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© Richard P. Feynman, 1965
Título original: The Character of Physical Law
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2ª reimpressão, julho de 2017
Tiragem: 1.000 exemplares
Revisão: Tereza da Rocha
Projeto gráfico: Regina Ferraz
CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
F463s Feynman, Richard Phillips, 1918-1988
Sobre as leis da física / Richard Feynman ; tradução Marcel Novaes ; revisão técnica Nelson
Studart. – Rio de Janeiro : Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2012.
Tradução de: The character of physical law
ISBN (Contraponto) 978-85-7866-047-5
ISBN (Ed. PUC-Rio) 978-85-8006-060-7
1. Física. I. Título.
CDD: 530
CDU: 53
12-1981
Sumário

Nota da edição brasileira


Nelson Studart e Marcel Novaes

Introdução
Paul Davies

1. Gravitação, um exemplo de lei física

2. A relação entre a matemática e a física

3. Os grandes princípios de conservação

4. Simetria nas leis físicas

5. A distinção entre passado e futuro

6. Probabilidade e incerteza:
a visão quântica da natureza

7. Em busca de novas leis


Nota da edição brasileira

Richard P. Feynman (1918-1988) foi um cientista genial que se notabilizou


por sua personalidade espontânea e espirituosa. Deu importantes
contribuições à física em diversas áreas. Foi um dos visionários da
nanociência e da computação quântica. Seus trabalhos mais importantes
tratam das partículas elementares, com destaque para a teoria da
eletrodinâmica quântica, que unificou o eletromagnetismo, a mecânica
quântica e a teoria da relatividade restrita e lhe valeu o Prêmio Nobel de 1965.
Sua invenção dos “diagramas de Feynman” ajudou enormemente a execução
de sofisticados cálculos matemáticos nas teorias das partículas elementares.
Feynman passou vários meses no Brasil na década de 1950, quando
interagiu com cientistas brasileiros e desfilou no carnaval carioca, tocando
frigideira na bateria da Mangueira. Logo que recebeu o convite para visitar o
Brasil começou a estudar espanhol, mas depois aprendeu português. Aqui,
deu várias palestras, em especial uma sobre o ensino de física no Brasil, que
teve grande repercussão. Sempre arranjou tempo para se divertir, fora da
academia, realizando conquistas amorosas, descobrindo segredos de cofres,
desenhando nus, decifrando a escrita maia e tocando bongô, entre outras
excentricidades. Gênio iconoclasta, até hoje tem merecido inúmeras
biografias. Suas memórias foram traduzidas e divulgadas no mundo inteiro.
Sobre as leis da física é um conjunto de palestras em que ele fala das leis da
natureza: como devem ser descobertas, estabelecidas, reavaliadas, modificadas
e generalizadas. Elas mantêm grande interesse, pois oferecem uma discussão
simples, elegante e até filosófica das leis científicas usadas na descrição da
natureza, na visão de um dos maiores cientistas do século xx.

Nelson Studart e Marcel Novaes


Introdução
Paul Davies
Os historiadores da ciência acham chique dedicar atenção ao significado das
revoluções científicas. Cada revolução é acompanhada de um conjunto dos
chamados gênios — homens e mulheres cujas habilidades e imaginação
forçam a comunidade científica a abandonar velhos hábitos de pensamento e
abraçar conceitos novos e desconhecidos. O gênio é um fenômeno muito
estudado. Menos atenção se dá ao que se poderia chamar de estilo. Contudo,
no progresso científico, mudanças no estilo de trabalho podem ter um
impacto tão grande quanto o gênio convencional.
Richard Feynman tinha gênio e estilo pouco convencionais. Nascido em
1918, chegou tarde para participar da época de ouro da física, que nas três
primeiras décadas do século XX transformou nossa visão do mundo com as
revoluções gêmeas da teoria da relatividade e da mecânica quântica. Esses
desenvolvimentos arrebatadores lançaram os alicerces do edifício que hoje
chamamos nova física. Feynman partiu desses alicerces e ajudou a construir o
andar térreo da nova física. Suas contribuições, que alcançaram quase todos
os temas, tiveram uma influência profunda e duradoura na maneira como os
físicos pensam.
Feynman ficou conhecido por seu trabalho em física de partículas, mais
especificamente no tópico denominado eletrodinâmica quântica, ou QED.1
Esse problema deu origem à teoria quântica. Em 1900, Max Planck propôs
que a luz e outras radiações eletromagnéticas, até então vistas como ondas,
deveriam ser consideradas como pequenos pacotes de energia, ou quanta,
quando interagissem com a matéria;2 esses quanta ficaram conhecidos como
fótons. No início da década de 1930, os arquitetos da nova mecânica quântica
já tinham desenvolvido um formalismo matemático para descrever a emissão
e a absorção de fótons por partículas eletricamente carregadas, como os
elétrons. Essa formulação inicial da QED teve algum sucesso, mas a teoria era
precária. No final da década de 1940, o jovem Feynman dedicou-se a elaborar
uma teoria consistente da qed.
Encontrar uma base sólida para a QED exigia tornar a teoria consistente
não apenas com os princípios da mecânica quântica, mas também com os da
teoria da relatividade restrita. As duas teorias têm aparatos matemáticos
característicos, sistemas complicados de equações que podem ser combinados
e reconciliados para produzir uma descrição satisfatória da qed. Essa foi a
abordagem seguida pelos contemporâneos de Feynman. Mas ele próprio
pensou o problema de modo radicalmente diferente — a tal ponto que foi
capaz de escrever as respostas diretamente, sem usar matemática!
Para realizar esse feito intuitivo extraordinário, Feynman inventou um
sistema simples de diagramas que até hoje levam seu nome. Os diagramas de
Feynman são uma forma simbólica mas poderosa de representar o que
acontece quando elétrons, fótons e outras partículas interagem. Hoje, são um
auxílio rotineiro nos cálculos, porém, no começo da década de 1950
marcaram uma notável inovação na maneira de fazer ciência.
O problema técnico específico da QED foi um marco no desenvolvimento
da física, mas aqui serve apenas como ilustração do que se tornaria o estilo
particular de Feynman, um estilo que repercutiu na física do após-guerra e
produziu dúzias de desenvolvimentos importantes.
O estilo de Feynman pode ser mais bem descrito como uma mistura de
reverência e descaso pelo saber adquirido. A física é uma ciência exata. O
corpo de conhecimentos existente, embora incompleto, não pode ser
ignorado. Ainda bem jovem, Feynman compreendeu de modo formidável os
princípios aceitos pela física e escolheu trabalhar quase exclusivamente em
problemas convencionais. Ele não era o tipo de gênio que trabalha isolado, no
remanso da disciplina, e descobre algo novo. Seu talento especial era abordar
de maneira idiossincrática tópicos essencialmente tradicionais. Isso
significava descartar os formalismos existentes e desenvolver sua própria
abordagem, altamente intuitiva. A maioria dos físicos teóricos baseia-se no
cálculo matemático cuidadoso como guia e muleta quando entra em território
desconhecido. A atitude de Feynman era quase arrogante.
Seu jeito implicava não apenas um saudável desdém em relação a
formalismos rigorosos, mas também uma informalidade genuína na maneira
de pensar e comunicar o pensamento. É difícil descrever a profundidade do
gênio capaz de trabalhar com esse estilo. A física teórica é uma das atividades
humanas mais difíceis. Combina conceitos sutis e abstratos, que
normalmente desafiam visualizações, com uma complexidade técnica que não
se consegue dominar completamente. A maioria dos físicos só realiza
progressos quando adota os mais altos padrões de disciplina matemática e
conceitual. Feynman parecia passar por cima desse código estrito e colher
novos resultados como frutas maduras da árvore do conhecimento.
O estilo de Feynman deveu muito à personalidade do homem. Ele parecia
ver o mundo como uma enorme brincadeira, tanto na vida profissional
quanto na particular. O universo físico o presenteava com uma série de
quebra-cabeças e desafios fascinantes, do mesmo modo que o seu ambiente
social. Eterno brincalhão, Feynman tratava a autoridade e a academia com
irreverência semelhante à que mostrava diante do formalismo matemático
empolado. Sem paciência para tolices, quebrava as regras sempre que as
achava arbitrárias ou absurdas. Seus escritos autobiográficos contêm histórias
divertidas: Feynman sendo mais esperto que os serviços de segurança da
bomba atômica durante a guerra, Feynman abrindo cofres, Feynman
desarmando mulheres com um comportamento ultrajante. Ele tratava seu
Prêmio Nobel, concedido pelo trabalho com a qed, da mesma maneira
displicente, do tipo pegar ou largar.
Ao lado do desdém pela formalidade, Feynman tinha fascinação pelo
estranho e o obscuro. Muitos se lembram de sua obsessão por Tuva, um país
perdido na Ásia Central, deliciosamente capturada em um documentário
feito perto de sua morte, em 1988. Suas outras paixões incluíam tocar bongô,
pintar, frequentar clubes de striptease e decifrar textos maias.
A abordagem despreocupada de Feynman em relação à vida e à física fez
dele um soberbo comunicador. Tinha pouco tempo para preparar
conferências formais ou até mesmo para supervisionar estudantes de
doutorado no Instituto de Tecnologia da Califórnia, onde trabalhava. No
entanto, dava palestras brilhantes quando lhe convinha, usando toda a
espiritualidade, os insights penetrantes e a irreverência que empregava no
trabalho de pesquisa.
No meio da década de 1960, Feynman foi convidado a dar uma série de
palestras na Universidade de Cornell, no estado de Nova York, sobre as
especificidades das leis da física. As palestras foram gravadas pela bbc e
publicadas em livro. Eu adquiri minha cópia quando era um jovem estudante
no fim da década e achei as palestras cativantes. O que mais me impressionou
foi a maneira como Feynman desenvolvia profundas noções de física partindo
de recursos modestos em termos de conceitos, com quase nenhuma
matemática e pouco jargão. Ele sabia achar a analogia certa ou um exemplo
do cotidiano para destacar a essência de um princípio profundo sem
obscurecê-lo com detalhes contingentes e irrelevantes. Nunca esqueci sua
brilhante analogia entre a lei de conservação da energia e o problema de
tentar se secar com toalhas molhadas.
As palestras não pretendem ser uma revisão abrangente da física moderna.
São uma visão, à moda de Feynman, dos problemas e mistérios que
constituem o cerne da teoria física. Toda a física se baseia na noção de lei, na
crença de que vivemos em um Universo ordenado que pode ser
compreendido com o pensamento racional. Mas as leis da física não são uma
evidência quando observamos a natureza; estão escondidas, sutilmente
codificadas nos fenômenos que estudamos.
A lei física mais conhecida é a da gravitação, de Newton, analisada na
primeira palestra de Feynman; outras leis referem-se às poucas forças da
natureza que descrevem como as partículas de matéria interagem umas com
as outras. Feynman tem o mérito de ter sido um dos raros cientistas na
história a descobrir uma nova lei da física, que descreve como a força nuclear
fraca afeta o comportamento de certas partículas subatômicas.
A física de partículas de altas energias dominou a geração de Feynman,
com seus enormes e glamorosos aceleradores e suas listagens, aparentemente
infinitas, de partículas subatômicas. Feynman pesquisou principalmente esse
tópico. Um grande tema unificador de interesses entre os físicos de partículas
foi o papel da simetria e das leis de conservação na organização do
“zoológico” subatômico. Muito do conteúdo das palestras de Cornell tem a
ver com o status dessa simetria e das leis de conservação abstratas no mundo
subatômico. Apesar de a física de partículas ter avançado muito desde a
década de 1960, as palestras permanecem bastante relevantes.
Um contraste notável com o interesse de Feynman pela simetria é sua
palestra sobre assimetria, o chamado problema da flecha do tempo. Sua
fascinação por esse tópico data de seu doutorado, orientado por John
Wheeler em pleno turbilhão da Segunda Guerra Mundial. O problema
original dizia respeito à tentativa de construir uma teoria eletrodinâmica que
pudesse conter simetricamente o passado e o futuro. Esse foi o primeiro
encontro de Feynman com a eletrodinâmica, que depois floresceria em seu
premiado trabalho em qed. A flecha do tempo permanece essencialmente não
resolvida e continua exercitando as mentes dos físicos teóricos. A magistral
exposição de Feynman sobre a natureza do problema, reproduzida aqui, é um
ensaio clássico sobre esse tópico fascinante.
As ideias discutidas neste volume devem ser consideradas, por quaisquer
critérios, como profundamente filosóficas. Não obstante, Feynman
alimentava uma suspeita permanente em relação aos filósofos. Conversei com
ele sobre a natureza da matemática e das leis da física, ponderando se é
possível considerar que as leis matemáticas abstratas possuem uma existência
independente, como queria Platão. Ele deu uma explicação hábil e irreverente
para o fato de isso parecer verdadeiro, mas logo recuou quando pedi que
assumisse uma posição filosófica específica. Foi igualmente cauteloso quando
tentei induzi-lo ao tema do reducionismo. Recapitulando, acho que Feynman
não desprezava os problemas filosóficos. Assim como era capaz de criar uma
bela física matemática sem matemática sistemática, também tinha belos
insights filosóficos sem filosofia sistemática. Abominava o formalismo, não o
conteúdo.
É improvável que o mundo conheça outro Richard Feynman, um homem
de seu tempo. Seu estilo funcionou muito bem no interregno de revoluções
que precisavam ser consolidadas, com a exploração de suas consequências. A
física do após-guerra tinha bases seguras e estruturas teóricas maduras, mas
estava aberta à exploração. O estilo de Feynman inspirou uma geração de
cientistas. Este livro permanece o melhor testemunho de sua estimulante
visão.

1 Da sigla em inglês para Quantum Electrodynamics. [n.t.]


2 Uma imprecisão histórica do autor. Planck propôs a quantização da energia dos átomos, que chamou
de ressonadores. Quem quantizou a radiação eletromagnética, confrontando a bem estabelecida
teoria de Maxwell-Hertz, foi Einstein, em 1905, no trabalho revolucionário em que introduziu o
conceito de quantum de radiação. [n.t.]
1
Gravitação, um exemplo de lei física

Nas raras ocasiões em que me pediram que tocasse bongô, o apresentador,


estranhamente, nunca considerou necessário mencionar que eu também sei
física teórica. Talvez respeitemos mais as artes que as ciências. Os artistas do
Renascimento diziam que a principal preocupação do homem deveria ser o
próprio homem, mas existem outras coisas interessantes no mundo. Até
mesmo os artistas apreciam o pôr do sol, as ondas do mar, a marcha das
estrelas no céu. Há razões para falar de outras coisas de vez em quando.
Obtemos prazer estético com essa contemplação, mas também existem ritmos
e padrões não aparentes nos fenômenos da natureza, que só podem ser vistos
com os olhos da análise científica. A esses ritmos e padrões chamamos leis da
física. Nesta série de palestras quero analisar as características gerais dessas
leis; trata-se de outro nível, digamos, mais geral que as próprias leis. Vou
considerar a natureza como ela é vista depois de uma análise detalhada, mas
gostaria de falar principalmente das suas qualidades mais gerais.
Este tópico tão geral tende a se tornar demasiado filosófico. Para que todos
possam compreender, fala-se de forma genérica, de modo que tudo parece ser
filosofia profunda. Quero fazer algo diferente: gostaria de ser entendido
honestamente, não de maneira vaga. Nesta primeira palestra, em vez de
generalidades, tratarei de uma lei física, para que vocês tenham pelo menos
um exemplo do tipo de coisas sobre as quais estou falando genericamente.
Poderei usar esse caso outras vezes, como exemplo, ou para tornar mais
concreto algo que de outra forma seria muito abstrato.
Como exemplo especial de lei física, escolhi a teoria da gravitação, o
fenômeno da gravidade. Não sei por que a escolhi. Foi uma das primeiras
grandes leis a serem descobertas e tem uma história interessante. Vocês
poderiam dizer: “Certo, mas é coisa antiga. Eu gostaria de aprender uma
teoria mais moderna.” Mais recente, talvez, mas não mais moderna. A ciência
moderna pertence exatamente à mesma tradição da descoberta da lei da
gravitação. Falaríamos apenas de descobertas mais recentes. Não me sinto
nem um pouco mal de falar sobre a lei da gravitação, pois ao descrever sua
história, seus métodos, a maneira como foi descoberta e suas qualidades,
estarei sendo absolutamente moderno.
Essa lei foi chamada “a maior generalização concebida pela mente
humana”. Pela minha introdução, vocês já terão entendido que não estou tão
interessado na mente humana, mas sim na maravilha que é a natureza
obedecer a uma lei tão simples e elegante quanto a lei da gravitação. Meu foco
não está na nossa esperteza em tê-la descoberto, mas na esperteza da natureza
em obedecê-la.
A lei da gravitação diz que dois corpos exercem, um sobre o outro, uma
força que varia inversamente com o quadrado da distância entre eles e
diretamente com o produto de suas massas. Matematicamente, podemos
escrever essa grande lei com uma fórmula:

A força é igual a alguma constante multiplicada pelo produto das duas


massas, dividido pelo quadrado da distância. Se eu acrescentar que um corpo
reage a uma força acelerando, ou mudando sua velocidade a cada segundo
por uma quantidade inversamente proporcional à sua massa, então terei dito
tudo o que é necessário sobre a lei da gravitação. O restante decorre
matematicamente dessas duas coisas. Sei que vocês não são matemáticos e
não podem ver imediatamente todas as consequências desses dois fatos.
Então, gostaria de lhes contar brevemente a história da descoberta, algumas
consequências, os efeitos que ela teve na história da ciência, os mistérios que
essa lei esconde, algo sobre os aperfeiçoamentos feitos por Einstein e a relação
dessa lei com outras leis da física.
Em poucas palavras, a história é a seguinte. Os antigos observaram a
maneira como os planetas se moviam no céu e concluíram que todos,
inclusive a Terra, giravam em torno do Sol. Essa descoberta foi feita muito
mais tarde, de forma independente, por Copérnico, quando as pessoas já
tinham esquecido o assunto. Então, outras questões tiveram que ser
estudadas: como, exatamente, eles se movem em torno do Sol, ou seja, com
que tipo de órbita? Será que se movem ao longo de uma circunferência com o
Sol no centro ou seguem outro tipo de curva? Quão rápido andam? E assim
por diante. Essas descobertas demoraram.
Na época de Copérnico, havia grandes debates para saber se os planetas de
fato giravam em torno do Sol, se a Terra ocupava o centro do Universo e
assim por diante. Tycho Brahe3 encontrou uma maneira de responder à
questão: pensou que talvez fosse uma boa ideia observar com cuidado e
anotar onde, exatamente, os planetas apareciam no céu. Assim, as diferentes
teorias poderiam ser comparadas entre si. Essa é a chave da ciência moderna e
foi o começo da verdadeira compreensão da natureza — a ideia de observar as
coisas, anotar os detalhes e esperar que as informações obtidas tragam pistas
para escolher entre uma e outra interpretação teórica. Tycho era um homem
rico e tinha uma ilha perto de Copenhague. Equipou a ilha com grandes
instrumentos de bronze em posições favoráveis à observação e, noite após
noite, registrou as posições dos planetas.4 Só com esse tipo de trabalho duro
podemos descobrir alguma coisa.
Depois de coletados, esses dados foram parar nas mãos de Kepler,5 que,
usando o método de tentativa e erro, procurou analisar que tipo de
movimento os planetas faziam em torno do Sol. Em dado momento ele achou
que tinha tido êxito; imaginou que eles giravam em círculos, com o Sol no
centro. Mas notou que um dos planetas — Marte, se não me engano — estava
fora de posição oito minutos de arco. Tycho Brahe não cometeria um erro tão
grande. Logo, sua própria resposta não estava correta. Graças à precisão dos
experimentos, ele pôde continuar tentando e descobriu três coisas.
Primeiro: os planetas se movem em elipses em torno do Sol, com o Sol
ocupando um dos focos. Uma elipse é uma curva que todos os artistas
conhecem porque é como um círculo em perspectiva. As crianças também a
conhecem porque alguém lhes ensinou que se você coloca um anel num
pedaço de corda, com as duas pontas fixas, um lápis passando por dentro do
anel desenhará uma elipse (figura 1).

Figura 1
Os pontos A e B são os focos. A órbita dos planetas em torno do Sol é uma
elipse com o Sol em um dos focos. A próxima questão é: ao girar ao longo da
elipse, qual a velocidade do planeta? Será que vai mais rápido quando está
perto do Sol e mais devagar quando está longe? Kepler encontrou a resposta
para isso também (figura 2).

Figura 2
Ele descobriu que se você olha a posição do planeta em dois momentos
separados por um período definido — digamos, três semanas — e desenha
linhas (tecnicamente chamadas raios vetores) do Sol para o planeta, então a
área compreendida pela órbita do planeta e as duas linhas que separam suas
posições com três semanas de diferença é a mesma em qualquer região da
órbita. Para varrer a mesma área, o planeta deve se mover mais rapidamente
quando está mais perto do Sol e mais lentamente quando está mais longe.
Alguns anos depois Kepler descobriu uma terceira lei, que não diz respeito
apenas ao movimento de um único planeta, mas relaciona vários planetas uns
com os outros. Ela diz que o tempo que um planeta leva para dar a volta em
torno do Sol está relacionado com o tamanho da órbita, e esses tempos
variam com a raiz quadrada do cubo do tamanho da órbita, sendo esse
tamanho dado pelo eixo maior da elipse.
Kepler descobriu essas três leis, que podem ser resumidas assim: as órbitas
são elipses, áreas iguais são varridas em tempos iguais e a duração de uma
volta completa varia com a potência 3/2 do tamanho da órbita, ou seja, a raiz
quadrada do cubo do eixo maior. Essas três leis de Kepler descrevem
inteiramente o movimento dos planetas em torno do Sol.
A próxima questão era: o que faz os planetas se moverem em torno do Sol?
No tempo de Kepler algumas pessoas diziam que havia anjos atrás deles,
batendo asas e empurrando os planetas ao longo das órbitas. Essa resposta
não está muito distante da verdade. A única diferença é que os anjos apontam
em outra direção: suas asas empurram para dentro.
Nesse meio-tempo, Galileu estava investigando as leis do movimento dos
objetos aqui na Terra. Fazendo experimentos para ver como bolas rolavam
em planos inclinados, como pêndulos oscilavam e assim por diante, ele
descobriu um grande princípio, chamado princípio da inércia: se nenhuma
força agir sobre um objeto que se move a certa velocidade em linha reta, ele
manterá a velocidade e permanecerá na mesma linha para sempre. É
inacreditável para quem já fez uma bola rolar: se essa idealização for correta e
se não houver influências, como atrito com o chão etc., a bola se moverá a
uma velocidade constante para sempre.
O próximo passo foi dado por Newton: “E se o objeto não se move em
linha reta?” Ele respondeu da seguinte maneira: é necessária uma força para
alterar a velocidade. Por exemplo, se você empurra uma bola na mesma
direção em que ela se move, ela se moverá com mais rapidez; se ela mudar de
direção, a força terá sido aplicada de lado. A força pode ser medida pelo
produto de dois fatores. Quanto a velocidade muda em um curto intervalo de
tempo? Isto se denomina aceleração. Quando ela é multiplicada por um
coeficiente chamado massa do objeto, ou coeficiente de inércia, então tudo
isso junto é a força, que pode ser medida. Por exemplo, se prendo uma pedra
em uma linha e a faço girar sobre minha cabeça, tenho de puxá-la, pois,
apesar de a velocidade não se alterar com o giro, ela está mudando de direção;
deve haver sempre uma força, proporcional à massa, voltada para o centro. Se
pegássemos dois objetos diferentes e girássemos um e depois o outro à mesma
velocidade sobre a cabeça, e então medíssemos a força, uma força seria maior
que a outra na proporção em que uma massa fosse maior que a outra. Essa é
uma maneira de medir as massas por meio da força necessária para mudar a
velocidade. Vejamos um exemplo simples: Newton viu que nenhuma força é
necessária para que um planeta que gira em torno do Sol saia pela tangente —
isso é o que aconteceria se não houvesse uma força. Mas os planetas não saem
pela tangente; eles se curvam na direção do Sol, seu movimento é defletido
em direção ao Sol. Os anjos devem bater suas asas sempre na direção do Sol.

