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^ Leitura 1

Vamos ler u m texto sobre as origens da escrita. E m seguida,


seguem algumas questões a serem respondidas por você.

A NECESSIDADE ECONÓMICA QUE LEVOU AO


DESENVOLVIMENTO DA PRIMEIRA FORMA DE ESCRITA
Tim Harford
Durante muito tempo, pelo menos até meados do século 20, não se
sabia ao certo por que as civilizações antigas tinham desenvolvido a
escrita. Teria sido por razões artísticas ou religiosas? Ou talvez para
permitir a comunicação com exércitos distantes?
Em 1929, o mistério cresceu ainda mais quando o arqueólogo alemão
Julius Jordan desenterrou uma vasta biblioteca de tábuas de argila
de cinco mil anos de idade. Essas tábuas eram até mais antigas do
que amostras descobertas na China, no Egito e na IVlesopotâmia e
continham gravações em uma escrita abstrata, que depois ficaria
conhecida como "cuneiforme".
As tábuas eram de Uruk, um vilarejo da Mesopotâmia nas margens
do rio Eufrates. Uruk era pequena para os padrões atuais, com
apenas alguns milhares de habitantes, mas na época (por volta de
3500 a.C.) era enorme. Essa grande cidade criou uma escrita que
por anos intrigou os estudiosos modernos. O que diziam aqueles
traços abstratos?

CONTAGEM POR CORRESPONDÊNCIA


As ruínas de Uruk e outras cidades mesopotâmicas estavam repletas
de pequenos objetos de barro em formato de cone, esfera ou cilin-
dro. Um arqueólogo chegou a brincar que pareciam supositórios.
Jájuliusjordan foi mais perceptivo e escreveu em um periódico que

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eram objetos com formas de "objetos do dia a dia — potes, pães


e animais".
IVlas para que serviam? Ninguém conseguia resolver o quebra-
-cabeça.
Pelo menos até a arqueóloga francesa Denise Schmandt-Besserat,
que, nos anos 1970, catalogou peças semelhantes encontradas na
região, desde a Turquia ao Paquistão. Ela acreditava que os objetos
tinham um propósito em comum: a contagem por correspondência.
As peças com forma de pães seriam usadas para contar pães, as
peças em forma de potes, para contar potes, e assim por diante. A
contagem por correspondência é simples: você não precisa saber
contar, basta olhar para comparar duas quantidades e verificar se
são ou não as mesmas.

