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Encontro de
FENOMENOLOGIAS
do Vale do São Francisco
II Ciclo de Debates sobre Pesquisa
e Fenomenologia
(Organizadores)
REALIZAÇÃO
Concepção da Obra
Preparação /Revisão
Organizadores
ISBN: 978-85-5322-080-9
Apresentação...........................................................................................................p. 5
Informações Gerais................................................................................................. p. 6
Comissão Organizadora...........................................................................................p. 7
Convidados/as......................................................................................................... p. 8
Programação..........................................................................................................p. 11
Mesa de Diálogos - Fenomenologia e Educação: um olhar sobre a infância.............. p. 14
1. Infâncias em contexto de desenvolvimento: uma perspectiva fenomenológica e
fenomenologia e educação...................................................................................p. 14
2. Gestalt-terapia com crianças e o método fenomenológico de intervenção............p. 18
3. Sentido de «Ser-Edupolítico» na escola contemporânea.....................................p. 24
Palestra Mágna - Olhares fenomenológicos sobre o humano.....................................p. 29
Mesa de Diálogos - O olhar da Fenomenologia para a Saúde Mental.........................p. 33
1. Saúde Mental é saúde vivida na coexistência.................................................... p. 33
Mesa de Diálogos - Discutindo a escuta na perspectiva fenomenológica.................... p. 38
1. Escuta(dor): conhece(dor) e cuida(dor) de si e do outro..................................... p. 38
2. Da centralidade da escuta na Psicologia à escuta suspensiva..............................p. 43
5
I nformações Gerais
Período de realização:
30 de maio a 01 de junho de 2019
Local do evento:
Auditório da Biblioteca, UNIVASF - Campus Centro, Petrolina-PE
Realização:
Laboratório de Estudos e Práticas Transdisciplinares em Saúde e Educação (Letrans)
Núcleo de Estudos e Práticas sobre Infâncias e Educação Infantil (NUPIE)
Núcleo de Estudos e Pesquisa em Fenomenologia, Esporte e Educação (NEPFEE)
Instituições Financiadoras:
Universidade Federal do Vale do São Francisco- UNIVASF
Conselho Federal de Psicologia – CFP
Apoio:
Centro de Estudos e Práticas em Psicologia- CEPPSI
Colegiado Acadêmico de Psicologia/ UNIVASF
SE & PQ
Laboratório de Pesquisa e Estudos sobre o Cuidado em Educação e Saúde-
LAPECES/UFPE
Universidade Federal de Pernambuco- UFPE
Universidade de Pernambuco – UPE
Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas de Desenvolvimento do Semiárido-
PPGDiDeS
Laboratório de Fenomenologia e Subjetividade- LabFeno
Tema:
DIMENSÕES AMPLIADAS DA PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA: fazer crítico
e social da prática e da pesquisa
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C omissão Organizadora
Comunicação:
Logística:
7
C onvidados/as
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Marcelo Silva de Souza Ribeiro (UNIVASF)
Pós-doutorando pela UFBA, Departamento de Educação.
Doutorado em Ciências da Educação - Université du Québec à Chicoutimi / Université du
Québec à Montréal.
Professor adjunto do Colegiado de Psicologia e do Mestrado em Psicologia da UNIVASF e
professor programa de Mestrado em Formação Docente da Universidade de Pernambuco –
UPE, Campus Petrolina.
Curriculum lattes: http://lattes.cnpq.br/8566377803271737
9
Léo Barbosa Nepomuceno (UFC)
Pós Doutorando em Saúde Coletiva pela UFC
Doutor em Saúde Coletiva pela UFC
Professor Adjunto do Instituto de Educação Física e Esportes da UFC
Curriculum lattes: http://lattes.cnpq.br/0130874944686138
Sílvio Guimarães
Psicanalista clínico
Membro da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS).
Membro da International Association for Suicide Prevention (IASP).
Membro do grupo Suicidologia no Vale.
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P rogramação
30 de maio de 2019, quinta- feira
Manhã
07:30h às 08:30h: Credenciamento.
08:30h às 09:00h: Mesa de abertura - com autoridades.
09:00h às 10:30h: Mesa de Diálogo(s) 1: Fenomenologia e Educação: Um olhar sobre a infância.
Palestrantes: Prof. Dr. Marcelo Ribeiro, Me. Melina Pereira e Me. Clara Maria Miranda de Sousa.
Mediadora: Mestranda Maria Theodora Gazzi Mendes.
10:30h às 10:45h - Intervalo
10:45h às 12:15h: Mesa de Diálogo(s) 2: Formação em Psicologia e Atuação em Instituições
Públicas.
Palestrantes: Prof. Dr. Darlindo Ferreira de Lima.
Fenomenologia e pesquisa na formação em psicologia: Profa. Dra. Carmem Barreto e Profa. Dra.
Bárbara Cabral.
Mediador: Prof. Dr. Alexandre Barreto.
Tarde
12:15h às 14h: intervalo para almoço.
14:00 às 16:00h: Mesa de Diálogo(s) 3: Corpo e Movimento: compreensões fenomenológicas.
Palestrantes: Prof. Dr. Leo Nepomuceno, Prof. Dr. Marcelo de Maio e Prof. Dr. João José Borges.
Mediadora: Profa. Dra. Erika Epiphanio.
16:00h às 16:30h: Café com prosa (Intervalo com lanche, atividade musical ou cultural)
16:30h às 18h: Mesa de Diálogo(s) 4: O olhar da Fenomenologia para a saúde mental.
Palestrantes: Profa. Dra. Sílvia Morais, Suely Emília, e Profa. Dra. Vera Cury.
Mediadora: Profa. Dra. Bárbara Cabral.
Noite
18h às 19h: Palestra Magna "Olhares Fenomenológicos sobre o humano".
Profº. Drº. Mauro Amatuzzi
19h às 21h: Atividade cultural, lançamento de livros, momentos de vendas e autógrafo com os
autores.
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31 de maio de 2019, sexta-feira
Manhã
08:30h às 10:00h: Mesa de Diálogo(s) 5: A construção do conhecimento pela Fenomenologia.
Palestrantes: Prof. Dr. Adriano Holanda
O conhecimento como construção compartilhada de sentido: Profa. Dra. Shirley Macêdo e Profa. Dra.
Ana Santana.
Mediadora: Profa. Dra. Luciana Duccini.
10:00h às 10:15h - Intervalo
10:15h às 12:00h: Mesa de Diálogo(s) 6: Discutindo a escuta na perspectiva fenomenológica.
Palestrantes: Prof. Dr. Mauro Amatuzzi, Prof. Dr. Cristiano Roque.
A escuta como processo de subjetivar-se psicólogo: Profa. Dra. Shirley Macedo
Mediadora: Profa. Dra Erika Hofling Epiphanio
Tarde
12h às 14h: Intervalo para almoço.
14h às 15:30h: Dialog(ações): Apresentação de trabalhos.
15:30h às 16:00h: Café com prosa (Intervalo com lanche, atividade musical ou cultural).
16h às 17:30h: Ateliês Reflexivos
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1º de junho de 2019, sábado
Manhã
08:00h às 10:00h: Mesa de Diálogo(s) 7: Gestalt-terapia e sua aplicação em diversos contextos:
educação, clínica e esporte.
Palestrantes: Me. Melina Pereira, Prof. Dr. Marcelo Ribeiro e psicóloga Marta Magalhães (CBF).
Mediadora: Profa. Dra. Erika Epiphanio.
10h às 12h: Mesa filosófica e Mesa clínica.
>> Encerramento e atividade cultural.
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Encontro de TEMA
FENOMENOLOGIAS Dimensões ampliadas da Psicologia Fenomenológica: 30 de Maio a 01 de Junho de 2019
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e Fenomenologia
Mesa de Diálogo(s) 1
FENOMENOLOGIA E EDUCAÇÃO: UM OLHAR SOBRE A INFÂNCIA
À GUISA DE APRESENTAÇÃO
Este resumo visa estabelecer uma síntese de dois momentos do Encontro e que
abordam as temáticas “Infâncias em contexto de desenvolvimento (numa perspectiva
fenomenológica)” e “Fenomenologia e Educação”. Embora sejam temas que demandam
gravidades próprias, as pontes entre eles são variadas e profícuas.
Antes, contudo, de apresentar as linhas gerais sobre essas duas temáticas, considero
importante deter um pouco sobre essa ideia de “ponte”, inclusive para situar melhor meu
posicionamento no campo da fenomenologia. Daí, sinto-me puxado a falar, mesmo que
brevemente, sobre minha itinerância formativa. Assim, quando ainda estudante de graduação,
iniciei grupos de estudos e, posteriormente, formação na Abordagem Centrada na Pessoa
(ACP), também conhecida como abordagem rogeriana, e na Gestalt-Terapia (GT). Não
poderia deixar de citar aqui algumas pessoas que foram (e são) marcantes no meu processo
formativo, como Lenise Cajueiro, Afonso Henrique Lisboa da Fonseca e Lika Queiroz.
Dessas duas abordagens tive algumas importantes aprendizagens, existenciais diria, que foram
as descobertas que: não precisamos “ser isso e aquilo”, mas muitas vezes podemos ser “isso e
aquilo”; as próprias ACP e GT se constituíram via a tecelagem de múltiplas fontes; a
experiência, enquanto vivência de consciência, é matriz da existencialidade; e o diálogo, ou
melhor, a relação dialógica, é desdobradora de alteridades.
Essas aprendizagens profundas tinham (e tem) reverberações na minha história de vida
como um todo à medida que uma parte da minha infância e adolescência foi marcada por
variadas influências, inclusive díspares e mesmo contraditórias. Além disso, as agruras
vividas colaboraram para um entendimento da vida como extraordinários encontros com o
outro.
De alguma forma essas “marcas”, sejam relativas ao meu desenvolvimento
profissional ou as minhas histórias de vida (ambas se entrelaçam, de modo que a distinção
feita aqui é mero recurso didático) ganharam ressonâncias nas duas temáticas, a infância e a
educação. Sobre a primeira, vejo-me eternamente infantil por acreditar (um acreditar mais
vivencial que intelectual) na extraordinária capacidade da criança viver o momento presente e
tomar isso como fonte peculiar de sabedoria. Quanto a educação, parece que foi muito mais
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pelos encantos dos processos formativos, das utopias que cercam essa área e o engajamento
sempre presente nas ações emancipatórias que visam as superações de exclusões (sobre isso
tenho tensionada diálogos entre as perspectivas fenomenológicas e histórico cultural).
Uma vez situada a ideia de “ponte” e o quanto isso tem a ver, inclusive, com o meu
modo de me posicionar em relação a fenomenologia (embora tenha plena consciência do lugar
incomum que ocupo, sobretudo na universidade), proponho tocar alguns pontos relativos a
questão das “Infâncias em contexto de desenvolvimento: uma perspectiva fenomenológica” e
depois a “Fenomenologia e Educação”. Em seguida, apreenderei alguns outros pontos
comuns, as chamadas “pontes”.
Tradicionalmente, a criança tem sido tratada como em ser em vias de ser, ou melhor,
tem sido abordada como um ser que ainda não o é (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2008). Isto,
inclusive, tem sido a retórica de uma boa parte da Psicologia. Talvez uma das primeiras coisas
a considerar é ter a criança como um ser de valor em si. A criança não está em um estágio do
desenvolvimento inferior, ela está numa condição diferente e é justamente essa diferença que
precisa ser considerada. Isso, me parece, a fenomenologia vem a contribuir.
A partir daí, de considerar o valor em si da criança, vem a questão de pensar os
processos cognitivos, por exemplo, atenção, memória e percepção como portando
particularidades e não como processos inferiores aos do adulto. Sobre isso há o interessante
trabalho de Virgínia Kastrup (1999; 2000), que poderia ser até considerado como uma
Psicologia Cognitiva Fenomenológica, na esteira da velha Escola da Gestalt, justamente
porque se propõe a compreender esses processos a partir da perspectiva ou do jeito irredutível
da criança ser no mundo.
Por sua vez, isso abre para uma série de possibilidades no pensar os processos
metodológicos e desenvolver pesquisas tendo a criança como foco no que diz respeito a sua
forma de ver o mundo, mas também de ouvir o que as crianças sabem e têm a dizer
(CORSARO, 2011; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2008).
Por fim, e de modo mais específico sobre os contextos de desenvolvimento, os
trabalhos de Bronfenbrenner (1996) tem possibilitado inspirações. Apesar de não ser um
pesquisador que trabalhe numa perspectiva eminentemente fenomenológica, há indeléveis
contribuições dessa abordagem em seus trabalhos. Um ponto alto é a importância que
Bronfenbrenner vai dar às relações face a face e ao modo como as crianças vão viver a
experiência dos contextos de desenvolvimento. Novamente aí encontra-se a valorização da
perspectiva da criança, considerando o que é importante ou não para ela e o que ela é, ao
reproduzir a realidade, capaz de interpretar, como diria Corsaro (2011).
Em suma, esses pontos aqui elencados tem inspirado os trabalhos que desenvolvemos no
âmbito do Núcleo de Estudos e Práticas sobre Infâncias e Educação Infantil (NUPIE), uma
vez que valorizamos a perspectiva da criança no que diz respeito às suas experiências e
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FENOMENOLOGIA E EDUCAÇÃO
Essa relação entre fenomenologia e educação é uma outra ponta que tem sido bastante
cara para mim, sobretudo no que concerne as relações que envolvem professores e estudantes,
os processos formativos e aquilo que estamos chamando de Metodologia Viva (MT). A
fenomenologia tem sido um importante baluarte para um tipo de educação que defende a
formação do ser e integral.
Rogers (1985; 2001), sem dúvidas, traz legados explícitos sobre esse diálogo entre
educação e a fenomenologia, principalmente quando pensa nas condições facilitadoras para os
processos de ensino e aprendizagem, e mesmo das aprendizagens significativas. É claro que
Rogers não reduzia os processos educativos à aprendizagem, crítica feita por alguns teóricos
da educação (BIESTA, 2017). De modo geral é possível dizer que esse encontro entre
fenomenologia e educação é clássico porque tem a ver com a própria busca do ser, do que se é
e do estar sendo (GALEFFI, 2001). Assim, é possível dizer que desse encontro há
potencializações das experiências como fundamentais para os processos formativos, de modo
que se exige sensibilidade para com as relações interpessoais e a maneira de se estar na
relação com um outro. Uma palavra cara é o diálogo e isso remete a outra fonte importante
para pensar esse encontro, que é a relação dialógica compreendida por Buber (1982; 2001).
Curiosamente há uma boa interlocução da fenomenologia com o pensamento de Paulo Freire
(1997; 1998) e, de modo particular, com a filosofia dialógica do Buber. Então não é por
menos que Paulo Freire fale tanto de uma educação dialógica.
Sobre o sentido de Metodologia Viva (RIBEIRO, 2018a; 2018b) é possível dizer, en
passant, que é um posicionamento de valorização do processo formativo, do encontro
dialógico entre professor e estudante e das experiências como principiadoras dos
desdobramentos educativos. A MV não é um acento no método, na técnica, mas entende o
método como um meio que deve ser vivido, tal como aquela ideia do caminho que se faz ao
caminhar.
Um desdobramento, diria até prático, sobre a MT, tem sido nossos trabalhos sobre a
questão do autocuidado e docência (SOUSA; RIBEIRO; SANTOS, 2018), tendo
repercussões, sobretudo, na formação docente da educação infantil, onde a questão do cuidar
(além do educar) é um pilar essencial. Eis aqui uma “ponte” que une as duas temáticas
anunciadas no início deste resumo. O “cuidar”, ou melhor, o modo que a qualidade das
relações envolvendo educador-educador, educador-educando e educando-educando é também
da dimensão do cuidado e tem repercussões profundas, mas de modo especial na educação
infantil.
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REFERÊNCIAS
BIESTA, Gert. Para além da aprendizagem. Educação democrática para um futuro humano.
Belo Horizonte, Autêntica, 2017.
CORSARO, William. A. Sociologia na Infância. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Artmed,
2011.
RIBEIRO, Marcelo Silva de Souza. Metodologia viva e escola como espaço de vida: políticas
de sentido e significado. In: IX Colóquio Internacional de Filosofia e Educação na UERJ,
2018, Rio de Janeiro. IX Colóquio Internacional de Filosofia e Educação, 2018b. V. 1.
ROGERS, Carl R. Liberdade de aprender em nossa década. Porto Alegre: Artes Médicas,
1985.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo apresentar a prática clínica da gestalt-terapia com
crianças. A partir de perspectivas epistemológicas de Fenomenologia, Existencialismo,
Humanismo, e influências como Psicologia da Gestalt, Teoria de Campo e Holismo, é
possível costurar e integrar a perspectiva da terapia gestáltica. Nessa abordagem, intenta-se
construir uma relação terapêutica que permita ao cliente viver sua experiência pessoal no
aqui-e-agora, considerando que a forma como percebe o mundo é carregada de subjetividade e
apenas encontra sentido no seu próprio existir. Na relação terapeuta-cliente, uma
intersubjetividade será continuamente construída. A partir de uma vivência relacional que se
constrói a cada momento e não pode ser predeterminada, a Gestalt-terapia tem como objetivo
facilitar o contato do cliente com ele mesmo. (RODRIGUES, 2000).
No contexto da psicoterapia, durante a vivência do cliente, o gestalt-terapeuta tem o
papel de acompanhá-lo em sua experiência individual, respeitando escolhas e sentidos
realçados por aquele. A partir da experimentação do mundo que é conhecido pelo próprio
cliente, aos poucos é possível expandir as fronteiras da consciência, ampliando o campo
perceptual. Nesse processo, a abordagem gestáltica defende a possibilidade de chegar ao que
antes era inacessível, imperceptível para o cliente.
Para tal, é importante iniciar de onde se está, percebendo o momento presente.
Awareness, termo sem tradução específica para o português, pode significar uma forma de
experienciar, dar-se conta. É o processo de estar em contato vigilante com o evento mais
importante do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensoriomotor, emocional,
cognitivo e energético. “a awareness é sempre acompanhada de formação de gestalt […] a
awareness é, em si, a integração de um problema” (YONTEF, 1998, p. 215). Envolve não só
o entendimento intelectual, mas todo o ser organismicamente – corpo e mente de maneira
holística – no intuito de atualizar e perceber o campo experiencial, além de compreender o
que faz o sujeito não estar awareness, consciente de si e do seu ambiente.
Jacobs (1997) defende que a ênfase da Gestalt-terapia na awareness é possível a partir
de uma relação de aceitação, possibilitando um ‘voltar-se para’ o corpo inteiro. A autora
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organismo na medida em que desobstrui os canais para evitar tanto o excesso quanto a
escassez dos sentimentos, como expõem os autores acima referidos. Pelo princípio Figura-
Fundo da Psicologia da Gestalt, interpretado por Perls para uma abordagem clínica do
fenômeno, o indivíduo hierarquiza suas necessidades de forma a atender aquelas mais
emergentes no aqui-agora. (ARAUJO, 2007). A necessidade dominante é ressaltada pelo
indivíduo como uma figura diante de todas as necessidades presentes no campo. Sendo assim,
busca-se um funcionamento saudável, “aquele que flui criativamente de uma formação figural
à outra, enquanto funcionamento não saudável é caracterizado por entraves e cristalizações,
que impedem a fluidez do processo de contato criador consigo mesmo, os outros e o mundo”.
(D´ACRI; LIMA; ORGLER, 2007, p. 123).
Na visão da Gestalt-terapia, assim como o ser humano é autorregulado e deve ser visto
em sua totalidade, a família também. Os membros dela se influenciam mutuamente e não é
possível considerar uma modificação em uma das partes sem que se altere também o todo. Na
busca pelo equilíbrio do sistema, pode-se fazer necessário o uso de ajustamentos criativos, o
que pode caracterizar um ou mais membros como bode expiatório na família. A criança ou
qualquer outro membro pode ‘adoecer’, desenvolver um sintoma, para manter em
funcionamento a dinâmica familiar. Assim, “A doença é resultante de um distúrbio em um
dado campo, que provoca uma ruptura na unidade harmoniosa criança-outro-ambiente”
(ANTONY, 2012, p. 33).
A partir do ano de 1980, Vilolet Oaklander iniciou maiores registros sobre a prática
clínica com crianças e a partir da junção disto com a herança de Perls e colaboradores iniciou-
se a formação do olhar da Gestalt-terapia sobre a criança e as peculiaridades necessárias para
seu atendimento clínico.
Mais tarde, Antony (2012, p.25) ressalta que “a criança é um todo, mas também uma
parte que pertence ao todo – a família – que está inserida em um outro todo – a sociedade,
escola – compondo uma rede de conexões interminável”. Segundo ela, só se pode
compreender a criança dentro de campo, naquele momento e na sua época de vida. Assim, é
preciso procurar entender quais são e como são os ambientes e as relações daquela criança
para que assim, e só assim se possa compreender o seu funcionamento, interação e
comunicação.
Na busca por compreender o contexto familiar, o gestalt-terapeuta traz como
questionamentos o lugar ocupado na dinâmica e a função desempenhada por cada integrante
do grupo. É importante compreender como a família se configura a fim de facilitar essa
compreensão para os próprios membros, contribuindo para que eles resolvam o conflito entre,
por um lado, conseguir diferenciação e, por outro, coesão entre os membros. Em outras
palavras, buscar a compreensão da família sobre estar em algum dos seguintes pólos:
confluência – onde não há espaço para a singularidade e a fronteira entre os membros é pouco
perceptível – ou se, no outro extremo, os elementos são isolados sem dar/receber apoio
mútuo.
Como ressalta Aguiar (2015), é preciso estar atento para não intervir no sintoma sem
que a família tenha suporte para se sustentar com a modificação dele, pois se ela a utiliza
mesmo que gerando sofrimento para seus membros, é porque se faz necessário naquele
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momento. Desta forma, importante é buscar junto à família, através de sessões conjuntas ou
momentos de orientação com os pais, novas possibilidades de ajustamentos criativos.
A criança – na maior parte das vezes, a figura, o elemento que se destaca no fundo –
chega ao contexto clínico porque algo está incomodando, geralmente por queixa familiar,
embora por algumas vezes o encaminhamento seja feito pela escola ou ainda por outros
espaços de convivência. Conforme ressalta Aguiar (2015), torna-se fundamental tentar
compreender o que nos é solicitado, pois é comum que o pedido seja referente a um aspecto
específico do contexto com a pretensão de que este seja transformado sem que isso altere a
dinâmica familiar. Um exemplo claro é quando se solicita que o espaço terapêutico possibilite
a não reprovação de uma criança ao fim do ano escolar, sem que os membros se envolvam em
outras questões.
Muitas vezes, a solicitação é em função de uma satisfação dos pais, amenizando o
incômodo deles e não necessariamente em relação ao que é saudável para a criança. Não se
pode assumir como objetivo terapêutico situações como esta e a família tem, então, o direito
de conhecer quais as possibilidades e limitações do processo psicoterápico de forma a decidir
se dará continuidade, responsabilizando-se pelo processo.
Outro aspecto bastante presente no atendimento clínico infantil é a instituição escolar.
Esta também desempenha um papel autorregulador importante no desenvolvimento infantil e
pode estar diretamente relacionada com ajustamentos criativos desenvolvidos pela criança.
Por isso, é comum também em atendimento infantil haver algumas visitas à escola. Listados
por Aguiar (2015), os propósitos delas seriam: 1) informar-se sobre a criança e seu
comportamento de maneira ampla no espaço escolar; 2) observar se existem determinadas
práticas na escola que podem estar contribuindo para a perpetuação de algum comportamento
pouco satisfatório da criança; e 3) orientações e intervenções específicas com profissionais do
contexto que tenham influência direta com a criança. Sendo assim, diante de uma criança que
está imersa em um campo fenomenológico, será fundamental envolver os contextos para
melhor compreensão da dinâmica psíquica daquela criança.
Percebe-se que toda a compreensão aqui traçada sobre a criança não poderia ser
realizada sem a compreensão bem relacionada com a epistemologia e os conceitos
fundamentais da abordagem. Sendo assim, torna-se imprescindível utilizar como método de
trabalho uma perspectiva alinhada à epistemologia da abordagem: o método fenomenológico.
Este se utiliza da intervenção descritiva em forma de afirmações ou perguntas para promover
a awareness do cliente, opondo-se à linguagem interpretativa ou prescritiva. Sendo assim, ao
acompanhar a criança, o psicoterapeuta gestáltico atuará descrevendo o que ela faz, o que
aparece como fenômeno, podendo por vezes propor experimentos com o objetivo de ampliar a
awareness, ajudando-a a elaborar e identificar ou integrar aspectos de si e do mundo. Vale
ressaltar que a criança continua sendo o centro da terapia e as intervenções devem ocorrer no
aqui-e-agora da sessão, não sendo planejadas previamente. Os experimentos podem então
ajudar a criança a descobrir algo sobre si mesma ou sobre o mundo que até então estavam
interrompidas; são convites para que a criança descreva sua experiência no aqui-e-agora. Em
se tratando do público infantil, a linguagem lúdica é predominante durante as intervenções.
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REFERÊNCIAS
ARAUJO, Maria Gercileni Campos de. Figura e fundo. In: D´ACRI, Gladys; LIMA, Patrícia;
ORGLER; Sheila. Dicionário de Gestalt-terapia: Gestaltês. São Paulo: Summus, 2007. p.
112-114.
GINGER, Serge; GINGER, Anne. Gestalt: uma terapia de contato. Trad. Sonia de Souza
Rangel. 4. ed. São Paulo: Summus, 1995.
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YONTEF, Gary M. Processo, diálogo e awareness. Trad. Eli Stern. 2. ed. São Paulo:
Summus, 1998.
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Em minha trajetória de vida, fui fortemente marcada pelo que a educação pública pode
me proporcionar. Posso até dizer que ela me transformou. E me dá tantos motivos para lutar
com que seja de qualidade, levando esperança a tantos outros. A escola tem sentido de existir,
existindo ela traz novas expressões para ultrapassar as dificuldades sociais.