Figura 3
A tendência de os planetas andarem sempre em linha reta não tem causa
conhecida. Não descobrimos a razão pela qual as coisas mantêm seu
movimento para sempre. A lei da inércia não tem origem conhecida. Os anjos
não existem, mas a conservação do movimento existe; para obtermos o
movimento de queda, é necessária uma força. A origem da força devia ser o
Sol. Newton conseguiu demonstrar que o fato de áreas iguais serem varridas
em tempos iguais é uma consequência direta da ideia simples de que todas as
variações de velocidade ocorrem na direção do Sol, mesmo no caso da elipse.
Na próxima palestra mostrarei com mais detalhes como isso funciona.
A partir dessa lei, Newton confirmou que a força age na direção do Sol.
Sabendo como os períodos dos planetas variavam com a distância do Sol, ele
deduziu que a força diminui com a distância; assim, conseguiu determinar
que a força varia com o inverso do quadrado da distância.
Até aqui Newton não disse nada novo, só reformulou ideias que Kepler
apresentara em outra linguagem. Uma delas é a de que a força age na direção
do Sol, enquanto a outra é a de que a força é inversamente proporcional ao
quadrado da distância.
Mas, através de telescópios, as pessoas haviam visto os satélites girando em
torno de Júpiter. Aquilo parecia um pequeno sistema solar, como se os
satélites fossem atraídos para Júpiter. A Lua gira em torno da Terra, atraída
da mesma maneira. Parece que tudo é atraído em direção a tudo o mais. O
próximo passo foi generalizar e dizer que todos os objetos se atraem. Sendo
assim, então a Terra deve atrair a Lua como o Sol atrai os planetas. Sabemos
que a Terra, de fato, atrai as coisas: todos vocês estão colados nas cadeiras,
apesar de desejarem flutuar no ar. A atração dos objetos para o chão é o
conhecido fenômeno da gravidade. Newton teve uma ideia: a gravidade que
mantinha a Lua em órbita podia ser a mesma que atraía os objetos para o
chão.
É simples calcular quanto a Lua cai em um segundo, pois sabemos o
tamanho da órbita e sabemos que a Lua leva um mês para dar uma volta na
Terra. Se estimarmos quanto ela se move em um segundo, podemos estimar
quanto sua órbita se desvia da linha reta, aquela que ela seguiria se nenhuma
força atuasse. Essa distância é 1/20 de uma polegada. A Lua está sessenta
vezes mais longe do centro da Terra do que nós; estamos a 4 mil milhas do
centro, enquanto a Lua está a 240 mil milhas. Se a lei do inverso do quadrado
estiver certa, um objeto na superfície da Terra deve cair em um segundo a
distância de 1/20 de polegada r 3.600 (o quadrado de 60), pois daqui até a Lua
a força decai, de acordo com a lei, por um fator 60 r 60. Ora, 1/20 de polegada
r 3.600 são cerca de 16 pés. Desde as medidas de Galileu sabia-se que os
corpos caem 16 pés por segundo na superfície da Terra. Newton estava na
pista certa. Não havia como voltar atrás, pois um fato novo, até então
completamente independente (o período da Lua e sua distância da Terra),
havia sido conectado a outro fato (a distância percorrida por um corpo em
queda, em um segundo, na superfície da Terra). Foi um teste dramático: tudo
estava certo.
Newton fez outras previsões. Conseguiu calcular a forma que a órbita
deveria ter se a força fosse mesmo o inverso do quadrado, demonstrando que,
de fato, o resultado era uma elipse — obteve três leis a partir de uma. Outros
fenômenos passaram a ter explicações óbvias. Um deles é o das marés; elas
são causadas pela atração da Lua sobre a Terra e suas águas. Isso já havia sido
pensado antes, mas havia dificuldades, pois se o nível da água sobe no lado
mais próximo à Lua, por causa da atração, então deveria haver apenas uma
maré por dia (figura 4). Sabemos que acontecem marés a cada doze horas, ou
seja, duas marés por dia.
Figura 4
Outra escola de pensamento chegou a uma conclusão diferente: os
continentes é que seriam mais atraídos pela Lua, deixando as águas para trás.
Newton foi o primeiro a compreender o que acontece: a força da Lua sobre os
continentes e sobre as águas é a mesma à mesma distância, mas a água em y
está mais próxima da Lua do que a parte sólida do planeta, enquanto em x
está mais distante; a água é mais puxada para a Lua em y e menos em x do que
as partes sólidas; a combinação dos dois cenários causa a maré dupla.
Na verdade, a Terra e a Lua giram. A força da Lua sobre a Terra é
compensada, mas pelo quê? Pelo seguinte: da mesma maneira que a Lua gira
em resposta à força da Terra, a Terra também gira. O centro em torno do qual
as duas giram está em algum lugar dentro da Terra. Como as duas giram em
torno do mesmo centro, as forças se compensam para a parte sólida,
enquanto a água é menos atraída pela Lua em x e mais em y, alongando-se
dos dois lados. As marés foram então explicadas, compreendendo-se o fato de
haver duas por dia. Muitos outros fenômenos ficaram claros: a Terra é
redonda porque tudo é atraído para o centro, e não porque esteja em rotação,
sendo necessária uma pequena deformação em sua forma para assegurar o
equilíbrio; o Sol e a Lua são redondos pela mesma razão etc.
Conforme a ciência se desenvolveu e as medidas se mostraram mais
precisas, os testes da lei de Newton ficaram mais exigentes. Os primeiros
testes delicados foram feitos com as luas de Júpiter. Observações precisas e
prolongadas do movimento delas permitiram checar se tudo estava de acordo
com Newton. Não estava. As luas de Júpiter pareciam às vezes oito minutos
adiantadas, às vezes oito minutos atrasadas em relação ao que se calculava a
partir da lei de Newton. Percebeu-se algo curioso: elas pareciam adiantadas
quando Júpiter estava mais perto da Terra e pareciam atrasadas quando o
planeta estava mais longe. Confiante na lei da gravitação, Römer6 chegou à
interessante conclusão de que a luz leva algum tempo para viajar de Júpiter à
Terra, de modo que, quando olhamos as luas, não as vemos onde estão agora,
mas onde estavam algum tempo antes, o tempo necessário para a luz chegar
até nós. Quando Júpiter está mais próximo, a luz leva menos tempo para
chegar; quando Júpiter está mais longe, leva mais tempo, de modo que é
preciso corrigir as observações de acordo com essa diferença. Assim, Römer
conseguiu determinar a velocidade da luz; foi a primeira demonstração de
que a propagação da luz não é instantânea.
Quando uma lei está certa, ela pode ser usada para descobrir outra lei. Se
temos confiança numa lei e algo parece errado, isso pode sugerir outro
fenômeno. Se não conhecêssemos a lei da gravitação, teríamos levado muito
mais tempo para descobrir a velocidade da luz, pois não saberíamos o que
esperar dos satélites de Júpiter. Houve uma avalanche de descobertas, cada
qual fornecendo as ferramentas para outras. Foi o começo de um processo
que já acontece continuamente há quatrocentos anos. Continuamos surfando
nessa avalanche em alta velocidade.
Outro problema surgiu. Os planetas não deveriam se mover realmente em
elipses, pois as leis de Newton dizem que eles não são atraídos só pelo Sol,
mas também um pouco uns pelos outros — só um pouquinho, mas esse
pouquinho deveria alterar ligeiramente as órbitas. Júpiter, Saturno e Urano
eram grandes planetas conhecidos. A atração de cada um sobre os demais
deveria alterar as elipses perfeitas sugeridas por Kepler. Esse efeito foi
calculado. No fim das contas e de todas as observações, concluiu-se que
Júpiter e Saturno se moviam de acordo com os cálculos, mas havia algo
estranho com Urano. Era outra oportunidade para encontrar um defeito nas
leis de Newton. Mas coragem! Dois homens, Adams e Leverrier,7 fizeram
cálculos separadamente, quase ao mesmo tempo, e propuseram que as
estranhezas de Urano eram devidas a um planeta desconhecido. Escreveram
cartas para os respectivos observatórios, dizendo: “Apontem o telescópio para
tal lugar e vocês verão um planeta.” “Que absurdo”, disse um dos
observatórios, “um sujeito sentado, com lápis e papel na mão, querer nos
dizer para onde devemos olhar para encontrar um novo planeta.” O outro
observatório era mais... bem, a administração era diferente, digamos assim, e
eles encontraram Netuno!
No começo do século XX ficou claro que o movimento do planeta
Mercúrio não estava absolutamente certo. Isso causou muito problema e só
foi explicado quando Einstein mostrou que as leis de Newton precisavam de
uma ligeira modificação.
Até onde essa lei alcança? Ela é válida fora do sistema solar? Na prancha 1
mostro evidências de que a lei da gravitação vale numa escala maior do que
apenas o sistema solar. Temos uma série de três fotos de algo chamado estrela
dupla. Felizmente, há uma terceira estrela na foto, de modo que podemos ver
que elas realmente estão girando, uma em torno da outra. Ninguém virou as
fotos, o que é fácil fazer com fotos astronômicas. As estrelas estão realmente
girando. Podemos ver suas órbitas na figura 5. É evidente que elas estão se
atraindo e se movendo em elipses, de acordo com o esperado. Vemos uma
sucessão de posições, em vários momentos, que giram no sentido horário.
Você estará satisfeito até perceber, se já não percebeu, que o centro não
coincide com um foco da elipse, pois está um pouco deslocado. Algum
problema com a lei? Não. Deus não nos presenteou com essa órbita de frente;
ela está inclinada em um ângulo qualquer. Se você pegar uma elipse, marcar
os focos, inclinar o papel em um ângulo enviesado e olhar para ele em
projeção, verá que os focos não precisam coincidir com os focos da imagem
projetada. A órbita aparece desse jeito porque está inclinada no espaço.

Prancha 1. Três fotografias tiradas em momentos


diferentes do mesmo sistema de estrela dupla.
Prancha 2. Um aglomerado globular de estrelas.

Prancha 3. Uma galáxia espiral.


Prancha 4. Um aglomerado de galáxias.

Prancha 5. Uma nebulosa gasosa.


Prancha 6. Evidência da criação de novas estrelas.
Figura 5
Que acontece em distâncias maiores? A gravitação age entre duas estrelas;
será que ela pode se estender por distâncias que não são apenas duas ou três
vezes maiores que o diâmetro do sistema solar? Na prancha 2 vemos algo que
é 100 mil vezes maior que o diâmetro do sistema solar; é um tremendo
aglomerado de estrelas. A grande mancha branca não é algo sólido. Parece ser
porque os instrumentos não permitem maior resolução, mas na realidade são
minúsculos pontos brancos, assim como as outras estrelas, muito distantes
umas das outras, cada qual passeando por esse grande aglomerado globular
sem colidir com as outras. É uma das coisas mais bonitas do céu, tão bonita
quanto as ondas do mar e o pôr do sol. A distribuição desse material é
perfeitamente clara. O que mantém a galáxia coesa é a atração gravitacional
entre as estrelas. A distribuição de material e a estimativa das distâncias
permitem deduzir aproximadamente qual é a lei da força entre as estrelas... É
claro: é a lei do inverso do quadrado! Mas a precisão dos cálculos e das
medidas nesse caso não chega nem perto da que conseguimos no sistema
solar.
A gravidade se estende por distâncias ainda maiores. Aquele aglomerado é
apenas um pontinho dentro da grande galáxia da prancha 3, que mostra uma
galáxia típica. Novamente é claro que a coisa é mantida junta por alguma
força, e o único candidato razoável é a gravidade. Quando chegamos a essa
escala não temos como checar a lei do inverso do quadrado, mas parece que
não há dúvida de que a gravidade se estende mesmo nesses grandes
aglomerados de estrelas, mesmo nessas distâncias — essas galáxias têm de 50
mil a 100 mil anos-luz de tamanho, enquanto a distância da Terra ao Sol é de
apenas 8 minutos-luz. A prancha 4 é uma evidência de que a gravidade se
estende ainda mais longe. Isso é o que se chama um aglomerado de galáxias;
elas estão juntas da mesma maneira que os aglomerados de estrelas, mas
agora o que se junta são aquelas gracinhas da prancha 3.
Isso é da ordem de 1/10, talvez 1/100 do tamanho do Universo, até onde se
estende a nossa evidência direta de que a força gravitacional atua. A gravidade
da Terra não tem limite, apesar de você ler por aí que algo saiu do campo
gravitacional. Ela se torna cada vez mais fraca, de maneira inversamente
proporcional ao quadrado da distância. É dividida por quatro quando
duplicamos a distância, até se perder na confusão dos campos mais fortes de
outras estrelas. Junto com as estrelas ao seu redor, a Terra atrai outras estrelas
para formar a galáxia, e galáxias juntas puxam outras galáxias para formar
aglomerados de galáxias. O campo gravitacional da Terra nunca termina, mas
decai de acordo com uma lei precisa, provavelmente até os limites do
Universo.
A lei da gravitação, diferentemente de diversas outras leis, é muito
importante no funcionamento do Universo. Há lugares em que a gravidade
tem aplicações práticas que afetam o Universo, mas o conhecimento da lei da
gravitação tem relativamente poucas aplicações, em comparação com outras
leis da física. Nesse sentido, escolhi um caso atípico. Mas sempre que
escolhermos um exemplo qualquer estaremos forçados a reconhecer que ele,
de algum modo, é atípico. É uma das maravilhas do mundo. Só posso pensar
em aplicações dessa lei em prospecção geofísica, na previsão das marés e, mais
recentemente, no cálculo da trajetória de satélites e sondas que enviamos ao
espaço. Ela também serve para calcular as posições dos planetas, muito úteis
para astrólogos que publicam suas previsões em horóscopos de revistas.
Vivemos em um mundo estranho, no qual os avanços do conhecimento são
usados para perpetuar absurdos que existem há mais de 2 mil anos.
Devo mencionar alguns casos importantes em que a gravitação tem um
efeito essencial no comportamento do Universo. Um dos mais interessantes é
a formação de novas estrelas. A prancha 5 mostra uma nebulosa gasosa
dentro de nossa galáxia; não é um amontoado de estrelas, é um gás. As
manchas pretas são locais em que o gás foi comprimido ou atraído por si
mesmo. Talvez isso comece como uma onda de choque, mas o restante do
fenômeno se deve à atração gravitacional, que atrai o gás para mais e mais
perto de modo que grandes quantidades de gás e de pó se unem e formam
bolas; quando eles se aproximam ainda mais, o calor gerado pela compressão
acende essas bolas e elas viram estrelas. Na prancha 6 temos alguma evidência
da criação de novas estrelas.
É assim que as estrelas nascem: quando o gás se adensa demais por causa da
gravidade. Às vezes, quando explodem, elas expelem poeira e gases, os quais
se unem novamente e formam novas estrelas — parece um movimento
perpétuo.
Já mostrei que a gravitação se estende por grandes distâncias, mas Newton
disse que tudo atrai tudo. Será verdade que duas coisas se atraem? Temos
algum modo de fazer um teste mais direto em vez de esperar para ver se os
planetas se atraem? Um teste assim foi feito por Cavendish8 com o
equipamento que você vê representado na figura 6. A ideia é pendurar por
um fio de quartzo muito fino uma barra com duas bolas, e então colocar
próximo a elas, nas posições indicadas, outras duas bolas maiores de chumbo.
A atração das bolas causaria uma pequena torção do fio; a força gravitacional
entre objetos comuns é muito pequena. Mesmo assim, foi possível medir a
força entre as duas bolas. Cavendish chamou seu experimento de “pesando a
Terra”. Com o ensino meticuloso e pedante de hoje, não deixaríamos nossos
alunos dizerem isso; diríamos “medindo a massa da Terra”. A partir de seu
experimento, Cavendish foi capaz de medir a força, as massas e a distância, e
assim determinar G, a constante gravitacional. Você vai dizer: “Sim, mas
temos a mesma situação no caso de um objeto atraído pela Terra. Sabemos
qual a força de atração, a massa do objeto, a distância da Terra ao objeto, mas
não sabemos nem a massa da Terra nem a constante, só a combinação das
duas.” Medindo a constante e sabendo alguns fatos sobre a atração da Terra, a
massa da Terra pode ser determinada.

Figura 6
Esse experimento foi a primeira determinação — indireta — de quão
pesada ou maciça é a bola sobre a qual estamos. Esse resultado foi uma
conquista incrível. Por isso, acho eu, Cavendish chamou seu experimento de
“pesando a Terra” e não de “determinando a constante na equação
gravitacional”. Aliás, ele estava pesando o Sol e tudo o mais ao mesmo tempo,
pois a atração do Sol pode ser conhecida da mesma maneira.
Outro teste interessante para a lei da gravitação é verificar se a atração é
exatamente proporcional à massa. Se isso for verdade — se os movimentos
induzidos por forças e as mudanças de velocidade forem inversamente
proporcionais à massa —, isso significa que as velocidades de dois objetos de
massas diferentes vão variar da mesma maneira em um mesmo campo
gravitacional; ou que dois corpos diferentes, independentemente de suas
massas, cairão sempre juntos no vácuo. Esse foi o antigo experimento que
Galileu realizou na torre de Pisa.9 Esse fato também significa, por exemplo,
que um objeto que esteja dentro de um satélite artificial irá orbitar a Terra da
mesma maneira que um objeto que esteja fora, parecendo flutuar. O fato de a
força ser exatamente proporcional à massa e as acelerações serem
inversamente proporcionais à massa tem essa consequência muito
interessante.
Qual a precisão disso? Isso foi medido em um experimento feito por um
homem chamado Eötvös em 1909 e muito mais recentemente por Dicke, que
verificou a lei da gravitação com a precisão de uma parte por 10 bilhões.10 As
forças são exatamente proporcionais à massa. Como é possível medir com
tamanha precisão? Suponha que você queira verificar se isso é válido para a
atração do Sol. Você sabe que o Sol atrai tudo, inclusive a Terra. Mas suponha
que você queira saber se a atração é exatamente proporcional à inércia. O
primeiro experimento foi feito com sândalo; depois usaram-se chumbo e
cobre, e hoje se usa polietileno. A Terra está girando em torno do Sol, então
os objetos são atirados para fora por inércia. Mas eles são atraídos pelo Sol de
uma maneira que depende da massa. Se dois objetos forem atraídos pelo Sol
de um modo que não seja exatamente proporcional à inércia, então um deles
tenderá a se aproximar do Sol e o outro, a se afastar. Nesse caso, se os objetos
forem colocados nas extremidades de uma barra pendurada por um fio de
quartzo de Cavendish, o aparelho deve se torcer em direção ao Sol. Sabe-se,
com aquela precisão de Dicke, que essa torção não existe. Logo, a atração do
Sol sobre os dois objetos é exatamente proporcional ao efeito centrífugo, que
é inercial; portanto, a força de atração sobre um objeto é exatamente
proporcional ao seu coeficiente de inércia, ou, em outras palavras, à sua
massa.
Há uma coisa particularmente interessante. A lei do inverso do quadrado
aparece novamente na eletricidade, entre cargas. Talvez o inverso do
quadrado da distância tenha algum significado profundo. Ninguém
conseguiu demonstrar se eletricidade e gravidade são diferentes aspectos da
mesma coisa. Nossas teorias atuais, as leis da física, são uma coleção de partes
e peças diferentes que não se encaixam muito bem. Não temos uma estrutura
única a partir da qual se deduza tudo; temos várias peças que não se encaixam
perfeitamente. Por isso, nestas palestras, em vez de poder dizer a vocês qual é
a lei da física, tenho de falar sobre o que é comum a várias leis; não
entendemos as conexões entre elas.11 É muito estranho que haja diversas
coisas idênticas nessas leis. Vamos voltar à lei da eletricidade.
A força diminui com o quadrado da distância, mas o que é notável é a
tremenda diferença na intensidade das forças elétrica e gravitacional. A
eletricidade é tão mais poderosa que a gravidade, que é difícil acreditar que
possam ter a mesma origem. Como posso dizer que uma coisa é mais
poderosa que outra? Depende da carga e da massa envolvidas. Você não pode
falar sobre quão forte é a gravidade dizendo “Eu pego um objeto desse
tamanho”, porque você escolheu o tamanho. Se quisermos entender algo que
a natureza produz — um número puro, próprio dela, que não tem nada a ver
com polegadas ou anos ou nossas próprias dimensões —, podemos fazê-lo da
seguinte maneira. Tomemos uma partícula fundamental, como o elétron —
outra partícula resultaria em outro número, mas, para termos uma ideia,
tomemos os elétrons. Dois elétrons são duas partículas fundamentais que se
repelem inversamente com o quadrado da distância, por causa da
eletricidade, e se atraem inversamente com o quadrado da distância, por
causa da gravidade.
Pergunta: qual a razão entre a força gravitacional e a força elétrica? Isso é
ilustrado na figura 7: é um número com 42 dígitos. Aqui reside um mistério
profundo. Qual a origem de um número tão tremendo? Se tivéssemos uma
única teoria da qual pudéssemos tirar essas duas forças, como elas iriam
aparecer em tal desproporção? Que equação tem uma solução que resulta em
dois tipos de forças, uma de atração, outra de repulsão, com essa fantástica
razão?
Figura 7
As pessoas procuram essa razão em outros lugares; esperam encontrar
algum outro número enorme. Se você quer um número enorme, que tal
pensar no diâmetro do Universo dividido pelo diâmetro do próton? Por
incrível que pareça, esse também é um número com 42 dígitos. Já se propôs
que a razão entre as forças elétrica e gravitacional deve ser a mesma que existe
entre o diâmetro do Universo e o do próton. Mas o Universo está se
expandindo. Isso significa que a constante gravitacional diminui com o
tempo. É uma possibilidade, mas não há evidência de que isso esteja
ocorrendo. Há evidências parciais de que a constante gravitacional nunca
mudou, de modo que esse número tremendo permanece um mistério.
Para terminar de falar na teoria da gravitação, devo dizer mais duas coisas.
Uma é que Einstein teve de modificá-la para ajustá-la aos princípios da
relatividade. O primeiro desses princípios é que nada ocorre
instantaneamente, enquanto na teoria de Newton a força é instantânea. Ele
teve de modificar as leis de Newton, mas as modificações têm efeitos muito
pequenos. Um deles é que, como todas as massas caem, então a luz também
deve cair, pois tem energia, e energia equivale a massa. Isso significa que um
raio de luz passando perto do Sol deve ser desviado; e de fato é.12 Além disso,
a lei da gravitação, ligeiramente modificada na teoria de Einstein, torna-se
capaz de explicar a pequena discrepância que havia sido encontrada no
movimento de Mercúrio.
Finalmente, descobrimos que o comportamento da matéria em pequenas
escalas obedece a leis muito diferentes das que regem as coisas em grandes
escalas. Então a questão é: como a gravidade aparece em escalas pequenas?
Isso seria uma teoria quântica da gravidade, que ainda não existe. Ninguém
teve pleno sucesso em propor uma teoria consistente com o princípio da
incerteza e outros princípios da mecânica quântica.
Você vai dizer: “Sim, você nos contou o que acontece, mas o que é a
gravidade? De onde ela vem? O que ela é? Você está querendo dizer que um
planeta olha para o Sol, vê quão longe ele está, calcula o inverso do quadrado
da distância e então se move de acordo com a lei?” Em outras palavras,
embora eu tenha enunciado a lei matemática, não dei nenhuma pista sobre o
mecanismo físico. Discutirei isso na próxima palestra, que tratará da relação
entre a matemática e a física.
Agora, eu gostaria de enfatizar algumas características que a gravidade tem
em comum com outras leis que mencionamos de passagem. Primeiro, ela tem
expressão matemática; as outras também têm. Segundo, não é exata. Einstein
teve de modificá-la, e sabemos que não está perfeita, pois ainda precisaremos
colocar a teoria quântica dentro dela. Também é assim com todas as outras
leis: não são exatas. Sempre há uma fronteira de mistério, um lugar onde nos
resta fazer um ajuste. Essa pode ser ou não uma propriedade da natureza, mas
é algo comum a todas as leis que conhecemos hoje. Talvez seja apenas falta de
conhecimento.
A gravidade é simples, isso é que é o mais impressionante. É simples
enunciar seus princípios e não deixar nada vago sobre a ideia dessa lei. Sendo
simples, é bela. É simples em sua regularidade. Não quero dizer que suas
aplicações sejam simples — pode ser muito complicado calcular os
movimentos dos vários planetas e as perturbações que causam uns sobre os
outros, e está além de nossa capacidade calcular o movimento de todas
aquelas estrelas em uma galáxia. As aplicações da lei são complicadas, mas o
padrão básico do sistema por trás de tudo é simples. Isso é comum a todas as
leis; todas se revelam simples, embora suas aplicações sejam complexas.
Finalmente, há a universalidade da lei da gravitação e o fato de que ela se
estende por distâncias tão enormes que Newton, partindo do sistema solar,
foi capaz de prever o que aconteceria no experimento de Cavendish. O
pequeno modelo de Cavendish, com duas bolas se atraindo, precisa ser
expandido 10 bilhões de vezes para que se compare ao sistema solar. Numa
escala 10 bilhões de vezes maior, encontramos galáxias que se atraem
exatamente conforme a mesma lei. A natureza usa um fio muito longo para
tecer suas tramas, mas um pequeno pedaço do tecido revela a organização de
toda a tapeçaria.

3 Tycho Brahe (1546-1601), astrônomo dinamarquês.


4 Brahe construiu muitos instrumentos de bronze e madeira, em forma circular, que são chamados
quadrantes. [n.t.]
5 Johann Kepler (1571-1630), astrônomo e matemático alemão, que trabalhou com Brahe.
6 Olaus Römer (1644-1710), astrônomo dinamarquês.
7 John Couch Adams (1819-1892), astrônomo e matemático. Urbain Leverrier (1811-1877), astrônomo
francês.
8 Henry Cavendish (1731-1810), físico e químico inglês.
9 Para vários historiadores, é pouco provável que Galileu tenha feito essa experiência. Pode ser apenas
mais um mito da ciência. [n.t.]
10 Barão Roland von Eötvös (1848-1919), físico húngaro, e Robert Henry Dicke (1916-1997), físico
americano.
11 São conhecidas hoje quatro forças na natureza: gravitacional, eletromagnética, fraca e forte. Em certo
intervalo de energias, as forças eletromagnética e fraca se unem para formar a força eletrofraca. Há
físicos que sonham com uma grande unificação de todas elas. Einstein foi um deles. [n.t.]
12 As primeiras evidências desse fato foram obtidas durante o eclipse solar em Sobral, no estado do
Ceará, em 1919, o que deu enorme popularidade a Einstein. [n.t.]
2
A relação entre a matemática e a física

Quando pensamos na relação entre a matemática e a física, parece


perfeitamente natural que a matemática seja útil quando há situações
complexas que envolvem grandes números. Na biologia, por exemplo, a ação
de um vírus em uma bactéria não é matemática. Se olharmos através de um
microscópio, veremos que um pequeno vírus se contorce e acha espaço numa
bactéria de formato qualquer — todas têm formatos diferentes — para
colocar ali seu dna. Mas, se fizermos o experimento com milhões de bactérias
e vírus, poderemos aprender bastante fazendo médias. Usamos a matemática
para calcular essas médias e estimar se os vírus se desenvolvem naquela
bactéria, quais novas linhagens são produzidas e em qual porcentagem; dessa
maneira podemos estudar genética, mutações e assim por diante.
Para usar um exemplo mais simples, imagine um grande tabuleiro de
damas. Uma única jogada não requer matemática — ou apenas uma
matemática muito simples. Mas você pode imaginar um tabuleiro enorme,
com muitas peças. Uma análise dos melhores movimentos, de quais são os
movimentos bons ou ruins, exige algum tipo de raciocínio bastante
elaborado, que requer recolhimento e reflexão. Isso poderia ser chamado de
matemática, pois envolveria um raciocínio abstrato. Outro exemplo são os
circuitos de computador. Se você tem uma única chave, que pode estar ligada
ou desligada, não há nada muito matemático nisso, embora os matemáticos
gostem de começar a matemática por aí. Mas entender o que um grande
sistema faz, com todos os fios e interconexões, requer matemática.
A matemática tem uma tremenda aplicação na análise de fenômenos físicos
complexos. Ela garante as regras fundamentais do jogo. Eu passaria a maior
parte do tempo discutindo isso se estivesse falando apenas da relação entre a
matemática e a física. Mas, como estamos em uma série de palestras sobre as
leis da física, não posso analisar o que acontece em situações complicadas.
Passo imediatamente a outra questão: o caráter das leis fundamentais.
Se voltarmos ao nosso jogo de damas, as leis fundamentais são aquelas de
acordo com as quais se movem as peças. Em uma situação complexa, a
matemática pode ser aplicada para se descobrir uma jogada boa. Mas ela não
é especialmente necessária quando se trata de esclarecer o caráter
fundamental das leis básicas, que podem ser formuladas na linguagem
comum para o jogo de damas.
Na física, estranhamente, precisamos da matemática mes mo quando
tratamos de leis fundamentais. Darei dois exemplos. Em um deles não
precisamos de matemática; no outro, sim. A chamada lei de Faraday diz que,
na eletrólise, a quantidade de material depositado é proporcional à
intensidade da corrente e ao tempo de ação dessa corrente. Ou seja, a
quantidade de material depositado é proporcional à quantidade de carga que
passa pelo sistema. Isso soa muito matemático, mas o que acontece é que cada
elétron que passa pelo fio tem uma carga. Por exemplo, para depositar um
átomo talvez seja necessário um elétron; então o número de átomos
depositados é necessariamente igual ao número de elétrons que passaram e,
portanto, proporcional à carga que atravessou o circuito. Ou seja, aquela lei
que parecia tão matemática não tem uma base muito profunda nem requer
um conhecimento real de matemática. Que um elétron seja necessário para
que cada átomo seja depositado é algo matemático, suponho, mas não é desse
tipo de matemática que estou tratando.
Por outro lado, consideremos a lei da gravitação, de Newton, que
discutimos na última vez. Apresentei a equação
só para impressioná-los com a rapidez com que os símbolos matemáticos
podem transmitir informação. Eu disse que a força era proporcional ao
produto das massas dos dois objetos e inversamente proporcional ao
quadrado da distância entre eles; também disse que os corpos reagem a forças
mudando suas velocidades, ou seus movimentos, na direção da força e em
uma quantidade proporcional à força e inversamente proporcional a suas
massas. Tudo isso são palavras. Não preciso necessariamente escrever uma
equação. No entanto, parece matemática, e nos perguntamos como isso pode
ser uma lei fundamental. O que o planeta faz? Ele olha para o Sol, vê a
distância em que está e calcula em sua calculadora interna o inverso do
quadrado da distância para então saber como deve se mover? Isso não explica
o mecanismo da gravitação! Talvez você queira investigar mais. Muita gente
tentou investigar mais. Questionaram Newton a respeito de sua teoria: “Ela
não significa nada, não diz nada.” Ele respondeu: “Diz como os corpos se
movem, não por quê. Isso deveria bastar.” Mas as pessoas muitas vezes não
ficam satisfeitas sem um mecanismo. Vou descrever uma teoria, entre outras,
do tipo de você poderia querer. A teoria sugere que esse efeito é o resultado
de um grande número de ações, e isso explicaria a sua natureza matemática.
Suponha que exista um número muito grande de partículas viajando por aí
em alta velocidade. Elas vêm de todas as direções e de vez em quando nos
atingem num bombardeio. Nós, assim como o Sol, somos quase transparentes
para elas, mas não completamente; algumas acabam nos acertando. Olhe,
então, o que aconteceria (figura 8). S é o Sol e T é a Terra. Se o Sol não
estivesse lá, aquelas partículas estariam bombardeando a Terra de todos os
lados, transmitindo-lhe pequenos impulsos por causa do pingue-pongue
daquelas que acertam nela. Isso não iria chacoalhar a Terra em nenhuma
direção particular, porque elas estariam vindo tanto de um lado quanto do
outro, tanto de cima quanto de baixo. Entretanto, quando o Sol está presente,
as partículas que vêm daquela direção são parcialmente absorvidas por ele;
algumas passam, outras não. Assim, as partículas que vêm da direção do Sol
passam a ser em menor número do que as que vêm de outras direções.
Quanto mais longe estiver o Sol, menor a proporção de partículas que serão
absorvidas, em relação ao total de partículas que vêm de todas as direções. O
Sol vai parecer menor — de fato, inversamente com o quadrado da distância.
Portanto, a Terra receberia um impulso inversamente proporcional ao
quadrado da distância na direção do Sol. Seria o resultado de um grande
número de pequenas ações, simples colisões, uma após outra, provenientes de
todas as direções. A relação matemática seria menos estranha, pois a operação
fundamental seria muito mais simples do que calcular o inverso do quadrado
da distância. Esse mecanismo de colisão de partículas, digamos, calcula
sozinho.

