um lugar para
a livre expressão da subjetividade, um espaço de normas e regras, mas não de restrições à
liberdade, à alteridade e ao sofrimento criativo, aquele que mobiliza o sujeito para ação, para
resolução dos problemas do trabalho, e para tal, a transgressão é fundamental.
Referências
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Janeiro: Contra-Capa Livraria.
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165
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
166
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Introdução:
O trabalho é uma atividade eminentemente social que se estabelece na interação entre pessoas. É
no encontro com o outro que o indivíduo produz matérias, novas tecnologias e serviços, o que
implica a necessidade de uma análise intersubjetiva (Dejours, 2003). Nesse meio de produção
material são produzidos modos de viver, que podem resultar em reconhecimento, satisfação e
prazer, como podem gerar dominação, dor, frustração e sofrimento; dependendo da dinâmica que
se estabelece neste coletivo.
Neste trabalho serão abordados os vínculos sócio-afetivos estabelecidos entre pares no trabalho,
a partir do referencial da Psicodinâmica do Trabalho (PDT), que podem servir como modo de
resistência ao adoecimento. A concepção de resistência aqui abordada remete a um modo de
libertação do sujeito das amarras da dominação e ao estabelecimento da solidariedade, o que
pode levar a construção de regras coletivas no espaço de trabalho.
Aspectos fundamentais como o desenvolvimento da identidade psicológica e social, bem como o
sentido atribuído ao trabalho, são questões decorrentes das relações que se estabelecem no
trabalho, as quais sofrem a influência dos vários processos de reconhecimento: uma maneira de o
trabalhador sentir-se prestigiado pelo seu fazer. Quando o reconhecimento não ocorre, a
desvalorização pode gerar um fator de desgaste e de colapso psíquico do indivíduo.
Para Dejours (2004, p. 19): “A organização real do trabalho é um produto das relações sociais”.
A organização do trabalho ganha novas formas a partir do modo como os trabalhadores
subjetivam suas vivências, utilizando-se das defesas coletivas, ou da mobilização subjetiva
(como a cooperação), seja para resistir ao sofrimento, como para buscar o prazer. Essas
estratégias são construídas em consenso pelo grupo de trabalhadores e formam as regras do
coletivo de trabalho (Mendes, 2007b).
O coletivo é mais do que um grupo. O que o define é a construção e deliberação comum de
regras de ofício e, por isto, é muito difícil instalar um coletivo. Sendo que este espaço é
determinante na saúde mental dos indivíduos que o ocupam (Dejours, 1999).
No que diz respeito ao processo saúde-adoecimento, quando situações impostas, e que geram
pressão, são enfrentadas pelo trabalhador e transformadas de modo a proporcionar satisfação ou
prazer, obtém-se um resultado de promoção e manutenção da saúde. Mas, quando há falha nesses
modos de resistência, o sofrimento torna-se insuportável, levando ao adoecimento (Mendes,
2007a).
O sofrimento pode ser transformado em prazer através da dinâmica do reconhecimento, ou seja,
quando o trabalhador realiza uma tarefa possui expectativas do quanto ele é capaz. A certeza
dessa capacidade se dá pelo colega que reconhece socialmente seu feito, promovendo no
indivíduo um sentimento de gratificação; ou por aqueles que ocupam uma posição hierárquica,
reconhecimento de utilidade técnica. Se a dinâmica do reconhecimento não ocorrer, não é
possível a transformação do sofrimento em prazer, neste caso o trabalhador não encontrará
sentido no seu trabalho e, como conseqüência, poderá sofrer uma descompensação psíquica ou
somática (Dejours, 2004).
Metodologia:
Para ilustrar situações e ações vividas nos relacionamentos sócio-afetivos no trabalho, as quais
que podem servir como modo de resistência ao adoecimento, apresentaremos alguns
depoimentos de trabalhadores extraídos de uma pesquisa empírica (Bruch, 2009) que versou
sobre as relações interpessoais e a saúde mental em trabalhadores da região do Alto Uruguai
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Masculino
Utilizou-se, como técnica para coleta de dados, o grupo focal. Os sujeitos do estudo participaram
de uma sessão grupal, com o objetivo de discutir, informalmente, percepções e expressar
sentimentos sobre as relações sócio-afetivas vivenciadas entre colegas no ambiente de trabalho.
A utilização de um roteiro pré-elaborado, não rígido, teve como objetivo possibilitar, ao grupo,
sentir-se à vontade para expressar suas opiniões, obtendo, assim, dados abertos que incluíam a
observação do pesquisador. As sessões de grupo focal foram gravadas em vídeo e áudio. A
pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética a Unisinos e todos os cuidados éticos foram
observados na mesma. Depois de transcrito o material do grupo focal foi submetido à análise de
conteúdo, a partir de categorias elencadas pelos objetivos estabelecidos para a pesquisa.
Resultados e discussão
Através dos depoimentos dos trabalhadores que participaram da nossa pesquisa, foi possível
identificar situações e ações capazes de promover vivências de prazer, que contribuem,
possivelmente, para assegurar a saúde mental, marcadas pelo poder de resistência, de
engajamento e de mudança, entre as quais destacamos: a ajuda ou apoio, a cooperação e a
confiança entre colegas.
No âmbito da ajuda encontram-se os comportamentos referentes à manifestação de generosidade
ou apoio concedida por um sujeito ou grupo de trabalho para com os colegas que necessitam. Os
momentos em que receberam auxílio e apoio de colegas foram lembrados pelos participantes, de
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
forma significativa, como promotores de prazer no trabalho. O apoio recebido de colegas pode
ser ilustrado através da seguinte fala:
“Eu lembro assim, de uma colega que eu tive, até hoje eu me lembro dela com muito carinho.
Ela era a melhor colega de trabalho, sabe, de ensinar tudo que ela sabia e mais um pouco, sem
ter medo de eu tirar o lugar dela... sempre ensinou, sempre apoiou, sempre que podia (...). E até
hoje eu me lembro dela com muito carinho”.
Neste estudo foram encontrados exemplos de interações e/ou relações sociais no trabalho que se
configuram como uma forma de mobilização subjetiva, ou seja, que visam à transformação de
vivências de sofrimento em prazer. A mobilização subjetiva, diferentemente das estratégias
defensivas, não nega nem minimiza o sofrimento, mas busca a ressignificação das situações
geradoras de sofrimento, em situações que proporcionem alguma forma de prazer. Para tanto, é
preciso que o trabalhador use de sua subjetividade, de sua inteligência e do coletivo de trabalho,
para transformar as circunstâncias tormentosas em ações que resultem em prazer (Mendes,
2007a).
Condutas como cativar e conquistar as pessoas com quem se trabalha, com o objetivo de buscar
ressignificar relações pouco amigáveis ou conflitivas, evidencia o uso de uma estratégia eficaz e
benéfica, que pode auxiliar na convivência em grupo. Outra ação, mencionada pelos
trabalhadores pesquisados, é dividir ou delegar tarefas a um colega. Esse movimento pode
resultar em novos aprendizados e afazeres, satisfação pessoal, autoconfiança, transformando o
medo de perder espaço em companheirismo e cooperação. Exemplos destas situações seguem
nos depoimentos abaixo:
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“A minha mãe, assim, me ajudou bastante porque eu era nova, muito nova, tinha dezessete anos,
e minha mãe sempre me apoiava, e me dizia: (...) calma, vai conversando com ela (colega), vai
se aproximando dela com calma, vai procurando entender porque ela é assim, ajudar, que tudo
vai ficar bem. E foi o que eu fiz, e deu certo (...), daí eu fui começando a conquistar todo mundo,
fui ficando amiga, bem amiga de todo mundo(...)”.
“(...) quanto mais tu delegar as tuas tarefas, mais tu aprende (...) mais tempo tu vai ter pra
aprender as coisas novas e se tu faz teu serviço direitinho, não tem porquê tu ficar com medo da
pessoa que tá vindo atrás de ti (...) hoje eu tô fazendo muito mais coisas do que fazia antes,
muito mais coisas que exigem responsabilidade, mais capacidade, que eu não tinha tempo pra
fazer porque ela (colega anterior) ficava se prendendo àquelas coisinhas que ela fazia
diariamente. Eu aprendo muito mais e, cada vez mais, e tenho um relacionamento tranqüilo, um
relacionamento bom (...)”.
A dinâmica da mobilização subjetiva compreende o coletivo do trabalho que é construído através
das relações de confiança, solidariedade e cooperação (Mendes, 2007a). Para que as relações de
trabalho tenham essas características, é necessário um investimento afetivo por parte do sujeito,
tanto na conquista pessoal como na divisão de espaços e tarefas.
Outra forma de mobilização subjetiva diz respeito à busca de diálogo e de um espaço público de
discussões sobre o trabalho. Essa procura por um espaço, onde é possível falar sobre os
sentimentos e acontecimentos vivenciados no trabalho (Mendes & Morrone¸ 2002) ocorre, por
exemplo, quando um grupo consegue, através da cooperação, da solidariedade e da confiança,
discutir situações (relacionadas à tarefa ou às suas relações sócio-profissionais) que levariam ao
sofrimento e levantar possibilidades de modificá-las, de forma a gerar prazer.
Este estudo alude à importância de se ter um espaço coletivo, com a possibilidade de fomentar
um maior engajamento dos trabalhadores no trabalho. Espaço este que propicie um diálogo
aberto e liberdade para falar sobre os acontecimentos e problemas diários do trabalho real
(expondo os próprios erros, manifestando percepções individuais sobre a sua ação ou sobre a
atuação do outro), como um recurso a ser utilizado para manter relações mais satisfatórias. Nos
relatos que seguem, os participantes valorizaram o diálogo aberto e a manutenção de um espaço
público de fala com a equipe.
“E quando você está com uma pessoa que tem liberdade pra falar, que aconteceu uma coisa
errada. Chegar e dizer: olha eu não consegui! Agora quando, que nem no anterior [referindo-se
ao trabalho anterior], eu não conseguia falar com a pessoa, a pessoa não aceitava, sabe, eu não
tinha como(...) Agora nesse local que eu trabalho, quando eu errava, eu chego e digo: Olha, a
culpa não é minha (...) É uma relação assim bem aberta, assim como essa pessoa fala pra mim,
às vezes: Olha, o que tu fez não tá legal. Então é bem mais tranqüilo agora”.
“No nosso setor, ali a gente tenta conversar, até a gente faz reuniõezinhas de vez em quando pra
ver se está tudo bem, que se alguém tem alguma reclamação com alguém que se fale ali na
frente de todos prá que não comece, como nós falamos, fofoquinhas de corredor. Prá que não
aconteça isso a gente tenta deixar bem exposto o que cada um pensa e o que cada um quer fazer,
prá que não dê problema de dizer, ah... porque alguém disse isso ou alguém disse aquilo. A
gente tenta deixar bem claro”.
A liberdade para falar, a possibilidade de estar frente a frente para esclarecer possíveis distorções
na comunicação ou mesmo para admitir um erro, são formas saudáveis de relacionamento que
podem ser proporcionadas no contexto do trabalho. Nessas situações predominam a
espontaneidade e a exposição das idéias, promovendo um espaço de manutenção do coletivo.
Conclusão
Ao analisar as relações entre colegas vivenciadas no trabalho e as suas repercussões na saúde
mental dos trabalhadores, percebe-se que elas ocupam um espaço significativo para a
compreensão da dinâmica que se estabelece entre o trabalho e a saúde mental. É possível pensar,
que as relações sociais construídas através da organização do trabalho são fontes de prazer e
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sofrimento psíquico, e também podem ser agentes tanto de resistência ao adoecimento como de
promoção de prazer.
A competição, o individualismo e as relações negativas, são atitudes que caracterizam uma
patologia social atual presente no trabalho, a qual Dejours denominou de patologias da solidão.
“Diante dos constrangimentos do trabalho, todos se encontram, psicologicamente, cada dia mais
só... Todas as novas patologias relacionadas com o trabalho, hoje, são, antes, patologias da
solidão (Dejours, 2004, p.17)”.
As relações entre colegas podem afetar negativamente a saúde mental e causar sofrimento
psíquico. Esta dor é manifestada por choro intenso, sentimentos de raiva e mal-estar no local de
trabalho, baixa produtividade, falta de vontade de ir ao trabalho, falta de ânimo, aumento no
peso, humor instável, momentos de estresse e depressão, que podem resultar em
descompessações psicossomáticas e adoecimento.
Os trabalhadores, para enfrentar o sofrimento que surge das situações conflituosas que ocorrem
ao relacionar-se com colegas, podem fazer uso tanto de estratégias defensivas quanto da
mobilização subjetiva. As atitudes descritas pelos trabalhadores levam a refletir o quanto as suas
ações são decorrentes de uma cultura em que imperam o individualismo e a violência e, só cabe
ao sujeito se defender, não importando como, versus a crença de que: cada indivíduo, de acordo
com seus recursos e estrutura, pode, a partir de seus valores éticos e morais, buscar estratégias
criativas, transformando o medo de perder espaço em companheirismo e cooperação.
A proposta da clínica do trabalho, no modelo dejouriano, almeja intervenções que tragam à tona
os aspectos subjetivos e menos visíveis das relações e processos de trabalho, possibilitando aos
trabalhadores uma reflexão sobre o próprio fazer, de modo a permitir sua apropriação e
emancipação e a reconstrução coletiva do trabalho. A construção deste espaço público de
deliberação não é tarefa simples, ela passa necessariamente pela aprendizagem da escuta e da
fala, na qual as pessoas terão que desenvolver a capacidade de pensar individualmente e
coletivamente, visando à constituição de um coletivo (Lancman & Uchida, 2003).
Por fim, cabe ressaltar que o tema saúde mental no trabalho é amplo. Muitos são os fatores que
podem interferir no processo saúde/doença, sendo que, nesse trabalho, apresentaram-se as
relações entre colegas como mais uma variável a ser considerada nesse campo. A discussão
proporcionada permite referir que elementos como: confiança, cooperação, ajuda, apoio, amizade
e reconhecimento, são essenciais para a manutenção do coletivo de trabalho, responsável pela
resistência e minimização do sofrimento e pela busca do prazer e, consequentemente, pela
promoção de saúde.
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171
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
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trabalho: trajetória conceitual e empírica. Em A. M. Mendes, L. O. Borges & M.C. rreira (Orgs),
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172
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
INTRODUÇÃO
Historicamente, o trabalho se constitui como um dos principais modos de produção da existência
social, com repercussões diretas sobre a condição de saúde dos trabalhadores. O campo de saúde
e trabalho tem recebido diversas contribuições teóricas, entre elas destaca-se a abordagem da
Psicodinâmica do trabalho. Este trabalho tem por objetivo o relato de experiência relacionados a
práticas de pesquisa e intervenção em grupo em clínica do trabalho, contribuindo com a reflexão
e o debate para abertura de novas possibilidades teóricas e metodológicas para clínica
psicodinâmica do trabalho sem perder de vista o seu papel político na mobilização de modos de
resistências mais saudáveis para os trabalhadores.
Para Dejours (2009), as formas atuais de gestão e organização do trabalho seriam diretamente
responsáveis por alguns transtornos mentais e somáticos contemporâneos. Tais patologias tem
sido foco de análise na escuta clínica de vários pesquisadores brasileiros como Martins (2009) e
Santos-Vital e Col (2009). Esta escuta tem se caracterizado por articular de modo indissociável a
pesquisa da ação. São pesquisas sobre o sofrimento, sobre as defesas construídas antes e após o
processo de adoecimento e intervenção nos modos de enfrentar a doença. Nesse tipo de pesquisa-
ação, o sujeito reconstrói sua história individual e coletiva no trabalho e traça novos destinos,
por meio da discussão coletiva desta história.
Na clínica do trabalho com abordagem da psicodinâmica do trabalho são as concepções de
Dejours (2004) sobre sofrimento no trabalho que permitem a construção de uma visão clínica dos
processos de subjetivação relacionados ao trabalho, a partir do conceito de trabalho real, da
posição do desejo articulado à organização do trabalho e ao uso de estratégias defensivas
individuais e coletivamente construídas para mediação, enfrentamento e negação do sofrimento.
Nesse cenário a organização do trabalho representa (decifra) a vontade de um outro. A
psicodinâmica do trabalho contempla a organização do trabalho em duas dimensões: a divisão do
trabalho e a divisão dos homens. A organização do trabalho também se diferencia em
“organização prescrita” e “organização real”. Essa última evidencia o fracasso da normatização e
da prescrição diante da modificação contínua da realidade, refletindo as situações imprevistas
que ultrapassam o domínio técnico e cientifico. O real do trabalho sempre se manifesta
afetivamente para o sujeito pelo sofrimento frente ao fracasso da prescrição, envolvendo sua
personalidade - engajamento do corpo, a mobilização da inteligência, a capacidade de refletir, de
interpretar e de reagir as situações inesperadas. (Dejours, 1999; 2004)
Por outro lado, a atividade em grupo nas organizações de trabalho exige uma leitura e manejo do
grupo como uma unidade (totalidade) e não apenas de aspectos intersubjetivos e organizacionais.
Os conhecimentos sobre processo grupal são fundamentais para uma leitura e escuta mais
refinada.
A psicanálise apresenta uma vasta literatura a esse respeito, onde se destacam às contribuições de
Freud, Bion, Elliot Jaques, Pichon Rivire, Bleger, Baramblitt, Enriquez, D.Anzie, R. Kaes, Com
interfaces com a psicanálise, temos ainda a Sócio-análise (Lapassed e Laurau), a esquizo-análise
(Deleuze e Guattari) e a sócio – psicanálise. (Mendel). As diferentes contribuições caracterizam
movimento que tem sido denominado de movimento grupalista e/ou movimento institucionalista.
8
Psicóloga, doutora em psicologia (PUC-SP). E-mail: sorayarm@uol.com.br
173
II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
Para o movimento institucionalista, o grupo é concebido como uma instituição viva, uma
unidade da organização social. Os sujeitos são percebidos como constituídos e constitutivos das
relações institucionais..
De acordo com a proposta de grupo operativo de Pichon Riviere (1988), o sujeito ao enunciar
algo no grupo, ele fala por si mesmo e ao mesmo tempo é porta voz de algum movimento
consciente ou inconsciente da dinâmica grupal. E o grupo, assim como no teatro grego, é porta
voz de situações sociais. A técnica de grupo operativo parte do pressuposto que o sujeito se
constitui e está implicado por inteiro naquilo que faz. Sua inserção no cotidiano ocorre por meio
de histórias de vínculos individuais, grupais, institucionais e comunitário que se expressam no
aqui-e agora naquilo que o grupo propõe-se (tarefa).
No processo grupal a análise do cotidiano é feita por meio de uma fala que veicula de
conhecimento/desconhecimento sobre ele, com intuito de estabelecer, na validação do vivido, um
corte para pensar. O grupo protagoniza seus problemas e suas demandas. Seus membros podem
compreender e adquirir um vocabulário próprio que lhes permita construir um saber acerca de
seu trabalho, de sua vida.
No momento denominado de pré –tarefa (Pichon-Riviera, 1988), a integralidade do “homem em
situação costuma trazer ao processo grupal condutas, sentimentos, pensamentos e ações,
implícitos e explícitos, formando obstáculos aos propósitos do grupo( tarefa). Essas condutas
estão ancoradas em dois sentimentos básicos: medo de perda do já estabelecido (intituído) e o
medo de ataque frente ao novo (representado pela tarefa) diante da fragilidade e desamparo do
homem. Esses medos básicos se expressam sob variadas formas, por meio de conflitos,
bloqueios, rigidez de papeis,problemas de liderança, apatia, desconfiança, fragmentação, etc.
Com esta perspectiva teórica, este estudo pretende discutir e avaliar algumas contribuições de
práticas da Clínica do trabalho, com a implementação de estratégias de pesquisa, diagnóstico e
intervenção, visando a promoção da saúde, focalizando em especial a modalidade de intervenção
em grupos, propiciando um espaço público de discussão.
MÉTODO
A apresentação e discussão dos aspectos teóricos metodológicos de pesquisa e intervenção em
grupo estão apoiadas em pesquisas em psicodinâmica do trabalho realizadas no Brasil nos
últimos anos (Martins, 2009, Mendes [org], 2007, 2008) e na apresentação de uma vinheta
clinica parte de um processo de intervenção grupal, junto ao SUS, com pessoas cujo seu trabalho
foi um fator de risco adicional ao adoecimento. Tem como referência central as idéias da
psicodinâmica do trabalho (Dejours, 2004; Martins, 2009; Mendes, 2007).e outras contribuições
do trabalho em grupo de abordagens clínicas no campo social.( Pichon Riviere,1988,
Bleger,1984, Baremblitt, 1992 )
Em nossa experiência na clinica do trabalho nos últimos dez anos (Martins, 2009), a escuta
psicanalítica constitui-se como uma importante ferramenta que pode ser usada como método
clínico de investigação e intervenção no trabalho em grupo e na promoção dos espaços públicos
de discussão. Porém está escuta tem que estar apoiada, não apenas nos pressupostos da
psicanálise, mas principalmente em referências teóricas que visem à compreensão do mundo do
trabalho, bem como a compreensão dos processos grupais. Para ocorrer produção de sentido e a
elaboração das vivencias subjetivas relacionadas ao trabalho, não basta o pesquisador ouvir os
trabalhadores, é necessário escutar-, ou seja, compreender algo inédito no discurso.
