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ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA
Resumo: Esta pesquisa pretende investigar como membros de grupos socialmente vulneráveis
concepções de dignidade e respeito próprio. Esse objetivo é operacionalizado por meio de três
perguntas: (1) Quais os trabalhos que pessoas sujeitas à crise econômica e política iniciada em
2014, agravada pela pandemia de Covid-19, realizam em suas práticas cotidianas e em suas
relações para “dar conta” e “prestar conta” da situação? (2) Como essas práticas são
influenciadas pelo respeito que despertam na sociedade e como, por sua vez, influenciam essas
mesmas noções? (3) Diante de situações que comprometem formas mercantis de obtenção de
sustento e perturbam relações delas dependentes, obrigando pessoas a rever caminhos, quais
instrumentos, outras relações, objetos e pessoas de referência são mobilizados para definir a
significativas para essas pessoas? Para enfrentá-las, este projeto mobilizará relações
construídas com a Central Única das Favelas, em Heliópolis, e com o Movimento Negro
Unificado, para chegar a famílias socioeconomicamente vulneráveis que são atendidas por suas
ações.
Há um renovado interesse nas ciências sociais por melhor compreender situações definidas
como crises, com novos trabalhos que oferecem pressupostos e alguns elementos centrais para
uma definição de trabalho sobre o fenômeno. Em consonância com essa literatura recente, eu
assumo que crises são dispositivos narrativos e estruturantes empregados para organizar e dar
sentido a fenômenos complexos que mobilizam múltiplos domínios da vida social (Roitman
intervenção nas bases da ação (Roitman 2013), um juízo moral sobre a realidade que reclama
Muito do trabalho empírico recente sobre crises, entretanto, debruça-se sobre causas, respostas
brasileiros são marcadas, de modo desigual e assimétrico, pelo singular histórico de crises
trajetória histórica importa para as definições da situação que os atores promovem e para seu
repertório de recursos de ação sobre a crise. A singularidade das vidas econômicas dos
das populações negras no Brasil (Lamont 2018), bem como por sua inserção marginal no
mercado de trabalho (Paoli 1992). Isso justifica um olhar concentrado sobre essas populações.
Cumpre, portanto, para compreender as dimensões reais da crise econômica brasileira,
reconstruir a experiência específica vivida por estas populações mais vulneráveis à perda de
Entre os estudos que têm como objeto o Brasil, abundam análises diversas de especialistas na
2014 (Holland 2016; Bolle 2016; Carvalho 2018). Resta por analisar, porém, os trabalhos que
têm de ser realizados diariamente por atores econômicos concretos para dar conta dessa crise.
Para suprir parcialmente essa lacuna, esta pesquisa propõe examinar a experiência vivida
singular de populações negras e faveladas, por meio de relatos de famílias beneficiadas com
ações de assistência do Movimento Negro Unificado (MNU) e da Central Única das Favelas
(CUFA).
O MNU, que surge no ano de 1978 pautando a luta contra a violência policial e a discriminação
Núcleo Antirracista mais antigo do Brasil. Durante a pandemia, o movimento engajou-se, por
meio da Convergência Negra e da Coalizão Negra por Direitos, na campanha “Se tem gente
Já a CUFA nasceu em 1999 com ênfase na promoção do empreendedorismo nas favelas por
meio da arte, da cultura e do esporte. Por meio de ações de assistência social durante a
destaque nacional.
mas em razão de suas pautas, apresentam significativa diversidade no que diz respeito aos
Em etapa anterior, a pesquisa concentrou o seu esforço em compreender a lógica das ações da
CUFA em Heliópolis e do MNU em alguns territórios de sua atuação, por meio de entrevistas
com lideranças locais dos movimentos e a observação de algumas de suas ações. Essa foi uma
dos entendimentos que representantes das organizações têm do momento crítico, de como a
situação pôs à prova convicções e alterou formas de ação e projetos, das intervenções
categorias que ganham relevância situada ante a memória de outras situações e a experiência
Ainda que de forma indireta, foi também possível apurar pelos relatos desses representantes
um quadro geral de como a crise é entendida e enfrentada pelas famílias com quem as
instituições mantêm relações por meio de suas ações. Esses resultados substantivos traduzem-
se, ainda, em condições de acesso ao pesquisador nas áreas de atuação mediado pelas
Objetivos
reconhecimento que comandam da sociedade, dão conta de sua situação em meio à crise
econômica. Utilizo a expressão “dar conta”, de inspiração etnometodológica (Cicourel 1974),
em toda sua polissemia, englobando as múltiplas tarefas de relatar e representar uma situação
para dar-lhe sentido e justificação (Scott & Lyman 1968), calcular a partir de formas nativas
os recursos disponíveis e definir como agir sobre as condições diante da situação concreta.
experiências e trajetórias, que embasam a ação de indivíduos concretos, escapam das análises,
Para tanto, a pesquisa pretende recolher relatos pessoais das definições que fazem os agentes
de sua situação e das ações e relações que estes mobilizam diante dela. Isso porque o mundo
social é constituído por meio dessas práticas narrativas com que os atores dão sentido à sua
situação, relatam-na e prestam contas de suas ações (Cicourel 1974). Logo, importa produzir
um estudo da etnometodologia promovida para conhecer a situação, defini-la e agir sobre ela.