Figura 8
O único problema desse esquema é que ele não funciona, por outras razões.
Qualquer teoria precisa ser analisada à luz de todas as suas possíveis
consequências, para podermos ver se prediz alguma outra coisa. O esquema
acima prediz outra coisa. Se a Terra se move, mais partículas a atingiriam pela
frente do que por trás (quando você corre na chuva, mais gotas o atingem no
rosto do que atrás da cabeça, pois você corre na direção da chuva). Ao se
mover, a Terra estaria indo em direção às partículas que vêm ao seu encontro
e fugindo daquelas que vêm de trás. Mais partículas a atingiriam de frente do
que de trás. Haveria uma força que resistiria ao movimento. Essa força frearia
a Terra em sua órbita, e o movimento não duraria os 3 ou 4 bilhões de anos
(pelo menos) pelos quais a Terra tem girado em torno do Sol. É o final
daquela teoria. “Bem”, você pode dizer, “era uma boa ideia e nos livrou da
matemática por algum tempo. Talvez eu possa inventar uma melhor.” Talvez
você possa, porque ninguém sabe o dia de amanhã. Mas até hoje, desde os
tempos de Newton, ninguém inventou outra descrição teórica do aparato
matemático por trás dessa lei que não diga simplesmente a mesma coisa, ou
não torne sua matemática mais difícil, ou não preveja incorretamente algum
fenômeno.
Se essa fosse a única lei com tal característica, seria interessante, mas um
pouco irritante. Mas quanto mais investigamos, mais leis encontramos; e
quanto mais fundo penetramos na natureza, mais essa “doença” persiste.
Cada uma das nossas leis é um enunciado puramente matemático que assume
uma forma bastante complexa e obscura. A formulação da lei da gravitação,
por Newton, envolve uma matemática relativamente simples. A coisa fica
mais e mais obscura, mais e mais difícil conforme prosseguimos. Por quê?
Não sei. Pretendo apenas apresentar-lhes esse fato. Quero enfatizar que é
impossível explicar honestamente as belezas das leis da natureza sem nenhum
conhecimento de matemática. Sinto muito, mas parece que é assim.
Você pode dizer: “Tudo bem; se não há explicação da lei, pelo menos me
diga em que consiste a lei. Por que você não usa palavras em vez de símbolos?
A matemática é apenas uma linguagem, tudo o que quero é traduzir essa
linguagem.” Posso fazer isso, com paciência, e acho que parcialmente já fiz.
Poderia ir mais longe e explicar mais detalhadamente que a equação implica
que se a distância for duas vezes maior, a força será 1/4 do que era, e assim
por diante. Poderia converter todos os símbolos em palavras. Ou seja, poderia
ser gentil com os leigos que esperam sentados, esperançosos de que lhes
expliquem tudo. Há pessoas conhecidas pela habilidade em explicar aos
leigos, em linguagem leiga, esses assuntos obscuros e difíceis. O leigo vai
então de livro em livro, na esperança de evitar as complexidades que
aparecem até com os melhores expositores. Na medida em que lê, encontra
uma confusão crescente, uma afirmação complicada após outra, uma coisa
difícil de entender após outra, todas sem relação aparente. Tudo se torna
obscuro, e ele espera que em outro livro haja uma explicação. Aquele autor
quase conseguiu, quem sabe outro tenha sucesso...
Isso não ocorrerá, pois a matemática não é apenas outra linguagem.
Matemática é linguagem mais raciocínio, é linguagem mais lógica. É uma
ferramenta do raciocínio. É uma grande coleção de resultados de
pensamentos e raciocínios elaborados. Com a matemática é possível ligar
uma afirmação a outra. Por exemplo, posso dizer que a força age na direção
do Sol. Também posso dizer, como fiz, que os planetas se movem de modo a
varrer áreas iguais em tempos iguais. Posso explicar cada uma dessas
afirmações minuciosamente, mas a quem não sabe matemática não posso
explicar por que elas são equivalentes. As enormes complexidades aparentes
da natureza, com todas as suas estranhas regras e leis, estão intimamente
relacionadas. Cada uma delas pode ser explicada, mas, se você não aprecia
matemática, não pode ver que a lógica lhe permite passar de um fato a outro,
em meio à grande variedade de fatos.
Pode parecer inacreditável que seja possível demonstrar que áreas iguais
serão varridas em tempos iguais se a força apontar na direção do Sol.
Permitam-me apresentar uma demonstração de que essas coisas são
realmente equivalentes, para que vocês possam apreciar mais do que apenas
os enunciados das duas leis. Vou mostrar que elas estão conectadas, de modo
que para ir de uma à outra só precisamos raciocinar; matemática é raciocínio
organizado. Assim vocês apreciarão a beleza da relação entre os enunciados.
Figura 9
Vou provar que se as forças estiverem na direção do Sol, então áreas iguais
serão varridas em tempos iguais. Comecemos com o Sol e um planeta (figura
9) e imaginemos que em certo momento o planeta está na posição 1. Ele se
move de tal maneira que um segundo depois está na posição 2. Se o Sol não
exercesse uma força sobre o planeta, então, pelo princípio de inércia de
Galileu, ele se moveria em linha reta. Um segundo depois teria percorrido a
mesma distância sobre a mesma linha, até a posição 3. Primeiro vamos
mostrar que, se não há força, então áreas iguais são varridas em tempos
iguais. Lembremos que a área de um triângulo é a base vezes a metade da
altura, e a altura é a distância vertical entre a base e o vértice oposto. Se o
triângulo for obtuso (figura 10), a altura é a vertical AD e a base é BC. Agora
vamos comparar as áreas que seriam varridas se o Sol não exercesse nenhuma
força (figura 9). As duas distâncias, 1-2 e 2-3, são iguais, lembrem-se. A
questão é: serão as áreas iguais? Consideremos o triângulo formado pelo Sol e
os pontos 1 e 2. Qual é sua área? É a base 1-2 multiplicada pela metade da
altura. E quanto ao outro triângulo, aquele que corresponde ao movimento de
2 a 3? Sua área é a base 2-3 vezes a metade da altura. Os dois triângulos têm a
mesma altura e a mesma base; portanto, a mesma área. Até aqui, tudo bem. Se
não houvesse força a partir do Sol, áreas iguais seriam varridas em tempos
iguais. Mas há uma força que vem do Sol. Durante o intervalo 1-2-3, o Sol
atrai o planeta, alterando o movimento dele em sua direção. Para termos uma
boa aproximação da situação, vamos tomar a posição central em 2 e dizer que
o efeito durante o intervalo 1-3 foi alterar o movimento na direção da reta S-2
(figura 11).7

Figura 10
Figura 11
O planeta estava se movendo na linha 1-2 e, se não houvesse força, teria
continuado na mesma linha no próximo segundo. Mas, por causa da
influência do Sol, o movimento foi alterado na direção da reta S-2. O
movimento seguinte é uma combinação entre o que o planeta tenderia a fazer
e a mudança provocada pela ação do Sol. Então o planeta não vai para a
posição 3 e sim para a posição 4. Vamos, então, comparar as áreas dos
triângulos 23S e 24S. Vou mostrar que são iguais. Eles têm a mesma base, S-2.
Têm a mesma altura? Claro, pois estão contidos entre linhas paralelas. A
distância de 4 a S-2 é igual à distância de 3 a S-2. Portanto, a área do triângulo
24S é igual à do triângulo 23S. Como provei antes que S12 e S23 tinham a
mesma área, agora sabemos que S12 = S24. Assim, na órbita verdadeira do
planeta as áreas varridas em segundos consecutivos são iguais. O raciocínio
mostra a conexão entre dois fatos: a força atua na direção do Sol e as áreas são
iguais. Não é engenhoso? Tomei o argumento diretamente de Newton. Veio
diretamente dos Principia, com os diagramas e tudo o mais. Só as letras são
diferentes, pois ele escrevia em latim e esses são numerais arábicos.
Em seu livro, Newton só fez demonstrações geométricas. Hoje não usamos
mais esse tipo de raciocínio, e sim o raciocínio analítico, com símbolos.
Desenhar os triângulos certos, calcular as áreas e deduzir todo o resto exige
habilidade. Houve avanços nos métodos analíticos, que se tornaram mais
rápidos e mais eficientes. Quero mostrar como isso fica na notação da
matemática moderna, na qual não fazemos nada mais que escrever símbolos.
Vamos examinar a variação da área, que representamos por A•. A área
varia quando o raio gira. A velocidade dessa variação é dada pelo produto da
componente da velocidade ortogonal ao raio vezes o raio. Essa é a distância
radial multiplicada pela velocidade, ou taxa de variação da distância.

A questão, agora, é se a taxa de variação da área também varia. Em


princípio, isso não deve ocorrer. Então diferenciamos novamente, e isso é
apenas um pequeno truque em que colocamos pontos nos lugares certos.
Você precisa aprender os truques, ou seja, as regras que são úteis para esse
tipo de coisa. Escrevemos

O primeiro termo nos diz para tomarmos a componente da velocidade que


é ortogonal à velocidade. Ela é zero; a velocidade está sempre na sua própria
direção. A aceleração, que é a segunda derivada, r com dois pontos, ou a
derivada da velocidade, é a força dividida pela massa.
Isso diz que a taxa de variação da taxa de variação da área é a componente
da força que é ortogonal ao raio. Mas se a força está na direção do raio,
conforme Newton disse, então não há força ortogonal ao raio. Ou seja, a taxa
de variação da área não varia.
Isso mostra o poder da análise feita com outra notação. Newton sabia mais ou
menos como fazer esse tipo de cálculo, usando uma notação um pouco
diferente, mas escreveu tudo de maneira geométrica, pois queria que as
pessoas compreendessem seus textos. Ele inventou o cálculo, que é a
matemática que acabei de mostrar.
Essa é uma boa ilustração da relação entre a matemática e a física. Quando
os problemas da física se tornam difíceis, costumamos pedir ajuda aos
matemáticos, que podem já ter estudado aquele tipo de coisa e preparado
uma linha de raciocínio para seguirmos. Se não tiverem feito isso, temos de
inventar nossa própria linha de raciocínio, que depois passamos aos
matemáticos. Todos os que pensam meticulosamente sobre alguma coisa
contribuem para o conhecimento em determinado domínio. Se você pegar o
que é essencial e mandar para o Departamento de Matemática, eles o colocam
em livros como uma área da matemática.
A matemática, portanto, é uma maneira de passar de um conjunto de
enunciados a outro. Ela é útil na física, é claro, porque temos diferentes
maneiras de falar sobre as coisas. A matemática nos permite desenvolver as
consequências, analisar as situações e mudar as leis de diferentes maneiras, de
modo a conectar vários enunciados. Na verdade, a quantidade total de
conhecimento de um físico é muito pequena. Ele só precisa lembrar as regras
que o levam de um lugar a outro. Assim, está a salvo, pois todos os
enunciados sobre tempos iguais, sobre a força ser na direção do raio e assim
por diante estão conectados logicamente.
Surge então uma questão interessante. Existe um lugar a partir do qual se
começa a deduzir todo o resto? Existe algum padrão, ou ordem natural, que
nos permita pensar que um conjunto de enunciados é mais fundamental ou
tem mais consequências? Há duas maneiras de olhar a matemática, que para o
propósito desta palestra vou chamar de tradição babilônica e tradição grega.
Nas escolas babilônicas, o aluno manejava grande número de exemplos até
captar a ideia geral. Ele devia conhecer muita geometria, muitas propriedades
dos círculos, o teorema de Pitágoras, fórmulas para as áreas de cubos e
triângulos; além disso, aprendia argumentos para passar de uma coisa a outra
e usava tabelas numéricas para resolver equações complicadas. Tudo era
preparado para que se calculassem coisas. Euclides, porém, descobriu que
havia uma maneira de deduzir todos os teoremas da geometria a partir de um
conjunto simples de axiomas. Na abordagem babilônica — ou o que estou
chamando de matemática babilônica —, você conhece os teoremas e as
conexões entre eles, mas nunca percebe que tudo aquilo poderia vir de alguns
poucos axiomas. A matemática mais moderna se concentra em axiomas e
demonstrações, no interior de um rigoroso esquema de convenções sobre o
que é aceitável e o que não é aceitável como axioma. A geometria moderna
pega algo semelhante aos axiomas de Euclides, modificados para ficarem mais
perfeitos, e então mostra as deduções do sistema. Por exemplo, não se
imagina que um teorema como o de Pitágoras (a soma dos quadrados dos
catetos é o quadrado da hipotenusa) seja um axioma. Mas, do ponto de vista
da geometria cartesiana, o teorema de Pitágoras é um axioma.
Mesmo na matemática podemos começar de lugares diferentes. Se todos
esses teoremas estão interconectados logicamente, não existe meio de dizer
quais são os axiomas fundamentais, pois, se alguém escolhesse outros, você
também seria capaz de levar adiante o raciocínio. É como uma estrutura com
muitas partes e muitas conexões; se algumas partes se soltam, você pode
conectar o restante de outra maneira. A atual tradição matemática é começar
de algumas ideias particulares, que são escolhidas como axiomas por meio de
alguma convenção, e então construir a estrutura a partir delas. O que chamei
de a ideia babilônica é dizer: “Eu sei isso, aquilo e talvez aquilo outro; faço
tudo a partir daí. Talvez amanhã eu me esqueça de que isso é verdade, mas
posso lembrar que alguma outra coisa é verdade e reconstruir tudo de novo.
Nunca sei direito onde devo começar e onde vou terminar. Só sei o suficiente,
todo o tempo, para montar tudo de novo todo dia, conforme a memória se
apaga e as peças vão caindo.”
O método de começar sempre dos axiomas não é muito eficiente para obter
teoremas. Não avançaríamos muito em geometria se precisássemos retornar
sempre aos axiomas. Se memorizarmos algumas coisas em geometria, sempre
poderemos chegar a outros lugares, mas é muito mais eficiente fazer as coisas
de outro modo. Decidir quais são os melhores axiomas não é necessariamente
a maneira mais eficiente de avançar. Na física, precisamos do método
babilônico e não do método euclidiano ou grego. Deixem-me explicar por
quê.
O método euclidiano torna os axiomas mais interessantes e mais
importantes. Mas, no caso da gravitação, por exemplo, estamos colocando a
questão: é mais importante, mais básico, ou seja, um axioma melhor é dizer
que a força age na direção do Sol ou que áreas iguais são varridas em tempos
iguais? De certo ponto de vista, o enunciado que fala da força é melhor. Se
digo quais são as forças, posso lidar com um sistema de muitas partículas no
qual as órbitas não são elipses, pois a afirmação sobre a força fala da atração
recíproca. Nesse caso, o teorema sobre áreas iguais não se aplica. Assim,
parece que a lei de força deveria ser escolhida como axioma. Por outro lado,
em um sistema de muitas partículas o princípio das áreas iguais pode ser
generalizado para outro teorema. É um pouco complicado enunciar isso, e
não tão elegante quanto a afirmação original sobre áreas iguais, mas é
claramente um desdobramento.

Figura 12
Considere um sistema de muitas partículas — digamos Júpiter, Saturno, o
Sol e várias estrelas — interagindo umas com as outras e olhe de longe para
ele, projetado sobre um plano (figura 12). As partículas se movem em várias
direções. Definimos um ponto qualquer e calculamos qual área está sendo
varrida pelo raio que vai desse ponto a cada uma das partículas. Nesse cálculo,
as massas mais pesadas contam mais; se uma partícula é duas vezes mais
pesada que outra, sua área conta duas vezes mais. Então contamos as áreas
varridas, atentando para a proporção das massas, e somamos tudo. O
resultado final não varia com o tempo. Esse total se chama momento angular,
e essa é a chamada lei de conservação do momento angular. Conservação
significa simplesmente que a quantidade não se altera. Uma das
consequências disso é a seguinte. Imaginem um monte de estrelas se unindo
para formar uma nebulosa ou uma galáxia. No princípio, elas estão muito
distantes do centro, com grandes raios vetores, movendo-se lentamente e
varrendo uma área pequena. Conforme se aproximam, as distâncias até o
centro se encurtam. Quando elas estiverem muito próximas, os raios serão
muito pequenos, de modo que para varrer a mesma área por segundo elas
precisam se mover muito mais rapidamente. As estrelas giram cada vez mais
depressa conforme se aproximam, e assim podemos entender,
aproximadamente, o formato espiral da nebulosa. Assim também podemos
entender como um patinador gira. Ele começa com a perna aberta, movendo-
se lentamente, e gira mais rápido conforme encolhe a perna. Quando a perna
está esticada, ela contribui com certa área por segundo; quando ele a encolhe,
precisa girar mais rápido para varrer a mesma área. Mas não provei a lei para
o caso do patinador: ele usa força muscular, e a gravidade é uma força
diferente. Mesmo assim, isso tudo é válido para o patinador.
Agora temos um problema. Às vezes podemos deduzir de um pedaço da
física, como a lei da gravitação, um princípio que se revela mais geral que o
que foi usado na sua demonstração. Isso não acontece em matemática; não se
aplicam teoremas em lugares onde eles não deveriam estar. Em outras
palavras, se disséssemos que a lei de áreas iguais, da gravitação, é um
postulado da física, então poderíamos deduzir a conservação do momento
angular, mas apenas para a gravitação. Entretanto, descobrimos
experimentalmente que a conservação do momento angular é muito mais
geral. Newton tentou outros postulados, a partir dos quais podia obter a lei
mais geral de conservação do momento angular, mas essas leis newtonianas
estavam erradas.13 Não havia forças, as partículas não tinham órbitas, era
tudo furado. Mesmo assim, o resultado análogo, a versão transformada desse
princípio sobre áreas e a conservação do momento angular, ainda funcionava.
Funciona inclusive, até onde sabemos, para os movimentos atômicos da
mecânica quântica. Esses princípios amplos perpassam as diferentes leis.
Se levarmos as deduções muito a sério e ficarmos com a impressão de que
uma coisa só é válida porque alguma outra é válida, então não poderemos
entender as interconexões dos diferentes ramos da física. Algum dia, quando
a física estiver completa e soubermos todas as leis, talvez possamos começar
com alguns axiomas. Alguém vai descobrir um jeito de fazer isso de modo
que tudo o mais possa ser deduzido. Enquanto não sabemos todas as leis,
podemos usar algumas para imaginar teoremas que se estendem para além
daquilo que demonstram. Para entender a física é preciso ter certo equilíbrio
e guardar na cabeça as proposições e suas inter-relações, pois muitas vezes as
leis se estendem para outros domínios além daquele em que foram
formuladas. Isso só perderá importância quando todas as leis forem
conhecidas.
Há outra coisa estranha e interessante na relação entre a matemática e a
física: com argumentos matemáticos é possível começar de muitos pontos
aparentemente distintos e chegar ao mesmo lugar. Isso é muito claro. Você
pode pôr teoremas no lugar de axiomas. Mas as leis da física são elaboradas de
maneira tão delicada que enunciados equivalentes mas diferentes têm
características muito distintas. Isso as torna muito interessantes. Para ilustrar,
vou enunciar a lei da gravitação de três maneiras diferentes, mas exatamente
equivalentes.
O primeiro enunciado é que existem forças entre os objetos, de acordo com
a equação que já mostrei:
Cada objeto, quando percebe a força sobre si, acelera ou altera seu
movimento, em certa quantidade por segundo. Essa é a maneira comum de
enunciar a lei. Vamos chamá-la lei de Newton. Esse enunciado diz que a força
depende de algo que está a uma distância finita; a força sobre um objeto
depende de outro que está a certa distância.
Talvez você não goste da ideia de ação a distância. Como um objeto pode
saber o que está acontecendo lá longe? Há outra maneira, muito estranha, de
enunciar a lei, baseada no campo. É difícil explicar, mas quero dar a vocês
uma ideia de como é. O enunciado passa a ser completamente diferente.
Associamos um número a cada ponto do espaço (trata-se de um número, não
de um mecanismo; esse é o problema da física, ela precisa ser matemática), e
os números mudam quando você vai de um ponto a outro. Se um objeto está
num determinado ponto, a força sobre ele aponta na direção em que os
números variam mais rapidamente (vou dar o nome usual, que é potencial: a
força está na direção em que o potencial varia com mais rapidez). Além disso,
a força é proporcional à rapidez com que o potencial varia. Essa é uma parte
do enunciado, mas é insuficiente, pois eu ainda não disse como se determina
o potencial. Poderia dizer que o potencial varia com o inverso da distância de
cada objeto, mas isso seria voltar à ideia de ação a distância.
Podemos enunciar a lei de outra maneira, dizendo que não precisamos
saber o que se passa fora de uma pequena esfera. Se você quer saber o
potencial no centro de uma esfera, só precisa conhecê-lo na superfície da
esfera, por menor que seja. Não precisa olhar para fora, só precisa saber o que
há na vizinhança e quanta massa há dentro da esfera. A regra é a seguinte: o
potencial no centro é igual à média do potencial na superfície menos a mesma
constante G que tínhamos na outra equação dividida pelo dobro do raio da
esfera (que chamamos a) e multiplicada pela massa dentro da esfera, se a
esfera for suficientemente pequena.

Essa lei é diferente da outra, pois determina o que acontece em um ponto em


termos do que acontece na sua vizinhança imediata. A lei de Newton
determina o que acontece em um instante a partir do que acontece em outro
instante. Ela diz como se pode calcular a evolução no tempo realizando-se
deslocamentos espaciais de um ponto a outro. O segundo enunciado é
simultaneamente local no tempo e no espaço, pois só depende do que há na
vizinhança. Mas os dois enunciados são matematicamente equivalentes.

