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Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo


relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras
circunstâncias.

O indício coletado na cena do crime, após análise e confirmação


do vínculo com o delito torna-se evidência material, cuja tem grande valor
probatório na persecução penal se for corretamente preservada.
Evidência material pode ser qualquer elemento encontrado: grandes
objetos ou itens microscópicos. Dentre eles, destacamos aqui, intuito
deste artigo, as manchas de sangue.

O sangue encontrado em locais de crime, em pedaços de tecido,


veículos, ou em objetos apreendidos, é uma das evidências materiais de
destaque na investigação. Não é raro do direito penal uma mancha de
sangue sentenciar um criminoso. Se o procedimento de coleta,
transporte e análise for corretamente feito, o sangue encontrado pode
estabelecer uma forte relação entre o assassino, a vítima e a cena do
crime.

Os criminosos costumam modificar o local de crime, o lavando


para retirar as manchas de sangue aparentes, tornando-as invisíveis a
olho nu, mas as manchas latente pode ser detectadas por meio de
reveladores químicos, os quais serão exemplificados neste artigo.

Em uma cena de crime, o sangue encontrado servirá para


análises laboratoriais no intuito de qualificar o dono daquela amostra
(exames de DNA), caracterizar o uso de substâncias entorpecentes,
demonstrar o possível tipo de arma usada no delito, por meio da análise
dos respingos de sangue encontrados, mas a primeira investigação
realizada pelo perito criminal é ter a certeza de que o vestígio encontrado
é realmente sangue. Portanto, as técnicas de detecção devem ser
corretamente escolhidas, pois conforme será exposto, alguns agentes
químicos interferem na análise do DNA (ácido desoxirribonucléico),
degradam a mancha de sangue, o que torna inviável para teste
posteriores. Além do mais, o Código de Processo Penal brasileiro cita:

Art. 170. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para


a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados
com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.

Percebe-se que além de o composto químico usado não interferir


nos posteriores teste, ele também não pode reagir com o sangue
encontrando, de modo a impossibilitar a guarda de uma quantidade de
material para posterior contraprova.
O presente artigo tem o intuito de descrever um pouco sobre os
exames presuntivos para detecção de sangue, os quais são usados
pelos expertos em cenas de crime.

1.1  O SANGUE
O sangue é um vestígio frequentemente encontrado em cenas de
homicídio e outros crimes com envolvimento deviolência física.

Muitas vezes, não se consegue vincular o suspeito à mancha de


sangue encontrada, mas o resultado negativo de tal confronto é útil para
descartar o envolvimento de um cidadão.

O sangue, ao sair do organismo, degrada-se. A hemoglobina


oxida-se, o átomo de ferro muda de heme para hemina ou hematina, o
qual ocasiona alteração da cor da mancha de sangue de vermelha para
marrom.

No estado férrico, o grupo heme possui atividades catalíticas e


capacidade de participar em reações redox como um grupo de enzimas
chamadas peroxidases. Essa atividade é empregada como base dos
testes presuntivos para identificação de sangue.

2 TESTES PRESUNTIVOS PARA DETECÇÃO DE SANGUE


Este teste tem como princípio uma reação de oxidação de uma
substância (indicador) por um agente oxidante, catalisada na presença
de sangue.

O grupo heme da hemoglobina atua sobre o peróxido de


hidrogênio adicionado, liberando o oxigênio necessário para oxidar o
indicador utilizado. O resultado é um composto corado e emissão de
luminescência (SAWAYA e ROLIM, 2004).

Esses testes devem apresentar sensibilidade suficiente para


detectar manchas de sangue invisíveis a olho nu e não podem influenciar
o resultado de exames posteriores.

O suporte, ou seja, o material onde são encontradas as manchas


de sangue, influencia na sensibilidade dos exames presuntivos. Como
exemplo, fibras de algodão geram boas análises, pois retêm retenção
que os tecidos compostos por fibras sintéticas. Os testes que utilizam
indicadores quimioluminescentes, como o luminol, apresentam a grande
vantagem de detectarem, em curto período de tempo, traços de sangue
em grandes superfícies e em suportes escuros, mesmo após terem sido
lavados.

A seguir serão descritos os testes mais comentados no meio


pericial para se responder à pergunta inicial que seria saber se a mancha
encontrada é realmente sangue.

2.1 FENOLFTALEÍNA (REAGENTE DE KASTLE MEYER)


O reagente de Kastle-Meyer é constituído por uma mistura de
substâncias. Um exemplo de proporção seria 0,1 g de fenolftaleína, 2,0 g
de hidróxido de sódio (sob a forma de pellet), 2,0 g de pó de zinco
metálico e 10 mL de água destilada.

A mancha de sangue encontrada é macerada com água destilada


ou hidróxido de amônio concentrado. Selecionam-se gotas do macerado
e, após colocá-las em um tubo de ensaio, misturam-se gotas do
reagente. Adicionam-se à solução peróxido de hidrogênio a 5%.

A hemoglobina presente nas hemácias decompõe o peróxido de


hidrogênio (funciona como peroxidase) em água e oxigênio nascente.
Então, este oxigênio promoverá a forma colorida da fenolftaleína,
evidenciando a amostra de sangue.

Causas de erro no método incluem a presença de sais de ferro,


cobre, suco gástrico ou qualquer outra substância capaz de decompor a
molécula de H2O2 em água e oxigênio.

2.2 BENZIDINA (TESTE DE ADLER ASCARELLI)


O nome científico é 4,4’-diaminobifenil. É o teste presuntivo de cor
que possui maior sensibilidade, importante qualidade para um teste de
triagem.

