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A MOBILIDADE NUMA VISÃO SOCIOLÓGICA

Se a busca do planejamento e operação dos sistemas de transporte


pretendem atender interesses de diversos segmentos da sociedade, a análise
técnica não é suficiente. Principalmente no que diz respeito ao transporte
urbano, algumas questões de ordem sociológica devem ser analisadas e não
devem estar em detrimento da análise técnica. Segundo Vasconcellos (2001),
as questões centrais para as políticas de transporte e trânsito são:

·       Como a acessibilidade é distribuída no espaço;

·       Como grupos e classes sociais diferentes usam a cidade;

·       Quais são as condições relativas de eqüidade, segurança, conforto,


eficiência e custo verificados nos deslocamentos.

As variáveis econômicas e culturais são muito importantes para as


análises dos planejadores de transporte, pois fornecem dados sobre as
necessidades e anseios da sociedade como um todo. Como exemplo pode-se
analisar o fato da escolha do automóvel particular como principal veículo de
locomoção pelas classes médias. Muitas vezes essa opção é interpretada
apenas como símbolo de status, no entanto, a escolha desse meio de
transporte, por parte de quem tem a possibilidade de escolher, é dada também
por uma análise racional frente aos condicionantes econômicos e de tempo. É
uma opção feita de acordo com a percepção dos indivíduos de que o automóvel
“constitui um meio essencial para a reprodução das classes médias criadas
pela modernização capitalista” (Vasconcellos, 2001, p.38). Reprodução é o ato
de refazer-se constantemente, ou seja, as pessoas necessitam de várias
atividades de consumo, ou serviços dos quais elas obtêm bens que são
destruídos no processo e precisam ser renovados. Além disso, precisam dar
condições de reprodução àqueles que delas dependem por motivos biológicos,
sociais ou físicos e o automóvel particular em muitos casos facilita a reprodução
da classe média. Dessa forma, sendo as necessidades de reprodução variáveis
de acordo com a renda, região, cultura e religião, a necessidade de mobilidade
também varia (Vasconcellos, 2001).

Mobilidade e Acessibilidade: São dois conceitos que devem ser entendidos e


tratados de maneira diferenciada, embora existam diversas interpretações para
os mesmos. Entretanto, serão utilizados nesse trabalho os conceitos mais
amplos, que envolvem inclusive aspectos sociológicos.

·       Mobilidade: Tradicionalmente, é simplesmente tida como a habilidade de


movimentar-se, em decorrência de condições físicas e econômicas. A utilização
dessa idéia e aplicação nas políticas de transportes faz com que as decisões
tomadas sejam exclusivas para “aumentar a mobilidade” através do
fornecimento de mais meios de transporte para atender à prioridade enraizada
em nosso sistema da noção de tempo como valor econômico. (Vasconcellos,
2001).

·       Acessibilidade: No conceito de mobilidade clássico, faltam algumas


questões importantes como por exemplo, a definição dos motivos que fazem
ela ocorrer ou como ela ocorre. Portanto a acessibilidade pode ser denominada
como a mobilidade para satisfazer as necessidades, ou seja, as condições para
se alcançar o destino desejado e não simplesmente a facilidade de cruzar
espaços. Mais do que isso, ela pode ser subdividida em dois tipos:
macroacessibilidade e microacessibilidade. A macroacessibilidade é a
facilidade relativa de atravessar o espaço e atingir as construções e
equipamentos urbanos desejados e faz parte desse conceito a abrangência do
sistema viário e do sistema de transporte em geral. Já a microacessibilidade
refere-se à facilidade relativa de se obter acesso direto aos veículos ou destinos
desejados, como pontos de ônibus ou estacionamentos.