Figura 13
Há outra maneira completamente diferente de dizer isso, diferente na
filosofia e nas ideias envolvidas. Se você não gosta de ação a distância, eu lhe
mostrei como livrar-se dela. Agora quero mostrar um enunciado que é
filosoficamente oposto, em que não se discute como o objeto vai de um ponto
a outro; tudo está contido em uma formulação única. Quando você tem várias
partículas e quer saber como uma delas se move, o que faz é inventar um
movimento possível que vai de um lugar para outro em algum intervalo de
tempo (figura 13). Digamos que a partícula quer ir de x para y em uma hora e
você quer saber o melhor caminho. Você pode inventar várias curvas e
calcular certa quantidade para cada curva (não quero dizer que quantidade é
essa, mas, para aqueles que já ouviram falar dessas coisas, é a média da
diferença entre a energia cinética e a potencial). Se você calcular essa
quantidade para um caminho e depois para outro, encontrará um resultado
diferente para cada caminho. Um caminho fornece o menor resultado de
todos, e esse é o caminho que a partícula adota! Desta vez estamos
descrevendo o movimento real — a elipse, por exemplo —, dizendo algo
sobre a curva como um todo. Não temos mais a ideia de causalidade, de que a
partícula sente uma atração e se move de acordo com ela. Em vez disso, de
alguma maneira ela fareja todas as possíveis curvas, todas as possibilidades, e
decide qual adotar, escolhendo sempre aquela para a qual a nossa quantidade
é mínima.
Esse é um exemplo das inúmeras belas maneiras de descrever a natureza.
Quando dizem que a natureza precisa ter causalidade, você usa a lei de
Newton; quando dizem que ela precisa ser descrita em termos de um
princípio de mínimo, isso também é legítimo; se insistem em que a natureza
precisa ter um campo local — tudo bem, você também pode construir isso. A
questão é: qual dessas maneiras é a correta? Se essas alternativas não forem
exatamente equivalentes em termos matemáticos, se elas tiverem
consequências diferentes, então precisaremos experimentar para encontrar
aquela que a natureza prefere. Algumas pessoas podem argumentar que,
filosoficamente, gostam mais de uma do que de outra, mas a experiência já
nos ensinou que intuições filosóficas sobre como a natureza deve ser
costumam falhar. É preciso investigar todas as possibilidades e tentar todas as
alternativas.
No caso de que estamos tratando, as teorias são equivalentes.
Matematicamente, as três diferentes formulações — a lei de Newton, o
método do campo local e o princípio de mínimo — têm exatamente as
mesmas consequências. Então, o que fazer? Os livros dizem que não podemos
encontrar um critério científico para decidir entre elas. Isso está certo.
Cientificamente, são equivalentes. É impossível tomar uma decisão: se todas
têm as mesmas consequências, não há maneira experimental de distinguir
entre elas, embora sejam muito diferentes do ponto de vista psicológico. Você
pode gostar delas ou não, do ponto de vista filosófico; a prática é a única
maneira de se ultrapassar esse limite. Psicologicamente elas são diferentes
porque fornecem pontos de partida completamente distintos para se
descobrirem novas leis.
Enquanto a física for incompleta e estivermos tentando entender suas leis,
as diferentes formulações possíveis dão pistas sobre o que pode acontecer em
outras circunstâncias. Elas deixam de ser equivalentes, do ponto de vista
psicológico, quando nos sugerem ideias sobre as leis em uma situação mais
geral. Deixem-me dar um exemplo: Einstein percebeu que sinais elétricos não
podiam se propagar mais rapidamente que a luz. Teve a intuição de que isso
era um princípio geral (fazemos o mesmo tipo de conjectura quando pegamos
a conservação do momento angular e a estendemos de um caso em que
podemos prová-la para todos os outros fenômenos do Universo). Ele
conjecturou que isso era verdadeiro para tudo, inclusive para a gravitação. Se
sinais não podem se mover mais rápido que a luz, então a descrição de forças
instantâneas é muito ruim. Na generalização de Einstein para a gravitação, a
descrição de Newton é inadequada e complicada, enquanto o método do
campo é simples, assim como o princípio de mínimo. Ainda não decidimos
entre esses dois.
Na mecânica quântica, nenhum deles está correto da maneira como os
enunciei, mas a existência de um princípio de mínimo aparece como uma
consequência do fato de que, em escalas pequenas, as partículas obedecem aos
princípios quânticos. Da maneira como vemos as coisas hoje, a melhor lei é
uma combinação dos dois, em que usamos princípios de mínimo e leis locais.
Acreditamos que as leis da física devem ter caráter local e também um
princípio de mínimo, mas não temos certeza. Se você tem uma estrutura que
é apenas parcialmente verdadeira mas usa os axiomas certos, talvez apenas
um deles falhe, de modo que você precisará consertar algo pequeno. Se usa
outro conjunto de axiomas, talvez todos colapsem, caso todos estejam
apoiados naquilo que está errado. Não podemos saber de antemão, sem
alguma intuição, qual o melhor jeito de descrever uma situação nova.
Precisamos ter sempre em mente todas as maneiras de ver as coisas. Os físicos
fazem matemática babilônica. Prestam pouca atenção a raciocínios precisos a
partir de axiomas.
Uma das características impressionantes da natureza é a variedade de
interpretações possíveis. Isso só acontece porque as leis são como são,
especiais e delicadas. Por exemplo, a lei do inverso do quadrado pode ser
local; se fosse o inverso do cubo, não poderia. O método do princípio de
mínimo só pode ser usado porque, no outro lado da equação, a força está
relacionada à taxa de variação da velocidade; se a força fosse proporcional à
taxa de variação da posição, em vez da velocidade, não poderíamos usar
aquela forma. Se você modifica muito as leis, descobre que tem menos
maneiras de escrevê-las. Sempre achei isso misterioso. Não entendo por que
as leis da física, quando corretas, podem ser enunciadas de tantas maneiras.
Elas parecem ser capazes de acertar vários pássaros com um tiro só.
Gostaria de dizer algumas coisas mais gerais sobre a relação entre a
matemática e a física. Os matemáticos lidam com a estrutura do raciocínio e
não estão preocupados com o conteúdo do que falam. Nem sequer precisam
saber do que estão falando ou, como eles mesmos dizem, se aquilo do que
falam é verdade. Vou explicar. Você enuncia os axiomas: isto é verdadeiro,
aquilo é verdadeiro. E aí? A lógica pode ser levada adiante sem que se saiba o
que “isto” e “aquilo” significam. Se os axiomas são enunciados de maneira
suficientemente cuidadosa e completa, não é necessário que a pessoa que
raciocina conheça o significado das palavras para poder deduzir novas
conclusões na mesma linguagem. Se uso a palavra “triângulo” em um dos
axiomas, haverá uma afirmação sobre triângulos nas conclusões, mesmo que
a pessoa que está raciocinando não saiba o que é um triângulo. Posso ver
como ela raciocinou e dizer “triângulo é um negócio de três lados, que é assim
ou assado” e então compreender os novos resultados. Em outras palavras,
matemáticos preparam raciocínios abstratos prontos para serem usados
quando se tenha um conjunto de axiomas sobre o mundo real. Os físicos
conferem sentido a todas as suas frases. As pessoas que chegam à física pela
matemática não apreciam isso, que é importante. Física não é matemática,
assim como matemática não é física. Uma ajuda a outra. Na física você
precisa compreender a conexão entre as palavras e o mundo real. É necessário
que no final você traduza o que encontrou para a linguagem comum, para o
mundo, fazendo referência a blocos de cobre e de vidro com os quais realizará
os experimentos. Só assim poderá saber se as consequências são verdadeiras.
Isso não é, de modo algum, um problema da matemática.
É óbvio que os raciocínios matemáticos são poderosos e muito úteis para os
físicos. Por outro lado, às vezes o pensamento dos físicos pode ser útil aos
matemáticos.
Matemáticos gostam de tornar seu pensamento tão geral quanto possível.
Se digo a eles “quero conhecer o espaço ordinário de três dimensões”, eles vão
me dizer “se você tem um espaço de n dimensões, estes são os teoremas”.
“Mas eu só quero o caso 3.” “Bem, substitua n = 3!” Muitos teoremas
complicados se simplificam quando são adaptados a um caso especial. O
físico sempre está interessado no caso especial, nunca no caso geral. Está
falando sobre algo, não divagando abstratamente sobre nada. Quer discutir a
lei da gravidade no espaço tridimensional; não quer uma força arbitrária em
um espaço de n dimensões. Então alguma redução é necessária, pois os
matemáticos preparam as coisas para uma ampla gama de problemas. Isso é
muito útil. O pobre físico sempre precisa voltar e dizer “desculpe, você queria
me falar algo sobre quatro dimensões...”.
Quando você sabe do que está falando, quando sabe que alguns símbolos
representam forças, outros massa, inércia etc., então você pode usar o bom
senso e a intuição sobre o mundo. Você já viu muita coisa e sabe mais ou
menos como o fenômeno vai ocorrer. Mas o pobre matemático traduz tudo
em equações. Como os símbolos não significam nada, ele não tem outro guia
além do rigor e do cuidado com o argumento. O físico, que sabe mais ou
menos qual será a resposta, pode tentar adivinhar uma parte do caminho, e
assim se move mais rápido. O rigor matemático de alta precisão não é muito
útil em física, mas não devemos criticar os matemáticos por isso. Eles não têm
de fazer algo que seja útil à física. Fazem o seu próprio trabalho. Se você quer
algo diferente, você mesmo tem de fazer.
A próxima questão é a seguinte: quando tentamos adivinhar uma nova lei,
será que devemos usar a nossa intuição e os nossos princípios filosóficos —
“eu não gosto do princípio de mínimo”, “eu gosto do princípio de mínimo”,
“eu não gosto de ação a distância”, “eu gosto de ação a distância”? Até que
ponto os modelos ajudam? Normalmente, ajudam. A maioria dos professores
de física tenta ensinar como usar modelos e conseguir uma boa intuição física
sobre como as coisas vão funcionar. Mas as grandes descobertas sempre vão
muito além do modelo, de modo que o modelo nunca ajuda muito. A
descoberta da eletrodinâmica foi feita por Maxwell com o recurso a um
monte de rodas e polias imaginárias. Mas, quando nos livramos dessas coisas,
tudo continua a funcionar. Dirac14 descobriu as leis corretas da mecânica
quântica relativística simplesmente adivinhando a equação. O método da
adivinhação de equações parece ser bastante eficiente para a descoberta de
novas leis. Isso mostra novamente que a matemática fornece uma descrição
profunda da natureza. As tentativas de expressar a natureza por meio de
princípios filosóficos ou intuições mecânicas não são eficientes.
De acordo com as leis que conhecemos hoje, um computador precisaria de
um número infinito de operações lógicas para calcular o que acontece numa
região qualquer do espaço, não importa quão pequena, em um intervalo
qualquer de tempo, não importa quão pequeno. Isso sempre me incomodou.
Como pode caber tanta coisa num espaço tão pequeno? Por que é necessária
uma quantidade infinita de lógica para descobrir o que um pedacinho do
espaço-tempo vai fazer? Sempre imaginei que um dia a física não vai mais
requerer um enunciado matemático; no final, os mecanismos mais profundos
serão revelados e as leis se tornarão simples, como o tabuleiro de damas com
suas complexidades aparentes. Mas essa especulação é da mesma natureza das
que outras pessoas fazem — “eu gosto”, “eu não gosto” —, e não é bom ter
esse tipo de preconceito.
Para concluir, vou usar as palavras de Jeans: “O Grande Arquiteto parece
ser um matemático.” É difícil passar a quem não sabe matemática a sensação
da beleza profunda da natureza. C. P. Snow falou sobre duas culturas. Acho
que essas culturas separam as pessoas que tiveram e as que não tiveram
experiência matemática suficiente para apreciar a natureza.
É uma pena que a matemática seja necessária e, ao mesmo tempo, seja tão
difícil para algumas pessoas. Costuma-se dizer — não sei se é verdade — que,
quando tentava aprender geometria com Euclides, um rei teria reclamado que
aquilo era difícil. Euclides teria dito: “Não existe caminho real para a
geometria.” Realmente não existe. Os físicos não podem converter a
matemática em outra linguagem. Se você quer aprender sobre a natureza,
apreciar a natureza, é necessário entender a linguagem que ela usa. Ela oferece
suas informações somente de uma maneira. Não devemos ser presunçosos a
ponto de exigir que ela mude.
Todos os argumentos que você possa imaginar não serão capazes de
comunicar a ouvidos surdos o que é a experiência da música. Da mesma
maneira, todos os argumentos do mundo não podem transmitir uma
compreensão da natureza para aqueles da “outra cultura”. Filósofos podem
falar qualitativamente sobre a natureza. Eu estou tentando descrevê-la. Mas
não se chega lá. É impossível. Talvez porque tenham horizontes limitados,
algumas pessoas imaginam que o homem é o centro do Universo.
13 Feynman possivelmente refere-se ao fato de que as leis de Newton não valem no domínio atômico.
[n.t.]
14 Paul Dirac (1902-1984), físico britânico, Prêmio Nobel de 1933 junto com Erwin Schrödinger (1877-
1961).
3
Os grandes princípios de conservação

Quando aprendemos física, vemos que existe um grande número de leis


detalhadas e complicadas: lei da gravitação, da eletricidade, do magnetismo,
das interações nucleares e assim por diante. Mas por trás dessa variedade de
leis há princípios gerais, que todas parecem seguir. Um exemplo seriam os
princípios de conservação, algumas propriedades de simetria, a forma geral
dos princípios da mecânica quântica e, feliz ou infelizmente, como tratamos
da última vez, o fato de que todas as leis são matemáticas. Nesta palestra, eu
gostaria de falar sobre os princípios de conservação.
Os físicos usam as palavras de um jeito peculiar. Para eles, uma lei de
conservação significa que existe um número que você pode calcular num
dado momento e que reaparece idêntico mais tarde, se você repetir o cálculo,
apesar de a natureza ter sofrido muitas mudanças; o número não muda, é
invariante. Um exemplo é a conservação da energia. Existe uma quantidade
que você calcula de acordo com certa regra e sempre dá o mesmo resultado,
não importa o que aconteça.
Logo se vê que algo assim pode ser útil. Vamos fazer uma analogia entre a
física — ou, melhor, a natureza — e um grande jogo de xadrez com milhões
de peças. Estamos tentando descobrir as leis que regem o movimento das
peças. Os deuses jogam muito rapidamente, de modo que é difícil observar e
compreender as jogadas. Mesmo assim, conseguimos compreender algumas
regras, sem que precisemos observar todos os movimentos. Por exemplo,
suponha que há somente um bispo branco no tabuleiro. Como o bispo se
move na diagonal — e, portanto, a cor do quadrado que ocupa não muda —,
se olharmos para longe por um momento e depois olharmos de novo para o
jogo, podemos esperar que ainda haja um bispo no tabuleiro, talvez em outro
lugar, mas em um quadrado da mesma cor. Essa é a natureza de uma lei de
conservação. Não precisamos seguir os detalhes para saber algo sobre o jogo.
Essa lei não é perfeitamente válida no xadrez. Se olhássemos para longe por
muito tempo, o bispo poderia ter sido capturado, um peão poderia ter
chegado ao outro lado e o deus poderia ter decidido promovê-lo a bispo, em
vez de rainha, e ele poderia estar em uma casa preta. Algumas leis que
atualmente conhecemos podem não ser perfeitas, mas vou contar a vocês
sobre a maneira como as vemos hoje.
Eu disse que usamos palavras comuns de maneira peculiar, técnica. Outra
palavra no título desta palestra é “grandes”: “Os grandes princípios de
conservação”. Não é uma palavra técnica. Só foi empregada para fazer o título
soar mais dramático. Eu poderia ter chamado a palestra de “As leis de
conservação”. Algumas dessas leis não funcionam muito bem; são apenas
aproximadamente corretas, mas muitas vezes são úteis. Poderíamos chamá-
las de leis de conservação “menores”. Mencionarei adiante uma ou duas que
não funcionam bem, mas as principais, que pretendo discutir, são certas, até
onde sabemos.
Começo com a mais simples de entender, a conservação da carga elétrica.
Existe um número, a carga total do mundo, que nunca muda, não importa o
que aconteça. Se você perder carga em um lugar, irá encontrá-la em outro. A
conservação refere-se ao total das cargas. Isso foi descoberto
experimentalmente por Faraday.15 O experimento consistia em entrar em um
grande globo de metal, fora do qual havia um galvanômetro muito sensível
para medir as cargas do globo com precisão, pois a variação de qualquer
pequena quantidade de carga teria um grande efeito. Dentro do globo,
Faraday colocou todos os tipos de equipamentos elétricos, alguns bem
estranhos. Criou cargas esfregando barras de vidro em pelo de gato e colocou
em funcionamento grandes máquinas eletrostáticas que faziam o interior do
globo parecer um laboratório de filme de terror. Nenhuma carga apareceu na
superfície durante os experimentos; nenhuma carga líquida havia sido criada.
A barra de vidro ficava carregada positivamente depois de ser esfregada no
pelo de gato, mas o pelo ficava com a mesma quantidade de cargas negativas,
de modo que a carga total continuava nula. Se alguma carga tivesse surgido
dentro do globo, o galvanômetro do lado de fora acusaria. A carga total era
conservada.
É fácil entender isso, pois um modelo muito simples, nada matemático,
pode explicá-lo. Suponha que o mundo seja feito de dois tipos de partículas,
elétrons e prótons — houve um tempo em que pareceu que ia ser simples
assim —, e suponha que os elétrons têm carga negativa e os prótons, carga
positiva, de modo que podemos separar os dois tipos de carga. Podemos
pegar um pedaço de algum material e colocar mais elétrons, ou então retirar
alguns; mas se os elétrons são permanentes e nunca se desintegram ou
desaparecem — essa é uma proposição simples, nada matemática —, então o
número total de elétrons não muda, nem o de prótons. Nesse modelo, o
número de partículas também é constante, mas agora estamos nos
concentrando na carga. A contribuição dos prótons é positiva e a dos
elétrons, negativa. Se esses objetos nunca são criados ou destruídos
individualmente, então a carga total é conservada. Enquanto prossigo, farei
uma lista de quantidades que se conservam, começando pela carga. Então
vamos marcar “sim” na pergunta sobre se a carga se conserva (figura 14).
É uma interpretação teórica muito simples. Mas depois descobrimos que
elétrons e prótons não são permanentes; por exemplo, uma partícula
chamada nêutron pode se desintegrar e produzir um próton e um elétron — e
mais alguma coisa, à qual chegaremos. Mas o nêutron é eletricamente neutro.
Assim, apesar de prótons e elétrons não serem permanentes, já que podem ser
criados a partir do nêutron, a carga ainda se equilibra, pois inicialmente
tínhamos carga zero e depois temos mais um e menos um, que, somados, dão
zero.
Figura 14
Eis um exemplo similar: existe outra partícula, além do próton, que é
positivamente carregada. É o pósitron, uma espécie de imagem espelhada do
elétron. É como o elétron na maioria dos aspectos, exceto que possui carga
oposta. E o mais importante: é chamado de antipartícula, pois quando
encontra um elétron os dois podem se desintegrar, produzindo luz. Assim, os
elétrons não são mesmo permanentes. O choque de um elétron e um pósitron
produz luz. Na verdade, essa “luz” é invisível, são raios gama, mas para um
físico é a mesma coisa, apenas o comprimento de onda é diferente. Uma
partícula e sua antipartícula podem se aniquilar. A luz não tem carga elétrica,
mas, como desapareceram uma carga positiva e uma negativa, a carga total foi
conservada. Agora, a teoria da conservação da carga ficou um pouco mais
complicada, mas ainda é basicamente não matemática. Você simplesmente
soma o número total de pósitrons ao número de prótons e subtrai o número
de elétrons. Há outras partículas que você precisa considerar, como
antiprótons, que contribuem negativamente, mésons pi etc.; na verdade, toda
partícula fundamental da natureza tem alguma carga (que pode ser zero). O
que precisamos fazer é somar todas. Não importa o que aconteça, em
qualquer reação a quantidade total de carga de um lado tem de ser igual à
quantidade do outro lado.
Esse é um aspecto da conservação da carga. Agora vem uma questão
interessante. Basta dizer que a carga se conserva ou precisamos dizer mais? Se
a carga fosse conservada por ser transportada por uma partícula real que se
move, ela apresentaria uma propriedade muito especial. Há duas maneiras de
a quantidade total de carga em uma caixa permanecer a mesma. Pode ser que
as cargas se movam de um lugar para outro dentro da caixa ou então que a
carga desapareça em um lugar e simultaneamente apareça em outro, de modo
que a carga total seja conservada. Essa segunda possibilidade de conservação é
bem diferente da primeira. A primeira, chamada de conservação local da
carga, exige muito mais detalhes do que a simples observação de que a carga
se conserva. Você vê que estamos melhorando a nossa lei, se for verdadeiro —
e é — que a conservação da carga é local. Já tentei mostrar certas
possibilidades de raciocínio para relacionar uma ideia com outra. Agora,
gostaria de descrever um argumento de Einstein: se algo é conservado —
aqui, estou aplicando o argumento à carga —, então tem de ser conservado
localmente. O argumento baseia-se no seguinte: se duas pessoas estão
passando uma pela outra em naves espaciais, nenhum experimento pode
resolver a questão de quem está em movimento e quem está parado. Este é o
chamado princípio da relatividade: o movimento retilíneo e uniforme é
relativo. Observamos esse fenômeno de qualquer ponto de vista e não
podemos dizer quem está parado e quem está se movendo.

Figura 15
Suponha que temos duas naves espaciais, A e B (figura 15). Vou adotar o
ponto de vista de que A está se movendo em relação a B. Lembrando que isso
é apenas uma opinião, pois se você olhar de outra maneira encontrará os
mesmos fenômenos. Agora suponha que o homem que está parado diz que
viu uma carga desaparecer de um lado da nave e, simultaneamente, outra
carga aparecer do outro lado. Para ter certeza dessa simultaneidade, ele não
pode sentar em nenhuma das extremidades da nave, pois nesse caso verá uma
delas antes, por estar mais próxima. Então vamos afirmar que ele senta bem
no meio da nave. Outro homem faz a mesma observação na outra nave. Então
há um clarão, uma carga é criada no ponto x e, no mesmo instante, outra
carga é aniquilada no ponto y, que está na outra extremidade da nave. Isso é
perfeitamente consistente com a ideia de que a carga se conserva. Se
perdemos um elétron em um lugar, encontramos outro em outro lugar.
Vamos admitir que há um flash de luz quando uma carga desaparece e
também há um flash quando a outra é criada. Assim podemos ver o que se
passa. O homem B diz que as duas coisas aconteceram ao mesmo tempo, pois
sabe que está no meio da nave e as luzes que indicam o surgimento de x e o
desaparecimento de y o alcançam ao mesmo tempo. Então B diz: “Sim,
quando uma desapareceu a outra foi criada.” Mas o que acontece com nosso
amigo na outra nave? Ele diz: “Não, você está errado. Eu vi x ser criada antes
de y desaparecer.” Pois se ele está se movendo na direção de x, a luz que vem
de x tem uma distância menor a percorrer do que a luz de y, já que ele se
move para longe de y. Ele vai dizer: “Não, x foi criada primeiro e depois y
desapareceu. Por algum tempo, depois do surgimento de x e antes do
desaparecimento de y, houve uma carga extra. Isso viola a lei de conservação
da carga.” Mas o primeiro sujeito diz: “Mas você está se movendo.” O outro
responde: “Quem disse? Quem está se movendo é você.” E assim por diante.
Se nenhum experimento pode nos dizer se estamos nos movendo ou não,
então, se a conservação da carga não fosse local, só pessoas em repouso (em
sentido absoluto) veriam a lei funcionar corretamente. Mas essa situação é
impossível, de acordo com o princípio da relatividade de Einstein. Logo, é
impossível haver conservação não local da carga. O caráter local da
conservação da carga é coerente com a teoria da relatividade. Isso é
verdadeiro para todas as leis de conservação: o mesmo princípio se aplica a
qualquer quantidade que se conserve.
Há outra coisa interessante e estranha sobre as cargas para a qual ainda não
temos explicação: a carga vem sempre em unidades fundamentais. Isso não
tem nada a ver com a lei de conservação e independe dela. Quando
encontramos uma partícula carregada, ela sempre tem uma carga, duas
cargas, menos uma, menos duas etc. Voltando à nossa tabela, apesar de isso
não ter nada a ver com a conservação da carga, vou dizer que a grandeza que
se conserva vem em unidades. É muito bom que seja assim, pois isso torna
fácil entender a conservação: ela é simplesmente algo que podemos contar e
se desloca de um lugar a outro. Além disso, é fácil determinar a carga total de
algo, porque a carga tem uma característica muito importante: é a fonte do
campo eletromagnético. Carga é uma medida da interação de um objeto com
um campo elétrico. Então podemos acrescentar à nossa tabela que a carga é a
fonte de um campo; em outras palavras, a eletricidade está relacionada com
cargas. Assim, a quantidade particular que é conservada nesse caso tem duas
outras propriedades que não estão conectadas diretamente com a lei de
conservação, mas também são interessantes. Uma é que ela vem em
unidades;16 a outra é que ela é a fonte de um campo.
Há muitas leis de conservação. Darei outros exemplos de leis semelhantes à
de conservação da carga, leis que se traduzem simplesmente em uma
contagem. Há a lei de conservação dos bárions.17 Um nêutron pode se tornar
um próton. Se contarmos cada um deles como um bárion, então o número de
bárions não muda. O nêutron carrega uma unidade de número bariônico, ou
representa um bárion; um próton também representa um bárion — tudo o
que estamos fazendo é contar e usar palavras difíceis! Se ocorre a reação a que
me refiro, na qual um nêutron decai em um próton, um elétron e um
antineutrino, o número total de bárions não muda. Entretanto, há outras
reações na natureza. A colisão de dois prótons pode produzir uma grande
variedade de objetos estranhos, por exemplo, um lambda, um próton e um
K+. Lambda e K+ são nomes de partículas peculiares.

Nessa reação podemos ver que entram dois bárions, mas por enquanto
vemos sair apenas um (o próton). Então, um dos dois, o lambda ou o K+, deve
ter uma unidade bariônica. Se estudarmos o lambda, veremos que ele
lentamente se desintegra em um próton e um méson pi, e este último
finalmente se desintegra em elétrons e outras coisas.

O que vemos aqui é um bárion aparecendo como próton. Portanto, o lambda


deve ter número bariônico 1 e o K+ número bariônico zero.
Em nossa tabela de leis de conservação (figura 14), temos então a carga e
agora uma situação similar com os bárions, com a regra de que o número
bariônico é o número de prótons mais o número de nêutrons, mais o número
de lambdas, menos o número de antiprótons, menos o número de
antinêutrons e assim por diante; a lei de conservação não é nada mais que
uma contagem. O que se conserva vem em unidades; ninguém sabe ao certo,
mas todo mundo quer acreditar, por analogia, que é fonte de um campo. A
razão pela qual fazemos essas tabelas é que estamos tentando adivinhar as leis
das interações nucleares, e essa é uma maneira rápida de adivinhar o que
ocorre na natureza. Se a carga é a fonte de um campo e o número bariônico é
semelhante a ela em outros aspectos, talvez ele também seja fonte de um
campo. Isso é possível, mas ainda não temos certeza.
Há mais uma ou duas dessas contagens, como, por exemplo, o número de
léptons, mas é a mesma ideia que já aplicamos aos bárions. Uma delas,
porém, é ligeiramente diferente. Entre essas estranhas partículas da natureza
há taxas características de reação; algumas reações são fáceis e rápidas,
enquanto outras são difíceis e lentas. Não quero dizer que sejam fáceis ou
difíceis tecnicamente, na realização do experimento. Estamos tratando das
taxas às quais as reações ocorrem quando as partículas estão presentes. Há
uma clara distinção entre os dois tipos de reações que mencionei acima, o
decaimento de um par de prótons e o decaimento muito mais lento do
lambda. Acontece que se levarmos em conta somente as reações fáceis e
rápidas, há mais uma lei de contagem na qual o lambda vale –1, o K+, +1 e o
próton, zero. Essa é a chamada estranheza, ou carga hiperônica.18
Aparentemente, a lei de conservação da estranheza é válida para as reações
rápidas, mas não para as lentas. Em nossa tabela (figura 14) devemos então
adicionar a lei de conservação da estranheza, que é quase verdadeira. É muito
estranho. Por isso essa quantidade foi chamada de estranheza. É quase fato
que ela é conservada, e é fato que ela aparece em unidades. Na tentativa de
entender as interações nucleares, o fato de a estranheza ser conservada levou à
sugestão de que ela pode ser a fonte de um campo, mas, novamente, não
sabemos. Menciono essas coisas para mostrar que as leis de conservação
podem ser usadas para adivinharmos novas leis.
Outras leis de conservação foram propostas ao longo do tempo, com
princípios análogos de contagem. Por exemplo, os químicos já acreditaram
que o número de átomos de sódio é constante. Mas eles não são permanentes.
É possível transformar átomos de um elemento em outro, de modo que o
elemento original desapareça. Outra lei na qual se acreditou por algum tempo
é a que afirmava que a massa de um objeto permanecia sempre a mesma. Isso
depende de como você define massa e se você a mistura com energia. A lei de
conservação da massa está contida na próxima lei que vou discutir, a lei de
conservação da energia.
De todas as leis de conservação, a da energia é a mais abstrata e difícil, mas
também a mais útil. É mais difícil entender do que as anteriores, pois, no caso
da carga e daqueles outros números, o mecanismo é claro, é mais ou menos
uma conservação de objetos. Não é exatamente isso, porque podemos obter
objetos novos a partir de velhos, mas é simplesmente uma questão de
contagem. A conservação da energia é um pouco mais difícil, pois agora
temos um número que não muda com o tempo, mas não representa algo
específico. Gostaria de fazer uma analogia meio boba para explicar isso.
Imagine uma mãe com uma criança, que ela deixa sozinha em um quarto
com 28 blocos indestrutíveis. A criança brinca com os blocos durante o dia, e
quando a mãe volta vê que estão todos ali. Ela sempre checa a conservação
dos blocos. Um dia, porém, chega e só encontra 27 blocos. Mas vê que um
bloco está do lado de fora, a criança o atirou pela janela. A primeira coisa que
devemos entender sobre leis conservação é que precisamos ficar de olho para
que as coisas que estamos checando não escapem. O mesmo pode acontecer
em outra direção, se um garoto vem brincar com a criança trazendo outros
blocos. É claro que devemos considerar isso quando falamos em leis de
conservação. Digamos que um dia a mãe venha contar os blocos e encontre
apenas 25, mas suspeite que a criança tenha escondido os outros três em uma
caixa de brinquedos. Então ela diz: “Vou abrir a caixa.” “Não”, diz a criança,
“você não pode abrir a caixa.” A mãe, muito esperta, diz: “Eu sei que a caixa
pesa 1 kg quando está vazia e que cada bloco pesa 100 g, então vou pesar a
caixa.” Para descobrir o número total de blocos ela calcularia

o que dá 28 blocos. Isso funciona por algum tempo, até que um dia a soma
não dá certo. Mas ela nota que a água suja da pia mudou de nível. Ela sabe
que a água deve ter 10 cm quando não há nenhum bloco ali, e que subiria 2
cm se um bloco fosse submerso. Então acrescenta outro termo,
e novamente obtém 28. Conforme a criança fica mais criativa e a mãe
continua sendo tão criativa quanto ela, mais e mais termos devem ser
adicionados. Todos representam blocos, mas de um ponto de vista
matemático são cálculos abstratos, pois os blocos não podem ser vistos.
Agora vou fazer minha analogia e dizer o que há em comum e qual é a
diferença entre essa situação e a conservação da energia. Suponhamos que
nunca vimos nenhum bloco. O termo “número de blocos conhecidos” não
aparece. Então a mãe estaria sempre calculando coisas como “blocos na
caixa”, “blocos na água” etc. Em relação à energia, uma diferença é que, até
onde sabemos, não há blocos. Outra diferença é que os números não
precisam ser inteiros. É como se, para a mãe, um dos termos resultasse 6J,
outro resultasse M e os outros resultassem 21, de modo que a soma ainda
fosse 28. Com a energia é assim.
O que descobrimos em relação à energia é que temos um conjunto de
regras. Usando cada uma delas, calculamos um número para cada tipo de
energia. Quando somamos todos os números, o que corresponde a todas as
formas de energia, o resultado é sempre o mesmo. Mas, até onde sabemos,
não existem unidades reais, como bolinhas. É uma coisa abstrata, puramente
matemática. Existe um número que, quando calculado, é sempre o mesmo.
Não posso oferecer uma interpretação melhor.
A energia assume inúmeras formas, analogamente aos blocos na caixa, na
água etc. Há energia devida ao movimento, chamada energia cinética, energia
devida à interação gravitacional, chamada energia potencial gravitacional,
energia térmica, energia elétrica, energia da luz, energia elástica em molas e
coisas do gênero, energia química, energia nuclear e também um tipo de
energia que uma partícula possui só porque existe, uma energia que depende
diretamente da massa. Essa última é uma contribuição de Einstein, que todo
mundo conhece pela famosa equação E = mc2.
Mencionei um grande número de energias, mas quero esclarecer que não
somos completamente ignorantes a respeito disso. Conhecemos a relação
entre algumas delas. Por exemplo, o que chamamos energia térmica é, em
grande medida, a energia cinética do movimento das partículas que formam
um objeto. A energia elástica e a energia química têm as mesmas origens, que
são as forças entre os átomos. Quando os átomos se rearranjam, sua energia
muda e precisa trocar de forma. Quando você queima alguma coisa, por
exemplo, a energia química varia e surge calor, pois tudo tem de ser
compensado. A energia elástica e a energia química são interações de átomos.
Hoje sabemos que essas interações são a combinação de duas coisas, energia
elétrica e energia cinética, só que agora as compreendemos conforme a
mecânica quântica. A energia da luz nada mais é que energia elétrica, pois a
luz foi interpretada como uma onda eletromagnética. A energia nuclear não é
interpretada nos mesmos termos que as outras; no momento não posso dizer
sobre ela nada além do fato de que resulta de interações nucleares. Não estou
falando apenas da energia liberada. No núcleo de urânio existe certa
quantidade de energia. Quando ele se desintegra, essa energia muda. Mas a
energia total do Universo não muda. Para contrabalançar, o processo gera
muito calor.
Essa lei de conservação é bastante útil de diversas maneiras. Conhecendo a
lei e as fórmulas para calcular a energia, podemos entender outras leis.
Vejamos como isso é possível. Muitas leis não são independentes, são só
maneiras diferentes de falar de conservação da energia. A mais simples é a lei
da alavanca (figura 16).
Figura 16
Temos uma balança que gira em torno de um eixo. Um braço tem 30 cm de
comprimento e o outro, 1,2 m. Preciso usar a energia gravitacional, que é o
produto do peso de cada objeto pela altura a que ele está do chão. Suponha
que há uma massa de 2 kg sobre o braço mais longo e outra massa
desconhecida sobre o braço mais curto. A incógnita é sempre chamada x,
então vamos chamá-la w para diferenciar! A questão é: quanto deve ser w
para que o sistema balance suavemente pra cima e pra baixo? Se ele balança
suavemente, a energia deve ser a mesma quando a balança está paralela ao
chão e quando está inclinada; se a energia for a mesma, o aparato tanto pode
ir para um lado como para o outro e balança sem cair. Bem, se a massa de 2
kg subir 1 cm, quanto irá descer a massa w? A partir do diagrama podemos
ver que se AO tem 30 cm e BO tem 1,2 m, então, quando BB’ tem 1 cm, AA’
terá 0,25 cm. Agora vamos aplicar a lei de conservação da energia. Quando a
balança está paralela ao chão podemos considerar que a altura é zero;
portanto, a energia total também é zero. Depois do movimento,
multiplicamos o peso de 2 kg pela altura de 1 cm e somamos com o peso
desconhecido de w vezes a altura de 0,25 cm. A soma deve dar o mesmo
resultado que deu antes: zero. Então