A reação de oxidação da benzidina em meio ácido resulta na


formação de um intermediário de coloração azul, e, após alguns minutos,
de um produto final de coloração marrom. Como a reação é realizada em
duas etapas, reduz a possibilidade de resultados falso-positivos.

A presença de interferentes evidencia-se quando, antes da adição


do peróxido de hidrogênio, ocorrer alteração na coloração. O resultado
desta análise deve ser classificado como falso-positivo.
O poder carcinogênico da benzidina é um ponto desfavorável e
muitos profissionais evitam seu uso. Por isso é obrigatório utilização de
equipamentos de proteção individual (FREGEAU, 2000).

Resultados falso-negativos para o teste da benzidina foram


observados quando suco de limão foi adicionado a amostras de sangue.
Isso pode ter ocorrido devido à presença de ácido ascórbico presente no
limão, o qual é um forte agente redutor (PASCUAL e GRIFO, 1995).

Há pesquisas que indicam que manchas de sangue previamente


analisadas por benzidina têm testes posteriores com resultados
prejudicados, como exemplo, quantidades insuficientes de DNA para
análise.

Na prática, a benzidina apresenta efeito deletério sobre os testes


subseqüentes, degradando o DNA das manchas de sangue e inibindo
os testes imunológicos. Mas devido sua maior especificidade que os
testes quimioluminescentes e ótima sensibilidade, seu uso não deve ser
ignorado.

Portanto, a utilização deste teste presuntivo deve ser avaliada


previamente pelo perito criminal. Se há pouca amostra de sangue,
espalhada em pequena extensão do local de crime e o uso de benzidina
contamina todo o vestígio em questão, ela não deve ser o teste de
escolha.

2.3 LUMINOL (3-AMINOFTALHIDRAZINA)


É um teste com alta sensibilidade e baixa especificidade, pois
gera resultados falso-positivos com peroxidases de plantas, metais
(cobre, ferro e outros), produtos à base de cloro (hipoclorito) e
outros oxidantes. A sensibilidade da reação quimioluminescente é de
tal maneira grande que é possível a detecção de sangue mesmo que já
tenham passado até seis anos da ocorrência do crime.

A oxidação do luminol leva à formação de um íon aminoftalato em


um estado excitado, que emite luz quando o elétron retorna ao estado
fundamental (MARQUETTE, 2006).

A reação é muito rápida e necessita que o local esteja escuro


para a observação da luminescência (QUICKENDEN e COOPER, 2001).

O luminol é um composto lábil, precisa ser refrigerado e o preparo


da solução deve ser feito no momento do uso.
Conforme pesquisas, o luminol prejudica a realização de testes de
cor que utilizam como indicador a fenolftaleína. Testes imunológicos
confirmatórios para sangue e métodos sorológicos tradicionais podem
ser prejudicados pelo uso do luminol. Também já se demonstrou que o
luminol não tem efeito deletério sobre o exame de DNA extraído de
manchas de sangue encontradas na cena de crime, o que possibilita a
identificação dos envolvidos no delito.

A interferência do hipoclorito merece um destaque, pois a


luminescência gerada pelo hipoclorito presente em saneantes é emitida
em comprimento de onda diferente da luminescência emitida pela
hemoglobina e tem característica e tempo de duração desigual da
luminescência gerada por manchas de sangue. Há testes que indicam
que se o perito esperar algumas horas (aproximadamente 8 horas) para
aplicação do luminol ou adicionar glicina à preparação, evita-se a
interferência do alvejante.

No intuito de aperfeiçoar o uso do luminol, há no mercado uma


variante da fórmula original denominada Bluestar® Forensic.

O fabricante afirma que a luminescência emitida pelo Bluestar®


Forensic é mais forte e duradoura que a emitida pelo luminol, não requer
escuridão total para a caracterização da reação e as reações positivas e
as falso-positivas podem ser diferenciadas.

3 UM CASO CONCRETO
A morte de Isabella Nardoni, de cinco anos, em 29 de março de
2008, caso público e notório no país, foi desvendado por meio do auxílio
de técnicas de detecção de manchas de sangue:

No local foi encontrada uma fralda, suja de sangue. Apesar do


pouco material, foi feito exame de DNA, e a perícia constatou que era da
menina. A perícia técnica concluiu que a fralda teria sido usada para
estancar o sangue que saiu de um pequeno corte, também comprovou
que eram dela os pingos de sangue encontrados em outros cômodos do
apartamento.

O laudo pericial destacou que havia pingos de sangue de Isabella


no carro da família e na cadeirinha do bebê. A condenação do casal
Nardoni não se baseou apenas nas pesquisas de sangue da filha, mas
procurou-se ilustrar aqui, quanto é importante e robusta uma análise de
sangue encontrado no local de crime. A história é contada pelas
evidências.
 

CONCLUSÃO
Na atualidade existem várias possibilidades para análise de uma
mancha de sangue de local de crime.

Para a correta qualificação da mancha encontrada, deve-se


proceder a exames de DNA, sorologia e outros procedimentos, que
normalmente encarecem a pesquisa.

Por isso, os testes presuntivos devem se incluídos no


procedimento operacional das equipes periciais, pois ao contrário do que
se pensa, adicionar esta etapa é sinônimo de celeridade e economia na
perícia realizada.

A certeza de que se trata de sangue direciona as análises para


corretos.

Além do mais, o uso destes reagentes devem ser previamente


estudados pelo técnicos, pois há soluções com sensibilidades e
especificidades diferentes e dependendo do método de escolha, as
análises posteriores serão prejudicadas.

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