Sou a primeira da família a conseguir concluir o ensino superior. Começo sinalizando
esse aspecto, porque talvez tenham muitos que compartilham dessa mesma experiência. Ao
longo de toda a minha jornada estudantil entre ensino fundamental, ensino médio, primeira
graduação, mestrado e agora segunda graduação ocupei o público. Depois como profissional,
sempre lutei por estar nos espaços públicos. Porque acredito na força desses lugares
transformarem vidas, assim como a minha.
Experimentei na pele a experiência dos momentos em que a escola tanto me lançou para
o mundo, quanto com alguns profissionais ao olharem para as salas lotadas diziam que dali não
sairia ninguém que alcançasse ao tão sonhado terceiro grau. Isso porque na cidade interiorana
do Ceará onde eu morava adentrar uma universidade requeria tanto mudanças para outras
cidades, quanto recursos financeiros e disposição para estudar além do que a sala de aula
oferecia.
Assim, o lugar privilegiado na escola para mim, eram as aulas de história, em que a
professora levava ao pensamento crítico e político diante da realidade vigente da época. E boa
parte de algumas aulas, me refugiava na biblioteca da escola, já que a internet era para poucos.
Minha posição então diante da realidade da educação perpassa pela própria experiência de ser
e fazer transformação na educação pública.
O que é que tudo isso tem haver com fenomenologia e educação? Tem muito haver,
porque falo de vida, de realidade e de experiência. Trago, pois Bondía (2017) quando diz que a
experiência se mostra como o que tem sentido ao que somos e que nos acontece. Por isso, o
fenomenólogo educacional está permanentemente percebendo o que se passa em si, o que
permanece e o que mobilizou. A experiência nos indica outras possibilidades de transformação
seja de si ou do espaço em que está. Sendo que tal transformação não acontece sozinha, ela se
dá conjuntamente com os outros (FREIRE, 2015).
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É a hora...
Um dia me disseram que nada podíamos fazer para mudar a sociedade.
Mas eu teimosamente desacreditei nesta crença.
E fui encontrando outros que junto a mim acreditam
Que tudo é possível.
Com a força da luta,
De mãos dadas,
Na intensidade de dialogar
E construir novos caminhos.
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REFERÊNCIAS
BONDÍA, Jorge Larossa. Tremores: escritos sobre a experiência. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2017.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 51. ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2015.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. 15 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
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Palestra Mágna
Na época de meu doutorado, nós, alunos, nos perguntávamos muito, sem conseguir
uma resposta satisfatória, o que era a Filosofia da Educação. Quero refletir rapidamente sobre
isso para depois examinar a questão da Fenomenologia aplicada à Psicologia, principalmente
em seu enfoque clínico.
Filosofia da Educação é um modo de se pensar educação que facilite o exercício dessa
atividade. Temos aí alguns componentes: modo de pensar, atividade de educar, facilitação de
processos.
Quando penso educação posso fazer isso visando, por exemplo, a simples
incorporação de conteúdos por parte dos aprendizes. O problema então seria: Como devo
conduzir a relação educativa para que esses conteúdos sejam assimilados o mais rapidamente
possível, e sem modificações? O modo de pensar que responde a esse problema prático, ainda
não é Filosofia. Não leva em conta o contexto e nem traz uma visão crítica dessa visão de
educação. Também não se pergunta quais as consequências disso para a sociedade e para o
desenvolvimento humano pessoal. Para que fosse Filosofia, seria necessário que não estivesse
tão imediatamente preocupado com a eficácia, mas antes questionasse os objetivos implícitos
na proposta; seria necessário também que considerasse com maior recuo o contexto em que se
insere a atividade educativa nos seus vários graus de abrangência. Filosofar a educação é um
pensar que vai às raízes dessa atividade, para poder melhor enxergar suas implicações, e
assim poder lidar melhor com ela. Filosofar é um modo de se afastar para enxergar melhor e
de forma contextualizada.
Fenomenologia é um modo filosófico de pensar. Num primeiro momento esse modo
se caracteriza por levar em conta as subjetividades envolvidas. Ao contrário da ciência, a
Fenomenologia não lida com fatos, mas sim com acontecimentos. Os fatos são considerados
na abstração do “em si”. O acontecimento é considerado na concretude de seu impacto sobre
os sujeitos. Isso quer dizer que a Fenomenologia trabalha com significados. O significado
reúne sujeito e objeto num todo. O acontecimento é o fato inseparavelmente unido ao
significado que ele tem para um ou mais sujeitos. A Fenomenologia lida não com o universo
em si, mas com o que ele significa, nos seus diversos níveis de impacto sobre o ser humano.
Uma Geologia fenomenológica estudaria as diversas rochas naquilo que cada uma delas “diz”
ao ser humano que com elas lida. Uma Zoologia fenomenológica marítima estudaria cada
espécie de peixe a partir da experiência dos pescadores. Em suma, a Fenomenologia pensa a
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experiência humana, e é através disso que constrói um mundo. Ela é um modo de se afastar do
objeto a tal ponto que inclua o próprio pensador no que ela está considerando.
Cada coisa que se destaca de um fundo tem um significado para nós, aparece, chama a
atenção. Perguntar que significado é esse equivale a perguntar que sentido tem essa coisa. O
sentido não é a causa, não é o “de onde veio”. É o “para onde vai”; é o “o que essa coisa me
diz”. Os acontecimentos “falam”, repetia Martin Buber. Os fatos têm causa, mas eles são
mudos. São mudos porque foram calados por nossa abstração que tirou deles um pedaço.
A pergunta pelo sentido emerge dentro de nós com naturalidade. A ausência de
sentido é muitas vezes sentida como um sofrimento atroz. “Por que continuo a fazer isso se
não me faz mais sentido?”. Muitas vezes sentimos que o sentido não existe objetivamente
falando. Ele precisa ser inventado subjetivamente. Temos necessidade de um sentido. Então
inventamos um. Mas outras vezes o sentido inventado não nos satisfaz. Nesses momentos
sentimos que o sentido precisa ser descoberto. Toda e qualquer invenção, no lugar da
descoberta, nos frustra. Precisamos de um sentido descoberto. Ou ele está lá, ou é uma
mentira. Este é o sentido fenomenológico. Estamos aqui diante de um tipo original de
objetividade.
Uma vez colocada e vivenciada a questão do sentido fenomenológico, ela se alarga.
Passamos dos sentidos particulares para os sentidos mais gerais. Passamos do sentido de uma
aula, para o sentido de uma disciplina no curriculum, depois para o sentido de se trabalhar
como docente-pesquisador, depois para o sentido de Universidade numa sociedade.
Alargando sempre mais, vamos bater no sentido de vida e no sentido que faz o mundo.
Primeiro, de minha vida, depois da vida no planeta, até chegar no sentido do planeta e até do
universo.
Seria isso um beco sem saída? A pergunta pelos sentidos mais gerais não tem resposta
científica, simplesmente porque a ciência lida com fatos e não com acontecimentos. Mas a
pergunta em si não para de gritar dentro de nós, principalmente quando estamos diante de
acontecimentos trágicos que nos falam pessoalmente. Qual o sentido da pergunta persistir se
ela não tem resposta? Que vazio é esse? Esse vazio pode ser investigado, apalpado, “medido”
fenomenologicamente falando. Ou pode ser ativamente ignorado, e a pergunta que o suporta,
calada. Mas isso provavelmente terá um preço psicológico (Viktor Frankl).
Sentir o vazio de sentido gera uma busca existencial de preenchimento. Mas quando
não sabemos de que é esse vazio, e o sentimos simplesmente como nosso inexorável vazio
sem possibilidade de preenchimento, então ele pode gerar o desespero.
Que nome poderíamos dar a esse lugar que em nós é preenchido por esse vazio prenhe
de uma busca? Na linguagem mística, esse lugar era chamado de alma (Dicionário de
Mística). E seu despertar vem a ser a experiência de tornar-se humano. Essa “hominização”
pessoal, que acontece durante a vida de muitos de nós, é apenas o reflexo de outra
hominização que ocorreu há milhões de anos: a hominização da espécie (Teilhard de
Chardin).
Esses dois passos iniciais do “tornar-se pessoa” (Carl Rogers), o despertar e a busca,
foram descritos na tradição mística desde há muito tempo, muito antes de existir Psicologia
como ciência independente.
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AMATUZZI, Mauro Martins. Por uma Psicologia Humana. 4ª ed. Alínea: Campinas, SP,
2014.
AMATUZZI, Mauro Martins. O resgate da Fala Autêntica. 2ª ed. rev. e ampliada. Alínea:
Campinas, SP, 2016.
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TEILHARD CHARDIN, Pierre. O fenômeno humano. Cultrix: São Paulo, SP, 1955.
ROGERS, Carl R. Tornar-se pessoa. Martins Fontes: São Paulo, SP, 2009.
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O OLHAR DA FENOMENOLOGIA PARA A SAÚDE MENTAL
Inquietações Iniciais:
A partir de uma releitura dos meus diários de bordo, passo a refletir acerca da saúde
mental. Começo me apropriando que são nos espaços coletivamente habitados,
compreendidos como “[...] um contexto no qual os habitantes/clientes vivem e
convivem cotidianamente, sendo corresponsáveis pelo espaço que habita com-outros –
um espaço marcado por um pertencer coletivo, no qual se compartilha a experiência de
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Referências:
BASAGLIA, Franco. A psiquiatria alternativa: contra o pessimismo da razão, o
otimismo da prática – Conferências no Brasil. 2. ed. São Paulo: ed Brasil em
Debates, 1979.
LORAUX, Nicole A Tragédia Grega. In: NOVAES, Adauto. (org.). Ética. (pp. 17-34).
São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura, 1992.
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DISCUTINDO A ESCUTA NA PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA
INTRODUÇÃO
Esse texto visa uma exposição de pensamentos, sentimentos, ações e modos de estar
junto com estudantes universitários produzindo sentido e conhecimentos sobre a o processo de
formação do Psicólogo como escuta(dor) e cuida(dor) de si e do outro. É um texto que busca
integrar duas temáticas gerais das mesas das quais participo no Encontro de Fenomenologias
do Vale do São Francisco, quais sejam: “Discutindo a escuta na perspectiva fenomenológica”
e “A construção do conhecimento pela fenomenologia”.
Nos últimos quase 20 anos, tenho me ocupado da tentativa de praticar a escuta como
profissional de Psicologia, em grupos de supervisão de estágio, em contexto de oficinas com
estudantes de Psicologia e/ou na produção de conhecimento a partir da experiência como
orientadora de Iniciação Científica e de projetos de extensão cujo mote é a ajuda na caminhada
de tornar-se psicólogo, sempre pautada na disponibilidade para o ecoar da Escuta, que considero
um dispositivo essencial ao fazer psicológico.
Parto do princípio de que a escuta clínica na prática psicológica não se caracteriza como
uma escuta comum, mas como um ouvir diferenciado que pode levar a novas produções de
sentido, pois quem escuta e quem fala se abrem à experiência alteritária e produzem novos
significados que favorecem novos modos de sentir, pensar e agir (DOURADO; MACÊDO;
LIMA, 2016; MACÊDO; SOUZA; LIMA, 2018).
Nesse sentido, minha participação nas referidas mesas está sendo guiada pela
experiência de (co)labor(ação) na formação graduada de estudantes de Psicologia, na qual tento,
com o meu trabalho, facilitar processos para que os mesmos consigam ser escuta(dores) e
conhece(dores) de si para enveredarem pelo caminho de abrirem-se à disponibilidade de se
tornarem escuta(dores) e conhece(dores) do outro no percurso profissional como cuida(dores)
de quem lhes demanda ajuda.
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Quando li, há muitos anos atrás, e ainda bem depois de suas publicações, as obras de
Mauro Amatuzzi, sobre o resgate da fala autêntica (1989) e o que seria realmente ouvir
(1990), compreendi o que tanto já tinha escutado falar sobre que o fazer do psicólogo precisa
ir além das palavras e que enquanto não ouvirmos a palavra primeira, o sentido, não teremos
ouvido ainda. E isso só foi possível porque comecei a me identificar com um modo de
produção de conhecimento, a partir de um referencial filosófico, que me permitia produzir
sentido sobre pensar, sentir e agir como psicóloga.
Eu, quando estudante de Psicologia, passei a ser deficiente auditiva, e, mesmo
conseguindo aprender os conhecimentos que me eram transmitidos, me deparava,
constantemente, com profundas inquietações sobre como poderia ser profissional de escuta
sem ouvir. No entanto, ao iniciar prática psicológica como estagiária, vez ou outra me via
remoendo diante das pessoas com uma famosa frase de Carl Rogers: “quando percebem que
foram profundamente ouvidas, as pessoas quase sempre ficam com os olhos marejados”. Pois
é... Eu via o marejar, e via que estava ouvindo, mesmo tendo apenas 30% de audição do
ouvido esquerdo e quase nada no direito. Passei a entender, contudo, que meus olhos eram
meus ouvidos. Mas meu coração também era. Minha atenção superando os sentidos físicos
também. E minha disponibilidade para estar ali, mais anda... Então, eu fui me desligando dos
meus ouvidos, nada efetivos, deixando minha insegurança e meus conhecimentos acadêmicos
falarem menos alto, e fui me centrando na relação com o outro, numa Escuta profundamente
intuitiva e produtora de sentido.
Foi nesse paradoxal contexto de saber sobre as teorias X não poder ouvir X poder
escutar, que fui logrando êxito na profissão, e me encantando pelo tema Escuta, como algo
que nos impele a um desafio, lança-nos numa nova ordem existencial, abre-nos para o mundo.
A Escuta clínica é a Escuta de um dizer e não de um mero falar. Escutar é um processo de
estar aberto, estar antenado, estar ligado, mas não apenas a conhecimentos e saberes, e sim a
ouvires e dizeres.
Esse processo não se passa dentro de nós como se fôssemos um instrumento de coleta e
interpretação de dados que estão fora. Ele só é possível de ser efetivo na relação, na ação
(con)junta: estamos cá, nós dois, três, quatro ou vários, juntos com, juntando palavras,
silêncios, conhecimentos científicos e mundanos, verborreias, falatório, expressões, choros,
suspiros, sopros, enfim, (entre)cruzando linguagens para saber-mais-com a fim de produzir-
conhecimento-sobre, a partir da escuta produtora de sentido.
Em contrapartida, antes de nos abrirmos para o outro, precisamos nos abrir para dentro,
num encontrarmo-nos constante com o outro e conosco, nesse vai-e-vem que é a produção de
sentido pelo viés da fenomenologia, ou das fenomenologias. Assim, posso dizer, remetendo-
me a Amatuzzi (2008, 2009), que o foco de qualquer abordagem fenomenológica em
Psicologia é o Sentido. Estamos diante de um problema de sentido. E a escuta é aquilo que, na
nossa condição de conhece(dor) Psi, conhece(dor) de nós mesmos, conhece(dor) do mundo,
nos faz produzir sentido na relação de cuida(dor) com outros (as): sentido que faça sentido
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para ele(s) / ela(s), sentido que faça sentido para mim, sentido que faça sentido para nós, ali,
prenhes de dizeres, saberes e (re)descobertas.
Como dispositivo de cuidado (LIMA, 2005), a Escuta não é algo que possa ser ensinado
por um ato pedagógico de transmissão de conteúdos, visando-se a aprendizagem de uma
técnica (HECKERT, 2007). Escutar envolve um processo, que se desenvolve na
experimentação do caminhar pela formação como psicólogo. Eu arriscaria dizer, e estou me
preparando para lançar isto como conhecimento que adveio de uma produção de sentido
diante das experiências que vivi nesses longos anos de atuação como docente em cursos de
Psicologia, que a escuta é um modo de subjetivar-se psicólogo.
Chego a pensar e sentir assim porque nas inúmeras oficinas de Escuta que promovemos
desde 2005 e nas pesquisas que realizamos com estudantes que narraram suas experiências de
ter participado delas (DOURADO; QUIRINO; LIMA; MACÊDO, 2016; MACÊDO;
SOUZA; LIMA, 2018), os co(labor)a(dores) revelavam como aprenderam nesses contextos a:
a) diferenciar a escuta clínica da escuta comum;
b) reconhecer que apenas na prática do escutar se desenvolve a Escuta, porque ela não é
algo que possa ser aprendido em sala de aula;
c) reconhecer a importância de se ouvir e se deixar afetar num processo de escutar;
d) atentar que a própria experiência de escutar só é possível a partir de uma abertura
inicial para se despir de qualquer conhecimento engessado;
e) perceber que na prática da escuta há um chamamento para a responsabilidade de
desenvolver uma escuta qualificada;
f) compreender que há a necessidade de apropriação do autoconhecimento em prol de se
encontrar novos modos de ser para estar diante do outro;
g) compreender que estar preparado para escutar o outro está relacionado à necessidade
de escutar a si mesmo.
Em supervisão de estágio, também é possível perceber como os estudantes mudam em
seus modos de sentir, pensar e agir, diante de si, do outro e do mundo (DOURADO; LIMA;
MACÊDO, 2016), principalmente quando aprendem a escutar-se a si mesmos e a se
diferenciar de seus clientes, como possibilidade de se tornarem escuta(dores) e cuida(dores)
mais efetivos. Certamente que os pilares da clínica em Psicologia são essenciais nesse cuidar
de si para cuidar do outro: supervisão, estudo e processo pessoal. Portanto, o processo de
tornar-se psicólogo envolve mudanças em modos de escutar, porquanto é um processo de
subjetivar-se por um escutar diferenciado, num movimento pendular de ir e vir, na cadência
rítmica de tocar a dor do outro que toca sua própria dor, e do qual não se pode ser
conhece(dor) sem antes saber de si e ser cuida(dor) de si mesmo.
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O ESCUTA(DOR) É UM CUIDA(DOR)
Recordo-me, aqui, de um artigo publicado por Rocha (2012), no qual me deparei com
as expressões escuta(dor) e cuida(dor), quando o autor se referia a um dos maiores desafios de
um psicólogo na contemporaneidade: “levar o sujeito que nos procura, dominado pelo excesso
da dor, a inventar uma nova maneira de ser, a partir das experiências vividas nas situações que
marcam a trajetória de seu existir no mundo” (p.63).
Reconhecendo esse desafio, tenho me lançado nas ações de cuidado a partir de
pesquisas e intervenções com o método da hermenêutica colaborativa (MACÊDO, 2015;
SOUZA; MACÊDO, 2018). O método, que tem suas bases epistemológicas em Merleau-
Ponty e Gádamer, e se respalda em preceitos teóricos de Carl Rogers, é compreendido como
um processo conjunto de interpretação e construção de alternativas, pautado no confronto de
tradições, que viabilizam o encontro intersubjetivo e a retomada da consciência histórica,
favorecendo aos sujeitos envolvidos poderem construir novos projetos para enfrentarem e
ressignificarem o sofrimento. Em outras palavras, em psicologia humanista-fenomenológica,
psicólogo e clientes, pesquisador e colaboradores de pesquisa, se lançam numa interpretação
conjunta de conhecimento, pautada na intersubjetividade, e, através do diálogo, buscam
ressignificar o vivido, produzir sentido e construir estratégias para enfrentar uma determinada
realidade social.
Nesse processo, o psicólogo ou pesquisador é um cuida(dor) que enfrenta impasses ao
compartilhar significados com os participantes, devido sua condição mundana, num dizer
merleau-pontyano, ser a viga mestra do diálogo. Para isso, precisa escutar sua experiência do
mundo, cuidando de suas dores, sem se abster delas, a fim de mergulhar no mundo da
experiência compartilhada no momento do encontro, para produzir novos sentidos.
Certamente que nesse contexto, onde a conversação gadameriana torna-se necessária, ser
conhece(dor) de si é uma prerrogativa para ser conhece(dor) do mundo, do outro e da relação
que se estabelece junto com ele nesse mesmo mundo, tão nosso, tão tácito, tão rico de sentido.
E, caminhando pelas entrelinhas do falar, do calar e do dizer, o escuta(dor) conhece(dor) vai
tornando-se cuida(dor) de si e do outro.
REFERÊNCIAS
AMATUZZI, M.M. Por uma psicologia humana. Campinas, SP: Alínea, 2008.
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DOURADO, A.M.; MACÊDO, S.; LIMA, D.F. Experienciando a escuta clínica no estágio
em Psicologia: um estudo fenomenológico In ESPÍNDULA, D.; SAMPAIO, A. Pesquisa e
prática em psicologia no sertão. Brasília: Instituto Walden, p. 471-495, 2016.
HECKERT, A.L.C. Escuta como cuidado: o que se passa nos processos de formação e de
escuta? In PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. de. (Orgs.). Razões públicas para a
integralidade em saúde: o cuidado como valor. Rio de Janeiro: ABRASCO/CEPESC,
2007. Disponível em
<https://www.academia.edu/9591543/Escuta_como_cuidado_o_que_se_passa_nos_processos
_de_forma%C3%A7%C3%A3o_e_de_escuta > Acesso em: 12 mar. 2018.
MACÊDO, S.; SOUZA, G.W.; LIMA, M.B.A. (2018). Oficina de desenvolvimento da escuta:
prática clínica na formação em psicologia. Revista da Abordagem Gestáltica, v. 24, n. 2,
p.123-133, 2018. http://dx.doi.org/10.18065/RAG.2018v24n2.1
SOUZA, G.W.; MACÊDO, S. Grupo interventivo com genitores (as) de crianças vítimas de
violência sexual. Revista da Abordagem Gestáltica, Goiânia, v. 24, n. 3, p. 265-274, dez.
2018. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
68672018000300002&lnApoio FAPESP (processo No 2012-227290).
g=pt&nrm=iso>. Acesso em 09 set. 2018. http://dx.doi.org/10.18065/RAG.2018v24n3.1.
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Apoio FAPESP (processo No 2012-227290).
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Professor Associado e Diretor (2017-2021) da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (EEFERP-USP). Orientador credenciado junto ao programa de Pós-Graduação em
psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte, ABRAPESP (gestão 2017-2019).
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uma escuta psicológico natural, é a que toma a fala e a subjetividade a partir de enquadres
conceituais em que o significado é decodificado pelo que subjaz à narrativa com base em uma
teoria do funcionamento psíquico já presumida. As primeiras influências da fenomenologia
nas práticas clínicas já se insurgiam contra os reducionismos e a objetivação das experiências
correspondentes às escutas naturalizadas (CALLIERI, 1993). A estratificação complexa
constitutiva da unidade da pessoa, segundo uma antropologia fenomenológica, é
desconsiderada em favor de uma apreensão fragmentada que ou privilegia o corpo ou seus
processos psicológicos.
As rigorosas análises do fenômeno empático empreendidas por Edith Stein (ALES
BELLO, 2014; STEIN, 1998) e especialmente apresentadas no contexto brasileiro pela
filósofa italiana Angela Ales Bello, possibilitaram que, no campo da Psicologia, se renovasse
a atenção às operações intersubjetivas e aos alcances experienciais da escuta, o que engendrou
a concepção de escuta suspensiva (BARREIRA & RANIERI, 2013). Duas interpretações
recorrentes sobre a empatia são afastadas pela explicitação de Stein (1998). Na primeira, a
experiência do outro é assumida como interpretação do eu e, no limite, como projeção do eu.
Ainda que não levada ao extremo, essa interpretação entende que a experiência do outro não
pode ser captada com fidelidade, afinal ela sempre comparece a um eu enviesada pela
perspectiva deste mesmo eu que a capta. Na segunda interpretação, o eu pode se colocar no
lugar do outro, experimentando, no limite, uma fusão pela qual o mundo é apreendido
segundo o ponto de vista alheio. Mesmo sem ir ao limite da fusão, a ideia de um
deslocamento de si mesmo para junto do outro diminui, anula ou mesmo descarta a
perspectiva do eu face ao outro, resguardando-se menos quanto aos riscos de enviesamentos.
Sem recair em interpretações similares, Edith Stein (1998) demonstra como a especificidade
da empatia consiste em captar a experiência alheia como experiência de um outro eu (alter
ego). Sua definição de empatia demarca contemporaneamente a possibilidade e o limite da
empatia acessar a experiência vivida por um outro; possibilidade negada pela primeira
interpretação que vê no que o outro vive sempre o efeito da projeção de um eu, limite negado
pela segunda, que vê o apagamento do eu em favor de sua fusão subordinada ao lugar do
outro eu. Portanto, a posição de Stein mantém o tensionamento entre limite e possibilidade
designando a experiência alheia como o alvo da empatia que tem na compreensão do que é
vivido pelo outro seu sucesso mais íntegro.
A escuta suspensiva ocorre em um duplo movimento de desnaturalização, o de quem
escuta e o de quem fala. Há um processo dinâmico de suspensão de teorias e saberes prévios a
respeito do que é ouvido e acerca do funcionamento subjetivo de quem fala. Essa dinâmica
dá-se como processo ativo pelo qual nem conhecimento prévio nem teorias que informam
quem escuta desaparecem, mas em que são invalidados, temporária e metodicamente, para
permitir uma compreensão não interpretativa da fala ouvida. Simultaneamente, age-se para
que também a fala proceda a uma des-objetivação, exprimindo experiências vividas e não
explicações, saberes, juízos prontos do sujeito da palavra acerca daquilo que ele vivenciou e
vivencia. Sua reorientação é promovida por perguntas do protagonista da escuta que visam
acionar um processo intersubjetivo de modificação da atitude de quem fala. A fala explicativa,
objetiva, ajuizadora corresponde ao posicionamento na atitude natural, ou, na perspectiva de
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Amatuzzi (2001), à fala segunda. Conduzir o diálogo de modo a favorecer quem fala a
se orientar pela própria experiência, procurando conta-la como se passou e expressar o que
vivenciou, equivale a um reposicionamento do sujeito na atitude personalista (HUSSERL,
2011). A suspensão da fala segunda modifica a relação experiencial entre sujeito e fala, esta
se originando numa busca de formulação de seu sentido. Mais originária, a fala primeira não
acontece em cima de outras falas prévias, mas ganha corpo enquanto vem sendo produzida,
oriunda de um silêncio próprio a esse vir à tona que deve ser acolhido em favor de se dar
espaço à produção do sentido (AMATUZZI, 2001). Sob premissas da fenomenologia clássica,
já a orientação de quem escuta é empático-psicológica, suspendendo o próprio
posicionamento pessoal em favor da permeabilidade à experiência e do acompanhamento de
quem fala operando para a compreensão de seu sentido (BARREIRA, 2018, 2017;
BARREIRA & RANIERI, 2013). Ao apreender o sentido da experiência alheia, quem escuta
faz conexões e articulações que passam por um esforço deliberado de abertura, subtração e
retenção de sentidos, antecipação e autocontenção. Compreender significa acompanhar o
encadeamento motivacional e sua explicitação racional depende do esclarecimento dos
sentidos dos elementos vivenciais que constituem o encadeamento, o que é favorecido por
descrições experienciais conforme vivenciadas globalmente. Uma dupla abertura – a de quem
fala à sua própria experiência e a de quem escuta à experiência alheia – significa que ambos
não se ocupem em pensamentos que sejam abstratos, explicativos ou excessivos a ponto de
concorrerem e evadirem a atenção ao sentido experiencial protagonizado. Articulações
abstratas, conexões e devaneios, podem se tornar obstáculos psicológicos. Esforços de
subtração de pensamentos, especialmente daqueles interpretativos e naturalizadores, se
justificam em oposição ao fechamento ocasionado pela presença de obstáculos psicológicos.