O projeto assume que para agir sobre condições inesperadas que comprometem formas
1929) e as representações na memória (Schütz 1967). Por outro lado, só é possível conhecer
artefatos e pessoas relevantes como referência que levam em consideração (James 1890) na
1974), a depender de experiências e trajetórias particulares que impactam em suas ações, tanto
quanto nos recursos a que têm acesso. Torna-se relevante, portanto, para compreender as
experiências na crise observar, em diferentes espaços sociais, e entre pessoas com trajetórias
distintas, como a crise é definida e vivida, recolhendo os relatos sobre seus atos de
especial, quais:
2) Os grupos de referência aos quais recorrem para confirmar intuições sobre a realidade,
cursos de ação sobre ela, aos quais se sentem moralmente ligados e que acionam para procurar
oportunidades;
3) As formas nativas de cálculo (Weber 2002) e o trabalho relacional (Zelizer 2012) com que
4) As noções de respeito com que se valorizam grupos sociais e formas de ação sobre a crise e
5) As formas de solidariedade acionadas nos relatos e as formas como figuram: como fontes
de suporte, como vínculos que estão em dívida com o autor, com os quais o autor está em falta
e aquelas que foram perturbadas pela situação crítica, revelando assim a economia moral dos
constrangimentos para populações vulneráveis (Marques 2009). Mas aqui importa, também,
compreender, em sintonia com o objetivo anterior de identificar como trabalhos relacionais são
afetados (Zelizer 2012), como a crise afeta as definições sobre a propriedade de certas
por meio da coleta de relatos e da observação de natureza etnográfica de sujeitos da crise. Isto
implica a realização de uma pesquisa de campo que produza um conhecimento situado, que
será realizada com outros membros da equipe na região de Heliópolis, na Zona Sul de São
Paulo, valendo-se para tanto de contatos mantidos pela equipe com uma importante
organização que possui sede no local: a Central Única das Favelas. Além disso, valendo-se das
Unificado, será realizada uma etnografia com famílias beneficiadas por suas ações na cidade
de São Paulo.
Utilizando essas relações e contatos com outras associações locais como facilitadores, o
moradores negros de dois grupos etários bem definidos: jovens e adultos maiores de trinta anos.
Essa duplicidade de grupos-alvo tem por propósito verificar a hipótese de que os sentidos,
promovidas pela CUFA e pelo MNU que envolvem atendimento de demandas da população
local em duas localidades de São Paulo para, a partir dos contatos construídos e relações
encetadas, realizar entrevistas semiestruturadas com famílias para coletar os relatos de suas
orientador, tendo em vista os cinco objetivos elencados acima. Paralelamente, a/o bolsista
empreenderá uma pesquisa bibliográfica sobre temas pertinentes, como estigma racial, crises e
pobreza urbana e a formação e desenvolvimento das comunidades escolhidas para o estudo.
Ele/a também participará das reuniões do grupo “Krisis: Crise, Incerteza e Sobrevivência",
específica:
1) A realização do trabalho de campo com observação participante nas ações mantidas pela
CUFA-Heliópolis e MNU em São Paulo e coleta de relatos de famílias nessa com especial
crise e identificando fatores para suas diferenças. Dar-se-á particular importância para os
cinco objetivos intermediários elencados acima. Esse relatório buscará indicar como
trabalho relacional envolvido nas transações com que procuram os meios necessários à
Científica e Tecnológica.
Cronograma de execução
semiestruturado de entrevistas.
Bibliografia
Bolle, Monica Baumgarten de. 2016. Como Matar a Borboleta Azul: Uma Crônica Da Era
Carvalho, Laura. 2018. Valsa Brasileira: Do Boom Ao Caos Econômico. São Paulo: Todavia.
Dewey, John. 1929. The Quest for Certainty: A Study of the Relation of Knowledge and Action.
Holland, Márcio. 2016. A Economia Do Ajuste Fiscal: Por Que o Brasil Quebrou? Rio de
Janeiro: Elsevier.
James, William. 1890. The Principles of Psychology. New York: Henry Holt & Co.
Lamont, Michèle. 2018. Addressing Recognition Gaps: Destigmatization and the Reduction of
Marques, Eduardo Leão. 2009. “As Redes Sociais Importam Para a Pobreza Urbana?” Dados
52 (2): 471–505.
Neiburg, Federico, and Jane I. Guyer. 2017. “The Real in the Real Economy.” Hau: Journal of
Paoli, Maria Célia. 1992. A família operária: notas sobre sua formação histórica no Brasil.
Scott, Marvin, and Stanford Lyman. 1968. Accounts. American Sociological Review, 33(1):
46-62.
Weber, Florence. 2002. “Práticas Econômicas e Formas Ordinárias de Cálculo.” Mana 8: 151–
82.
Zelizer, Viviana A. 2012. “How I Became a Relational Economic Sociologist and What Does