Dejours (2004) ressalta que a escuta na clinica do trabalho só produz efeitos se envolver riscos
ao pesquisador – risco de compreender algo inédito, riscos pessoais ao escutar o drama de
sofrimento de alguém, o risco ao estabelecer relações com o referencial teórico, o risco da
tomada de posição frente à demanda e ao testemunho, denominando- a de “escuta arriscada”.
A escuta na clinica do trabalho inclui a difícil tarefa de dar visibilidade à voz daqueles que
habitualmente não possuem outra forma de escrita senão a da história concreta do cotidiano de
trabalho. Envolve o desafio de possibilitar a produção de sentido, de criar significações, de dar
nome ao não-dito, ao inominável. Além disso, no trabalho, o corpo em sofrimento configura-se
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
como uma geografia concreta do real, afirmando materialmente a memória. Nessa perspectiva,
torna-se essencial pensar os acontecimentos concebendo a narrativa histórica como um contínuo
regresso ao outro, presentificando uma ética do testemunho. A construção de uma ética que de
conta dos transtornos do trabalhar, do viver em comunidade, assegurando na pluralidade a
singularidade, é o grande desafio do mundo do trabalho e de nossa sociedade como um todo.
compartilhadas pelos integrantes do grupo ao pensarem, sentirem, agirem tanto individual como
coletivamente sobre a tarefa proposta. É através desse processo de aprendizagem que a mudança
na realidade social e no próprio sujeito pode ser construída, ao tornar possível o rompimento com
pactos, laços sociais, ideologias, formas de pensar e sentir que vinham funcionando como
obstáculos à promoção da saúde.
Nas atividades em grupo procura-se delinear, mediante a fala compartilhada, os movimentos
temáticos recorrentes. Com as referências da psicodinâmica do trabalho, a partir dos temas que
se repetem são delimitados os aspectos psicossociais e os recursos defensivos construídos
coletivamente (estratégias coletivas).
Entre os aspectos psicossociais presentes nos processos de saúde-adoecimento relacionados ao
trabalho destacam-se nas diversas pesquisas ( Martins, 2008, Mendes, 2007): a) pressões e
transformações organizacionais; b) aumento do ritmo de trabalho; c) dificuldade de estabelecer
limites frente às pressões internas (responsabilidade, desempenho) e externas (chefia, metas,
ritmo, etc.); d) deficit perceptivo dos limites impostos pelo corpo na relação com o trabalho; e)
não-reconhecimento do trabalho/ do sofrimento/ da dor pela organização, colegas, chefias,
familiares, profissionais de saúde; f) quebra entre os pares de pactos de reconhecimento/
reciprocidade/ solidariedade; g) ameaça de desemprego; h) dor e limitações decorrentes do
adoecimento e do afastamento do trabalho; e) isolamento pela empresa/serviços de
saúde/sindicato/sistema judiciário, levando ao sentimento de desamparo.
Nessas pesquisas, observa-se a presença de estratégias coletivas de defesa promotoras tanto da
saúde quanto do adoecimento. Entre as estratégias promotoras do adoecimento, destacam-se: a)
aumento do ritmo de trabalho exigido pela organização do trabalho, sendo a prática da auto-
aceleração incitada pela organização e sustentada por ideais culturais; b) medicalização do
sofrimento sustentada e promovida por agentes da saúde que não reconhecem o sofrimento
(adoecimento) relacionado ao trabalho.
Na clinica psicodinâmica do trabalho a obscuridade do trabalho tanto para os gestores quanto
para os trabalhadores, aparece associada a vários fatores, entre s quais se destacam: a eficácia, a
natureza dos recursos mobilizados pelos trabalhadores (mobilização subjetiva) e as condições
organizacionais e sociais. A experiência de trabalho, ao localizar-se na fronteira entre o discurso
e a resistência ao mundo (real), torna-se obscura na própria consciência de quem trabalha. A arte
do ofício, o saber-fazer é um saber que ignora a si mesmo, necessitando de um processo de
elaboração com o outro para se constituir como uma experiência reconhecida e re-utilizável
(aprendizagem). Porém, a possibilidade de ocorrer esse processo de elaboração depende de uma
dinâmica de reconhecimento onde as relações sociais no contexto organizacional desempenham
um papel fundamental (Martins, 2009). O processo de elaboração da contribuição pessoal na
ação de trabalhar, no sentido de uma formalização que se realiza pela apropriação através da fala
compartilhada, permite a rememoração a posteriori dessa experiência como uma solução para
novas situações de confronto com o real do trabalho.
Por outro lado a cooperação, as construções de confiança e das regras de oficio supõem a
existência de espaços de debate. Esses espaços públicos são caracterizados pela convivência e
pela confrontação das opiniões. Nesses espaços as pessoas contam histórias sobre sua vida, sobre
o trabalho, sobre a articulação do profissional e do extra-profissional. Contam histórias que
permitem por a prova o que cada um faz e como faz, as dificuldades que enfrentam, podendo
obter reconhecimento dos colegas pelo que faz.
São graças às contribuições singulares, compartilhadas em espaço público, que o patrimônio
(historia) coletivo de um determinado grupo pode ser constituído e enriquecido. Na falta desse
espaço, que fornece a base da confiança e da cooperação entre os pares, o risco no trabalho pode
multiplicar-se entre os diferentes grupos na empresa, ou mesmo entre os indivíduos, conduzindo
a uma fragmentação do tecido social. (Martins, 2009).
Estes coletivos de trabalho constituem espaços de resistência para o sujeito e preservação da sua
saúde mental. O compartilhamento de regras, a possibilidade de construção e reconstrução da
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II CBPCT – 6 a 8 de julho de 2011
CONCLUSÃO
Entre as considerações finais destacamos o seguinte. Primeiro: a experiência de intervenção
grupal na clínica do trabalho vem confirmando que não se pode perder de vista, a centralidade
do trabalho no que concerne à construção da identidade e à saúde mental (Dejours, 2009),
entendendo-se que esse processo não corre no isolamento, dadas suas circunstâncias históricas e
sociais, que o caracterizam como fenômeno coletivo. Segundo: a articulação entre o mundo do
trabalho, contexto, condições e relações de trabalho e suas repercussões na saúde dos
trabalhadores são fenômenos que se apresentam coletivos e de cunho social. Pensar “a pessoa em
contexto” constitui-se um desafio para psicólogo da saúde em sua prática clínica.
Enfim, concluímos que o exercício desta clinica do trabalho permite a construção de um espaço
coletivo de discussão, responsável pelo processo de elaboração e perlaboração das situações de
trabalho vivenciadas, contribuindo assim, para criar modos de resistência dos trabalhadores á
dominação estabelecida nos processo de gestão da organização do trabalho, constituindo um
modo de manter e garantir a saúde mental no trabalho. A construção da prática clinica no campo
social é um caminho ainda a ser delineado e aprofundado. A intenção deste trabalho é contribuir
com a reflexão e o debate, abrindo espaço para novas possibilidades teóricas e metodológicas
para clínica psicodinâmica do trabalho sem perder de vista o seu papel político na mobilização
de modos de resistências mais saudáveis para os trabalhadores
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.
BLEGER, J. Psico-Higiene e Psicologia Institucional. Porto Alegre. Artmed, 1984.
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Psicólogo, 2009.
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PICHON-RIVIÈRE, E O processo grupal. São Paulo, Martins Fontes, 1988.
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CO- 01
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INTELIGÊNCIA PRÁTICA
O PRAZER NO TRABALHO EM UMA OUVIDORIA PÚBLICA
CO-02
O Estudo apresenta pesquisa realizada com trabalhadores de uma ouvidoria pública em Brasília-
DF.O objetivo da pesquisa constitui-se na análise das relações entre organização do trabalho,
prazer/sofrimento e estratégias de mediação dos trabalhadores. Especificamente, buscou-se
compreender como a inteligência prática opera na possibilidade de construção do prazer no
contexto de trabalho. A abordagem que fundamenta a pesquisa é a psicodinâmica do trabalho,
cujas relações dinâmicas entre organização do trabalho e processos de subjetivação se
manifestam nas vivências de prazer-sofrimento, nas estratégias de ação para mediar contradições
na organização do trabalho, nas patologias sociais, na saúde e no adoecimento. Foram realizadas
seis entrevistas coletivas com dez participantes voluntários que atuam no atendimento de
denúncias, no controle, análise, supervisão, revisão e encaminhamento de respostas ao cidadão.
Ficou constatado que a atividade exercida pelos trabalhadores é repetitiva, o que foi verbalizado
nos encontros, no entanto há características de flexibilidade da organização do trabalho por parte
dos gestores atuais que implica em um “aliviar” frente à precariedade de um dos sistemas
informatizados que se apresenta como item ativador do sofrimento. Esse sofrimento é enfatizado
quando o acúmulo advindo da execução de tarefas, tidas como repetitivas e “fazedoras de robôs”
associa-se a pressão de cumprimento de metas e de uma exigência intrínseca ao trabalho e
extrínseca ao dever de “dar resposta em tempo hábil” ao cidadão. Por outro lado fica
comprovado que com o aprimoramento de um sistema informatizado específico de ouvidoria há
uma significativa melhora no desenvolvimento das atividades. Evidencia-se a presença de
coleguismo, confiança, cooperação, satisfação pela remuneração, realização profissional e
identificação do trabalhador com a atividade. A presença do prazer é comprovada pela
remuneração satisfatória, pelas relações sociais tidas como boas e pela flexibilidade dos gestores.
O sofrimento inerente a própria atividade de ouvir queixas e lamentações por soluções,
apresenta-se como mobilizador da inteligência prática e condutor intuitivo no trabalho,
possibilitando que o trabalhador ative sua inteligência em busca de soluções rápidas e efetivas.
As estratégias defensivas apresentam-se de forma sutil. A utilização da inteligência prática como
transformadora do sofrimento revela-se no modo criativo para responder ao cidadão durante o
atendimento. Ficou constatado que a utilização da inteligência nesta categoria só é possível pelo
modelo atual de gestão implementado na organização do trabalho, proporcionando a mobilização
subjetiva e o espaço para novas propostas.
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CO-03
Os trabalhadores/as de transporte coletivo urbano estão expostos a violência urbana que agrava o
sofrimento no trabalho, conduzindo ao adoecimento. Esta pesquisa, em andamento, integra o
mestrado em psicologia da Universidade Federal do Amazonas e se propõe a analisar a
organização do trabalho das cobradoras de ônibus e compreender o papel da violência urbana
(assalto) no agravamento do sofrimento, face à permanência das cobradoras no mesmo posto de
trabalho. Utiliza como referencial teórico a abordagem dejouriana, que se define como pesquisa
e ação e consiste na análise psicodinâmica das situações de trabalho, tendo como método a
clínica do trabalho. Essa consiste em modo de fazer análise do trabalho a partir do espaço
público da fala e da escuta. A pesquisa surgiu da demanda do grupo de atendimento psicológico
às cobradoras realizado no ambulatório do Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (em Manaus),
composto por pessoas que estão afastadas do trabalho, em licença para tratamento de saúde por
apresentar sofrimento e/ ou adoecimento psíquico. A experiência clínica de atendimento a esse
grupo, por dois anos, mostrou que existem vários motivos que levam ao sofrimento no trabalho
de cobradoras, e caracteriza a violência urbana, tendo no assalto a sua expressão mais grave.
Além do roubo do dinheiro das passagens e das agressões verbais e físicas por parte dos
assaltantes, as cobradoras também são vítimas de violência por parte da empresa, sendo
obrigadas a pagar a quantia roubada, quando ultrapassa o valor de noventa reais. O stress pós-
traumático, a depressão e doenças de coluna são as patologias mais presentes, com uso freqüente
de medicação sob, os cuidados psiquiátricos. A racionalização, a negação e a resignação são
estratégias de defesa apresentadas tanto de forma individual como coletiva para lidar com o
sofrimento. A pesquisa pretende dar visibilidade social ao trabalho de uma categoria profissional
que apresenta intenso sofrimento, agravado pelos assaltos, em um contexto de trabalho que
banaliza a violência e o adoecimento das trabalhadoras, que permanecem expostas a graves
riscos, sendo descartadas quando adoecem.
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CO-04
Este trabalho relata uma experiência prática em andamento sobre o processo de implantação de
projeto relativo à Saúde do Servidor Estadual do Rio Grande do Sul através do apoio do
Sindicato Dos Técnicos Científicos do Rio Grande do Sul (SINTERGS). O trabalho é por si só,
capaz de produzir muitas indagações e questionamentos, na contemporaneidade. Isto ocorre,
ainda mais, no que diz respeito a este estudo, porque ele envolve, especificamente, servidores
estaduais, regidos pela ótica da administração pública - que amplia a complexidade, pertinente ao
próprio ato de trabalhar.
Encontros com o coletivo de servidores sindicalizados pertencentes a diversas secretarias de
estado, utilizando preceitos da Psicodinâmica do Trabalho. A partir das discussões grupais
sistemáticas com os servidores foi levantada a necessidade de se ampliar o espaço de escuta e
discussão, para isto, foi realizado na sede do sindicato em 2010, o I Seminário sobre saúde física
e mental do servidor estadual, que promoveu uma discussão ampliada sobre a temática
apresentada de forma a gerar um projeto de autoria grupal direcionado à prevenção e assistência
da saúde do servidor estadual. Pretende-se em seguida, a participação sistemática do grupo de
trabalho no Comitê de Diálogo Permanente do governo (CODIPE), para concretizar a efetivação
do projeto.
As políticas públicas existentes voltadas ao trabalhador na esfera Estadual, não dão conta, na
prática, da demanda interna de seus próprios trabalhadores, pois são ações que atuam, em sua
maioria, no sentido de apenas fiscalizar as instituições. Em função da urgente demanda dos
servidores, denunciada pelos atendimentos da clínica do trabalho, pelos afastamentos e queixas
que chegam aos sindicatos, faz-se necessário que se desenvolvam projetos direcionados ao
público interno. Assim, cabe a provocação, no sentido de que pouco se avançou, na área, e de
que existem ainda muitos desafios a serem enfrentados, tanto na produção de estudos, quanto na
execução de práticas mais saudáveis.
Fica evidenciada a importância de se constituir espaços de discussão legítimos, que possibilitem
instigar a força coletiva do grupo. Assim, acredita-se ser possível fomentar o reconhecimento e a
construção de um significado para o trabalho, que proporcione mais prazer e saúde aos
trabalhadores. O projeto de Saúde física e emocional do servidor vem a este encontro na medida
em que propõe uma saúde integral e foi construído e legitimado coletivamente.
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O trabalho no setor educacional implica em alto desgaste físico, intelectual, psíquico e relacional,
inclusive em função da pressão por resultados e grandes responsabilidades. Além das demandas
de trabalho na atualidade, homens e mulheres passaram a contar com papéis múltiplos, ficando
suscetíveis a experimentarem conflitos entre as demandas de trabalho e pessoal-familiar - em
especial, os casais em dupla carreira, com filhos pequenos, e as mulheres por assumirem mais as
responsabilidades da casa. Diante do exposto, o objetivo do estudo é entender as implicações da
organização do trabalho do professor sobre os conflitos trabalho-família vivenciados e a sua
saúde. Para isso, foi aplicado um questionário com 95 professores do ensino fundamental e
médio da rede pública do Estado de São Paulo, sendo que dezessete destes também foram
entrevistados. Observou-se a maior concentração dos professores na faixa de 26 a 35 aulas por
semana, logo seguida pela faixa de 46 a 64 aulas, sendo a média de horas aulas de 34,8. O
número de alunos por professor também é alto, sendo a média de 404,7 alunos por professor,
com o mínimo de 16 e máximo de 1210 alunos. Dos professores, 72,6% disseram ter vivenciado
conflitos com origem no trabalho e 35,8% com origem na família. Os conflitos mais frequentes
com origem do trabalho surgem em momentos de corrigir avaliações, dar aula à noite e fazer
cursos no final de semana; e, com origem na família, especialmente diante de doenças próprias
ou de algum familiar. Para buscar a conciliação trabalho-família, os professores têm se valido
primordialmente das faltas ao trabalho e mencionaram os afastamentos do trabalho, que são
indicativos de problemas de saúde e, certamente, estão entre os fatores que comprometem a
qualidade do ensino. Foram citadas também as estratégias disfuncionais: redução das atividades
desenvolvidas com os alunos e ficar estressado. Mais da metade dos professores afirmou querer
trabalhar menos horas, 84,2% ampliar o tempo para o lazer e 41% dedicar menos horas para as
atividades de casa. Foram citados como motivos para reduzir o tempo de trabalho ter mais tempo
para a família, o planejamento de aulas e para cuidados pessoais. Dos participantes deste estudo,
26 (27,4%) afirmaram ter problemas de saúde e citaram transtornos mentais, como depressão,
síndrome do pânico e o estresse, bem como diversas doenças físicas, como a pressão alta, que
podem ter aspectos emocionais contribuindo para sua emergência. Ao explicarem seus
problemas de saúde, os docentes atribuíram-nos mais frequentemente ao estresse e fizeram
menção à genética, ao esforço físico e à ansiedade. Embora não tenha aparecido o termo burnout
em suas respostas, os professores trouxeram comentários que oferecem indícios dessa síndrome,
como a sensação de estresse, ansiedade, cansaço e sobrecarga. Além disso, muitas das
características do trabalho propícias para o aparecimento do burnout foram citadas pelos
professores, inclusive entre os piores aspectos da profissão, eles mencionaram o relacionamento
problemático com os alunos, destacando a indisciplina e a violência, os baixos salários e as salas
numerosas.
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Extraído da dissertação de mestrado “Avaliação dos fatores de sofrimento e prazer no trabalho de um centro de
atenção psicossocial”, do Programa de Pós-Graduação de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, 2008.
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No ambiente de trabalho, o assédio moral caracteriza-se por uma conduta abusiva, de natureza
psicológica, de forma repetitiva e prolongada e expõe o trabalhador a situações humilhantes e
constrangedoras, capazes de causar ofensas à sua dignidade e integridade, podendo vir a
prejudicar a sua saúde. Dejours (2007) considera que o assédio faz parte de determinada
categoria de uma patologia do trabalho em aumento. Para ele, o assédio no trabalho não tem nada
de novo, sendo tão antigo como o trabalho. O que tem de novo é a falta solidariedade no
trabalho, sendo também o assédio, uma patologia da solidão. Objetivos do estudo: verificar a
ocorrência do assedio moral com jovens trabalhadores que pertencem a grupos de jovens de uma
entidade religiosa católica da cidade de Maringá - PR, e se ocorre, verificar como reagem ao
fenômeno. Método: Os dados foram coletados seguindo-se um roteiro de entrevista semi-
estruturada e foram analisados com base no referencial teórico da Psicodinâmica do Trabalho.
Foram entrevistados 16 trabalhadores de ambos os sexos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê
de Ética do Centro Universitário, realizada em 2009 e fez parte do Programa de Iniciação
Científica da instituição. Dos participantes, 56% eram do sexo masculino, com idade entre 18 a
28 anos, de escolaridade média. 75% eram solteiros e os demais casados. 37% tinha o ensino
médio completo; 44% o superior incompleto e 19%, o superior completo. A maioria dos
trabalhadores ocupava cargos iniciais na hierarquia de empresas privadas, não havendo entre eles
nenhum ocupante de cargos médios ou de chefia. Um índice de 31% dos entrevistados relatou ter
sofrido assédio moral no trabalho e que o assediador foi o superior imediato. As reações ao
assédio moral destes, foram: a maioria relatou que procurou suportar a situação, na busca de
manter-se no emprego por mais tempo e os demais relataram que pediram demissão. Os
entrevistados não tinham informações sobre seus direitos trabalhistas, como buscar a obtenção
indenizações por danos morais em virtude de assédio moral sofrido. Discussão: Com base na
literatura, há uma diferença quanto à faixa etária das vítimas de assédio moral no trabalho.
Freitas e colaboradores (2007) referem-se às pesquisas de Hirigoyen (2000), que apontam que a
faixa etária entre 36 e 55 anos representa 72% dos casos, correspondendo ao período de vida
produtiva em que a esfera profissional está consolidada e possivelmente o cargo ocupado se situa
em níveis médios ou altos. Conclusão: Pode-se concluir que os jovens trabalhadores que ocupam
cargos de baixo nível hierárquico podem sofrer de assédio moral no trabalho e reagem de duas
formas: a maioria tenta suportar a situação para manter-se mais tempo no emprego e os demais
se desligam da empresa. Jovens trabalhadores estão despreparados para buscarem seus direitos
trabalhistas quando são vítimas de assédio moral no trabalho.
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C0-13
Este estudo tem como objetivo analisar a dinâmica de reconhecimento no trabalho de pessoas
com deficiência física no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Especificamente,
buscou-se caracterizar a organização do trabalho e descrever as vivências de prazer-sofrimento.
