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GABRIELA DE SOUSA MOURA
1
Este pequeno escrito é dedicado ao Professor Doutor Flávio
Quinaud Pedron, pelas suas orientações atentas e sua disposição
em ajudar. À Professora Doutora e querida Astreia Soares por
me fazer conhecer um pouco dos estudos de Boaventura de
Sousa Santos e despertar minha curiosidade sobre Habermas. E
à amiga de sempre, pelo companheirismo de cada época,
Roberta Drummond. Os erros cometidos são de minha inteira
responsabilidade.
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................5
1 QUE LUGAR É PASÁRGADA.......................................................................................8
1.1 Breve apresentação do Direito pasargadiano..............................................................9
2 O PRAGMATISMO DO DECIDIDOR DE PASÁRGADA........................................13
2.1 A Atuação do Presidente da Associação de Moradores como decididor..................13
2.2 O Pragmatismo Jurídico..............................................................................................15
2.2.1 O Realismo Norte-Americano e o Decididor de Pasárgada..................................16
2.2.2 O decididor serve à Democracia?............................................................................19
3 PASÁRGADA: A TEORIA DO PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA E
AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO................................................................................22
3.1 Wer hat dir, Henker, diese Macht Über mich gegeben?«2
3.1.2 A Teoria da Relação Jurídica Triangular em Pasárgada......................................24
3.2 Processo e Procedimento: uma diferenciação necessária.........................................2
3.2.1 A ausência de Procedimento em Pasárgada ...........................................................28
3.3 Crítica ao Modelo de Formas Flexíveis de Pasárgada..............................................31
3.3.1 A incompatibilidade da Teoria do Processo como Relação Jurídica para um
modelo jurídico democrático.............................................................................................32
3.3.2 O Processo como garantidor da Democracia: crítica aos métodos do forum de
Pasárgada............................................................................................................................35
3.3.3 A Revisitação do Caso Julgado................................................................................3
4 O DISCURSO LEGAL PASARGADIANO: A RETÓRICA É UM VIÉS
DEMOCRÁTICO?.............................................................................................................4
4.1 O que é a Retórica?......................................................................................................41
4.2 Pasárgada e o Discurso Retórico.................................................................................44
4.2.1 Extensão do Espaço Retórico Versus Nível de Institucionalização; e Extensão do
Espaço Retórico Versus Aparelho Coercitivo..................................................................44
4.2.2 A operacionalização da Retórica em Pasárgada através de topoi.........................45
4.3 Os tópicos confundidos por Boaventura de Sousa Santos: normas morais ou
jurídicas?.............................................................................................................................4
4.4 Democracia e Retórica.................................................................................................49
3
4.4.1 A retórica é contra-projeto para Democracia........................................................5
CONCLUSÃO....................................................................................................................5
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................5
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................
4
INTRODUÇÃO
SANTOS (1988: 8) pretende, com sua tese, responder três questões: 1) da extensão do espaço
retórico ou do campo da argumentação; 2) da constituição interna do espaço retórico; 3) das
condições socais do regresso da retórica em geral e da retórica jurídica em especial, na
segunda metade do séc. XX.
A versão em português ainda não foi publicada por completo no Brasil, mas tão somente o
1° volume de um total de quatro. E, embora o abandono ao conceito antropológico de
Pluralismo Jurídico fique mais evidente no 2° volume da obra, nomeado O Direito da Rua:
Ordem e Desordem nas Sociedades Subalternas, é possível essa percepção já no 1° volume,
entitulado A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, no qual a
definição de Santos para Pluralismo Jurídico converge para a idéia de interlegalidade, que
é promovida pela existência de várias ordens jurídicas nas sociedades modernas, as quais
são marcadas por porosidade, e entre as quais vivemos em constante transição, como foi
colocado pelo próprio sociólogo no trecho a seguir:
6
Entretanto, o objeto desta pesquisa é apenas o texto O Discurso e o Poder: ensaio sobre a
sociologia da retórica Jurídica, e tem como objetivo realizar uma análise crítica da resposta
dada por SANTOS (1988: 54-59) sobre a extensão do espaço da retórica, bem como da
proposta ali contida, no sentido de que o modelo jurídico pasargadiano é, como quis
SANTOS (1988: 88), a base analítica para a construção de uma nova teoria fundamentadora
de Direito democrático emancipatório.
Tal análise crítica será procedida pela sujeição dos elementos da prática jurídica em
Pasárgada a estudos já desenvolvidos pela Filosofia do Discurso, considerando
especialmente a obra Direito e Democracia: entre faticidade e validade (HABERMAS,
2003). Outros estudos da Escola Mineira de Processo também contribuirão como referentes
teóricos.
7
1 QUE LUGAR É PASÁRGADA?
Pasárgada é apontada por SANTOS (1988: 10) como uma das maiores favelas do Rio de
Janeiro, e seu nome é na verdade Jacarezinho (Diversa, n 8, p. 8), localizado numa zona
industrial da cidade e que a maior parte de sua ocupação é ilegal e foi iniciada na década de
30, momento em que se tratava de propriedade privada, e posteriormente passou a ser da
titularidade do estado. SANTOS (1988: 10) aponta ainda que as construções edilícias dali
também são ilegais, não apenas pela falta de título, como também por ferirem as disposições
normativas sobre construções de edifícios em áreas urbanas. Soma-se ainda o fato de que,
até a data em que Santos teve em Pasárgada o seu objeto de estudo, a favela também não
recebia, das entidades federativas, rede elétrica, abastecimento de água aos domicílios,
esgotos e pavimentação das ruas. Além disto, a comunidade também sofria uma grande
pressão para ser removida dando lugar a empreendimentos urbanísticos.
Um dos recursos que a comunidade criou para solucionar seus problemas é a Associação de
Moradores, que tem várias atribuições, e dentre elas a de funcionar como uma espécie de
fórum, dotado de prática e discurso jurídicos próprios (SANTOS, 1988, p. 14). Assim, o
sociólogo português afirma que Pasárgada passou a utilizar um Direito paralelo não oficial
(não estatal), ao qual os moradores recorrem para celebrar contratos (inclusive referentes ao
direito de propriedade), e também para solucionar conflitos (SANTOS, 1988, p. 14-16). E,
em razão de se tratar de um Direito paralelo ao Direito estatal (Direito do asfalto), que
coexiste com este no mesmo espaço geo-político, SANTOS (1988: 72-78) atribui a este
fenômeno a nomenclatura de Pluralismo Jurídico1.
1
Importa relembrar que Santos abandona posteriormente este conceito antropológico de Pluralismo Jurídico,
para adotar uma nova compreensão que está expressa na obra Para um novo senso comum: a ciência, o
direito e a política na transição paradigmática.2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. Publicação ainda incompleta
no Brasil.
8
1.1 Breve apresentação do Direito pasargadiano
2
Esta correlação aqui apresentada não é feita por Boaventura sem que este deixa de destacar que
Institucionalização e Coerção são varáveis independetes.
9
determina, gradualmente e segundo suas próprias convicções subjetivas, o modelo
procedimental, porque para este não estão estabelecidas normas (regras e princípios) pré-
determinadas. Tal determinação se dá conforme cada caso. (SANTOS, 1988, p. 30-33).
Além disto, o juiz de Pasárgada assume uma posição de superioridade no discurso em relação
às partes envolvidas, por este motivo chega inclusive a ser concebido, pelo próprio Santos,
FRPR³VXMHLWRSULYLOHJLDGRGRGLVFXUVR´6$1726STXHVXEPHWHDSDUWLFLSDomR
das partes ao ritmo e à direção da argumentação proposta por si próprio (SANTOS, 1988, p.
34).
Esta ausência de isonomia também é possível em relação a uma das partes, i.e, os demais
HQYROYLGRV³QmRVmRQHFHVVDULDPHQWHLJXDLVSHUDQWHRforum (e o presidente), e suas posições
relativas influenciam a medida da participação" (SANTOS, 1988, p. 27).
$ MXULGLFLGDGH ³HQ[HUJDGD´ HP 3DViUJDGD p D HYLGrQFLD GH TXH VHJXLQGR D WHQGrQFLD GD
sociologia, Santos acredita que o Direito reside nas práticas socais. Ou seja, para o sociólogo
as normas jurídicas não se distinguem de outras normas sociais3; motivo pelo qual o Direito
pode ser extraído ou captado a partir de uma observação do comportamento das pessoas ou
dos grupos. Esta indistinção entre as espécies normativas (culturais e jurídicas) está evidente
na conceituação de Direito dada por SANTOS (1988: 72):
3
Posteriormente, Santos passará a utilizar um conceito de Direito mais complexo, que reconhece como umas
de suas características a ameaça da força, e a submissão dos litígios à resolução de terceiros não diretamente
envolvidos. Este conceito aparece em: SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a
ciência, o direito e a política a transição paradigmática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. V.1. A crítica da
razão indolente: contra o desperdício da experiência. p. 290. Contudo, o novo conceito de Direito dado por
Santos também se mostra frágil.
