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O TRÂNSITO

e
AS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
Célia Amaral
2011
Trânsito
Trânsito?
Definições:
• Circulação de veículos e pedestres; tráfego; aceitação
ou acesso fácil; transição. (Dicionário Houaiss, 2003)
• Lugar social, público, onde todas as pessoas se
encontram, entretanto, em condições diversas, seja
participando ativamente (pedestres, motoristas,
ciclistas, motociclistas) ou passivamente
(passageiros). (Ferreira, 2006)
• Conjunto de todos os deslocamentos diários feitos
pelas calçadas e vias da cidade e que aparecem na
rua na forma de movimentação geral de pedestres e
veículos. (Vasconcelos, 1998)
O “problema” Trânsito:
• Não é um fenômeno da atualidade:
- Necessidade de locomover-se já afetava as
cidades do Império Romano (Vasconcelos,
1998);
- Sec. XIX: o automóvel traz a necessidade de
leis;
- Sec. XX e XXI: problema urbano devido ao
crescimento das cidades. (Brasil urbano = 82%
da população;
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- A mobilidade do cidadão no espaço social é o


ponto principal: a liberdade de ir e vir (de
chegar ao destino desejado com segurança, de
satisfazer necessidades de saúde, lazer,
trabalho e educação) é direito de todo
cidadão.

“O trânsito é um espaço público por excelência, um


ambiente compartilhado, todavia, a apropriação
individual dá-se de maneiras diferentes”. (Ferreira,
2006)
“Trânsito” inserido no
processo histórico-social
• Fenômeno que se refere às relações
pessoa/espaço e às relações pessoa/pessoa.
• Pessoas com características sociais e políticas,
interesses e necessidades diferentes.
• Sociedade brasileira, historicamente marcada
por desigualdades, injustiças, relações
autoritárias.
• Reorganização do espaço físico em função do
automóvel particular.
Exemplo de uma consequência disso:

Segundo Pavarino (2004), os pedestres se


acham em condição de “cidadãos
menores” no trânsito (vistos como um
estorvo à fluidez do tráfego e não como
cidadãos com direitos). Por isso não se
sentem obrigados a seguir regras de um
sistema feito para carros.
Aprimorando a definição de Trânsito:
“O trânsito é uma disputa pelo espaço físico, que
reflete uma disputa pelo tempo e pelo acesso
aos equipamentos urbanos -, é uma
negociação permanente do espaço, coletiva e
conflituosa. E essa negociação, dadas as
características de nossa sociedade, não se dá
entre pessoas iguais: a disputa pelo espaço
tem uma base ideológica e política: depende
de como as pessoas se veem na sociedade e
de seu acesso real ao poder.” (Vasconcelos,
1985, p.19)
Se...
Os problemas de poluição, engarrafamentos, falência
do transporte coletivo, quase ausência de transporte
fluvial e marítimo ou ferroviário são reflexo da opção
política e econômica brasileira pela intensa
motorização, pelo incentivo à indústria
automobilística. (Machado, 2007)

Então...
Qualquer tentativa de modificação dessa realidade
atual passa, obrigatoriamente, por uma mudança na
visão a respeito do transporte. (Machado, 2007)
“Público” X “Privado”
• Categorias sociológicas, carregadas de sentido,
que revelam como nossa sociedade pensa e
vive.
• Seg. Da Matta (2000), o “mundo da casa”
(espaço privado)´é o local da moradia, da
tranquilidade, refúgio da individualidade; em
oposição, o “mundo da rua” (espaço público)
é o lugar dos anônimos, da luta, do trabalho,
da violência.
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• Sempre existem conflitos entre os interesses


particulares e os interesses comuns;
• Sociedade brasileira:
Mundo público X Mundo privado
(leis universais e do mercado) X (compadres, parentes, família)
(“terra de ninguém”) X (“meu”)
• No Brasil ainda não temos uma cultura de
cidadania: as pessoas tendem a perceber o
poder público muito distanciado; relações de
clientelismo (favores); ditadura impediu
exercício da cidadania.
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• Cultura da impunidade: direitos e deveres desiguais,


