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X Semana de Humanidades

19 a 21 de outubro de 2016, Fortaleza (CE)


Grupo de Trabalho 15: Arte, Mídia, Corpos e Subjetividade

Robert and Sol: algumas reflexões sobre as homossexualidades masculinas na


velhice a partir da série Gracie and Frankie.

Manoel Nogueira Maia Neto


Graduando em Psicologia
Universidade Estadual do Ceará
PROPOSTA E OBJETIVOS

Proveniente de debates e leituras na disciplina de Psicologia do


Desenvolvimento III: Vida Adulta e Velhice do curso de Psicologia da
Universidade Estadual do Ceará, este trabalho procurou promover reflexões sobre
a homossexualidade em interseção à velhice. O objetivo foi o de aproximar as
questões abordadas pela série Gracie and Frankie às questões sobre as
homossexualidades masculinas na velhice a partir da teoria queer, refletindo
sobre os enunciados – midiáticos, normativos e sociais – que atravessam esses
sujeitos nas suas sexualidades e desejos.

METODOLOGIA ADOTADA

Como forma de estratégia metodológica, optou-se pela análise (nos


meses de junho e julho deste ano) do programa televisivo Gracie and Frankie,
que é composto por 24 episódios divididos em duas temporadas. Para o
levantamento bibliográfico, optou-se pelos seguintes bancos de dados: Portal de
Periódicos em Psicologia (PePSIC) e SciELO (Scientific Eletronic Library Online)
a partir das palavras-chave “velhice e sexualidade”, “velhice gay” e “velhice
queer”. Realizou-se assim uma interseção entre as questões apontadas pelo
citado programa e o levantamento documental.

QUADRO TEÓRICO

Em relação à aproximação teórica, foram utilizados autores ditos da


teoria queer que discutem o tema proposto, a saber Santos e Lago (2013, 2015) e
Pocahy (2011). A partir dos achados bibliográficos, o velho homossexual parece
ser confrontado por uma malha normativa que o joga violentamente em uma zona
hostil de existência (SANTOS E LAGO, 2013). Ou seja, pautam-se como legítimas
certas práticas e modos de viver de um certo grupo, que acaba por
excluir/hierarquizar outro – deixando-o fora do “compreensível”, do “reconhecível”,
do inteligível.

A zona hostil de existência pode ser exemplificada pelo projeto (agora


livro) Chicos, que propõe levantar questões a partir do nu masculino:
“Pensávamos em realizar algo que expusesse as dores, fraquezas, conquistas,
lutas e as relações familiares e sociais de cada um, relações estas estampadas
nos tantos corpos nus dos ‘chicos’” (LADEIRA E LAMOUNIER, 2016, p. 5).
Considerando fatores como a faixa etária próxima dos criadores e participantes,
uma certa dificuldade em conseguir ‘chicos’ mais velhos e o recorte proposto pelo
livro-projeto (estes últimos passíveis de reflexão/problematização), o idoso gay
não é representado. São gays, alguns femininos, alguns negros, alguns
nordestinos – vários corpos, jovens.

Nesse caso, excluem-se violentamente para uma margem, por


exemplo, o corpo (abjeto) e o desejo (dissidente) dos velhos gays em prol de uma
(homo)norma que reconhece como coerente/legítimo/possível de referência uma
“elite homossexual”: corpo juvenil, sedutora e “politicamente engajada” . A partir e
para além do corpo e desejo marginais, essa exclusão pontua para os dissidentes
uma outra organização espacial/geográfica, outra forma de sociabilidade (afetiva
e sexual), outra resistência política, outro modo de existir. Revela-se assim uma
“sociedade heterossexista e velhicista”, como aponta Pocahy (2011).

Mesmo que a constituição e sujeição dos idosos gays sendo


atravessadas por tramas (homo)(hetero)normativas, “a existência não se deixa
capturar o tempo todo por essas significações totalizantes” (SANTOS E LAGO,
2015, p. 96). Como indicam os estudos cartográficos dos autores indicados
(2013, 2015), os desejos e afetos dissidentes encontram formas e lugares
alternativos de expressão – são bairros, bares, horas a mais no ambiente de
trabalho e olhares em banheiros públicos, por exemplo, que abrem brechas.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Antes de um breve “resumo” sobre a série, faz-se necessário marcar


sócio-historicamente o seguinte: os idosos de hoje viveram sua juventude e início
da vida adulta nas décadas de 70 e 80. Nesse período, é conhecida a negação de
direitos humanos (até de humanidade) e a proteção social para os “desviantes” da
heterossexualidade – as homossexualidades eram em si patologizadas,
ratificando esse status “promíscuo” com o advento da epidemia da AIDS.
Uma série de estigmas morais sociais, políticos, familiares que
empurraram esses sujeitos para seguir um dado modelo de heterossexualidade,
sendo cruciais para os processos de constituição e sujeição. Nesse momento,
abrem-se aqui as possibilidades para aqueles que resistiram: que se auto
declaravam “queers”, que protagonizavam a luta do movimento, que mesmo
dentro desse modelo (casaram, foram pais, trabalhavam como único provedor
financeiro, por exemplo) conseguiram, alternativamente em alguns momentos,
subverter esses discursos hiperativos.