10
como elemento democratizante o Discurso Retórico, que se volta contra o método de
triunfo do Direito Estatal que é ancorado na violência institucional-sistêmica e física-
psíquica, em razão do poder que tem o Discurso de encantar a consciência, colocação que
o sociólogo faz numa referência a Gadamer (SANTOS, 1988, p.94)
Sem dúvidas, Pasárgada (ou Jacarezinho) representa uma parcela de pessoas não adotadas
pelo projeto dos CIVIS. Trata-se, portanto, de excluídos do processo de civilização (governo
e jurisdição dos patrimonializados). Isto é, conforme esclarece Leal, atento ao fato de que a
Sociedade Civil ainda não se libertou dos moldes como foi interpretada por Marx e Hegel
³SRWHQFLDomRHFRQ{PLFDTXHLQIOXLQDPRGHODomRHIRUPDVGHYLGDHTXHDVVXPHFRQWUROHV
VRFLDLV´/($/Scidadão não se trata de sinônimo de civil como costumam errar
os dicionários, uma vez que aquele seria o habitante da ci-datus, o lugar dado pelo civil ao
potus SRYRHDVVLP³RSRYRTXDQGRDGRWDGRSHORCIVIS, torna-se o coletivo de cidadãos,
livres de sua vida errante, vadia, despossuída. Não são pessoas inatamente portadoras de
liberdade, são cidadãos livres QR VHQWLGR GH OLEHUWDGRV GD HUUkQFLD H GHVRUJDQL]DomR´
(LEAL, 2005, p 1-2). De tal maneira, os moradores de Pasárgada constituem aqueles para
quem o governo civil não é dirigido, mas dos quais tal governo é apenas o dirigente (LEAL,
2005, p. 1); pois, historicamente, este governo continua a dar seguimento ao seu primordial
projeto, que não tem os moldes da política que permite a efetivação de direitos fundamentais
(LEAL, 2005, p.3).
E por configurarem não incluídos é que os habitantes de Jacarezinho tiveram que promover
formas de contornar a exclusão que sofrem. A Associação de Moradores foi criada para
tentar suprimir ou superar as carências daqueles a quem não são possíveis os projetos dos
civis.
11
referente para a construção de um Direito Democrático emancipatório. Para esta tarefa, os
ultrapassados paradigmas jurídicos Sociais e Liberais, bem como a filosofia da consciência,
ainda utilizados pelos operadores do Direito, devem ser substituídos por outros pensares
adequáveis ao Estado Democrático, como, p. e., a filosofia da linguagem.
Outro ponto que merece exame é o discurso pasargadiano, que não recorre sempre e somente
às leis, mas usa principalmente de topoi, clichês, provérbios e citações bíblicas, exatamente
por se tratar de um discurso retórico (SANTO, 1988, p. 17-18). Portanto, este será então o
objetivo do quarto capítulo: conhecer a estrutura do discurso de Pasárgada e sua
operacionalidade, a fim de verificar a adequabilidade da correlação Espaço Retórico,
Institucionalização e Coerção elaborada por SANTOS (1988, p. 54-59). Nesse momento do
trabalho, também será observado o papel que tem a moral no Modelo Jurídico pasargadiano.
12
2 O PRAGMATISMO DO DECIDIDOR DE PASÁRGADA
Assim, se as partes desejam celebrar um contrato (ou qualquer relação jurídica), elas podem
comparecer perante o Presidente da Associação e então explicam a este os seus propósitos,
o que geralmente fazem acompanhadas de amigos ou familiares que servem como
testemunhas. A seguir, o juiz pasargadiano passa a interrogar os envolvidos até se considerar
elucidado sobre a natureza e a legitimidade da relação que pretendem estabelecer e do objeto
a ser pactuado, bem como sobre a autonomia das vontades e a seriedade das partes em
cumprir os compromissos assumidos. Isto feito, o decididor então elabora o contrato, e para
tanto pode inclusive adotar fórmulas correspondentes àquelas utilizadas pelos órgãos
estatais. É este tipo de serviço que SANTOS (1988: 15-16) identifica como ratificação, e
que entende ser bastante útil para a prevenção de disputas. Entretanto, a ratificação nem
sempre ocorre como aqui descrito, haja vista que tanto a elaboração de documentos e até
mesmo a efetuação do interrogatório são variáveis (SANTOS, 1988, p. 30-31).
Os elementos utilizados nesta discussão são bastante amplos, pois compreendem das leis
estatais até citações bíblicas, passando por provérbios, topoi, clichês e slogans (SANTOS,
1988, p.23-24). E tais elementos são, sobretudo, utilizados pelo Presidente, que é
LGHQWLILFDGRFRPRDTXHOHTXH³GRPLQDRGLVFXUVRMXUtGLFR´6$1726S
Além disto, o juiz de Pasárgada pode proferir uma decisão que vai além das questões que
IRUDPVXVFLWDGDVSHODVSDUWHVTXH³SRULJQRUkQFLDQmRVRXEHUDPVLQWRQL]DURREMHFWRGR
conflito com o forum (...) quer porque uma delas, pelo menos, procurou conscientemente
usar o fórum com propósitos capciosos, quer ainda porque o presidente conclui que o objecto
processado do conflito é uma parcela mínima do objecto real do conflito (...)´6$1726
1988, p. 27).
14
Não é difícil perceber, portanto, o quão muito o discurso jurídico e o próprio conteúdo do
direito pasargadiano ficam a mercê do entendimento do Presidente da Associação de
Moradores, que ao decidir utiliza mais do próprio ponto de vista do que de uma
normatividade que lhe precede, ou ainda de uma normatividade que tenha sido construída
em paridade no próprio processo de resolução do conflito, pelas partes diretamente afetadas.
No modelo decisório de Pasárgada, a voz do Presidente é o phoné do próprio Direito, que a
seu turno é retirado dos lugares-comuns da comunidade, também pelo decididor. Tal
caracterização faz do juiz de Pasárgada um pragmático, aos moldes dos norte-americanos.
Para elucidar esta afirmativa, o título a seguir tratará de apresentar a Escola do Pragmatismo
Jurídico e como seu pensamento se revela no comportamento do decididor pasargadiano.
Noutra mão, há o realismo escandinavo, que se recusou a entender que o direito é o que
decidem os tribunais, como gostam os americanos, e preferiu a tese de que o direito é um
conjunto de normas capazes de constranger psicologicamente (BILLIER e MARYOLY,
2005, p. 261). Neste sentido, Alf Ross, um dos nomes mais importantes desta corrente,
explica que a força vinculante de uma norma não é mais que o resultado de um ato subjetivo
de aceitação da obrigatoriedade da própria norma (GUASTINI, 2005, p. 113). O
pragmatismo escandinavo foi bastante influenciado pela lógica empirista do Círculo de
Viena (GUASTINI, 2005, p. 108), o que se nota pela repulsa deste movimento à Metafísica.
15
Entretanto, a Escola Realista americana interessa mais a este trabalho, pois é com ela que o
juiz pasargadiano guarda características em comum.
Oliver Wendell Holmes que foi identificado anteriormente como umas das principais fontes
GRVUHDOLVWDVHVWDGXQLGHQVHVFKHJRXDDILUPDUTXH³DVSUHGLo}HVGRTXHIDUmRRVWULEXQDLVH
QDGDPDLVSUHWHQVLRVRGRTXHLVWRVmRRTXHHXHQWHQGRSRUGLUHLWR´+2/0(S, 1897, v. 10,
p. 461, apud BILLIER e MARYOLI, 2005, p. 252). É na linha desta proposição que o
pensamento pragmático americano se firma. Em outras linhas, para estes realistas o Direito
não está manifesto em um conjunto de normas, nem consiste num conjunto de normas; mas
ele é o que os juízes decidem diante dos casos. Isto porque, no pragmatismo, as normas
jurídicas não precedem à interpretação, mas são tão somente o resultado desta (GUASTINI,
2005, p. 141).
E o que o juiz pragmático faz, para reduzir o conteúdo do Direito a sua própria idiossincrasia,
é: 1) sublimar o caráter indeterminado das regras; e 2) se apegar aos seus termos vagos, para
os preencher com os seus pontos de vistas e finalmente atender a função instrumentalista do
direito, segundo a qual a ordem jurídica serve para satisfazer os interesses políticos
(determinantes extrajurídicos). É em função disto que HABERMAS (2003, p. 248, v. 1)
16
afirma que a prática da decisão deixa de ser determinada internamente através das regras do
próprio sistema jurídico; e por tal motivo, a lógica própria do Direito desaparece por
completo, e se torna impossível, para o realismo legal, uma distinção clara entre Direito e
política (HABERMAS, 2003, p. 249, v. 1).
GUASTINI (2005: 141) explica que esta maneira de proceder dos juízes pragmáticos é
acompanhada do entendimento de que os ordenamentos jurídicos são incoerentes e
incompletos, e que, diante de antinomias e lacunas, a função dos juízes é de criar o direito,
como um legislador. De tal maneira, não há claro limite entre Judiciário e Legislativo.
2 UHDOLVPR MXUtGLFR SRUWDQWR TXHU H ³HVWLPXOD RV MXt]HV D GHFLGLU H D DJLU VHJXQGR VHXV
SUySULRVSRQWRVGHYLVWD´'WORKIN, 2003, p. 186). O resultado disto é que a conclusão
de um processo judicial pode ser explicada pela estrutura da personalidade dos juízes, por
enfoques políticos, por tradições ideológicas e por interesses (HABERMAS, 2003, p. 249,
v. 1).
E assim, consoante com maneira dos realistas, o Direito de Pasárgada tem seu habitat na
sentença prolatada pelo Presidente, uma vez que é este quem domina (sabe) o Discurso
Jurídico (SANTOS, 1988, p. 20). E assim, antes da decisão do julgador da Associação de
17
Moradores, não há conclusão acerca da existência de direito ou dever algum. Aos habitantes
de Pasárgada não é concedido o poder (capacidade) de predizer seus direitos, porque é o
decididor quem conhece a fala jurídica (SANTOS, 1988, p. 20); a ponto até mesmo de existir
confusão entre linguagem do próprio Presidente e a linguagem normativa ± como se fossem
todas uma só. Às partes é apenas concedida uma ilusão de controle do discurso, o que ocorre
nos instantes procedimentais em que o Presidente dá a elas a palavra e permanece em silêncio
(SANTOS, 1988, p. 39).
