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Importância de
políticas públicas especializadas1
Resumo: A proposta deste artigo é mostrar a fase inicial de pesquisa da tese de doutorado, que
tem como objetivo investigar as experiências e demandas das mulheres que migram por
questões climáticas no Rio Grande do Sul, a partir de uma perspectiva sociológica, crítica,
interseccional e sensível. A investigação busca preencher uma lacuna nos estudos sobre
migrações com foco em mulheres e nas questões climáticas, que são um fenômeno crescente e
complexo, mas ainda pouco reconhecido e atendido pelas políticas públicas. Através da escuta
e do acompanhamento das trajetórias dessas mulheres, pretende-se ao longo da pesquisa dar
visibilidade às histórias de vida, ao cotidiano, demandas e prioridades, a decisão de migrar, aos
entendimentos e sugestões sobre as mudanças climáticas, suas expectativas e frustrações sobre
a região do país que escolheram para vive. Como resultado da tese será elaborada
recomendações para a melhoria ou criação de serviços e acolhimento especializado para as
mulheres em situação de migração climática. Como a pesquisa está no início, neste artigo
apresentarei o projeto de pesquisa e os resultados parciais da fase de revisão bibliográfica que
embasam a questão abordada sobre a lacuna nos estudos das áreas de migrações e mudanças
climáticas com foco nas mulheres.
1. INTRODUÇÃO
"Los impactos del cambio climático y los conflictos ambientales provocados por el
modelo extractivo y desarrollista en los países de la región, interactuando con otros
motivos como la pobreza y la violencia, serán cada vez más motivo de desplazamiento
forzado y los marcos normativos actuales de protección no dan cuenta de esto. Por un
lado, será necesaria una ampliación de las causas de protección para la concesión de
refugio para incluir factores relacionados al cambio climático. Al mismo tiempo, será
fundamental una reformulación sobre los sistemas de protección actual que
compartimentan de manera estrecha las injusticias y sufrimiento de las personas.”
(Ceja; Velasco; Berg, 2021, p. 112)
1 Artigo elaborado para a submissão ao evento VI SIPINF – seminário internacional de políticas públicas,
intersetorialidade e família: desafios à preservação/reconstrução da democracia, da saúde e da vida.
2 Graduada e Mestra em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),
“[...] a revisão das políticas públicas ambientais deve considerar a mobilidade humana
para que essa estratégia seja utilizada de forma segura e apoiada pelo poder público.
É necessário considerar os aportes do conhecimento técnico-científico e as percepções
e os aportes tradicionais das comunidades afetadas e de acolhida, bem como as
necessidades e demandas de cada ator através da ampla participação dos atores
envolvidos nos processos de tomada de decisão” (Ramos, 2020)
3“A migração ambiental ocorre quando pessoas impactadas por grandes eventos e grandes mudanças ambientais
precisam sair dos seus territórios ou locais de origem ou residência, em razão de um evento súbito ou de um
processo de degradação ambiental progressiva.” Érika Ramos em entrevista Fundação Heinrich Böll (2023)
As adversidades sempre estão presentes quando se trata de mulheres e se forem
migrantes4 ainda mais, pois sempre há uma pluralidade de atravessamentos que pretendo
tensionar a partir da teoria da interseccionalidade. Ao considerar o viés ambiental sobre as
mulheres que migram, o nível de complexidade e atravessamentos aumenta, pois o racismo
ambiental5 afeta principalmente mulheres e crianças (Carvalho; Jacobi, 2023). Diante disso
desenvolver estudos nesse âmbito faz parte da construção de uma justiça ambiental que trata
das pessoas em maior vulnerabilidade fortemente afetadas pelas consequências das mudanças
climáticas. E são estas pessoas que precisam obter maior visibilidade porque não há leis
específicas que as protejam (Wendling; Giongo, 2022).