dependendo do poder econômico e das relações
privadas. (Implica: cultura do individualismo de
“levar vantagem em tudo”, da “malandragem”).
• Apartheid social:
“Uma de suas expressões mais visíveis é o abandono por parte dos mais
ricos, dos espaços públicos: a escola pública, o sistema de saúde público,
mesmo a segurança pública. E o transporte público. Os ricos criam seus
sistemas particulares. E o que é público fica reservado aos pobres, como
se fosse uma benemerência do Estado, uma obra de caridade, não um
serviço a retribuir pelos impostos pagos. (...) É também que a escola
pública, o hospital ou o transporte público ficam condenados a serviços
de segunda classe, privados que foram das pressões de quem mais
influência tem na sociedade.” (Pompeu de Toledo, 1996, p.142)
Conclusão
• Melhorar o “trânsito” resgatar os
espaços públicos como lugar de encontro (não
só de passagem); como lugar de democracia,
de exercício de cidadania; educar (ato
pedagógico e político) para um outro tipo de
sociedade, para um outro tipo de trânsito.
• Conhecer para transformar: investigar o modo
como as pessoas (diferentes grupos)
representam o universo “trânsito” (um
caminho teórico e metodológico em
desenvolvimento)
Exemplos de pesquisa

RS das ações dos condutores (Pereira,


1997)

Quando o motorista comporta-se no trânsito ele


relaciona-se com o ambiente, mas também com uma
sociedade que já está posta, com uma cultura
específica e determinada historicamente.
Instrumentos: questionários, matérias de jornais.
Algumas conclusões:
1. As ações dos condutores simbolizam uma síntese das
relações sociais cotidianas (“donos da rua”, “escravos
do relógio”, “loucos” etc). É o reflexo do
desenvolvimento da sociedade brasileira nas últimas
décadas.
2. As RS variam conforme a experiência que os
condutores tem no trânsito: os “profissionais
responsáveis pela ação dos condutores” (grupo mais
próximo do poder) apresentou uma maior percepção
de cumprimento das leis; os demais grupos não
perceberam a importância do cumprimento das leis
nas suas ações.
Importância dessa pesquisa:

 Grande parte dos estudos aplicados à


Psicologia do trânsito tinham enfoque
cognitivista, na personalidade e fisiologia __
reduziam a dimensão intersubjetiva (social) a
um contexto de comportamento individual.
 Trabalho de Pereira (1997) é um marco para as
pesquisas de Psicologia Social ou com enfoque
sociológico (mostra que a ação tem a ver com
as representações sociais)
Acidentes Motociclista-Carro: Um estudo das
RS no trânsito em Goiânia (Ferreira, 2006)

Objetivo: conhecer RS de...


• contexto trânsito
• tarefa de dirigir
• outros motoristas
• causas dos acidentes
• responsáveis pelos acidentes e justificativas
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Método:

Referencial teórico: teoria das RS


1º - pesquisa documental em que se coletou
dados sobre 200 acidentes, em B.O.
encaminhados ao Detran.
2º - com base no estudo anterior, 2 grupos de
100 motoristas e 100 motociclistas
responderam questionários.
Acidentes de Trânsito:

• Principal causa mundial de mortes entre 16 e 24


anos;
• “Acidente” = “acontecimento casual, fortuito,
imprevisto [...] acontecimento infeliz, casual ou não,
e de que resulta ferimento, dano, estrago, prejuízo,
avaria e ruina.” (Dicionário Aurélio, 1999, p.33)
• Só 10% dos acidentes seriam “fatalidade”: 90% se
devem a erros humanos. (Dotta, 2000)
• Raramente os AT tem causa única. (Vasconcelos,
2005)
Resultados:
• Ambos os grupos apresentaram R (-) do “contexto
trânsito”, porém p/ os motociclistas o elemento
principal foi “perigo”, p/ os motoristas “caos”;
• “Tarefa de dirigir”: R (-) p/ motociclistas e R
idealizada p/ os motoristas;
• RS dos “outros”: negativa p/ ambos os grupos;
• “Causas dos acidentes”: p/ ambos “desatenção”,
“imprudência”, “desrespeito às leis”;
• RS dos “responsáveis” e “justificativas”: ambos
atribuiram > culpa aos motociclistas.
Referências:
DA MATTA, R. O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco,
11ª ed., 2000.
FERREIRA, C.C. Acidentes motocicleta-carro: um estudo das
representações sociais no trânsito em Goiânia. Dissertação
de mestrado. PUC/Goiânia, 2006.
MACHADO, A.P. Um olhar da psicologia social sobre o trânsito.
In: HOFFMANN, M.H., CRUZ, R.M., ALCHIERI, J.C. (org)
Comportamento humano no trânsito; São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2003.
PEREIRA, M. S. F. (1997). As representações sociais das ações
dos condutores sobre a prática no volante do automóvel.
Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo.
VASCONCELOS, E. A. (1998). O que é trânsito? São Paulo:
Brasiliense.

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