O pragmatismo pasargadiano faz com que o Direito esteja simulado enquanto tal, quando
QDGD pDOpP GR ³VHQWLPHQWR´HGDV SUHIHUrQFLDVSROtWLFDVGRGHFLGLGRU. E os pragmáticos
estão inteiramente de acordo com esta situação, pois como indicado, para eles não existem
Direitos a priori, em razão do fato de que as decisões judiciais nada são além do que
preferências manifestas dos julgadores, e neste sentido elaboram uma crítica ao Hércules de
DWORKIN (2003: 311) ao apontar que este é um juiz fraudulento quando afirma que
descobriu qual direito é aplicável aos seus hard cases (a única resposta correta), porque o
que ele faz na verdade é afirmar o conteúdo do direito a partir de suas escolhas políticas; ou
seja, quando decide, Hércules apenas dá uma opinião de como o direito deveria ser.
18
De tal maneira, no realismo jurídico americano e pasargadiano, o Direito assume a
perspectiva de um instrumento de fazer política. Isto fica bastante notório, p.e., diante da
colocação de SANTOS (1988: 23) no sentido de que em Pasárgada a decisão do Presidente
da Associação de Moradores deve sempre tender ao que é melhor para comunidade. Esta
posição do fórum é política.
Diante desta versão instrumentalista do Direito que tem o pragmatismo, Dworkin destaca:
O pragmatismo não exclui nenhuma teoria sobre o que torna uma comunidade
melhor. Mas também não leva a sério as pretensões juridicamente tuteladas.
Rejeita aquilo que as outras concepções do direito aceitam: que as pessoas podem
claramente ter direitos, que prevalecem sobre aquilo que, de outra forma,
asseguraria o melhor futuro à sociedade. Segundo o pragmatismo, aquilo que
chamamos de direitos atribuídos a uma pessoa são apenas os auxiliares do melhor
futuro: são instrumentos que construímos para esse fim, e não possuem força ou
fundamento independentes. (DWORKIN, 2003, p. 195)
Todas as colocações apresentadas neste capítulo permitem concluir que no viés pragmático,
também adotado em Pasárgada, o Direito é confundido com a sentença (fala) do juiz, e
ambos acabam por assumir um só corpo ± o direito está na palavra do decididor. Um dos
desdobramentos desta característica realista consiste no fato de que quando o conteúdo do
ordenamento jurídico está inserido num processo de confusão (indistinção) com o discurso
do decididor, e no caso de Pasárgada com a fala do Presidente da Associação de Moradores,
o Direito nada é além do que expressão da própria opinião política do julgador que assume
a condição de único intérprete da norma.
19
Isto percebido, resta fácil a constatação de que o Juiz pasargadiano é um dos elementos
componentes do Direito descrito por SANTOS (1988) que impede que Pasárgada seja
utilizada como base para a construção de um sistema jurídico democrático.
Face aos paradigmas inaugurados com a Democracia, não interessa mais à ciência jurídica
contemporânea a compreensão da decisão como lócus de manifestação de verdades
irrefutáveis e utilizadas estritamente para fins políticos. É nesta linha que LEAL (2002: 17)
afirma que a decisão vista como mera escolha individual entre várias alternativas não mais
satisfaz às investigações do pensamento jurídico.
20
estratégicas estritamente articuladas para fins políticos; e de tal maneira, úteis tão somente
para transmissão de informações e não capazes de contribuir para a integração social.
Não é o senso comum do julgador achador intencionado em termos axiológico (LEAL, 2002,
p. 30) o elemento capaz de garantir a legitimidade do provimento judicial.
21
3 PASÁRGADA: A TEORIA DO PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA E
AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO
3.1 Wer hat dir, Henker, diese Macht Über mich gegeben?
O título acima (Wer hat dir, Henker, diese Macht Über mich gegeben?) foi retirado do livro
Técnica Processual e Teoria do Processo, do professor AROLDO PLÍNIO GONÇALVES
(2001), e se trata de uma pergunta feita pela personagem Margarida, na obra chamada Fausto
de GOETHE (1981). Sua tradução para o português é: Quem deu a ti, Carrasco, esse poder
sobre mim? (GONÇALVES, 2001, p. 91).
A indagação de Margarida é citada como uma ilustração da idéia do Processo como Relação
Jurídica, que encontrou suas primeiras formulações nos estudos de Windscheid sobre os
direitos subjetivos como geradores de uma relação, no século XIX (GONÇALVES, 2001, p.
71 e 76).
Assim, o conceito de direito subjetivo funciona como pilar da teoria relacional, e tem suas
origens no Naturalismo Racional (HELMUT GOÏNG, 1964, apud GONÇALVES, 2001, p.
75), que os identifica como princípios primeiros da YLGD VRFLDO GHVFREHUWRV SHOD ³UD]mR
QDWXUDO´/($/S1HVWHVHQWLGRVmRFRQFHELGRVFRPRDEVROXWRVFRQWUDRVTXDLV
ninguém pode se opor, nos mesmos moldes das axiomáticas liberdades negativas de Kant,
que concebeu que cada indivíduo é possuidor natural de um conjunto de direitos que não
pode ser usurpado pelos demais (HABERMAS, 2003, p. 126); e o que consiste numa
elaboração teórica que é meramente inventiva, sem adequados critérios epistemológicos.
22
Os direitos subjetivos gozam assim, na condição de Naturais, do status de estarem acima do
próprio ordenamento estatal, exatamente por sobrepujarem as próprias elaborações
humanas, em virtude de se tratarem de direitos que não são construídos pela ação humana,
mas que são dados prontos (daisen) à humanidade, e com ela estabelecem uma relação
ontológica. Desta forma, são inquestionáveis e inerentes à natureza humana.
Neste sentido, GONÇALVES (2001:71) esclarece que a figura da Relação Jurídica surgiu
primeiro na dogmática civilista, para explicar as relações obrigacionais, através da
proposição da existência de um poder que permite um sujeito subjugar o outro; e,
posteriormente, tal tese se alastrou para os outros ramos do Direito.
Desenhos geométricos foram utilizados para representar a Relação Jurídica. Köhler, por
exemplo, apresentou a Relação Jurídica através de uma figura linear, formada pelo autor e
pelo réu, cada um em uma extremidade. Idéia criticada com base nos entendimentos de que
23
o processo retirou do particular o direito à auto tutela, e em razão da relação direta, entre
autor e réu, ser entendida como eminentemente de Direito Material, bem como pelo fato de
conceberem o juiz como sujeito também interessado no litígio. (PELLEGRINI, 2003).
Outro desenho angular, sustentado por Planck e Hellwig, tentou representar a Relação
Jurídica. Nesta figura o juiz estaria no vértice, e as partes nas extremidades (PELLEGRINI,
2003). Já em Wach e em Degenkolb a teoria relacional ganhou a forma triangular, e em cada
vértice estavam juiz, autor e réu. (PELLEGRINI, 2003)
E assim, observa GONÇALVES (2001: 97), diante de cada um dos contornos imaginados,
a Relação Jurídica foi pensada: 1) como relação de subordinação do réu face ao autor
(linear); 2) relação de subordinação do juiz às partes, que o acionavam e o faziam investir
em suas atribuições; 3) relação de subordinação das partes perante o juiz (triangular).
Não obstante ao fato do decididor ser identificado como aquele que domina o raciocínio
jurídico (SANTOS, 1988, p. 20), e que deixa às partes apenas a ilusão de participação no
discurso (SANTOS, 1988, p. 39), há também diferença de condição entre as próprias partes,
isoladamente consideradas. É neste sentido que SANTOS (1988: 27), ao analisar a resolução
GHFRQIOLWRHP3DViUJDGDREVHUYDTXHGXUDQWHDQHJRFLDomRGRVREMHWRVGDGLVSXWD³QmRp
estranho o poder relativo dos participantes. Nesta ponderação as partes não são
necessariamente iguais perante o forum (e o presidente), e suas posições relativas
LQIOXHQFLDPDPHGLGDGDSDUWLomR´
Com base nesta descrição dada por Santos, se nota um outro aspecto que o modelo jurídico
pasargadiano guarda em comum com a teoria do Processo como Relação Jurídica Triangular;
24
pois esta corrente também sustenta o mesmo dogma de que não há isonomia entre os
conflitantes. É neste sentido que tal Escola entende possível, como indicado anteriormente,
representar as relações jurídicas através do signo de um triângulo isóscele, em cujo vértice
de seu topo se encontra o juiz, que tem poder sobre a conduta dos conflitantes; e em cujos
vértices da base se encontram as partes, que, do mesmo modo como assinalou o próprio
SANTOS (1988:27), têm suas posições como determinantes da medida de suas
participações; e por posições se entende a condição de autor ou de réu.
Seguindo ainda pelas análises de Santos, se observa que o Direito pasargadiano compartilha
também da concepção de que o juiz é Parte no processo. Posição que é bastante coerente
diante do fato do Direito de Pasárgada acompanhar a linha teórica da Relação Triangular,
que tem Bülow como um de seus representantes, e que, por sua vez, encontrou inspiração
para seus estudos na frase do jurista italiano Búlgaro (séc. XII) que dizia que o processo é
ato de três personagens: do juiz, do autor e do réu (LEAL, 2004, p. 88).
Assim, já que reconhecido como parte, o sociólogo Santos afirma que o decididor também
tem seus particulares propósitos na resolução dos conflitos:
25
A definição tanto de Procedimento como de Processo é feita comumente de maneira confusa
e refutável pelos processualistas.