Aí está uma forma de entendermos essa lei simples, que vocês já conheciam, a
lei da alavanca. Não apenas essa, mas centenas de outras leis físicas podem ser
relacionadas com várias formas de energia. Usei esse exemplo para ilustrar
como isso é útil.
O único problema é que isso não funciona na prática por causa do atrito no
ponto de apoio. Se alguma coisa se move, como uma bola rolando na
horizontal, então o atrito a deterá. O que acontece com a energia cinética da
bola? Ela é transferida para a agitação dos átomos do solo e da própria bola. A
bola pode parecer perfeitamente esférica quando a polimos, mas veremos que
na verdade é bem complicada se a olharmos em uma escala menor; são
bilhões de átomos pequeninos, com todos os tipos de formatos irregulares.
Nessa escala, é como uma rocha áspera, pois é composta de coisas menores. O
chão também é assim, uma coisa irregular formada de coisas menores. Se
olharmos nessa escala, veremos que quando aquela pedra monstruosa rolar
pelo chão, os átomos irão chacoalhar. E vão continuar chacoalhando, por
causa dos choques que sofreram; e fica para trás uma agitação, ou energia
térmica. À primeira vista, parece que a lei de conservação da energia falha,
mas a energia tem essa tendência de se esconder de nós. Precisamos de
termômetros e de outros instrumentos para ter certeza de que ela está lá.
Descobrimos assim que a energia se conserva, não importa quão complicado
seja o processo, mesmo que não saibamos todos os detalhes das leis
envolvidas.
A primeira demonstração da lei de conservação da energia não foi feita por
um físico, mas por um médico, que a demonstrou com ratos. Quando você
queima um pouco de comida, pode medir quanto calor é gerado. Se você dá a
mesma quantidade de comida aos ratos, ela se converte, com o oxigênio, em
dióxido de carbono, como se fosse queimada. Quando você mede a energia
nos dois casos, verifica que as criaturas vivas fazem exatamente o mesmo que
os objetos sem vida. A lei de conservação da energia é verdadeira tanto para a
vida quanto para outros fenômenos. Incidentalmente, é interessante constatar
que toda lei ou princípio que conhecemos para as coisas inanimadas continua
funcionando igualmente bem no grande fenômeno da vida, quando se faz
esse tipo de teste. Não há evidência de que o que ocorre nas criaturas vivas
seja necessariamente diferente, no que concerne às leis físicas, do que o que
ocorre nas coisas não vivas, apesar de os seres vivos serem muito mais
complicados.
A quantidade de energia da comida — que diz quanto calor, trabalho
mecânico etc. ela pode gerar — é medida em calorias. Você não come uma
coisa chamada caloria, que é apenas a medida da quantidade de energia
presente na comida.
Os físicos às vezes se sentem tão espertos e superiores que as outras pessoas
ficam com vontade de pegá-los de jeito. Vou lhes dar algo para pegá-los. Eles
deveriam ter vergonha do fato de medirem energia de tantas maneiras
diferentes, com nomes diferentes. É absurdo que a energia possa ser medida
em calorias, ergs, joules, elétron-volts, BTUs, kilowatt-horas, que são
unidades equivalentes. É como ter dinheiro em franco, dólar, libra e assim
por diante; mas, ao contrário da economia, em que as taxas de câmbio podem
variar, essas coisas bestas estão em proporções imutáveis. Algo análogo
seriam os centavos e os reais: há sempre cem centavos em um real. Mas uma
complicação que os físicos provocam é que, em vez de um número como cem,
eles têm coisas irracionais como 16,183178 centavos de real. Você poderia
pensar que pelo menos os físicos teóricos mais modernos e de alto nível usam
as mesmas unidades, mas encontramos artigos que medem a energia em
kelvin, megaciclos ou fermis inversos, a última invenção. Uma prova de que
os físicos são humanos é a idiotice das diferentes unidades que usam para
medir a energia.
Há fenômenos interessantes que nos apresentam problemas curiosos
relacionados à energia. Recentemente foram descobertos objetos chamados
quasares, que estão muitíssimo longe e irradiam tanta energia na forma de luz
e ondas de rádio que a questão é: de onde ela vem? Se a conservação da
energia está correta, a condição do quasar depois de irradiar essa quantidade
enorme de energia deve ser diferente de sua condição inicial. Será que a coisa
sofreu um colapso gravitacional e passou a uma condição diferente, do ponto
de vista gravitacional? Ou essa emissão enorme vem da energia nuclear?
Ninguém sabe. Você poderia propor que talvez a lei de conservação da
energia não esteja completamente certa. Bem, quando uma coisa é tão pouco
conhecida como os quasares — eles estão tão longe que os astrônomos têm
dificuldade em observá-los —, então, se essa coisa está em desacordo com
alguma lei fundamental, raramente a lei está errada; normalmente, o que
acontece é que ainda não sabemos bem os detalhes.
Outro exemplo interessante do uso da lei de conservação da energia é a
reação em que um nêutron se desintegra em um próton, um elétron e um
antineutrino. Primeiro pensou-se que o nêutron se tornava um próton mais
um elétron, mas a energia das partículas podia ser medida; o próton e o
elétron juntos não eram suficientes para se igualarem ao nêutron. Havia duas
possibilidades. Talvez a lei de conservação da energia não estivesse certa.
Bohr19 chegou a propor que a lei funcionava apenas de maneira estatística, na
média. A outra possibilidade é de que estivesse correta: a conta da energia não
estava dando certo porque faltava alguma coisa, que hoje chamamos de
antineutrino. O antineutrino emitido carrega a energia que faltava. Você pode
alegar que a única razão para o antineutrino existir é fazer a lei de
conservação da energia funcionar. Mas ele também faz funcionar várias
outras coisas, como a lei de conservação do momento e outras leis de
conservação. Recentemente, houve uma demonstração direta de que os
neutrinos realmente existem.
Esse exemplo ilustra um ponto importante. Como podemos estender
nossas leis a domínios que não controlamos? Por que estamos tão certos de
que, se a lei de conservação da energia funciona aqui, funcionará também ali,
quando encontrarmos um novo fenômeno? De vez em quando a gente lê no
jornal que os físicos descobriram que uma de suas leis prediletas estava
errada. Será então um erro dizer que uma lei deve ser verdadeira numa região
que ainda não conhecemos? Se você não disser que uma lei é verdadeira
numa região desconhecida, então nunca poderá dizer nada. Se as únicas leis
são aquelas que decorrem de observações realizadas, não podemos fazer
previsões. Mas a ciência só avança se efetuar previsões, arriscando-se. No caso
da energia, o mais provável é que ela se conserve em todos os lugares.
Isso significa que a ciência é incerta; quando você propõe algo sobre uma
região da experiência que não testou diretamente, você tem de estar em
dúvida. Mas sempre vamos fazer afirmações sobre regiões que não testamos
diretamente, senão a coisa não teria sentido. Por causa da conservação da
energia, por exemplo, a massa de um objeto muda quando ele se move. Existe
uma relação entre a massa e a energia. A energia associada ao movimento
aparece como uma massa extra, de modo que as coisas ficam mais pesadas
quando se movem. Newton não acreditava nisso, e sim no fato de que as
massas permaneciam constantes. Quando se descobriu que a ideia
newtoniana estava errada, todos começaram a dizer como era terrível os
físicos terem errado. Por que eles pensaram que estavam certos? Porque o
efeito é muito pequeno e só aparece quando você se move com velocidades
próximas à da luz. Quando você gira um pião, ele continua com a mesma
massa que tinha antes, dentro de uma precisão muito, muito grande. Será que
então deveríamos dizer que a massa não muda se a velocidade for menor que
certo valor? A resposta é não, porque se o experimento tivesse sido feito
apenas com piões de madeira, ferro ou cobre, teríamos de dizer “piões de
madeira, ferro ou cobre, quando não se movem mais rápido que tal e tal, não
alteram sua massa”. Não sabemos especificar todas as condições necessárias a
um experimento. Não sabemos se um pião radioativo conserva sua massa.
Então, para que a ciência seja útil, precisamos propor hipóteses. Não
podemos simplesmente descrever os experimentos que já foram feitos. Temos
de supor que as leis continuam valendo fora do domínio da observação. Não
há problema nisso, exceto o fato de tornar a ciência um pouco incerta. Se você
pensa que a ciência é feita só de certezas, está enganado.
Voltando, então, à nossa lista de leis de conservação (figura 14), podemos
acrescentar a energia. Ela é perfeitamente conservada, até onde sabemos. Não
vem em unidades. Será que é a fonte de um campo? Sim. Einstein explicou a
gravitação como sendo gerada pela energia. Energia e massa são equivalentes.
Então a interpretação de Newton de que a massa produz a gravidade foi
modificada para dizer que a energia é que produz a gravidade.
Há outras leis semelhantes à de conservação da energia, no sentido de que
são apenas números. Uma delas é a do momento, ou quantidade de
movimento. Se você pega as massas dos objetos, multiplica por suas
velocidades e soma tudo, o resultado é o momento total, que é conservado.
Como energia e momento são coisas muito próximas, ocupam a mesma
coluna da nossa tabela.
Outro exemplo de quantidade conservada é o momento angular, de que já
falamos. O momento angular é a área varrida por segundo por corpos em
movimento. Se pegarmos um objeto qualquer em movimento, fixarmos um
ponto no espaço e traçarmos a linha que vai do ponto ao objeto, então a taxa
à qual a área varrida por esse raio vetor aumenta, multiplicada pela massa do
objeto, é chamada momento angular (figura 17). Essa quantidade não varia.

Figura 17
Ou seja, temos a conservação do momento angular. Aliás, à primeira vista,
se você sabe muito física, pode imaginar uma situação em que o momento
angular não é conservado. Assim como a energia, ele aparece em diferentes
formas. Se você tem um fio no formato de um anel e aproxima dele um ímã,
aumentando o fluxo de campo magnético, haverá uma corrente elétrica; é
assim que os geradores elétricos funcionam. Imagine que em vez de um fio
temos um disco, no qual há cargas elétricas análogas aos elétrons do fio
(figura 18).

Figura 18
Agora, aproximamos um ímã do centro do disco ao longo de seu eixo, em
alta velocidade, aumentando o fluxo magnético. Nesse caso, assim como no
fio, as cargas começarão a se mover; se o disco estiver livre, ele vai girar. Isso
não parece estar de acordo com a conservação do momento angular, pois
quando o ímã está longe nada se move e quando está próximo o disco gira.
Isso contraria a lei. “Já sei”, você vai dizer, “deve existir algum tipo de
interação que faz com que o ímã também gire para o outro lado.” Não é o
caso. Não há força elétrica que cause rotação no ímã. A explicação é que o
momento angular aparece de duas formas: uma delas é o momento angular
do movimento, a outra é o momento angular de campos elétricos e
magnéticos. Há momento angular no campo em torno do ímã, apesar de não
se manifestar como movimento, e ele apresenta sinal contrário ao da rotação
do disco. Se considerarmos a situação oposta, isso fica ainda mais claro
(figura 19). Mesmo que tenhamos somente as partículas e o ímã, próximos e
parados, ainda assim há momento angular no campo, uma forma disfarçada
de momento angular que não aparece como uma rotação real. Quando
puxamos o ímã, os campos se separam. Então o momento angular precisa
aparecer e o disco começa a girar. A lei que o faz girar é a lei da indução da
eletricidade.
Figura 19
É difícil dizer se o momento angular vem ou não em unidades. À primeira
vista, isso parece impossível, pois o momento angular depende da direção em
que a figura se projeta. Estamos falando de uma variação da área, que é
diferente, é claro, se você olha de frente ou de lado. Se o momento angular
viesse em unidades e observássemos, digamos, oito unidades, ao observarmos
de um ângulo um pouco diferente, o número de unidades seria um pouco
diferente, talvez um pouquinho menor que oito. Mas sete não é um
pouquinho menor que oito, é uma quantidade definida menor que oito.
Então o momento angular não pode vir em unidades. Essa demonstração
deixa de ser válida quando se levam em conta as peculiaridades e sutilezas da
mecânica quântica. Nesse caso, quando medimos o momento angular em
torno de um eixo, por incrível que pareça, ele é sempre um número inteiro de
unidades. Não é o tipo de unidade real, como a carga elétrica, que você pode
contar. São unidades no sentido matemático de que o número que obtemos
em qualquer medida é sempre um número inteiro vezes uma constante. Mas
não podemos interpretar isso da mesma maneira que interpretamos as
unidades de carga elétrica, partículas que podem ser contadas — uma, outra e
outra. No caso do momento angular, as unidades não são como entidades
separadas, mas ele é sempre um número inteiro... o que é muito estranho.
Há outras leis de conservação. Não são tão interessantes quanto aquelas
que descrevi e não lidam exatamente com invariância de números. Imagine
um sistema com partículas que se movem obedecendo a alguma simetria,
digamos, simetria bilateral (figura 20). Pelas leis da física, depois de todo o
movimento e todas as colisões, você poderia esperar, corretamente, que a
simetria bilateral se mantivesse. Aqui há uma conservação, a conservação da
simetria. Isso merece estar na tabela, mas não é um número que se possa
medir. Vamos analisar o tema em muito mais detalhe na próxima palestra. A
razão pela qual isso não tem muito interesse em física clássica é que são raras
as situações em que há condições iniciais com tanta simetria; por isso essa não
é uma lei de conservação muito importante ou útil. Já na mecânica quântica,
quando lidamos com sistemas muito simples, como átomos, sua constituição
interna muitas vezes possui simetria, como a simetria bilateral, e ela se
conserva. Assim, essa é uma lei importante para entender os fenômenos
quânticos.

Figura 20
Uma questão interessante é se existe uma base mais sólida para essas leis de
conservação ou se só temos de aceitá-las do jeito que são. Discutirei isso na
próxima palestra, mas há algo que gostaria de dizer agora. Quando
discutimos essas ideias em atividades de divulgação, parece que os conceitos
são independentes. Mas, quando entendemos melhor os diferentes princípios,
aparecem conexões profundas entre os conceitos, cada um implicando outros
de alguma maneira. Um exemplo é a relação entre relatividade e necessidade
de conservação local, que já vimos: se é impossível afirmar se um corpo está
parado ou em movimento em velocidade constante, aquilo que se conserva
não pode saltar de um lugar a outro. Se eu dissesse isso sem demonstração,
pareceria algum tipo de milagre.
Gostaria de indicar agora como a conservação do momento angular, a
conservação do momento e algumas outras coisas se relacionam. A
conservação do momento angular tem a ver com a área varrida pelas
partículas em movimento. Se você tem várias partículas (figura 21) e escolhe o
centro (x) bastante longe, então as distâncias são praticamente as mesmas
para todas.

Figura 21
Nesse caso, a única coisa que conta na conservação do momento angular é
uma componente do movimento — na figura 21, a vertical: quando somamos
o produto de cada massa pela respectiva velocidade vertical encontramos uma
constante, pois o momento angular se conserva em relação a qualquer ponto.
Assim, a conservação do momento angular implica a conservação do
momento, ou quantidade de movimento. Isso, por sua vez, implica a
conservação de outra coisa, tão intimamente relacionada com a anterior que
não a coloquei na tabela. Trata-se de um princípio sobre o centro de
gravidade (figura 22).

Figura 22
Uma massa em uma caixa não pode desaparecer de uma posição e aparecer
em outra. Isso não tem nada a ver com conservação da massa; ainda teríamos
a mesma massa, só que em outro lugar. Uma carga poderia fazer isso, mas
não uma massa. Deixe-me explicar por quê. Como as leis da física não
dependem do movimento, podemos supor que a caixa está se movendo para
cima. Agora consideremos o momento angular em relação a algum ponto x,
não muito distante. Conforme a caixa sobe, se a massa fica parada na posição
1, está varrendo área a uma certa taxa. Se a massa se mover para a posição 2,
passará a varrer área a uma taxa maior porque, apesar de a altura ser a
mesma, a distância até x terá aumentado. Por causa da conservação do
momento angular, a taxa à qual a área é varrida é constante. Portanto, não
podemos simplesmente levar uma massa de um ponto a outro, a menos que
movamos também alguma outra massa para que o momento angular não
varie. Se houver várias massas, podemos empurrar uma enquanto puxamos
outras, de modo que o movimento total, para a frente e para trás, é nulo. É
assim que um foguete funciona. Inicialmente ele está parado, digamos, no
espaço vazio. Então lança um pouco de gás para trás e se move para a frente.
O centro de massa, o ponto médio das massas, continua no mesmo lugar. A
parte interessante foi adiante, enquanto uma parte desinteressante, com a
qual não nos importamos, ficou para trás. Não há um teorema dizendo que as
coisas interessantes devem se conservar — apenas o total das coisas.
Descobrir as leis da física é como montar um quebra-cabeça. Temos muitas
peças diferentes, e hoje elas proliferam rapidamente. Muitas estão jogadas e
não se encaixam com as outras. Como sabemos que elas devem se juntar?
Como sabemos que são partes de um todo ainda inacabado? Não temos
certeza. Isso nos aflige, mas somos encorajados pelas características comuns
de muitas peças. Todas mostram um céu azul, ou são feitas do mesmo tipo de
madeira. Todas as leis da física obedecem aos mesmos princípios de
conservação.

15 Michael Faraday (1791-1867), físico inglês.


16 O atual modelo-padrão das partículas elementares estabelece que os quarks, constituintes dos
hádrons, possuem cargas que são frações da carga do elétron. [n.t.]
17 Bárions são uma grande “família” de partículas, cujos membros mais conhecidos são o próton e o
nêutron. Ambos têm número bariônico igual a +1; suas antipartículas (antipróton, antinêutron), de
–1; cada bárion é composto por três quarks. A lei de conservação diz que, no início e no fim de
qualquer evento físico, mantém-se inalterado o número bariônico total do conjunto. Adiante,
Feynman fará referência aos léptons, outra “família” de partículas que inclui o elétron, o neutrino, o
múon e suas antipartículas. A cada uma delas é associado um número, que pode ser positivo ou
negativo. Qualquer transformação operada num sistema físico também conserva o número leptônico
total do conjunto; os léptons não são compostos por quarks. [n.t.]
18 Estranheza é uma propriedade quântica das partículas elementares que é sempre um número inteiro.
Existe um tipo de quark que foi batizado de estranho, cuja antipartícula é o antiquark estranho. A
estranheza de uma partícula qualquer é igual ao número de antiquarks estranhos que ela contém,
menos o número de quarks estranhos. [n.t.]
19 Niels Bohr (1885-1962), físico dinamarquês.
4
Simetria nas leis físicas

A simetria fascina a mente humana. Gostamos de olhar os objetos naturais


simétricos, como as esferas dos planetas e do Sol, cristais de neve ou flores
quase simétricas. Aqui, no entanto, não quero falar da simetria dos objetos, e
sim da simetria das leis físicas. É fácil entender como um objeto pode ser
simétrico, mas como uma lei física pode ter simetria? É claro que não pode.
Os físicos adoram usar palavras comuns atribuindo a elas outros significados.
Neste caso, eles percebem certas leis de maneira muito semelhante à que
percebemos os objetos simétricos. Por isso falam em simetria das leis. É o que
vou discutir.
Que é simetria? Ao olhar para mim, vocês veem que sou simétrico, com o
lado esquerdo igual ao direito — aparentemente e externamente, pelo menos.
Um vaso pode ser simétrico da mesma maneira ou de outras maneiras. Como
podemos definir simetria? O fato de eu ter simetria entre esquerda e direita
significa que se você colocar tudo o que está no meu lado esquerdo no meu
lado direito e vice-versa, se você trocar os lados, continuarei com a mesma
aparência. Um quadrado tem uma simetria especial, pois se o girarmos em
90° ele permanece o mesmo. O matemático Weyl20 deu uma excelente
definição de simetria: um objeto é simétrico se existe algo que podemos fazer
com ele e, no final da operação, ele permanece igual ao que era. É nesse
sentido que dizemos que as leis da física são simétricas; podemos fazer coisas
com essas leis, ou com a maneira de representá-las, que não fazem diferença:
tudo fica como estava. É esse aspecto das leis físicas que vai nos interessar
nesta palestra.
Ao contrário do que você poderia pensar — simetria entre esquerda e
direita ou algo do gênero —, o exemplo mais simples desse tipo de simetria é
a simetria de translação no espaço. Isso quer dizer o seguinte: se você constrói
algum aparelho e faz algum experimento, depois constrói o mesmo aparelho e
faz o mesmo experimento em outro lugar, simplesmente transladando tudo
de um ponto a outro, então no experimento transladado vão acontecer as
mesmas coisas que aconteceram no experimento original. Dito assim, isso
não é exatamente verdadeiro. Se eu construísse um aparelho e o deslocasse
dez metros do ponto onde estou agora, ele colidiria com a parede e haveria
dificuldades. Ao definir essa ideia, precisamos levar em conta tudo o que
poderia alterar a situação, para que, ao levar o aparelho, levemos junto tudo o
mais. Por exemplo, se eu movesse um sistema com um pêndulo 30 mil
quilômetros para a direita, ele não funcionaria bem, pois o pêndulo depende
da atração gravitacional da Terra. Mas se pudéssemos mover também a Terra,
então ele se comportaria da mesma maneira. O problema é que precisaríamos
transladar tudo que possa exercer influência sobre o que acontece. Isso soa
um pouco tolo: parece que basta transladar o experimento e, se ele não
funcionar, presumir que não transladamos tudo o que deveríamos, de modo
que ganhamos sempre. Não é assim, pois não é evidente que ganharíamos
sempre. É notável que possamos transladar as coisas e elas continuem a se
comportar da mesma maneira. É uma afirmação positiva.
Gostaria de mostrar que isso é mesmo verdade. Vamos tomar como
exemplo a lei da gravitação, que diz que a força entre os objetos varia
inversamente com o quadrado da distância entre eles. Os objetos respondem
a forças mudando sua velocidade no tempo, na direção da força. Se tenho um
par de objetos, como um planeta girando em torno do Sol, e os desloco no
espaço, a distância entre eles não se altera e, portanto, a força também não.
Além disso, na nova situação eles continuam com a mesma velocidade; então
as mudanças são as mesmas e tudo se passa da mesma maneira nas duas
situações. O fato de a lei dizer “a distância entre eles”, em vez de fazer menção
a uma distância absoluta de um centro do Universo, implica que a lei é
invariante a translações no espaço.
A primeira simetria é translação no espaço. A próxima poderia ser
chamada de translação no tempo, mas em vez disso vamos dizer que um
deslocamento no tempo não faz diferença. Começamos com um planeta
girando ao redor do Sol em determinada direção; se pudéssemos recomeçar
duas horas depois ou dois anos depois, com o planeta e o Sol nas mesmas
condições iniciais, então ele se moveria da mesma maneira, pois a lei da
gravitação fala apenas da velocidade, nunca de um tempo absoluto a partir do
qual deveríamos começar a medir as coisas. Neste exemplo específico, na
verdade, não temos certeza. Existe a possibilidade de a força da gravidade
mudar com o tempo. Isso significaria que a translação no tempo não é uma
proposição correta, pois a constante gravitacional seria menor daqui a alguns
bilhões de anos. Logo, se daqui a bilhões de anos realizássemos o experimento
com o planeta e o Sol, o movimento não seria o mesmo. Mas, até onde
sabemos — só discuto as leis da física até onde sabemos, embora adorasse
poder discuti-las em termos de como as conheceremos no futuro! —, um
deslocamento no tempo não faz diferença.
Em um aspecto, isso não é verdade. É verdade para o que chamamos de leis
da física; mas, aparentemente, o Universo teve um início determinado e desde
então as galáxias estão se afastando. Você pode chamar isso de uma condição
geográfica, análoga à necessidade de mover tudo quando faço uma translação
no espaço. No mesmo sentido, você poderia dizer que as leis são invariantes
no tempo e que devemos transladar a expansão do Universo junto com as
outras coisas. Poderíamos ter feito uma análise diferente, na qual o Universo
começaria mais tarde, mas não podemos recomeçar o Universo e não temos
controle sobre a situação nem meios de verificar experimentalmente essa
ideia. Assim, no que diz respeito à ciência, não podemos decidir. O fato é que
as condições do mundo parecem estar mudando, com as galáxias se afastando
umas das outras.21 Numa história de ficção científica, se você acordasse em
outra era, poderia descobrir em que era estava depois de medir as distâncias
entre as galáxias. Isso significa que as coisas não funcionam da mesma
maneira se as recuarmos no tempo.
Nós separamos as leis físicas, que nos dizem como as coisas evoluem a
partir de determinadas condições, e os enunciados sobre como o Universo
começou, pois sobre isso sabemos muito pouco. Admitimos que a história
astronômica, ou cosmológica, é distinta das leis da física. Mas eu ficaria em
maus lençóis se me exigissem que explicasse a diferença. A principal
característica das leis da física é a universalidade, e nada é mais universal que
o afastamento das galáxias. Não tenho, portanto, como precisar a diferença.
Entretanto, se eu puder ignorar a origem do Universo e falar apenas das leis
da física que conhecemos, então deslocamentos no tempo não fazem
diferença.
Vejamos outros exemplos de leis de simetria. Comecemos pela rotação no
espaço em torno de um eixo fixo. Se eu fizer experimentos com determinado
equipamento e depois pegar outro igual, mas girado, de modo que todos os
eixos apontem em direções diferentes, tudo vai funcionar da mesma maneira.
Novamente, é preciso girar tudo que possa ser importante. Se colocarmos um
relógio de pêndulo na horizontal, ele vai parar. Seria preciso girar a Terra
junto (o que, aliás, ocorre!) para que ele continue a funcionar.
A descrição matemática dessa possibilidade de rotação é bastante
interessante. Para descrever o que ocorre em dada situação, usamos números
que indicam onde os objetos estão. São as chamadas coordenadas dos pontos.
Costumamos usar três números para descrever quão alto algo está, quão à
frente (ou atrás, se os números forem negativos) e quão à esquerda. Neste
caso não vou considerar a altura, pois as rotações só exigem duas dessas três
coordenadas. Vamos chamar uma coordenada de x e a outra de y. Posso
localizar qualquer ponto a partir desses dois números. Quem conhece Nova
York sabe que as ruas são numeradas dessa maneira. A ideia matemática da
rotação é a seguinte: digamos que localizo um ponto, indicando suas
coordenadas x e y, enquanto outra pessoa localiza o mesmo ponto usando as
coordenadas x’ e y’ em relação à posição dela. Então, a minha coordenada x
será uma combinação das duas coordenadas da outra pessoa. A
transformação de coordenadas faz com que x e y sejam combinações de x’ e
y’. As leis da natureza devem ser escritas de tal forma que, quando fazemos
esse tipo de combinação e a empregamos nas equações, estas não alteram suas
formas. É assim que a simetria aparece na matemática. Você escreve as
equações usando certas letras, e há uma maneira de mudá-las, passando de x e
y para x’ e y’. Depois da mudança, as equações têm a mesma aparência, com a
única diferença de que agora as variáveis são outras. Isso significa que a outra
pessoa verá o fenômeno em seus aparelhos da mesma maneira que eu vejo no
meu, que está virado em outra direção.