Como arcabouço teórico-metodológico utilizou a Psicodinâmica do Trabalho. Para esta
abordagem, a relação entre homem e trabalho se define pelos seguintes pressupostos: a) o
trabalho é entendido como estruturante psíquico, e, é sempre permeado por contradições
marcadas pela diferença entre trabalho prescrito e real; b) A relação entre homem e trabalho está
em contínuo movimento, aberta a evoluções e transformações; c) O homem não está passivo
frente às restrições impostas pela organização do trabalho. O reconhecimento é o processo de
valorização do esforço e do sofrimento investido para realização do trabalho, que possibilita ao
sujeito a construção de sua identidade, traduzida afetivamente por vivência de prazer e de
realização de si mesmo. O método constituiu-se de 03 entrevistas coletivas semi-estruturadas
com 3 (três) Agentes Administrativos concursados do MTE. As entrevistas foram submetidas à
análise de núcleo de sentidos (ANS), técnica que consiste no desmembramento do texto em
núcleos de sentidos formados a partir da investigação dos temas recorrentes do discurso.
Constatou-se 3 (três) núcleos de sentidos. O primeiro “(...) as atividades são marcadas pelas
normas e controle”, indica uma organização do trabalho marcada pela rigidez e pelo excesso de
controle no trabalho. O segundo núcleo “Lá tenho uma boa qualidade de trabalho, gosto do
ambiente de trabalho, dos amigos de trabalho”, denota que há cooperação entre os pares e,
portanto, o contexto de trabalho favorece o prazer. O núcleo “A pessoa que tem deficiência, bem
ou mal, tem que provar que é melhor que os outros (...), eu gosto de fazer as coisas da forma
mais independente possível”, revela que o sofrimento no trabalho surge de um contexto social
que exclui as pessoas com deficiência. Neste sentido, a forma de enfrentamento encontrada pelas
pessoas com deficiência é mostrar que tem capacidade para realizar as atividades pelas quais são
responsáveis. Todavia, a dinâmica de reconhecimento no trabalho dos deficientes pesquisados
resulta do sentimento de poderem contribuir com a sociedade, ao mesmo tempo em que precisam
provar que dão conta das atividades que são responsáveis. Essa dinâmica permite afirmar que,
em função do trabalho, os deficientes buscam consolidar a sua identidade e a realização de si
mesmo. Portanto, o contexto estudado favorece o reconhecimento no trabalho tendo em vista
que há cooperação entre os pares e possibilidade dos trabalhadores demonstrarem as suas
capacidades.
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CO-15
Ao buscar estudar os aspectos menos visíveis que são vivenciados pelos pesquisadores ao longo
do seu processo produtivo em determinadas situações de trabalho, esse estudo exploratório teve
como objetivo investigar as relações entre as vivências de prazer-sofrimento e a construção de
sentido do trabalho por pesquisadores de uma Fundação de Ciência e Tecnologia em Saúde,
utilizando-se a abordagem da Psicodinâmica do Trabalho. Esse estudo, aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisa estudado, utilizou a metodologia qualitativa –
entrevistas semi-estruturadas individuais. Os dados foram analisados por meio da técnica de
Análise de Núcleo de Sentido (ANS) com base na Análise de Conteúdo.
Os resultados obtidos mostram que os pesquisadores evidenciam sentimento de sofrimento
relacionado a estrutura burocrática organizacional que limita o livre exercício de sua
criatividade. Por outro lado, o sentimento de prazer foi identificado pelo reconhecimento obtido
através das publicações de suas pesquisas, das atividades de ensino e pesquisa desenvolvidas e
das contribuições de seu trabalho à sociedade.
Para os pesquisadores a atribuição de sentido ao trabalho relaciona-se com a natureza
investigativa das atividades científicas, a geração e difusão de conhecimentos científicos,
atividades de ensino e reconhecimento de seu trabalho tanto a nível organizacional quanto a nível
social.
O presente estudo evidenciou que os pesquisadores vivenciam concomitantemente prazer e
sofrimento no trabalho. O sofrimento é decorrente da luta dos pesquisadores contra os rigorosos
entraves burocráticos da organização, referentes à execução financeira dos projetos de pesquisas
aprovados no que tange a impossibilidade de alterações das especificações expressas nos
mesmos.
O prazer é associado tanto à atividade de pesquisa, pelo fato de gerar e difundir conhecimento
científico, quanto à atividade de ensino, seja despertando a vocação cientifica, seja na formação e
capacitação de mestrandos e doutorandos. O reconhecimento do trabalho dos pesquisadores
através da publicação de suas pesquisas constitui-se num significativo parâmetro de valorização
do seu trabalho. O reconhecimento pela contribuição da atividade de pesquisa para a sociedade é
percebido pelos pesquisadores como gratificante. Com relação à construção de sentido do
trabalho, esse estudo evidenciou que os pesquisadores buscam uma mobilização no que tange ao
encontro de uma conciliação entre a atividade científica e as normas administrativas, no sentido
de que tais normas estejam em consonância com a necessária liberdade intelectual do cientista
para melhor exercer sua criatividade no processo de pesquisa. O uso da criatividade e
inteligência do pesquisador é fundamental para proteger sua subjetividade permitindo a
construção do sentido do trabalho.
Perpassando pela discussão abordada nesse trabalho pode-se dizer que um grande desafio dentro
dos estudos organizacionais é questionar a burocracia e sua eficiência ou pensar em novos
modelos para substituí-las. Nesse estudo, conclui-se que um dos grandes dilemas a ser vencido é
buscar um caminho que promova a mudança da melhor maneira possível para que os
pesquisadores construam um sentido do trabalho referente ao seu contexto organizacional.
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CO-16
Objetiva-se com este estudo analisar as relações entre trabalho e saúde em três empreendimentos
autogestionários: Associação de Catadores de Materiais Recicláveis da Região Centro-Norte de
Palmas - TO - ASCAMPA, Cooperativa de Catadores de Produção de Recicláveis do Tocantins -
COOPERAN e a Cooperativa de Profissionais Liberais do Vale do Araguaia – COOPVAG.
Todas se localizam em Palmas – TO. A ASCAMPA e a COOPERAN estão ligadas aos
princípios da Economia Solidária e a COOPVAG é uma cooperativa de trabalho, segue os
princípios do Cooperativismo tradicional. Compreende-se que empreendimentos ligados aos
princípios da Economia Solidária são experiências coletivas de trabalho e produção que possuem
um caráter democrático e tem se disseminado através de cooperativas, associações, redes de
produção, entre outros. Quanto aos empreendimentos ligados ao cooperativismo tradicional são
organizações econômicas e jurídicas, que envolvem várias formas de produção e trabalho e
surgiram adjacentes ao capitalismo. Este estudo de maneira específica objetiva relacionar os
aspectos referentes ao trabalho quanto à: ambiente físico, químico e biológico, as condições de
higiene, de segurança e as características antropométricas do posto de trabalho, bem como a
saúde mental dos cooperativados; analisar a representação do trabalho cooperativado/associado
para estes sujeitos e; identificar a relação entre trabalho e adoecimento no discurso dos
associados.
Trata-se de uma pesquisa social, de abordagem qualitativa. A coleta de dados aconteceu por
meio de observação não participante, que possibilitou compreender que as condições de trabalho
(segurança, higiene, relações interpessoais e características antropométricas do trabalho)
interferem na saúde do trabalhador e de três entrevistas individuais semi-estruturadas, uma em
cada empreendimento. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do CEULP/ULBRA número
49/2010. Os dados foram tratados mediante Análise dos Núcleos de Sentido - ANS (Mendes,
2007). Utilizou-se o referencial teórico da Psicodinâmica do Trabalho. Na ASCAMPA e na
COOPERAN encontrou-se um ambiente semelhante quanto às condições de segurança, higiene
(não utilizam os equipamentos de proteção individual constantemente, há presença de animais,
os materiais recicláveis são armazenados desordenadamente etc). Na COOPVAG percebeu-se
um ambiente diferente, com boa estrutura física e higiene. Nos três empreendimentos observou-
se que o relacionamento interpessoal entre os cooperados/associado é positivo. E através das
entrevistas, encontrou-se seis núcleos: a) Significado de trabalho; b) Ambiente de trabalho nas
cooperativas/associações; c) “Nós fazemos a nossa hora aqui”; d) Escolha por trabalhar em
cooperativas e associações; e) Satisfação com o trabalho cooperativado/associado e; f) “A
expectativa é a gente continuar”. O trabalho é central para os participantes deste estudo. Todos
lutam pela sobrevivência, e advém de um mundo de exclusão no campo do emprego formal. O
sofrimento é inerente ao trabalho dos participantes, mas os entrevistados ressignificam este
sofrimento, afirmando que o trabalho feito por eles é prazeroso, pois é dali que tiram o sustento e
são reconhecidos pela sociedade como trabalhadores. Há peculiaridades entre os trabalhadores da
ASCAMPA, COOPERAN e COOPEVAG. Não percebe-se preocupação com o resgate do
coletivo, no outro há um funcionamento centralizado no gestor, contrariando os princípios da
Economia Solidária e a Coopvag funciona como uma empresa.
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C0-17
O estudo aqui apresentado integrou uma dissertação de mestrado cujo objetivo foi investigar a
psicodinâmica do trabalho na Justiça estadual amazonense. O alto índice de rotatividade de
trabalhadores pelos cartórios que compõem a instituição, as queixas relacionadas à gestão das
pessoas e a insatisfação com o trabalho são os fatores que impulsionaram a realização da
pesquisa. À luz do referencial teórico-metodológico da Psicodinâmica do Trabalho, foi aplicada
a clínica do trabalho e da ação conforme preconizada por Christophe Dejours. A abordagem de
pesquisa foi qualitativa, e o método abrangeu as seguintes fases: pré-pesquisa; pesquisa
propriamente dita que abarca a análise da demanda, análise do material de pesquisa, observação
clínica e interpretação; e a validação. A primeira etapa consistiu nas observações realizadas no
setor de recursos humanos da instituição e nas visitas aos cartórios judiciais. Na fase seguinte,
foram aplicadas dez sessões coletivas, com duração média de uma hora e meia por encontro, com
utilização de memoriais. O material da pesquisa, que são os comentários dos trabalhadores, foi
relacionado à observação clínica, e interpretado com base na experiência clínica dos
pesquisadores e na formulação das percepções obtidas ao longo do estudo. E, na fase final,
efetivou-se a validação por meio de uma sessão de devolutiva aos participantes. A trajetória
percorrida durante a pesquisa permitiu demonstrar as possibilidades e os desafios da aplicação do
método original da Psicodinâmica do Trabalho no contexto organizacional de uma instituição
pública do norte brasileiro. Os resultados evidenciaram que a promoção do espaço da fala e da
escuta é uma ação viável, ainda que a organização do trabalho seja rígida, hierarquizada e
desfavorável à expressão das vivências subjetivas relacionadas ao trabalhar. A pesquisa permitiu
ainda demonstrar detalhadamente como a clínica do trabalho pode ser instrumento dos
profissionais que atuam na instituição estudada, para sustentar intervenções direcionada à
organização do trabalho que se proponham a promover saúde e bem-estar aos trabalhadores. O
estudo evidenciou também as dificuldades que os profissionais inseridos nos contextos
organizacionais podem enfrentar para que o método não se torne uma ação assistencialista e,
assim, não alcance o objetivo de conduzir os trabalhadores ao ato de pensar sobre o trabalho e a
partir disto conseguir formar um coletivo fortalecido, autônomo e capaz de questionar as formas
de gestão. A condução da pesquisa se mostrou postiva, com destaque para a interação dos
pesquisadores, que facilitou a interpretação dos dados, da demanda, e ofereceu o apoio
necessário à aplicação do método. Muitos conteúdos emergidos puderam ser refletidos e
elaborados pelos trabalhadores. Entretanto, é importante dar prosseguimento à aplicação do
método para fortalecer o processo de emancipação dos servidores da Justiça amazonense.
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CO -18
A temática liderança tem sido discutida em diversos parâmetros da vida social. Enquanto
facilitadores de grupos que contribuem diretamente para a ascensão ou fracasso das
organizações, os líderes enfrentam diariamente constantes desafios demandados por uma
organização de trabalho que visa lucratividade e resultados imediatos. Diante de tais demandas e
atribuições peculiares a essa função, ressalta-se a importância de uma liderança participativa que
conduza a ações necessárias no dia a dia de uma empresa no alcance do desenvolvimento e da
produtividade. Dessa forma, torna-se relevante estudar e conscientizar os aspectos que podem
influenciar a saúde mental dos gestores desse processo. Neste sentido, o presente trabalho tem
como objetivo principal analisar a relação trabalho e saúde mental dos líderes de uma empresa
do ramo alimentício na cidade de Caruaru/PE, enfatizando as vivências de sofrimento e prazer,
as relações intersubjetivas, as estratégias defensivas e a dinâmica de reconhecimento. Optamos
por investigar a saúde mental com o grupo de gestores, sabendo-se que esta categoria está
também submetida ao intenso processo de reestruturação produtiva que impactam as relações de
trabalho na contemporaneidade, o que implica em constantes responsabilidades, cobranças e
estresse. Para realização desta pesquisa utilizamos uma metodologia qualitativa, a partir da
observação participante e entrevistas semi-estruturadas e nos ancoramos no referencial teórico da
Psicodinâmica do Trabalho e da Ergonomia da Atividade. Verificamos uma maior
predominância de homens nos cargos de liderança, no total seis homens e apenas uma mulher.
As categorias que foram analisadas, surgiram a partir da análise de conteúdo realizada e do
referencial teórico adotado nesta pesquisa. Conseguimos através do presente estudo,
compreender como a organização do trabalho afeta a saúde mental desses líderes de forma
favorável e desfavorável. Em relação às fontes de sofrimento, a intensa cobrança foi relatada
como fator desgastante, e de consequente, desmobilização subjetiva, assim como, a extensa
jornada de trabalho. Percebemos também a dificuldade que esses gestores sentem por não
participar de um treinamento prévio com foco operacional da função, e também principalmente
por não passar por nenhum treinamento focado na liderança em si. Algumas estratégias são
acionadas para lidar com esse sofrimento e os imprevistos no dia a dia do trabalho, entre elas,
destaca-se a experiência anterior, o recuo e também a aceleração como uma das estratégias mais
utilizadas. Percebemos a importância do reconhecimento, por parte dos seus superiores, clientes
e da própria equipe, como fonte de prazer e significação no trabalho, assim como a importância
da escolha e da identificação com a função de líder. A saúde desses sujeitos também tem sido
afetada, eles relatam dores no corpo, insônia, pressão alta, entre outras manifestações.
Concluímos o presente trabalho, destacando a importância do trabalhar, e do compromisso por
parte das empresas/organizações de trabalho na estruturação de um ambiente de trabalho
saudável, para favorecer aos trabalhadores envolvidos na atividade laboral a possibilidade de
utilizar esses espaço como um espaço possível de mobilização subjetiva.
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CO -19
Este estudo analisa a criação literária como trabalho. Busca construir relações com o processo de
constituição do sujeito, com base no referencial teórico da psicodinâmica do trabalho, em
interlocução com conceitos da psicanálise. Considera que a criação literária, como experiência
do real, evidencia a potência constituinte do trabalho vivo no processo de subjetivação. É um
estudo qualitativo, de caráter exploratório, com metodologia da pesquisa documental. São
analisadas 33 entrevistas e depoimentos de escritores publicadas no Brasil nos últimos 25 anos, a
partir da técnica da Análise dos Núcleos de Sentidos (ANS). Caracteriza a situação de trabalho
da criação literária dos escritores; as vivências de prazer e sofrimento; o processo de mobilização
subjetiva, a sabedoria criativa, o processo de subjetivação; e discute possibilidades de ampliação
do diálogo da psicodinâmica do trabalho com noções psicanalíticas relacionadas ao tema. O
trabalho vivo é entendido como poder de sentir, pensar e inventar, como ato de criação que
evidencia o poder constituinte do sujeito e de transformação do mundo. Como experiência do
real e do trabalho vivo, o fazer literário possibilita a desconstrução de enunciados naturalizados
do eu, desafia conhecimentos, aparatos técnicos, saberes estabelecidos e configura-se como
campo privilegiado da potência crítica da ordem institucional, social e das concepções que
resultam no trabalho alienado. A criação literária escapa às determinações que a estabilizem em
conceitos estáticos, está sempre por se reinventar e se defronta cotidianamente com a dificuldade
de simbolização. Constitui-se na ressonância com o desejo e se contrapõe ao tempo
instrumentalizado do trabalho alienado. O trabalho de criação literária é identificado como ação
que evidencia e ao mesmo tempo incorpora no seu fazer a constituição do sujeito, a permanente
busca de espaços da palavra voltados à discussão e produção de sentidos para a existência
humana e as adversidades do mundo. Neste estudo são propostas contribuições teóricas para a
psicodinâmica do trabalho que utilizam como referência principal a crítica ao poder constituído
do trabalho morto, visando à instauração do poder constituinte do trabalho vivo. São
estabelecidas distinções entre: pré-escrito primário e pré-escrito secundário; sofrimento do pré-
escrito e sofrimento do real; saber fazer instrumental e saber fazer com o real. É proposta a
compreensão da ressonância simbólica como potência da mobilização subjetiva e a incorporação
dos conceitos de simbólico e imaginário utilizados pela psicanálise. É discutido um aspecto ético
implícito na experiência do real. A sublimação concebida como experiência de ruptura do
mundo das representações e a criação literária como palavra-ação de ruptura das configurações
subjetivas cristalizadas, litera-ruptura, requisito para a subjetivação como ato de palavra, como
escrita da subjetivação.
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C0-20
A presente pesquisa tem como objetivo compreender a experiência em clínica do trabalho com
um grupo de cuidadores sociais de um abrigo de crianças e adolescentes no município de Macaé,
no Estado do Rio de Janeiro. Foi adotado como referencial teórico-metodológico a
Psicodinâmica do Trabalho de Cristophe Dejours. Partimos da premissa de que as relações
estabelecidas na organização deste trabalho produzem formas específicas de sofrimento e
funcionamento do coletivo do trabalho em suas diferentes dimensões. Percebemos a relevância
desta pesquisa a partir da observação de que existem poucos estudos sobre estes profissionais.
Para este projeto foi proposta uma pesquisa e intervenção, com o objetivo de se construir um
espaço coletivo de conversa, voltado para a discussão sobre as formas de sofrimento produzidas
no trabalho. Para tal, foram realizados seis encontros com o grupo de cuidadores que ocupam
atividades de apoio nesta instituição, tais como cozinheiras, faxineiras, serviços gerais, motorista
e monitoras da van responsáveis pelo transporte das crianças para os inúmeros serviços tais como
escola e atendimento médico. O grupo era constituído por ambos os sexos. A investigação seguiu
as etapas do método proposto pela Psicodinâmica do Trabalho: a) pré-pesquisa: análise da
demanda e definição dos pesquisadores e trabalhadores envolvidos; b) pesquisa: discussões
grupais com os trabalhadores; e c) validação: compartilhamento do relatório e sua aprovação
com os trabalhadores. Os encontros foram estruturados da seguinte forma: 1) Discussão das
condições do contrato do grupo e de sigilo e esclarecida a temática da pesquisa intitulada “E do
cuidador, quem cuida?”; 2) Discussão sobre o cotidiano do trabalho do cuidador, as
características e dificuldade do dia a dia de trabalho; 3) Após a exibição do documentário “que
casa é essa?”, ocorreu uma discussão sobre a diferença de como deve funcionar um abrigo e de
como a presente instituição funciona; 4) Elaboração de um plano de ação que mobilizou o grupo
em relação à descrença com mudanças no funcionamento da instituição; 5) Validação do
relatório no grupo; 6) Criação de um espaço de troca com a coordenação para compartilhar o
processo de reflexão destes encontros. A pesquisa ainda está em andamento, contudo, alguns
resultados já podem ser apontados. O grupo apontou como as principais formas de sofrimento: a
falta de reconhecimento do trabalho, a invisibilidade social de sua atividade e as dificuldades de
estabelecer relações de cooperação com os outros grupos de trabalho da instituição. Foram
ressaltadas as condições instáveis do contrato de trabalho, a falta de pessoal para compor o
quadro de cuidadores e a falta de recursos materiais na instituição o que demonstra a situação de
precarização nesta forma de trabalho. O grupo considerou que esse espaço de discussão e fala
construído foi positivo e importante para ampliar a inteligibilidade, a compreensão da sua
vivência no trabalho e que proporcionou melhorias na rotina de trabalho.