Em linguagem jurídica, muitas vezes os institutos são confundidos e são assim tratados de
maneira indistinta (GONÇALVES, 2001, p. 59). É bastante ocorrente que a doutrina do
Direito Processual recorra à origem etimológica do termo procedimento para encontrar sua
significação. Desta forma, procedimento, que vem de procedere, logo é interpretado como
marchar a diante. É neste momento que, conforme leciona GONÇALVES (2001:61-62), os
estudiosos do Processo se esquecem que proceder é também originar-se, descender-se; e na
comum confusão que os estudiosos fazem entre Processo e Procedimento, aquele ganha logo
o sentido dado ao último: de seguir em frente.
Bülow foi um dos que reagiram contra a idéia de que Processo e Procedimento são
sinônimos. Para tanto, utilizou o critério teleológico para proceder a uma distinção. De tal
maneira, na diferenciação trabalhada por Bülow, o Processo possui fins, como a sentença ou
o exercício da jurisdição; enquanto o procedimento não. (GONÇALVES, 2001, p. 63-64).
Entretanto essa diferenciação é desarrazoada, uma vez que, se o Procedimento é o meio pelo
qual ao Processo é possibilitado sua ordenação e seu desenvolvimento, como entende o
SUySULR%ORZHQWmRHVVHLQVWLWXWRWDPEpPSRVVXL³RFDUiWHUWHOHROyJLFRTXHWRGDWpFQLFD
intriQVHFDPHQWH FRPSRUWD FRPR PHLR LG{QHR SDUD DWLQJLU ILQDOLGDGHV´ *21d$/9(6
2001, p. 66). Ou seja, a finalidade do Procedimento é a de servir como meio para a ocorrência
do Processo.
Com o italiano Elio Fazzalari, teve início uma adequada distinção entre os institutos
(GONÇALVES, 2001, p. 67). E, acompanhando a perspectiva fazzalariana, o professor
Gonçalves traz o seguinte entendimento sobre Procedimento:
26
Em outras palavras, na seqüência normativa que compõe a estrutura do
procedimento, a observância da incidência da norma que prevê o ato que pode ser
exercido ou deve ser cumprido é pressuposto, é condição de validade, da
incidência de outra norma que dispõe sobre a realização de outro ato, sendo deste
o pressuposto, assim até que o procedimento se esgota atingindo o seu ato final,
quando se verificam todos os pressupostos normativamente previstos para a
emanação do provimento. (GONÇALVES, 2001, p. 111)
Já Processo, após toda uma confusão criada pela doutrina, também obteve importantes
contribuições de Fazzalari, que fora das linhas teleológicas, definiu este instituto como
espécie do gênero Procedimento, que se diferencia deste pela presença do elemento
Contraditório. I.e., em Fazzalari, o Processo é Procedimento em Contraditório. De tal
maneira, é possível que se tenha Procedimento sem Processo, mas não é possível o Processo
sem o Procedimento (ANDRÈ LEAL, 2002, p. 84).
(...) QmRpDSHQDV³DSDUWLFLSDomRGRVVXMHLWRVGRSURFHVVR´6XMHLWRVGR3URFHVVR
são o juiz, seus auxiliares, o Ministério Público, quando a lei o exige, e as partes
(autor, réu, intervenientes). O Contraditório é a garantia de participação, em
simétrica paridade, das partes, daqueles a quem se destinam os efeitos da sentença,
GDTXHOHV TXH VmR RV ³LQWHUHVVDGRV´ RX VHMD DTXHOHV VXMHLWRV GR SURFHVVR TXH
suportarão os efeitos do provimento e da medida jurisdicional que ele vier a impor.
Foi a partir da linha de pensamento de Fazzalari que se despontaram novas e melhores teorias
sobre o instituto do Processo. ANDRÉ LEAL (2002:887) destaca, dentre essas novas teorias,
os estudos de Andolina e Vignera, para quem o Processo não é apenas Procedimento em
Contraditório, mas instituto que passa a ser entendido como modelo constitucionalizado apto
a guiar os procedimentos infra-constitucionais. Além disto, nesta linha que surge a partir do
fato de que as Constituições Democráticas têm em seus conteúdos a previsão do instituto
Processo e de seus Princípios regentes, o Contraditório deixa de ser entendido apenas como
um elemento caracterizador, e ganha o caráter normativo que tem um Princípio (ANDRÉ
LEAL, 2002, p. 88). De tal maneira, Contraditório é agora Princípio Processual
constitucionalmente assegurado.
27
princípio da reserva legal, da ampla defesa, da isonomia, para além do já mencionado
Contraditório (LEAL, 2004, p. 93). Estes são, portanto, direitos-garantias impostergáveis
que, além de caracterizar, são dirigentes do Processo (LEAL, 2004, p. 93).
Neste sentido, com a Teoria Neo-Institucionalista, o Processo passa a ser reconhecido como
direito de todo um povo lídimo, e instituto capaz de contribuir para a emancipação dos
cidadãos. É, assim, dimensão discursiva aberta não apenas ao agir comunicativo de
especialistas (Assembléias Constituintes originárias e derivadas), mas espaço aberto no qual
um povo se garante soberano, dirigente de si mesmo e afastado de tiranias estatais (LEAL,
2004, p. 94-98). O Processo é, por fim, meio garantidor da legitimidade do Direito, em
diversas situações que reclamam pelo consenso ou pelo provimento.
Se por um lado é possível estabelecer uma linha de conexão entre o modelo jurídico
pasargadiano e a Teoria do Processo como Relação Jurídica, em outro aspecto Pasárgada
diverge da maior parte dos teóricos do pensamento relacional. Esta divergência diz respeito
ao Procedimento. É que, enquanto este instituto serviu de objeto de estudo, ainda que mal
trabalhado, para diversos juristas da Teoria do Processo como Relação Jurídica, e de maneira
exemplificativa cita-se Liebman, que compreendeu o Procedimento como um conjunto de
28
atos que se sucedem no Processo (PELLEGRINI, 2003); Pasárgada dispensa o uso de um
método organizado e definido previamente por normas para a concreção de seu Direito.
De maneira mais clara, a favela de Santos não tem, tanto para atividade de ratificação das
relações que seus moradores pretendem estabelecer, bem como para resolução dos litígios,
modelos procedimentais pré-determinados para estes fins. Geralmente, os roteiros das
atividades exercidas pelo decididor são semelhantes, mas ainda assim, não são totalmente
padronizados e, portanto, passíveis de variação (SANTOS, 1988, p. 31).
Assim, para o sociólogo lusitano, de um lado está o Direito do Asfalto, com esta divisão
rígida das categorias polares, que entende como arbitrária e em contradição com os
princípios da lógica material. Para Santos, também, esta divisão rígida cria um ordenamento
MXUtGLFR TXH GHILQH FRPR ³WHUUD GH QLQJXpP´ QR TXDO p SRVVtYHO R DFLRQDPHQWR VHP
restrições de uma lógica tecno-operacional, mais eficaz na medida proporcional do grau da
tecnologia conceitual e lingüística, da profissionalização dos seus agentes, e da
burocratização institucional (SANTOS, 1988, p. 30). Ainda sobre este modelo que entende
como adotado pelo Estado, o teórico de Pasárgada (1988:30) afirma que tal forma de
organização do sistema jurídico, ajustada pela dominação legal racional (Weber), é utilizada
como meio necessário para garantir a arbitrariedade.
29
formalismo processual do direito oficial ± PDV VHPSUH FRP JUDQGH IOH[LELOLGDGH´
(SANTOS, 1988, p. 30).
E, para apontar concretamente como operam tais fórmulas flexíveis em Pasárgada, SANTOS
(1988:30-31) indica como exemplo o fato de o processo de elaboração de documentos no
domínio de prevenção de conflitos (ratificação de relações), variar e não seguir
hermeticamente um padrão; bem como a questão da possibilidade da dispensa do
interrogatório comumente realizado pelo Presidente, que só tem lugar quando este o entende
necessário.
podem voltar a ser objecto de decisão, se houver razões substanciais para tal e,
paralelamente, o fato de ter passado um longo período de tempo (nunca
determinado com precisão) sobre a prática dos actos que são objecto do processo
nunca é motivo, por si só, para o accionamento automático do mecanismo da
prescrição (SANTOS, 1988, p.32)
Deste modo, a forma flexível de efetivação do Direito estudado por Santos é incompatível
de ser encarada como um modelo procedimental, porque exclui a própria identidade do
Procedimento.
Noutro giro, também não é correto quando Santos utiliza o termo Processo para designar as
operações jurídicas ocorridas em Pasárgada, pois faltam aos seus meios jurídicos de
obtenção de resultados os Princípios regentes e caracterizadores do instituto. Neste sentido,
destacamos em especial a ausência do Princípio do Contraditório, que como já indicado, se
traduz no direito de participação das partes, em paridade, na construção do provimento.
Enquanto que, no Direito pasargadiano, como já foi indicado, as partes não são
necessariamente iguais perante o fórum e suas posições determinam a medida da intervenção
que compete a cada uma no feito (SANTOS, 1988, p. 27).
31
Prescrição e a Decadência não são obstáculos às pretensões das Partes, inicialmente, embora
possam ser alegados, principalmente de maneira discricionária pelo decididor.
A partir dessas premissas, que são frutos de análises aqui realizadas, é preciso submeter o
Modelo de Formas Flexíveis a uma apreciação crítica, para verificar se os métodos do forum
pasargadiano são aptos como bases teóricas para um modelo democrático, como afirmou
SANTOS (1988:88).