A totalidade da escuta psicológica só se compreende levando-se em conta a
perspectiva teórica que a orienta e o enquadre em que ocorre, a exemplo de uma escuta
psicoterapêutica, a de um plantão psicológico ou um enquadre investigativo. Todavia, é
equivocado considerar que apenas o domínio teórico e prático de uma abordagem somada à
correta instalação em certo enquadre cubram, suficientemente, o fenômeno cuja cunhagem
conceitual vem sendo desenvolvida como escuta suspensiva. O enfoque fenomenológico da
escuta psicológica preza pelo exame de como esses pré-requisitos agem experiencialmente no
processo de interlocução. Investigações empíricas sobre o quê e como se suspende são
fundamentais para se avançar uma linha de pesquisa que tenha a escuta como seu tema
nuclear. Portanto, sua conceituação e seu aperfeiçoamento gradativo, apoiando-se em
investigações empíricas, são os principais alvos para a escuta suspensiva articular de modo
promissor a fenomenologia e a psicologia. Embora seja componente estrutural para a
Psicologia, a centralidade da escuta é negligenciada em suas bases epistemológicas. A
problematização fenomenológica conceituada como escuta suspensiva procura suprir essa
lacuna, atentando aos diferentes tipos de escutas psicológicas e às diversas nuances de
suspensões que ainda estão por serem descritas.
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REFERÊNCIAS
ALES BELLO, A. Edith Stein: a paixão pela verdade. Tradução: J.J. Queiroz. Curitiba:
Juruá, 2014.
BARREIRA, C.R.A. Escuta Suspensiva. In: M. A. KALINKE & M.A.V. BICUDO, V.S.
KLUTH (Orgs.). In: V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISAS E ESTUDOS
QUALITATIVOS: PESQUISA QUALITATIVA NA EDUCAÇÃO E NA CIÊNCIA EM
DEBATE, 2018, Foz do Iguaçu. Anais [...],Foz do Iguaçu: UNIOESTE, 2018, p. 1-12,
Disponível em: https://sepq.org.br/eventos/vsipeq/documentos/26960325803/10. Acesso em:
20 de mar. de 2019
HUSSERL, E. Idee per una fenomenologia pura e per una filosofia fenomenologica,
Volume II, Libro secondo : Ricerche fenomenologiche sopra la costituzione, Libro terzo : La
fenomenologia e i fondamenti delle scienze. Tradução: E. Filippini. Torino: Einaudi, 2011.
(Original de 1913-23, publicação póstuma de 1952). Título original: Ideen zu einer reinen
Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie II: Phänomenologische
Untersuchungen zur Konstitution, III: Die Phänomenologie Und Die Fundamente der
Wissenschaften.
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relativas à cognição, concentração e tomada de decisão até aspectos relativos à auto regulação
emocional como o controle de ansiedade e o desenvolvimento de resiliência como habilidade
necessária ao controle de estresse envolvido na atuação deste profissional. A atuação da
Psicologia do Esporte junto à Comissão de Arbitragem da CBF teve e tem um processo de
construção e reconstrução ao longo dos anos, e das necessidades do momento. A construção
desse trabalho psicológico com os árbitros de futebol foi iniciada em fevereiro 2004 no Safesp
(Sindicato dos Árbitros de Futebol do Estado de São Paulo). De 2005 a 2006 avançou para
outros Estados Brasileiros, onde eventuais trabalhos como Palestras, Atendimentos
individuais ou em grupo, Mini Cursos, acompanhamento em pré-temporadas, avaliação física,
entre outras necessidades do momento, foram realizados junto à Confederação Brasileira de
Futebol. Ao longo do tempo e das construções, diferentes experiências e exigências ao
trabalho de Preparação Psicológica foram realizadas. Dentro do contexto crescente, percebeu-
se a necessidade de seguir com o Trabalho Psicológico e com a construção sendo editada a
cada temporada deste 2007 até a presente data.
Para concluir, é importante destacar que mesmo nos esportes do alto rendimento, onde
a melhora do desempenho o que se almeja, é necessário que o psicólogo desenvolva suas
intervenções promovendo melhorias nas qualidades relacionais dos atletas, seja com os
demais membros de sua equipe e seus rivais, seja consigo mesmo, pois a psicologia não pode
perder o compromisso ético com o bem estar humano. Quando pensamos no clima esportivo
de alto rendimento, é comum atletas, treinadores e árbitros serem tratados como máquinas de
desempenho, muitas vezes desconsiderando a condição humana dos mesmos, o que demanda
que, ao trabalhar neste ambiente, o Psicólogo cuide amplamente das pessoas em suas esferas
existenciais.
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BIBLIOGRAFIAS INDICADAS
BARREIRA, C.R.A. Escuta Suspensiva. In: M. A. KALINKE; M.A.V. BICUDO, V.S. &
KLUTH (Orgs.). In: V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISAS E ESTUDOS
QUALITATIVOS: PESQUISA QUALITATIVA NA EDUCAÇÃO E NA CIÊNCIA EM
DEBATE, 2018, Foz do Iguaçu. Anais [...],Foz do Iguaçu: UNIOESTE, 2018, p. 1-12,
Disponível em: https://sepq.org.br/eventos/vsipeq/documentos/26960325803/10. Acesso em:
20 de mar. de 2019
BARREIRA, C.R.A. The essences of martial arts and corporal fighting: A classical
phenomenological analysis. Archives of Budo, 13, 2017b, p. 351-376. Disponível em:
http://archbudo.com/view/abstract/id/11807. Acesso em: 20 de mar. de 2019
BARREIRA, C.R.A. A norma sensível à prova da violência: o corpo a corpo em disputa sob a
ótica fenomenológica em psicologia do esporte. Rev. abordagem gestalt., Goiânia , v. 23, n.
3, p. 278-292, dez. 2017c. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
68672017000300003&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 30 abr. 2019.
BARREIRA CRA. Fenomenologia do combate: da ética da luta à luta pela vida ética. In: In:
MAHFOUD, M. ; MASSIMI, M. (Orgs.). Edith Stein e a Psicologia: Teoria e Pesquisa. Belo
Horizonte: ArteSã, 2013: 413-447
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II Ciclo de Debates sobre Pesquisa fazer crítico e social da prática e da pesquisa
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NEPOMUCENO, L.B. Explorando a experiência de surfar: excreções sobre a vida dentro e fora
do mar. In: CAVALCANTE JR, F. (Org.). Corpos excritos. Curitiba: Editora CRV, 2017.
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Ateliê Reflexivo
Shirley Macêdo
mvm.shirley@gmail.com
Docente do Colegiado de Psicologia, da Residência Multiprofissional em Saúde Mental e do
Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas de Desenvolvimento do Semiárido (PPGDiDes)
da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Membro do Laboratório de
Estudos e Práticas Transdisciplinares em Saúde e Educação (LETRANS) e do Laboratório de
Carreiras e Desenvolvimento de Competências (LCDC). Membro do GT ANPEPP:
Fenomenologia, Saúde e Processos Psicológicos. Membro da Associação Brasileira de
Psicologia Fenomenológica (ABRAPFE)
INTRODUÇÃO
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REFERÊNCIAS
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Ateliê Reflexivo
Paula da Luz Galrão, Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia
Professora de Sociologia do Colegiado de Ciências Sociais da Universidade Federal do
Vale do São Francisco
O objetivo deste Ateliê Reflexivo é entender os modos como o corpo vivido a partir
das identidades de gênero reafirmam as normas regulatórias por meio da performatividade
a serviço da heterossexualidade compulsória. A intenção final é mostrar como, por meio da
reflexão e debates sobre os modos como a materialidade dos corpos refletem os discursos
de poder (“Bio poder”), identidades de gênero podem e têm subvertidos às normas relativas
ao binarismo de gênero, refletindo vivências que fogem à heterossexualidade compulsória e
o par dicotômico homem/mulher, trazendo possibilidades de vidas e corpos que por meio
das suas performances cotidianas se tornam políticos e críticos.
Para a compreensão desta proposta é preciso entender os modos como o gênero tem
sido problematizado, principalmente pelas teóricas feministas do século XX e XXI. É
importante atentarmos para os momentos políticos vividos pelas feministas que
problematizam as questões relativas a equidade social, assim como o contexto social
vividos pelas mesmas, para entendermos como chegamos, no atual momento, aos debates
sobre as críticas ao corpo como materialização das normas de gênero e da
heterossexualidade compulsória. Para tanto, se nos atermos às problematizações levantadas
pelas feministas europeias e estado unidenses, precisamos, antes de tudo, considerar os
contextos sociais nos quais estas estavam inseridas. Assim, diante de um seara política e
social que asseverava propostas de universalismo de direitos e promulgava máximas de
liberdade e igualdade, é possível compreendermos as lutas e debates em prol da visibilidade
das mulheres enquanto sujeitas de direito, frente à um grupo extremamente restrito – a
saber homens brancos, ocidentais, proprietários e heterossexuais – que até então eram os
que possuíam o privilégio dos direitos humanos e de cidadania.
Na primeira metade do século XX, depois que a maior parte das mulheres ocidentais
havia angariado os direitos ao voto, educação e uma mínima inserção no mercado de trabalho,
feministas intelectualizadas iniciaram uma pauta de extrema importância não apenas para uma
área que surgia neste momento, os Estudos de Gênero, mas para toda a Teoria Social. O início
das problematizações acerca dos condicionantes sociais que influenciavam comportamentos
de homens e mulheres alavancou as grandes críticas sobre a naturalização dos
comportamentos sociais, o que foi de grande valia para promoção e aquisição de direitos
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específicos para as mulheres, frentes aos Estados nacionais, em prol da equidade de gênero.
O argumento central das feministas deste período era que os comportamentos de homens e
mulheres eram guiados por uma construção social pautada em normas de gênero (para isso
que este termo foi cunhado neste período).
Estas críticas, apesar de extremamente profícuas, contribuíram para homogeneizar a
categoria “mulher”, uma vez que pautava seus argumentos na ideia de construção social das
identidades de gênero. Ou seja, ao elevar as diferenças entre homens e mulheres (pautada
em categorias sociais), não problematizou aquilo que diferia homens e mulheres, o seu
sexo, contribuindo, assim para uma não problematização desta categoria. O Gênero seria
uma categoria mutável socialmente e se assentava na categoria “sexo” que, por ser fundada
na biologia “natural” dos corpos, possuía o caráter de imutabilidade.
Apesar de atualmente a Teoria Social, que se debruça para as questões relativas às
identidades de gênero e sexuais, já terem superado as questões relativas a imutabilidade do
sexo, por meio das problematizações sobre o modo como a categoria “natureza” é fundada
por meio de discursos de poder que alocam uma esfera do mundo fora da inteligibilidade do
mundo cultural, as vivências em vários espaços sociais ainda se dão à margem destas
críticas. Tanto dentro como fora da academia, pessoas ainda vivem, e moldam suas relações
sociais, pautadas em pares dicotômicos, que ao fim e ao cabo refletem a grande dicotomia
“natureza x cultura”, que reafirmam a existência de uma parte do munda fora da
inteligibilidade cultural (reflexiva ou pré-reflexiva). Este princípio, que molda a maior parte
das vivências ocidentais, confere um invisibilidade extremamente daninha às propostas
críticas protagonizadas pelas teóricas feministas e pelas que se embasam na Teoria Queer,
dentre outras, uma vez que supõe uma esfera do mundo social apartado das relações de
poder que o molda.
Segundo pressuposto das teóricas da Desconstrução Social todas as categorias
sociais, que servem de lastro para nossas vivências, são históricas, logo culturais. Nenhuma
delas se coloca na esfera denominada natureza, que, pelo lugar que ocupa a partir das
significações a ela atribuída, se mostra muito mais como um não-lugar no tempo e espaço,
do que como outra esfera de vida. A problematização da categoria “natureza” como de
origem também social se mostra de fundamental importância para esta crítica, uma vez que
sem ela toda a crítica de gênero se mostra ineficaz por se assentar em uma categoria
imutável (sexo), que homegeiniza a pluralidade das mulheres do mundo por meio de
características pautadas em uma biologia supostamente natural. O que fez a teoria da
desconstrução, alimentada fundamentalmente pela noção de bio poder foucaultiana que
problematiza os modos como a inteligibilidade dos corpos é fundada em discursos de
poder, protagonizado principalmente pelo saber médico, foi afirmar que as concepções
sobre sexo, natureza, corpo e o que o caracteriza também são culturais e eivadas de relação
de poder.
Pensar o corpo como materialização de normas sociais rompe com o par dicotômico
sexo/gênero, que, para além das consequências políticas que se refletem nas desigualdades de
gênero, também reafirmam concepções de mundo pautadas em uma ideias de corpo
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vazio preenchido por um entendimento cultural que o move. Tal visão maniqueísta e
teleológica tem sido superada por aquela, que considero valer a pena problematizar, que se
assenta na ideia de corpo/sexo/sexualidade/gênero/cultura como um todo inteligível por
todos os membros de um grupo cultural.
O corpo reitera as normas sociais por meio de performatividades que, segundo
Butler, é vista como uma “prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz o
efeito que ele nomeia” (BUTLER, 1999). Ou seja, as normas que regulam os
comportamentos sexuais trabalham de forma performativa para construir a diferença sexual
a servido do imperativo sexual. Essas performances que materializam e qualificam corpos
produz fenômenos que regulam e constrangem comportamentos. Essa vivencias
performativas criam um universo de inteligibilidade cultural que, ao passo que afirmam a
norma, criam, também, todo um exterior que a legitima. Isso quer dizer que as
performances regulatórias possibilitam identificações sexuadas ao passo que deslegitimam
todas as outras que não afirmam as normas. A produção das normas regulatórias configura
um domínio de seres “abjetos”, que não participam do domínio dos sujeitos legítimos.
...o sujeito é constituído através da força da exclusão e da abjeção, uma
força que produz um exterior constitutivo relativamente ao sujeito, um
exterior abjeto que está, afinal, “dentro” do sujeito, como seu próprio e
fundante repúdio (BUTLER, 1999)
REFERÊNCIAS
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO,
G. L. (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica. Pp.:
151-172, 1999.
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Ateliê Reflexivo
INTRODUÇÃO
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MÉTODOS
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Com isso, espera-se que o ateliê reflexivo proposto se apresente como uma oportunidade
de promover encontros, socializar experiências, co-construir compreensões/conhecimentos a
partir do processo de apropriação da prática psicológica dos participantes e de tematizações que
envolvam o cuidado como norteador da ação clínica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
GOMES, N.A. S.C; CABRAL, B.E; MORAIS, S.R.S; LIMA, D.F. Repercussões da
experiência de fazer plantão psicológico para a formação em psicologia in CABRAL, B.E;
BARRETO, C.L.T; KOVÁCS, M.J; SCHMIDT, M.L.S. (ORGS) Prática psicológica em
instituições. Clínica, saúde e educação. Curitiba, CRV, 2017.
MORAIS, S.R.S; MACIEL, T.S.C; ANJOS, W.M.C; PEREIRA, M.A.T. Plantão psicológico
no sertão nordestino: reflexões a partir de uma experiência de pesquisa e extensão in
BARRETO, C.L.T; CABRAL, B.E; KOVÁCS, M.J; SCHMIDT, M.L.S. (Orgs) Práticas
psicológicas em instituições: clínica, saúde e educação. Curitiba: CRV, 2017.
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DIALOG(AÇÕES)
resumos apresentados a partir do Eixo Temático
INTRODUÇÃO
O uso da arte como expressão de subjetividade pelo homem é longínquo, evidenciado
em práticas como dança, canto e produção de pinturas. Ciornai (2004) ressalta que estas
atividades ajudam os sujeitos a elaborar, organizar, dar significado e sentido ao mundo. Sendo
assim, psicólogos vêm utilizando produções artísticas como vias de expressão da
subjetividade em práticas clínicas para a promoção da saúde (LIMA et al, 2013; BARROCO;
SUPERTI, 2014), visto que a linguagem simbólica é capaz de transmitir sentimentos e
emoções que o discurso lógico/dialético muitas vezes não consegue exprimir.
Segundo Reis (2014), o uso da arte na prática do psicólogo contribui para que o cliente
consiga entrar em contato com suas questões através de um viés criativo, podendo, assim,
reconfigurá-las em novos sentidos. Desse modo, recursos artísticos potencializam produções
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MÉTODOS
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os recursos artísticos, nos seus mais variados modos, foram utilizados durante a
realização das propostas de intervenção do projeto e estes acabaram propiciando produção e
ressignificação de sentidos tanto nos usuários como nas facilitadoras dos encontros,
estudantes de Psicologia. Quanto a isso, é importante considerar que a inserção em um
processo grupal evoca nos participantes a ampliação do olhar acerca de si mesmo e das
construções realizadas durante os encontros, e mesmo que a arte seja um recurso de múltiplas
interpretações, numa atividade de compartilhamento de experiências de sujeitos que
vivenciam uma mesma realidade social, os sentidos das experiências se intercruzam e há uma
produção coletiva de sentido.
A princípio, a construção de músicas e/ou poesias teve o propósito de compreender os
estados psíquicos dos usuários. A contação de histórias pelos participantes objetivava a
presentificação das experiências vividas e o alargamento de compreensões sobre si a partir de
alegorias contidas nas histórias. O uso de argila nos encontros teve o objetivo de expressar
sentidos das experiências, possibilitando, assim, uma reorganização interior de suas demandas
de sofrimento. A atividade da Árvore da Vida permitiu um olhar para o usuário de maneira
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integral. Nessa proposta, foi possível explorar diversos momentos da historicidade: infância,
adolescência e vida adulta. Além disso, viabilizou uma compreensão de como o cliente
percebia o mundo e enxergava a si mesmo. A atividade sobre o Corpo a partir de recortes
onde cada subgrupo fazia partes de um corpo, trazia a proposta de uma construção coletiva
que servia de alavanca para discussões e reflexões sobre integralidade.
Na atividade nomeada de Oficinas de música/poesia, os usuários traziam
contribuições para a construção do poema que seria transformado em música partindo das
suas vivências. Com isso, cada pessoa, por vezes apresentando uma demanda semelhante,
relatava algo que contemplava o outro, levando todos a uma reflexão compartilhada. Destaca-
se que nos grupos em que tal recurso foi utilizado, os participantes apresentavam como
demanda ansiedade, angústia, habilidade sociais fragilizadas e sobrecarga. Os usuários
comumente relataram sentimentos de ansiedade no início do encontro e, ao final, apontavam
que saíam mais tranquilos, isso pode indicar que os recursos artísticos utilizados foram
efetivos no processo. As oficinas de música, como atividade interventiva, atuavam como
recurso de expressão de cada sujeito, uma vez que eles ressaltaram que se sentiam menos
ansiosos ao participarem da proposta e compartilharem com o grupo, o qual gerava um certo
“alívio”.
Na construção individual de uma árvore, os participantes conseguiram traçar paralelos
dos desenhos construídos naquele momento com sua história de vida e a forma de se
relacionar com os outros. A partir de questionamentos realizados acerca dos elementos, pelo
grupo ou pelos facilitadores, os sujeitos construíram sentidos e elaboraram novas percepções a
partir das trocas com os demais (intersubjetividade). E justamente por não ter sentido único, a
arte propicia sentidos que vão em direção às singularidades dos sujeitos.
A partir da condução dos encontros, fica evidente que a atividade artística funciona
como um dispositivo facilitador para que o indivíduo perceba significados que seriam difíceis
de serem acessados apenas pela via da linguagem verbal. Logo, é importante considerar,
ainda, que o psicólogo não tem como acessar o sujeito como um todo, mas só tem acesso
àquilo que ele apresenta por meio da fala, da produção artística e do comportamento corporal
(CIORNAI, 2004). Pode-se perceber, ao longo dos encontros, a importância do engajamento
dos sujeitos, uma vez que este favorecia que eles fossem afetados. Sendo a afetação um
processo vivenciado no grupo, ela revelou-se importante e significativa para transformações
nos modos de sentir, pensar e agir desses sujeitos (LERSCH, 1971).
Quando levados para a supervisão, as produções do grupo despertavam outras
sensações nos supervisionandos e nas supervisoras, reforçando que inferências dos
mediadores podem limitar - caso não estejam aptos para intervir adequadamente - o processo
da produção e ressignificação de sentidos pelo sujeito. Dessa forma, é importante não
externalizar no grupo de usuários as impressões que porventura façam sentido para os/as
facilitadores/as a fim de não tolher a produção de sentido dos clientes.
Ainda nesta perspectiva, a aproximação dos facilitadores quando o público por
exemplo enquanto classe de estudantes, também é um grande desafio, que foi percebido por
meio da realização da atividade que envolveu a confecção de um corpo. Na produção grupal,
foram perceptíveis os contrastes nas partes do corpo, apesar dos comandos terem sido os
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REFERÊNCIAS
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II Ciclo de Debates sobre Pesquisa fazer crítico e social da prática e da pesquisa
e Fenomenologia
REIS, A. C. dos. Arteterapia: a arte como instrumento de trabalho do psicólogo. Psicol. cienc.
prof. [online]. Brasília, v..34, n.1, p.142-157, 2014. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932014000100011
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho reúne parte dos achados de uma pesquisa qualitativa compreensiva
que pretendeu conhecer como pessoas que atravessaram uma experiência de adoecimento
psíquico compreendem a vivência da alegria em suas histórias, ansiando discutir como tais
compreensões podem reverberar no cuidado em Saúde Mental na perspectiva da Atenção
Psicossocial. Pesquisas no campo têm aumentado, contudo, privilegiam o tratamento em
detrimento da prevenção e promoção da saúde. Com a Reforma Psiquiátrica e o movimento de
desinstitucionalização, vias de reinvenção da terapêutica têm sido operadas.
Aclamada pelos poetas em suas odes à “boa vida”, desde o princípio, a alegria é uma
vivência cobiçada pela humanidade. Estudar a alegria, tomando-a como vivência de expansão
de possibilidades e afirmação da vida, pôs em questão suas possíveis relações com modos
qualitativamente outros de fazer a vida andar e, em um viés fenomenológico-existencial,
acredita-se que refletir sobre a vivência da alegria diante da experiência de adoecimento
psíquico pode repercutir na transformação da práxis do cuidado, ressignificando a atuação
profissional.
De difícil definição, muitos filósofos consideram a alegria uma paixão da alma, capaz de
levar qualquer mortal ao céu e ao inferno (MATRACA; WIMMER; ARAÚJO-JORGE, 2011).
Experimentar a alegria, portanto, é experimentar a maior das motivações, a força do viver
criativo, e a existência em sua forma pura. Paradoxalmente, contudo, com o advento da
modernidade e o triunfo da razão (influenciado fortemente pelo pensamento cartesiano), a
cultura ocidental restringe a abrangência da alegria, enxergando-a com desconfiança, visto que
afasta o homem da retidão controlada.
Na “ética da alegria” espinosana (SPINOZA, 2007 apud KUPERMANN; SOUZA, 2010),
ancorada na beatitude e na já mencionada liberdade, à medida que a tristeza responde pela
diminuição da ação, a alegria é a ampliação da potência do agir e das ligações do ser com
outros seres e com o mundo. Em vez de implicar a abolição da tristeza, contudo, a alegria
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significa vencer o medo, pois sentir tristeza, inevitavelmente, faz parte da existência. A
alegria e a tristeza, por assim dizer, são 2 (dois) polos fundamentais das paixões humanas.
Para além da aparente oposição, encontram-se e até se misturam.
O pensamento de Espinosa indica que a paixão triste enfraquece e permite a
passividade, diferentemente da paixão alegre, que potencializa a capacidade de agir e ser
(MATRACA; WIMMER; ARAÚJO-JORGE, 2011). Encontra-se uma relação possível disso
em Lambert (1999), quando diz que tristeza e infelicidade enfraquecem as defesas do corpo,
deixando as pessoas predispostas ao adoecimento. Isso porque as vivências emocionais
consideradas negativas são facilmente somatizadas sob forma de bloqueios, tensões e
doenças. Sem dúvida, há tristeza em sentir limitação no estado de vitalidade, no estado de
excitação prazerosa (que faz o sangue circular, o corpo vibrar e a excitação propagar-se), o
qual é base física para a vivência da alegria (LOWEN, 1995).
Pensadores de orientação fenomenológico-existencial, conectados com o caráter
experiencial do adoecimento psíquico, conceituam-no como perda da liberdade existencial,
constrangimento do ser, estreitamento das possibilidades de vir-a-ser (DALGALARRONDO,
2008). Dessa forma, ter saúde mental está vinculado às possibilidades de transitar com graus
distintos de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio destino. Martins (1981 apud
DALGALARRONDO, 2008) afirma, por exemplo, que a saúde mental é a chance de dispor
de “senso de realidade, senso de humor e de um sentido poético perante a vida”, atributos que
permitiriam elaborar os sofrimentos e enfrentar as limitações inerentes à condição humana.