Falta compreensão sobre essas pessoas para saber como recebê-las. É necessário
refletir sobre como ocorre todo o processo migratório desde a saída até a chegada, focando no
percurso feito por mulheres, levando em conta que o Brasil possui altos índices de crimes de
ódio contra mulheres, sobretudo as racializadas. O comportamento das pessoas que migram
difere principalmente se tratando de gênero (Pérez, 2019), como mulheres estão mais propensas
a violência sexual, exploração no mercado de trabalho, podem estar amamentando ou grávidas,
com necessidades distintas precisam de abordagens diferentes. Para isso, se faz fundamental
ouvir as perspectivas destas mulheres a fim de criar possibilidades mais responsáveis e dignas
de recebê-las.
A carência de pesquisas na área afeta todos os âmbitos de atendimento aos migrantes,
pois, na falta de informações, os profissionais ou voluntários muitas vezes não estão preparados,
cometendo sucessivas violências como relatado por Handerson Joseph e Iréri Ceja (2021). Se
o Estado não desenvolve uma política de acolhimento eficaz às pessoas que migram no próprio
país, o que esperar de uma sociedade desinformada sobre as questões migratórias? Com certeza
resultará na construção de estereótipos que irão fomentar preconceitos como racismo,
aporofobia6 e xenofobia. O processo de migração possui inúmeras barreiras, no caso das
mulheres essas barreiras são reforçadas pelas questões estruturais de uma sociedade
eurocentrada patriarcal. É preciso trazer o cotidiano das migrantes, expondo a complexidade de
suas motivações para a migração, suas rotinas e identidades, mostrando seus saberes e
dificuldades.
4 É importante mencionar que neste artigo, utilizarei tanto o termo de migrante ambiental quando de
migrante climática, considerando que ambos estão corretos, a partir dos estudos das áreas de
migração e de mudanças climáticas.
5 “O racismo ambiental é um termo utilizado para se referir ao processo de discriminação que
2.1 Objetivos
Pretende-se investigar quem são as mulheres que migram por questões climáticas no
território do estado do Rio Grande do Sul e quais são as suas histórias e demandas. Busco
compreender as trajetórias de vida e de migração, situações e necessidades destas mulheres.
Identificando quais as melhores formas de acolhê-las. Com isso elaborar sugestões para
políticas públicas com atendimentos sociais mais focados às mulheres migrantes nas situações
de catástrofes ambientais.
Como objetivos específicos tese de doutorado, a revisão bibliográfica é a primeira fase
e já está em elaboração, onde busca-se por pesquisas e artigos desenvolvidos sobre as mulheres
migrantes ou em relação às mudanças climáticas, focando nas produções que indiquem os três
temas em conjunto. Para a pesquisa será realizada também uma revisão de literatura. Pretende-
se também elaborar um levantamento das regiões onde ocorrem a saída e chegada de pessoas
que migram entre os territórios brasileiros, centralizando nas localidades com maiores índices
de recebimento.
Identificar as instituições e organizações governamentais e não governamentais que
realizam acolhimento às pessoas que migram será atividade fundamental para a realização do
campo de pesquisa. A partir disso acessar as mulheres que migram e identificar aquelas que
tenham as mudanças climáticas como motivo da migração, e através de uma escuta sensível
desenvolver conversas em grupo e individuais. Todos os passos serão documentados e
consentidos por elas, e se necessário pelo comitê de ética, além das autorizações necessárias
para a minha inserção em ambientes de acolhimento.
Diante dos dados obtidos das entrevistas semiestruturadas, conversas livres e da
observação participante, entrelaçando os resultados com a revisão bibliográfica, irei elaborar
sugestões para o desenvolvimento de políticas públicas especializadas ao atendimento às
mulheres migrantes por mudanças climáticas. Por fim, essas sugestões serão apresentadas às
mulheres migrantes que colaboraram com a pesquisa para que possam opinar sobre a produção
e se necessário as sugestões serão reformuladas, essa ação e a entrega de uma cópia da tese será
encaminhada a cada participante como retorno e agradecimento da participação na pesquisa.
9Scientific Electronic Library Online. Banco de produções acadêmicas de acesso livre. https://www.scielo.br/
10
SciVerse Scopus. Um dos maiores Banco de dados de produções acadêmicas.
https://www.scopus.com/home.uri.