A idéia do Processo como Relação Jurídica, embora fonte de inspiração consentânea de parte
significante dos processualistas brasileiros, como Humberto Theodoro, Cândido Rangel
Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover, que hoje se apresentam como Escola Instrumentalista;
foi objeto de diversas críticas.
Neste sentido, GONÇALVES (2001:81) mostra a reação de Kelsen que, numa perspectiva
normativista, viu a teoria da Relação Jurídica como bastante estreita, uma vez que, se há
relação entre sujeitos, decorrente de direitos e deveres, então há relação destes sujeitos
também com o legislador, e com o aplicador das normas, bem como entre os indivíduos que
tem competência para aplicar os atos coativos com aqueles a quem estes atos se dirigem.
Portanto, se é viável falar em Relação Jurídica, ela não se restringe entre o sujeito passivo e
o sujeito ativo num litígio, mas seria então um complexo emaranhado de relações, nas quais
outros tantos sujeitos também estariam implicados porque são, de alguma maneira,
envolvidos com a norma origem de tais direitos e deveres.
É em coerência com este raciocínio que kelsen afirma que não há, então, Relação Jurídica
HQWUHLQGLYtGXRVPDVVLPHQWUHDVQRUPDVHDVFRQGXWDV,VWRSRUTXH³DUHODomRGHVXSUD-
ordenação e infra-RUGHQDomRµQDGDPDLVpVHQmRDVXSUD-ordenação que existe entre a ordem
MXUtGLFD H RV LQGLYtGXRV FXMD FRQGXWD HOD UHJXOD¶´ .(/6(1 S 234 apud
GONÇALVES, 2001, p. 83).
32
GONÇALVES (2001:85-86) indica ainda que, com bases diferentes daquelas de Kelsen,
outra linha teórica se volta contra a Relação Jurídica. Trata-se da Teoria das Situações
Jurídicas, que teve seu início com os estudos de Bonnecase, e recebeu importantes
contribuições de Paul Roubier, que, por sua vez, se ancorou nos trabalhos de Leon Duguit,
para quem a concepção clássica de direitos subjetivos não era mais do que mera metafísica.
Todas as leis são feitas para determinar certo número de situações jurídicas que
podem ser unilaterais ou oponíveis a todas as pessoas, que podem ser constituídas
pela ocorrência de um fato, ou de um ato ou de uma pluralidade e fatos e atos, e
que não poderiam ser explicadas pela categoria da relação jurídica porque não
decorrem de vínculo entre sujeitos. (GONÇALVES, 2001, p. 87-88)
33
Contudo, a crítica de Kelsen e também a tese elaborada pela Teoria da Situação Jurídica têm
seus pontos criticáveis.
A apreciação feita por Kelsen, como já indicado, de perspectiva normativista, pensa numa
Relação existente entre a conduta do sujeito e a norma. Este pensamento parte da premissa
de que, uma vez posta a norma, o seu destinatário fica vinculado, por se tratar de uma regra
Válida, e restando excluída a questão da Legitimidade.
Contudo, HABERMAS (2003, v.1, p. 17-26) aponta que não é suficiente a existência da lei
no ordenamento, para que reste saciada a questão de sua Validade. É que o filósofo de
Frankfurt aproxima o conceito de Validade ao de Legitimidade, diferentemente do que
procedeu Kelsen, que estabeleceu que a Validade de uma norma era elemento retirado de
uma outra norma superior; i.e, para o positivista, o fato de uma norma ser produzida dentro
das condições de legiferação determinadas pelo ordenamento jurídico, e em adequação com
sua norma superior, era suficiente para garantir a Validade da regra legal (já que Kelsen não
trabalha com Princípios).
Mas com Habermas, a Validade passa a estar relacionada com o reconhecimento das normas
como obrigatórias por parte de seus destinatários. Neste sentido, GALUPPO (2002, p. 18-
19), na linha habermasiana, explica:
Portanto a Validade se relaciona (mas não se confunde) com aspectos axiológicos. Esta
maneira de entender a questão da Validade é bastante adequada para uma perspectiva
democrática do Direito, que deixa de ser um Sistema Fechado, e passa então a depender
tanto de um discurso complementar, que recorre a fatores exógenos como a ética, a moral
ou a política; como também de um consenso produzido comunicativamente, que pressupõe
um alter ego. De tal modo, não é possível pensar num modelo de relação direta entre o
indivíduo e a norma, tão somente. Porque este indivíduo e esta norma existem num contexto
não-solipsista.
34
Já na linha de pensamento da Situação Jurídica o problema dos direitos subjetivos persiste.
Se tais direitos são pensados agora com faculdade ou poder de agir (GONÇALVES, 2001,
p. 90) e não mais como poder de subjugar a conduta alheia, por outro lado, não foi atribuída
a eles uma origem clara. Isto porque a Escola da Situação Jurídica coloca tais direitos como
oriundos dos atos e fatos jurídico, mas resta aberta a questão do porque de tais atos e fatos
serem capazes de gerar faculdades e poderes. Ou seja, falta à Situação Jurídica um
fundamento democrático.
Este elemento democratizador não é apenas a eleição dos legisladores pelo povo, nem a lei
posta pela Assembléia de especialistas (LEAL, 2004, p. 95), porque para a realização do
paradigma democrático é imprescindível uma legalidade que não tenha o fim de sua
produção nos tradicionais processos legiferantes. Para que aconteça o Projeto da
Democracia, é necessário um espaço que assegure aos cidadãos o direito de participação na
construção do discurso legal. E, para que este espaço se realize enquanto tal, deve ser
garantido, às partes, a isonomia, o contraditório, a ampla defesa e as condições técnicas para
atuação (direito ao advogado). Deve também ser assegurado, aos cidadãos, o livre acesso a
este lócus. É a este fim que se propõe o devido processo, como pensado pela Teoria Neo-
Institucionalista.
Mas o verdadeiro obstáculo para o Modelo de Formas Flexíveis servir como inspirador para
uma nova teoria democrática do Direito, está no fato de que a Democracia não é possível
sem o instituto do Processo. Afinal, é este o instituto capaz de assegurar, em relações
35
MXGLFLDLVDSURGXomRGHXPGLVFXUVRUDFLRQDOQRVWHUPRVGR3ULQFtSLR³'´IRUPXODGRSRU
HABERMAS (2003, v.1, p. 142):
(VWH ³HVSDoR S~EOLFR´ LQGLFDGR SRU +DEHUPDV p MXVWDPHQWH R TXH UHSUHVHQWD R devido
processo para as disputas jurídicas, porque se trata exatamente de loco aberto à
discursividade, e ao mesmo tempo, garantidor desta, por ser dotado da devida fiscalidade. E
esta afirmativa é possível porque a esfera pública em Habermas não deve ser interpretada
somente através do modelo fornecido pela Agora grega, i.e., a dimensão esfera pública
pensada pelo filósofo alemão como lugar das manifestações de opinião, não deve ser vista
apenas como os espaços das assembléias populares, mas além disto, deve ser entendida e
complementada por outras formas possíveis de extensões, incluindo as procedimentalizadas
(como o caso do processo judicial).
36
E esta relação aqui proposta é de fundamental importância para a contemporaneidade diante
do esfarelamento das formas tradicionais de vida. E isto porque o espaço jurídico
procedimentalizado (devido processo) é o meio capaz de inverter, através da discursividade
e como quer Habermas, a lógica anterior de que a justiça era a determinadora do critério de
reconhecimento das normas:
E, mais adiante:
Neste mesmo contexto, HABERMAS (2004: 298) chega inclusive a propor uma nova
perspectiva de visão sobre o papel das partes envolvidas no discurso dos litígios judiciais,
que se caracteriza não por ter o juiz como parte interessada na causa (porque seria caso de
suspeição), mas por tê-lo com parte interessada no discurso, envolvida também no propósito
de convencer e de ser convencido. Tanto é, que suas decisões devem ser fundamentadas:
E, ao abrir mão deste lócus procedimentalizado em que todos estão envolvidos num processo
de convencimento com igualdade de direitos, Pasárgada retira dos atingidos o direito à
efetiva participação da construção do provimento (sentença), que passa então a funcionar
como instrumento produtor de homogenias artificiais, em situações heterônomas (FERRAZ
JR, 2003, p. 291).
37
Desta forma, os envolvidos em situações de discórdia, identificam, na decisão, uma carência
de justificação por não terem participado efetivamente e igualitariamente do seu processo de
formulação. É neste sentido que disserta FERRAZ JR (2003:291):
Por isso, a presença de uma estrutura monológica numa discussão-contra não só exclui um
sistema axiomático, mas também é resultado de um artifício argumentativo: a
homologização artificial das partes necessariamente heterológicas. Isto afeta sem dúvida o
problema de legitimidade de decisões. Enquanto os discursos verdadeiros relacionam à sua
legitimidade à competência comunicativa dos comunicadores, isto é, à sua qualificação para
usar os meios de comprovação empregáveis e indicáveis na verificação ou falsificação de
ações lingüísticas, os discursos fazem desta competência o ponto de partida das questões que
envolvem a sua legitimidade. Por isso eles nunca abandonam a estrutura dialógica, mesmo
quando, como é o caso do discurso normativo, um momento monológico parece predominar.
Isto é, enquanto os discursos verdadeiros (homológicos) ascendem de uma estrutura
dialógica a uma monológica, instaurando uma espécie de compulsão tirânica (tirania da
verdade) que força as partes a se renderem, os discursos decisórios (heterológicos)
representam uma constante indagação que vai da consistência da opinião à consistência da
autoridade dos que emitem opinião.