Figura 23
Darei outro exemplo mais interessante de uma lei de simetria, que diz
respeito à velocidade uniforme em linha reta. Acredita-se que as leis da física
não dependem da velocidade se nos movemos em linha reta em uma
velocidade uniforme. É o chamado princípio da relatividade. Considere uma
nave espacial na qual há algum equipamento que faz alguma coisa; temos um
equipamento similar na Terra. Então, se a nave viaja com velocidade
uniforme, os que estão lá dentro, ao olharem o aparelho, verão os efeitos que
vemos aqui na Terra, no nosso aparelho. É claro que se eles olharem para fora
ou se chocarem contra uma parede externa, ou algo assim, é outra história;
mas enquanto estiverem se movendo em velocidade uniforme, em linha reta,
as leis da física serão as mesmas para eles e para nós. Logo, não podemos
determinar quem está se movendo.
Antes de prosseguir, é preciso enfatizar que em todas essas transformações,
em todas essas simetrias, não estamos falando de mover o Universo inteiro.
No caso da translação temporal, dizer que devemos mover todos os instantes
do Universo não significa nada. Também não teria sentido dizer que o
Universo se comportaria da mesma maneira se eu o movesse inteiro no
espaço. O que é incrível é que posso pegar um pequeno pedaço do mundo,
onde está meu aparelho, e movê-lo em relação ao resto sem que isso faça
diferença. No caso da relatividade, isso significa que uma pessoa viajando em
uma velocidade uniforme em linha reta, em relação às estrelas, não percebe
nenhum efeito do seu movimento. Em outras palavras, a partir de
experimentos feitos dentro de uma nave, sem olhar para fora, é impossível
determinar se você está parado ou em movimento em relação às estrelas.
Newton foi o primeiro a enunciar essa proposição. Sua lei da gravitação diz
que a força é inversamente proporcional ao quadrado da distância e produz
uma mudança na velocidade. Suponha que entendi o que acontece com um
planeta que gira em torno de um sol fixo e agora quero entender o que
acontece com um planeta que gira em torno de um sol que também se move.
As velocidades medidas no primeiro e no segundo casos serão diferentes;
nesse último, tenho de adicionar uma velocidade constante. Mas a lei é
enunciada em termos de mudanças de velocidade, de modo que a força que
um planeta sente com o sol parado é a mesma que sente com o sol em
movimento; as mudanças de velocidade dos dois planetas também serão
idênticas. Qualquer velocidade adicional que incida sobre o segundo planeta
permanece constante, e todas as mudanças de velocidade se somam a ela. O
resultado final, em termos matemáticos, é o seguinte: se você adiciona uma
velocidade constante, as leis são exatamente as mesmas, de modo que,
estudando o sistema solar e o movimento dos planetas, não podemos saber se
o Sol está ou não em movimento no espaço. De acordo com a lei de Newton,
esse deslocamento pelo espaço não provoca nenhum efeito sobre o
movimento dos planetas em torno do Sol. Newton acrescentou: “O
movimento relativo dos corpos é o mesmo, independentemente de eles
estarem em repouso em relação às estrelas fixas ou em uma velocidade
retilínea uniforme.”
Novas leis foram descobertas depois da lei de Newton, entre elas as leis da
eletricidade, propostas por Maxwell.22 Uma das consequências dessas leis é
que deve haver ondas, chamadas ondas eletromagnéticas — a luz visível é um
exemplo —, que viajam a 300 mil quilômetros por segundo sempre. Viajam
nessa velocidade em quaisquer circunstâncias. Então, parecia simples saber se
estamos em repouso, pois, à primeira vista, a lei que postula que a luz viaja
sempre a 300 mil quilômetros por segundo impede que alguém se mova sem
provocar nenhum efeito. Parecia evidente que se você estivesse em uma nave
a 200 mil quilômetros por segundo em determinada direção e eu, parado,
acendesse uma lanterna, enviando luz a 300 mil quilômetros por segundo
através de uma fenda situada atrás da sua nave, então a luz passaria por você a
100 mil quilômetros por segundo. Mas, se você fizer esse experimento,
constatará que a luz passa pela nave a 300 mil quilômetros por segundo, a
mesma velocidade que ela tem em relação a quem está parado!
Não é simples entender os fatos da natureza. O resultado desse
experimento é tão contraintuitivo que muitas pessoas não acreditam nele até
hoje! Mas experimentos sucessivos indicaram que a velocidade da luz é de 300
mil quilômetros por segundo independentemente da velocidade do
observador. Como isso é possível? Einstein e Poincaré23 perceberam que se
uma pessoa em movimento e outra imóvel medem a mesma velocidade da
luz, então suas percepções de espaço e de tempo não são as mesmas; os
relógios dentro e fora da nave seguem ritmos diferentes. Você pode dizer:
“Ah, mas se eu olho para o relógio da nave, posso ver que ele anda mais
devagar.” Não, porque seu cérebro também funciona mais devagar! Então,
tendo certeza de que as coisas se passam assim dentro da nave, é possível
entender de que maneira a luz pode viajar a 300 mil quilômetros-da-nave por
segundo-da-nave e também a 300 mil quilômetros-da-Terra por segundo-da-
Terra. Constatar isso foi muito engenhoso — e surpreendentemente possível.
Já mencionei uma das consequências do princípio da relatividade: não
podemos determinar a velocidade em que nos movemos em linha reta; vocês
devem se lembrar de que na última palestra tínhamos duas naves, A e B
(figura 24). Dois eventos aconteciam nos extremos da nave B. Um homem
situado no meio da nave dizia que os eventos (x e y) eram simultâneos, pois
ele via os dois clarões ao mesmo tempo. Porém, para um homem na nave A,
que se movia em uma velocidade constante em relação a B, os mesmos
eventos não eram simultâneos; ele via x primeiro, pois a luz que vinha de x
chegava antes, já que ele se movia em direção a x.

Figura 24
Uma das consequências do princípio da simetria para velocidades
uniformes em linha reta — a palavra simetria significa que não podemos
dizer qual ponto de vista é o correto — é que falar do que acontece “agora” no
mundo não tem sentido. As coisas que são simultâneas para quem se move
em uma velocidade uniforme em linha reta não são as mesmas que parecem
simultâneas a outros. Não podemos estabelecer um acordo sobre o
significado da palavra “agora”. Essa é uma transformação profunda em nossas
ideias sobre espaço e tempo. Temos de aceitá-la para sustentar o princípio de
que a velocidade uniforme em linha reta não pode ser detectada. Duas coisas
que parecem ser simultâneas de um ponto de vista podem não ser
simultâneas quando olhadas de outro ponto de vista.
Isso se assemelha ao caso das coordenadas x e y no espaço. Se estou de
frente para o auditório, os dois lados do palco têm o mesmo valor de x, mas
valores diferentes de y. Se faço uma rotação de 90°, agora um dos lados está
na minha frente e o outro está atrás de mim. Eles têm valores diferentes de x’
e o mesmo y’. Da mesma maneira, eventos que de um ponto de vista são
simultâneos (o mesmo valor de t), de outro ponto de vista, podem ocorrer em
tempos diferentes (valores diferentes de t’). Generalizamos assim, para o
espaço e o tempo, as rotações bidimensionais. O tempo foi adicionado ao
espaço para criar um mundo de quatro dimensões. Não se trata de uma
adição simples e artificial, como aparece em muitos livros de divulgação:
“Temos de adicionar o tempo ao espaço, pois não podemos apenas identificar
um ponto, precisamos dizer quando.” Isso está certo, mas só coloca as duas
coisas juntas, o que não basta para criar um espaço-tempo quadridimensional
verdadeiro. O espaço tem a característica de existir independentemente do
ponto de vista; pontos de vista diferentes podem confundir os sentidos de
“para a frente e para trás” e de “esquerda e direita”. Analogamente, o sentido
de “futuro e passado” pode se confundir com certa quantidade de espaço.
Espaço e tempo estão completamente entrelaçados. Depois dessa descoberta,
Minkowski disse: “Espaço, em si, e tempo, em si, tornam-se meras sombras, e
apenas a união deles sobrevive.”
Insisto nesse exemplo porque o estudo das simetrias nas leis da física
começa aí. Poincaré teve a ideia de analisar o que podemos fazer com as
equações, mantendo-as inalteradas. Foi o primeiro a prestar atenção às
simetrias das leis físicas. As simetrias de translação no espaço e no tempo,
assim como outras, não são muito profundas; mas a simetria na velocidade
uniforme em linha reta é muito interessante e tem todo tipo de
consequências. Além disso, essas consequências podem ser estendidas a leis
que não conhecemos. Por exemplo, acreditando que esse princípio deve ser
verdadeiro para a desintegração de um méson mu,24 dizemos que não
podemos usar esses mésons para saber a velocidade de nossa nave; assim,
ficamos sabendo algo sobre a desintegração do méson mu, apesar de nem ao
menos sabermos por que ele se desintegra.
Há muitas outras simetrias, de tipos muito diferentes. Mencionarei
algumas. Uma é que você pode trocar um átomo por outro do mesmo tipo
sem que isso faça diferença para qualquer fenômeno. Você pode perguntar:
“O que você quer dizer com ‘do mesmo tipo’?” Só posso responder que a
substituição de um átomo por outro não tem nenhum efeito observável.
Parece que os físicos estão sempre dizendo coisas sem sentido. Há muitos
tipos diferentes de átomos, e se você substitui um por outro do mesmo tipo,
não faz diferença, o que parece uma definição circular. O sentido real da coisa
é que existem átomos do mesmo tipo; é possível encontrar grupos, classes de
átomos tais que podemos trocar um por outro do mesmo tipo sem que isso
faça diferença. Como o número de átomos contidos em um pequeno pedaço
de um material qualquer é, mais ou menos, 1 seguido de 23 zeros, é muito
importante que alguns sejam equivalentes, que não sejam todos diferentes. É
realmente muito interessante que possamos classificá-los em um número
limitado de tipos, de modo que a afirmação de que podemos trocar um por
outro do mesmo tipo tem bastante significado.
Essa afirmação tem significado máximo em mecânica quântica, mas é
impossível explicar isso aqui, em parte, apenas em parte, porque esta palestra
é dirigida a uma audiência sem formação em matemática; de qualquer
maneira, trata-se de algo bastante sutil. Em mecânica quântica, a afirmação de
que podemos trocar um átomo por outro do mesmo tipo tem consequências
maravilhosas. Produz fenômenos peculiares no hélio líquido, o líquido que
escorre por tubos sem experimentar resistência, deslizando para sempre.
Também está na origem da tabela periódica dos elementos e da força que me
impede de atravessar o chão. Não vou entrar em detalhes aqui, mas quero
enfatizar a importância de conhecer bem esses princípios.
Você deve estar convencido de que todas as leis da física são simétricas em
relação a algum tipo de mudança. Então agora vou dar alguns exemplos de
casos em que isso não funciona. O primeiro refere-se a mudanças de escala.
Se você constrói um dispositivo e depois constrói outro semelhante, com o
mesmo material, porém duas vezes maior, eles não funcionarão exatamente
do mesmo jeito. Quem tem familiaridade com átomos sabe disso, pois, se o
dispositivo for 10 bilhões de vezes menor, só terei cinco átomos nele, e não
posso construir uma máquina com apenas cinco átomos. É óbvio que não
podemos mudar a escala se formos tão longe no domínio microscópico, mas
mesmo antes de termos compreendido a estrutura atômica já estava claro que
esse princípio não podia estar certo. Vocês já devem ter lido nos jornais que
de vez em quando alguém constrói uma catedral com palitos de fósforo —
com muitos andares, mais gótica do que qualquer catedral gótica e ainda mais
delicada. Por que não construímos grandes catedrais dessa maneira, usando
toras enormes, no mesmo grau de detalhe? A resposta é que se fizéssemos isso
ela seria tão grande e pesada que desabaria. “Ah! Mas você está esquecendo
que, ao compararmos as duas situações, temos de mudar tudo. A catedral
pequena, feita de palitos, é atraída pela Terra, então, para compensar, a
catedral grande teria de ser atraída por uma Terra ainda maior.” Pior ainda.
Uma Terra maior atrairia com mais força, e as toras se quebrariam com mais
facilidade!
O fato de as leis da física não serem invariantes para transformações de
escala foi descoberto por Galileu. Discutindo a resistência dos ossos, ele
argumentou que um animal duas vezes mais alto, largo e comprido teria peso
oito vezes maior e precisaria de ossos oito vezes mais resistentes. Mas o peso
que um osso pode suportar depende de sua seção transversal. Um osso duas
vezes maior tem seção apenas quatro vezes maior; pode suportar apenas
quatro vezes o peso, e não oito vezes. Em seu livro Diálogo sobre duas novas
ciências,25 vemos figuras de ossos imaginários de cachorros enormes,
totalmente desproporcionais. Galileu deve ter achado que a descoberta de que
as leis da natureza não permanecem inalteradas quando mudamos a escala
era tão importante quanto a das leis do movimento, já que colocou as duas
juntas no mesmo livro.
Outro contraexemplo de uma lei de simetria é o fato de que alguém em
uma nave espacial que gira com velocidade angular uniforme tem como saber
que está girando. Pode até ficar tonto... Mas há outros efeitos: as coisas são
arremessadas contra as paredes pela força centrífuga (ou como você queira
descrever — espero que não haja professores de física no auditório para me
corrigir!). Com o auxílio de um pêndulo ou de um giroscópio, podemos saber
que a Terra gira. Muitos observatórios e museus possuem os “pêndulos de
Foucault”,26 que provam a rotação da Terra sem recorrer à observação das
estrelas. É possível saber que estamos girando com velocidade angular
uniforme sem olhar para fora da Terra, pois as leis da física não permanecem
inalteradas na presença desse movimento.
Muitas pessoas já sugeriram que a Terra gira apenas em relação às galáxias
e que não faria diferença se as galáxias girassem. Bem, não sei o que
aconteceria se girássemos todo o Universo. Por ora não temos como saber.
Também não temos uma teoria que descreva a influência das galáxias sobre as
coisas da Terra, de modo a demonstrar — diretamente, sem trapacear nem
forçar a mão — que a inércia de rotação resulta das forças dos objetos ao
redor (um efeito da rotação, por exemplo, é o fato de que a água girando
dentro de um balde tem superfície côncava). Esse é o chamado princípio de
Mach, mas não sabemos se é verdadeiro. A questão experimental mais direta
é saber se sentimos algum efeito quando rodamos com velocidade angular
constante em relação às estrelas. A resposta é sim. E se nos movermos numa
espaçonave com velocidade constante em linha reta em relação às estrelas,
observaremos algum efeito? A resposta é não. São coisas diferentes. Não
podemos dizer que todo movimento é relativo. A relatividade não diz isso. O
que não pode ser detectado é um movimento com velocidade uniforme em
linha reta em relação às estrelas.
A próxima lei de simetria que eu gostaria de comentar é interessante, tanto
por si mesma quanto por sua história. Trata-se da reflexão espacial. Construo
um aparato — digamos, um relógio — e depois, a certa distância, construo
outro que é uma imagem espelhada do primeiro. Eles se ajustam um ao outro
como duas luvas, direita e esquerda; cada mola enrolada para um lado em um
relógio tem uma correspondente enrolada para o outro lado no segundo
relógio, e assim por diante. Dou corda nos relógios, acerto os dois no mesmo
horário e deixo que funcionem. A pergunta é: sempre estarão de acordo um
com o outro? O funcionamento de um será sempre a imagem do
funcionamento do outro? Não sei qual seria a resposta de vocês,
provavelmente sim. A maioria das pessoas responde assim.
É claro que não estamos falando de uma questão de geografia: podemos
distinguir esquerda e direita em geografia. Se estivermos na Flórida e
olharmos para Nova York, o mar estará à nossa direita. Caso o nosso relógio
precisasse da água do mar, não funcionaria se o construíssemos ao contrário,
pois seu mecanismo não tocaria na água. Nesse caso, seria preciso imaginar
que a geografia da Terra estaria invertida também para o outro relógio; tudo
que está envolvido no fenômeno precisaria ser invertido. Tampouco estamos
interessados no aspecto histórico. Se você olhar parafusos em uma loja de
ferragens, verá que a maioria possui rosca à direita. Você poderia argumentar
que o outro relógio não seria igual porque teríamos dificuldade para
encontrar os parafusos adequados. Mas isso só tem a ver com o tipo de coisas
que normalmente construímos. Seja como for, o primeiro palpite
provavelmente será que não faz diferença, ou seja, os relógios funcionariam
da mesma maneira. As leis da gravitação são tais que, se os relógios
funcionassem por gravidade, não faria diferença. As leis da eletricidade e do
magnetismo são tais que, mesmo que os relógios tivessem elementos elétricos
e magnéticos, correntes e fios etc., o relógio invertido continuaria
funcionando. Se o funcionamento dos relógios envolvesse reações nucleares
normais, também não faria diferença. Mas algo pode fazer diferença.
Talvez vocês saibam que é possível medir a concentração de açúcar na água
usando luz polarizada. Usemos um pedaço de polaroide, que só deixa passar
luz polarizada em certa direção; conforme a luz penetra mais e mais fundo na
mistura de água com açúcar, precisamos girar cada vez mais para a direita
outro pedaço de polaroide no fundo, para a luz passar. Mesmo que venha de
outra direção, a luz passará pela solução e continuará girando para a direita.
Eis aqui uma diferença entre esquerda e direita. Podemos usar água com
açúcar e luz em nossos relógios. Suponha que temos um tanque de água com
açúcar, incidimos luz nele e viramos o segundo pedaço de polaroide de modo
que a luz atravesse a mistura; suponha agora que fazemos a mesma coisa no
nosso segundo relógio, esperando que a polarização gire para a esquerda. Ela
não gira. Vai continuar girando para a direita e não atravessará o polaroide.
Usando água com açúcar, nossos relógios se comportam de maneira
diferente!
É um fato notável. À primeira vista, parece provar que as leis da física não
têm simetria de reflexão. Podemos usar açúcar de beterraba no experimento,
mas também podemos fabricá-lo em laboratório usando dióxido de carbono e
água. Se usarmos açúcar artificial, que para todos os efeitos parece ser
quimicamente igual, a polarização da luz não se altera. Bactérias comem
açúcar; se colocarmos bactérias numa solução de açúcar artificial, elas só
comerão metade do açúcar. Se fizermos o experimento depois de elas
terminarem essa metade, descobriremos que a polarização gira para a
esquerda.
A explicação é a seguinte. O açúcar é uma molécula complicada, um
conjunto de átomos em um arranjo complicado. Se criarmos o mesmo
arranjo trocando esquerda por direita, então as distâncias entre cada par de
átomos serão as mesmas, as energias das moléculas serão as mesmas, de modo
que em qualquer processo químico que não envolva seres vivos elas serão
equivalentes. Mas com seres vivos há uma diferença: as bactérias podem
comer apenas um tipo de açúcar. O açúcar de beterraba é de um só tipo, todo
de moléculas destras, e portanto gira a luz em uma única direção. As bactérias
só comem esse tipo de molécula. Quando fabricamos açúcar a partir de
substâncias que não são assimétricas, criamos os dois tipos em igual
quantidade. Se então introduzirmos as bactérias, elas vão eliminar o tipo que
podem comer e deixar o outro. É por isso que a luz passa a girar para o outro
lado. Pasteur27 descobriu que podemos distinguir os diferentes tipos olhando
os cristais através do microscópio. Podemos demonstrar que tudo isso faz
sentido, e, se quisermos, nós mesmos podemos separar os açúcares, sem
esperar pelas bactérias. Mas o interessante é que as bactérias possam fazer
isso. Isso significa que os fenômenos da vida não obedecem às mesmas leis?
Aparentemente, não. Parece que as criaturas vivas são formadas por muitas
moléculas complicadas, todas enroladas de alguma maneira. As moléculas
mais características dos seres vivos são as proteínas, que têm um formato de
parafuso com rosca à direita. Até onde sabemos, se pudéssemos criar essas
moléculas quimicamente, enrolando-as para a esquerda em vez de para a
direita, elas não funcionariam biologicamente porque não encaixariam em
outras proteínas. Uma proteína canhota poderia encaixar em outra proteína
canhota, mas canhotas e destras não se encaixariam. As bactérias cujos
componentes químicos têm proteínas destras podem distinguir entre
açúcares canhotos e destros.
Como elas ficaram assim? A física e a química podem produzir ambos os
tipos de moléculas, mas não podem distingui-las. A biologia pode. É fácil
imaginar uma explicação: há muito tempo, quando a vida começou, alguma
molécula foi criada acidentalmente e começou a se reproduzir e a evoluir até
que, depois de muitos e muitos anos, criaturas esquisitas com coisas
penduradas que terminam em pontas conseguem ficar em pé e bater papo...
Somos descendentes das primeiras moléculas que se formaram, por acaso, de
um jeito e não de outro. Tinha de ser um ou outro, esquerda ou direita, e a
partir daí elas se reproduziram e se propagaram. É como os parafusos na loja
de ferragens. Usamos parafusos destros para produzir novos parafusos
destros e assim por diante. O fato de todas as moléculas dos seres vivos terem
o mesmo tipo de orientação é uma das mais profundas demonstrações da
origem comum de toda a vida, desde o estágio molecular.
Para testar melhor se as leis da física são invariantes à direita e à esquerda,
podemos formular o problema da seguinte maneira. Suponha que estamos
conversando ao telefone com um marciano ou um arcturiano e queremos
descrever para ele as coisas da Terra. Primeiro, é claro, como ele vai entender
nossas palavras? Essa questão foi estudada pelo professor Morrison28 em
Cornell. Ele notou que poderíamos começar dizendo “tique, um; tique, tique,
dois; tique, tique, tique, três” e assim por diante. O marciano logo entenderia
os números. Uma vez que ele entendesse o sistema numérico, poderíamos
escrever uma sequência inteira de números que representassem os pesos
atômicos dos elementos químicos, em sucessão, dizendo: “hidrogênio: 1.008”,
deutério, hélio etc. Depois de estudar esses números, ele poderia descobrir
que as razões entre eles eram as razões entre os pesos dos elementos. Logo,
aqueles nomes deveriam ser os nomes dos elementos. Gradualmente,
poderíamos criar uma linguagem comum. Agora vem o problema. Imagine
que, depois de desenvolvermos alguma familiaridade, ele diz: “Caras, vocês
são muito legais. Gostaria de saber como é sua aparência.” Você começa:
“Temos cerca de 1,80 metro.” E ele diz: “Um metro? Que é isso?” Essa é fácil:
“Um metro corresponde a 10 bilhões de átomos de hidrogênio enfileirados.”
Isso não é uma piada. É uma maneira possível de dizer a alguém o que é um
metro, admitindo que não temos como lhe enviar nenhum objeto nem
possuímos objetos em comum. Como as leis da física não são invariantes sob
transformações de escala, podemos usar isso para indicar a nossa escala.
Podemos continuar nos descrevendo — temos 1,80 metro, temos simetria
bilateral exterior, temos saliências que terminam em pontas etc. Então ele
diria: “Isso é muito interessante, mas como vocês são por dentro?” Então
descreveríamos o coração etc. e diríamos: “O coração fica do lado esquerdo.”
Mas como mostraremos a ele qual é o lado esquerdo? “Ora”, dirá você, “pegue
açúcar de beterraba, passe luz polarizada, ela gira...” — mas o marciano não
tem açúcar de beterraba. Além disso, não sabemos se os acidentes da evolução
da vida em Marte, mesmo que tivessem produzido proteínas como as daqui,
não teriam produzido desde o início moléculas canhotas. Não podemos
explicar ao marciano o que é lado esquerdo.
Na década de 1950, entretanto, alguns experimentos produziram resultados
intrigantes. Não vou entrar em detalhes, mas mergulhamos cada vez mais em
dificuldades, em situações paradoxais, até que finalmente Lee e Yang29
propuseram que talvez o princípio de simetria entre esquerda e direita — ou
seja, o fato de que a natureza é a mesma à direita e à esquerda — não estivesse
correto, o que ajudaria a entender aqueles resultados estranhos. Propuseram
experimentos para demonstrar isso. Vou mencionar o mais direto de todos.
Consideremos uma desintegração radioativa que emite um elétron e um
neutrino — um exemplo, sobre o qual já falamos, é a desintegração de um
nêutron em um próton, um elétron e um antineutrino. Há muitas reações
radioativas em que a carga do núcleo aumenta de uma unidade pela emissão
de um elétron. Se medirmos o spin dos elétrons — os elétrons giram30 ao sair
—, descobriremos que eles giram para a esquerda quando vistos de cima: se
estão indo para o Sul, giram no mesmo sentido que a Terra. Isso é muito
significativo: o elétron emitido pela desintegração sempre gira para a
esquerda. É como se, no decaimento beta, o cano da arma que dispara
elétrons tivesse raias. Existem duas maneiras de fazer raias em uma arma: a
bala pode girar para a direita ou para a esquerda ao sair. O experimento
mostra que o elétron vai para a esquerda quando sai de um cano raiado.
Então podemos ligar para o marciano e dizer: “Pegue um material radioativo,
um nêutron, e observe o elétron emitido no decaimento beta. Se o elétron
estiver indo para cima ao sair, o sentido do spin indica a esquerda do corpo
que o emite. Lado esquerdo é isso. Aí está o coração.” Se é possível distinguir
esquerda e direita, é falha a lei que diz que o mundo é simétrico sob reflexão.
O próximo assunto de que quero falar é a conexão entre leis de conservação
e leis de simetria. Na última palestra falamos sobre princípios de conservação,
conservação da energia, do momento linear, do momento angular etc. É
muito interessante constatar que parece haver uma conexão profunda entre
leis de conservação e leis de simetria. Essa conexão só pode ser bem
interpretada, pelo menos da maneira como a entendemos hoje, no contexto
da mecânica quântica. Ainda assim, vou apresentar um exemplo.
Admitindo que as leis da física podem ser descritas por um princípio de
mínimo, podemos mostrar que se uma lei admite o deslocamento do
equipamento — ou seja, se admite translações espaciais —, então deve haver
conservação de momento linear. Existe uma conexão profunda entre
princípios de simetria e leis de conservação, mas essa conexão requer que o
princípio de mínimo seja válido. Na segunda palestra apresentei uma maneira
de descrever as leis da física dizendo que as partículas vão de um lugar a outro
em um dado intervalo de tempo optando entre diferentes caminhos. Existe
uma quantidade que é chamada, talvez impropriamente, de ação. Quando
calculamos a ação ao longo dos vários caminhos possíveis, verificamos que a
ação é sempre menor no caminho real do que em qualquer outro — ou seja, a
ação é mínima no caminho real, entre todos os caminhos possíveis. Outra
maneira de dizer que a ação é mínima é dizer que se modificarmos o caminho
só um pouquinho, isso quase não faz diferença. Suponha que você esteja
andando em colinas — colinas suaves, já que os objetos matemáticos
envolvidos correspondem a coisas suaves — e chegue a um local de altura
mínima; se der um pequeno passo, sua altura não se modificará. Quando
estamos em pontos de altura mínima ou máxima, um passo não faz diferença
na altura, pelo menos em primeira aproximação; se estivermos em uma
ladeira, um passo para baixo nos faz descer e um passo para cima nos faz
subir. É por isso que, quando estamos no ponto mais baixo, dar um passo não
faz muita diferença: se fizesse, então ao dar um passo na outra direção
poderíamos descer mais. Já que estamos no ponto mais baixo e não podemos
descer mais, nossa primeira aproximação é dizer que um passo não faz
diferença. Sabemos então que se a partícula alterar pouco o seu caminho, isso
não vai fazer diferença na ação, em primeira aproximação.