Ao longo dos anos, o paradigma biomédico não só contribuiu para a medicalização da
vida como distanciou os profissionais da saúde da compreensão da promoção da alegria como
um modo de cuidar (MATRACA; WIMMER; ARAÚJO-JORGE, 2011). Partindo da
preocupação com essa crítica, esta pesquisa se propôs (e propõe) a reivindicar a construção de
tecnologias sociais criadoras de encantos, encontros, alegrias... saúde! Foi com a intenção de
provocar o desenvolvimento de práxis que dialogue com a população na direção de gerar
“paixões alegres”, como diria Espinosa, que se dedicou a conhecer como pessoas que
atravessaram uma experiência de adoecimento psíquico compreendem a vivência da alegria
em suas histórias.
Algumas compreensões que alcançam o cotidiano da assistência em saúde têm
sinalizado que há uma potência inventiva abrigada na alegria, o que também levou à aposta na
necessidade de refletir sobre este fenômeno, a fim de, quem sabe, nesta etapa, desvelar
sentidos que contribuam com as práticas em saúde contemporâneas, em especial, as práticas
em Saúde Mental na perspectiva da Atenção Psicossocial. Defende-se, no entanto, que
conhecer narrativas acerca da alegria, elaboradas por pessoas que já se submeteram a um
cuidado especializado em Saúde Mental na perspectiva da Atenção Psicossocial, pode
contribuir com a transvaloração das práticas em saúde, questionando a função e a atuação dos
agentes sociais e terapêuticos envolvidos com elas.
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MÉTODO
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Word”) e literalizados. Por questões éticas, foram atribuídos nomes fictícios aos
interlocutores, inspirados naqueles que parecem melhor expressar o enigma da vida: os poetas
e as poetisas. Assim, como interlocutores, tem-se: Adélia, Cecília, Clarice, Fernando, Hilda e
Mário.
Com base na leitura e reflexão exaustivas dos depoimentos, buscando uma
compreensão do sentido comunicado, ao mesmo tempo em que se assume que outros sentidos
possivelmente estavam sendo produzidos na interlocução entre pesquisadora e narrativas, os
resultados colhidos foram analisados também com o suporte do pensamento de Benjamin
(1994). Dessa maneira, em contato com o material transcrito, foram realçados excertos que
sinalizavam direções possíveis para compreensão da(s) vivência(s) da alegria, os quais,
posteriormente, em função de seus entrecruzamentos, arranjaram-se didaticamente em 5
(cinco) dimensões interdependentes. A seguir, uma dessas dimensões será apresentada.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Alegria pra cantar a batucada
As morenas vão sambar
Quem samba tem alegria
Minha gente era triste, amargurada
Inventou a batucada
Pra deixar de padecer
Salve o prazer, salve o prazer
Da tristeza não quero saber
A tristeza me faz padecer
Vou deixar a cruel nostalgia
Vou fazer batucada de noite e de dia
Vou sambar
Esperando a felicidade
Para ver se eu vou melhorar
Vou cantando, fingindo alegria
Para a humanidade
Não me ver chorar
(Alegria, de Assis Valente, interpretada por Vanessa da Mata)
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Para além de “um estado de completo bem-estar” (OMS, 2001, p. 2), expressão que
ainda gera incertezas quanto ao seu significado, “eu acho que se você tiver tranquilidade...
sentimento de amor, de paz, define saúde” (Hilda). Com essa opinião, Hilda confirma um dos
debates mais quentes, que é o de que descrever saúde como ausência de doença é insuficiente,
além de tautológico. É pertinente, então, retomar Canguilhem (2012) em sua defesa de que é
impossível restringir o conceito de saúde a uma noção científica que o isole da perspectiva de
quem vive a experiência, ou seja, da vivência subjetiva.
“Eu tenho a impressão de que o estresse envelhece e a alegria deixa você mais jovem.
Eu acho que a bendita da alegria ainda pode ajudar você na saúde, a esquecer um pouco das
coisas” (Clarice). A crença de que a vivência da alegria promove saúde, portanto, como o
sentido/direção/horizonte, aparece como algo transversal nos depoimentos colhidos. Clarice
enfatiza que “um dos melhores remédios pra depressão seria a alegria, a distração, um
momento de você esquecer, de tirar, talvez, até um pouco de medo do dia a dia”, o que
encontra ressonância em Kupermann e Souza (2010), que definem alegria como aliada
terapêutica. De certo modo, isso validaria a aposta de Ayres (2009) no “projeto de felicidade”,
uma metáfora da “boa vida”, como referência ao processo de cuidado.
“A partir do momento que eu não tive saúde pra trabalhar, pra continuar crescendo,
subindo minha escada, no momento que aconteceu d’eu me entristecer, eu me sentir doente,
me sentir desanimada, eu precisei de uma pessoa pra cuidar de mim” (Cecília). A partir do
momento que o sofrimento, condição também inerente à vida, limita a liberdade de vir-a-ser
ou devir, o adoecimento se instala e “a pessoa se sente derrotada, como se tivesse pra baixo,
porque nada tá andando, sempre atrasado” (Mário). O sentido que se destaca nas narrativas
aponta que a tristeza que “faz padecer” marca, de maneira indesejada, uma experiência
desencorajadora do crescimento e aliada da sensação de fracasso, dissimulando as metas e
esticando os prazos do “projeto de felicidade” que convém a cada um.
“Eu não tenho a felicidade em um momento sequer. Então, eu estou aqui em busca de
um tratamento para que eu possa exercer isso” (Fernando). Entretanto, será que os modos de
cuidado ofertados, nas trilhas de suas (re)invenções diárias, têm aprendido a valorizar as
experiências de alegria, de felicidade, outrora negligenciadas, como produção de vida e de
saúde? A crítica de Almeida (2009) à história triste da clínica, que colocou a alegria à margem
do cuidado, leva a refletir que os modos contemporâneos têm avançado, porém parecem
subjugar a potência terapêutica do riso, da energia alegre que reverbera entre os corpos, além
de subutilizar os bons resultados que eles mesmos conseguem produzir, não se desprendendo
por inteiro das raízes da “seriedade na clínica”, como se a oportunidade de viver a alegria não
fosse algo extremamente sério.
“Eu acho que pessoas que já passaram por trauma na infância, que são dependentes
de remédios controlados, de assistência psiquiátrica, de psicólogos, normalmente, não têm
‘uma alegria’. São pequenos momentos que temos assim” (Hilda). Nos debates mais amplos
do campo da Saúde Mental na perspectiva da Atenção Psicossocial, a valorização de
princípios como o de empoderamento é propagada. Essa não se qualificaria como uma via
fértil para a discussão, junto às pessoas que demandam cuidado da referida área (quer
especializada ou não), sobre as potencialidades, a vontade de potência (NIETZSCHE, 2009
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apud KUPERMANN; SOUZA, 2010), destacando que os limites pessoais encontrados não
necessariamente atribuem às pessoas que atravessam uma experiência de adoecimento
psíquico menos chances de viver a alegria?! Como melhor inventar “a batucada pra deixar de
padecer”?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não seria mais sensato, na trilha da produção de saberes e práxis, olhar prioritariamente
para a saúde e o bem-estar e para experiências que os afirmem, como a de alegria, em vez de
escanteá-los? Como tecnologia de cuidado capaz de transvalorar práticas, revolucionando não
só os serviços, como também as pessoas que neles circulam, é a alegria que necessita entrar
“na moda”, sem que isto implique na negação da condição de sofrimento. A disponibilidade
de nossas trocas pessoais e profissionais tem sido suficientes para que, vivendo os efeitos da
alegria, defendamos a sua potência terapêutica?
Não só há “seriedade na alegria” como também há seriedade na produção de
conhecimento, científico, focada na experiência subjetiva, que se implica com as
coletividades sem anular as singularidades. Uma reflexão preciosa, talhada na experiência de
realização desta pesquisa, é de que ela mesma se configurou como uma experiência de
conexão entre a vivência da alegria e a promoção da saúde, na relação com os interlocutores.
Assim, “avaliando os efeitos que a tristeza e a alegria têm sobre a nossa vida, é fácil perceber
que é bem melhor ser alegre do que triste” (LAMBERT, 1999, p. 27).
REFERÊNCIAS
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KUPERMANN, D.; SOUZA, R. Alegria. São Paulo: Duetto, 2010. 80 p. (Emoções. Mente e
cérebro; v. 1)
LAMBERT, E. A terapia do riso: A cura pela alegria. São Paulo: Pensamento, 1999. 80 p.
LOWEN, A. Alegria: A entrega ao corpo e à vida. 3. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1995.
242 p.
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EXPLORANDO OS SENTIDOS
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Para fins de contextualização, trazemos que as temáticas mais recorrentes dos encontros
foram: relacionamentos afetivos, conflitos familiares, dificuldade de se posicionar, sofrimento
no e por causa do trabalho e comunicação não assertiva.
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Não é apenas uma instrução que garante que a pessoa esteja pronta para escrever uma
VS, mas, a partir do hábito, vai se aprendendo a fazer. É recorrente que se comece escrevendo
de modo neutro ou relatando de maneira lógica o que ocorreu no encontro e com o passar do
tempo a pessoa vai se apropriando de escrever a experiência imediata (AMATUZZI, 2008).
Tomando como base uma análise cronológica, foi possível perceber diferenças nas escritas das
versões de sentido entre o início do processo terapêutico e a finalização dos encontros do grupo,
pois a maior parte das usuárias começaram os relatos de modo generalizado, fazendo uma
descrição do que ocorreu na sessão, mas, com o tempo, foram se apropriando dos seus processos
pessoais e grupais, escrevendo sobre suas afetações em primeira pessoa. Como é possível
visualizar, de modo comparativo, nos seguintes fragmentos de relatos da participante Orquídea,
datados de 30 de julho de 2018 e 11 de fevereiro de 2019, respectivamente: “Diálogo. Perceber
que as pessoas também podem sentir e viver as coisas como você vive e sente” e “Foi muito
positivo ver como eu evoluí e como hoje eu tenho mais facilidade para falar como eu me sinto”.
No último encontro como o grupo foi realizada a leitura de todas as Versões de Sentido
produzidas durante o processo, como forma de oferecer às usuárias um feedback da experiência
vivida. As usuárias (que receberam nomes fictícios neste relato) receberam as versões de
sentido e pedimos que cada uma lesse e expressasse como se sentiu ao ler as VS.s, o que
identificou e como foi o processo para cada uma. Desta forma foi possível tecer algumas
compreensões sobre o sentido do que foi vivido durante os encontros do grupo terapêutico. As
participantes pontuaram que gostaram de ler as versões de sentido e apontaram a percepção
sobre o crescimento pessoal e a importância de estarem em grupo, agradecendo pelo espaço de
reflexão.
As compreensões tecidas apontaram a potência do uso das versões de sentido como uma
importante ferramenta de acesso à elaboração dos sentidos dos processos pessoais e grupais.
Para nós, ficou evidente que, a partir das possibilidades que a psicoterapia em grupo pode
sinalizar, o uso das VSs permitiu a oportunidade de atribuir novos sentidos à experiência, por
meio do contato consciente com o sentido dos encontros e com o que foi apreendido acerca da
vivência imediata, em um processo que não pretendeu categorizar o escrito como certo ou
errado, mas buscar captar os significados individuais da experiência.
No que diz respeito a nossa experiência de produzir VS como instrumento facilitador da
supervisão, concluímos que foi uma ferramenta muito potente para elaboração das nossas
vivências enquanto terapeutas em formação. A partir da escrita, pudemos nos perceber durante
a condução dos encontros, refletir sobre a prática e perceber nossas evoluções. De acordo com
Boris (2008), o uso da VS como recurso para supervisão possibilita que o (a) terapeuta iniciante
lide melhor com seus conflitos e dilemas, permite que supere a dificuldade de detalhar os relatos
em supervisão e focalize no que foi mais significativo durante o encontro terapêutico.
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REFERÊNCIAS
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MÉTODOS
RESULTADOS E DISCUSSÕES
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estendeu, sobretudo, quando, no decorrer dos encontros o teor em uma das sessões, apontou
para a possiblidade iminente de um ato suicida. Por muitas vezes, a insegurança bateu à porta,
quando o cliente faltava sem justificar e não se conseguia estabelecer contato telefônico com
ele, o que fizeram surgir inquietações e medo por não saber o motivo do não comparecimento
no serviço. Estar na posição de terapeuta não nos isenta das afetações, pois também somos
humanos, mas é preciso observar o caminho da serenidade e flexibilidade na práxis
psicológica.
Heidegger discorre sobre a importância do pensamento meditativo, o qual tem
relevância na clínica. Em contrapartida, também aponta para o pressuposto do pensamento
calculante baseado na antecipação e representação de um querer. A postura de serenidade
contrapõe a lógica vigente tecnicista, de um suposto “controle” acerca das coisas e das
pessoas. (SARAMAGO, 2008) Essas questões, se apresentam como um desafio na formação
profissional e por compreendermos sua importância no processo terapêutico, aponta-se que é
preciso que a(o) terapeuta esteja em constante revisitação de si para que não recaia em a
prioris, podendo assim, perder de vista o humano que se desvela. A supervisão semanal
atrelada ao estudo teórico, serviram como sustento, acolhimento, confronto e aprendizagem,
sendo um espaço no qual foi possível exercitar a postura de serenidade e também de expressar
os medos, desafios e limitações no atendimento.
Ao longo das sessões, muitas demandas foram apresentadas pelo cliente como sentidos
a respeito do seu sofrimento, baixa autoestima, relacionamento afetivo conflituoso, depressão,
insegurança, bullying na infância, conflitos familiares, laços sociais fragilizados, aspectos
relacionados à aprendizagem, ideação suicida e apresentação de laudo psiquiátrico de
hiperatividade e desatenção. Foi perceptível, através dos relatos, que a forma indiscriminada
de se relacionar com os medicamentos, se apresenta como a possibilidade mais valorizada
pelo cliente, formando um ciclo de dependência ao longos dos anos. O medicamento é
compreendido como um recurso mágico, que ao ser utilizado, independente da quantidade e
do tempo de uso, surge como tentativa de anestesiar àquilo que se apresenta como
insuportável, não pensado, descartado.
Diante os relatos do usuário, o mesmo ressaltou que faz uso das substâncias
psicotrópicas para “ser mais sociável nas relações” dentro e fora do setting terapêutico. Sendo
assim, além dos acolhimentos, das intervenções de cunho reflexivo e de contraste, adotou-se
condutas de ordem psicoeducativa, sendo uma maneira que se apresenta muito efetiva para
auxiliar as pessoas, pois as ensinam a se ajudarem, auxiliando no percurso de conscientização
e autonomia no processo terapêutico (AUTHIER, 1977 apud LEMOS; ONDERE NETO,
2017). Nessas intervenções, salientou-se a importância de um acompanhamento psiquiátrico
efetivo, para avaliar as possíveis interações medicamentosas e reações adversas. Além disso, o
cliente foi orientado sobre o risco ao se utilizar concomitante aos medicamentos outras
substâncias psicoativas.
As orientações prestadas ao cliente quanto ao uso abusivo dos medicamentos se
repetiram, o que nos fez questionar: “uma pessoa anestesiada entra em um processo
terapêutico”?, “até que ponto o usuário tem se apropriado de si e das reflexões feitas nas
sessões?”, “o que os lapsos de memória, observados desde a primeira sessão poderiam
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desvelar sobre o caso? Sobre o quê não se pode lembrar ou a respeito de quê, se quer
esquecer?” Tais indagações estão sendo construídas no processo terapêutico do cliente,
buscando auxiliá-lo na presentificação de questões tratadas nas sessões, uma vez que,
percebemos dificuldade em lembrar as datas e horários marcados, das temáticas discutidas nas
sessões anteriores e até mesmo da realização das atividades requeridas, utilizamos technés,
que possibilitam o processo de desvelamento. A technée entendida aqui no sentido
etimológico de inventividade, que significa um “deixar vir à presença”, e refere-se ao
conhecimento que se dá pela compreensão decorrente do ato de produzir. É buscar o conhecer
como via de reconhecimento e de saber. (DE FEIJOO, 2004).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRAGA, T.B.M; FARINHA, M.G. Heidegger: em busca de sentido para a existência humana
In: Revista da Abordagem Gestáltica - XXIII(1): 65-73, jan-abri, 2017.
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Diante disso, o grupo terapêutico “Tecendo Sentidos” foi criado por uma professora
supervisora, juntamente com sua equipe de estágio, com o objetivo de acolher pessoas
cadastradas no CEPPSI na faixa etária de 20 a 50 anos com queixas de sofrimento diversas
(transtornos mentais comuns, dificuldades interpessoais, conflitos intergeracionais). Com
isso, foram selecionadas 35 fichas pré-cadastro de pessoas que se encontravam inscritas no
serviço há pelo menos seis meses e que estivessem em fila de espera. E mediante ligação
telefônica, as estagiárias convidaram ao todo, dezoito pessoas, as quais anuíram participar. No
entanto, só compareceram para o primeiro encontro, sete participantes. O grupo foi
desenvolvido com base no caráter heterogêneo e de funcionamento fechado, tendo ocorrido
no período de período de 29 de novembro de 2018 a 21 de fevereiro de 2019, tendo sete
participantes do sexo feminino e três participantes do sexo masculino.
Ao todo, foram dez encontros com duração de duas horas e facilitados por três
estagiárias do nono período de psicologia sob a supervisão de uma professora orientadora.
Duas estagiárias se revezaram no papel de terapeuta e de co-terapeuta, enquanto que a terceira
exerceu a função de observadora participante com o intuito de realizar os registros do grupo.
O grupo foi co-construído e ancorado na perspectiva Fenomenológica Existencial de
Martin Heidegger, a partir da qual se compreende os fenômenos humanos como expressão do
Dasein (ser-no-mundo). Ou seja, as queixas e as demandas de sofrimento apresentadas são
des-veladas a partir da relação destas com o estar-sendo-no-mundo e com os outros em seus
desdobramentos de possibilidades (HEIDEGGER, 2005).
Ressalta-se que pensar na prática clínica voltada para a terapia grupal requer que os
profissionais indaguem constantemente: “como se dá o encontro com o outro?” É importante
também compreender cada encontro em suas possibilidades de des-velamento e de ocultação
por meio da fala e da escuta dos atores envolvidos. Outrossim, é através do vínculo gerado na
convivência grupal, que os modos de ser-com tendem a se desvelar. E isso pode ser, ao
mesmo tempo, enriquecedor para o partilhar de sentidos, como também limitante/desalojador,
pois tende a mobilizar grande exposição e desconforto ao ponto do ser se velar novamente
(CAMASMIE; SÁ, 2012). Ademais, o terapeuta precisa estar atento a esse movimento do e
no grupo.
Segundo Evangelista (2013, p. 151) “o foco do processo grupal não é a “cura”
enquanto remissão do sofrimento psicológico, mas o crescimento pessoal enquanto liberdade
para dispor mais livremente de si nos relacionamentos interpessoais”. Ainda nessa direção,
destaca-se o cuidado liberador como pressuposto heideggeriano de importância ímpar no
processo de facilitação de grupos. Em alguns momentos, os participantes podem se colocar
com uma postura tutelar diante da experiência dos outros e isso pode comumente ser visto na
forma de dar conselhos/sugestões e ditar normas. Contudo, vale salientar que a troca de
experiências deve se manter no campo reflexivo, cabendo ao terapeuta indagar o estar-sendo
do movimento fenomênico em prol da ressignificação do vivido e da ampliação de novos
horizontes existenciais. (CAMASMIE; SÁ, 2012).
Nesse sentido, esse relato de experiência se justifica por tematizar questões
importantes no tocante à facilitação de grupos terapêuticos por estagiários em uma clínica
escola do interior nordestino, podendo inspirar/encorajar discentes e docentes no processo de
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que o objetivo deste relato se resguarda na compreensão dos sentidos que a
modalidade de grupo proporcionou a todas nós, a partir de nossa experiência como aprendizes
da clínica. Percebemos que uma equipe formada por duas estagiárias terapeutas e uma
observadora participante torna o processo grupal mais flexível e colaborativo, ajudando no
processo de aprendizagem de todos os envolvidos, atenuando os medos do psicólogo iniciante
e apaziguando-o diante da imprevisibilidade da clínica, e ainda, contribuindo para o
refinamento da escuta clínica por meio da observação de outros colegas que exercem papeis
distintos simultaneamente.
Outra questão de suma importância é o tamanho do grupo que pode se tornar um
obstáculo com o passar do tempo. Consideramos que para um terapeuta iniciante, o número
de seis até oito pessoas por grupo seja o mais recomendado. A experiência nos ensinou que a
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menor quantidade de componentes gera maior espaço para a distribuição de falas, ajudando os
estagiários no processo de contratualização, facilitação e vinculação.
Ainda pode-se pontuar que a proposta de temas abertos, a fim de incluir os
participantes na construção do grupo, demonstrou ser eficaz no que tange a opinião do
componentes e os ‘resultados obtidos’ nos encontros; denotando a importância do
planejamento inicial não ser rígido, pois o próprio grupo revela elementos que vão
modificando o que foi elaborado.
Não identificamos problemas de construção de vínculos e trocas de experiências
devido a diferença de idade entre os participantes, demonstrando que é possível uma
condução satisfatória com pessoas de diferentes gerações.
Em relação às limitações, destaca-se o recesso acadêmico como elemento que
dispersou o grupo, gerou descontinuidade e desistência de alguns participantes. Por isso,
sugere-se que os próximos grupos se atentem a isso. A demanda de fala de alguns
participantes também apresentou-se como um desafio, por dificultar que as discussões
acontecessem de forma integral, necessitando um maior manejo por parte das terapeutas e de
repactuações sempre que necessário.
Por fim, destacamos que o grupo Tecendo Sentidos aconteceu em um único semestre e
temos pretensão de dar continuidade ao mesmo com algumas reconfigurações que a própria
prática apontou. Além disso, consideramos que os desafios e contribuições já elencados nos
ensinaram um pouco mais sobre a clínica psicológica num perspectiva Fenomenológica
Existencial, já que a ação clínica não consiste meramente em operacionalizar atividades, mas
antes, considera a inventividade inerente aos diferentes modos de afetação experimentados no
encontro, e ainda, a singularidade dos modos de estar-com, de acompanhar a travessia do
sujeito em sofrimento, que demanda cuidado. Conclui-se que a experiência foi desveladora de
novos horizontes compreensivos para o nosso fazer-saber profissional.
REFERÊNCIAS
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
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Serenidade esta, que segundo Heidegger é o saber esperar e estar aberto ao que pode vi-
a-ser ou não no movimento do grupo.
Destaca-se o caráter mobilizador do grupo para a observadora participante, havendo
identificações com questões trazidas pelos membros do grupo que impulsionaram reflexões
importantes, em momentos de supervisão, a respeito de possíveis intervenções clínicas
pautadas em pressupostos heideggerianos, a exemplo: angústia, cuidado, serenidade. Além
disso, foi possível a partir dessa experiência, aprender e compreender um pouco mais o
método fenomenológico na prática clínica.
A Fenomenologia Existencial no trabalho com grupos permitiu vários aprendizados no
que diz respeito ao saber-fazer do terapeuta iniciante, pois essa modalidade se mostrou
bastante desalojadora e promotora de desafios, no que diz respeito à observação meditante, à
devolução das afetações, a provocação de reflexões necessárias e oportunas aos envolvidos no
grupo.
É importante demarcar que o grupo finalizou com uma confraternização idealizada e
realizada pelos próprios participantes do grupo, os quais expressaram gratidão aos estagiários
e compartilharam os sentidos coconstruídos ao longo do processo grupal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
DUTRA, Wagner Honorato; CORRÊA, Rosa Maria. O grupo operativo como instrumento
terapêutico-pedagógico de promoção à saúde mental no trabalho. Psicologia: Ciência e
Profissão, v. 35, n. 2, p. 515-527, 2015.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo. (F. Cad.). Campinas: Editora da Unicamp, Petrópolis: Vozes.
2005. (Original publicado em 1927).
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MÉTODO
As intervenções são realizadas por uma equipe composta por uma psicóloga docente
supervisora de estágio e cerca de seis a oito estagiários por semestre, no Centro de Estudos e
Práticas em Psicologia (CEPPSI), serviço escola da Universidade Federal do São Francisco
(UNIVASF). Trabalhadores diversos, desempregados e aposentados procuram o CEPPSI
para se inscreverem, alegando sofrimento no e por causa do trabalho (ou sua ausência) e
várias organizações buscam fazer parcerias para cuidar de seus trabalhadores. Demandas
dessa ordem são encaminhadas para a referida equipe de estágio. Com algumas instituições,
são estabelecidos convênios de cooperação técnica; com outras, firma-se compromisso de
curto espaço de tempo para atender as demandas.
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
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podem manter, reciclar ou jogar fora diante das decisões que já tomaram na vida; com a
maquete, mapeiam-se competências e se exploram novas possibilidades de ação frente ao
mercado de trabalho ou novas situações sociais; com o balão de sonhos, definem-se metas a
alcançar; e com o livreto ou as planilhas de vida, culmina-se com a elaboração de projetos de
felicidade humana, parafraseando Ricardo Ayres (2005). Como já alertaram Souza e Macêdo
(2018, p. 269), “é importante ressaltar que esta perspectiva concebe a felicidade não como um
bem concreto, mas uma disponibilidade para projetos existenciais que favoreçam a superação
de momentos limitantes na vida do sujeito”.
Além da possibilidade de sedimentação metodológica, os trabalhadores que
participaram dos processos alcançam resultados como: ampliação do autoconhecimento (mais
clareza de si e do mundo); reconhecimento do próprio potencial (elevação da autoestima);
visualização de possibilidades de manutenção e/ou reinserção no mercado de trabalho;
desenvolvimento de habilidades interpessoais e de liderança; ampliação de vínculos sociais
entre os participantes de grupos interventivos; fortalecimento de vínculos familiares e afetivos
diversos; e elaboração de projetos de vida para além do labor. Por sua vez, as organizações
demandam mais atividades e/ou renovam convênios de cooperação técnica; e os (as)
estagiários (as) que conduzem os processos desenvolvem competências para atuação prática,
tanto em Psicologia Organizacional e do Trabalho, quanto na clínica em Psicologia, além de
vislumbrarem possibilidades de ofertar futuramente, como profissionais, serviços inovadores
na região do Vale do São Francisco, quando retornam para suas cidades de origem.