Vem assim que, o fato de modelo jurídico Pasargadiano não optar por uma metodologia de
legitimação do provimento através da participação efetiva de todos os sujeitos envolvidos
no processo, seu Direito fica exclusivamente reduzido à coação moral, ao pretender que uma
GHFLVmR TXH QmR IRU DFHLWDU SRU WRGRV PDQWHQKD ³FDUga de persuasão suficiente para
PDUJLQDOL]DURXHVWLJPDWL]DURVUHFDOFLWUDQWHV´6$1726SRTXHQmRGHL[DGH
VHUXPDSUiWLFDMXUtGLFDYLROHQWDHXPPRGRGHRSHUDFLRQDOL]DomRGD³SROtWLFDGDIRUoD´
que WOLKMER (2001: 55-56) condenou como método do modelo jurídico estatal.
Quando aqui foi descrito o Modelo de Formas Flexíveis, foi apontado também que no Direito
pasargadiano os formalismos processuais podem servir como argumentos, mas não do tipo
capazes de constituírem limite externo do discurso jurídico (SANTOS, 1988, p.31-33).
38
Um exemplo que o sociológo Santos apresenta neste sentido, como já indicado, diz respeito
DR ³SULQFtSLR GR FDVR MXOJDGR´ H DRV SUD]RV GH SUHVFULomR TXH QmR VmR HOHPHQWRV TXH
constituem um óbice no modelo de Pasárgada, vez que podem ser revistos como objeto de
decisão, desde que existam razões materiais ou substanciais para tanto; e o fato de haver
transcorrido um período de tempo desde a prática do ato objeto do litígio, não enseja motivo
para o acionamento automático daquilo que SANTOS (1988: 32) chama genericamente de
prescrição (compreendendo também a coisa julgada e a decadência).
A questão que se pretende suscitar é a forma como SANTOS (1988:32) concebe a Coisa
Julgada no Direito do Estado, e também sobre como a retificação do Caso Julgado é
operacionalizada em Pasárgada.
Entretanto, com o advento da Constituição Democrática de 1988, a res judicata perde suas
conotações anacrônicas, de modo que se torna estéril a discussão se ela é impeditiva do
direito de ação (LEAL, 2005, p. 4).
Melhor explicando, a Coisa Julgada não tem mais como função a segurança. Afinal, um
Direito democrático não pode se constituir sob a forma de uma instituição, aos moldes como
concebeu Maurice Hauriou (OST, 1999, p. 247), destinada à duração no meio social para
permitir ambientes estáveis e garantir a segurança jurídica. Esse tipo de Coisa Julgada, que
se expressa como imperativo categórico, de incondicional passado e de impossível
modificação, não serve ao Direito contemporâneo, como indicou OST (1999:118), que
estabelece uma nova relação com o tempo.
39
A Coisa Julgada, na atualidade, não é mais efeito da sentença de mérito, mas elemento
autônomo com contornos próprios (LEAL, 2005, p. 3). E sua atribuição agora é de garantir
a legitimidade obtida através do due process, de modo que a revisitação da res judicata
implica necessariamente no uso deste mesmo instituto, porque foi no espaço processual que
ocorreu a sua produção (LEAL, 2005, p. 3-22).
É neste ponto também que ergue a problemática da reabertura do Caso Julgado pasargadiano:
se de um lado não é compatível com o modelo democrático que a Coisa Julgada seja capaz
de impedir o advento do tempo e de todas as mudanças que vem com ele, por outro lado, a
garantia da legitimidade do ato de retificação da res judicata só se realiza se este for efetuado
com observância ao Contraditório. Por isto, a modificação do provimento (decisão) não pode
ILFDUDGVWULWDDRVDEHUGRMXOJDGRUTXHFRPR³RQLSRWrQFLDWXUELQDGD´DVVXPH³DFRQGLomR
eterna e exclusiva de criador do direito (teologia leiga), podendo também desfazê-lo em
QRPHGHXPVDEHUDEVROXWR´/($/S
Em outras palavras, a revisão do Caso Julgado não pode ficar condicionado ao entendimento
do Presidente da Associação de Moradores, como ocorre com todo o discurso jurídico em
Pasárgada (SANTOS, 1988, p.20). Isto porque o julgador não é a fonte legitimadora da
declaração jurídica num espaço democrático.
Foi indicado na Introdução que o texto O Discurso e o Poder: ensaio sobre a sociologia da
retórica jurídica, objeto desta pesquisa, é parte do trabalho realizado por Santos, para seu
doutoramento pela Universidade de Yale, e tem como conteúdo uma comparação entre a
prática jurídica de Pasárgada e o Direito Estatal dos países capitalistas. O propósito desta
comparação é chegar à resposta sobre a extensão do espaço da retórica.
40
O confronto que SANTOS (1988) estabelece entre estas duas formas de manifestação
jurídica é útil porque, conforme identifica o sociólogo, o Discurso Legal pasargadiano é
eminentemente retórico, em contrapartida do Direito do Asfalto no qual há incidência da
tópica. Portanto, a aposta do teórico de Pasárgada é que, ao examinar os elementos
constituintes do Modelo rergulatório da favela e contrastá-los com aqueles caracterizadores
do Direito Oficial, será possível conceber de que maneira estes mesmos elementos
influenciam no espaço retórico.
de algumas publicações da década de 50, que tinham em comum uma rejeição à utilização
do método lógico-formal para análise dos raciocínios jurídicos. Neste ponto, merecem
Para melhor entender sobre o discurso retórico, é antes importante saber que a tópica é uma
parte integrante da retórica, que toma como ponto de partida não o que é real (veraz), mas o
que é plausível. E, na Antiguidade Clássica, bem como na Idade Média, a tópica foi
considerada uma disciplina de grande importância, inclusive utilizada como matéria de
estudo de Aristóteles (Organon) e de Cícero (ATIENZA, 2003, p. 47).
Desta forma, Aristóteles, que entendeu que a tópica se opera por silogismos, identificou que
a principal diferença entre a lógica jurídica (que é tópica) e os argumentos demonstrativos,
está na natureza de suas premissas; pois enquanto a tópica trabalha com argumentos que
parecem verdadeiros a todos (endoxa), os argumentos demonstrativos trabalham não com
aquilo que é verossímil, mas com o que pode ser constatado objetivamente, e são assim
argumentos apodícticos. (ATIENZA, 2003, p. 47). Neste sentindo:
O papel da lógica formal é fazer com que a conclusão seja solidária com as
premissas, mas o da lógica jurídica é mostrar a aceitabilidade das premissas.
(ARISTÓTELES apud ATIENZA, 2003, p. 75)
41
Isto porque, no raciocínio lógico, a conclusão decorre necessariamente da natureza das
premissas e, portanto, não pode contrariá-las. Já o raciocínio jurídico não trabalha com
premissas irrefutáveis, mas apenas plausíveis.
Já Cícero cuidou de elaborar um rol de tópicos (topoi, o mesmo que lugares comuns, clichês)
de aceitação generalizada, e a tópica é entendida então como a arte de encontrar os
argumentos que estão contidos nos topoi (loci depósitos). No tocante aos argumentos, estes
VmRSRUVXDVYH]HVD³UD]mRTXHVHUYHSDUDFRQYHQFHUGHXPDFRLVDGXYLGRVD´$7,(1=$
2003, p. 48-49).
Finalmente, cabe acrescentar que o modo de pensar tópico surgiu como reação ao método
sistemático-dedutivo (ATIENZA, 2003, p. 49), e que os topoi são, como dito, lugares
comuns, tão heterogêneos que se manifestam sob a forma de máximas, slogans, clichês,
SURYpUELRV([HPSOLILFDWLYDPHQWH³iura novit curi´µGr-me o fato, que lhe darei o GLUHLWR´
³R LQDFHLWiYHO QmR SRGH VHU H[LJLGR´ 7UDWDP-se pois de verdades pré-estabelecidas, não
submetidas aos testes do processo dialógico, e que submetem as situações futuras. Além
disto, ATIENZA (2003: 87) também esclarece que o modelo tópico do raciocínio leva a um
Direito inerte, lento, no seguinte sentido:
42
Entretanto, SANTOS (1988: 7), que é um defensor do pensamento jurídico tópico, entende
que a concepção tópico-retórica tem como fim uma crítica radical às concepções jus-
filosóficas até então dominantes, que trabalharam a racionalidade jurídica como um sistema
fechado técnico. E Viehweg, para quem também o ressurgimento da retórica era de interesse
da prática jurídica, assinalou que a tópica é resgatada na Europa do pós-guerra, por diversas
disciplinas (ATIENZA, 2003, p. 45-46). Este mesmo período é detectado por Perelman, ao
identificar que a tópica ressurge no raciocínio jurídico dos paises ocidentais a partir de 1945,
que após a experiência dos regimes nacional-socialistas, tenderam a aumentar o poder dos
juízes na elaboração do Direito (ATIENZA, 2003, p. 77). Desta forma:
É inegável que o pensamento tópico contribuiu para ajudar a explicar certas características
da razão jurídica que escapavam quando abordadas pelo método exclusivamente lógico, no
sentido que através dele é possível identificar problemas de justificação externa, e não
apenas interna (ATIENZA, 2003, p. 55). Nisto reside, por exemplo, a importância de
Perelman, que conseguiu introduzir no raciocínio jurídico aOJXQVDVSHFWRVGD³UD]mRSUiWLFD´
i.e., acrescentar questões concernentes à moral, à política e à ética (ATIENZA, 2003, p. 77).
É importante destacar assim que, exatamente por admitirem o papel dos elementos externos
da lógica jurídica na efetivação do Direito, que os estudos promovidos nos anos 50 pelos
defensores da Retórica, influenciam as mais discutidas teses jus-filosóficas da
contemporaneidade, como as idéias de Habermas e Alexy, p.e. (ATIENZA, 2003, 78-81).