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CO-21
Diversos estudos têm apontado o modelo de gestão baseado na “flexibilidade” como a principal
fonte de sofrimento e adoecimento mental dos trabalhadores na atualidade (GOULEJAC, 2007,
DEJOURS &BÈGUE, 2009). Segundo Dejours & Bègue (2009), a “flexibilidade” acaba por se
materializar no ritmo imposto pelas metas, na sobrecarga de trabalho, na indissociação entre
“tempo de trabalho x tempo fora do trabalho” e nas variadas formas de intimidação –
organizadas, muitas vezes, sob a figura da avaliação de desempenho. O objetivo do estudo partiu
da demanda espontânea de uma indústria vidreira da região metropolitana de Porto Alegre. O
objetivo foi verificar a prevalência de Transtornos Mentais Comuns (TCM), em um grupo de 30
trabalhadores expostos ao ambiente quente, a fim de estabelecer a relação entre a sintomatologia,
as características ergonômicas do posto de trabalho, e aquelas que dizem respeito ao modelo de
gestão adotado pela empresa. Para a análise Ergonômica do posto de trabalho foi utilizado o
método da Crono-Análise e filmagem das tarefas desenvolvidas pelos operadores durante sua
jornada de trabalho. Para avaliar as condições de saúde mental, o instrumento utilizado foi o
Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). Obteve-se como resultado deste último, a prevalência
46% de TCM - índice considerado alto quando comparado a outras categorias de trabalhadores
(BÁRBARO et al., 2009). Sobre a sintomatologia identificada, destacam-se aquelas referentes
aos Sintomas Somáticos (41%), Decréscimo de Energia vital (32%) e Humor Depressivo-ansioso
(22%). Foram realizadas ainda, entrevistas semi-estruturadas com seis operadores a respeito do
seu trabalho, onde verificou-se que as condições ergonômicas do posto de trabalho (calor
extremo, barulho e iluminação precária) são secundárias em relação ao modo de gestão de
pessoas adotado pela empresa. Observou-se, através das entrevistas, que a empresa adota um
modelo de gestão que se caracteriza pela demanda de flexibilidade, pressão por produtividade,
avaliação de desempenho individualizado e sobrecarga de trabalho, gerando ansiedade e
dificultando as relações de parceria e apoio coletivo. Nas entrevistas, dois aspectos principais
foram identificados pelos trabalhadores referentes ao sofrimento no trabalho. A primeira é de
que, desde que a empresa foi comprada por uma multinacional, o modelo de gestão foi
modificado: as exigências aumentaram e ocorreu a redução do quadro de funcionários, gerando
sobrecarga de trabalho para os que ficaram; identificaram também que mesmo ao atingirem as
metas propostas pela empresa, não se sentem reconhecidos pelo trabalho realizado. Por fim,
entendeu-se como fundamental a convergência de métodos e análise para que se tenha uma
observação mais completa das situações de trabalho, onde seja possível observar o impacto das
influencias ambientais, ao mesmo tempo em que se estabeleça uma escuta diferenciada sobre a
percepção do trabalhador.
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C0-22
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CO-23
Objetiva-se articular a gestão das escolas de samba do Rio de Janeiro e as vivências de prazer-
sofrimento no trabalho. Realizou-se uma análise de conteúdo categorial temática classificando os
discursos por meio de dois conjuntos de documentos. O primeiro são jornais mensais
qualificados com o nome da escola e subintitulados “veículo oficial” da agremiação que forneceu
dados vitais para a compreensão do funcionamento da organização e gestão do trabalho. O
segundo conjunto se resumiu a cinco revistas anuais destinadas a apresentar a formação e o
desenvolvimento do desfile e proporcionar uma visão da escola e seus projetos sociais. A gestão
do trabalho apresentou elementos classificados em quatro componentes do sistema
administrativo, cada qual com características da gestão do trabalho presente, são eles: a)
ferramentas de gestão caracterizadas pelo planejamento do cronograma de produção do desfile,
formação da equipe com profissionais qualificados e treinamentos e ensaios exaustivos; b) estilo
de liderança marcado pela imposição das tarefas, participação dos trabalhadores e da
comunidade, aceitação da opinião e reafirmação de preceitos de uma liderança situacional; c)
forças ambientais e contextuais representadas pela pressão temporal, conflitos internos e
alienação por servidão voluntária; d) estrutura da organização concebida pelo espaço de
convivência social, divisão da escola em unidades operacionais, projetos de qualificação de
jovens profissionais. Os resultados elaborados por meio da análise documental forneceram
sólidos indícios da forma de funcionamento e a dinâmica da escola de samba com seus processos
produtivos e sua estruturação organizacional. Assim, percebe-se que nos quatro elementos da
gestão do trabalho existem fatores que causam prazer no trabalho, no sentido de ser um
estruturante psíquico e libertador da subjetividade do trabalhador, e outros que geram sofrimento
por aprisionarem sua subjetividade, assim como capturam a afetividade no intuito de dominá-lo
para aumentar a produtividade e dar conta de cumprir prazos e metas. As ferramentas de gestão
são elementos típicos da dominação do trabalhador gerando sofrimento na forma como baliza a
relação entre trabalhador e gestor, porém amenizado pelo oferecimento de qualificação aos
profissionais e a escuta da opinião no planejamento e execução de tarefas. O estilo de liderança é
marcado pela imposição, na maior parte do tempo, contudo há participação dos trabalhadores na
gestão das tarefas, o que lhes oferece reconhecimento, significado e identidade com o que fazem
e conseqüentemente prazer. As forças ambientais são caracterizadas por conflitos internos e pela
servidão voluntária apresentando fortes indícios de sofrimento no trabalho em função do
contexto sócio-econômico existente na escola de samba que pressiona os trabalhadores a
aceitarem o modelo de gestão e empregos com baixa remuneração. Contudo, as características da
atividade carnavalesca oferecem aos trabalhadores reconhecimento, identidade e significado,
demonstrando que o contexto das escolas de samba é altamente contraditório, ao mesmo tempo
em que domina e aliena, possibilita a libertação por meio do trabalho, implicando por isso, prazer
e sofrimento frente ás contradições da organização do trabalho, reflexo destes modos de gestão.
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C0-25
As mudanças nas relações de trabalho na sociedade capitalista nos últimos anos estão se
constituindo como possível fator iatrogênico para os trabalhadores. O número crescente de
patologias relacionadas ao trabalho tem atraído a atenção de clínicos, médicos do trabalho e
psicólogos, dentre outros profissionais que tem como objetivo investigar a saúde mental das
pessoas. A Psicodinâmica do trabalho surgiu da evolução dos estudos em psicopatologia do
trabalho, principalmente do insucesso em destacar a doença mental caracterizada. A apreensão
da realidade do mundo das organizações vivenciada pelos indivíduos em seu trabalho deve ser
feita a partir da utilização de uma metodologia que possibilite a compreensão das dinâmicas intra
e intersubjetivas a que os sujeitos defrontam-se em sua realização. O acesso às vivências
relacionadas ao trabalho só é possível a partir da palavra do trabalhador. Para Christophe Dejours
a psicodinâmica do trabalho é necessariamente uma clínica. A clínica do trabalho promove, a
partir da linguagem, a reflexão de um coletivo sobre a sua organização do trabalho e as suas
vivências de prazer e sofrimento, possibilitando evidenciar as estratégias defensivas que o grupo
utiliza para ocultar o real do trabalho e alienar-se na sua prescrição. O presente estudo tem como
objetivo analisar as ações de qualidade de vida no trabalho promovidas em uma instituição
federal de ensino superior, que sinalizam para a implantação de uma clínica do trabalho como
intervenção necessária.O texto apresenta um trabalho realizado nesta Instituição e desenvolvido
pela divisão da área de Recursos Humanos, com o objetivo de atender a demanda dos gestores e
servidores da IES. As autoras apresentam os antecedentes e abordagens em clínica do trabalho,
com especial enfoque na análise psicodinâmica do trabalho de Dejours. Em seguida há uma
descrição dos procedimentos metodológicos adotados para o levantamento de dados o qual
utilizou a EACT – Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho de Ferreira e Mendes(2008).
Após tratamento estatístico, os resultados parciais indicam níveis críticos nas condições de
trabalho, organização do trabalho e relações socioprofissionais, indicando a necessidade de uma
intervenção em clínica do trabalho. O relato dessa experiência ainda inicial indica a possibilidade
de construção de uma nova forma de se gerir as pessoas na organização, incluindo as
necessidades dos trabalhadores enquanto sujeito de uma ação transformadora de sua realidade
social, que o inclua enquanto cidadão e autor de sua história. Muito ainda por fazer, mas pode-se
afirma que o início é promissor, e coerente com as propostas da clinica do trabalho de Dejours.
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CO-26
Esta pesquisa apresenta as vivências dos bombeiros militares a partir do estudo das relações entre
prazer e sofrimento no trabalho em sua relação com a saúde e subjetividade dos trabalhadores,
identificando também as estratégias de defesa utilizadas por este grupo a fim de manterem-se em
um estado de normalidade.
O trabalho foi realizado com um grupo de bombeiros de uma cidade no interior do estado do Rio
Grande do Sul. A obtenção e análise dos dados deu-se através da metodologia da Psicodinâmica
do Trabalho, também denominada Clínica do Trabalho. Assim, foram realizados encontros de
discussão com estes trabalhadores .
No ofício de bombeiro, observou-se uma identificação bastante forte com o trabalho. O papel
desse profissional torna-se indissociável de sua identidade, sendo que relatam orgulho de vestir
sua farda, sentindo-se perdidos sem ela. Constatou-se que estes profissionais têm espaços de
realização no trabalho, que estão vinculados à confiança depositada pelas vítimas, situando-se o
prazer na gratificação que sentem em ajudar. Nesta direção, o sofrimento vivenciado passa a ser
experienciado como fonte de prazer em prestar socorro. Conforme propõe Martins (2010), o
sofrimento, ao se transformar em prazer, inscreve a relação de trabalho como mediadora da
realização de si mesmo, trazendo sua contribuição à construção da identidade.
Contudo, a falta de condições e recursos para atender às ocorrências e a expectativa das pessoas
para constantes atos de heroísmo constituem-se como fontes de sofrimento. Desta forma, o
reconhecimento das vítimas ao mesmo tempo em que dá sentido ao trabalho, impõe aos
trabalhadores uma grande responsabilidade que é fonte de ansiedade, insegurança e angústia.
Observou-se, ainda, que são as ocorrências que envolvem crianças as mais marcantes na
trajetória profissional. Neste aspecto, podem ser evidenciados dois extremos, relacionados ao
sucesso ou ao fracasso no atendimento a estas ocorrências. No que concerne às estratégias de
defesa dos bombeiros, constatou-se que o estado de alerta e o condicionamento para os piores
acontecimentos denominados por eles como “adrenalina”, além da cooperação e da confiança
dos colegas, são aspectos fundamentais para que estes profissionais possam manter-se em um
estado de normalidade. Conforme Dejours (1999), as estratégias defensivas são necessárias à
proteção à saúde mental evitando a descompensação psíquica e somática ao contribuir na
estabilização da relação com o trabalho. Entretanto, essas defesas, no caso dos bombeiros,
parecem não ter efeito prolongado, pois estão relacionadas a um sentimento de perda e frustração
tendo em vista que a “adrenalina” não possibilita que obtenham êxito em todas as situações.
Conclui-se que a natureza do trabalho, permeada por riscos e tragédias, expõe estes profissionais
a agravos em sua saúde mental, revelando a importância de espaços de discussão e escuta
coletiva na elaboração do sofrimento vivenciado no trabalho e na construção de formas
saudáveis de enfrentamento e superação, tal como proposto pela Psicodinâmica do Trabalho, a
qual demonstrou ser uma importante estratégia de intervenção em psicologia organizacional e do
trabalho, no que se refere à prevenção e promoção de saúde no contexto laboral.
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CO-28
O foco do estudo foi a qualidade de vida no trabalho e suas repercussões na saúde do trabalhador
de enfermagem da terapia intensiva. A Qualidade de Vida é a percepção do indivíduo de sua
posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive e em relação aos
seus objetivos, expectativas e preocupações1. Infere-se que a Qualidade de Vida no Trabalho
(QVT) é o maior determinante da Qualidade de Vida Total, pois passamos no ambiente laboral
mais de oito horas por dia, durante pelo menos trinta e cinco anos. 2 O trabalhador de
enfermagem enfrenta dificuldades de toda ordem, sendo obrigado a dar conta de uma série de
atividades, acumulando diversas funções, submetendo-se a ritmos laborais elevadíssimos3.
Verifica-se que a reação a este contexto laboral adverso pode ser o absenteísmo, agressão aos
clientes e/ou colegas, o não cumprimento de normas. 4 Pesquisa qualitativa e descritiva,
desenvolvida num Centro de Terapia Intensiva, de um hospital privado, no Rio de Janeiro. Os
sujeitos foram 15 profissionais de enfermagem: 04 enfermeiros e 11 técnicos. A coleta de dados
ocorreu em Julho de 2008, através de um roteiro de observação e de um roteiro de entrevista
semi-estruturada. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição que foi cenário da
pesquisa, sob o protocolo 176/08. A análise dos dados deu-se através do método de análise de
conteúdo. Foi apreendido que muitos sujeitos apresentavam-se alheios quanto ao significado de
QVT, pois não conseguiam caracterizá-la, ou dizer se tinham ou não tinham Qualidade de Vida
no trabalho. Além disso, quando conseguiam caracterizá-la, o faziam de forma parcial,
empobrecida. Verificou-se um elenco de repercussões psicofísicas que aponta para gravidade da
situação em que se encontra a qualidade de vida desses trabalhadores: hipertensão arterial, dores
lombares, cansaço nas pernas, cefaléia, ansiedade, irritabilidade, nervosismo, entre outras.
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C0-29
O trabalho, embora possa ser fonte de adoecimento, também pode representar espaço de
negociação da angústia em prol da saúde. A intrincada relação entre trabalho e saúde mental tem
sido estudada há algumas décadas. Entretanto, construir, na prática, espaços coletivos que
possibilitem mais momentos de saúde do que de doença não constitui uma tarefa simples. O
presente projeto objetiva mapear a situação da saúde mental do trabalhador na Universidade
Federal de Itajubá (UNIFEI), para que, posteriormente, intervenções sejam propostas aos
trabalhadores da instituição. Apresentamos, nesse momento, a análise inicial de questionários
aplicados a 11 trabalhadores. Os questionários continham a Escala de Prazer e Sofrimento no
Trabalho (EPST), validado por Ana Magnólia Mendes (1999), na qual 36 itens são apresentados
em forma de afirmativas e o respondente tem a possibilidade de cinco respostas: (1) não
concordo; (2) concordo pouco; (3) concordo em parte; (4) concordo muito; (5) concordo
totalmente. Como resultado, notamos que nas questões sobre valorização do trabalho, temos um
escore de 4,8 abaixo tanto da média possível (6,6) quanto da média da amostra (6,2). Quanto às
perguntas sobre reconhecimento no trabalho, a média de respostas foi de 5,6, também abaixo das
médias, embora com uma pequena diferença. Já a pontuação para as questões sobre sofrimento
no trabalho, tivemos um escore acima das médias 8,2. Esses dados preliminares demonstram a
presença de um grau considerável de sofrimento, ao mesmo tempo em que o prazer, do ponto-de-
vista da valorização e do reconhecimento, está pouco presente nas respostas dos participantes.
Das questões sobre sofrimento, chama-nos atenção a alta porcentagem de respostas para a frase:
“Sinto desânimo no meu trabalho”, na qual 63,6% afirmaram concordar totalmente. Por outro
lado, quanto ao prazer no trabalho, os participantes mostram consciência quanto à importância de
seu trabalho para a sociedade, pois 81,8% concordaram com a frase: “Minhas tarefas são
importantes para as pessoas, em geral”. A continuidade da pesquisa possibilitará as proposições
interventivas na instituição estudada.
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O trabalho tem grande importância na vida do ser humano por ser um mediador insubstituível da
realização pessoal no campo social, dignificando o sujeito, garantindo direitos de cidadania e
conferindo status. É um conviver junto num espaço de exercício de cidadania democrática.
Sendo assim, é necessário que as instituições se preocupem em construir e manter ambientes de
trabalho favoráveis a saúde e ao direito de trabalhar. Quando isso não acontece instalam-se as
patologias relacionadas ao trabalho, como a de sobrecarga, de violência e de servidão. Com
relação ao trabalho no serviço público federal, os órgãos competentes têm investido na
construção de políticas visando o cuidado com a saúde dos servidores, como a Política de
Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público Federal e os Princípios e
Diretrizes e Ações em Saúde Mental, nos eixos: promoção e vigilância à saúde, perícia médica,
e assistência à saúde, com base nos princípios doutrinários de equidade, universalidade e
integralidade. No entanto, isso não garante a implantação e solidificação das ações que venham
a efetivar essas políticas. A Psicodinâmica, num diálogo com outras abordagens afins: a
Sociologia Clínica, a Ergonomia da Atividade, já produziu conhecimentos teórico-metodológicos
suficientes para desvendar o mundo do trabalho e seu impacto no aparelho psíquico do
trabalhador; e a Clínica do Trabalho, fundamentada nos pressupostos teóricos da Psicodinâmica,
priorizando o método científico da “escuta e interpretação da fala”, possibilita a prática desses
conhecimentos. É um modo de se colocar o trabalho em análise, ter acesso ao processo de
objetivação e subjetivação, às vivências de prazer-sofrimento, às mediações do processo saúde-
doença. Este trabalho objetiva trazer uma breve reflexão sobre o relevante papel da
Psicodinâmica e da Clínica do Trabalho na efetivação das políticas de saúde, na construção de
ações numa transversalidade rumo aos princípios de integralidade, universalidade e equidade.
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CO-31
Com o advento do capitalismo, o trabalho tornou-se uma atividade enfadonha, árdua e repetitiva
para a maioria dos trabalhadores. Marx (1988) denunciou a alienação provocada pelo trabalho
sendo esta a conseqüência de o indivíduo não encontrar qualquer sentido no trabalho que realiza
tamanho estranhamento que tem com este. Marx (1844) expôs o "trabalho estranhado" como
sendo a característica essencial da atividade do trabalho na sociedade capitalista. Lukács (1988),
tratou do fenômeno do estranhamento, que diz respeito aos obstáculos sociais historicamente
determinados que
impedem o livre desenvolvimento do ser genérico do homem.
O eixo temático principal desta pesquisa que visou uma dinâmica de análise crítica do filme “O
insustentável peso do trabalho” (1999) de Mike Judge é a crítica visceral do trabalho capitalista,
trabalho estranhado ou trabalho abstrato que consome tempo de vida e que submete homens e
mulheres à rotina monótona e repetitiva. Assim, embora a
obra trate do mundo do trabalho em escritório, a falta de sentido no trabalho é a mesma
do trabalho do operário da linha de montagem da fábrica e salienta ainda que tal alienação das
personagens não se dá somente no ambiente interior da empresa, mas também na vida cotidiana e
nas relações sociais, pessoais ou afetivas.
A partir da análise crítica do filme, conseguimos identificar que o problema que logo ficou claro
para as empresas e seus “gestores” já no início do capitalismo industrial era como fazer as
pessoas se engajarem em seu trabalho a despeito de este lhes causar profundo tédio e
estranhamento cada vez mais profundo. Para Bendassolli (2009), seria
difícil, senão impossível, extrair o quantum de produtividade necessário ao desenvolvimento
capitalista sem o compromisso intenso dos funcionários. Nesse ponto
começou a se consolidar uma engenhosa estratégia anti-tédio no mundo capitalista ocidental: a
idéia de que o trabalho é, dentre atividades humanas, a mais enobrecedora e
importante, e de que as empresas são ambientes altamente ricos em cultura e significado.
Dejours (1991) nos diz que as frustrações provenientes do pouco conteúdo significativo
do trabalho no atual modelo toyotista de gestão, podem ser uma fonte de grandes esforços de
adaptação. É do contato forçado com uma tarefa desinteressante que nasce uma imagem de
indignidade. A falta de significação, a frustração narcísica, a inutilidade
dos gestos, formam uma imagem narcísica pálida, feia, miserável. A vivência depressiva
condensa de alguma maneira tais sentimentos de indignidade, de inutilidade
e de desqualificação, ampliando-os.
O filme nos mostra que a sociedade do trabalho estranhado é a sociedade da vida cotidiana
estranhada. No sistema do capital é impossível ter uma vida plena de sentido.
Para Alves (2006), na medida em que o processo de trabalho é processo de valorização,
seja no espaço da fábrica ou no espaço do escritório como demonstrado no filme, o trabalho
aparece como trabalho estranhado (o homem que trabalha está alienado do produto e do processo
da sua atividade de trabalho, além de estar alienado de si e dos outros). Esta é a condição do
trabalho na sociedade burguesa.
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CO-32
O trabalho, por ser uma atividade dotada de sentidos e significados, ocupa um espaço
fundamental na vida humana na contemporaneidade. É durante a execução dessa atividade que o
trabalhador não só efetua uma transformação no seu objeto de trabalho, mas sim e
principalmente, modifica a si mesmo, por intermédio do modo como desenvolve esta ação. O
setor aeroviário é um dos campos de trabalho que mais vem se desenvolvendo na atualidade o
que pode ser exemplificado pelo fato de que um dos reflexos da estabilização econômica do
Brasil nos últimos anos é o acesso de um número maior de pessoas às viagens aéreas.
Atualmente os aviões se tornaram o meio de transporte comum aos brasileiros de todas as classes
sociais. Estes dados podem ser observados em todos os aeroportos brasileiros. O Aeroporto
Internacional de Porto Alegre apresentou um aumento considerável entre 2002 e 2009; a
movimentação de aeronaves cresceu 130%, passando de 60.941 para 79.104 e o numero de
passageiros aumentou 195%, passou de 2.873.230 para 5.607.703 segundo o site da INFRAERO.