Quantitativamente, a macroacessibilidade com relação ao tempo é a


soma de quatro tempos de viajem: tempo para acessar o veículo no início da
viagem; tempo de espera, no caso de transporte público; tempo dentro do
veículo, ou caminhando, no caso de viagens a pé e tempo para acessar o
destino final, após deixar o veículo. Desses tempos o primeiro e o último estão
relacionados à microacessibilidade, o que faz dela parte integrante da
macroacessibilidade. Essas definições são muito importantes uma vez que
analisam o movimento de acordo com o indivíduo, ao refletir seu ponto de vista
da acessibilidade permitindo um estudo de como as pessoas usam a cidade. Em
segundo lugar, pode-se fazer uma análise das estratégias familiares para
atender as necessidades de reprodução de todos e determinar entre as classes
e grupos sociais como as diferenças sociais, políticas e econômicas interferem
nessa estratégia (Vasconcellos, 2001). Feitas essas análises é possível utilizá-
las no planejamento e política de transportes em busca de alternativas que
procurem atender a maior quantidade de grupos sociais possível.
Entretanto, isso não é
Tabela13- -Mobilidade
Tabela Mobilidadedas
e idade, Sãosegundo
pessoas Paulo,1997 obrigatoriamente reflexo do tempo
a renda e o gênero
Faixa etária
Renda Familiar Viagens/Dia
Mobilidade Imobilidade (%)
gasto em locomoção pelas diversas
0-4
(Mensal emR$) Total Motorizada 0,58Homens Mulheres Total
4-7 1,43 classes e grupos sociais, pois isso
0-250 1,16 0,49 55 56 56
7-11 250-500 1,47 0,74 1,95 38 depende 53
das condições
46 das vias e da
11-15500-1000 1,76 1,01 2,08 32 oferta de43meios de
38transporte
15-18 2,25 32 utilizadas35por
1000-1800 2,07 1,36 esses
30 grupos.
18-23
1800-3600 2,34 1,82 2,18 23 34 28
23-30 >3600 2,64 2,30 2,18 18 29 24
Com relação à idade, os
30-40 média 1,87 1,23 2,33 31 42 36
indivíduos que estão na fase
40-50 2,08
Ref.:CMSP, 1998 - Extraído de VASCONCELLOS, 2001; p.44
“produtiva” (entre 20 e 50 anos) são
50-60 1,63
geralmente mais “móveis”. Em
>60 1,03
segundo lugar vêm os jovens em
idade escolar e por último as crianças
em idade pré-escolar e os idosos
(tabela 3).

A questão dos pobres

“Entre um quinto e um quarto da população do mundo vive em condições


de pobreza absoluta e mais de 90% delas vivem no hemisfério sul do planeta”
(Vasconcellos, 2001; p.124). Em muitos países inclusive, os pobres constituem a
maioria. Essas informações fazem com que a cópia de modelos de transportes
ou tendências de planejamento de países desenvolvidos talvez não sejam a
melhor alternativa por possuírem uma outra realidade e precisarem atender a
grupos sociais diferentes dos países em desenvolvimento. Por esse motivo, a
abordagem puramente técnica deve ser evitada e é fundamental que seja
complementada com uma abordagem social, uma vez que os pobres são maioria
e em geral sofrem de uma carência de instrumentos políticos para defendê-los.

A questão das crianças

Na maioria dos países, as crianças representam cerca de 50% da


população e os principais problemas enfrentados por elas são nos papéis de
ciclistas e pedestres, pois são alvo de acidentes de trânsito. Inicialmente o
problema é biológico, pois até os 7 anos de idade elas têm dificuldade de
discernir sons e movimentos para orientar seu comportamento. A partir dessa
idade, as restrições estão ligadas à dificuldade de usar a bicicleta devido à não
adaptação das vias de tráfego rápido para esse fim (Vasconcellos, 2001).

A questão do gênero

Em geral, quem enfrenta mais problemas são as mulheres, pois


desempenham mais o papel de pedestre do que os homens e a maioria dos
eventos fatais no trânsito envolve pedestres. Em segundo lugar, em muitos
lugares as mulheres desempenham funções sociais obrigatórias para as quais os
meios de transporte não estão adaptados, como carregar água e alimentos, ou
carregar pacotes e crianças (Vasconcellos, 2001).

A questão do idoso

Os idosos enfrentam problemas como usuários de transporte público


e também no papel de pedestre. No primeiro caso, as dificuldades assemelham-
se às das mulheres envolvendo falta de veículos adaptados e no segundo caso,
os idosos enfrentam graves problemas ao andar seja por limitações físicas ou
pela falta de calçadas e vias adaptadas às suas necessidades. Além disso, o
 

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