Entretanto, a tópica não é capaz, per se, de dar uma explicação satisfatória da argumentação
jurídica, em função dela se ater à estrutura superficial dos argumentos, e não os analisar em
suas profundezas. E de tal forma, acaba por permanecer num nível tão grande de
generalidade, que é bastante distante da realidade de aplicação do Direito (ATIENZA, 2003,
p. 55).
43
4.2 Pasárgada e o Discurso Retórico
SANTOS (1988: 88), que apresenta Pasárgada como a base analítica para a construção de
um novo Direito para as sociedades ocidentais capitalistas, indica que o elemento
GHPRFUDWL]DGRUGHVWH³QRYRGLUHLWR´pMXVWDPHQWHR'LVFXUVR5HWyULFRPRGRGHHIHWLYDomR
do raciocínio jurídico pasargadiano.
Isto porque o sociólogo entende que a Retórica é o elemento produtor da Democracia, por
concebê-la na mão contrária da violência da lógica institucional-sistêmica e da violência
física e psíquica do aparelho coercitivo, em virtude do poder que tem o Discurso de encantar
a consciência (colocação que o português faz numa referência a Gadamer), e de assim poder
dispensar outras técnicas para garantir a aderência aos seus conteúdos (SANTOS, 1988, p.
94).
E assim, para concluir sobre a extensão do espaço retórico numa sociedade (que seria o meio
de identificar e produzir a Democracia), SANTOS escolhe uma técnica de comparar os
elementos existentes no Direito do Asfalto e que são externos à Retórica, com aqueles
existentes no Direito pasargadiano, porque parte basicamente de duas premisas iniciais: 1) a
extensão do espaço da retórica é um indicativo da existência ou não de um sistema
democrático; ou, em outras palavras, quanto maior o espaço da retórica (da argumentação
livre), mais garantida estará a Democracia SANTOS (1988:43). E 2) Como o lusitano afirma
TXH³RHVSDoRUHWyULFRGRGLUHLWRGH3DViUJDGDpPXLWRPDLVH[WHQVRGRTXHRGRGLUHLWR
HVWDWDO´pHODSRUWDQWR RSDUDGLJPDSDUDVHFRQFOXLUVREUHRVHOHPHQWRVQHFHVViUio para
permitir a amplitude do Discurso.
Um dos resultados deste método adotado pelo teórico de Pasárgada é a seguinte assertiva:
³D DPSOLWXGH GR HVSDoR UHWyULFR GR GLVFXUVR MXUtGLFR YDULD QD UD]mR LQYHUVD GR QtYHO GH
institucionalização da função jurídica e do poder dos instrumentos de coerção ao serviço da
SURGXomRMXUtGLFD´6$1726SLVWRSRUTXHR'LUHLWRGR$VIDOWRVHGLIHUHQFLD
44
aos olhos de Santos, do Direito pasargadiano, basicamente por ser dotado de um aparelho
coercitivo maior e mais cheio de aparatos, bem como por ser dotado de um maior nível de
institucionalização sistêmica. Disto então resultaria a minimização do espaço retórico
identificado no Direito Oficial.
Cabe destacar que a correlação elaborada por Santos entre a extensão do espaço retórico, o
Nível de Institucionalização e o Aparato Coercitivo, não é apresentada sem que o sociólogo
deixe claro que Institucionalização e Coerção são varáveis independentes, em nota de roda-
pé (SANTOS, 1988, p. 59).
No tópico anterior foi assinalado que Santos utilizou fatores externos à Retórica para
concluir sobre a amplitude do seu espaço, e com isto também chegou a uma segunda
constatação possível: outros elementos do Direito da favela carioca (não apenas o pobre
Aparelho Coercitivo e o baixo Nível de Institucionalização), garantem que Pasárgada saia
sempre à frente do Direito Estatal no quesito extensão da dimensão retórica, exatamente pelo
modo como se opera o Discurso Jurídico no seu interior. E assim, destaca-se que o meio
utilizado de maneira mais recorrente na operacionalização da argumentação em Pasárgada é
o topoi, parte constitutiva do Discurso Retórico.
Neste sentido, a partir da ampla utilização dos topos, é possível chegar ao seguinte aspecto
do direito pasargadiano, que também garante a maximização da argumentação:
Pasárgada não recorre somente e usualmente às leis, e tem os topoi como engrenagem
retórica do Discurso jurídico (SANTOS, 1988, p. 23); o que significa, para o sociólogo
lusitano, que Pasárgada recorre a um arsenal de argumentos bem mais amplo do que o Direito
Estatal, já que, como observa Alexy, os tópicos suportam coisas extremamente heterogêneas
(ATIENZA, 2003, p.53), além de se constituírem de maneira por demais generalista, de
modo que possuem um buraco enorme que pode ser preenchido por múltiplas interpretações,
ao contrário das normas estatais que tendem a ser mais bem delimitadas quanto a aplicação.
45
Diante da importância que tem os tópicos no Direito de Pasárgada, para melhor entender a
essência desta manifestação jurídica, é importante identificar os principais topoi que são
utilizados pela Associação de Moradores: topos do equilíbrio, topos da justeza, topos da
cooperação e topos do bom vizinho (SANTOS, 1988, p. 19).
Todos estes tópicos são, sobretudo, utilizados pelo Presidente da Associação de Moradores,
já que, como outras vezes indicado, é aquele que domina o Discurso jurídico (SANTOS,
1988, p. 20).
Portanto, como se pode auferir, os tópicos pasargadiano são também standards que
comportam aplicações muito amplas, e assim permanecem num nível de generalidade que
está distante do nível da aplicação do Direito enquanto tal. São assim argumentos
excessivamente genéricos para serem aplicados, sem outros critérios, aos casos concretos
(ATIENZA, 2003, p. 55), como aqui já mencionado.
Neste capítulo foi tratado de explicar a identidade e caracterização dos tópicos, que são
partes integrantes da Retórica. Também foram indicados os principais tópicos utilizados no
Direito Pasargadiano: topos do equilíbrio, topos da justeza, topos da cooperação e topos do
bom vizinho (SANTOS, 1988, p. 19).
Inicialmente essa conexão não é um problema, pelo fato de que o Direito consiste realmente
num sistema que recorre a elementos externos para sua justificação, ou, como prefere
46
HABERMAS (2003, v.1, p. 30), para sua validade ou justificação. O que poderíamos chamar
também de uma irritação sofrida pelo sistema.
Entretanto, esta relação entre o Direito e a Moral não pode ser vista como subordinação, em
que aquele fica completamente atado ao conteúdo desta. A relação existente entre estes dois
sistemas é, na verdade, de complementação:
não mantém mais vínculos com os motivos que impulsionam os juízos morais para
a prática e com as instituições que fazem com que as expectativas morais
justificadas sejam realmente preenchidas. A moral que se retraiu para o interior do
sistema cultural passa a ter uma relação apenas virtual com a ação, cuja atualização
depende dos próprios atores motivados.
Disto, portanto, se retira a diferença que há entre as normas de ação morais e a normas
jurídicas; i.e., as normas jurídicas pertencem ao Direito Positivo, que é um sistema de ação
que pode inclusive recorrer a força física para sua efetivação (GALUPPO, 2002, p.15). Já as
normas morais contam apenas com o reconhecimento subjetivo dos atores, além de
47
depender, posteriormente, da boa vontade destes mesmos agentes para que venham a agir
conforme seus ditames, o que evidentemente se mostra como uma versão fraca de vinculação
das condutas.
A título de exemplo: X tem como norma moral que deve cumprir todas promessas. X
promete a Y que vai com ele ao cinema. Contudo, X não deseja ir ao cinema com Y, e decide
por isto.
Toda esta explanação sobre o Direito e a Moral, tem sentido para analisarmos a seguinte
questão em Pasárgada: SANTOS (1988: 55) afirma que Pasárgada conta com meios de
coerção muito incipientes e quase inexistentes. Estes meios incipientes são: 1) a pressão
moral exercida pelos moradores contra o vizinho recalcitrante em relação às decisões
proferidas pelo forum (SANTOS, 1988, p. 19), e 2) uma ameaça vazia de recorrer ao apoio
da Polícia Militar, que segundo o sociólogo, se prontificaria em ajudar para conquistar
OHJLWLPLGDGHSHUDQWHRVKDELWDQWHV³HYHQFHUDKRVWLOLGDGHHRRVWUDFLVPRDTXHpYRWDGDSHORV
PRUDGRUHV´6$1726SKLSyWHVHTXHDSUySULDAssociação descarta, para ela
mesma não perder a legitimidade perante a comunidade e ter a própria imagem corroída
(SANTOS, 1988, p. 56).
Portanto o que resta sobre a natureza das normas pasargadianas, que se expressam por clichês
e sensos comuns, se elas contam apenas com a pressão moral dos outros atores?
48
3RUWDQWR D ³JUDQGH´ SURSRVWD GH 6$1726 QR VHQWLGR GH TXH R 'LUHLWR
pasargadiano é hábil como base para uma nova teoria aplicável aos sistemas jurídicos
capitalistas ocidentais, contém dois erros cruciais:
O primeiro erro consiste que em Pasárgada não há nenhum Direito, mas apenas uma moral
institucionalizada pelos trabalhos do forum.