O movimento médio diário do Aeroporto (chegadas e partidas) é de 174 aeronaves de vôos
regulares, ligando Porto Alegre direta ou indiretamente a todas as capitais do País, às cidades do
interior dos Estados, além de linhas internacionais com vôos aos países do Cone Sul. No entanto,
o crescimento da demanda de cargas e passageiros não foi acompanhada pela adequação do
apoio aeroportuário, para o qual não foram destinados os aportes necessários para sua
modernização e ajuste. A pesquisa sobre a saúde mental e física dos aeroviários está sendo
desenvolvida pelo Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho e pelo Grupo Interdisciplinar de
Saúde Ocupacional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS em parceria com o
Sindicato dos Aeroviários de Porto Alegre e se propõe a analisar a correlação entre o estresse no
trabalho e a presença de transtornos psíquicos não psicóticos, entre os aeroviários que atuam no
check-in do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre. A população deste estudo é
composta por todos os aeroviários que trabalham no Aeroporto que não estejam em licença,
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CO-39
Esta estudo se propôs a analisar a ambigüidade na vida coletiva de uma cooperativa popular,
identificando suas manifestações discursivas no processo de integração e indiferenciação de
sentidos em torno das interações entre seus membros na busca de realização da proposta do
grupo. A pesquisa buscou desenvolver um método empírico de análise da ambigüidade por meio
de uma coleta de dados apoiada na narrativa da história de vida, com entrevistas individuais e em
grupo, gravadas e degravadas, de 9 (nove) membros de uma cooperativa popular, 4 (quatro)
membros da equipe da incubadora responsável pelo processo de formação e assessoramento da
cooperativa pesquisada e 2 (dois) ex-integrantes da equipe da incubadora. A interpretação dos
dados foi dividida em três etapas: análise semântica dos termos ambíguos; análise do discurso
(Fairclough); e análise de conteúdo para categorização das ambigüidades apoiadas na literatura
em Economia Solidária, em Simmel e na Sociologia Clínica. A análise do discurso possibilitou
definir categorias para compreensão da ambigüidade como manifestação discursiva dos
processos de interação grupal na busca de integração das multiplicidades e indiferenciação de
sentidos (Simmel, Bleger) no processo de formação de uma cooperativa, resultando em três
diferentes dimensões de manifestação: 1) psicossocial; 2) sócio-organizacional e; 3) sócio-
política. A partir da análise semântica foram definidas as dinâmicas da ambigüidade na
linguagem, neste processo de integração e indiferenciação: 1) a condensação de sentidos em um
único termo; 2) o deslocamento de sentidos de outros contextos para o contexto da Economia
Solidária e; 3) a sobreposição de sentidos que em momentos de conflitos foram dicotomizadas e
sofreram oscilações de sentidos. A ambigüidade, como modo de integração de sentidos e
indiferenciação das diferenças, se manifestou na interação grupal como forma de: 1) abrandar os
conflitos, deixando-os latentes e implícitos no discurso; 2) manter práticas consideradas mais
eficazes que se mantinham apoiadas em pressupostos heterogestionários; 3) transformar sentidos,
diluindo seus significados anteriores e possibilitando a presença de novos sentidos no grupo; 4)
encobrir intenções, objetivos e sentidos quando estes se revelam contrários à proposta do
cooperativismo; 5) manifestar sentimentos, vontades e pensamentos ambivalentes. A
ambigüidade possibilita um espaço propício, quando não indispensável, à elaboração dos
sentidos subjacentes aos processos de conflito e de transição que convivem na proposta da
Economia Solidária. Os impactos da ambigüidade no grupo revelam a importância da construção
de espaços democráticos, de participação coletiva e do desenvolvimento de práticas
autogestionárias, para que seus sujeitos encontrem espaço de explicitação e negociação das
diferenças.
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C0-40
Apresentamos uma pesquisa realizada para fundamentar a clínica do trabalho que focaliza a
capacitação dos líderes de equipes a estabelecerem relações humanas democráticas em um
espaço psíquico que denominamos espaço de palavra. Como hipótese básica propõe-se que os
líderes não estão capacitados para o diálogo e, nessa condição, a cobrança exacerbada de
produtividade pelas organizações lhes retira a disponibilidade psíquica para relacionamentos
fundados em empatia e democracia. No ambiente competitivo, suportados em skills autoritários e
egocêntricos, ou narcisistas, não desenvolvem relações de confiança e ajuda mútua, tomam
decisões em isolamento, geram desconforto nos subordinados, provocam atritos e sofrimento
envolvendo violência psicológica e assédio moral. A hipótese que sustenta o objetivo de
promover a mudança nos skills desses profissionais é que mediante processos grupais, ante o
olhar de outros profissionais, cada líder pode reconhecer as deficiências dos skills adotados e
encontrar novas formas de relacionar-se. A pesquisa está fundamentada na leitura do
psicanalista Michael Balint, criador dos grupos Balint focados na relação médico-paciente, em
que o trabalho psíquico é desenvolvido a partir de relatos de caso dos participantes – médicos –
sobre suas relações profissionais com pacientes em função da doença.
O processo grupal é iniciado com o relato de caso de um participante, sobre suas dificuldades
com determinado paciente. Terminado o relato, o psicanalista - ou psicoterapeuta - convida o
grupo à reflexão sobre a situação apresentada e sobre outras formas de lidar com situações
semelhantes. A reflexão ocorre em processo de associação livre de palavras, permitindo
aprofundar os conhecimentos dos participantes sobre os fenômenos envolvidos e permitindo-lhes
também entrarem em contato com sentimentos de empatia.
Foi realizada a adaptação da proposta original de Balint, para focalizar as relações entre líderes e
liderados no trabalho. A proposta foi testada mediante uma pesquisa de campo, envolvendo
hipóteses e categorias de análise. Sete grupos funcionaram durante 10 encontros grupais, sendo
um por semana, com 1h30 de duração cada encontro, em ambiente extra-organizacional.
As hipóteses foram confirmadas, ou seja, os recortes dos encontros de grupo evidenciam que os
participantes da pesquisa apresentaram dificuldades de relacionamento com os subordinados e
demonstraram autoritarismo e atitudes violentas, mesmo considerando-se democráticos;
evidenciam também que houve insight sobre o uso de skills deficientes e sobre a sua substituição
por novos skills. Em encontro de avaliação do processo após seu término, diversos participantes
relataram que obtiveram feedback de seus subordinados indicando mudanças positivas.
O método testado mostrou-se adequado ao objetivo de promover o que Balint denomina
recomeço, significando que houve a substituição de skills deficientes por outros, suportados na
empatia, respeito mútuo, atitudes de aceitação do “outro” e comprometimento com o propósito
de ajudar, permitindo o estabelecimento da clínica das relações de trabalho.
Esta proposta fundamenta a clínica das relações de trabalho, na medida em que a sua aplicação
permite mudança – recomeço –, necessária para que os líderes possam estabelecer nas
organizações o espaço de palavra, essencial para um ambiente de trabalho psicologicamente
saudável.
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CO -41
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CO-42
O tema do stress tem ganhado espaço na mídia e tem despertado o interesse de estudiosos de
vários campos do conhecimento. De acordo com Dejours (2007) o progresso técnico, a
automação e sobretudo, a robotização, até certo ponto reduziram a carga de trabalho humano,
mas curiosamente, temos assistido a crescentes proporções de patologias de sobrecarga afetando
a vida dos trabalhadores no mudo do trabalho e uma delas é o burnout (stress crônico devido ao
trabalho). Objetivos: identificar os efeitos de um programa de intervenção em stress, realizado
com trabalhadores de uma rede de supermercados de Maringá, em 2008. Método: Esse trabalho
foi desenvolvido durante um estágio de Psicologia Organizacional de uma acadêmica do Centro
Universitário de Maringá. Primeiramente se realizou uma coleta de dados sobre o estado de
saúde geral dos trabalhadores, por meio de entrevistas individuais com uma amostra de 15
trabalhadores que relataram que a sua maior fonte de stress era o relacionamento no trabalho. A
maioria apontou sentir os seguintes sintomas: dores no corpo e costas, cansaço, irritação e
insônia. Com esses dados, o programa de intervenção foi planejado. No primeiro e no último
encontro, uma lista de sintomas de stress foi auto-preenchida pelos participantes. O programa foi
desenvolvido com 23 trabalhadores, de ambos os sexos, entre 18 a 30 anos, com o ensino médio
completo, ocupantes de cargos de atendimento ao público. A intervenção foi composta de 9
encontros de uma hora de duração. Foram trabalhadas as relações interpessoais, o
reconhecimento mútuo no trabalho, os estressores e os modos de enfrentamento dos stress e da
organização do trabalho. Foram aplicadas breves técnicas de dinâmica de grupo com foco nos
relacionamentos e algumas técnicas básicas de relaxamento. A principal abordagem psicológica
que permeou a intervenção foi a proposta teórica da Psicodinâmica do Trabalho.
O programa de intervenção apresentou resultados positivos, promovendo melhoria nas relações
de trabalho, com maior colaboração, contribuindo para um maior suporte social entre os
participantes. Verificou-se uma significativa redução dos sintomas de stress, em especial nos que
tiveram 100% de presença.
O reconhecimento mútuo entre os trabalhadores foi um dos principais temas trabalhados.
Conforme Dejours (2007) o reconhecimento é o meio pelo qual o sofrimento pode ser
transformado em prazer no trabalho; da dinâmica do reconhecimento que depende a mobilização
subjetiva das pessoas e conseqüentemente, a qualidade e a perenidade da cooperação.
Verificou-se melhoria no relacionamento no trabalho e significativa redução dos sintomas de
stress nos participantes do programa, em especial nos que tiveram 100% de presença. O
reconhecimento no trabalho é uma proteção contra o stress, sendo essencial para a saúde mental
e para a identidade dos trabalhadores. A identidade precisa da confirmação do outro e se
fortalece graças ao olhar do outro.
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JESSICA PASTRO
STELLA SILVEIRA
SUZANA CANEZ DA CRUZ LIMA
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CO-43
Nosso estudo teve por objetivo a análise da experiência em clínica do trabalho com um grupo de
cuidadores sociais de um abrigo provisório de crianças e adolescentes, localizado na cidade de
Macaé, no interior do Rio de Janeiro. A metodologia e teoria adotada é a abordagem da
Psicodinâmica do Trabalho de Christophe Dejours. Desta forma, pretende contribuir para o
fortalecimento do espaço público de discussão existente neste grupo profissional e a
inteligibilidade de seus modos de trabalhar. Consideramos que a relevância da investigação
reside na necessidade de estudos sobre a saúde mental dos cuidadores. A intervenção foi
desenvolvida a partir das etapas baseadas na clínica do trabalho. A pesquisa formou diversos
grupos de discussão com os trabalhadores. Este estudo trata do grupo de cuidadores voltados
para o atendimento de crianças e adolescentes, com idades entre sete e dezessete anos e onze
meses. Contou com a participação de oito cuidadores, entre eles cinco mulheres e três homens.
Foram realizados seis encontros de discussão. O primeiro consistiu na apresentação dos
pesquisadores e detalhamento do contrato do grupo para a atividade. O segundo e terceiro
centraram-se na discussão sobre a organização do trabalho e as formas de prazer e sofrimento
envolvidas. No quarto encontro foi construído um plano de ação baseado nas dificuldades
discutidas pelo grupo. O quinto encontro foi voltado para a validação do relatório final e, no
sexto e último encontro, realizou-se uma discussão deste conteúdo do grupo com a gestora e a
coordenadora técnica do abrigo. A pesquisa ainda está em andamento, contudo, alguns resultados
já podem ser apontados. Em relação às características do trabalho foi evidenciado que mesmo
sendo um trabalho com rotina estabelecida e horários relativamente rígidos – horário para as
refeições, atividades de higiene, escolares e de lazer – foi indicado a imprevisibilidade deste
cotidiano, citada por eles como uma “caixinha de surpresas” em função das atitudes do grupo de
crianças e adolescentes. Foi exposto que o trabalho de cuidar é uma ação coletiva e que eles
contam com um grupo de trabalho que apresenta relações de cooperação, fato este que é vivido
como uma experiência de prazer. Por outro lado, comentam como formas de sofrimento,
especialmente a vivência do medo, da insegurança e frustração com o contrato de trabalho e
condições precárias de funcionamento do abrigo. Tais situações de sofrimento indicam o
distanciamento entre o prescrito e o real, uma vez que o medo e a insegurança são provenientes
do contato com crianças e adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas e alguns jurados de
morte, perfil que não deveria ser acolhido por um abrigo provisório. Da mesma forma, a
precarização do trabalho encontra-se na base de tais conflitos. Como uma resposta a esse
sofrimento, identificamos o uso de estratégias defensivas como, por exemplo, a banalização das
situações de risco recorrentes nesse cotidiano. Concluímos que a abertura deste espaço de
discussão mostrou-se importante para a reflexão sobre a vivência no trabalho e a compreensão de
seu sofrimento e formas de mobilização subjetiva.
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CLAUDIA MAGNUS
ALVARO CRESPO MERLO
UFRGS
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CO-49
O modo de gestão flexível tem marcado o mundo do trabalho pela substituição do controle
evidente dos corpos por um controle sutil, centrado na mobilização da subjetividade. As
organizações têm proposto aos seus trabalhadores um modelo de trabalho maleável, sem
procedimentos formais fixos, visando a adaptação às novas necessidades de transformação (de
produtos e procedimentos) em curto prazo – necessidade decorrente diante da instabilidade e da
dinamicidade do capitalismo contemporâneo. Esta formatação intensifica a relação do sujeito
com a organização, que demanda o envolvimento total e subjetivo, e que por meio de políticas e
práticas de gestão consegue sequestrar a subjetividade do trabalhador. Com o adendo de que os
vínculos sociais vêm sofrendo um processo de fragilização na sociedade atual e de que a
dependência mútua entre as pessoas vem sendo pregada enquanto vergonhosa, o sequestro da
subjetividade do trabalhador por parte das organizações obtém êxito com maior facilidade. Este
trabalho caracteriza-se como um ensaio teórico que aborda o sequestro da subjetividade pelas
organizações facilitada pela fragilização dos vínculos sociais. Utilizando como referência a
psicossociologia e a Psicodinâmica do Trabalho, o texto está estruturado em três tópicos: i)
aborda os mecanismos de controle no modo de produção capitalista na sua fase atual, do
capitalismo flexível e do controle sutil. ii) apresenta a temática dos vínculos sociais,
considerando a importância do outro na constituição da subjetividade e a discussão sobre a
fragilização dos vínculos na sociedade atual. iii) apresenta como a fragilização dos vínculos
sociais no trabalho e o sequestro da subjetividade estão articulados. Pôde-se verificar que a
individualidade, os laços frágeis e superficiais que se estabelecem entre as pessoas e o caráter
corroído propiciam o surgimento de um sujeito carente de vínculos seguros, fato que já foi
percebido pelas organizações e do qual as mesmas tem se apropriado em seu benefício. De fato,
o indivíduo necessita do reconhecimento do outro para estabelecer relações de identificação, isto
é, precisa do outro para constituir-se enquanto sujeito. Diante deste contexto social, a
constituição dos laços torna-se cada vez mais superficial e frágil. As organizações, atentas, se
apropriam desta lacuna psíquica dos trabalhadores com vistas a moldar a subjetividade destes aos
seus objetivos organizacionais. Na falta de referencias mais confiáveis, o trabalho se afirma
como um dos mais importantes espaços que informa ao sujeito quem ele é, fonte de constituição
de sua identidade. A organização atua na fantasia do trabalhador apresentando-se enquanto único
meio em que o sujeito-trabalhador pode ser reconhecido e expressar suas potencialidades
livremente. A organização realiza, por meio de refinados processos de gestão, o sequestro da
subjetividade dos trabalhadores, estabelecendo um novo modelo de controle totalmente adaptado
às novas necessidades do modelo capitalista flexível. Concluiu-se que a instabilidade dos
vínculos sociais contribui para que o sujeito se encontre cada vez mais dependente
subjetivamente da organização e colabore para que os objetivos organizacionais sejam
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plenamente alcançados sem que tenha consciência da sua submissão a esta forma de controle.
Esta pesquisa conta com o apoio financeiro do Governo do Paraná, SETI e Fundação Araucária.
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Dejours (2004) aponta a existência de estratégias defensivas utilizadas pelos trabalhadores para
que estes não adoeçam e consigam executar seu trabalho de forma prazerosa. Através das
experiências profissionais das pesquisadoras propõe-se pensar o processo de formação do
trabalhador da saúde como uma das possíveis estratégias coletivas para o enfrentamento contra o
sofrimento no trabalho.
As vivências enquanto apoiadora pedagógica em um curso de Especialização da Atenção e
Gestão do SUS (Sistema Único de Saúde) e como residente em saúde coletiva na Escola de
Saúde Pública do Rio Grande do Sul, além de pesquisadoras do Laboratório de Psicodinâmica do
Trabalho da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), possibilitou o surgimento de
questões como qual a real importância da formação para a saúde do trabalhador. O olhar atento
para os movimentos e apostas na saúde do trabalhador e nas possibilidades de prazer criadas
pelos próprios trabalhadores fez com que nossa sensibilidade se aguçasse para buscar respostas a
este questionamento. O dia-a-dia com os trabalhadores, seja na residência, seja no apoio
pedagógico na especialização, revelou uma forma de pesquisar e vivenciar as situações em
coletivo com estes trabalhadores.
De acordo com a Política Nacional de Humanização (PNH) o processo de formação permanente
para os trabalhadores da saúde é um dos aspectos necessários para avanços e mudanças no
sistema de saúde brasileiro (BRASIL, 2008). Tendo esta política como uma de suas diretrizes a
valorização do trabalho e do trabalhador, a aposta de investir em uma formação continuada
reafirma a crença de que são os trabalhadores que sabem sobre seu trabalho, e colocar eles em
roda, para falar de seu cotidiano, é uma forma de promover saúde além de apostar em uma
melhoria na organização e processos de trabalho. Mello e Bottega (2009) acreditam que no
momento em que o trabalhador se torna protagonista na organização do trabalho, e sinta-se como
tal, conseguirá participar do processo de construção de conhecimento e sentir-se pertencente a
um coletivo.
A investigação sobre o tema fez perceber que, além dos trabalhadores sentirem-se valorizados
em seu trabalho quando há investimento em sua formação, há também o reconhecimento por
parte dos usuários do sistema de saúde quando percebem que este trabalhador demonstra prazer
em seu trabalho. Quando a gestão investe no trabalhador, este irá relacionar-se com o usuário de
uma forma mais acolhedora, e o usuário irá retribuir a atenção dispensada; esta parece ser uma
dinâmica de prazer e reconhecimento no trabalho.
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Este estudo, baseado na Psicodinâmica do Trabalho, tem por objetivo geral investigar a
influência da Organização do Trabalho na alcoolização de trabalhadores de um banco público,
propondo medidas que possam resultar na redução do consumo de álcool. De modo específico,
buscou-se: a) compreender a organização do trabalho a qual os bancários estão inseridos; b)
identificar vivências de prazer e sofrimento no trabalho bancário; c) verificar estratégias de
enfrentamento do sofrimento no trabalho; d) propor medidas que possam resultar na redução da
alcoolização de bancários. Entende-se a organização do trabalho como a definição, divisão e
distribuição das tarefas, pela concepção das prescrições e pela operação de controle, fiscalização,
ordem, direção e hierarquia. Para suportar a realidade do trabalho e transformar o sofrimento em
prazer, os trabalhadores recorrem a estratégias de defesa individuais e coletivas. Estas
estratégias, entretanto, podem acarretar no processo de alienação, que, para permitir a
continuidade do trabalho, estabiliza a relação subjetiva com a organização do trabalho, podendo
mascarar o sofrimento, e, muitas vezes, por serem tão importantes no enfrentamento das pressões
diárias, podem se tornar um fim em si mesmas. Para este estudo, foram realizadas 5 entrevistas
individuais com trabalhadores de um banco público, com duração média de uma hora. Os dados
foram analisados por meio da Análise de Núcleos de Sentido. Os resultados mostram uma
organização do trabalho caracterizada por sobrecarga, repetição de tarefas, pressão por metas,
alta normatização em contraposição a realidade do trabalho, práticas de gestão deficientes,
ausência de reconhecimento e de espaço de discussão. Como estratégias de defesa individuais,
constatou-se que os bancários negam o sofrimento, racionalizam as vivências negativas
promovendo uma eufemização da realidade, além de aumentarem o ritmo de trabalho se auto-
acelerando. Além disso, se utilizam de modos particulares de realizar o trabalho, denominado
inteligência prática. Dentro de um ambiente altamente competitivo que promove o
individualismo, há uma dificuldade de formação de um coletivo de trabalho que proporcione um
espaço de discussão e elaboração, relaboração e perlaboração do sofrimento. Diante disto, os
bancários encontram-se com colegas de trabalho em bares após o expediente como estratégia de
defesa coletiva, utilizando-se do consumo de álcool para aliviar o estresse e a ansiedade no
exercício de suas atividades laborais, buscando suprir a necessidade causada pela ausência de um
espaço de fala no trabalho. Sugere-se a criação de um espaço de discussão no local de trabalho e
a prática de reconhecimento como forma de reduzir a alcoolização, evitando-se que esta se torne
um fim em si mesma, levando bancários ao alcoolismo. Esse espaço de fala permite um
deslocamento das discussões que ocorrem nos bares para dentro da empresa, promovento o
surgimento de idéias criativas para melhorias na organização do trabalho, favorecendo a
coletividade, além de possibilitar uma aproximação entre o prescrito e o real.