Na série, Robert e Sol passam os últimos 20 anos em longas viagens


de negócios encontrando brechas para viver um desejo dissidente, resistente. No
primeiro episódio da série, em um jantar com Grace e Frankie, eles decidem se
separar de suas mulheres (após 40 anos de união) para finalmente poderem se
casar: “porque agora podemos, né?”, como diz Robert. É uma cena de completa
perplexidade, elas questionam além de um casamento teatralizado, o porquê
dessa separação (e da nova união deles) – já que eles são “velhos”, a real
felicidade dos casais nas quatro décadas juntas. Desacurtinam e questionam as
vidas pautadas nessa heteronormatividade compulsória.

Grace: Você está me deixando? Quem é ela?

Robert: Não é o que você está pensando; é ele...

Grace: Como?

Robert: E é Sol. Estou apaixonado pelo Sol.

Frankie: O meu Sol?

Robert: O seu Sol.

Frankie: Está me dizendo que é gay? E é com ele que você é gay? (...)
Não. Isso não faz sentido. Vocês são sócios, não são amantes...
amigos?! (GRACE AND FRANKIE, 2016).

Destacam-se ainda dois pontos interessantes para reflexão: os


personagens Robert e Sol não aparecem em cenas entre eles que façam
qualquer referência ao ato sexual. As demonstrações (homo)afetivas se pautam
em beijos e carinhos nas mãos e nos olhares. Em todos os episódios, eles não
fazem sexo, são “destituídos” disso – em contraste às protagonistas. Parece que
se esbarra em uma região desconhecida de representação de idosos fazendo
sexo, principalmente considerando o possível constrangimento da imagem de
uma velhice infantilizada, que é regida sob tutela dos familiares e da constante
assistência deles (POCAHY, 2011), ou até mesmo pela aproximação com as
imagens de avós e avôs.

Ainda mais imobilizador quando os sujeitos se declaram homens,


velhos e gays e estão transando: não é possível/passível de existência e
representação (ou de menção). Em outros casos, talvez no encontro geracional
pornô com os ursos, daddies ou mature guys e seus respectivos personagens
jovens seja possível alguma associação destes sujeitos idosos com ato sexual.

Um outro ponto é a maneira que se fala sobre a dramática descoberta


inicial das sexualidades dos personagens na série. São outros personagens,
filhos, filhas e ex-esposas, que mencionam sobre as homossexualidades em tom
irônico-cômico (como seria uma obra de Kauffman e Morris), comparando-os, por
exemplo, ao binarismo ativo/masculino/homem e passivo/feminino/mulher, além
de tiradas depreciativas: (cena entre as filhas, a ex-mulher de Robert e este)

“Mallory: Papai, você é gay? (...) Meu Deus, o que vou dizer para os
meus filhos?

Brianna: Por que não começa com: ‘Sabem por onde sai o cocô?’”.
(GRACE AND FRANKIE, 2016).

Conclui-se que a interseção das homossexualidades na velhice,


mesmo recortado em uma determinada fase do desenvolvimento, sob o viés da
teoria queer e através de um único exemplo do meio midiático, está longe de se
esgotar e, principalmente, longe de se fazer pouco para reflexões sobre
sexualidade, subjetividade e (des)valores sociais.
REFERÊNCIAS UTILIZADAS

GRACIE and Frankie. Criação e direção: Marta Kauffman e Howard J. Morris.


Estados Unidos: Netflix, 2016. Disponível em: <https://www.netflix.com>. Acesso
em: 13 jun. 2016.

LAMOUNIER, Fábio; LADEIRA, Rodrigo. Chicos: the book. Belo Horizonte: [S.I],
2016. 304p.

POCAHY, Fernando Altair. Entre vapores e dublagens: dissidências


homo/eróticas nas tramas do envelhecimento. 2011. 167p. Tese (Doutorado em
Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

SANTOS, Daniel Kerry dos; LAGO, Mara Coelho de Souza. Cartografando


estilizações do homoerotismo na velhice: pistas metodológicas nos estudos sobre
sexualidade. Fractal, v. 27, n. 2, p. 95-106, maio/ago. 2015.

SANTOS, Daniel Kerry dos; LAGO, Mara Coelho de Souza. Estilísticas e estéticas
do homoerotismo na velhice: narrativas de si. Revista Latinoamericana, n. 13, p.
113-147, dez. 2013.

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