Como resultados adicionais, tem sido comum os sujeitos narrarem, ao final dos
encontros de grupos interventivos, como o compartilhamento de experiências com outros que
enfrentam realidades semelhantes, por si só, já favorece a diminuição do sofrimento. Nas
organizações, trabalhadores se surpreendem quando, no espaço de escuta e fala, percebem que
o colega passa por situações semelhantes, mas que não sabiam até então, o que favorece que
juntos pensem em estratégias de enfrentamento. Também se percebe que ações interventivas
junto a sujeitos sem perspectivas de mudanças sociais e organizacionais têm ajudado os
participantes a elaborar projetos, ampliando seu poder de agir sobre a própria vida, ao que se
está denominando de novos modos de gestão da própria vida.
Pode-se dizer, com os resultados alcançados até o momento, que um clínico humanista-
fenomenológico do trabalho enfrenta impasses ao compartilhar significados com os
participantes, devido sua condição de trabalhador concreto ser a viga mestra do diálogo. Ele
também precisa escutar sua experiência do mundo do trabalho como um dado da tradição,
sem se abster dela. No entanto, deve realizar uma leitura dos modos de subjetivação diante
dos modos de gestão e das relações sociais estabelecidas no contexto social do trabalho
investigado e considerar que a tradição vai além da empatia, a fim de mergulhar no mundo da
experiência compartilhada no momento do encontro, para produzir novos sentidos
(MACÊDO, 2015). Isso constituiria sua ação criativa (seu espírito selvagem), num dizer
merleau-pontyano, sua obra, para que possa, numa conversação gadameriana, contestar
verdades e chegar a novos conceitos, como também construir, junto com os sujeitos, projetos
de felicidade humana que não se restrinjam ao labor.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AYRES, J.R.C.M. Hermenêutica e humanização das práticas de saúde. Ciência & Saúde
Coletiva, v. 10, n. 3, p.549-560. Disponível em <
http://www.scielo.br/pdf/csc/v10n3/a13v10n3.pdf >. Acesso em 26 fev. 2019.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000300013.
SOUZA, G.W.; MACÊDO, S. Grupo interventivo com genitores (as) de crianças vítimas de
violência sexual. Revista da Abordagem Gestáltica, Goiânia, v. 24, n. 3, p. 265-274, dez.
2018. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
68672018000300002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 09 set. 2018.
http://dx.doi.org/10.18065/RAG.2018v24n3.1.
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final: a idade adulta. Comportamentos desviantes da linearidade proposta são tidos como
patológicos, uma vez que cada fase superada deve ser deixada para trás, e retomar aspectos
passados é visto como uma regressão no processo de desenvolver-se.
No entanto, em sua obra, os autores apontam a trajetória humana não como uma linha
reta, mas sim como um círculo a ampliar-se, no qual o dasein é aquilo que se amplia, ou seja,
a existência humana. (POMPÉIA; SAPIENZA, 2013). Nessa perspectiva, o Dasein é algo
muito mais complexo, pois não se trata de um objetivo a ser atingido, mas sim uma ideia de
compreender o humano enquanto ser-aí frente ao sofrimento, e que essa forma de apresentar-
se nessa condição mostra algo que faça sentido na existência desse sujeito.
Tratando-se da clínica fenomenológica, visualizar a criança sob uma lente de
diagnósticos prévios ou limitado às queixas apresentadas pelo cuidador/responsável
dificultam a aproximação fenomenológica do sofrimento em seu estado originário, já que se
antepõe um apriori teórico sem aguardar que o fenômeno vá se des-velando por si mesmo a
partir da relação com os outros no mundo. Enxergar a criança através de um saber que a
enquadre teoricamente, sem o devido posicionamento de abertura e criticidade, pode
contribuir para que o fenômeno propriamente dito desapareça em detrimento de uma
configuração do real previamente determinada. Ao considerar uma atitude fenomenológica na
clínica, o terapeuta suspenderá as interpretações prévias a respeito da criança que é trazida ao
consultório, possibilitando acompanhar o desvelar do fenômeno ao seu modo (FEIJOO,
2011).
Com isso se tratando do contexto clínico, compreende-se que “assumir uma postura
fenomenológica frente ao fenômeno consiste em suspender qualquer posicionamento
ontológico, seja da ciência ou do senso comum sobre as coisas, fenômenos” (FEIJOO, 2011,
p.187). Dessa forma, como pontua Feijoo (2011), se desfazer de qualquer posicionamento
ontológico previamente estabelecido a respeito do comportamento da criança, possibilita a
aproximação do modo que se mostra em sua expressão singular, originária.
Diante de tais apontamentos, o presente estudo é norteado pela inquietação referente
ao lugar da liberdade de ser no atendimento infantil. Para tecer compreensões sobre tal
questão, pretende-se compartilhar a experiência enquanto estagiária e supervisora frente a um
caso infantil de violência intrafamiliar, elaborando compreensões acerca da clínica
fenomenológica voltada ao público infantil e desconstruindo o fazer psicológico pautado em
atendimentos e compreensões previamente estruturadas, o que dificulta a livre expressão do
ser-aí da criança.
MÉTODOS
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
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Dessa forma cabe ressaltar que a técnica não é entendida aqui como um meio para
atingir um fim, mas como um processo cocriativo e coexistente. Como aponta Protasio
(1997, p.14) “o terapeuta acompanha, segue a direção sugerida pela criança com sua
intencionalidade como recurso de trabalho: seu olhar, sua escuta, únicos para aquela
criança.” Faz-se necessário ressaltar que a postura de abertura frente ao processo de
alethéia neste contexto visou não perder de vista o acolhimento do sofrimento do cliente
e de sua responsável, tampouco o ato de questionar como via de investigação do
fenômeno, assim como uma forma de pontuar intervenções reflexivas, que indagassem a
respeito do estar-sendo de cada um dos atores envolvidos e dos sentidos co-construídos
por eles.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de. A clínica psicológica infantil em uma perspectiva
existencial. Revista da Abordagem Gestáltica, Goiás (Goiânia), v. 17, p.185-192, 2011.
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INTRODUÇÃO
Embora, a existência seja, essencialmente, liberdade, cotidianamente parecemos distraídos quanto ao nosso
poder-ser próprio e vulneráveis às crenças impessoais e às objetivações. A compreensão da co-pertinência entre
homem e mundo e da existência como cuidado, naquele sentido ontológico, implica uma transformação do olhar,
revertendo preocupações técnicas de eficácia na solução de sintomas para o plano da ética a das possibilidades
de singularização existencial. (SANTOS; SÁ, 2013, p. 53)
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Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo tematizar o sofrimento na clínica
psicológica de inspiração fenomenológica existencial a partir do recorte de um caso clínico
atendido na modalidade de psicoterapia.
MÉTODOS
RESULTADOS E DISCUSSÕES
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lugar do especialista que supostamente tudo sabe, fomos co-construindo caminhos junto com
o usuário, em direção à abertura, ao pensamento meditante que reflete o narrado/vivido no
aqui-agora do acontecimento. No entanto, ao longo dos atendimentos, João também se
apresentava como aquele que, aparentemente, sabia de tudo na maior parte do tempo. Com
isso, interrogamos sobre o quê o motivou a buscar psicoterapia e o quê o mantinha em
processo, já que explicitava um discurso “seguro” sobre o uso empregado de estratégias para
evitar sinais e sintomas da ansiedade que estavam à serviço do ocultamento do sofrimento.
Diante disso, podemos compreender que o fenômeno se mantinha velado frente ao que
se mostrava. Ou seja, ao mesmo tempo que se mostra diretamente, de modo a constituir o seu
sentido para quem o vivencia, também se esconde. E vice-versa. Assim, a compreensão co-
construída dos fenômenos apresentados não reside em a prioris meramente teorizantes, mas
antes de tudo, no que se quer dizer sobre o movimento fenomênico de ocultação e revelação.
As afetações da estagiária relacionadas a maneira como João se colocava nos
primeiros atendimentos foram problematizadas nas supervisões, trazendo o aprendizado que a
prática clínica nos convoca a revisitar e recordar questões existenciais que ultrapassam o
binômio queixa-demanda. E isso nos mostra sobre a imprevisibilidade do vivido, do narrado,
do experienciado, do quanto é importante e necessário que o estagiário invista em seu
processo psicoterapêutico, nas supervisões e nos estudos. A clínica nos afeta e tem o poder de
nos deslocar do aguardar sereno, podendo nos instigar a “colocar algo no lugar da angústia. ”
Esse foi um desafio e ainda é um exercício de aprendizado constante. Assim, revisitar o lugar
do não planejado, do imprevisível na clínica também é algo que pode trazer sofrimento,
inquietação, desassossego aos atores envolvidos no processo, inclusive para psicólogos mais
experientes.
A partir da disponibilidade e acolhimento do terapeuta, o processo de desvelamento foi
acontecendo, sendo possível distinguir a queixa apresentada (ansiedade agravada) da demanda
desvelada (dificuldade de dizer quem ele era, necessidade de agradar o outro e de se
autoafirmar). A forma de ouvir, de lançar questionamentos e de se atentar às questões trazidas
pelo usuário foram importantes para a construção da aliança terapêutica. E nesse caminhar
junto com o outro, pudemos des-velar novas possibilidades de coexistência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que o psicólogo clínico não deve se colocar no lugar de mero especialista.
Partimos de uma clínica onde a técnica não consiste no prever e controlar ações para um
determinado fim, mas daquela que propõe horizontes reflexivos e compreensivos juntos-com
o outro mediante a indagação pelo sentido de ser. O caso em questão nos ensinou que a
compreensão clínica numa perspectiva fenomenológica não se limita à identificação de sinais
e sintomas presentes na experiência de sofrimento, até porque a nossa ação não consiste na
mera remissão de sintomas, mas na co-construção de novas formas de ser e de estar diante se
si, do outro, do mundo. É preciso acompanhar o vivido para que as pré-compreensões se
alarguem e produzam novos horizontes. Ao se limitar ao diagnóstico, há o grande risco do
terapeuta iniciante se fechar em leituras teorizantes. Com isso, não estamos descarando a
importância de correlatos ônticos ao longo do processo, mas alertando sobre o perigo de não
os contextualizar junto à historicidade de quem sofre. A clínica é uma experiência única e
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2007.
SANTOS, Danielle de Gois; SA, Roberto Novaes de. A existência como "cuidado":
elaborações fenomenológicas sobre a psicoterapia na contemporaneidade. Rev. abordagem
gestalt. Goiânia, v. 19, n. 1, p. 53-59, jul. 2013.
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apresentadas nesse contexto grupal, podendo ressignificar as suas próprias práticas a partir do
que fizer sentido para a sua realidade.
Realizados os atendimentos, os estagiários e os docentes supervisores reúnem-se em
supervisão semanal, previamente agendada, em que são relatados e discutidos os casos
individuais e os relatos do trabalho em grupo, a partir do aporte teórico estudado para
respaldar as práticas e posturas clínicas adotadas, e também para que se possa planejar e
direcionar cada caso acompanhado e também, sendo necessário, realizar encaminhamentos
para a rede interna do CEPPSI ou externa (a exemplo do Sistema Único de Saúde - SUS). A
supervisão possui ainda um caráter didático-formativo para o estagiário envolvido nesse
serviço, uma vez que a troca de experiências entre os agentes envolvidos favorece a uma
formação mais ampla, contribuindo para um exercício mais efetivo da Psicologia.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Ao longo da duração da oferta desse serviço, uma das modificações mais importantes
foi a inserção de outros membros da família na intervenção clínica, partindo do pressuposto
que precisam ser compreendidos em um contexto mais amplo, neste caso, o familiar. Tal
ampliação do olhar clínico encaixa-se com a visão de campo da Gestalt-terapia, em que se
considera que os indivíduos não podem ser vistos de maneira isolada, mas em relação. Além
disso, o conceito de Psicologia da Gestalt, em que se considera que “o todo é diferente da
soma das partes”, aponta para uma reorganização dos elementos quando vistos em conjunto.
Com base nesta ideia, o homem não pode ser compreendido fora do seu contexto, está
integrado ao seu campo e é construído a partir dele. Reciprocamente, o indivíduo constitui
ainda o meio, isto é, o sujeito afeta e é afetado constantemente pelo campo. A visão holística
(holos em grego significa total, completo) e a Teoria de Campo contribuem, então, para a
compreensão sistêmica do ser-no-mundo na Gestalt-terapia; sujeito este que não pode ser
estudado de forma independente ao meio nem pode ser divisível em partes isoladas,
manifestando-se sempre a sua totalidade a cada momento (KIYAN, 2006).
Em consonância a esse pensamento, Osório (2004) aponta que a família não é um
aglomerado de elementos em um sistema, mas um conjunto integrado em suas interações.
Esta nova forma de intervir tem proporcionado frutos interessantes, quando por exemplo o pai
de um adolescente considerava que seu filho o achava muito rígido, mas na oportunidade de
uma sessão conjunta ele pôde constatar que a visão de seu filho era diferente, considerando
que a figura parental estava apenas fazendo seu papel de orientação.
Essa perspectivação, ou seja, a capacidade do sujeito produzir novos sentidos e
significados remete também ao entendimento gestáltico para a questão do saudável, que passa
pela não obrigatoriedade de fixar-se no sintoma. Assim, determinadas qualidades da relação
familiar, que outrora eram vistas como problemáticas, passam a ser acolhidas e interpretadas
pelos membros da família como algo criativo. É o caso da criança que fazia birras para
chamar atenção dos pais, e quando isso pôde ser compreendido, a birra passou a ser vista
como uma necessidade a ser melhor mediada.
A produção de novos sentidos e significados na dinâmica familiar possibilita a
emergência, por sua vez, de novas gestaltens, o que implica nas recolocações das relações,
que são mutáveis. Assim, como explica Giordani (1997, p. 22), “a Existência (o homem) não
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é um estado, mas um ato; é, pois, algo dinâmico que se cria a si mesmo continuamente, que
luta por si, que dá a si sua própria forma”. O homem, na abordagem gestáltica é um ser-no-
mundo, inacabado e constituído continuamente a partir das relações que estabelece com o
meio. Nesta perspectiva, fica evidente a liberdade do indivíduo quanto às suas escolhas,
conscientes ou não. É ele quem decide qual escolha fará diante das possibilidades disponíveis
– porém limitadas - no seu campo vivencial e, em decorrência disso, tem responsabilidade
sobre si mesmo.
Dessa maneira, a forma como é construído o processo com cada cliente é bastante
singular, visto que cada sujeito tem formas únicas de perceber o mundo e, por consequência,
de vivenciar suas experiências enquanto pais e cuidadores. Logicamente, há dados científicos
que embasam as orientações e direcionamentos propostos aos cuidadores, no entanto, não há
um modelo previamente instituído que sirva para todos os clientes, uma vez que a
fenomenologia busca a autodescoberta como ser-no-mundo a partir da forma pela qual cada
um percebe os fenômenos a sua volta. Isto porque não acredita em uma verdade a priori, mas
sim em diferentes maneiras de perceber e sentir determinado fenômeno. Ainda, de acordo
com Rodrigues (2009) o sujeito aos poucos vai reconhecendo sua maneira própria de perceber
as coisas, de lidar com as dificuldades, reconhecendo a si mesmo e responsabilizando-se pelo
que deseja fazer com as novas descobertas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda que não tenha sido o foco deste resumo, é importante destacar que, do ponto de
vista quantitativo, o serviço já atendeu, aproximadamente, 150 famílias, evidenciando a sua
relevância para o contexto social em que se encontra e para a emergência da promoção de
relações parentais mais saudáveis. Evidencia-se ainda a credibilidade desse serviço no
CEPPSI, tendo como possível indicador as solicitações por parte das instituições que buscam
orientação e apoio do Serviço de Orientação para Pais e Famílias, tais como Vara da Infância,
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social – e CREAS – Centro de Referência
Especializado de Assistência Social.
Isso corrobora com a aposta feita pela equipe nesse tipo de serviço, uma vez que a
promoção da saúde de famílias, no que diz respeito às qualidades de suas relações, aliando
teoria e prática, tem, nos limites do próprio serviço, possibilitado um espaço de acolhimento,
orientação e ressignificação dos padrões familiares.
Ademais, é importante frisar que o serviço também se constitui como significativo
contexto de desenvolvimento profissional de futuros psicólogos em searas ainda pouco
exploradas pelo campo, abrindo oportunidades de atuação inovadora e oferta de novas
contribuições à população.
REFERÊNCIAS
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KYIAN, Ana Maria Mezzarana. E a Gestalt emerge: vida e obra de Frederick Perls. 2. ed.
São Paulo: Altana, 2006. (Coleção Identidades).
OSÓRIO, Luiz Carlos. A Família Como Sistema. In: MELLO FILHO, Júlio de; BURD,
Miriam (Org.), Doença e família. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. cap. 1, p. 29-31.
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MÉTODO
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pesquisa foram levadas para reunião, onde era realizado um diálogo gadameriano para se
chegar a uma apreensão em comum dos sentidos que a equipe percebia da entrevista grupal, o
que levou à presentificação das unidades de sentido da experiência narrada por cada grupo; d)
a equipe de pesquisa sintetizou a descrição do sentido da experiência investigada em um texto
que consistia numa análise preliminar, para responder aos objetivos da pesquisa, retirando-se
conteúdos repetitivos; e) encaminhamento por e-mail ou entrega de algumas cópias impressas
da análise preliminar aos colaboradores daquele grupo para que os mesmos pudessem sugerir
modificações ou mesmo confirmar ou negar a análise realizada; f) após essa devolutiva, a
equipe de pesquisa realizou a análise final, buscando sentidos em comum para todos os
grupos, bem como diferenças significativas entre eles.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
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Neste sentido, uma postura mais investigativa, explicativa ou tecnicista numa triagem,
além de fichas e formulários para atendimento podem dificultar a escuta nos serviços de porta
de entrada, considerando que o foco da escuta corre o risco de ser o conteúdo que deve ser
transcrito pelo estudante e não a demanda do cliente. Foi possível compreender que a
disponibilidade e a abertura dos estagiários, ao realizarem os atendimentos, parecem ser
cruciais para o fluir da escuta quando diante dos usuários. Nos grupos de PP, os estudantes
revelaram que a disponibilidade e abertura no aqui e agora são a base para a prestação desse
serviço, já que é o próprio usuário quem direciona o diálogo, faz fluir e dá rumo ao
atendimento. Como pode ser visto na fala de Umari (PP1):“A base do plantão é a
disponibilidade. Quando eu percebo que a gente está lá, disponível, não a pensar quando vai
intervir, [...] deixa ver o que ela quer dizer porque a fala dela vai dando o rumo de um
atendimento [...]”.
Compreendeu-se, também, que no processo de tornar-se psicólogo, os estudantes
enfrentavam dificuldades no manejo do tempo. Os estagiários de TT, por exemplo, diante
de usuários mais mobilizados, revelaram sentir-se convocados a realizarem um acolhimento
inicial com intervenções e pontuações, saindo do âmbito investigativo, porque eles
consideravam ser esse um momento importante para a permanência do sujeito no processo.
Uma dificuldade para os colaboradores também era o tempo que alguns usuários levavam
para falar. De acordo com os estudantes que realizavam TI, a dificuldade era a distribuição do
tempo de fala entre os integrantes do grupo, bem como manejar o tempo de maneira
“proveitosa” diante do limite de tempo da sessão.
Algumas características da modalidade de PP, como a impossibilidade de
planejamento antecipado, por exemplo, era experienciada com Insegurança e dúvida da
própria capacidade. Os colaboradores revelaram, inclusive, que serviço de PP não era
contínuo, sendo necessário que eles estivessem atentos no momento exato de intervir, como
relata Caroá (PP2) “No emergencial é ali e pronto. Ou você sabe o momento de você intervir
[...] ou, às vezes, passa aquele momento e para você resgatar nem sempre vai ser tão legal [...]
às vezes realmente passa”. Alguns estudos também constataram insegurança em estudantes
que atendem nessa modalidade (PAPARELLI; NOGUEIRA-MARTINS, 2007), sendo
possível refletir que essa insegurança pode estar associada às próprias características da
modalidade. No entanto, a insegurança também era experimentada no início da experiência
em qualquer modalidade de serviço de porta de entrada por todos os estudantes investigados,
como se pode compreender da fala de Angico (TI) “No começo eu estava muito muito
insegura, por quê? Por nunca ter participado de nada parecido”.
Outra unidade que pôde ser compreendida foi a necessidade de autocuidado, diante
da pressão e ansiedade que enfrentavam como estagiários. Nesse sentido, é importante refletir
sobre os modos de adoecimento e sofrimento de profissionais de saúde, compreendendo que,
antes mesmo de adentrarem o mercado de trabalho, já apresentaram sofrimento frente à
realidade profissional. Junto a isso, é possível pensar sobre modos de cuidado à saúde do
futuro profissional de Psicologia, reconhecendo o serviço escola como instituição e, dentro do
âmbito organizacional, os estudantes como parte do corpo de funcionários, sendo interessante
preservar e promover espaços de cuidado a eles.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos dados analisados, pode-se perceber que em serviço escola existem desafios
e dificuldades a serem enfrentados por estudantes de Psicologia. A desarticulação teórico-
prática pode comprometer o processo de desenvolvimento da escuta. No entanto, atender a
questões burocráticas nas atividades práticas, carecer de infraestrutura em serviço público de
saúde, aliado à insegurança, falta de autocuidado e dificuldades com manejo do tempo nos
atendimentos, tudo pode potencializar para esses estudantes impasses vivenciados na
experiência do processo de tornar-se Psicólogo, principalmente em serviços de porta de
entrada, que são definitivos para identificação da demanda, para os processos diagnósticos e
para encaminhamento dos casos.
Sugere-se estudos futuros com outras modalidades de atendimento para maior
aprofundamento do tema desenvolvimento da escuta clínica no processo de tornar-se
psicólogo, pois se compreende que na presente pesquisa, focada em apenas duas modalidades
clínicas de prática psicológica, algumas questões chaves, como manejo do contrato, relação
terapêutica e alta, profundamente relacionadas com a escuta clínica, não puderam ser
investigados.
REFERÊNCIAS
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território das comunidades afetadas pelas obras da transposição do rio São Francisco,
utilizando-se da cartografia clínica, a extensão universitária permite vivenciar e refletir acerca
do viver cotidiano de uma população, articulando conhecimentos e experiências a partir da
inserção do extensionista no território, uma vez que a cartografia clínica “[...] cumpre uma
dupla função: detectar a paisagem, seus acidentes, suas mutações e, ao mesmo tempo, criar
vias de passagem através delas. Sua missão é criar língua para os movimentos, dando-lhes
condições de passagem e efetuação” (ANDRADE; MORATO; SCHMIDT, 2007, p. 198).
Ao lúmen da perspectiva fenomenológica existencial ao modo de Heidegger, este
trabalho é um relato de experiência, que lança mão da narrativa, inspirada nas ideias de
Walter Benjamin (1994), possibilitando o tecer de uma história, bem como o
compartilhamento de uma experiência acerca da vivência possibilitada pelo trânsito dos
extensionistas nas comunidades, constituindo-se enquanto “uma forma artesanal de
comunicação” (BENJAMIN, 1994, p. 205).
Tais narrativas foram registradas em diários de bordo, e, posteriormente foi realizada
uma leitura hermenêutica dos mesmos, visto que “um Diário é como um tecer de muitas
estórias interligadas. Estórias essas também tecidas por entre outras narrativas” (AUN, 2005,
p. 18), que sinalizam o desvelar da experiência no cotidiano da população.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
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busca de apropriar-se dos modos de estar com outros e, assim, en-caminhar-se na sua
existência” (SANTOS, 2016, p.183).
A partir desse acompanhamento, os extensionistas escutaram ainda nas narrativas dos
moradores, queixas relacionadas ao processo de desapropriação de terras, uma vez que essa
foi uma das causas iniciais das problemáticas relacionadas à obra do canal principal da
transposição do rio São Francisco, pois ocasionou problemas em relação à impossibilidade de
produção e plantação, bem como o acesso a água para os moradores que já foram atingidos
pela obra. Além disso, os extensionistas puderam ouvir a partir dos moradores que ainda não
foram diretamente afetados pelas obras do ramal da transposição a crescente expectativa com
relação a essa série de perdas anteriormente citadas, pois existe o medo de que aconteça nas
comunidades próximas ao ramal o que aconteceu com os moradores afetados pelas obras do
canal principal. Ao ouvir esses testemunhos, compreendemos que “é na escuta dessas
narrativas de desenraizamento que o fazer clínico pode fomentar a abertura para o cuidado de
si, o cuidado com esse mundo a ser fundado, ou ainda, com essa ética com o próprio existir”
(HERÁCLIO, 2018, p. 106).
Destaca-se também em nossa experiência a relevância do trabalho em uma equipe
multi e interprofissional, o qual possibilitou o cuidado de lançar um olhar para o humano, para
além dos aspectos psicológicos. No entanto, para os autores desse trabalho, intervir
juntamente numa equipe multi e interprofissional é uma experiência nova. Santana (2013, p.
473) já assinala que:
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INVISÍVEIS. [Diretor]: André Monteiro. 2017. 1 vídeo (56:52 min). Publicado pelo canal
Beiras D’água. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=poIQF8FH-nA&t=515s.
Acesso em: 27 mar. 2019.
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INTRODUÇÃO
A presente experiência relatada neste documento foi realizada a partir de uma atividade
da disciplina Psicologia Fenomenológica Existencial II, do curso de bacharelado em
psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco, Univasf, que buscou junto a
mulheres em situação de cárcere, da Delegacia Prisional de Petrolina/PE, conhecer a
perspectiva de vida e futuro para essas pessoas, fundamentando-se na Logoterapia de Viktor
Frankl - visto que o mesmo, enquanto prisioneiro de guerra, concluiu que somente aqueles
que mantinham alguma esperança para o futuro e encontravam um sentido para a vida é que
conseguiam sobreviver, diante de tantas circunstâncias adversas.
Ao longo de seus relatos no livro Em Busca do Sentido, Frankl (2018) mostra que por
mais grave que seja uma doença, física ou mental, o ser humano é dotado de uma dimensão
que jamais é atingida: a “noética”, ou espiritual. É bom esclarecer que este espiritual nada tem
a ver com determinada religião ou credo. Assim, para a Logoterapia o homem é uma unidade
composta pelo “amálgama biopsicosocionoético”, e é, exatamente, o “noético” (mente em
grego) que Frankl procura alcançar.