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O estudo integra uma pesquisa mais ampla, que teve como objetivo avaliar a prevalência do
estresse e suas repercussões sobre a saúde e as vivências subjetivas de trabalhadores da saúde.
Aqui será estabelecido um recorte, sendo abordada a organização de trabalho - OT e seus
desdobramentos, dentre os quais se destacam as pressões que conduzem ao estresse, agravando o
sofrimento. Quanto ao método, a pesquisa mais ampla partiu de um estudo quantitativo
transversal, utilizando um Inventário de Sintomas de Stress para identificar a prevalência e
determinar sua proporção (alerta, resistência e exaustão), com uma amostra de 679 trabalhadores
da rede pública de saúde de Manaus. O levantamento apontou que quase metade da amostra
apresentou estresse, estando 11% no nível patológico, de exaustão. Diante desses resultados
optou-se por uma abordagem qualitativa, direcionada ao grupo que apresentava quadro de
exaustão. Formou-se um grupo de escuta clínica do sofrimento no trabalho, partindo da base
teórica da psicodinâmica do trabalho. As cinco sessões aconteceram no Centro de Referência
Estadual em Saúde do Trabalhador- CEREST. Os resultados apontam uma organização de
trabalho pautada por constante cobrança quanto à atenção e vigilância, associadas a um ritmo de
trabalho que requer números crescentes de procedimentos complexos, além de habilidades para
acompanhar as inovações tecnologias na área da saúde. A quantidade de trabalhadores é
insuficiente, causando sobrecarga e exaustão, havendo falas em que as pessoas mencionaram
trabalhar 36 horas ininterruptamente, o que mostra o nível da sobrecarga/exaustão. Exige-se
agilidade manual e tomada de decisões diante de situações de urgência; no entanto, as condições
precárias de trabalho, as pressões de tempo e a sobrecarga fazem com que o profissional se sinta
impotente, adotando como estratégia defensiva o distanciamento afetivo do paciente e de seu
sofrimento. Assim, dentre as contradições da OT se destacam as exigências e pressões impostas
aos trabalhadores sem as respectivas condições para desempenhar bem o trabalho, com o
agravante de que uma falha pode colocar em risco uma vida humana. Essas contradições afetam
o sujeito no registro de sua identidade (agindo assim sou um bom profissional?). Concluindo, a
organização de trabalho dos profissionais de saúde é marcada por pressões, cobranças e ritmos
patogênicos, levando ao estresse e à exaustão, situação que representa risco também para a saúde
dos usuários do serviço. Além da sobrecarga e da tensão derivadas dessa OT, os baixos salários
conduzem a jornadas múltiplas (dois empregos), agravando ainda mais a sobrecarga,
comprometendo a saúde e repercutindo em todas as esferas da vida O estudo aponta a
importância de sinalizar as contradições da organização de trabalho na saúde e viabilizar espaços
públicos para a fala do sofrimento, contribuindo para possíveis transformações desse campo de
trabalho em um lugar de realização e identidade.
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A presente pesquisa teve como participantes, profissionais da Brigada Militar e teve como
objetivo investigar as vivências coletivas dos profissionais da Brigada Militar e os impactos
destas sobre a saúde e subjetividade.
A metodologia utilizada foi a da psicodinâmica do trabalho. De acordo com Dejours (2008),
fundador e principal expoente deste método de estudo e pesquisa, a psicodinâmica do trabalho
aborda não só o sofrimento, mas o prazer no trabalho: “não somente o homem, mas o trabalho;
não apenas a organização do trabalho, mas as situações de trabalho nos detalhes de sua dinâmica
interna” (DEJOURS, 2008, p.55).
Assim, foram realizadas reuniões com um grupo de policiais militares possibilitando que os
mesmos falassem livremente sobre seu cotidiano laboral.
Constatou-se que estes profissionais possuem um ritmo de trabalho intenso e estressante. Lidam
com limites, pressões e decisões rápidas, gerando grande desgaste físico e emocional. Não
dispõem de horas de sono adequadas e alimentação saudável devido a alternância constante dos
horários de trabalho.
Sentem-se, ainda, cobrados e criticados pela sociedade. Em relação à hierarquia no quartel
consideram-se desmerecidos pelos superiores. Em seu entendimento, a população os vê como
uma imagem truculenta, o que acreditam ser reforçado e continuamente pela mídia.
Segundo Spode e Merlo (2006), é freqüente a atuação dos policiais veiculada pela mídia, ora
mostrando ações de combate ao crime – colocando-os no lugar de heróis – ora mostrando-os
como vilões, que se corrompem ou matam inocentes. Para os autores, o trabalho policial ocupa
um território de controvérsias, no qual se produz uma realidade ainda pouco conhecida pela
sociedade: a do policial trabalhador, cuja função é conter a violência, mas que, ao mesmo tempo,
corre o risco de produzi-la e/ou de ser vítima dela.
Nesta direção, Jesus (2005) coloca que a sociedade deseja que o policial militar seja um
profissional de segurança pública qualificado, mas não pode esquecer que, antes de ser um
policial é, também, um cidadão.
Verificou-se, também, que procuram separar o trabalho da família, não compartilhando seus
problemas e temores no intuito de proteger a família e preservar as relações familiares e também
como uma forma de “desligar” do cotidiano. Fazem uso do esporte como estratégia de defesa
para preservar a saúde mental, embora sintam-se pressionados a esta prática para manter a forma
física exigida em seu trabalho.
Assim, os resultados desta pesquisa, revelam que este trabalho tende a causar fortes impactos
sobre a saúde e a subjetividade deste trabalhador, tendo em vista ainda, a violência crescente que
permeia seu cotidiano.
Estas constatações justificam a importância desta investigação e instigam o aprofundamento das
reflexões propostas, visando construir e socializar conhecimentos que constituam subsídios para
futura intervenção e promoção de saúde neste contexto de trabalho.
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O presente estudo trata-se de pesquisa com caráter descritivo com abordagem quali-quanti e teve
como objetivo investigar a relação entre as vivências de prazer-sofrimento no contexto de
trabalho e as estratégias de mediação utilizadas pelos policiais militares em ambiente hospitalar.
O referencial teórico-metodológico utilizado nesta pesquisa é a Psicodinâmica do Trabalho e a
Ergonomia da Atividade que se mostram eficazes na investigação sobre a saúde do trabalhador.
A amostra foi composta por 47 sujeitos dos mais diversos setores e cargos, sendo 32 (68%)
destes do sexo feminino e 15 (32%) do sexo masculino. Quanto a faixa etária, 20 (43%) acima de
40 anos; 17 (36%) entre 31 e 40 anos e 10 (22%) até 30 anos. O método consistiu em observação
livre; entrevista individual semi-estruturada e aberta; e aplicação do Inventário sobre Trabalho e
Riscos de Adoecimento – ITRA. Participaram da entrevista individual semi-estruturada 09
servidores do Centro Cirúrgico. Utilizou-se um roteiro de entrevista composto por quatro
perguntas: a) Fale-me sobre o seu trabalho; b) Fale-me sobre seus sentimentos em relação ao seu
trabalho?; c) O que você faz para dar conta/lidar/enfrentar seu dia-a-dia de trabalho?; d) Como o
trabalho tem afetado seu comportamento e sua saúde?. Respeitaram-se os princípios éticos de
pesquisa com seres humanos, oferecendo-se termo de consentimento livre e esclarecido para
cada indivíduo. Para fins de análise os dados foram tabulados através do programa SPSS 13.0 e
as entrevistas foram gravadas, transcritas em sua integralidade e submetidas à análise do núcleo
de sentido (ANS), proposta por Mendes (2007) e adaptada da técnica de análise de conteúdo
proposta por Bardin (1977). A análise de conteúdo é conceituada como “um conjunto de técnicas
de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas)
destas mensagens” (BARDIN, 2009, p.44). Foram encontrados os seguintes núcleos de sentido:
a) “(...) a gente faz de tudo um pouco, mas é muito estressante (...)”; b) “(...) a gente vê se tem
material na casa, vê se não tá faltando nada (...)”; c) “(...) o ambiente de trabalho é harmonioso,
onde os conflitos nas relações praticamente inexistem, o respeito é mútuo (...)”; d) “(...) oro
muito para não desistir, pois é o meu, e prezo muito o pão de cada dia (...)”; e) “(...) eu to em
casa, eu fico escutando o batimento cardíaco dos monitores na cabeça, já to bitolada (...)”. Os
núcleos encontrados indicam aspectos críticos quanto a organização do trabalho através do ritmo
excessivo de trabalho, insuficiência no quadro de funcionários e cobranças por resultados.
Quanto às condições de trabalho os funcionários convivem com a precariedade e a falta de
mobiliário e material cirúrgico. As relações socioprofissionais apresentam-se de forma mais
satisfatória, porém, sente-se discriminados profissionalmente devido a categoria militar/civil
existente no ambiente hospitalar. Foi possível identificar através dos resultados das entrevistas e
inventário as diversas formas de precarização do trabalho, assim como os agravos a saúde física
e psíquica dos trabalhadores.
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O presente estudo é parte de uma pesquisa mais ampla que tem por objetivo analisar as
dimensões de trabalho, saúde e ambiente de mulheres na agricultura familiar no município de
Itacoatiara-AM, na comunidade Sagrado Coração de Jesus /Vila do Engenho, que se destaca no
estado do Amazonas pela produção de abacaxi. O recorte desse estudo focaliza o não
reconhecimento do trabalho da mulher, enquanto atividade produtiva, e suas repercussões sobre a
identidade das trabalhadoras. Quanto ao método, a pesquisa é qualitativa, situando-se na
perspectiva teórico crítico de abordagem sócio-histórica; faz interlocução com o aporte teórico
da psicodinâmica do trabalho, no estudo da subjetividade no trabalho, e se aproxima da
metodologia dejouriana,na opção pelo espaço publico da fala e da escuta como acesso
privilegiado às vivências subjetivas, a fim de compreender os diferentes espaços de organização
do trabalho da mulher na agricultura familiar, assim como a divisão sexual do trabalho, a relação
ajuda e a concepção de trabalho, e ainda aspectos relacionados à dinâmica do reconhecimento do
trabalho da mulher no ambiente rural amazônico. Os resultados preliminares revelam que, apesar
de encontrarem-se envolvidas no processo produtivo em tarefas como plantio, adubação e
colheita, em condições similares às dos homens, a jornada de trabalho da mulher inicia bem
antes da ida para o roçado, pois, prepara o alimento para o marido e outros membros da família.
Neste processo a mulher prepara e serve de 3 a 4 refeições ao dia, em determinados momentos
chega a trabalhar 8 horas/dia. Todavia, o “trabalho feminino”, de produção de alimento, cuidado
e manutenção da subsistência não é considerado como trabalho. A atuação da mulher na esfera
produtiva, no cultivo de abacaxi, é situado como “ajuda” ao marido, privando a mulher do
reconhecimento de seu trabalho. Dessa forma, a prática cultural de entregar ao homem o controle
de toda a atividade produtiva, assim como a dificuldade em assumir a identidade de
trabalhadoras ainda são recorrentes. O não-reconhecimento do seu trabalho nas atividades do
roçado e a desvalorização social do seu trabalho doméstico é presente no discurso da mulher, o
que afeta a sua afirmação como sujeito o trabalho. A força de trabalho da mulher é visto como
ajuda e não como trabalho. Concluindo, pesquisas dessa natureza são importantes para revelar
uma dimensão pouco conhecida do mundo rural, no que tange ao trabalho da mulher. O espaço
público da fala proporciona escuta e reflexão, favorecendo à mulher o questionamento do lugar
que lhe é designado – ajudante- e a construção da identidade de trabalhadora, inserida no espaço
produtivo da agricultura no ambiente rural na Amazônia.
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Com certa freqüência, é possível identificar nas conversas informais e ditados populares a
existência de idéias que associam o trabalho apenas a fadiga e ao sofrimento, e que afirmam que
o estado de completa satisfação seria uma vida onde não fosse necessário trabalhar, onde não
fosse preciso fazer nada. No entanto, a identificação das patologias do desemprego (Dejours
2001), indica que o trabalho é um fator essencial para a boa saúde das pessoas e que pode sim ser
um mobilizador de prazer. Essa relação prazer-trabalho foi identificada na pesquisa intitulada:
Vivências de prazer e sofrimento no trabalho de vendedores ambulantes no centro comercial de
Manaus. Na pesquisa foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, com roteiro previamente
estabelecido com dez camelôs, do centro comercial da cidade Manaus, no estado do Amazonas.
Os participantes da pesquisa foram constituídos de homens e mulheres de diferentes idades que
após terem consentido participar da pesquisa assinaram o termo de participação livre e
esclarecido. As entrevistas foram gravadas, transcritas e depois analisadas com base na análise
temática de conteúdo, sob a ótica da Psicodinâmica do Trabalho de Dejours, teoria utilizada
como referencial teórico. Os resultados apontaram que a flexibilidade que caracteriza a
organização do trabalho dos camelôs contribui para que o trabalhador possa ter autonomia para
atuar nas diferentes situações de trabalho, permite que o trabalhador vença as limitações
impostas pelo real sem transgredir normas e procedimentos. Assim, os camelôs podem ter prazer
de vencer o real do trabalho sem ter que enfrentar a culpa advinda da transgressão. O
relacionamento com os pares também é mencionado com um desencadeador de prazer. Ao falar
da sua relação com outros camelôs os trabalhadores participantes da pesquisa relatam que
costumam sair juntos e auxiliam-se quando as dificuldades surgem. Esses sentimentos de
solidariedade e sensibilidade ao sofrimento do outro são bastante saudáveis para as relações de
trabalho, uma vez que muitas instituições hoje são marcadas pelas patologias da violência onde
acontece uma constante insensibilidade, solidão afetiva e desolação em relação ao trabalho e os
colegas de trabalho (MENDES, 2007). A recompensa financeira alcançada pelo trabalho com
camelô também é apontada como uma fonte de prazer. O dinheiro ganho através do trabalho
possibilita suprir necessidades pessoais e familiares, desencadeando sentimentos de realização
pessoal. Quando o trabalhador pode através de seu trabalho ter uma identidade, aprendendo,
desenvolvendo habilidades, vencendo as situações que se apresentam no real e criando
estratégias então o prazer pode ser vivenciado contribuindo assim para sua saúde e bem-estar
psíquicos.
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A grande demanda de trabalhadores com transtornos mentais, que buscam os serviços de saúde
mental em Manaus - AM para tratamento despertou numa equipe de psicólogos o interesse de
desenvolver uma escuta psicológica para compreender o processo de adoecimento psíquico
quando acontece no período do trabalho. A categoria escolhida foram os motoristas de
transportes urbanos, por apresentar-se em número maior, atendidos no Centro Psiquiátrico
Eduardo Ribeiro. O trabalho de grupoterapia consiste em um espaço de escuta para além dos
sintomas que seus participantes trazem, no qual estes podem refletir sobre as relações do trabalho
com o sofrimento psíquico, com a subjetividade e ambiente. Os temas para discussão são de livre
escolha dos mesmos, tais como: a organização do trabalho, violência do trânsito, dificuldades
nos relacionamentos com colegas, amores no período de trabalho, o auxílio benefício do INSS,
incertezas sobre o retorno ao trabalho e a difícil convivência com familiares em tempo integral.
O suporte teórico que sustenta a escuta ocorre na articulação entre a psicanálise e psicodinâmica
do trabalho. O grupo está em funcionamento desde 2007, reunindo-se quinzenalmente. A escuta
diferenciada permitiu que os participantes pudessem reelaborar suas experiências de sofrimento e
implicações com a experiência no mundo do trabalho, além de um reimpoderamento do lugar de
usuário que participa ativamente de seu tratamento. Esse trabalho vem possibilitar um novo olhar
na instituição sobre os trabalhadores em sofrimento psíquico construindo espaços diferenciados
de escuta e intervenção, atendendo as perspectivas do modelo da reforma psiquiátrica no qual
prioriza a escuta do sujeito em seu contexto de vida, gênero e trabalho, possibilitando assim, o
distanciamento do olhar hospitalocêntrico.
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CO-64
A Saúde Mental tem sido uma preocupação em voga atualmente, principalmente pelas condições
adversas encontradas no cotidiano, que contribuem para o aumento do nível de estresse e
depressão, entre outros aspectos, discutidos por muitos teóricos. Entretanto, no âmbito do
trabalho, tal preocupação não tomou de imediato, proporção significativa. Na medida em que se
reconhece o trabalho e o processo de saúde/doença como elementos biopsicossociais, faz-se
pertinente o estudo da psicologia acerca das doenças ocupacionais, não só por circundar a
dimensão psicológica, mas também social, que envolve as condições e a dinâmica do trabalho;
como as relações interpessoais, as condições de trabalho e as vivências subjetivas. Por isto, esta
pesquisa qualitativa esteve voltada para o estudo do estresse envolvendo trabalhadores da área de
Saúde, tomando como objetivo principal investigar a existência (ou não) de condições
estressoras e/ou de estresse na perspectiva dos trabalhadores da área de saúde do Centro
Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (C.P.E.R), enfocando os significados e o modo como vivenciam.
Englobou os recursos metodológicos da observação participante e entrevistas, que foram
analisados tomando a hermenêutica-dialética como base.
Os resultados alcançados dizem respeito às condições estressoras, vinculadas a fatores
institucionais, às relações de trabalho e fatores externos ao ambiente de trabalho. Condizem
também com a concepção de saúde/doença, com a percepção acerca de situações estressoras,
com a definição de pessoa estressada; com a relação entre manifestação de estresse e papel
profissional, com os caminhos encontrados para lidar com situações adversas. Quanto às formas
de lidar com situações adversas, existem alguns pontos centrais: prevalência do aspecto
institucional e “ausência de perspectiva”, responsabilização pela escolha do local de trabalho,
diferencial de quem trabalho na instituição e compromisso.
O estresse parece associado às condições materiais e organização de trabalho. Da mesma forma,
o sentido e a realização sugerem uma vinculação com o resultado (eficácia) e com o desejo de
extinção do sofrimento. Foi cabível refletir durante a pesquisa que condições estressoras existem,
porém, elas não são preditoras de um estresse cujo impacto seja globalmente negativo. Ao
contrário, os fazem, até certo ponto, reavaliar seu trabalho – tanto a forma como é realizado,
quanto as instâncias que o rodeia.
Conclusão: concluindo, mais amplamente, que a principal contribuição deste estudo está
relacionada à tentativa de compreender a relação que os trabalhadores de saúde mental
constroem com o estresse. Pois, além de lidar com obstáculos difíceis de transpor, tem a questão
do fazer isolado em um contexto coletivo/social e dos aspectos que não dependem do
trabalhador, pelo menos em sua totalidade, que são atribuídos, porém, ao bom funcionamento do
serviço prestado. Bem como vislumbrou-se a necessidade de espaços coletivos de expressão das
angústias vivenciadas no ambiente de trabalho, buscando uma troca entre os diferentes saberes
ara a construção de alternativas viáveis de lidar com as condições estressoras. Assim, estudar as
circunstâncias que envolvem o estresse e o trabalho remete ao delineamento de outros campos de
estudo, os quais possam complementar as reflexões suscitadas.
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O presente estudo trata-se de pesquisa com caráter descritivo com abordagem quali-quanti e teve
como objetivo investigar os indicadores de prazer-sofrimento no contexto de trabalho dos
bombeiros militares e a influência na saúde mental deste trabalhador. O referencial teórico-
metodológico utilizado nesse estudo é a Psicodinâmica do Trabalho e a Ergonomia da Atividade
que analisam prazer/sofrimento, decorrente das contradições entre o sujeito e o contexto de
trabalho. A amostra foi composta por 30 bombeiros da guarnição de resgate, salvamento e
combate a incêndio. Sendo 07 (23,3%) destes do sexo feminino e 23 (76,7%) do sexo masculino.
Quanto à faixa etária, 60% até 30 anos; 33,3% entre 31 e 40 anos e 6,7% acima de 40 anos. O
método consistiu em observação livre; entrevista individual semi-estruturada e aberta; e
aplicação do Inventário sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento – ITRA. Participaram da
entrevista individual semi-estruturada 06 trabalhadores. Utilizou-se um roteiro de entrevista
composto por quatro perguntas: a) Fale-me sobre o seu trabalho; b) Fale-me sobre seus
sentimentos em relação ao seu trabalho?; c) O que você faz para dar conta/lidar/enfrentar seu
dia-a-dia de trabalho?; d) Como o trabalho tem afetado seu comportamento e sua saúde?.