Figura 25
Vou desenhar um caminho, de A a B (figura 25). Agora, quero que
considerem o seguinte caminho alternativo: primeiro, vamos para um ponto
próximo, C, e então fazemos o caminho paralelo até outro ponto, que
chamamos D, que está deslocado da mesma maneira, é claro. Acabamos de
descobrir que as leis da natureza são tais que a ação total ao longo do
caminho ACDB, em primeira aproximação, é a mesma que ao longo do
caminho original AB — isso vem do princípio de mínimo, desde que AB
represente o movimento real. Vou dizer mais uma coisa. Se o mundo
permanece o mesmo quando deslocamos tudo, a ação do caminho original,
de A a B, é a mesma que a de C a D, pois a diferença entre esses dois
caminhos corresponde a apenas um deslocamento em bloco. Se existe
simetria de translação no espaço, a ação do caminho de A a B é a mesma que
a do caminho de C a D. Entretanto, no caso do movimento real, a ação do
caminho indireto ACDB é quase a mesma que a do caminho direto AB, e,
portanto a mesma que a de C a D. Essa ação indireta é a soma de três partes
— a ação para ir de A a C, a de C a D, mais a de D a B. Temos um
cancelamento, pois a contribuição de A a C deve cancelar a de D a B. No
movimento em um desses trechos vamos em um sentido, enquanto no outro
vamos no sentido oposto. Se pegarmos a contribuição de A a C e trocarmos a
de D a B pela de B a D (trocando também o sinal por causa da inversão de
sentido), então veremos que AC deve cancelar BD. Esse é o efeito que um
pequeno passo na direção de B a D tem sobre a ação. Essa quantidade, o efeito
sobre a ação de um pequeno passo para a direita, é a mesma no começo (A a
C) e no final (B a D). Portanto, há uma quantidade que não se altera com o
tempo, desde que o princípio de mínimo e o princípio de simetria por
deslocamento espacial funcionem. Essa quantidade invariante (o efeito sobre
a ação de um pequeno passo para o lado) é exatamente o momento linear que
discutimos na palestra anterior. Isso mostra a relação entre leis de simetria e
leis de conservação, admitindo-se que as leis obedecem a um princípio de
mínima ação. Isso ocorre porque elas vêm da mecânica quântica. Por isso eu
disse que, em última análise, a conexão entre leis de simetria e leis de
conservação vem da mecânica quântica.
O argumento correspondente para o caso de um deslocamento no tempo
vem do princípio de conservação da energia. A invariância das leis em relação
a rotações no espaço vem da conservação do momento angular. A invariância
em relação à reflexão em um espelho não parece corresponder a nada simples
no sentido clássico. As pessoas chamam isso de paridade, e há uma lei
chamada conservação da paridade, mas isso são só palavras complicadas.
Tenho de mencionar a conservação da paridade, porque vocês podem ter lido
nos jornais que essa lei foi declarada falsa. Teria sido mais fácil de entender se
eles tivessem escrito: ficou demonstrado que se pode distinguir entre direita e
esquerda.
Há novos problemas que envolvem as simetrias. Por exemplo, para cada
partícula há uma antipartícula: para o elétron há o pósitron, para o próton, o
antipróton. Em princípio, podemos criar o que chamamos antimatéria, na
qual cada átomo é formado pelas correspondentes antipartículas. O átomo de
hidrogênio consiste em um próton e um elétron; se colocarmos juntos um
antipróton, que é eletricamente negativo, e um pósitron, eles também
formarão uma espécie de átomo de hidrogênio, o átomo de anti-hidrogênio.
Esses átomos nunca foram criados,31 mas sabemos que, em princípio, podem
funcionar; poderíamos criar assim todos os elementos com antimatéria. Será
que a antimatéria se comportaria da mesma maneira que a matéria? Até onde
sabemos, sim. Uma das leis de simetria diz que, se fizermos uma coisa de
antimatéria, ela se comportará da mesma maneira que se comportaria se a
fizéssemos da matéria correspondente. Se as duas se encontrassem, se
aniquilariam num clarão.
Sempre se acreditou que matéria e antimatéria seguiam as mesmas leis.
Mas surgiu uma questão importante quando descobrimos que a simetria
entre esquerda e direita falha. Na desintegração de um antinêutron — ele
decai em um antipróton, mais um antielétron (também chamado de
pósitron), mais um neutrino —, o pósitron sai girando para a esquerda ou
para a direita? Até algum tempo atrás, acreditávamos que se comportaria ao
contrário da matéria comum: a antimatéria (pósitron) giraria para a direita
nas situações em que a matéria (elétron) gira para a esquerda. Nesse caso não
poderíamos dizer ao marciano o que são esquerda e direita, pois se ele fosse
feito de antimatéria e fizesse o experimento, seus elétrons seriam pósitrons e
sairiam girando no sentido oposto. Ele colocaria o coração do lado errado.
Suponha que você liga para o marciano e explica como se faz um homem;
ele faz um e funciona. Então você explica todas as nossas convenções sociais.
Finalmente, depois de ele nos ensinar a construir uma espaçonave
suficientemente boa, você encontra esse homem e lhe estende a mão direita,
para cumprimentá-lo. Se ele estender a mão direita, tudo bem, mas se
estender a esquerda, cuidado... vocês dois vão se aniquilar!
Gostaria de poder falar sobre outras simetrias, mas elas são mais difíceis.
Outra coisa notável são as quase simetrias. Por exemplo, somente em um
efeito muito pequeno, que é a desintegração beta, podemos distinguir entre
esquerda e direita. A natureza é 99,99% indistinguível sob reflexão, mas há
um pedacinho dela, um pequeno fenômeno, que é diferente e assimétrico. É
um mistério que ninguém sabe explicar.

20 Hermann Weyl (1885-1955), matemático alemão.


21 Há indícios de que essa expansão é acelerada por algum tipo de força antigravitacional, que os físicos
chamam de energia escura. A observação valeu o Prêmio Nobel de 2011 a três pesquisadores dos
Estados Unidos. [n.t.]
22 James Clerk Maxwell (1831-1879), primeiro professor de física experimental em Cambridge. Essas
leis não foram descobertas integralmente por Maxwell; foram estendidas e sistematizadas por ele.
[n.t.]
23 Jules Henri Poincaré (1854-1912), matemático francês.
24 Hoje, essa partícula faz parte da “família” dos léptons. [n.t.]
25 O título completo é Discurso e demonstração matemática acerca de duas novas ciências. Uma é a
ciência da resistência dos materiais e a outra é a ciência do movimento. [n.t.]
26 Jean Bernard Léon Foucault (1819-1868), cientista francês.
27 Louis Pasteur (1822-1895), bacteriologista francês.
28 Philip Morrison (1915-2005), físico americano.
29 Tsung-Dao Lee e Chen Ning Yang, físicos chineses que dividiram o Prêmio Nobel em 1957.
30 Feynman recorre à metáfora de associar o spin do elétron a uma rotação em torno de seu eixo.
Elétrons são partículas sem estrutura e, portanto, não giram. O spin é uma propriedade intrínseca
das partículas, assim como carga e massa, que pode assumir apenas um conjunto finito de valores.
Os elétrons, prótons e nêutrons, por exemplo, podem ter spin +1/2 ou –1/2. Partículas cujo spin é
sempre a metade de um número inteiro são chamadas férmions. Por outro lado, os bósons são as
partículas cujo spin é sempre um número inteiro, como o fóton. Toda partícula elementar pertence a
uma dessas duas categorias. Em particular, todos os bárions são férmions. [n.t.]
31 Em 2011, átomos de anti-hidrogênio foram produzidos e armazenados por mais de quinze minutos
nos laboratórios do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (cern). [n.t.]
5
A distinção entre passado e futuro

Todos reconhecem que os fenômenos da natureza são irreversíveis: as coisas


acontecem de um jeito e não de outro. Você deixa cair uma xícara de café e
ela quebra; se quiser, pode sentar e esperar por um longo tempo que as peças
se juntem novamente e saltem para sua mão. Se você olha as ondas do mar
quebrando na praia, pode esperar sentado pelo grande momento em que a
espuma vai se juntar, se erguer e voltar como uma onda para o mar,
deslocando-se para longe da praia — seria muito bonito!
Em palestras, é comum demonstrarmos a irreversibilidade passando ao
contrário um trecho de filme e esperando as risadas. Os risos querem dizer
que aquilo não aconteceria no mundo real. Mas essa é uma maneira fraca de
expressar algo tão óbvio e profundo como a diferença entre passado e futuro;
mesmo sem nenhum experimento, nossas experiências interiores separam
claramente essas duas dimensões: nos lembramos do passado, mas não do
futuro. Temos um tipo diferente de consciência do que talvez aconteça e do
que aconteceu. Em termos psicológicos, o passado e o futuro são
completamente diferentes. Sentimos que podemos fazer algo que afete o
futuro, mas nenhum de nós ou quase ninguém acredita que é possível
modificar o passado. Remorso, arrependimento e esperança são palavras que
distinguem perfeitamente passado e futuro.
A natureza é feita de átomos. Nós também. Obedecemos às leis da física.
Então, essa distinção entre passado e futuro, essa irreversibilidade dos
fenômenos, permite a óbvia interpretação de que algumas leis de movimento
dos átomos devem ser de mão única. Eles não podem se deslocar em qualquer
direção. Em algum lugar deve haver um princípio que diga que as coisas só
podem seguir numa direção, nunca em outra. Essas interações de mão única
devem fazer com que todos os fenômenos do mundo pareçam ocorrer na
mesma direção.
Ainda não encontramos esse princípio. As leis da física que já descobrimos
não parecem distinguir entre passado e futuro. O físico que assistisse ao filme
nos dois sentidos não deveria rir.
Vamos tomar o exemplo típico da lei da gravitação. Um planeta gira em
alguma direção em torno de um sol. Eu filmo esse movimento e passo o filme
ao contrário. Que acontece? O planeta gira em torno do mesmo sol — em
sentido oposto, é claro —, mas continua a descrever uma elipse, varrendo
áreas iguais em tempos iguais. Tudo se passa exatamente como deveria. Esse
movimento não pode ser distinguido daquele que vai em outro sentido.
Portanto, a lei da gravitação não discrimina a direção do tempo; se você
passar ao contrário um filme que mostra um fenômeno que envolva apenas a
gravitação, tudo parecerá bem. Podemos formular isso de modo mais preciso:
em um sistema complicado, se as velocidades de todas as partículas fossem
revertidas de repente, então o sistema apenas desfaria tudo o que havia feito.
Se você tem inúmeras partículas fazendo alguma coisa e de repente inverte as
velocidades, elas desfazem o que fizeram antes.
Isso está na lei da gravitação, que diz que as mudanças de velocidade
decorrem de forças. Se inverto o tempo, as forças não mudam; logo, as
variações de velocidade também não se alteram. Cada velocidade sofre
alterações sucessivas, na sequência inversa das anteriores. É fácil mostrar que
a lei da gravitação é reversível no tempo.
E as leis da eletricidade e do magnetismo? São reversíveis no tempo. E as
leis das interações nucleares? Até onde sabemos, também são. E as leis do
decaimento beta, a que nos referimos na palestra anterior? Experimentos
recentes indicam que pode haver algum problema. Algo desconhecido sugere
que o decaimento beta pode não ser reversível no tempo, mas precisamos
aguardar mais experimentos para ter certeza. Porém, seja ou não reversível no
tempo, o decaimento beta é um fenômeno pouco importante em
circunstâncias comuns. A conversa que estamos tendo não depende de
decaimento beta, embora dependa de interações químicas, de forças elétricas,
um pouco de forças nucleares e da gravitação.
A conversa é de mão única: quando falo, a voz se propaga pelo ar e não
pode retornar para a minha boca; essa irreversibilidade não pode ser debitada
na conta do decaimento beta. Em outras palavras, a maioria dos fenômenos
comuns do mundo, que são produzidos por movimentos atômicos, segue leis
reversíveis. Precisamos procurar mais se quisermos encontrar uma explicação
para a irreversibilidade.
Se olharmos com mais cuidado para os planetas que giram em torno do Sol,
logo veremos que nem tudo está bem. Por exemplo, a rotação da Terra em
torno de seu eixo está desacelerando lentamente por causa do atrito das
marés. O atrito é obviamente irreversível. Se eu empurrar um objeto pesado
que esteja no chão, ele vai deslizar e parar. Mesmo que eu fique esperando, ele
não vai se mover de repente e voltar para a minha mão. O efeito do atrito
parece ser irreversível. Mas esse efeito, como vimos em outra ocasião, resulta
de interações muito complexas do objeto com o chão, interações que agitam
os átomos. O movimento organizado do objeto se transforma em agitação
irregular e desorganizada dos átomos do chão. Precisamos estudar melhor
esse assunto.
Encontramos aqui uma pista da irreversibilidade aparente. Vou dar um
exemplo simples. Suponha que temos dois recipientes separados, um com
água misturada com tinta azul, outro com água sem tinta. Retiramos a
separação entre os recipientes, com bastante cuidado. As águas começam
separadas, azul de um lado e branca do outro, mas se misturam
gradualmente. Depois de um tempo, toda a água estará azul-clara, com a cor
distribuída de maneira uniforme pelo recipiente. Mesmo que esperemos
muito tempo, ela não irá se separar espontaneamente. (Você poderia fazer
alguma coisa para separar o azul: poderia evaporar a água e condensá-la em
outro lugar, coletar o corante azul e dissolvê-lo em metade da água,
recomeçando tudo. Mas, ao fazer isso, estaria causando fenômenos
irreversíveis em outros lugares.) O sistema não retorna espontaneamente.
Isso nos dá uma pista. Observemos as moléculas. Suponhamos que
conseguimos filmar as águas se misturando. O filme parecerá estranho se o
passarmos de trás para a frente, pois começaremos com água de cor uniforme
e veremos as cores se separarem gradualmente, uma coisa doida. Agora
ampliamos a imagem, para que os físicos possam observar molécula por
molécula e ver o que é, afinal, irreversível — ou seja, onde a lei de
equivalência entre futuro e passado é violada. Começamos a ver o filme.
Temos moléculas de duas cores (isso é ridículo, mas vamos chamá-las de
azuis e brancas) agitando-se em movimento térmico. Se começarmos do
começo, veremos moléculas de um tipo em um lado e moléculas de outro tipo
no outro. São bilhões e se agitam em todas as direções. Esse movimento
irregular perpétuo produz a mistura, e a água fica cada vez mais
uniformemente azul.
Selecionemos e observemos uma colisão qualquer, na qual as moléculas se
aproximam e se afastam. Agora, passemos esse trecho do filme ao contrário.
Veremos o par de moléculas se aproximando e se afastando em movimento
inverso. O físico olha para isso com seu olho treinado, mede tudo e diz: “Isso
está de acordo com as leis da física. Se duas moléculas colidem dessa maneira,
afastam-se daquela maneira.” O fenômeno é reversível! As colisões
moleculares seguem leis reversíveis.
Não conseguimos entender nada: cada colisão é reversível, mas o filme da
mistura passado ao contrário mostra algo absurdo, com as moléculas
inicialmente misturadas — azul, branca, azul, branca, azul, branca — e o azul
se separando do branco, aos poucos, depois das colisões. As moléculas não
podem fazer isso: não é natural que azuis e brancas se separem por efeito do
acaso. Ainda assim, observando os detalhes do filme ao contrário, vemos que
cada colisão está correta.
A irreversibilidade é causada pelos acidentes usuais da vida. Se começamos
com algo que está separado e fazemos mudanças irregulares, ele se torna mais
uniforme; mas se começamos com algo uniforme e fazemos mudanças
irregulares semelhantes, ele não se separa. Ele poderia se separar. As leis da
física não impedem que as moléculas se separem depois das colisões. Isso é
apenas improvável. Não aconteceria nem se esperássemos 1 milhão de anos.
Eis a resposta: as coisas são irreversíveis porque ir para um lado é provável e ir
para o outro lado, embora seja possível pelas leis da física, não aconteceria
nem em 1 milhão de anos. Seria ridículo esperar que o movimento dos
átomos separasse uma mistura uniforme de água e tinta, levando água para
um lado e tinta para o outro.
Se eu repetisse o experimento em uma caixa muito pequena, onde só
houvesse quatro ou cinco moléculas de cada tipo, elas também se
misturariam. Nesse caso, porém, se continuássemos olhando as colisões
irregulares das moléculas, depois de algum tempo — não 1 milhão de anos,
talvez apenas um ano — veríamos que acidentalmente elas voltariam mais ou
menos ao estado original, pelo menos no sentido de que, se fosse colocada
uma barreira no meio da caixa, todas as brancas estariam de um lado e todas
as azuis do outro. Isso não é impossível. Mas os objetos reais, com os quais
lidamos, não têm quatro ou cinco moléculas; têm 4 ou 5 milhões de milhões
de milhões de milhões, que não se separam assim. A aparente
irreversibilidade da natureza não vem da irreversibilidade das leis físicas
fundamentais; vem do fato de que, se você começa com um sistema ordenado
e deixa agirem as irregularidades da natureza — a agitação das moléculas —,
então o sistema caminha para um lado só.
A próxima questão é: como, então, as coisas chegaram a ficar ordenadas?
Como é possível estabelecer uma ordem? Vejam a dificuldade: sempre
começamos com algo ordenado e terminamos com algo desordenado. Uma
das regras do mundo é que as coisas sempre transitam de uma condição
ordenada a uma condição desordenada. Aliás, as palavras “ordem” e
“desordem” são desses termos que, em física, não têm o mesmo sentido que
têm na vida comum. O que aqui chamamos de ordem não precisa ser
interessante para os seres humanos. Estamos falando de situações definidas —
certas moléculas de um lado e outras do outro — ou misturadas. As primeiras
são ordenadas, as segundas, desordenadas.
Como surgiram coisas ordenadas? Quando olhamos uma situação comum,
parcialmente ordenada, por que podemos concluir que ela provavelmente
veio de outra situação que era mais ordenada? Se observarmos um recipiente
com água azul-escura de um lado, branca do outro e azul-clara no meio, e se
soubermos que o recipiente ficou isolado por vinte ou trinta minutos,
podemos afirmar que a água ficou desse jeito porque a separação era mais
completa no passado; se esperarmos mais tempo, o azul e o branco ficarão
ainda mais misturados. Se soubermos que o recipiente ficou isolado por um
tempo suficientemente longo, poderemos concluir algo sobre a condição
passada. O fato de a cor ser “homogênea” nos lados indica que a separação era
maior no passado; se não fosse assim, a mistura seria agora mais completa.
Portanto, a partir do presente é possível dizer algo sobre o passado.
Os físicos normalmente não fazem isso. Gostam de pensar que tudo o que
você precisa fazer é dizer: “Dadas essas condições, o que acontece depois?”
Mas outras ciências — história, geologia, astronomia — têm outros
problemas. Elas podem fazer previsões de um tipo completamente diferente.
Um físico dirá: “Dadas essas condições, posso dizer o que acontece depois.”
Mas um geólogo dirá: “Fiz uma escavação e encontrei esses ossos. Suponho
que se você escavar encontrará ossos do mesmo tipo.” O historiador fala
sobre o passado, mas pode fazê-lo invocando o futuro. Quando ele diz que a
Revolução Francesa ocorreu em 1789, quer dizer que você encontrará a
mesma data se consultar outro livro sobre o assunto. Faz uma espécie de
previsão sobre algo que nunca viu, sobre documentos que ainda estão por ser
encontrados. Prevê que os documentos que se referem a Napoleão
coincidirão com os outros documentos. Como isso é possível? Neste sentido,
o mundo era mais organizado no passado do que é no presente.
Algumas pessoas propuseram que o mundo se ordenou da seguinte
maneira. No começo, só havia movimentos irregulares no Universo, como a
água misturada. Vimos que, se houver poucos átomos e você esperar o
suficiente, a água pode se separar acidentalmente. Alguns físicos do século
XIX sugeriram que, ao evoluir, o mundo experimentou uma flutuação, termo
usado quando algo se afasta um pouco da condição uniforme normal.
Estaríamos vendo essa flutuação se desfazer. Você pode dizer: “Imagine
quanto tempo teríamos de esperar por uma flutuação desse tipo.” Eu sei, mas
se a flutuação não tivesse sido suficientemente grande para ser capaz de
produzir a evolução e o surgimento de seres inteligentes, não haveria
ninguém para percebê-la. Foi preciso esperar bastante até que estivéssemos
vivos para percebê-la.
Acho que essa teoria está errada. Acho mesmo que é ridícula, pela seguinte
razão. Suponhamos que os átomos do mundo estivessem em uma condição
inicial de completa mistura. Se olhássemos para os átomos somente em um
lugar e os víssemos separados, não poderíamos dizer que também estariam
separados em outros lugares. Se tivesse havido uma flutuação e
percebêssemos algo estranho em algum lugar, seria mais provável que não
houvesse nada estranho nos outros lugares. Tamanha assimetria exigiria que
pedíssemos emprestada uma probabilidade mais improvável do que aquela de
que precisamos. No experimento com as águas azul e branca, quando
eventualmente algumas moléculas se separam, a condição mais provável é
que o resto da água permaneça misturada. Quando olhamos para as estrelas e
o Universo, tudo pode parecer ordenado, mas se tivesse havido uma flutuação
deveria haver desordem e confusão nos lugares para onde ainda não
tivéssemos olhado. A separação da matéria em estrelas quentes e espaço frio
poderia indicar uma flutuação, mas seria improvável encontrar essa separação
em lugares ainda não observados. Sempre prevemos que nos lugares ainda
não observados devemos ver estrelas em condições semelhantes, ou devemos
encontrar a mesma narrativa sobre Napoleão, ou achar ossos como os que já
achamos. O sucesso de todas essas ciências indica que o mundo não veio de
uma flutuação, e sim de uma condição que esteve mais separada, mais
organizada no passado. Acho que devemos acrescentar às leis da física a
hipótese de que no passado o Universo era mais ordenado, no sentido
técnico, do que é hoje. Essa hipótese é necessária para conferir sentido e
tornar compreensível a irreversibilidade.
Estamos nos referindo a uma assimetria no tempo; o passado é diferente do
futuro. Isso está fora do domínio do que normalmente chamamos leis físicas,
pois hoje tentamos distinguir as leis físicas que descrevem as regras de
evolução do Universo e a lei que estabelece a condição do mundo no passado.
Esta última é considerada história astronômica; algum dia talvez venha a fazer
parte das leis da física.
Gostaria de comentar algumas propriedades interessantes da
irreversibilidade. Tentemos verificar como funciona uma máquina
irreversível. Suponha, então, que construímos algo que só funcionará de
determinada maneira. Vamos construir uma catraca, uma roda dentada, com
dentes retos de um lado e ligeiramente curvos do outro. A roda gira em torno
de um eixo e há uma lingueta pivotante, mantida presa por uma mola (figura
26).

Figura 26
A roda só pode girar para um lado. Se você tentar girá-la para o outro, a
face reta do dente é pressionada contra a lingueta e ela não prossegue; se você
gira para o lado certo, a lingueta passa pelos dentes, clique, clique, clique.
(Você sabe como é: relógios têm essas coisas dentro deles; assim, você só pode
dar corda para um lado e depois o mecanismo segura a mola.) O mecanismo
é irreversível: a roda só pode girar para um lado.
Essa máquina irreversível, essa roda que só pode girar para um lado,
poderia ser usada em algo muito útil e interessante. Como vocês sabem, as
moléculas mantêm um movimento irregular perpétuo, de modo que se
construirmos um instrumento muito delicado, ele sempre vai chacoalhar um
pouco, bombardeado pelas moléculas do ar em torno. Então vamos conectar
a nossa roda a um eixo que tem quatro pás (figura 27).