Nesta teoria, Humanista-existencial, destacam-se os seguintes pressupostos básicos:
crença na liberdade humana de uma instância que jamais poderá ser contaminada por qualquer
enfermidade, por mais grave que ela seja; toda e qualquer pessoa é chamada à vida para ser
responsável e, muito mais, para dar a ela o melhor de si, e não apenas para tirar dela qualquer
coisa que violente a sua natureza. Tendo sido, portanto, outro objetivo desta atividade
proporcionar as mulheres encarceradas, o direito de serem mulheres, sem preconceito,
discriminação ou rótulos; buscando compreender as suas experiências, perspectivas,
sentimentos e anseios, sem focar no que supostamente as levou a tal situação - um canal,
mesmo que mínimo, para que elas fossem as personagens mais importantes, e não suas ações
passadas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a conclusão da atividade acadêmica que deu origem a este relato foi possível uma
reflexão acerca do significado do encarceramento, bem como os mecanismos utilizados pelas
mulheres para o enfrentamento de suas novas realidades, visto que mesmo o ambiente
carcerário sendo caracterizado como um lugar inóspito, uma vez que reforça características
como opressão, desconfiança, medo, castigos... Gerando assim, um déficit emocional
significativo elas não demonstraram falta de vontade e força para superar suas limitações
daquele momento e retomar seus sonhos.
Conhecer as experiências de sofrimento, enfrentamento e superação destas mulheres
em cárcere, tornou visível a necessidade que o ser humano tem de se relacionar com os outros
e com o mundo (ser-com-os-outros), assim como, a presentificação do vazio de ordem
emocional. Suas falas mostram o desenvolvimento de mecanismos de enfrentamento que as
ajuda a uma adaptação, a um desenvolvimento de resiliência baseado em um Deus ou no amor
aos filhos, a projetos futuros e até mesmo na liberdade caracterizando deste modo, um suporte
emocional e motivacional.
Essas mulheres carregam um peso social evidenciado pela exclusão do exercício de
cidadania onde suas ações nas mais diversas formas poderão ser interpretadas como
insubordinação resultando em castigo. Carregam ainda vestígios das suas liberdades (que aqui
me refiro à definição em Sartre onde liberdade são escolhas e geradora de angustias) na fala,
no olhar, na expressão corporal... assim como, fica muito claro que a liberdade não as define,
ao contrário, a liberdade passa a ser um o ponto de partida para um leque de possibilidades
para um novo recomeço. A essa capacidade de assumir as consequências de suas escolhas sem
terceirizações, de ressignificação, de ir à luta, de mudar a realidade atual, é o que chamo de
superação.
Por fim, este trabalho dentro de um contexto existencialista foi de suma importância
por proporcionar aprendizagem e reflexão, principalmente no que tange ao preconceito social,
no qual, essas mulheres são penalizadas por romper com um código social e pela
extraordinária capacidade que o ser humano tem de superação mediante as adversidades.
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psicologia com esses povos, de forma participativa, considerando a realidade que vivenciam.
Nessa mesma perspectiva, Martín-Baró (1996) propôs uma psicologia comprometida com
seus povos no sentido de intervir nos seus processos subjetivos, a partir de um quefazer
profissional voltado para a conscientização dos povos, ou seja, que promova o conhecimento
crítico sobre si e sua realidade, apontando, pois, o não acesso desse conhecimento crítico do
contexto e de si como causas que colaboram para sustentação das opressões que sofrem.
Assim, a realização desse trabalho fundamenta-se na busca por contribuir para
ampliação dos trabalhos já realizados em contextos que envolvam os PCTs, problematizando
a partir de uma experiência prática, sobre as possibilidades e a relevância de atuação da
psicologia dentro desses contextos. Esse estudo é parte do Trabalho de Conclusão de Curso da
autora, intitulado “Organização popular e subjetividade: costurando sentidos com a juventude
de uma comunidade de Fundo de Pasto”. Aqui o foco e objetivo é refletir sobre o processo de
imersão no campo de prática/pesquisa, questionando sobre o modo de adentrar nessas
comunidades.
MÉTODOS
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de organização das comunidades de forma que elas conquistem direitos (território, água,
produção sustentável) e assim permaneçam em seus territórios.
A comunidade na qual foi realizada a prática/pesquisa existe há mais de 100 anos. Faz
parte de um Fundo de Pasto que está dividido em quatro comunidades e conta com cerca de
336 famílias (CPT, 2016). As famílias conseguem viver da própria terra, tendo como base da
economia a agricultura de subsistência, criação de animais (ovinos, caprinos e bovinos), pesca
e apicultura. A história da comunidade é marcada por muitos conflitos de terra e violência
agrária, sendo que em 2009, uma das lideranças camponesas foi assassinada em decorrência
de tais conflitos. Um território de constantes grilagens, que se iniciaram no final da década de
70, com a construção da barragem de Sobradinho. Fatos que compõe as estatísticas da
violência no campo (CPT, 2009, 2016).
As ameaças aos povos tradicionais perpassam também essa comunidade, apontando
para a necessidade de uma prática psicológica que possa atuar sobre os processos subjetivos
que alicerçam e propiciam a perpetuação das opressões e que contribua para a construção de
uma sociedade em que o bem individual de poucos não se faça sobre uma mal de uma
maioria, que para os privilégios de alguns outros tantos não sejam subjugados a condições de
vida desfavorecidas, que os interesses de alguns não determine a desumanização de todos
(MARTÍN-BARÓ, 1996).
Aos poucos foi sendo compreendido que as ameaças ao território não significavam
apenas um conflito de interesses materiais, mas também ameaças a um modo de vida, um
modo de ser no mundo que não cabe no modo-de-ser-de-trabalho da sociedade em que
vivemos. Enquanto que o modo-de-ser-trabalho estabelece uma relação utilitarista das coisas,
de domínio e servidão a interesses próprios, o modo-de-ser-cuidado promove a atitude
fundamental de valoração e conexão com o todo pelo sentido inerente às coisas, promovendo
a alteridade, reciprocidade e complementariedade (BOFF, 2011).
Nessa perspectiva, o profissional de psicologia uma vez que atua sobre as questões
subjetivas, tem a potência de contribuir para a constituição de uma identidade pessoal e
coletiva que atenda às necessidades e anseios mais autênticos dos povos (MARTÍN-BARÓ,
1996).
Quanto aos encontros do grupo de jovens, estes aconteceram mensalmente a partir de
temáticas e atividades indicadas como interesse dos próprios participantes. Foram realizados
na sede da Associação de Pequenos Produtores. A atividade fez parte das atividades de
estágio da pesquisadora dentro da CPT, inclusive na função de facilitadora dos espaços.
As primeiras imersões foram acompanhadas de frustações diante dos novos desafios: “E
agora, Maria? Preparei-me para atuar com jovens. Chego lá, tem crianças, jovens, adultos e
idosos” (Diário de campo). Percebe-se que o enrijecimento técnico levou a paralisação diante
da constituição de um território aberto. A imersão inicial foi de se encontrar ao se perder das
seguranças e manuais. Nesse sentido, Mendes, Sacardo e Pezzato (2016) apontam sobre as
dificuldades e possibilidades de erro na experiência, quando não nos dispomos à abertura ao
novo, ao inesperado, imprevisível e incontrolável.
Foi necessário também reconhecer as singularidades do contexto. Ouvir antes de
pronunciar. Ver antes de agir. Sentir antes de envolver-se. A fala a seguir exemplifica o
reconhecimento dessa necessidade: “Iniciei errando. Levando tapas na cara. Achando que
por ser camponesa nossas realidades eram as mesmas. Aí vou lá e no meio de uma dinâmica,
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para exemplificar, falei de Power Rangers para jovens que nunca haviam assistido ao
desenho” (Diário de campo). Assim, compreende-se que a convocação primeira foi a do
ouvir. Frente a isso, Amatuzzi (1990) traz que o ato de ouvir mais que observar, refere-se a
estar em relação no aqui, a se conectar ao outro em uma dinâmica relacional de gestação do
sentido.
Para compreensão dos sentidos era necessário acompanhar como o movimento da
juventude se dava. Contudo, percebeu-se que para acessá-los era necessário despojar-se e
mais que observar seus movimentos, movimentar-se com eles, como exemplifica o
depoimento abaixo:
Enquanto uns jogavam futebol, outros estavam a ensinar e/ou aprender crochê.
Afinal, eles quem decidem o que querem para os encontros. E eu estava ali enquanto
estagiária de psicologia, mas o que aquilo tinha a ver com o fazer psicológico?
Como deveria ser minha atuação naquele dia? Na verdade, essas perguntas me
importunavam a todo o momento nesse território. Desisti de ficar pensando e segui a
tal sensibilidade, fui fazer o que o coração convocava, tirei as sandálias e fui jogar
futebol com eles. O resultado, vários calos nos pés devido a terra quente e as pedras.
Fiquei pesando porque não havia levado uma chuteira, mas dei-me conta que
precisava ter tido a experiência com eles como eles, pisando descalço na terra. O
peso antes sentido começava a dar lugar a integração. Integração entre os dois
grupos de jovens. Integração entre eu e eles. (Diário de campo)
Percebe-se que nesse contexto a via de acesso não foi a técnica, mas o encontro. A
integração sentida é resultado desse encontro entre o eu pessoa, o eu psicóloga e o eu
pesquisadora. Mendes et al. (2016) trazem o encontro como uma via construída de afetos que
permite expandir a potência do agir. Amatuzzi (2008, p.135) também reforça que até mesmo o
psicólogo em sua prática profissional “se não for pessoa, antes de qualquer coisa, nada de
verdadeiro e profundo lhe ocorrerá”. E foi a partir desse encontro que o desafio da imersão
em um campo desconhecido começou a se transformar em possibilidades significativas de
inter-relações com o outro.
Frente a isso, compreende-se que o psicólogo em sua prática deve superar as
indagações meramente técnicas do onde ou como se está realizando algo e voltar-se para as
preocupações em torno do a partir de quem e em benefício de quem ele está atuando, de
forma a refletir quais as consequências históricas de sua atuação (MARTÍN-BARÓ, 1996).
Amatuzzi (2008, p. 137) considera que “a única saída para mundo enlouquecido é
envolver-nos em experiências comunitárias”. O autor ainda traz as experiências coletivas
como potenciais de transformação de um mundo envolto em individualismos que constringem
a humanidade (AMATUZZI, 2008). Sobre isso, a comunidade em imersão tem muito a
ensinar, e a psicologia e o mundo, muito a aprender. A realização do sentido potencial já
acontece no movimento vivo e dinâmico do jeito de ser da comunidade. É, contudo,
necessário, o reconhecimento e fortalecimento desses potenciais pelos seus contextos, pelos
que estão a sua volta, como também por eles mesmos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aponta-se o movimento marcado pelo desafio, que podemos dizer, cumpriu seu
sentido, uma vez que a experiência foi significativa ao permitir o encontro entre estagiária e
comunidade. E foi no encontro com os modos de vida da juventude daquela comunidade que
se transformou os modos de olhar, pensar e atuar da estagiária.
Nesse processo, cabem as reflexões para o lugar de quem se dispunha a adentrar nessa
realidade. Visto que os povos e comunidades tradicionais enfrentam atualmente uma das
piores investidas do capital, uma perpetuação das práticas colonizadoras de extermínio dos
seus modos de vida e identidade, cabe também a psicologia descortinar e refletir sobre tais
fenômenos na sociedade, através de uma atuação que problematize e questione a realidade,
tornando os mecanismos de opressão visíveis à sociedade.
Voltando-se para, talvez, a maior provocação desse trabalho, fica a atualização da
convocação de Martín-Baró (1996), de pensar e construir uma psicologia na insubordinação
da ordem estabelecida, no combate das práticas opressivas que perpassam a construção sócio-
histórica do povo latino-americano, questionando as desigualdades e injustiças sociais que
violentam as subjetividades. Assim, colocar o saber da psicologia a serviço dos povos, uma
psicologia latino-americana a serviço dos povos latino-americanos; uma psicologia brasileira
a serviço do povo brasileiro, uma psicologia nordestina a serviço do povo nordestino e uma
psicologia sertaneja a serviço do povo sertanejo.
REFERÊNCIAS
AMATUZZI, M. M. Por uma psicologia humana. 2. ed. Campinas: Editora Alínea, 2008.
BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano- compaixão pela terra. 20. ed. Petrópolis: Vozes,
2011.
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FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade: e outros escritos. 12. ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2007.
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INTRODUÇÃO
Este relato versa sobre a prática do autor enquanto técnico social psicólogo do
Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) Álvaro Nunes no município de Casa
Nova – BA. Inspirado na Fenomenologia Existencial Heideggeriana, foi possível refletir sobre
um modo outro de estar-com aquele que sofre, acolhendo seu pathos, buscando uma postura
de serenidade frente a técnica, visando o cuidado emancipador.
O CRAS, conquanto porta de entrada do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), comporta dentro de si uma grande potencialidade: promover saúde mental por meio
do fortalecimento de vínculos. Pensar isso, por si só, já é inovador. A técnica traz consigo a
fragmentação do cuidado e isso ganha espaço nas políticas públicas, ao fragmentar o sujeito a
partir daquilo que cada espaço pode ofertar. Mesmo entendendo a pertinência disso, é preciso
estar atento a saúde mental ou o próprio cuidado à mesma não se restringe a um CAPS, por
exemplo. Mas o CRAS pode e deve ser aproveitado conquanto potência de cuidado, no
sentido de que, ao fortalecer os vínculos dentro de uma família ou entre famílias –
comunidade -, obrigatoriamente estaremos intervindo sobre a saúde mental dos usuários.
MÉTODO
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
Era uma terça feira comum, já havia feito uma visita ao Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos (SCFV) e já havia também realizado o grupo de orientação a pais e cuidadores sobre criação
de filhos, eu estava um pouco agoniado, talvez pelo clima de mormaço do calor pós chuva ou porque
algumas crianças foram para o grupo e “atrapalharam” minha fala, roubando a atenção.
Tivemos uma reunião para discutir as dificuldades da implementação do SCFV e suas questões
burocráticas advindas. Ofertei algumas orientações pedagógicas a uma orientadora social e assim,
quase findei a manhã, mas tudo estava apenas começando! Recordei-me que uma amiga havia pedido
para marcar um atendimento para um parente dela. Os familiares chegaram, mas ela não havia
chegado ainda.
Logo de início, recebo o esposo e a irmã da usuária[1]. Eles me explicaram o caso: “LFS, 28 anos,
teve depressão pós-parto a 4 anos. Na ocasião, estava gestante de gêmeos, eles nasceram prematuros e
passaram dois meses na incubadora. Após 22 dias ela foi afastada do hospital devido ao alto grau
debilitante da depressão. Foi encaminhada para o sanatório para medicar-se, mas não ficou internada.
Após esse período, voltou para casa e passou por um tratamento com remédios naturais e conseguiu
retomar sua rotina, terminando inclusive uma faculdade.
Recentemente, ficou dois meses sem menstruar, mas assim que tomou os medicamentos naturais, o
ciclo se regularizou. Quando atrasou novamente, o marido até brincou para ter cuidado com o bebê, o
que prontamente ocasionou num acesso de agressividade, ressaltando que não queria ter outra
gestação.
Ela sempre cuidou bem dos dois filhos, mas não quer ter outro. A família foi até o médico fazer a
ultrassonografia e percebeu que o feto tinha entre oito a doze semanas.
Questiono-me: Seria um feto ou um bebê? O que ou ainda, quem determina? Para quem?
A família presente ressalta que a fala dela é bem clara: ‘Eu não quero ter esse bebê!’, ‘Se for para ter,
eu vou me matar antes dos nove meses’ e ainda, ‘vocês vão ter que escolher, entre eu ou o bebê’.
Escutei o marido e a irmã, provocando-os sobre o que eles pensavam sobre as possibilidades,
esclarecendo que legalmente, o aborto é crime. A irmã negou essa hipótese, o choro veio à face.
Demonstrava não querer opinar, enquanto o marido estava firme – ‘vamos fazer o que é melhor para
ela’.
Convidei o pai da usuária para a sala e questionei o que ele pensava, o mesmo só reafirmou que faria o
que era melhor para a filha.
Nesse momento, me senti deslocado. O que fazer? Como intervir? E quando a graduação não ensina?
A quem recorrer? Supervisão? Estudo pessoal? CRP? Grupos de psicologia?
Antes de escutar a usuária propriamente dita, convidei a assistente social para partilhar dessa
experiência, até porque, o modo de atenção dentro da assistência é de ordem psicossocial, não apenas
psicológica. Atualizei o caso, brevemente e retomamos a sala para dar continuidade ao atendimento.
Convidamos a usuária para a sala e a acolhemos. Ela sentou-se, abaixou a cabeça e continuou a chorar.
Esclarecemos que ela poderia ficar a vontade, que não seria julgada por nós e que poderia falar tudo o
que queria. Perguntei: “Como você está?” “Não estou bem” respondeu ela. “Eu sou muito burra,
idiota, burra, deixei de tomar a injeção e agora olha isso” comentou.
A Assistente Social ainda tentou intervir no sentido de aceitação do bebê, mas ela disse que não queria
ter o bebê, já teve os dois, não dormia a noite, mas ainda conseguiu criar os dois. Ela estava sem beber
e comer desde ontem, possivelmente na tentativa de provocar um aborto. Ressalta que desde que
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engravidou, perdeu o desejo de comer e beber, não sente prazer na vida. Questionei se ela já havia
pensado em fazer algo, ela não entendeu o sentido da pergunta, quando questionei mais diretamente se
ela pensava em fazer algo com a vida dela. Ela disse que já pensou algumas vezes. Perguntei como e a
mesma disse que quando estava vindo de moto para outra cidade para fazer o exame, ultrassonografia,
pensou em pular da moto.
O marido já havia relatado que encontrou-a esmurrando a própria barriga. Ele temeu não apenas pela
morte dela, mas se chegar a fazer algo com as crianças.
Trabalhamos (ou pelo menos tentamos) as duas possibilidades: prolongamento ou interrupção da
gravidez. Ela sustenta que não quer levar a gestação a diante.
Fico a pensar o quanto isso vem ao encontro dos meus valores pessoais (pontos de tensão entre a psicologia e a
perspectiva bíblica).
Qual a minha postura, enfim? Amoral? A-religiosa? Leiga? Neutra, na mediada do possível! Recomendamos a
família que apoiem a usuária em qualquer decisão tomada.
O marido da usuária só não quer que os remédios abortivos não cumpram o que se propõem e gerem sequelas no
bebê (ou feto); ou seja, se for para abortar, que saia tudo.
Refletimos na presença da família sobre todos os riscos:
I. Continuar com a gestação:
- Ela não aceitar ao filho.
- Ela se suicidar e/ou ferir os filhos por manter a gestação.
II. Interromper a gestação:
- A culpabilização por parte da família;
- A culpa por tê-lo feito.
O marido não está bem. Chora e diz que não deseja isso para ninguém. Ele quer o bem-estar da esposa, mas não
sabe se conseguirá se perdoar por matar uma criança. Ainda pondera se seria uma espécie de escolha entre a vida
da esposa e a vida da criança.
Como eu estava frente a aquela escuta? Estava profundamente afetado (sim, o campo me afetou profundamente,
senti-me pesado o dia todo), a experiência é de ter ouvido o próprio sofrimento, olhado para o mesmo e acolhido
suas lágrimas.
A Assistente Social sugeriu a ida ao hospital com vistas tomar um soro, sugerimos a família para ver se ela
topava ir, ela aceitou. A família já estava disponível para levá-la. Me ocorreu então, que oportunidade ímpar
havia me surgido (acompanhar esse itinerário; quando chegará outra ocasião dessa? Enfim, eu fui).
O carro da secretaria estava ocupado, assim, fui com o da própria família. O silêncio e os não-ditos tomaram o
percurso. Um ou outro comentário sobre uma escola, mas nada além.
Chegamos ao hospital. Acompanhei a família como se fosse parte dela (Exercício etnográfico?
Responsabilização pelo cuidado?), me apresentei na recepção junto com a irmã da usuária e após preenchida a
ficha, fomos encaminhados para o médico para depois tomar o soro (Julguei não ser necessário entrar em
detalhes com a recepcionista, disse apenas que a usuária estava grávida e estava sem se alimentar desde ontem,
por isso, o soro).
Entramos nós três (eu, a usuária e a irmã dela) na sala do médico. Vesti-me de anonimato, aproveitando o fato do
médico não me conhecer ainda. A usuária sentou-se frente ao médico, e logo o médico indagou: “o que houve?”
ela chorando, respondeu: “Eu estou grávida, mas eu não quero ter esse bebê”; choro e lágrimas envolviam esse
discurso. O médico pediu que se acalmasse, que isso não era um problema, que ela deveria pensar que ali era
uma vida que estava sendo gerada e que a mesma precisava ser forte. Quando dizia que não queria continuar com
a gestação, o médico recrutava: você não pode ser egoísta, tem que pensar no coletivo. Imagine se você fosse
esse bebê, você não gostaria de nascer?
Enquanto isso, eu sustentava o silêncio, não poderia interferir no fenômeno, aguentei a vontade de falar até o
momento coerente / pertinente.
O médico disse que ali não era local para atendê-la, que não iria passar nenhum medicamento, pois ela estava
grávida e aborto é crime, a única coisa que poderia fazer era encaminhar para um psicólogo.
Preenchido o encaminhamento para o psicólogo, ele já ia encerrando o atendimento, quando me apresentei
enquanto psicólogo, ele riu e disse: mesmo sem precisar, tome.
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Expliquei que ela estava sem se alimentar desde ontem e por isso, a necessidade do soro. O médico compreendeu
e fez a solicitação de procedimento. Assim que elas saíram, expliquei o caso ao médico e então ele me disse que
ali não tinha estrutura para recebê-la, talvez um sanatório, quem sabe. Agradeci, me apresentei novamente e fui
para a sala de medicações, com o encaminhamento médico para o psicólogo. Enquanto ela estava tomando o
soro, uma conhecida da família achegou-se e começou a discursar, não deu para ouvir a conversa, só percebia
que o choro cada vez mais se intensificava. Recomendei a família que na medida do possível evitassem
conversas que gerem mais culpa. Liguei para a coordenadora do CAPS, comentando brevemente do caso.
Prontamente, ela marcou um atendimento psiquiátrico para a mesma semana. Vou me esforçar para estar lá!.
(Diário de Campo, 13 de Março de 2018).
Frente às afetações oriundas desse caso, gostaria de propor algumas questões: Qual seria
o local então, para atencionar a pessoa em sofrimento? Quais as reverberações de um
acolhimento em saúde mental? Quando um transtorno mental põe em risco a vida da mãe, é
permitido o abortamento? Como está a questão do abortamento e a questão da não
maternidade? Como deve-se atencionar aquela que sofre tomando por base a postura
fenomenológica? Haveria espaço para a serenidade aqui?
O discurso do médico no caso em questão aponta para uma modalidade de cuidado em
saúde mental pautada ainda no modelo asilar, centrado na instituição manicomial, denotando
que o paciente ou usuário em sofrimento mental não tem lugar num hospital não-psiquiátrico.
Certamente essa não é uma compreensão de cuidado isolada e restrita apenas a um único
profissional, mas denuncia toda uma cultura permeada pelo modelo biomédico, tomando por
referência a patologização da loucura e a tentativa de medicalizá-la, ainda que seja através de
paredes e muros manicomiais.
É negado à pessoa que possui um adoecimento mental um lugar a mesma, de modo que,
se uma usuária vai até um hospital tomar um soro, ela é encaminhada, muitas vezes sem ser
escutada, dado que a mesma é “paciente de caps” (AMARANTE, 2007). Assim, cria-se um
estigma a partir de uma interpretação diagnóstica, quantas vezes baseando-se apenas na
aparência de quem aparece no serviço, buscando para si cuidado.
Destaca-se a potência do acolhimento em saúde, favorecendo o acesso do serviço,
formando vínculos tanto entre a equipe quanto entre o usuário e a equipe, empoderando o
usuário a ponto dele poder questionar o processo de tratamento, proporcionar o cuidado
integral e a possibilidade de modificação da clínica.
Caberia também destacar o suporte familiar dado que o mesmo foi crucial ao tratamento
em saúde mental, perpassando desde o cuidado da própria família, à própria aprendizagem
sobre o adoecimento mental (sintomas, diagnóstico, tratamento e estratégias de
enfrentamento), destacando também as mudanças que ocorrem dentro da própria família,
reconfigurando os lugares de cuidado, mesmo quando o tratamento demanda uma internação
em hospital-dia e ainda, o quão benéfico foi para as famílias participantes o contato com
outras famílias, numa espécie de cuidado mútuo.
O acolhimento institucional ocorreu primeiramente no próprio CRAS, através da escuta
psicossocial (psicólogo e assistente social); após o acolhimento no momento da crise, a
usuária foi encaminhada para o hospital municipal, onde foi acolhida, ainda que
incompreendida pelo profissional médico da instituição. Por fim, ela ainda foi acolhida no
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) por dois técnicos de nível superior, um enfermeiro
(para a triagem) e por uma psiquiatra (a qual escutou e medicou). Ainda que o acolhimento se
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configure como uma tecnologia leve em saúde, ele traz consigo uma potente forma de cuidado
ao que está em sofrimento.
A serenidade, tal qual, proposta por Heidegger, está para além da dicotomia: atividade
x passividade, mas é proposta como caminho do pensamento meditativo. Não se restringe à
ordem dos objetos e instrumentais, tais quais propostos pela técnica, mas uma forma outra de
ir além dos encaminhamentos protocolares e rígidos, buscando um aguardar para que o
cuidado se concretize, acolhendo-o (SARAMAGO, 2008).