Respeitaram-se os princípios éticos de pesquisa com seres humanos, oferecendo-se termo de
consentimento livre e esclarecido para cada indivíduo. Para fins de análise os dados foram
tabulados através do programa SPSS 13.0 e as entrevistas foram gravadas, transcritas em sua
integralidade e submetidas à análise do núcleo de sentido (ANS), proposta por Mendes (2007) e
adaptada da técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). Foram encontrados os
seguintes núcleos de sentido: a) “(...) eles se preocupam com os resultados menos com o militar,
aquele que vai, que sofre que arrisca a própria vida”; b) “(...) tudo aqui é coletivo, capa, luvas,
capacetes (...) e tem que usar aquele mesmo equipamento suado do uso de outra pessoa que usou
e não lavou”; c) “O que estressa a gente não é a ocorrência, mas sim a relação com os superiores
(...) precisamos ser ouvidos e não tratar a gente com chicote”; d) „Os equipamentos são pesados,
fazemos muito esforço físico”; e) “(...) Quando conseguimos sair de uma ocorrência com êxito,
quando a pessoa chega ao hospital com vida, um olha para o outro e pensa: dever cumprido, é
bom essa cumplicidade”. Os núcleos encontrados indicam aspectos críticos quanto a organização
do trabalho através do número reduzido de servidores, cobranças por resultados e o bem-estar
dos trabalhadores não ser uma prioridade. Quanto às condições de trabalho é considerada grave,
pois oferecem riscos de acidente e as condições são precárias. Avalia-se as relações
socioprofissionais como grave quando se trata de exclusão dos trabalhadores nas decisões e
como risco moderado a comunicação entre chefia-subordinado. Quanto aos danos físicos,
indicam uma avaliação grade para alterações do sono e crítico para dores no corpo e pernas. O
trabalho do bombeiro se caracteriza por atender as necessidades da sociedade, preservar
patrimônios, salvar pessoas e cumprir suas atividades no ambiente de trabalho para atender aos
objetivos da corporação. Verifica-se um certo desgaste físico-psíquico deste trabalhador que
necessita cumprir exigências internas da organização e executar atividades externas ligadas ao
sofrimento dos usuários.
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ANDRÉ HENRIQUES
CARMEM CRISCI
DANIELA MÜLLER
KARINE VANESSA PEREZ
TIAGO WEBER
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Ainda que se entenda que a mentira é, a princípio, uma ação condenada pela sociedade, não se
pode negar que esta se apresenta como uma prática social cotidiana, estando presente nas mais
diversas esferas: política, familiar, profissional, etc. Há que se considerar ainda, que a mentira,
ou o ato de enganar ao outro, pode ser observado desde muito cedo nas relações humanas. No
que toca às organizações de trabalho, tomamos o conceito de Distorção Comunicacional
(HABERMAS, 1987) como aquilo usado com a finalidade de que os trabalhadores não façam
uma comparação com o que é normalmente caracterizado por mentira e aquilo que vivenciam na
organização de trabalho. Neste contexto, entende-se que ocorre um constante jogo lingüístico
para esconder a mentira, de forma que: “o Sujeito que fala tem o seu „querer dizer verdadeiro‟
transformado em um ou mais interesses institucionais, quando os usos da mentira são
requeridos” (OLIVEIRA, 2003, p.04).
Com base nisso, o objetivo da pesquisa é problematizar como a mentira organizacional se
estabelece nas organizações de trabalho e qual sua função nestes espaços. Para isso, serão
realizadas entrevistas semi-estruturadas com seis profissionais que atuam em empresas gaúchas
realizando auditoria de Sistemas de Gestão baseados nas Normas ISO (International
Organization for Standardization). A escolha por estes agentes se dá devido a interlocução com
diferentes personagens das organizações de trabalho que eles estabelecem: desde a Alta
administração (contratantes), aos empregados (auditados). Seu trabalho consiste em verificar a
veracidade da prática da gestão dentro das organizações, ocupando um lugar estratégico no que
toca os objetivos desta pesquisa. Pressupõe-se que tais profissionais podem nos auxiliar na
compreensão sobre aquilo que Dejours (1999) identifica por “mentira instituída”, a qual ele
considera uma prática necessária ao desenvolvimento do trabalho, cujo objetivo é resolver os
efeitos dos “métodos de gestão especificamente associados ao neoliberalismo econômico”.
Baktin (1988, p.95) afirma que as palavras não são apenas aquilo que se pronuncia ou se escuta,
mas verdades e mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, sendo o seu conteúdo
constituído de um sentido ideológico ou vivencial que desperta ressonância idológica ou
concernente à vida. A partir desse entendimento, torna-se essencial a compreenção do aparato
liguistico apresentado pelos auditores, para tanto, optou-se pelo método de Análise de Conteúdo
por ser adequado para tal compreensão. O conteúdo das entrevistas será analisado através do
referido procedimento metodológico, baseando-se nas proposições de Bardin (1977) e a
discussão final recai sobre os efeitos da mentira organizacional no que toca à saúde mental e
física dos trabalhadores.
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O presente estudo trata-se de pesquisa com caráter descritivo com abordagem qualitativa e teve
como objetivo investigar as estratégias de mediação utilizadas pelos trabalhadores do Núcleo de
Atenção Psicossocial da Policia Militar (NAPSS) como forma de evitar o adoecimento. O
referencial teórico-metodológico utilizado nesta pesquisa é a Psicodinâmica do Trabalho. A
amostra foi composta por 07 sujeitos, sendo 02 destes do sexo feminino e 05 do sexo masculino,
com mais de dois anos na função. O método consistiu em observação livre e entrevista individual
semi-estruturada e aberta. Participaram da entrevista individual semi-estruturada profissionais
que atuam como psicólogos, assistentes sociais e socióloga, sendo todos policiais militares.
Utilizou-se um roteiro de entrevista composto por quatro perguntas: a) Em que consiste o seu
trabalho, conte-me um dia de trabalho, desde o momento em que você entra até a hora que sai; b)
De que forma o trabalho influencia no seu funcionamento físico e psicossocial e como lida com
essa influência?; c) Quais as dificuldades enfrentadas no trabalho e como superar?; d) Conte-me
sobre seus sentimentos em relação ao seu trabalho?. Respeitaram-se os princípios éticos de
pesquisa com seres humanos, oferecendo-se termo de consentimento livre e esclarecido para
cada indivíduo. Para fins de análise as entrevistas foram gravadas, transcritas em sua
integralidade e submetidas à análise do núcleo de sentido (ANS), proposta por Mendes (2007) e
adaptada da técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). A análise de conteúdo é
conceituada como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores
(quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens” (BARDIN, 2009, p.44). As análises
foram distribuídas em cinco categorias que descrevem: o contexto de trabalho; influência no
funcionamento físico psicossocial; dificuldades enfrentadas; sentimentos em relação ao trabalho
e estratégias de mediação. Núcleos de sentido: a) “as relações no trabalho são excelentes (...)”; b)
“(...) convivo o tempo todo com o estresse, mas não deixo isso influenciar minha vida pessoal”;
c) “a corporação ainda é muito retrógrada, é bastante burocrática, o suporte organizacional tem
que ser provocado, porque se não ele não chega”; d) “tenho sentimento misto de prazer e
descontentamento (...)”; e) “(...) procurando não levar coisas do trabalho além do meu expediente
e procuro junto a isso fazer o que gosto além do trabalho para dar uma equilibrada”. Os núcleos
encontrados indicam que as relações socioprofissionais são positivas. Quanto aos sentimentos
foram bem variados e contraditórios, pois ao mesmo tempo em que estes geram angústia geram
prazer. As estratégias de mediação estão presentes nesse contexto e são construídas
individualmente como forma de evitar o adoecimento. O mundo do trabalho se mostra bastante
dinâmico e possível de ser vivido e compreendido como parte constitutiva do homem. Não
necessariamente carregado de uma imagem de sofrimento e angústia patológica, mesmo com as
dificuldades e limitações de cada profissão, o mesmo é possível ser desenvolvido de forma
saudável e prazerosa.
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O presente texto foi formulado a partir de minha pesquisa de mestrado intitulada “Trabalho e
Gestão através do Cinema” que se encontra em fase avançada. Tendo como foco organizações,
gestão, subjetividade e saúde no trabalho, buscamos, num primeiro momento, apresentar as
transformações estruturais do capitalismo mundial nas condições da globalização, explicitando o
processo de reestruturação produtiva e as novas exigências do capital, com seus impactos sobre a
saúde e a subjetividade do trabalhador onde o novo complexo de reestruturação produtiva sob a
mundialização do capital tende a impulsionar, as metamorfoses do trabalho e a fragmentação da
classe dos trabalhadores assalariados. Atualmente, surge o que podemos denominar um novo (e
precário) mundo do trabalho observando-se novas provocações do capital para o mundo do
trabalho organizado tornando-se necessária a inclusão do entendimento do papel das
organizações, da gestão e da subjetividade e saúde dos trabalhadores neste cenário. Dentre os
temas explorados pelo cinema, a categoria trabalho é recorrente na história do pensamento
humano desde há longo tempo.
A pesquisa objetivou analisar o trabalho e a representação das teorias da gestão através de filmes.
A metodologia utilizada compõe-se em três etapas: análise bibliográfica, análise documental e
técnicas de hermenêutica crítica. Nesse sentido, a pesquisa se justificou pela proposta de
utilização do cinema como experiência crítica considerando o filme como sendo capaz de
“sugerir” um complexo de temas significativos e eixo temático para uma discussão sobre
problemas cruciais da sociabilidade do capital que podem ser apreendidos, de formas crítica,
pelo espectador-pesquisador. A relação do filme como objeto de reflexão crítica com o
espectador pode se constituir como uma experiência crítica capaz de propiciar uma relação de
compreensão hermenêutica e de dialogicidade plena.
Na atual fase em que a pesquisa se encontra optamos por trazer neste resumo o resultado da
análise crítica do filme “O que você faria?” (2005) de Marcelo Piñeyro que narra a história de
cinco homens e duas mulheres que disputam uma vaga para um alto cargo executivo de uma
grande empresa em Madri (Espanha). Os candidatos participam da última etapa da seleção, do
qual apenas um restará. Fechados numa sala, as provas são elaboradas baseadas no “Método
Gronhölm”, um método de contratação de pessoal onde o avaliador faz jogos psicológicos entre
os participantes e joga uns contra os outros. O método é composto por testes psicológicos e
práticas que induzem ao comportamento nervoso, uma vez que os candidatos são submetidos a
situações extremas de concorrência.
O filme nos traz a possibilidade de compreensão dos fenômenos psicológicos ocorridos no
interior das organizações como a “captura” da subjetividade do homem que trabalha, implicando
a despersonalização do trabalho vivo através de dispositivos de desconstrução pessoal.
Na verdade, o filme “O que você faria?” sabe articular a dialética candente entre o microcosmo
das batalhas particularistas sob o capitalismo neoliberal, onde domina a manipulação reflexiva; e
o macrocosmo do caótico capitalismo global, permeado de intensas (e ampliadas) contradições
sociais sendo elas, a contradição entre os carecimentos radicais e a relação capital-trabalho.
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A presente pesquisa teve como objetivo investigar a relação entre prazer e sofrimento dos
enfermeiros do Sistema Único de Saúde de um município do interior do estado do Rio Grande
do Sul, analisando suas vivências no trabalho e os impactos de seu cotidiano sobre sua saúde.
Além disso, propôs uma reflexão sobre as possibilidades de prevenção e promoção de saúde no
referido contexto.
A presente investigação baseou-se no método da psicodinâmica do trabalho que também pode
ser denominada de clínica do trabalho (DEJOURS 1992, 2008; MERLO e MENDES, 2009).
Este método consiste em uma pesquisa-intervenção que propõe a realização de grupos de escuta
de um coletivo de trabalho.
Assim,foram realizados encontros com um grupo de enfermeiras que trabalham no Sistema
Único de Saúde de um município do interior do estado.
A análise dos resultados foi dividida nas seguintes temáticas: rotina de trabalho; o prazer, o
sofrimento e a saúde; o que fazer pela saúde do profissional. Na rotina de trabalho das
profissionais que participaram desta pesquisa apareceram várias dicotomias emocionais como
tensões e prazeres, tristezas e alegrias, coragem e receios. Como tensões aparecem a dupla
jornada de trabalho, por se tratarem de profissionais mulheres e mães; o contato freqüente com a
dor, e a pressão do ambiente de trabalho. Em contraponto o prazer e a alegria estão associados a
situações de reconhecimento e a valorização do trabalho advindos , em especial, dos usuários.
Essa valorização exige intenso investimento o que é revelado como um fator de sofrimento pois
implica em um grande envolvimento afetivo o que está associado a um nível de
responsabilidade que transcende o local de trabalho. Assim, constatou-se que aos fatores
geradores de sofrimento tais como a pressão intensa e a sobrecarga emocional acrescenta-se o
excesso de doação.
Sendo um profissional responsável pela saúde das pessoas que se encontram sob seus cuidados,
na maioria das vezes, o enfermeiro se entrega inteiramente ao seu trabalho, fazendo o possível
para não demonstrar seus sentimentos perante os pacientes. Através dessa atitude, de repressão
de seus sentimentos, acabam por sofrer com esgotamento psicológico, o que terá como resultado
a fadiga que poderá trazer acometimentos preocupantes como hipertensão arterial e enxaquecas,
entre outros (BRITTO, 2006).
A respeito de sua saúde, transparece nos relatos algumas contradições pois, embora apontem ter
uma boa saúde, relatam histórico de depressão e cansaço, se tornando notória a relação do
trabalho que se mostra impregnado de prazer e, ao mesmo tempo, sofrimento. Revelam, ainda,
consciência da falta de limites com relação ao trabalho.
Verificou-se que estas profissionais buscam, através de sua doação, o reconhecimento de seu
fazer e desejam de compartilhar e elaborar suas vivências.
A partir disso, pode-se concluir que é de suma importância para o enfermeiro, poder contar com
um lugar onde possa falar sobre suas dificuldades e seu sucesso, beneficiando-se da possibilidade
de discussão com seus pares.
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Dessa forma, faz-se importante salientar a importância de investir em ações de proteção destes
profissionais no próprio ambiente de trabalho, principalmente através da interlocução e
intercompreensão.
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Este trabalho tem como foco um recorte em pesquisa realizada pelo Laboratório de
Psicodinâmica do Trabalho (UFRGS\2009), na Guarda Municipal de Porto Alegre (GMPA),
objetivando a saúde do trabalhador e o reconhecimento no trabalho, a partir da análise de falta de
plano de carreira e suas conseqüências para os gestores da instituição.
No grupo pesquisado, os “chefes”, ao ocuparem esta posição, têm como incumbência garantir a
manutenção e o cumprimento do trabalho prescrito, mas sabem que poderão mudar de papel a
qualquer hora, ao mesmo tempo em que se deparam em suas atividades, juntamente com seus
subordinados, com uma dimensão do trabalho real que se situa no espaço do imprevisível,
sujeitos a enfrentamentos e violência. Além disso, são responsáveis por tarefas administrativas
como controles de escalas, folgas, participação em reuniões, etc.
A metodologia utilizada foi a Psicodinâmica do Trabalho, strictu senso, fazendo em torno de 10
encontros, semanais, onde participavam tanto os guardas municipais, como as chefias destes, e
antigos ocupantes destes cargos. Em várias ocasiões forma feitas referências à falta de plano de
carreira para estas posições, uma vez que se tratam de indicações políticas, e hoje o “estar” chefe
dos GMS, pode significar que amanhã encontrar-se-ão na posição de subordinados de seus
liderados, uma posição incômoda, segundo Müller (2010).
DEJOURS (2008) destaca a importância do papel da chefia direta para poder provocar a sinergia
do grupo e o resultado de qualidade, orquestrando as inovações, engenhosidades e
experimentações do saber fazer. O mesmo autor considera que um fator preponderante para a
obtenção de prazer no trabalho está relacionado ao reconhecimento, que passa necessariamente
pelos julgamentos de beleza e de utilidade, sendo que este último deve estar a cargo da
hierarquia da instituição. A ausência de posições consolidadas pode favorecer a tolerância à
transgressão e às normas, de acordo com Baierle e Merlo (2008). Além disso, ao estudarmos as
relações produzidas nas instituições de segurança pública, necessita-se preponderantemente
incluir os elementos de disciplina e hierarquia que se fazem presentes. Como as posições de
gestores da guarda municipal são temporárias, passageiras e por indicações políticas, como fazer
para dar conta destes elementos fundamentais? (SPODE e MERLO, 2006).
As conclusões a que chegamos indicam a necessidade premente da reorganização da instituição
em relação a planos de carreira, com conseqüente valorização dos ocupantes destes cargos e a
prática do reconhecimento, destes e de seus subordinados
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Em relação à trajetória das mulheres no mundo do trabalho, percebe-se que a partir dos anos 70,
houve uma presença cada vez mais ativa destas no mercado, assumindo posições em diversos
setores. Nos últimos anos no Brasil, esses números têm crescido significativamente. A taxa de
participação feminina, como um todo, entre 1982 e 1997, cresceu 35%, sendo ainda maior esse
crescimento para grupos jovens com maior possibilidade de estudos. A inserção da mulher no
mercado de trabalho acarretou mudanças na sua relação com o mundo, exigindo readaptações em
todas as esferas de sua vida. Ao perceber a relevância e grandiosidades dessa problemática no
século XXI, pretende-se discorrer sobre a qualidade de vida das mulheres que iniciam sua
trajetória profissional e as conseqüências dessa mudança na vida familiar. O presente artigo foca-
se nas relações entre o início da carreira destas trabalhadoras e a construção de seu núcleo
familiar. Pretende-se entender o que se passa na vida delas quando trabalham, casam, tem filhos;
além de refletir sobre como elas se sentem exercendo estes papéis, com o objetivo de
compreender as possíveis repercussões da dupla jornada de trabalho sobre a saúde, esboçando o
grau de qualidade de vida destas mulheres. A partir da análise bibliográfica, foi possível
constatar que a mulher encontra dificuldades ao conciliar a família com a profissão, o que muitas
vezes lhe gera sofrimento, cansaço e estresse. O mundo do trabalho gerou novas necessidades e
novas dificuldades para as mulheres. Elas têm de lidar com suas necessidades, de seus maridos,
filhos, além de ter de enfrentar as referidas desvantagens ainda existentes, advindas de resíduos
de uma sociedade patriarcal. Muitos autores referem o sofrimento das trabalhadoras no que
chamam “dupla jornada”, sobrecarregando-as, muitas vezes, e gerando conflitos tanto no
trabalho quanto com marido e filhos. Além disso, constata-se alta incidência de estresse, gerando
problemas psicológicos e físicos.
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Durante o ano de 2009, foram registrados no INSS cerca de 723,5 mil acidentes do trabalho,
sendo 77,1% pessoas do sexo masculino. Não há dados especificos no INSS que sinalisem
quantos acidentes ocorrem na área elétrica. O que temos de dados indicam o risco de trabalhar na
área eletrica com 3%. O grau máximo de risco que uma tarefa pode ocupar.
A pesquisa busca identificar como esse grupo de trabalhadores usa os mecanismos de defesa no
sentido de evitar os acidentes. O objeto a ser investigado será o prazer no trabalho como uma
estratégia defensiva contra os acidentes de trabalho. Os profissionais pesquisados atuam na área
elétrica de uma empresa de distribuição de energia no Rio Grande do Sul.
A intervenção do pesquisador no campo será trazer luz a articulação possível que os
trabalhadores fazem sobre o próprio trabalho. A pesquisa aborda o trabalho prescrito e o trabalho
real. O pesquisador investiga sobre as estratégias utilizadas pelos trabalhadores para evitar os
riscos de acidentes e se o prazer no trabalho pode ser considerado uma dessas estratégias. A
demanda procede dos relatos dos trabalhadores através de consultoria.
A abordagem teórica é a psicodinâmica do trabalho, esta que indica que a consciência do erro
traz o medo, (Dejours 2010). Ele pode ser mascarado inclusive como piada ou como escárnio em
relação aos riscos. Ainda há a demonstração de coragem frente ao trabalho, de que não se tem
medo do que se faz como um mecanismo de defesa já conhecido segundo Dejours (2010). Mas
como o prazer é articulado e se ele é de fato uma defesa, o trabalho de investigação pretende
responder.
A pesquisa possui abordagem qualitativa e crê-se ampliar a criação de espaços coletivos de
trabalho. Onde seja possível falar a respeito do trabalho e nessa fala os trabalhadores possam
assumir suas estratégias mais saudáveis.