Mas se ainda assim for pretensa, em tom de continuidade, uma Teoria Jurídica que tenha a
moral como fonte única de produção das normas jurídicas da sociedade contemporânea, a
carência de legitimidade será evidente. Afinal, para esta razão jurídica seria impossível
comportar os múltiplos projetos de vida individuais. E é neste ponto também que reside o
desafio para a Democracia. Afinal, se a Retórica for o método utilizado pela razão jurídica,
as bases deste pensar serão os topoi, que são lugares comuns que encontram assentimento
na moral. E se não é mais possível identificar uma axiologia homogênea nas sociedades,
impor valores padrões, com a conseqüente exclusão das diferenças, não é praticável se a
Democracia for o objetivo.
Uma vantagem que o Direito Positivo goza sobre a moral é que, para se legitimar, deixa
parte do campo da validade ser preenchido livremente pelos atores, segundo suas próprias
motivações (HABERMAS, 2003, v.1, p. 159). Esta característica não existe no Direito
Retórico porque, como esclarecido, a retórica se opera por silogismos; e as suas premissas
são, comumente, proposições axiológicas ou destas derivam diretamente. Este caráter está,
por exemplo, nas idéias de equilíbrio e de justiça.
É por este motivo que é possível relacionar a razão tópica com a razão prática.
Por um lado, é viável trazer as idéias de justiça e equilíbrio para o Direito Positivo. Mas isto
deve ocorrer no campo da justificação, para garantir a legitimidade do ordenamento jurídico.
50
Afinal, como já foi mencionado, o Direito tem uma relação de reciprocidade e
complementação com a moral, e também com a política e com a ética (HABERMAS, 2003,
v.1, p.141)
Mas por outra via, pelo fato de a Retórica confundir elementos axiológicos (que se referem
ao que é preferível) com elementos deontológicos (que se referem a um dever ser), e assim,
por estar diretamente relacionada com a Razão Prática, é que ela se mostra na contramão do
Projeto Democrático.
Uma Razão que pretenda erguer a Democracia tem que, antes de qualquer outra coisa,
comportar o caráter pluralista das sociedades contemporâneas. Só assim será assegurado aos
atores um discurso que esteja aberto aos seus assentimentos. É neste momento que deve
entrar no lugar da Razão Prática kantiana que se opera pela lógica de mandamentos morais
elaborados pelo indivíduo monológico, a Razão comunicativa que tem como instrumento o
medium lingüístico (HABERMAS, 2003, v. 1, p. 19), já que somente através deste meio é
possível estabelecer um contato com o mundo subjacente, em virtude do fato de que não é
viável um acesso à realidade não filtrado pela linguagem, que além da função comunicativa
possui também competência representativa (HABERMAS, 2004, p. 38-39). I.e., não é
possível ao indivíduo um contato com os objetos a sua volta que não seja mediado. E essa
mediação é necessariamente feita pela linguagem. Por lançar mão deste medium, a Razão
comunicativa dá o primeiro passo em direção a um modelo inclusivo, porque não se apóia
na tradição, como a Razão Prática, e porque se opera pelo discurso.
Isto significa também que a Razão Comunicativa, ao contrário da Razão Prática, não é
fonte direta das normas de agir, mas um meio pelo qual se ergue pretensões de validade:
Ela possui um conteúdo normativo, porem somente na medida em que o que age
comunicativamente é obrigado a apoiar-se em pressupostos pragmáticos de tipo
contrafactual. Ou seja, ele é obrigado a empreender idealizações, por exemplo, a
atribuir significado idêntico a enunciados, a levantar uma pretensão de validade
em relação aos proferimentos e a considerar os destinatários imputáveis, isto é,
autônomos e verazes consigo mesmos e com os outros.
(...)
Além disto, levantar pretensões de validade significa tentar a aderência do outro, pelo
Discurso; e o que pode ser realizado, segundo Habermas, por três maneiras: 1) através de
pretensões de verdade, que são enunciados descritivos e se referem ao Mundo Objetivo; 2)
através de correção normativa, que se refere às normas elaboradas para a condução social e
pertencem ao Mundo Intersubjetivo; 3) através de pretensões de veracidade ou sinceridade,
que se tratam de enunciados expressivos (artes, sentimentos) e se referem ao Mundo
Subjetivo (GALUPPO, 2002, p. 117-119).
A importância disto é que, quem age comunicativamente (pela Razão Comunicativa), não
tenta angariar a posição dos demais através de falsas verdades impostas, como é o caso dos
topoi, que não são submetidos a testes. Mas o tenta através de pretensões de validades
criticáveis (HABERMAS, 1990).
Outra consideração importante é que a Razão Prática kantiana é uma idéia desatualizada,
porque concebe indivíduos que agem solitariamente. I.e., a Razão kantiana, anterior ao giro
lingüístico, não se dá conta que a razão humana só surge com a identificação de alter, a partir
do qual surge o ego. Não há, portanto, indivíduos que num exame moral solipsista, possam
guiar a própria conduta. A razão humana se opera pela linguagem, e a linguagem necessita
do outro (HABERMAS, 2004, p. 38).
52
CONCLUSÃO
Para chegar a uma resposta sobre a dimensão do espaço retórico, SANTOS (1988) segue na
esteira da sociologia jurídica de Eugène Ehrlich que ajudou a criar a disciplina Sociologia
Jurídica, e para quem
³2FHQWURGHJUDYLGDGHGRGHVHQYROYLPHQWRGRGLUHLWRHPQRVVDpSRFDFRPRGH
todos os tempos, não deve ser buscado nem na legislação, nem na doutrina, nem
QDMXULVSUXGrQFLDPDVQDSUySULDVRFLHGDGH´(E. EHRLICH, 1913 apud BILLIER
& MARYIOLI, 2005, p. 280)
A sociologia jurídica pretende assim, que o Direito seja concebido com um fato social. O
que significa que as manifestações normativas legais podem ser constatadas de uma análise
empírica da sociedade, porque é no seio desta que ocorre a produção da Legalidade.
53
Neste sentido, Ehrlich estabeleceu uma distinção entre direito vivido e normas de ação. O
chamado direito vivido p ³R FRQMXQWR GH UHJUDV UHODWLYDV jV UHODo}HV LQWHULQGLYLGXDLV H
LQWHUQDVDRVGLYHUVRVDJUXSDPHQWRVVRFLDLV´(BILLIER & MARYIOLI, 2005, p. 284). Já as
normas de decisão são aquelas aplicadas pelos Tribunais.
Desta distinção procedida por Ehrlich, podemos chegar a seguinte conclusão, ao levar em
consideração os estudos de SANTOS (1988) na favela carioca: o direito vivido está para o
Direito de Pasárgada, assim como as normas de ação estão para o Direito do Asfalto.
Tal conclusão é possível porque SANTOS (1988) também entende que não basta que haja
um Direito estatal legislado e aplicado pelos Tribunais. É preciso verificar se este direito é
praticado e vivido, porque além das normas oficiais, há uma legalidade produzida no interior
GRVJUXSRVVRFLDLV³jVYH]HVDWpGLYHUJHQWHVGRGLUHLWRHVWDWDOPDVFRQVLGHUDGDVDSURSULDGDV
pelos membros desses agrupamentos para construir suas relaç}HV P~WXDV´ (BILLIER &
MARYIOLI, 2005, p. 285). Ou seja, tanto para o teórico de Pasárgada, como para um dos
fundadores da sociologia jurídica (ao lado de Dean Roscoe Pound), o Direito é o resultado
de um processo social.
A relação de Santos com Ehrlich é tão evidente, que a preocupação com a idéia de Pluralismo
Jurídico já estava presente nos estudos deste, quando se dedicou pensar as práticas jurídicas
de sua província, Bucovina, no antigo Império Austro-húngaro (F. Michaut apud BILLIER
& MARYIOLI, 2005, p. 287).
As críticas que se voltaram contra os trabalhos de Ehrlich também seguem a mesma linha da
crítica que foi apresentada, neste trabalho, em desfavor da confusão feita por SANTOS
(1988) entre normas morais ou sociais, e normas jurídicas. Ambos jus-sociólogos não foram
capazes de distinguir o dado, o dever ser, e o axiológico (BILLIER & MARYIOLI, 2005, p.
288).
É visível que a preocupação da sociologia jurídica, ao pretender captar o Direito no meio das
relações sociais, é com a legitimidade. Mas seus trabalhos se perdem, ao que parece, numa
certa ingenuidade.
54
A legitimidade do Direito, como aponta HABERMAS (2003, v.1), de fato pode ser retirada
de fatores que estão no seio da sociedade, como a moral, p.ex. Isto porque o Direito é um
sistema aberto que depende de fatores externos para sua justificação. Entretanto, o Direito é
também um sistema autônomo, e exatamente por este motivo, não pode ser confundido com
estes outros fatores externos. Como foi indicado, a relação que há entre eles é de
complementação e não de confusão.
Além disto, o Direito de Pasárgada não é o resultado de diferenças culturais, mas sim da
exclusão social, que se verifica inclusive no Discurso Jurídico.
A solução para este quadro, portanto, não é propor uma teoria pluralista não-democrática
como fez SANTOS (1988). Uma resposta inclusiva passa necessariamente pela efetivação
dos Direitos Fundamentais, e aqui se inclui o devido processo, que garante aos atores o
direito de participação na construção do Discurso, em simétrica paridade.
Desta maneira, também não é possível esmerar um Modelo Legal Democrático nos moldes
do pragmatismo jurídico norte-americano, encarnado pelo Presidente da Associação de
Moradores.
É preciso ainda, substituir as velhas formas manifestas da Razão Prática pela Razão
Comunicativa (HABERMAS, 2003, v.1); pois se o direito não acompanhar o giro
lingüístico promovido tanto pela neurociência como pela semiologia, seu pecado não será
55
só o da fraqueza teórica, mas da fraqueza para construir um modelo Jurídico Democrático
que permita a emancipação dos atores sociais.
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