Tabela 1 - SCIELO
PALAVRAS- WOMEN; MIGRATION; WOMEN; CLIMATE WOMEN; MIGRATION
CLIMATE CHANGE CHANGE
CHAVE
RESULTADOS 0 30 584
artigos, 2013-2023,
FILTROS / Artigos, 2013-2023: 29 Brasil, Português: 43
Menciona mudanças
Menciona algo climáticas ou qualquer
relacionado a migrações: outro termo desse
RESUMOS / 1 sentido: 0 (ZERO)
Fonte: a autora (2023)
Tabela 2 - SCOPUS
PALAVRAS-CHAVE WOMEN; MIGRATION; CLIMATE CHANGE
RESULTADOS 193
FILTROS Artigos, 2013-2023, Acesso aberto: 51
Diante dessa busca também foi possível identificar alguns aspectos sobre os artigos
como: a) o foco nas regiões rurais e costeiras; b) tratavam de estudos sobre os continentes
asiático e africano; c) também mencionaram a importância de políticas de assistência para
mulheres nestas situações.
Entendo da necessidade de realizar novas buscas em outros bancos de dados
combinando termos diferentes, por isso afirmo que a pesquisa está em fase inicial, que se
caracteriza mais exploratória. Também compreendo que na aplicação dos filtros, possa ter
ocorrido a perda de alguns artigos, assim como eu entendo que poderá haver artigos escritos
em outras línguas por brasileiros ou estrangeiros que tratem do brasil, mas nesta primeira fase
acredito ser compreensível certas escolhas. Outra questão é que talvez dentro dos artigos, os
assuntos estejam mais desenvolvidos e não constem no resumo, mas esta será uma próxima
análise, onde será desenvolvida uma nova filtragem visando as produções que contemplarão a
revisão de literatura. Mesmo assim, só com estes poucos dados é possível perceber uma lacuna
dentro dos estudos que tratam de mulheres que migram devido a questões climáticas, seja no
mundo ou no Brasil, se considerarmos os eventos dos últimos anos.
4. Discussões finais
A partir do acesso a literatura que obtive, dos resultados parciais da revisão bibliográfica, além
das inúmeras reportagens fica nítida a necessidade produções acadêmicas mais aprofundadas
para compreender as relações, situações e necessidades destas mulheres e identificar qual a
melhor forma de acolhê-las. É preciso entender a vulnerabilidade da mulher migrante que se
torna mais acentuada quando as questões são políticas, religiosas e de desastres ambientais
(Rodrigues, 2018).
Mas, é preciso que estas ações não fiquem estacionadas, é indispensável compreender
as necessidades particulares destas mulheres, e se tornarem políticas públicas especializadas,
visto que a invisibilidade das mulheres que migram resulta exatamente na deficiência de
construções destas políticas (Dornelas; Ribeiro, 2018). Pois, ao atendê-las se estende o cuidado
as crianças que as acompanham, dos companheiros ou companheiras, dos pais, enfim das
famílias que dependem da mulher. Ao promover uma vida melhor a estas pessoas após sair de
suas casas, de passar por situações estressantes, atendê-las de maneira empática e efetiva, os
benefícios afetam toda a sociedade.
Espero que ao compreendermos melhor quem são as pessoas que estão em situação de
migrações climáticas seja possível desmistificar os estereótipos, diminuindo preconceitos e
promovendo sugestões para as questões ambientais, de políticas públicas e atendimentos sociais
mais focados às mulheres migrantes. Compreendo os desafios tanto práticos quanto teóricos
para a elaboração desta pesquisa, pois ainda há muito a se fazer, mas acredito que com
dedicação é possível desenvolver um bom trabalho. Apesar do longo trabalho que terei pela
frente sinto uma enorme satisfação de buscar uma melhoria mesma que ambiciosa a estas
mulheres a partir da minha pesquisa, e entendo que desta forma realizo um retorno à sociedade,
pois sou bolsista desde a graduação e sem fomento jamais teria chegado ao doutorado. Finalizo
com a frase que despertou o interesse sobre estes estudos, “[...] es necesario que se habilite una
mirada orgánica y dialógica entre el campo de las migraciones y los estudios ambientales”
(Ceja; Velasco; Berg, 2018, p.109).
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