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Este trabalho objetiva estudar a organização do trabalho e sua relação com a saúde mental de
mergulhadores profissionais, que atuam em águas profundas em regime de confinamento,
inseridos na indústria petrolífera offshore, analisando as estratégias de defesa utilizadas por estes
trabalhadores para compreender sua influência na preservação da saúde, sob a ótica da
Psicodinâmica do Trabalho. A pesquisa foi proposta como trabalho de conclusão do Curso de
Especialização em Psicodinâmica do Trabalho, no Laboratório de Psicodinâmica e Clínica do
Trabalho, no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. No âmbito institucional e
social, este estudo pode contribuir para a fundamentação de ações de intervenção na organização
do trabalho para a promoção da saúde dos trabalhadores, bem como contribuir para a produção
de conhecimento em psicodinâmica do trabalho e sobre uma profissão pouco conhecida e
estudada. A atividade dos mergulhadores está inserida na indústria petrolífera offshore, sendo
executada por empresas especializadas em tecnologia submarina, terceirizadas pela Petrobras. Os
mergulhadores trabalham em regime de confinamento e têm seu corpo exposto a ambientes
extremos, de alta pressão, constituindo-se numa profissão de altíssimo risco, considerada pela
OIT como uma das profissões mais perigosas do mundo. Eles ficam 28 dias confinados, sem ver
a luz do sol, em câmaras hiperbáricas, configurando-se uma espécie de confinamento dentro do
confinamento. O interesse desse estudo é conhecer as estratégias de defesa construídas pelos
mergulhadores para responder às prescrições do trabalho sem sucumbir ao sofrimento e ao
adoecimento. Pretende-se descrever a organização do trabalho a qual estão vinculados os
mergulhadores; investigar a oportunidade que os mergulhadores têm para utilização da
inteligência astuciosa e de mobilização subjetiva, no confronto com os riscos de seu trabalho;
bem como investigar as marcas na subjetividade deixadas pela experiência de um sujeito que ora
está fora, ora está dentro do laço social e que tem seu corpo perpassado pelos meios de trabalho,
numa nova configuração da relação corpo e trabalho. Esta pesquisa se insere no campo
qualitativo e se estrutura como um estudo exploratório, pois se pretende conhecer o contexto de
trabalho de mergulhadores que atuam em regime confinado, sem o objetivo de fazer
generalizações a partir dos resultados. Os participantes da pesquisa serão escolhidos
aleatoriamente e sua participação na pesquisa será voluntária. Serão realizadas entrevistas
individuais e análise documental. As entrevistas terão roteiro semi-estruturado, serão gravadas e
transcritas. Para a análise dos dados será utilizado o método de análise de núcleo de sentido
(ANS) proposto por Mendes (2007), uma adaptação da técnica de análise de conteúdo categorial
desenvolvida por Bardin (1977) e o referencial teórico da psicodinâmica do trabalho. São
categorias analíticas da psicodinâmica do trabalho relevantes para este estudo, além das
estratégias de defesa, a inteligência astuciosa no trabalho, mobilização subjetiva e as relações de
cooperação e confiança.
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O objetivo deste trabalho é fazer um estudo sobre como vivem os profissionais da saúde,
principalmente entre aqueles que trabalham em ambientes fechados.
O interesse e a escolha do tema relacionado à qualidade de vida dos profissionais de saúde,
atuantes em ambientes fechados, como objeto de pesquisa, foram resultados de uma reflexão
sobre a saúde desses trabalhadores, na qual desencadeou a disposição para realizar um estudo
mais aprofundado sobre o assunto. Outro fator que motivou na decisão do tema foi em razão de
poucos estudos terem sido realizados com profissionais da saúde atuantes em Centros Cirúrgicos.
Para o desenvolvimento deste trabalho foi usado a metodologia da pesquisa bibliográfica, por
meio do referencial teórico encontrado em diferentes obras.
Os profissionais da saúde que lidam no Centro Cirúrgico possuem características próprias da
profissão, além disso, muitos fatores decorrem da dinâmica organizacional de ambientes
fechados e tudo isso faz com que a qualidade de vida desses profissionais se torne um fator
preocupante.
Foi também mencionado que quem trabalha em ambientes fechados está mais sujeito ao estresse,
em especial os que lidam no Centro Cirúrgico, pois eles convivem diretamente com pacientes
graves, com o isolamento e com a morte.
A rotina repetitiva, o prolongamento da jornada de trabalho, as tarefas externas ,a grande
responsabilidade, a insuficiência de material que inúmeras vezes acontece nesses locais e os
conflitos que ocorrem no ambiente de trabalho acabam suscitando o surgimento de problemas
emocionais entre os profissionais que trabalham em locais isolados.
Outro aspecto destacado foi o de mostrar que atualmente há uma preocupação mundial, tanto
por parte das pessoas como também pelos governantes em investir na qualidade de vida, pois ela
é essencial para todos os trabalhadores e principalmente para aqueles que lidam com a saúde de
outras pessoas.
A qualidade de vida dos colaboradores influi diretamente na execução das metas de uma
organização e para que se obtenham bons resultados é necessário fazer investimentos como, por
exemplo, criar um programa de qualidade de vida onde sejam preparadas palestras, eventos
saudáveis, convênios com academias, confraternizações, atividades de lazer e culturais que
envolvam toda a equipe.
Outro aspecto sugerido foi o de proporcionar momentos de troca entre os membros de vários
setores para que dessa forma o relacionamento interpessoal se fortaleça e as pessoas passem a se
conhecer melhor.
Uma organização que se preocupa com a qualidade de vida de seus colaboradores apresenta uma
atitude humana e dessa forma tornam seus membros mais ajustados e felizes fazendo com que
eles criem laços afetivos e comprometidos com o local onde trabalham.
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O Assédio Moral-AM é tão antigo quanto o próprio trabalho, relação desigual entre assediador e
assediado. Esta humilhação ocorre: verbal, escrita, através de gestos, palavras, de maneira
repetitiva, contribuindo para a degradação do ambiente, comprometendo a saúde física e mental
do assediado. Hoje, discute-se amplamente o AM na relação entre jovens estudantes “Bullying”,
termo inglês, referente valentão, se aproveita dos mais fracos tentando destruí-los. Objetivos:
Identificar conhecimentos dos discentes da academia sobre o AM; Analisar o conhecimento dos
discentes sobre AM; Descrever forma de repasse de conhecimento sobre o AM; Identificar
ocorrência de AM na Academia e Analisar as repercussões do AM na ambiência e na saúde
destes discentes. Método: descritivo-exploratória, abordagem qualitativa, método da dialética.
Realizada em uma academia da região Norte, com 28 discentes concluintes de Enfermagem. Para
a coleta utilizou-se questionário semi-estruturado. Parecer CEP-0050.0.321.000-10(CAAE).
Resultados: Dos 28 discentes pesquisados, 78.57% afirmaram buscar conhecimento fora da
academia, pois não é temática abordada nesta instituição, 45.5% o buscou conhecimento:
eventos, palestras, seminários e oficinas sobre tema, 54.5% nos sites e produções científicas.
Evidenciou-se a ocorrência de AM elevado (67.86%), dos 19 discentes assediados, 53.33%
informaram ocorrência por docentes, 26.67% colegas e 20% funcionários. Esta ocorrência deve-
se a fatores extrínsecos relacionados às práticas em sala de aula: competitividade, inveja,
acúmulo de atividades, jornadas de trabalho longas, uso errôneo da didática, cobranças indevidas
ou excessivas pelos docentes, encaminhamento errôneo sobre AM por desconhecimento podendo
agravar o fenômeno. Como repercussões, surgem fatores negativos na formação profissional,
devido o AM atingir a própria dignidade da pessoa, causando desestruturação na relação familiar
e pessoal, provocando afastamento dos amigos. Conclusão: A pesquisa destaca a academia como
um espaço ideal para discussão e reflexões sobre AM, recomendando a inclusão deste nos
projeto pedagógico, fortalecendo a formação ética e medidas de coibição deste fenômeno na
academia.
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A literatura cita fatores que influenciam para que a pessoa fique estressada, como físicos,
emocionais e sociais. Visto que o trabalho é algo central na vida do ser humano, e que todos
trabalham para manter uma vida social garantindo sua sobrevivência. O estudo da relação do
estresse do motorista de transporte de carga, vinculado a uma organização, os fatores
desencadeantes do adoecimento, e a diferenciação do estresse de outros problemas dentro da
mesma ainda não foram exauridos.
O objetivo do estudo foi verificar se motoristas de transporte de carga tem um nível de estresse
elevado, bem como descrever a organização do trabalho destes. Participaram da pesquisa 20
motoristas de uma transportadora de carga, com idade média de 31,7 anos (desvio padrão =
5,97). Destes a maioria (40,0%) tem ensino médio completo, 25,0% tem três anos de trabalho e
20,0%, 10 anos de trabalho. Para a coleta de dados foi utilizado o Inventário de Sintomas de
Stress (ISSL) ), para verificar os sintomas de estresse e o Inventário de Trabalho e Riscos de
Adoecimento (ITRA), para saber sobre as vivências de prazer e sofrimento no trabalho, bem
como se o adoecimento está relacionado ao trabalho, estabelecendo uma relação comparativa
entre estresse e se o estresse está relacionado ao adoecimento ocupacional.
. Mesmo apresentando nível baixo de estresse percebeu-se que o custo físico do trabalho, danos
físicos tiveram como resultado negativo ou estado grave, precisa-se de uma intervenção rápida,
tendo como adoecimento do profissional. A análise dos resultados de danos físicos evidencia o
desgaste da visão. A este fato, atribui-se a possibilidade de que esteja relacionada às exigências
de produtividade, à sobrecarga de trabalho, horas-extras, viagens noturnas, ausências de períodos
de descanso, enfim, aos aspectos ligados ao fator Organização do Trabalho, anteriormente
avaliado com índices que apontam para um estado de alerta.
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O ASSÉDIO ORGANIZACIONAL:
ESTRATÉGIA DE GESTÃO EMPRESARIAL FUNDADA NA PATOLOGIA DA
SOLIDÃO
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MARCOS BUENO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS-UFG/CAC
KÁTIA BARBOSA MACÊDO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS-PUC GOIÁS
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Neste texto, aborda-se o processo vivencial dos escritores literários enquanto trabalho e o
processo de criação sob o olhar da psicodinâmica do trabalho de Christophe Dejours. O trabalho
está inserido em um projeto de pesquisa denominado “O trabalho dos profissionais de arte,
entretenimento e lazer: uma abordagem psicodinâmica”, coordenado pela professora Kátia
Barbosa Macêdo da PUC-GO. Apresenta como problema da pesquisa: Quais as vivências dos
escritores literários na sua prática de produção literária e que quais estratégias de enfrentamento
eles utilizam? O objetivo do estudo foi analisar o viver e escrever no processo criativo e
estratégias de enfrentamento do escritor literário em relação às vivências de prazer e sofrimento.
Este trabalho teve por focus os escritores literários atuantes na região metropolitana de Goiânia-
GO e interior de Goiás. Trata-se de um estudo de caso de caráter descritivo e exploratório, com
técnicas para levantamento: análise documental e entrevistas semi-estruturadas individuais e
técnica de análise do discurso. A pesquisa contempla duas fases, a primeira de levantamento
documental nos cadernos de literatura brasileira do IMS e a segunda de coleta de dados com o
piloto com presidente da UBE e seis escritores literários filiados a União Brasileira de Escritores-
Secção Goiás. O roteiro aborda as cinco categorias de Dejours: condições de trabalho; relações
de trabalho; vivências de prazer e sofrimento e estratégias defensivas. Os resultados dos achados
iniciais respondem a algumas questões norteadoras da pesquisa, quais sejam: escrever pode ser
prazer ou sofrimento depende dos sentidos do trabalho para o escritor, pela satisfação pessoal em
escrever, em realizar um projeto pessoal, há, no entanto, os escritores profissionais contratados
para produzir sob encomenda e o ato criativo de escrever pode tornar-se um sofrimento podendo
levar ao adoecimento em seu trabalho
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O presente estudo tem como objeto o sentido do trabalho para os trabalhadores de enfermagem
que atuam em centro cirúrgico oncológico. O trabalho, nesse tipo de unidade, exige muito do
profissional em aspectos físicos, emocionais e psicológicos, pois vivem situações complexas e
desgastantes no seu dia-a-dia, devido à natureza, qualidade e demanda do trabalho.. Este estudo
será pautado na abordagem existencialista adotada por Estelle Morim (2001), considerando que
as ações das pessoas “precisam” ter sentido; e que o trabalho exerce influência considerável
sobre a motivação, satisfação e produtividade dos trabalhadores. Os objetivos pretendidos são:
Descrever as características atribuídas ao trabalho, pelos trabalhadores de enfermagem de centro
cirúrgico oncológico; Analisar o sentido do trabalho na percepção desses trabalhadores; e
Discutir as implicações do sentido do trabalho para a saúde do trabalhador. Estudo de natureza
descritiva e exploratória com abordagem qualitativa, cujo cenário será o Centro Cirúrgico de
Unidade Hospitalar de referência em Oncologia, no Rio de Janeiro. Os sujeitos serão os
profissionais de enfermagem (n= 79) compreendendo enfermeiros e técnicos de enfermagem. A
coleta de dados se dará através da entrevista semi-estruturada, e a análise à luz do referencial
teórico com adoção da Análise de Conteúdo de Bardin (2010). Quanto aos aspectos éticos do
estudo, visando assegurar os direitos e deveres da comunidade científica e dos sujeitos da
pesquisa – CNS/nº196/96, o projeto será encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP),
para a devida análise e aprovação. Os sujeitos da pesquisa serão devidamente orientados sobre o
estudo e quanto à sua aquiescência, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido –
TCLE, no qual são explicitados os procedimentos e cuidados éticos.
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O trabalho dos artistas se diferencia de outros trabalhadores porque deve incluir domínio de uma
técnica artística para expressão, possibilidade de emancipação e criatividade, além do empenho
para atuar. Partindo da psicodinâmica do trabalho, esse estudo de caso foi realizado em uma
companhia de teatro profissional da cidade de Goiânia. A psicodinâmica do trabalho trabalha
com quatro categorias principais, que nortearam nossa pesquisa, são elas: organização do
trabalho, que compreende a divisão de tarefas e funções entre os trabalhadores, o modo
operatório prescrito, a divisão de pessoas; condições de trabalho, que compreende o ambiente
físico do trabalho; relações de trabalho, interações entre as pessoas da organização e membros
externos a organização, e mobilização subjetiva do trabalhador para lidar com seu sofrimento
advindo do trabalho. Buscou-se saber como eram as condições, organização e relações de
trabalho no teatro; levantar indicadores de vivências de prazer e sofrimento no trabalho, e
estratégias de enfrentamento ao sofrimento.
O Método sugerido por Dejours e Bèngue (2009), é composto de algumas etapas como: a pré
pesquisa, onde os trabalhadores devem querer participar voluntariamente. A pesquisa
propriamente dita que subdivide em quatro momentos, análise da demanda, análise do material
de pesquisa, observação clínica e interpretação.
Os resultados indicam presença de criatividade como resultado de um processo de sublimação. A
maioria busca outro emprego como forma para complementar sua renda familiar; há acúmulo de
funções como: montagem das peças, os atores atuam como professores, e ainda buscam
patrocínios. As relações de trabalho são consideradas por eles como boas, há consenso nas
tomadas de decisões. Como indicadores de prazer constam os seguintes fatores: trabalhar com
arte e ter a possibilidade de criar, o reconhecimento por parte da equipe, do público, da
sociedade, e há o apoio da família. Como indicadores de sofrimento: o pouco retorno financeiro,
acúmulo de funções, o que faz gerar sobrecarga no trabalho. Como estratégias de enfrentamento,
configuram a racionalização, negação das dificuldades e a união e apoio do grupo como forma de
lidar com o sofrimento advindo do exercício do papel de artista, da instabilidade em relação ao
futuro e ainda do sentimento de ser uma profissão que privilegia pessoas jovens, comprometendo
assim a esperança em um futuro melhor.
A pesquisa esta em construção e já foram realizadas as etapas de demanda, coleta e validação. Os
dados e as reações diante da entrevista devolutiva para validação, indicam a necessidade de
aprofundamento nas situações com a companhia de teatro. Visando criar a possibilidade de
construir um espaço de discussão coletiva relacionado ao trabalho.
No teatro, a organização do trabalho é relativamente livre, pois existe certa autonomia, porém há
mesmo que informalmente regras e normas da empresa, tais como horários de ensaio e
apresentações. As relações de trabalho são mantidas de forma amigável, entre os componentes
do grupo são respeitados pelo fato de uns terem mais experiência que outros. As condições de
trabalho mostram-se satisfatórias, proporcionando aos trabalhadores do teatro segurança e
estabilidade.
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O estudo teve como objeto a saúde mental do enfermeiro que atua no setor de emergência de um
hospital geral público localizado no município do Rio de Janeiro. Através da realidade atual
vivenciada na emergência constata-se que, cresce o número de profissionais enfermeiros
afastados de seu local de trabalho por motivo de doença, principalmente no setor de emergência,
na qual o sofrimento psíquico, implícito ou explicito nas licenças médicas, se torna presente,
sendo pouco investigadas as questões que envolvem e contribuem para essas licenças. Não
podemos esquecer que o desgaste físico e mental envolvido no processo de investimento
profissional do enfermeiro compromete sua vida como um todo, não excluindo a influência na
saúde mental desse trabalhador. Objetivos: Descrever a percepção dos enfermeiros que atuam no
setor de emergência de um hospital geral público, acerca das situações de trabalho que
interferem na sua saúde mental, analisar na percepção do enfermeiro a relação entre o trabalho
no setor de emergência e a saúde mental do profissional e discutir as estratégias utilizadas pelos
enfermeiros frente à sua realidade de trabalho, com vistas à manutenção da saúde mental. Estudo
descritivo. Sujeitos foram vinte enfermeiros plantonistas do setor de emergência. Utilizou-se a
entrevista semi-estruturada. Os discursos dos sujeitos foram analisados pela construção de
categorias através do referencial de Bardin. Essa análise possibilitou a discussão das
contradições existentes nesse contexto de trabalho, relacionadas à saúde mental do trabalhador
de enfermagem. Os resultados permitiram concluir que: A inserção do enfermeiro no setor de
emergência se dá pela necessidade de serviço o que acarreta sentimentos contraditórios nestes
profissionais vinculados em grande parte às situações e condição de trabalho, o que na percepção
deles influência sua saúde mental através do sofrimento exposto na relação trabalhador/trabalho,
sendo assim estratégias defensivas individuais e coletivas, se tornam necessárias para encarar a
realidade de trabalho a que estão submetidos.
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A Santa Casa de Misericórdia de Pelotas (SCMP) foi criada em 20 de junho de 1847, sendo que
possui, inicialmente, aproximadamente 940 funcionários os quais se distribuem em funções de
nível operacional, administrativo e executivo.
Nos últimos anos vem se observando neste hospital um crescimento expressivo do número de
profissionais que se afastavam de suas atividades em função de adoecimentos de ordem física e
também psíquica. A observação empírica desta realidade criou indagações sobre os motivos que
levavam tais sujeitos ao adoecimento e, subseqüente, ao afastamento em suas atividades.
Identificar as causas do absenteísmo no trabalhador da saúde da SCMP, afim de implementar
medidas/ações preventivas a partir dos dados analisados.
Foi realizado um levantamento retrospectivo sobre a incidência de absenteísmo e suas causas, no
período de seis meses, ocorridos entre os trabalhadores de uma instituição hospitalar.
Considerou-se como universo deste estudo os funcionários da Santa Casa de Misericórdia de
Pelotas, no período de 1ª de janeiro à 30 de junho de 2010, perfazendo um total de 940
funcionários.
Os dados foram ordenados através do Programa Microsoft Excel/97. Para análise dos resultado,
foram utilizados métodos descritivos, agrupando-se as respostas em tabelas e gráficos.
Primeiramente, foi realizado uma análise prévia em cima dos dados fornecidos pelo Serviço de
Medicina do Trabalho e, após analisados, foram estudadas medidas de prevenção baseadas na
problemática apresentada.
Constatou-se que, em 255 trabalhadores afastados por doença no período estudado, num total de
181 dias, foram registrados 315 atestados médicos, 46 auxílio-doenças e 71 licenças médicas.
Cabe ressaltar também que, no mesmo período, houve somente um acidente do trabalho.
Quanto ao tempo de serviço dos funcionários afastados, 59% apresentam menos de 9 anos na
instituição.
A categoria profissional dos técnicos/auxiliares de enfermagem apresentaram 101 afastamentos
do trabalho, sendo a categoria com maior número de afastamento em sua atividade no respectivo
hospital.
As doenças relacionadas ao sistema digestivo (17%) foram as mais freqüentes, seguidas das
afecções relacionadas ao sistema ósteomuscular (17%) e o sistema respiratório (14%) como a
terceira doença com maior prevalência.
Destes funcionários afastados, 82% são do sexo feminino e possuem, em média, menos de 9 anos
de serviço. O maior número de licenças femininas pode representar uma resposta deste grupo ao
cansaço e à insatisfação pelas condições de vida e trabalho, em que se torna cada vez mais difícil
a conciliação entre a família e o trabalho, em decorrência da falta de infraestrutura doméstica e,
até mesmo, da divisão de tarefas no lar.
Concluímos que os índices de absenteísmo doença entre os trabalhadores da instituição estudada
apresentam-se elevados, indicando a necessidade de estudos em cada local de trabalho, buscando
detectar problemas causais específicos de cada setor e planejar soluções. Pensa-se também em
montar um grupo focal com tais trabalhadores e se utilizar deste espaço para identificar qual o
significado do trabalho na vida destes trabalhadores e qual a opinião que estes têm quanto às
condições de trabalho e sobre o que leva ao adoecimento.
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