Entretanto, e como proceder no caso da usuária LSF? A fala da usuária era
bem clara: “Eu não quero ter esse bebê! [...] Se for para ter, eu vou me matar antes dos nove
meses [...] vocês vão ter que escolher, entre eu ou o bebê” (sic). Certamente o tratamento
moralista não é o mais adequado, apesar de extremamente cotidiano nos dispositivos de
saúde. Ou seja, como intervir sem gerar ainda mais culpa? Sem obrigá-la a continuar a
gravidez? E quando ela está decida a não ter e tudo o que ouviu do profissional médico foi:
“Você não pode ser egoísta, tem que pensar no coletivo. Imagine se você fosse esse bebê,
você não gostaria de nascer?”. Dado que a gestação não foi fruto de estupro; não há
evidências de que a criança possui anencefalia e que muito dificilmente algum juiz vá
considerar que uma depressão seja tão algo “sério” a ponto de permitir o abortamento, o que
será dessa usuária? Assim, se isso já não fosse demasiadamente polêmico por si, quanto maior
agravo a situação ganha quando a usuária é paciente psiquiátrica? Trago uma provocação
decorrente dessa experiência: Quando um transtorno mental põe em risco a vida da mãe, é
permitido o abortamento?
Longe de encontrar respostas prontas e exatas, esse caso em questão tem
levantado perguntas que serão respondidas quando a cada caso “novo” de uma usuária com
transtorno mental engravidar e essa condição pôr em risco a vida da gestante. Como já foi
dito, o caso continua sendo acompanhado, após o acolhimento no CRAS, ela foi encaminhada
ao hospital e ao CAPS, retornando mensalmente ao CRAS como uma forma de
acompanhamento até uma possível alta até quatro meses após a acolhida. Quando ela foi ao
CAPS, ela havia se transformado, uma nova pessoa entrava naquele dispositivo, trazendo uma
maior aceitação da gestação e um desejo, ainda que não muito firme, de continuar até o fim
com a mesma.
Ou seja, foi um caso que não se deu apenas em uma única instituição
totalitária, com apenas uma única terapêutica possível, mas um cuidado que se construiu entre
dispositivos, em rede. Mais uma vez, o trabalho em rede prova sua efetividade e reafirma que
o cuidado e o tratamento da pessoa em transtorno mental devem ocorrer não no isolamento de
um hospital psiquiátrico, mas no próprio território a partir de uma rede que dialoga em favor
de um sujeito que está em sofrimento, através dos dispositivos que compõe a rede municipal
de saúde, acolhendo aquele que sofre, numa perspectiva de abertura ao que se mostra, sem se
deixar dominar pela técnica.
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REFERÊNCIA
GEERTZ, C. A Interpretação das Culturas. 1. ed. 13 reimp. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
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(PIBEX) 2018/2019, que visa, no serviço escola da instituição (o Centro de Estudos e Práticas
em Psicologia – CEPPSI), promover práticas clínicas de cuidado que favoreçam mudanças em
processos de subjetivação e promoção da saúde para universitários de vários cursos e
instituições, viabilizando, concomitantemente, o desenvolvimento de competências em
estudantes de Psicologia que atendem essa clientela específica.
MÉTODOS
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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MACÊDO, S.; SOUZA, G.W.; LIMA, M.B.A. Oficina de desenvolvimento da escuta: prática
clínica na formação em psicologia. Revista da Abordagem Gestáltica, v. 24, n. 2, p.123-
133, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.18065/RAG.2018v24n2.1.
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MÉTODOS
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A elaboração do presente trabalho foi possível por meio da proposta formulada pelo
grupo, partindo do pressuposto de que a interseccionalidade pode ser vista como um olhar
fenomenológico à especificidade do outro, compreendendo-o na sua própria dimensão e
fugindo a ideia de atitude natural que estabelece relações diretas de causa e efeito para os
fenômenos sociais e subjetivos. Dessa forma, a análise do fenômeno da interseccionalidade e
seus efeitos na experiência de vida dos sujeitos se tornou objetivo de crescente interesse e
conhecimento, fomentado pelo necessário de se compreender como o mesmo se estrutura e
quais são as formas de se combatê-lo.
Desse modo, por intermédio dos depoimentos pessoais de jovens LGBT’s negros do
Vale do São Francisco, o grupo inferiu uma análise crítica sobre a experiência interseccional
na perspectiva humanista, o que resultou na compreensão de que o fenômeno da
interseccionalidade está presente de forma intrínseca na experiência de vida dos mesmos, e
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que tal fenômeno permeia suas relações com o mundo e com os outros. Considerando também
os diversos contextos em que ocorrem (família, afetividade, vida social, mercado de trabalho,
expectativas futuras, etc.), as opressões que decorrem de um meio social excludente causam
grande impacto na forma como tais sujeitos constroem sua subjetividade e identidade.
Uma vez que o ser humano é essencialmente um ser de relação com o mundo e com os
outros, no entanto, essa relação muitas vezes não vem acompanhada de compreensão e
aceitação, e sim de exigências normativas e desconsideração pela sua subjetividade
identitária. Problemática essa que ficou evidenciada nos muitos relatos que o grupo obteve,
perpassando uma realidade cada vez mais constante e preocupante se observados os índices
crescentes de mortalidade da população LGBT.
Partindo de perspectiva teórica rogeriana, foi possível contextualizar a mesma com
grandes reflexões acerca do fenômeno da interseccionalidade, mostrando ser uma teoria
complementar de extrema potencialidade na construção do trabalho tanto nos aspectos
teóricos, como práticos durante a elaboração de algumas perguntas prévias que condiziam os
encontros.
Em primeiro ponto, pode-se perceber que a dita relação de ajuda é muitas vezes
negada à pessoa vítima de opressão, especialmente no que diz respeito a aceitação e a
compreensão empática. Logo em seguida, foi possível observar que através de espaços de
reflexão e grupos de apoio, tais pessoas acabam por encontrar um espaço propício à relação
de ajuda, pois se tratam de sujeitos com vivências semelhantes, logo, partilham de
experiências que se aproximam em diversos pontos. E aqui, e sem o estranhamento inicial,
atitudes facilitadoras acabam por florescer em tais ambientes, mesmo os integrantes
desconhecendo a teoria rogeriana.
Por fim, vemos que com o decorrer da relação de ajuda pautada em atitudes
facilitadoras, as vítimas de opressões acabam por se tornarem mais conscientes de sua
situação enquanto padecentes de um problema estrutural, e passam então a tecer formas de
resistência e combate, principalmente por criarem relações intra/interpessoais mais
conscientes, congruentes, empáticas, decisivas e horizontais. Conjuntamente, toda a riqueza
de variáveis evidenciadas e documentadas pelo grupo, levou a contornos complexos de
extrema relevância e crescimento ao âmbito pessoal de militância e acadêmico/profissional
por propiciar o contato com realidades muitas vezes subtraídas de existência e legitimidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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ser compreendido na sua totalidade e na sua especificidade, pois só ele sabe e sente o peso da
sua história. É preciso abandonar a bagagem normativa à qual estamos fortemente envoltos e
abrir-se a experiência que o outro traz para que se possa compreender sua forma de ser-no-
mundo e ser-com-outros. Ademais, a partir dos resultados obtidos, foi possível compreender
como conceitos rogerianos e interseccionais se complementam na reflexão para com a
subjetividade humana que foge a lógica determinista que permeia nossas relações.
Por fim, o grupo pontua a importância de se ter um olhar humanista e interseccional
acerca da especificidade do outro, assumindo posturas de aceitação, empatia e congruência,
abandonando a tradicional lógica de causa e efeito. Dessa forma, poderemos (re)inventar o
combate a toda e qualquer opressão que deslegitime a condição humana.
REFERÊNCIA
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
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MÉTODOS
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise realizada a partir do conteúdo das VS’s possibilitou perceber que os sujeitos
expressaram mais o sentido dos encontros no grupo interventivo, sem necessariamente se
referir ao sentido do trabalho, às condições sob as quais o realizam nem especificamente a
estratégias construídas ao longo do processo interventivo. No entanto, partindo do material
complementar analisado (VSs e anotações da auxiliar de pesquisa no diário de bordo), os
resultados permitiram compreender que os sentidos da experiência de ser trabalhador daquela
UBS estão relacionados à sobrecarga de trabalho, sentimento de indignação diante do descaso
do poder público, bem como à falta de reconhecimento. Nesse aspecto, percebeu-se que,
apesar de valorizarem o trabalho, os profissionais não se sentiam reconhecidos.
Alguns autores, a exemplo de Sobrinho (2017), discutem que a precarização do
trabalho no SUS tem uma sólida relação com o Estado, manifestada na (des)estruturação do
mercado de trabalho e no papel das Instâncias Governamentais na sua (des)proteção social.
Além disso, de acordo com Gernet e Dejours (2011), a dinâmica de reconhecimento do
trabalho se configura como fundamental para a manutenção da saúde mental no trabalho, pois
através do reconhecimento, as situações adversas têm uma possibilidade maior de serem
superadas.
Portanto, compreende-se que, mesmo diante de sentidos tão negativos, o que talvez
ajude os colaboradores dessa pesquisa seja: a valorização que os mesmos atribuem ao seu
próprio trabalho, pois eles reconhecem a importância do seu fazer produtivo para a sociedade;
a percepção de que o trabalho possibilita a eles e a sua família, projetarem-se, proporcionando
melhores perspectivas e condições de vida.
Foi possível compreender, também, os sentidos que emergiram relacionados ao
próprio processo vivido no grupo interventivo, dentre eles, a possibilidade de desabafar e falar
sobre problemas referentes ao trabalho e suas interferências, bem como exprimir aspirações e
questões pessoais, onde o ato de se expressar mostrou-se como um agente promotor de bem
estar, demonstrando a relevância em construir espaços que proporcionem o diálogo entre
participantes de uma equipe de trabalho, favorecendo a integração e, por conseguinte, o
fortalecimento do grupo. No contexto de troca de experiências, conheceram a história de vida
um do outro e expandiram vínculos. Resultados semelhantes com a aplicação da hermenêutica
colaborativa foram encontrados por Souza e Macêdo (2018), o que leva a compreender como
as intervenções em grupo propiciam o alívio do sofrimento através do compartilhamento de
experiências, bem como proporciona o alargamento das relações. Vale aqui o já exposto por
Dejours (1994): modos coletivos de enfrentamento são mais saudáveis, já que, estratégias
isoladas e individuais são potenciais fontes de sofrimento mental.
Destarte, outro sentido emergido no grupo está associado aos modos de
enfrentamento, os quais promoveram a elaboração de estratégias que podem propiciar o
manejo e superação das situações de adversidade, de maneira a repercutir na manutenção da
saúde mental dos colaboradores. Discutiu-se, então, a respeito de algumas estratégias, dentre
elas, o fortalecimento da equipe para a resolução de algumas questões referentes à busca por
direitos e melhores condições de trabalho, bem como a conscientização da população no que
tange a seus direitos e deveres. Além disso, conversou-se, por exemplo, sobre reservar tempo
para eles mesmos, a fim de fazerem algo que proporcione sensação de bem-estar, e momentos
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de integração em equipe, que visem o alargamento dos vínculos, fazendo com que o ambiente
de trabalho seja menos aversivo. Esses dados fazem lembrar o que propôs Macêdo (2015),
quando argumentou que o confronto de tradições, que surge num encontro intersubjetivo,
possibilita aos sujeitos envolvidos a construção de novos projetos para enfrentarem e
ressignificarem o sofrimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AMATUZZI, M.M. Por uma psicologia humana. Campinas, SP: Alínea, 2008.
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LIMA, M.B.A; MACÊDO, S.; SOUZA, G.W.; Oficina de desenvolvimento da escuta: prática
clínica na formação em psicologia. Revista da Abordagem Gestáltica, v. 24, n. 2, p.123-
133, 2018.
SOUZA, G. W.; MACÊDO, S. Grupo interventivo com genitores (as) de crianças vítimas de
violência sexual. Rev. abordagem gestalt, Goiânia, v.24, n.3, p.265-274, set/dez. 2018.
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INTRODUÇÃO
Durante o período de setembro de dois mil e dezessete até junho de dois mil e
dezoito, a Universidade Federal do Pará realizou o projeto de extensão “Brinquedos de Saúde:
ludicidade, lazer e educação popular para a promoção de cidadania e saúde mental”,
direcionado a públicos socialmente marginalizados e invisibilizados, procurando promover
saúde por meio de práticas humanizadas e acolhedoras, de acordo com a política nacional
vigente desde 2001. O objetivo permeava explicitar o quanto a saúde não é apenas um fator
biológico, mas englobadora de aspectos que vão desde autocuidado e relações interpessoais,
até fatores primeiros como saneamento básico e lazer. Assim, práticas corporais, esportivas e
lúdicas voltaram-se à promoção de qualidade de vida nos mais diversos espaços urbanos, a
fim de contribuir para o desenvolvimento de estratégias que elevassem a saúde de pessoas em
sofrimento psíquico, inseridas em seu próprio território, considerando e abordando, por
exemplo, sujeitos que utilizavam abusivamente de álcool e outras drogas, e pessoas em
situação de rua.
Atuando pelo projeto existia uma diversa gama de profissionais e estudantes,
trabalhando em conjunto e de forma interdisciplinar, com o objetivo de agregar e compartilhar
os seus saberes, almejando produzir saúde em um plano totalizante, holístico, na busca de
contemplar as múltiplas esferas existenciais de um indivíduo. Tendo a Redução de Danos e a
Educação Popular como eixos norteadores, esse corpo de trabalho heterogêneo ocupou as
ruas, praças, encruzilhadas e os mais diversos espaços públicos da cidade de Belém do Pará
durante três etapas de atuação em campo.
Aqui, especificamente, serão discutidos acontecimentos referentes à primeira etapa do
projeto, realizada na praça Magalhães, ou, como é comumente conhecida na cidade: a praça
abandonada. Esse momento ocorreu em parceria com a equipe do Consultório na Rua, equipe
de saúde básica voltada para o público em situação de rua da região na qual se encontra esse
território. O relato consiste em reflexões pessoais de uma estudante de psicologia, a partir de
seu encontro com um indivíduo da População de Rua (PoPRua), aqui tratado como João.
Objetiva-se, a partir do relato, refletir acerca do alcance da psicologia atualmente e sobre
necessidade de democratizar suas técnicas para parcelas mais vulneráveis da população.
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MÉTODOS
RESULTADOS E DISCUSSÕES
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conversa, ainda que continuasse fazendo uso de substâncias consideradas ilícitas. Sua fala e
sua movimentação indicavam uma melhora, ainda que ínfima, ocasionada pela “simples”
interação com um grupo que se dispôs a enxergá-lo, a considerar a sua existência, também,
humana.
Desde então, nunca mais o vi. Na semana que se seguiu, ele não se encontrava no
território, mas, conversando com outra moradora, soube que ele havia pendurado meu
desenho no lugar onde dormia. Não deixava ninguém arrancar. Tive certeza da criação do
vínculo e da importância pessoal do trabalho que o projeto estava produzindo. Vidas estavam
sendo afetadas, inclusive a minha. Depois, eu descobri. Em uma noite no território, João levou
um tiro.
A história nunca se esclareceu completamente. Dois sujeitos em uma moto, um único
tiro sem destino certo. A demora para conseguir transporte ao hospital. O sangue marcando a
calçada do canal. Eu não sei até hoje o seu estado, fontes me disseram que ele faleceu, outros
me disseram que melhorou e passa bem. A única coisa que eu sei, é que, morto ou vivo, João
foi, desde a infância, mais uma história produzida pelo sistema excludente que nos comanda.
Que contextualiza as pessoas na miséria, praticamente produzindo seus crimes, para depois
condená-las a uma vida de incompreensão e apagamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Eu fui modificada pela nossa breve, porém importante, interação. Conhecer João e me
permitir ser conhecida, possibilitou a ampliação da minha visão de mundo, além de me
proporcionar conhecimentos que não se encontram em minha graduação. Foi uma experiência
precoce a nível de período em meu curso, estava, na época, no segundo semestre apenas. No
entanto, ou, talvez por ter sido inicial, a partir dela consigo identificar necessárias alterações
na atual forma do curso de psicologia e, talvez, da Universidade de forma geral.
Atualmente, academia e comunidade permanecem distantes, separadas por uma
barreira cruel e invisível. O que se produz nas Universidades dificilmente é compartilhado e o
conhecimento das ruas é desvalorizado. A bolha intelectual formada pelos que possuem o
conhecimento nunca vai ser eficaz para promover as mudanças sociais que urgem diariamente
do lado de fora dos muros da sala de aula.
Em experiências como essa é possível reconhecer que a técnica é de grande relevância
e extremamente necessária, entretanto, é a relação que se forma que é capaz de fazer a
diferença. Não basta formar profissionais que dominem plenamente os conteúdos didáticos, se
os mesmos não serão capazes de olhar nos olhos do Outro, enxergar e valorizar o Ser Humano
que ali se faz presente. Matérias práticas, que coloquem o discente em contato e em
verdadeiro exercício da sua futura formação apresentam mais eficácia do que a absorção
passiva de conhecimento e precisam ser constantemente reelaboradas para atender as
demandas de uma sociedade que é mutável.
Abordando, especificamente o curso de Psicologia, acredito na importância de uma
formação contextualizada, que trabalhe com o plano existencial amplo do sujeito como Ser
vivente. A psicologia contemporânea, em muito, ainda realiza um “corte”, pensa o sujeito
como ser isolado, provocando grandes equívocos. Acredito na importância de uma formação
mais voltada para o aspecto comunitário, integrada com as mazelas e problemáticas do
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REFERÊNCIAS
PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-Terapia. 3. ed. São Paulo: Summus,
1997.
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INTRODUÇÃO
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O JEITO DE FAZER
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PASSOS DO PROJETO
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Assim, aqueles que estiveram presentes nas oficinas foram convencendo os demais e
juntos acabaram por perceber que o autocuidado se dava também em uma dimensão coletiva,
de modo que, para o outro se sentir bem haveria de se construir um contexto (pessoa e meio)
alinhado ao processo de harmonia, de zelo e atenção como o cuidado suscita a ser vivenciado
por todas as pessoas onde quer que estejam.
Por ser uma primeira tentativa, vemos que conseguimos resistir aos desafios
inicialmente apresentados pela novidade que o projeto trouxe, e nos sentimos apoiados no
aspecto formativo quanto ao cuidado. A equipe do CMEI se tornou uma das escolas pioneiras
em projetos como o do Cuidando do Mestre da Primeira Infância que destina momentos para
reflexão e formação em autocuidado para com a equipe (professoras, auxiliar de sala,
assistente em educação especial, auxiliares de serviços gerais e merendeiras).
Ao todo foram vivenciados 05 (cinco) momentos destinados as oficinas de
autocuidado, sendo cada encontro realizado no tempo de 4 horas. Os estudantes de Psicologia
da Univasf, vinculados ao projeto, estiveram no cotidiano da escola orientando sobre o
autocuidado das professoras e também dos funcionários que se aproximavam. E aos poucos a
perspectiva de cuidado foi tomando o cenário escolar na relação junto as crianças atendidas
pelo CMEI, possibilitando a vivência de bem-estar, relações afetuosas para consigo e com o
outro e atividades de práticas de autocuidado nos momentos vivenciais do fazer docente.
Em conformidade a tal perspectiva, Martins (1992 apud KARLMEYER-MERTENS,
2008), ao falar de cuidado dentro das questões educacionais, compreende que tal ideia, que
parte da essência do próprio ser, deverá ser o orientador do currículo, abrindo-se ao horizonte
das diversas possibilidades de ser-no-mundo. Com isso, todos participaram do Projeto
Cuidando do Mestre na relação e convivência mais harmoniosa no cotidiano escolar, seja
através da presença efetiva nas oficinas ou em outros momentos.
As professoras participantes do projeto puderam se tornar multiplicadoras do
autocuidado, já que inseriram em seu fazer docente, levando as crianças a conhecerem sobre
si, o outro e o mundo através do cuidado. O projeto, mediante o apresentado e discutido, não
somente visou a realização das oficinas de autocuidado, mas a formação efetiva com e pelo
cuidado, indicando incorporar uma tomada de consciência de que a atenção, a preocupação
para consigo e com o outro é um acontecimento vital para o bem-estar. Para Heidegger
(2005), os gestos que expressem zelo ou responsabilidade seja para consigo, como pelo outro
estaria na margem da preocupação de ser-no-mundo-com-os-outros. Então, o autocuidado
envolve o estado voltado para si mesmo, conhecendo-se, percebendo seus limites para melhor
estar com o outro na ajuda mútua em cuidar e ser cuidado.
Desse modo, aos poucos houve o compromisso de dar continuidade as atividades
relacionadas ao cuidado para com toda a equipe, mesmo após a finalização do projeto. Assim,
houve reciprocidade em entender que o cuidado se dá a todo momento. O que o Projeto
Cuidando do Mestre realizou foi o despertar quanto ao autocuidado, como diria Heidegger
(2005) em que perpassa as várias dimensões de ser.
CONSIDERAÇÕES
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crianças presentes na escola. Foi o que propomos relatar nessa experiência quando
observamos os impactos na equipe gestora, nas expressivas comunicações de cada pessoa que
e no aperfeiçoando qualitativo das relações grupais.
Portanto, entende-se que cada pessoa tem um tempo e que necessita de paciência e
abertura para que um projeto inovador consiga alcançar a toda equipe e, consequentemente,
melhorando o trabalho prático com as crianças atendidas pela CMEI. Mas, entre tentativas,
desafios e coragem, o cuidado vai ganhando seu espaço de centralidade para que cada pessoa
pertencente a equipe escolar sinta-se valorizada e cuidada.
Ao ter o filósofo do cuidado, Martin Heidegger (2005), como um dos autores que mais
nos indicaram maneiras de compreender o autocuidado envolvido no cotidiano educacional,
percebemos que, pelo acompanhamento promovido do Projeto Cuidando do Mestre para com
o CMEI, possibilitamos trazer à tona comportamentos e percepções de si e do outro,
contribuindo para o crescimento mútuo da rede de relações saudáveis que respeita a
particularidade e o jeito de ser de cada um, dedicando-se a dar significado a existência pessoal
e daqueles que estão ao redor.
REFERÊNCIAS
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética da humana compaixão pela terra. Petrópolis, RJ:
Vozes; 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30. ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2015.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. 15. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S. Heidegger e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2008.
MARTINS, Maria de Fátima Duarte et al. O trabalho das docentes da Educação Infantil e o
mal-estar docente: o impacto dos aspectos psicossociais no adoecimento. Cad. psicol. soc.
Trab., São Paulo, v.17, n.2, p. 281-289, 2014.
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MÉTODO
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
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olhar por 5 minutos e depois disso falar uma qualidade que identificou na outra pessoa.
Muitas começaram a perceber aspectos que antes não tinham visto na convivência e relataram
ao grupo a importância de dispor de tempo para melhor conhecer a si e ao outro. Além de que
na reflexão avaliativa perceberam que sentiram dificuldade em ser olhada por outra pessoa,
mas que foi fácil olhar para a outra.
Foi sugerido o desenvolvimento prático no cotidiano da escola através da acolhida, em
que explicamos as educadoras que cada criança podia demonstrar afeto ao colega com algo
referente às gravuras (abraço, aperto de mão, bate aqui e viva) podendo ser fixadas em um
local visível nas salas.
Tais sugestões e explanações realizadas ao longo dos planejamentos pedagógicos
corroboram com o que Freire (2015, p. 196) afirma quando diz:
Nas minhas relações com os outros, que não fizeram necessariamente as mesmas opções que fiz, no nível da
política, da ética, da estética, da pedagogia, nem posso partir de que devo “conquistá-los”, não importa a que
custo, nem tão pouco temo que pretendam “conquistar-me”. É no respeito às diferenças entre mim e eles ou elas,
na coerência entre o que faço e o que digo, que me encontro com eles ou com elas.
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crianças, de 5 anos, pediu para ensinar uma música que ele tinha recordado sobre as noções de
corporeidade “cabeça, ombro joelho e pé”. Para Merleau-Ponty (1990), a criança, ao
representar, amplia seu vocabulário, aproxima-se do outro, identifica-se com ele, sente-se
pertencente ao lugar e, logo, à comunidade, se diverte e exercita sua inteligência. Em outras
palavras, imitar é corporificar o outro e estar relacionado com o conhecimento e com o afeto
pelo outro. Percebe-se que “o movimento não é o pensar de um movimento, e o espaço
corporal não é um espaço pensado ou representado” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.192). Ou
seja, as práticas provocaram expansão corporal na dimensão de o aluno trazer a
espontaneidade e se reconhecer em uma dimensão criativa a ser vivida a todo momento.
A avaliação junto às educadoras e às crianças possibilitou perceber que a parceria
entre universidade e escola é sempre muito importante. Consideraram que a prática teve um
tempo curto e que muito gostaram da presença das estudantes de psicologia nas atividades
cotidianas e percebeu-se abertura para que fossem pesquisadas outras práticas por parte das
educadoras a serem exploradas no intuito de escutar mais a si e facilitar que as crianças
tomem ainda mais consciência do mundo vivido pela corporeidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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INTRODUÇÃO
Heckert (2007) defende que a escuta clínica não é um saber que possa ser transmitido
como conteúdo meramente técnico, mas exige que o sujeito a experimente no contato direto
com a prática de escutar. No entanto, no que diz respeito ao processo de formação do
psicólogo, profissional que, por excelência, se utiliza da escuta como dispositivo de cuidado
em sua prática, essa experimentação se dá tardiamente.
Heckert e Neves (2010), Rudnicki e Carloto (2007) e Mendes, Fonseca, Brasil e
Dalbello-Araújo (2012) discutiram a formação do psicólogo e apontaram limitações no ensino
das disciplinas, que visam apenas rigor teórico. Defenderam ser necessário ao estudante de
Psicologia vivenciar o processo de escuta e cuidado para só daí se debruçar sobre essas
dimensões da vida humana.
No entanto, a experimentação da escuta na formação do estudante de Psicologia tem
ocorrido apenas nos estágios de final de curso ou em seus processos pessoais em psicoterapia
(MEIRA; NUNES, 2005), quando eles estão prestes a adentrar o mercado de trabalho.
Portanto, apenas quando da prática do estágio, em serviços escola, ao se preparar para o
futuro exercício profissional, eles desenvolvem efetivamente esse dispositivo.