ECONOMIA URBANA
Mas as peças de Uruk foram mais longe: eram usadas para regis-
trar a contagem de várias quantidades diferentes e podiam ser
usadas tanto para adicionar quanto para subtrair. É bom lembrar
que Uruk era uma cidade grande. Uma economia urbana exige
negociação, planejamento e tributação. Imagine os primeiros
contadores do mundo, sentados na porta do armazém do templo,
usando peças de pão para contar os sacos de grãos que chegavam
e partiam.
Denise Schmandt-Besserat destacou outra característica revolucio-
nária. As marcas abstratas nas tábuas cuneiformes combinavam
com as peças. Outros especialistas que se debruçaram sobre elas
não notaram isso porque a escrita não parecia representar imagens
de algo conhecido. Mas Schmandt-Besserat percebeu o que tinha
acontecido ali. As tábuas eram usadas para registrar o vai e vem
das peças que, por correspondência, marcavam o movimento de
ovelhas, grãos e potes de mel.
Talvez as primeiras tábuas tivessem inclusive impressões gravadas
pelas próprias peças pressionadas contra o barro. Até os contado-
res perceberem que talvez fosse mais fácil fazer marcas com uma
cunha, um antigo instrumento de inscrição em tábuas. A escrita
cuneiforme era, portanto, a imagem estilizada da impressão das
peças que representavam determinadas commodities. •
EQUIPAMENTO DE VERIFICAÇÃO
Denise Scfimandt-Besserat resolveu dois problemas de uma só vez.
As tábuas de barro adornadas com a primeira escrita abstrata do
mundo não eram usadas para poesia ou para enviar mensagens a
terras distantes. Elas foram usadas como um pioneiro sistema de
contabilidade. Também eram usadas como os primeiros contratos
escritos do mundo.
A combinação de peças e tábuas de escrita cuneiforme levou a
um dispositivo brilhante: uma bola de argila oca chamada bulia. As
peças representando as obrigações de um acordo eram_colocadas
no interior da bulia, que era então selada. As inscrições das peças
eram igualmente gravadas na parte externa do artefato.
As bulias eram uma espécie de contratos em envelopes, que eram
fechados por segurança para que os termos do acordo não fossem
alterados. A escrita na parte de fora e as peças dentro da bola de
argila deveriam ser iguais.
Não sabemos que tipo de acordo seriam — se eram dízimos reli-
giosos para o templo, impostos ou dívidas particulares. Mas tais
registros eram ordens de compra e recibos que tornavam possível
a complexa vida da cidade.
A maioria das transações hoje é baseada em contratos escritos.
Apólices de seguro, contas bancárias, títulos do governo, ações
corporativas e hipotecas são acordos escritos — e as bulias da Me-
sopotâmia são a primeira prova arqueológica de contratos escritos.
Os contadores de Uruk nos deram ainda outra inovação. Inicialmen-
te, para registrar cinco ovelhas bastava se gravar cinco símbolos de
ovelhas. Mais tarde, um sistema mais avançado envolvia o uso de
símbolos abstratos para diferentes números: cinco traços para o
número cinco, um círculo para dez, dois círculos e três traços para
23. Os números eram sempre usados para se referir à quantidade
de algo: não havia "dez" — e sim "dez ovelhas". Mas o sistema nu-
mérico era forte o suficiente para expressar grandes quantidades
— centenas ou milhares.
Como um todo, tratou-se de um conjunto de conquistas. Os cidadãos
de Uruk enfrentaram um enorme problema para qualquer economia
moderna — como lidar com uma rede de obrigações e compro-
missos à distância entre pessoas que não se conheciam bem, que

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talvez nunca se conhecessem. Resolver este problema significava


produzir uma cadeia de brilhantes inovações: não apenas a primeira
contabilidade e os primeiros contratos, mas a primeira matemática
e também a primeira escrita — que foi, portanto, uma ferramenta
desenvolvida por uma razão muito clara: gerenciar a economia.
(Fonte: BBC-Brasil, 12/06/17. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/geral-40245708. Acesso em 18/10/2018)

(1) O texto começa apresentando a seguinte questão geral: por


que as civilizações antigas t i n h a m desenvolvido a escrita?
Quais f o r a m as p r i m e i r a s hipóteses levantadas para essa
pergunta?
(2) E m seguida, há o relato de eventos que contribuíram para
se encontrar u m a resposta:
1° evento: A descoberta de tábuas de argila com escrita cunei-
forme.
(a) Quando e onde isso aconteceu?
(b) Quem fez essa descoberta?
2° evento: A descoberta de pequenos objetos em formato de
cone, esfera ou cilindro.
(a) O que eram esses objetos, segundo o arqueólogo Julius
Jordan?
(b) Que finalidade t e r i a m esses objetos, de acordo c o m a
arqueóloga Denise Schmandt-Besserat?
(c) Ao i n t u i r t a l finalidade, a que conclusão a arqueóloga
chegou sobre o que a escrita cuneiforme das tábuas de
argila estava registrando?
(d) Por f i m , ela percebeu u m a segunda finalidade para as
tábuas. Qual?
(3) Indique a resposta que o trabalho dos arqueólogos deu à
questão geral que retomamos em (1).
(4) U m dos estudiosos da história da escrita, o linguista ale-
mão F l o r i a n Coulmas, faz a seguinte afirmação, em seu
livro Escrita e sociedade (publicado no Brasil em 2014 pela
Parábola E d i t o r i a l , de São Paulo):

<$> "A origem da escrita coincidiu com a urbanização, ou seja,


com a emergência de formas complexas de organização
social em cidades e com uma atividade económica que
produz um excedente para além da subsistência. Não foi
uma coincidência; ao contrário, uma estimulou a outra"
(p. 41-42).

O texto sobre as tábuas de U r u k corrobora essa afirmação?


Por quê?

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