Pesquisas indicam, contudo, que graduandos de Psicologia sentem falta de práticas
psicológicas no início do curso, estariam mais preparados para o estágio obrigatório se essas
atividades fossem realizadas com antecedência, e a postura e a orientação do supervisor,
assim como as trocas de experiências em grupo de supervisão com outros colegas também
favorecem o desenvolvimento da escuta clínica, entre outras competências necessárias ao
futuro profissional desses aprendizes (MACÊDO; SOUZA; LIMA, 2018).
Para se capacitarem com vistas ao futuro profissional, é nos serviços escola onde
atuam que esses estudantes, na prática como iniciantes, vivenciam impasses de diversas
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ordens, dentre eles, prestar serviços a usuários universitários que compartilham de realidades
sociais semelhantes. Diante disso, o objetivo dessa pesquisa que teve o apoio do PIBIC/PIVIC
CNQPQ/ UNIVASF 2018-2019 foi compreender experiências de escuta clínica em estudantes
de Psicologia que conduzem grupos interventivos com outros universitários, investigando o
sentido que esses grupos têm no processo de formação desses estudantes; identificando
possíveis conhecimentos, habilidades e atitudes desenvolvidas; assim como atravessamentos e
desafios enfrentados; e ganhos de aprendizagem obtidos.
MÉTODO
O presente estudo se fundamentou na abordagem humanista-fenomenológica, para a
qual a pesquisa qualitativa é a mais apropriada. Tendo em vista que o conhecimento pode ser
construído a partir do compartilhamento de experiências, foi utilizado método da
Hermenêutica Colaborativa, que foca no sentido da experiência intersubjetiva compartilhada
entre pessoas que vivenciam uma dada realidade social (MACÊDO, 2015).
A coleta de dados só ocorreu após a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com seres humanos, sob Parecer CEP/UNIVASF N. 2.759.228 e está registrada sob
CAEE N. 88562318.2.0000.5196. A proposta da pesquisa foi apresentada aos colaboradores
em reunião de supervisão em grupo, e, após concordarem em participar voluntariamente,
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O grupo investigado foi constituído por: oito estudantes de Psicologia (sendo quatro
extensionistas, duas estagiárias e duas bolsistas do projeto de pesquisa); e duas profissionais
de Psicologia (supervisoras do grupo).
Para isso, utilizou-se o instrumento Versão de Sentido (VS), que se configura como
um breve relato escrito logo após um encontro (AMATUZZI, 1990; 2008). A cada um dos
oito encontros do grupo de supervisão, eram produzidas VSs por cada estudante e supervisora.
As VSs eram utilizadas nos encontros subsequentes como disparadores de discussão,
favorecendo o tecer e o retecer sentidos da experiência investigada e, assim, a ressignificação
das mesmas.
Os casos que foram acompanhados em supervisão consistiram em processos de grupo
interventivo dos quais participavam usuários universitários que buscavam ajuda psicológica.
Os grupos eram facilitados por estudantes de Psicologia supervisionados, inclusive pelas
bolsistas de iniciação científica. Por, nesse contexto, considerar-se a importância da imersão
subjetiva do pesquisador, as duas bolsistas participaram do grupo, visto se tratar de uma
pesquisa fenomenológica colaborativa, em que as mesmas também estiveram inseridas nos
processos das práticas investigadas: tanto nos grupos interventivos com outros universitários
quanto no grupo de supervisão desses atendimentos.
O procedimento de análise das VS’s envolveu os seguintes passos: leitura integral da
VS por cada autor no encontro de supervisão após cada atividade de grupo interventivo;
exploração de significados de acordo com o diálogo nos próprios encontros de supervisão;
presentificação do sentido da VS no encontro de supervisão a partir de consenso com o autor;
síntese dos processos do grupo de supervisão realizada pela equipe de pesquisa e enviada aos
colaboradores por e-mail para confirmação, negação ou ajuste.
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REFERÊNCIAS
AMATUZZI, M.M. Por uma psicologia humana. São Paulo: Editora Alínea, 2008.
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MÉTODOS
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Para garantir o anonimato dos participantes, o nome dos quatro alunos que
participaram da entrevista foram substituídos por pseudônimos referentes às características
que marcaram suas experiências com o fenômeno cyberbullying, são eles: “Aceitação”,
“Impulsividade”, “Raiva” e “Apatia”.
As experiências de cada adolescente com o fenômeno cyberbullying são bastante
singulares. Porém, chamamos atenção para o processo de transformação de si mesmo e da
relação com o outro, pelo qual todos passaram durante e após as vivências de violência.
Entre os sentidos compreendidos das experiências, destacam-se: a criação de
estratégias insuficientes para lidar com o fenômeno; a mobilização de diversos sentimentos
associados às vivências; as reflexões e mudanças após a experiência; as percepções sobre as
formas de relacionamento sociais; e as repercussões sociais, educacionais e para a saúde física
e emocional dos jovens.
Foi possível compreender que para lidar com o fenômeno da violência virtual e do
cyberbullying eles desenvolveram estratégias variadas, que apesar pareceram ser insuficiente
para lidar com o problema de modo resolutivo, foram os meios que conseguiram mobilizar e
que mais fizeram sentido na tentativa de autopreservação. Destacamos as estratégias de
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Outra estratégia bastante utilizada pelos jovens foram as de confronto ao agressor on-
line ou presencialmente, seja no sentido de uma conversa amigável ou um embate mais
incisivo. No caso de Raiva e Impulsividade, estes entravam em confronto mais hostis com os
agressores.
Tal aspecto é explicado por Erdur-Baker (2015) pelo fato de que, no ambiente virtual,
há maior sensação de liberdade e menor inibição de suas emoções, de modo que os jovens
podem se sentir mais a vontade para revidar as agressões do que em outras formas de
violência.
Outra estratégia a ser mencionada refere-se à ajuda a outras vítimas, utilizada por
Impulsividade, de modo que passou a intervir em situações de violência, na defesa de outras
vítimas. Porém, com isso passou a se envolver também em embates com outros agressores, de
modo a dar continuidade às agressões, ao invés de cessá-las.
O que aparece na literatura como positivo, são atitudes de ajuda direta como ouvir,
dialogar, não recriminar e de ajuda indireta como facilitar a construção de uma rede de apoio
incluindo profissionais, familiares e amigos, assim como dar suporte para a execução das
medidas necessárias (RONDINA; MOURA; CARVALHO, 2016).
Entre os sentimentos presentes nas experiências dos jovens estão: o aumento da
irritabilidade e do nível de estresse e raiva; prazer e satisfação no sofrimento do outro;
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Eu sinto muita raiva dele. Não é raiva, é desconforto. Se eu tô num lugar, ele vem
falar comigo na maior cara de pau. Isso é desconfortável. Eu não gosto dele. Uma
pessoa que só me desejou o mal. (...) porque ele é uma pessoa ridícula
(Impulsividade).
Na época, eu fiquei:– Essa safada vai me pagar! Só pensei isso e eu falei a ela: – No
dia que eu tiver oportunidade de mostrar para sua mãe eu mostro! (...) Eu não senti
nada. Fiquei foi dando risada. (...) Ainda quando eu cheguei/ vim estudar aqui, ainda
chamava ela de Maria Nudes, na frente dela (Impulsividade).
No estudo realizado por Caetano, Freire, Veiga Simão, Martins e Pessoa (2016), foi
observado que a satisfação (32,6%), a indiferença (28%) e o alívio (26,5%) foram os
sentimentos mais vivenciados pelos agressores, o que para eles é considerado indicativo da
dificuldade dos agressores em sentir empatia pelas vítimas.
Os sentimentos de tristeza, vergonha, inutilidade e a sensação de ser excluído parecem
afetar aspectos como a autoestima e o relacionamento com o outro. Tais sentimentos
aparecem tanto diante da vitimização como no comportamento agressivo.
Você se sente envergonhado demais pelo que você fez, que você prejudicou uma
pessoa... Essa pessoa podia ter tomado uma atitude como a que eu pensava na época,
de me matar... eu podia ser responsável por isso (Aceitação).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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CAMPBELL, M.A. Cyber bullying and young people: Treatment principles not
simplistic advice, 2007.
CAETANO, A. P., FREIRE, I., VEIGA SIMÃO, A. M., MARTINS, M. J. D., & PESSOA,
M. T. Emoções no cyberbullying: um estudo com adolescentes portugueses. Revista
Educação e Pesquisa, v. 42, n.1, pp. 199-212, 2016.
GUALDO, A. M. G.; HUNTER, S. C.; DURKIN, K.; ARNAIZ, P.; MAQUILÓN, J. J. The
emotional impact of cyberbullying: Differences in perceptions and experiences as a function
of role. Computers & Education, v.82, pp. 228-235, 2015.
PERFEITO, R.S; SILVEIRA, D.S.; LIMA, M.F.C.; BARROS,C.F. Caso Amanda Todd: uma
oportunidade de refletir o cyberbullying na escola. Educação Física em Revista – EFR, v. 9,
n. 1, p. 33-53, 2015.
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RESUMO
INTRODUÇÃO
Após a realização de uma pesquisa pela orientadora deste projeto e outras duas alunas,
em que foi investigado o sofrimento presente na educação, o “Com-versando: uma proposta
de cuidado por meio do diálogo em escolas públicas de Petrolina” foi desenvolvido.
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Fundamentação Teórica
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Objetivos
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MÉTODOS
Esse projeto foi implantado em 2018 e se mantém ativo no presente ano atendendo
crianças e jovens oriundos da Escola Municipal Paulo Freire, localizada no bairro São
Gonçalo na cidade de Petrolina PE. Os estudantes possuem entre 10 e 15 anos, e são
moradores tanto do bairro onde se localiza a escola quanto de outros bairros da cidade. São
utilizadas ações facilitadoras no processo de desenvolvimento humano saudável destas
crianças, que são diversas atividades entre os alunos, sendo elas individuais ou em grupo,
como é o caso da roda de reflexão, que tem como objetivo levar um momento de fala para os
jovens, sendo realizada em grupos de 5 a 7 pessoas que se inscreveram anteriormente, onde as
mesmas estão livres para escolher o tema da roda. É importante ressaltar, que os alunos são
acompanhados pelos integrantes do projeto, que facilitam o processo de fala dos estudantes,
propiciando um clima acolhedor e respeitoso.
Diferentemente da roda de reflexão que tem como objetivo proporcionar um
ambiente de compreensão onde os alunos podem trazer suas vivências sem um tema
específico, o plantão psicológico tem como objetivo o acolhimento individual dos alunos,
professores, servidores e familiares do bairro São Gonçalo, sendo realizado por estagiários do
curso de Psicologia da Univasf. Esse atendimento não necessita de inscrições prévias, ou seja,
é necessário apenas procurar o plantonista na escola, que fará o acolhimento individual nos
moldes da clínica psicológica. Além disso, o projeto realiza anualmente a chamada
“Maratona do Cuidado”, que é uma manhã especialmente voltada para a comunidade,
servidores, alunos e professores. Esse momento é cercado por diversas atividades, que tem
como objetivo proporcionar ações que tragam benefícios a curto e longo prazo ao público em
geral. Nesse espaço, várias oficinas são levadas para a escola, como oficina de origami,
fotografia, primeiros socorros, desenho, massagem, autocuidado, rodas de conversa, entre
outros. Por fim, o projeto realiza à tenda da leitura, um momento onde os estudantes podem ir
para uma tenda armada na própria escola fazer a leitura de livros e conversar entre si no
intervalo, o que reflete numa maior integração entre os próprios alunos que convivem com a
leitura e o diálogo que é sempre bem vindo na tenda.
O presente ano também possibilitou a criação de grupos de trabalho dentro do
projeto, que levam para os estudantes novas possibilidades de engajamento em atividades
extracurriculares, como é o caso do Jornal da escola, que possui em seu grupo alunos que
buscam experiências com temas jornalísticos e atividades de elaboração e escrita de matérias,
sendo eles auxiliados pelos extensionistas do projeto. Outro grupo de trabalho é o Drama-
ação, que conta com atividades artísticas como teatro e dança, para propiciar uma maior
interação entre os alunos e potencializar suas habilidades corporais. Assim como a batalha de
rimas, onde os jovens fazem rodas de Hip-Hop e “batalham” através de improvisos, uma vez
que, é uma das atividades mais populares do projeto, já que é realizada normalmente na tenda
e com grande participação do público escolar que comparece em peso no intervalo. Por fim, o
projeto conta com o Com-vercine, que são exibições de curtas, filmes e vídeos para os
estudantes no intuito de levar assuntos relevantes para o ambiente escolar, além de contar com
parcerias dos professores, que podem solicitar ao Com-vercine que sejam realizadas sessões
com temas determinados anteriormente.
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RESULTADOS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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observa, o projeto se tornou um lugar onde os alunos sentem respaldo para agir e pensar de
forma autônoma, isso vistas a procura de alunos pelo projeto, para ajudar em ações de
diversas temáticas. Assim, conclui-se que o projeto ocupa espaço importante na escola e como
facilitador da autonomia desses indivíduos.
REFERÊNCIAS
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INTRODUÇÃO
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
Notou-se que de modo geral as metodologias mais em voga neste campo são orientadas
teoricamente pela Educação Física e pela Pedagogia. Neste caso, a Capoeira figurava como
instrumento para fins como cidadania, socialização entre outros. Ao analisar a prática destas
propostas acompanhando educadores que trabalham com a Capoeira, seja observando-as em
ambiente profissional, seja por via de participações em diversos cursos, formações e oficinas
sobre o assunto, seja testemunhando relatos de outros educadores, se entreviram alguns
referenciais teórico-práticos, a exemplo de Columá (2017) Silva e Reine (2008), entre outros.
Nesta interface entre propostas pedagógicas, observação das atuações de outros profissionais
e os referenciais teóricos citados, notou-se uma característica constante: nos relatos de
profissionais que fizeram menção a estes trabalhos como recursos pedagógicos importantes,
se verificou a prática e ensino da Capoeira no mundo adulto como demasiadamente
monótonas, exigentes e arriscadas para diferentes faixas etárias da educação infantil. Por este
motivo, se recorria sempre aos métodos e técnicas para mobilizar segura e ludicamente as
crianças e, assim, controlar seus comportamentos e ganhar sua atenção e engajamento na aula.
Desta forma se pode conseguir ensinar, indiretamente, aquilo que seria “chato” de aprender.
Outro motivo, este externo aos capoeiristas educadores, vinha da exigência do ensino de algo
para além da Capoeira, como valores supostamente externos a ela como “respeito ao
próximo”, “trabalho em equipe” etc. O educador então precisaria dominar
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recursos teóricos alheios à Capoeira e demonstrar como ela poderia ser instrumentalizada para
estes propósitos. Para isto, haveria necessidade descreve-la e oferece-la segundo métodos
pedagógico-formais que a instrumentalizam. Neste ato, vê-se que há implícita a ideia de que
aprender somente Capoeira, seria apenas dançar, fazer acrobacias e golpear e esquivar, acertar
ou não ser acertado no ritmo de uma música. Esta cobrança vinha de coordenadores de
equipes de variadas instituições vinculadas ao programa, de profissionais da área que
oferecem formações, entre outros. É possível se entrever, portanto, uma ideia de que apenas a
prática da Capoeira, sem finalidades específicas e aporte teórico acadêmico, seria incapaz de
transmitir saberes sociais, políticos e culturais e, assim, contribuir para a formação educativa
de modo original. Examinando estas práticas correntes, viu-se que há uma série de
brincadeiras desenvolvidas para que as crianças possam aprender e praticar valores e regras
genéricas de convívio social ou de desenvolvimento pessoal. Tal indício ganhou força quando
se pode observar que, no ensino de outras artes marciais, também se recorre aos mesmos
recursos lúdico-pedagógicos. Assim, realizando uma reflexão: ao substituir os movimentos de
Capoeira por outros movimentos típicos de outra arte marcial, ensinados direta ou
indiretamente nestas práticas pedagógicas, o resultado final pode ser o mesmo: o ensino de
valores genéricos. Verifica-se, então, a possibilidade de que as artes marciais em questão
nestas propostas educativas, são mais rótulos vazios de sentido culturalmente singular a serem
preenchidos por estes valores oriundos de teorias e práticas educativas formais, do que fontes
protagonistas na elaboração pedagógica do seu ensino.
Verificando este possível vazio nestas atuações práticas, procurou-se preenchê-lo. O
que se descreve a seguir foi aplicado em meio a outros recursos pedagógicos, inclusive alguns
oriundos dos próprios autores citados, que são importantes, mas sempre sendo colocados em
função do sentido da Capoeira, e não o contrário. Expõem-se primeiramente alguns dos
resultados de pesquisa (VALÉRIO, 2014). Um sentido vivido próprio à Capoeira é o Acordo
Corporal (Acorpo). Este é pré-reflexivamente dado a partir de uma mobilização corporal,
existencial e pessoal do capoeirista pela musicalidade que o coloca em ginga e diálogo
corporal com o outro. A dança é pre-condição para o ataque, a esquiva ou a defesa, ela não
apenas os esconde, mas antes os executa. Golpes nem sempre são perigosos, e nem sempre
são “de mentira”. Temos aqui um sentido vivido que já delineia, no momento mesmo de sua
manifestação, outros dois sentidos: a abertura atenta e a espera. Abertura porque é preciso
estar aberto ao diálogo corporal, mas atenta porque tudo deste diálogo movente e inconstante
pode surgir: há o risco como algo que se deve lidar. Há, portanto, uma tensão no risco que
estrutura um diálogo marcial divertido entre corpos relaxados. Corpos que se deixam levar,
sempre um tanto mais ou menos precavidos um ao outro, o corpo vadio é lúdico, atento,
desperto e perigoso. Neste ponto, há que se saber esperar – Espera –, em ação constante, que
o momento certo surja e aconteça o desenlace imprevisível ou não da mesma. É esta tensão da
iminência do ataque-defesa talvez imprevisível, em suas múltiplas possibilidades de saídas e
contra ataques, que se dá a vivência lúdica. Se a tensão é desfeita, a brincadeira “perde a
graça”, assim como em qualquer outra brincadeira fácil demais, ou difícil demais. Nota-se que
esta tensão intersubjetiva, frente a infinidade de alternativas espaciais e gestuais na roda, é
estruturante à Capoeira em sua manifestação plena. Estes sentidos estão na base da
constituição de um saber sensível no registro da alteridade, da situação vivida, suas
potencialidades e limitações, de si próprio, do outro e da relação entre eles. Portanto um saber
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que, por si mesmo, extrapola a roda de capoeira e pode se atualizar na vida em qualquer
situação vivida com outras pessoas.
Como então, se poderia proporcionar uma experiência para os alunos, que promova,
em algum grau, o desenvolvimento de tal saber? Para gerar a mobilização musical própria ao
capoeirista em ação, seria necessária uma roda de capoeira composta por capoeiristas
experientes e, além disto, de uma sensibilização existencial espontânea por parte dos alunos,
que, com certeza, seria incerta e necessária para o estado de Acorpo. Dentre as diferentes
alternativas desenvolvidas, opta-se aqui por uma, surgida a partir de uma observação de um
fato eventual, testemunhado durante ensaios de Maracatu Rural na Zona da Mata norte de
Pernambuco. Às vezes, surgia uma brincadeira em meio à dança - que também guarda saberes
marciais - que consistia em tentar “tomar” o chapéu de outro folgazão (“praticante”) que
estava presente em uma roda formada por vários folgazões que podiam um tomar o chapéu do
outro, dentro de uma linguagem e situação corporal específica.
Resolveu-se realizar então uma experimentação para, por meio de uma prática com o
chapéu, mobilizar as crianças na roda de capoeira de modo a gerar uma vivência que desse
conta, em algum grau, de promover esta qualidade de experiência lúdica semelhante ao jogar
capoeira. Ao colocar duas crianças no centro da roda, solicitei o cumprimento das seguintes
regras. A primeira regra não permite correr: ao se tentar pegar o chapéu, ou evitar que o
chapéu seja pego, é preciso mover-se atenta, cuidadosa e criativamente para não perder o
chapéu para o outro, o que gera um estado de atenção a ele, necessitando criar movimentos
alternativos para agir sem o recurso da velocidade em deslocamentos espaciais. A segunda
regra, não permite segurar qualquer parte do corpo do outro. Acentua-se a criatividade
corporal na lida com a situação. A ginga principiava a surgir espontaneamente: sem poder
correr ou segurar, é preciso fingir, movimentar-se incerta e constantemente para enganar o
outro, o corpo oscila ao tentar pegar sem ser pego, ou pegar escapando simultaneamente, o
corpo precisava cada vez mais flexibilizar-se, ondular-se com calma e atenção, o corpo
precisa se tornar imprevisível e eficaz de outra forma. A terceira regra consiste em só ser
permitido pegar o chapéu por cima do mesmo, não pela aba, afim evitar que as mãos ou dedos
atinjam os olhos do outro ao tentar pegar o chapéu, o que aumenta a atenção e o cuidado
mútuos.
A quarta regra é relativa aos golpes, estes só podiam ser desferidos lentamente, mas
sempre numa distância suficiente para conseguir encostar o pé no outro em direção a
determinada parte do corpo: tal condição impõe a quinta regra, cada golpe obriga realizar
uma esquiva, o que impede que a criança ignore intencional ou acidentalmente o golpe de
outro – ela é solicitada a perceber quando há o início de um golpe em curso, para onde ele vai
e o que pode ser feito antes, durante e depois do golpe: abre-se um lugar de conhecimento do
outro e da situação a cada golpe. Além disso, não se “atropela” o outro e suas ações, busca-se
o objetivo sem anular o outro, pelo contrário, percebendo-o melhor em parceria com ele. Se
instaura um estado de abertura lúdica ao outro, para acolher seus gestos e ações, contudo,
com atenção, visto a disputa coexistente – lugar essencialmente semelhante com a abertura
atenta. Além disto, tal regra inaugura uma situação na qual precisa-se domínio de si e do
corpo para lidar com a situação: saber esperar o momento certo que, ao mesmo tempo é
construído com o outro, uma vivência essencialmente semelhante ao Acorpo e à Espera. Estes
sentidos se aprofundavam mais, quando se entrava em jogo a sexta regra, na qual, quando os
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dois jogadores estão em pé, deviam se movimentar na mesma altura, ou seja, quem é mais
alto, precisava se movimentar um pouco mais agachado para que o alcance do chapéu fosse
mais equivalente para ambos. Quando se trabalhavam movimentações com as mão no chão,
estas condições tendiam a se igualar mais espontaneamente. Esta regra também ajudava a
manter, em diálogo, a tensão entre facilidade e dificuldade mais equivalente para ambos. Os
golpes deviam ser realizados lentamente, mas os movimentos para pegar o chapéu, podiam ser
rápidos, o que sensibilizava cada jogador aos movimentos um do outro. A partir daí, os alunos
foram orientados a construir um jogo de modo divertido para ambos, eis a sétima regra, a
diversão de todos os envolvidos: as tensões e riscos tinham que ser moduladas ou
equiparadas, o que exigiu dos mesmos agir de modo mais favorável a gerar situações de jogo
criativas onde a maioria se divertia esquivando-se de perder o chapéu, ou tentando pega-lo,
mesmo diante de um parceiro menos habilidoso. Inclusive os que assistiam avaliavam o jogo
segundo este critério, se mais ou menos interessante de se assistir, o que implicava ser mais
ou menos interessante para ambos os jogadores. Tal jogo foi sempre feito com
acompanhamento musical e em sintonia com o ritmo.
Com esta proposta, cada aluno pode se expressar jogando com recursos próprios e
inventados, sem, contudo, deixar de aprender algo próprio à Capoeira: o que ele aprende é um
modo de perceber e se relacionar com o outro a partir dos sentidos desta manifestação
cultural. Aprende-se a gingar procurando solucionar situações e impulsionados pela
necessidade de movimentar e atingir um objetivo frente as limitações impostas pelas regras,
estas restringem ações por um lado, mas liberam uma série de outras possibilidades a serem
desenvolvidas, até então não conhecidas. A ginga nasce das imposições, restrições e
necessidades de novas alternativas frente às adversidades, o que guarda conexões importantes
com a História da Capoeira e da Cultura Negra no Brasil, na qual a malícia e a malandragem
são também um modo estratégico, sensível e criativo de resistência pessoal, social, cultural e
política. Assim, um aluno que se desenvolve nesta prática, por exemplo, tem condições,
mesmo sem domínio técnico algum, de dialogar com outro capoeirista dentro de uma roda.
Contudo, estratégias para melhorar o aprendizado técnico de movimentos, também são
importantes e complementam esta prática educativa. Não se procura aqui generalizar as
afirmações presentes neste trabalho sobre o que pensam e ensinam os educadores capoeiristas
ou não, bem como as instituições, pois há alta complexidade e diversidade de abordagens
teóricas e práticas sobre a Capoeira enquanto prática educativa, bem como das formas de
atuação prática de profissionais desta área. Por outro lado, a segunda parte deste relato, que
delineia um exemplo de aplicação metodológica em Capoeira, desfruta de consistência, pois
parte de resultados consistentes de pesquisa, mas de modo nenhum estão imunes a críticas ou
revisões. Mais ainda, foi e é frutífero que este seja combinado ou conviva com a aplicação de
outras metodologias de ensino em Capoeira, desde que não se perca de vista o que realmente
está em jogo: a integridade e protagonismo da Capoeira enquanto fonte de saberes educativos
e existenciais diversos durante o processo de seu ensino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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constituição histórica e social destes sentidos, de certa forma reinventados nesta proposta, a
partir das vivências aí proporcionadas, caminhar assim na história da pessoa negra, sua
cultura, significados e símbolos implicados à Capoeira: O chapéu, por si só, já pode trazer
muito sobre estas dimensões, não partindo de um discurso externo e desligado do sentido da
sua prática para os alunos que a experimentam, mas articulado a este. Portanto, muito ainda
pode ser explorado e desenvolvido partindo destas primeiras elaborações educacionais em
Capoeira valendo-se de uma abordagem fenomenológica que pode contribuir para maior
visibilidade e compreensão, por parte da sociedade e das áreas da educação, da potencialidade
educativa de seus saberes culturais.
REFERÊNCIAS
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REALIZAÇÃO
INSTITUIÇÕES FINANCIADORAS
APOIO
CEPPSI
Centro de Estudos e Práticas em Psicologia
PATROCINADORES
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