Figura 27
Colocadas dentro de uma caixa com gás, as pás ficam sujeitas, o tempo
todo, a um bombardeio irregular de moléculas, de modo que são empurradas
ora para um lado, ora para o outro. Quando são empurradas para um lado,
são trancadas pela catraca, e quando são empurradas para o outro, podem
virar, de modo que a roda gira perpetuamente. Temos uma espécie de
movimento perpétuo, pois a catraca é irreversível.
Observemos tudo em mais detalhe. Quando a roda gira, ela levanta a
lingueta até cair e bater no próximo dente. Então ela deve ricochetear. Se a
colisão fosse perfeitamente elástica, ela iria pular, pular, pular o tempo todo, e
a roda poderia girar no sentido proibido nos instantes em que a lingueta
estivesse levantada. Para evitar isso, a lingueta deve grudar, parar ou pular
sem voltar a subir totalmente. Se ela pula mas não volta totalmente, deve
haver o que chamamos de amortecimento, ou atrito; ao cair, pular e parar —
sequência necessária para o mecanismo funcionar para um lado só —, a
fricção produz calor e a roda fica cada vez mais quente. Quando ela fica muito
quente, algo mais acontece. Assim como existe agitação irregular, ou
movimento browniano, no gás em torno das pás, a lingueta ficará mais
quente, com suas moléculas se movendo de modo mais irregular. Chegará um
momento em que a roda já estará tão quente, que a lingueta estará
chacoalhando por causa dos movimentos moleculares.32 Ela remexe para
cima e para baixo por causa do mesmo mecanismo que faz as pás girarem.
Enquanto remexe, a lingueta fica para cima e para baixo, e o dente pode girar
para qualquer lado. Não temos mais um dispositivo de mão única. Agora, a
roda pode girar para trás! Se a roda estiver quente e as pás estiverem frias, ela
irá para o lado proibido, porque a lingueta sempre cairá no plano inclinado
no dente, empurrando a roda para trás. Sobe outra vez, desce outro plano
inclinado e assim por diante. Se a roda estiver mais quente que as pás, ela
andará para o lado errado.
O que isso tem a ver com a temperatura do gás em torno das pás? Suponha
que não tivéssemos essa parte do dispositivo. Sempre que a lingueta empurra
a roda ao deslizar pela parte inclinada, ela colide com o lado vertical do dente,
fazendo a roda retornar. Para evitar que isso aconteça, colocamos ali um
amortecedor, que são as pás em contato com o ar, que desaceleram a roda e
impedem seu movimento livre. Aí ela irá para um lado só, mas para o lado
errado. Não importa como você projete o sistema, uma roda como essa vai
girar no sentido do lado mais quente. Depois de uma troca de calor entre os
dois lados, tudo tende ao equilíbrio. Quando as pás e a roda estiverem na
mesma temperatura, o sistema, de um modo geral, não vai girar nem para um
lado nem para o outro.
Os fenômenos da natureza podem ser de mão única desde que estejam fora
do equilíbrio, desde que um lado esteja mais quente que o outro, ou seja mais
azul que o outro.
A conservação da energia pode nos fazer pensar que podemos ter a
quantidade de energia que quisermos. A natureza nunca perde ou ganha
energia. Mas a energia dos mares, por exemplo, a energia térmica de todos os
átomos do mar, está praticamente indisponível para nós. Para podermos
organizar e domesticar essa energia, para torná-la utilizável, é preciso haver
uma diferença de temperatura, caso contrário não poderemos usá-la, apesar
de ela estar ali. Há uma grande diferença entre energia e disponibilidade de
energia. A energia dos mares é enorme, mas não está disponível.
A conservação da energia significa que a energia total do mundo é mantida
constante. Mas os movimentos irregulares espalham essa energia de forma
tão uniforme que, em certas circunstâncias, não há como fazê-la ir mais para
um lado do que para outro — não há como controlá-la.
Por analogia, posso dar uma ideia da dificuldade disso. Não sei se já
tiveram a experiência — eu tive — de sentar na praia com várias toalhas e de
repente cair uma chuva torrencial. Você pega as toalhas rapidamente e corre
para casa. Começa e se secar e descobre que a toalha está um pouco úmida,
mas mais seca do que você. Continua se secando até que ela esteja muito
úmida, a ponto de molhar tanto quanto secar, e aí você tenta outra. Logo você
descobre uma coisa horrível: todas as toalhas estão molhadas, assim como
você. Não há como ficar mais seco, apesar de você ter muitas toalhas, porque
não há diferença entre a umidade das toalhas e a sua própria umidade. Eu
poderia inventar uma quantidade que chamaria de “capacidade de remover
água”. A toalha tem a mesma capacidade de remover água que você, de modo
que, quando você se esfrega nela, recebe e passa a mesma quantidade. Isso
não significa que haja a mesma quantidade de água na toalha e em você —
uma toalha grande conterá mais água que uma pequena —, mas que vocês
têm a mesma umidade. Quando as coisas têm a mesma umidade, nada se
pode fazer.
Nesse caso, a água é como a energia, pois a quantidade total de água é
constante (se a porta da casa estiver aberta e você puder sair para se secar ao
sol, ou encontrar outra toalha, então você estará a salvo, mas suponha que
tudo está fechado e você só dispõe dessas toalhas). Se você imaginar que é
parte de um mundo fechado e esperar pelo tempo suficiente, na medida em
que ocorrem os acidentes deste mundo, a energia, como a água, será
igualmente distribuída por todas as partes, até que não reste nada que seja
unidirecional, que é o que torna interessante o mundo tal como o
conhecemos.
No caso da catraca com a lingueta e as pás, que é uma situação isolada e na
qual nada mais está envolvido, a temperatura gradualmente se iguala dos dois
lados e a roda para de girar. Da mesma maneira, em um sistema que
permaneça isolado por muito tempo, a energia se distribui cada vez mais, até
que nenhuma energia fica disponível para fazer algo.
A quantidade que corresponde à umidade ou à “capacidade de remover
água” chama-se temperatura. Quando digo que duas coisas à mesma
temperatura estão em equilíbrio, isso não significa que tenham a mesma
energia, e sim que é tão fácil tirar energia de uma quanto da outra.
Temperatura é uma espécie de “capacidade de remover energia”. Se você
aproxima as duas coisas, aparentemente nada acontece; elas trocam energia
em quantidades iguais e o resultado líquido é nulo. Quando as coisas têm a
mesma temperatura, não há energia disponível para fazer nada. O princípio
da irreversibilidade é o seguinte: se coisas com temperaturas diferentes são
deixadas por conta própria, as temperaturas se aproximam e a
disponibilidade de energia decresce com o tempo.
Isso é outro modo de se referir á lei da entropia, que diz que a entropia
sempre aumenta. As palavras não importam; o importante é que a
disponibilidade de energia sempre diminui. É uma característica do mundo,
decorrente dos movimentos moleculares irregulares. Coisas com
temperaturas diferentes, deixadas por conta própria, tendem à mesma
temperatura. Se você tem duas coisas com a mesma temperatura, como água
sobre um fogão apagado, a água não vai congelar e o fogão esquentar. Mas se
você tem gelo sobre um fogão aceso, a coisa vai para o outro lado. Essa
unidirecionalidade corresponde sempre a uma redução da energia disponível.
Isso é tudo o que tenho a dizer sobre o assunto, mas quero fazer alguns
comentários sobre certos aspectos particulares. Temos aqui um exemplo em
que um fenômeno óbvio, a irreversibilidade, não é uma consequência das leis
fundamentais; ao contrário, está bastante afastado delas. É preciso analisar
muito para entender as razões disso. O efeito é de importância primordial no
funcionamento do mundo. Minha memória, minhas características, a
diferença entre passado e futuro dependem inteiramente disso, e ainda assim
a compreensão não está prima facie disponível a partir do conhecimento das
leis. É necessário um bocado de análise.
Com frequência, as leis da física não demonstram relevância óbvia para a
experiência, sendo mais abstratas que ela, em graus variados. O fato de as leis
serem reversíveis e os fenômenos, irreversíveis é um exemplo disso.
Normalmente, há uma grande distância entre os detalhes do enunciado da
lei e os principais aspectos de um fenômeno real. Por exemplo, se você olha
uma geleira de longe e vê seus grandes blocos caindo no mar, a maneira como
o gelo se move e assim por diante, não é essencial lembrar que ele é feito de
pequenos cristais com simetria hexagonal. Entretanto, o movimento da
geleira, bem compreendido, decorre das propriedades dos cristais hexagonais.
Mas é difícil entender o comportamento de uma geleira (na verdade,
ninguém conhece bem o gelo, apesar de termos estudado bastante os cristais).
Ainda assim, temos a esperança de que entenderemos a geleira se
entendermos o cristal de gelo.
Apesar de estarmos tratando das leis fundamentais da física, devo dizer
que, conhecendo as leis fundamentais tal como as concebemos hoje, não
compreendemos imediatamente os fenômenos. Isso leva tempo, e mesmo
assim o conhecimento é apenas parcial. Parece que a natureza foi projetada de
modo que as coisas mais importantes do mundo real pareçam ser o resultado
acidental e complicado de um monte de leis.
Para dar um exemplo, os núcleos, que envolvem muitas partículas
nucleares, prótons e nêutrons, são bastante complicados. Eles têm o que
chamamos de níveis de energia, apresentam estados ou condições com
diferentes valores de energia. Muitos núcleos juntos têm muitos níveis de
energia. Encontrar a posição desses níveis é um problema matemático
complicado, que só podemos resolver parcialmente. A posição exata dos
níveis é determinada por interações extremamente complexas. Portanto, não
há nenhum mistério particular no fato de o nitrogênio, que contém quinze
partículas, ter um nível em 2,4 milhões de elétron-volts,33 outro nível em 7,1 e
assim por diante. Mas é notável que o aspecto do Universo como um todo
dependa da posição de um nível particular em um núcleo particular. O núcleo
de carbono 12 tem um nível em 7,82 milhões de elétron-volts. Isso faz toda a
diferença.
A situação é a seguinte. Parece que, no começo, o Universo era
praticamente só hidrogênio. Conforme o hidrogênio se aglomera sob a ação
da gravidade, ele se aquece. Ocorrem reações nucleares e ele pode formar
hélio. Então o hélio pode se combinar parcialmente com o hidrogênio e
produzir elementos um pouco mais pesados, que se desintegram de volta em
hélio. Durante algum tempo, a origem dos outros elementos permaneceu um
grande mistério, pois, começando com o hidrogênio, o processo de
“cozimento” dentro das estrelas só produziria hélio e meia dúzia de outros
elementos. Os professores Hoyle e Salpeter34 imaginaram uma solução para o
problema: três átomos de hélio podem se unir para formar carbono, e
podemos calcular com que frequência isso acontece em uma estrela. Essa
reação não deveria ocorrer nunca, exceto se por acaso houvesse um nível de
energia de 7,82 milhões de elétron-volts no carbono. Só então os três átomos
de hélio poderiam se unir e permanecer juntos por mais tempo, permitindo a
produção de outros elementos. Se houvesse um nível em 7,82 milhões de
elétron-volts no carbono, então poderíamos entender a origem de todos os
outros elementos da tabela periódica. A partir de um raciocínio reverso,
previu-se que deveria haver no carbono um nível em 7,82 milhões de elétron-
volts, fato confirmado por experimentos em laboratório. Portanto, a
existência de todos os outros elementos está relacionada ao fato de haver um
nível particular no carbono. Conhecendo as leis da física, sabemos que a
posição desse nível no carbono é um acidente da complicada interação de
doze partículas. É um excelente exemplo de que compreender as leis da física
não nos leva diretamente a compreender coisas importantes do mundo.
Muitas vezes, os detalhes da experiência real estão longe das leis
fundamentais.
Podemos compreender o mundo em diferentes níveis, seguindo uma
hierarquia. Não pretendo ser preciso, dividindo o mundo em níveis bem
definidos, mas vou mostrar por meio de exemplos o que quero dizer com
hierarquia de ideias.
De um lado, temos as leis fundamentais da física. Então inventamos outros
termos para conceitos aproximados, cuja explicação última, acreditamos, está
nas leis fundamentais. Calor, por exemplo, é agitação. Quando dizemos que
algo está quente, queremos dizer que uma massa de átomos está
chacoalhando. Frequentemente esquecemos isso, assim como não pensamos
em cristais hexagonais quando nos referimos a uma geleira e aos flocos de
neve que originalmente caíram. Outro exemplo são cristais de sal. De um
ponto de vista fundamental, eles são um monte de prótons, nêutrons e
elétrons; mas temos o conceito de “cristal de sal”, que já carrega um padrão de
interações fundamentais. Com a ideia de “pressão” se dá a mesma coisa.
Em outro nível, temos as propriedades das substâncias, como “índice de
refração”, que é o modo como a luz se curva quando passa por alguma coisa,
ou “tensão superficial”, o fato de que a superfície da água tende a tensionar.
Ambos são descritos por números. Foi necessário aprofundar várias leis até
descobrir que isso se deve à atração entre átomos etc. Ainda assim, dizemos
“tensão superficial” e nem sempre nos preocupamos com o mecanismo
interno das coisas.
Vamos subir na hierarquia. Na água, temos ondas e tempestades. A palavra
“tempestade” representa um enorme conjunto de fenômenos. Existem
manchas solares, ou estrelas, que também são inúmeras coisas. Nem sempre
vale a pena pensar em como tudo começou. Quanto mais alto subimos, mais
degraus intermediários há, todos um pouco frágeis. Ainda não os entendemos
completamente.
Conforme subimos na hierarquia da complexidade, chegamos a coisas
como espasmos musculares e impulsos nervosos, coisas terrivelmente
complicadas do mundo físico, que envolvem uma organização muito
complexa da matéria. Então chegamos a coisas como “sapo”.
Se continuarmos, chegaremos a palavras e conceitos como “homem”,
“história”, “política” e assim por diante, conceitos que usamos para entender
as coisas em um nível ainda mais elevado.
Continuando, chegamos a coisas como mal, beleza, esperança...
O que está mais próximo de Deus, se me permitem usar aqui uma metáfora
religiosa? Beleza e esperança ou as leis fundamentais? O correto,
naturalmente, é dizer que precisamos olhar para todas as interconexões
estruturais. Todas as ciências — não só as ciências, mas todos os esforços
intelectuais — são tentativas de encontrar as conexões entre hierarquias, de
conectar beleza com história, história com psicologia do homem, psicologia
do homem com funcionamento do cérebro, cérebro com impulsos nervosos,
impulsos nervosos com química e assim por diante, para cima e para baixo,
nos dois sentidos. Ainda não podemos ligar um extremo a outro, só
começamos a perceber que existe essa hierarquia relativa.
Não acho que algum dos extremos esteja mais próximo de Deus. É um erro
começar por um lado e caminhar apenas nesse sentido, esperando que ali
esteja o entendimento completo. É um erro ficar apenas com o mal, a beleza e
a esperança, ou apenas com as leis fundamentais, esperando obter um
entendimento profundo do mundo só com aquele aspecto. Não é razoável
que os que se especializam em um extremo e os que se especializam no outro
desconsiderem uns aos outros. A grande massa de trabalhadores está no meio
do caminho, conectando cada passo a outro, sempre melhorando a nossa
compreensão do mundo, trabalhando nos extremos ou no meio. Assim,
gradualmente, compreendemos cada vez mais esse tremendo universo de
hierarquias interconectadas.

32 Como a roda gira ao sofrer colisão de uma única partícula, ela também deve ter dimensões
moleculares. É por isso que o movimento browniano da lingueta é importante, pois uma lingueta
macroscópica não chacoalha quando está quente. [n.t.]
33 Unidade de energia usada em escala atômica e nuclear. [n.t.]
34 Fred Hoyle (1915-2001), astrônomo britânico da Universidade de Cambridge. Edwin Salpeter (1924-
2008), físico americano da Universidade de Cornell.
6
Probabilidade e incerteza:
a visão quântica da natureza

No início da observação experimental, ou de qualquer tipo de observação


científica, a intuição, baseada na experiência direta com objetos do dia a dia,
sugere explicações razoáveis para as coisas. Na medida em que tentamos
alargar e tornar mais consistente a descrição do que vemos, na medida em
que ela fica mais abrangente e passamos a lidar com um conjunto maior de
fenômenos, as explicações se tornam o que chamamos leis, que têm uma
característica estranha: muitas vezes parecem menos razoáveis e mais
distantes da evidência intuitiva. Vejamos um exemplo: segundo a teoria da
relatividade, dizer que duas coisas aconteceram ao mesmo tempo expressa
apenas a nossa opinião; outra pessoa pode concluir que um evento aconteceu
antes do outro. A simultaneidade é uma impressão subjetiva.
Não devemos nos surpreender com isso: os fenômenos cotidianos
representam uma experiência limitada da natureza; sempre envolvem um
grande número de partículas e objetos que se movem muito devagar, ou
então outras condições especiais. Só temos acesso direto a uma pequena fatia
dos fenômenos naturais. Para obter uma visão mais ampla deles, é preciso
realizar experimentos cuidadosos e medidas refinadas. Vemos, então, coisas
inesperadas, até mesmo impensáveis. Nossa imaginação é levada ao limite,
não para lidar com coisas irreais, como na ficção, mas para compreender o
que de fato acontece. Quero discutir esse tipo de situação.
Comecemos com a história da luz. Primeiro supunha-se que o
comportamento da luz era bastante semelhante ao de um feixe de partículas
ou corpúsculos: ela podia ser comparada à chuva ou a projéteis de uma arma.
Com o avanço das pesquisas, ficou claro que isso não estava certo: a luz se
comportava como ondas na água. Mas, no século XX, novas pesquisas
voltaram a indicar que a luz se comportava, em muitos casos, como
partículas. No efeito fotoelétrico, por exemplo, podemos contar essas
partículas, hoje chamadas fótons.
Os elétrons, por sua vez, quando foram descobertos comportavam-se como
partículas ou projéteis. Mas pesquisas posteriores, que usaram experimentos
de difração, mostraram que eles se comportavam como ondas. Com o tempo,
estabeleceu-se uma confusão crescente sobre o comportamento desses
objetos: seriam ondas ou partículas? Tudo parecia ter os dois aspectos.
Essa confusão se resolveu em 1925 ou 1926, com a descoberta das equações
corretas da mecânica quântica. Hoje sabemos como os elétrons e a luz se
comportam. Então como devo chamá-los? Se eu disser que se comportam
como partículas, transmitirei uma impressão errada; se disser que se
comportam como ondas, também. Comportam-se de uma maneira própria e
inimitável, que tecnicamente podemos chamar de maneira quântica, que
difere de tudo o que vocês já viram. A experiência que adquirimos com o que
podemos ver é incompleta, pois em escalas muito pequenas o comportamento
das coisas é diferente. Um átomo não se comporta como um peso que oscila,
pendurado numa mola. Também não se comporta como um modelo em
miniatura do sistema solar, com pequenos planetas em órbitas. Tampouco
parece uma nuvem ou algum tipo de neblina em torno de um núcleo.
Comporta-se como algo que vocês jamais viram.
Tudo o que podemos propor é uma simplificação. Desse ponto de vista, os
elétrons se comportam do mesmo jeito que os fótons; ambos são igualmente
esquisitos. É preciso um bocado de imaginação para apreciá-los, pois eles são
diferentes de tudo o que conhecemos. Sob esse aspecto, esta é a palestra mais
difícil da série, pois é abstrata, distante da experiência. Não posso evitar isso.
Eu não faria o meu trabalho direito se, em uma série de palestras sobre as leis
da física, não me referisse ao comportamento das partículas em pequenas
escalas. Ele é característico de todas as partículas da natureza, é universal. Se
vocês querem conhecer as leis físicas, é essencial falar sobre isso.
Vai ser difícil, mas a dificuldade é psicológica. Resume-se ao tormento
perpétuo que resulta de vocês repetirem para si mesmos: “Como pode ser
assim?” Sempre desejamos ver as coisas em termos de algo familiar. É um
reflexo incontrolável, mas nesse caso é inútil. Não vou descrevê-las nesses
termos; vou simplesmente descrevê-las.
Os jornais disseram uma vez que só doze pessoas entendiam a teoria da
relatividade. Não acredito que isso fosse verdadeiro. Pode ter havido um
momento em que apenas uma pessoa a entendia, porque era a única que a
tinha concebido e ainda não havia escrito seu artigo. Depois disso, várias
pessoas, com certeza mais de doze, entenderam a teoria da relatividade de
uma maneira ou de outra. Porém, posso afirmar com segurança que ninguém
entende a mecânica quântica. Não levem, pois, esta palestra muito a sério,
achando que precisam entender em termos de algum modelo o que vou
descrever. Relaxem e aproveitem. Vou lhes contar como a natureza se
comporta. Se vocês simplesmente admitirem que talvez ela se comporte
assim, vão achá-la maravilhosa, encantadora. Não fiquem dizendo para si
mesmos: “Como pode ser assim?”, pois nesse caso vão entrar num beco
escuro de onde ninguém conseguiu sair. Ninguém sabe como pode ser assim.
Vou descrever o comportamento quântico dos elétrons e dos fótons com
uma mistura de analogia e contraste. Se usasse apenas analogias, falharia;
preciso usar analogia e contraste com coisas que lhes são familiares. Tratarei
primeiro do comportamento das partículas, para o qual usarei projéteis como
exemplo, e depois do comportamento das ondas, para o qual usarei ondas de
água. Vou inventar um experimento. Primeiro direi a vocês como seria a
situação se usássemos partículas; depois, como seria se usássemos ondas;
finalmente, direi o que acontece quando há fótons ou elétrons. Vou usar só
um experimento, que contém todo o mistério da mecânica quântica. Ele vai
colocá-los frente a frente com os paradoxos, mistérios e peculiaridades da
natureza. Qualquer outra situação em mecânica quântica pode ser explicada
assim: “Lembra o experimento das duas fendas? É a mesma coisa.” Vou
descrever um experimento que contém todo o mistério. Não esconderei nada,
revelarei a natureza em sua forma mais elegante e difícil.

Figura 28
Comecemos com projéteis (figura 28). Suponham que temos uma fonte de
projéteis — uma metralhadora — e na frente dela temos uma placa blindada,
com uma fenda por onde podem passar balas. A uma longa distância temos
uma segunda placa com duas fendas — a famosa dupla fenda. Como vou falar
muito dessas fendas, vamos chamá-las de fenda 1 e fenda 2. Vocês podem
imaginar fendas redondas em três dimensões, pois o desenho é só uma secção
transversal. A uma distância ainda maior temos uma tela, que vai deter os
projéteis, na qual podemos colocar detectores em várias posições, como uma
caixa de areia em que as balas ficam presas para podermos contá-las.
Os experimentos consistem em contar quantas balas chegam ao detector
(ou caixa de areia) em diferentes posições da caixa. Para descrever isso vou
medir a distância da caixa até algum lugar e vou chamar essa distância de x.
Vou falar do que acontece quando mudamos x, ou seja, quando movemos a
caixa de detecção para baixo e para cima.
Primeiro, eu gostaria de alterar alguma coisa em referência a balas reais,
fazendo três idealizações. A primeira é que a metralhadora balança e
chacoalha, de modo que as balas saem em várias direções e não apenas para a
frente; elas podem ricochetear nas beiradas das fendas da placa blindada. Em
segundo lugar, todas as balas têm a mesma velocidade, a mesma energia, o
que não é muito importante. A idealização mais importante, que difere de
balas reais, é que essas balas são indestrutíveis, de modo que o que achamos
na caixa de areia não são pedaços de chumbo de alguma bala que se quebrou
em duas; encontramos sempre uma bala inteira. Imagine balas indestrutíveis,
ou balas duras e placas com um menor grau de dureza.
A primeira coisa que devemos notar é que os projéteis chegam um a um.
Quando a energia chega, ela está toda em uma porção, uma pancada. Se você
conta as balas, há uma, duas, três, quatro balas, pois elas chegam em
unidades. Têm o mesmo tamanho, digamos. Quando uma delas chega à caixa,
ou está lá ou não está. Além disso, supondo que a metralhadora não dispara
muito rápido e eu tenho tempo para checar o que ocorre entre os disparos, se
ponho duas caixas como alvos, nunca registro uma bala em cada caixa ao
mesmo tempo. Se a metralhadora atirar bem devagar e você olhar bem rápido
para as duas caixas, nunca verá um projétil em cada caixa, pois uma bala é
uma unidade identificável.
Vamos contar quantas balas chegam, em média, em um período de tempo.
Depois de uma hora, contamos quantas balas há na areia. O número médio
de balas que chegam por hora será a probabilidade de chegada, porque mede
a chance de que uma bala, passando por uma fenda, chegue a uma
determinada caixa. O número de balas que chegam varia, é claro, quando x
varia.
No diagrama, desenhei horizontalmente o número de balas que encontro
quando deixo a caixa em uma posição por uma hora. Obtenho uma curva que
parece mais ou menos a curva N12, pois a caixa recebe muitas balas quando
está atrás de uma das fendas e recebe menos quando está fora desse
alinhamento (as balas precisariam bater nas beiradas das fendas para chegar à
caixa, e a curva tende a desaparecer). Quando as duas fendas estão abertas,
obtenho em uma hora uma curva que parece N12; ela representa as balas que
passam pela fenda 1 mais as que passam pela fenda 2.
O número que estamos assinalando não precisa ser inteiro. Pode ter
qualquer valor. Pode ser, digamos, 2,5 balas por hora, apesar de as balas
serem indivisíveis. O que quero dizer com 2,5 balas por hora é que, se você
deixar o experimento funcionando por dez horas, pode encontrar 25 balas, de
modo que, em média, temos 2,5 balas. Vocês conhecem a velha piada de que a
família média dos Estados Unidos tem 2,5 crianças. Isso não significa que há
0,5 criança nas famílias; crianças vêm em números inteiros. Mesmo assim, a
média por família pode ser qualquer número, como esse número N12, que é o
número de balas que chegam à tela por hora, em média. O que medimos é a
probabilidade de chegada, um termo técnico para o número médio que chega
em um dado intervalo de tempo.
Podemos interpretar a curva N12 como a soma de duas curvas, uma que
representa o que vou chamar de N1, o número que chega quando a fenda 2
está fechada com uma placa blindada, e outra que corresponde a N2, o
número que chega pela fenda 2 sozinha, quando a 1 está fechada.
Descobrimos uma lei importante: o número de balas que chegam pelas duas
fendas abertas é o número das que chegam passando pela fenda 1 mais o
número das que chegam passando pela fenda 2. Tudo o que precisamos fazer
é somar essas quantidades. Chamarei esse enunciado de “princípio de não
interferência”.
N12 = N1 + N2 (não interferência).
Isso vale para projéteis. Agora começamos de novo, mas com ondas de
água (figura 29). A fonte é uma grande massa de água agitada para cima e
para baixo por algum objeto. A placa blindada é substituída por uma longa
linha de diques com espaços no meio. Talvez faça mais sentido fazer ondas
pequenas do que grandes. Bato meu dedo para cima e para baixo na água para
fazer ondas e tenho um pequeno pedaço de madeira como barreira, com uma
fenda para as ondas passarem.
Figura 29
Depois, tenho uma segunda barreira com duas fendas e, finalmente, um
detector que indica a intensidade da agitação da água. Por exemplo, coloco
uma rolha na água e meço quanto ela sobe e desce. O que estou medindo é a
energia da agitação da rolha, que é proporcional à energia transportada pelas
ondas. A agitação é bem regular e perfeita, pois as ondas estão à mesma
distância umas das outras. Uma coisa importante no caso das ondas de água:
nossa medida pode ter qualquer valor. Estamos medindo a intensidade das
ondas, ou a energia da rolha. Se as ondas forem bem fracas, se meu dedo
estiver balançando bem devagar, então a rolha se moverá pouco. Esse
movimento será proporcional à amplitude das ondas, não importa qual seja.
Pode assumir qualquer valor; não é algo indivisível, que aparece em unidade,
não é tudo ou nada.
Estamos medindo a intensidade das ondas, ou, para ser mais preciso, a
energia transportada pelas ondas em cada ponto. Vou chamá-la I para
lembrá-los de que é uma intensidade e não um número de partículas de
qualquer tipo. Que acontece quando meço essa intensidade? A curva I12,
quando as duas fendas estão abertas, aparece no diagrama (figura 29). É uma
curva complicada e interessante. Quando mudamos a posição do detector
obtemos uma intensidade que varia muito rapidamente e de um modo
peculiar. Vocês devem conhecer a causa disso: as ondas têm cristas e vales que
saem da fenda 1 e cristas e vales que saem da fenda 2. Se estamos em um
ponto equidistante das duas fendas, de modo que duas ondas cheguem ao
mesmo tempo, as cristas vão se sobrepor e haverá muita agitação. Por outro
lado, se movo o detector para algum ponto que esteja mais longe da fenda 2
do que da fenda 1, leva mais tempo para as ondas virem de 2 do que de 1;
quando chega uma crista de 1, a crista de 2 ainda não chegou; pode estar
chegando um vale de 2, de modo que a água tenta subir e descer ao mesmo
tempo, obedecendo às influências das ondas que vêm das duas fendas. O
resultado final é que ela praticamente não se move, havendo nesse caso uma
ondulação pequena naquele lugar. Se levarmos o detector para mais longe, o
atraso será suficiente para que as cristas cheguem novamente juntas das duas
fendas, apesar de agora uma crista estar atrasada uma onda inteira. Assim,
temos de novo uma grande elevação, depois uma pequena, uma grande, uma
pequena etc., dependendo de como as cristas e os vales “interferem”.
A palavra interferência também é usada em ciência de maneira curiosa.
Podemos ter interferência construtiva quando duas ondas interferem e
produzem uma intensidade maior. Note que I12 não é igual a I1 mais I2. Por
isso podemos dizer que existem interferências construtivas e destrutivas.
Podemos descobrir as formas de I1 e I2 fechando a fenda 2 para encontrar I1 e
fechando a fenda 1 para encontrar I2. A intensidade que vemos quando uma
fenda está fechada deve-se às ondas que vêm da outra fenda, sem
interferência. As curvas estão na figura 29. Vocês podem notar que I1 é
análoga a N1 e I2 é análoga a N2, mas I12 é bem diferente de N12.
A matemática da curva I12 é bastante interessante. Chamaremos h à altura
das ondas. Quando ambas as fendas estão abertas, ela é igual à altura obtida
com a fenda 1 aberta mais a altura obtida com a fenda 2 aberta. Um vale
originado em 2 traz uma altura negativa, que pode cancelar a altura positiva
de uma crista originada em 1. Podemos descrever o problema falando da
altura das ondas, mas a intensidade do movimento em qualquer caso — por
exemplo, quando as duas fendas estão abertas — é proporcional ao quadrado
da altura. Essas curvas são interessantes justamente porque estamos lidando
com quadrados.
h12 = h1 + h2,
mas
I12 ≠ I1 + I2 (interferência),
I12 = (h12)2,
I1 = (h1)2,
I2 = (h2)2.
Isso vale para a água. Agora, começamos de novo, mas com elétrons (figura
30). A fonte é um filamento, as barreiras são placas de tungstênio com duas
fendas. O detector é um sistema elétrico suficientemente sensível para indicar
a carga de um elétron que chega com qualquer energia que a fonte tenha. Se
preferirem, podemos usar fótons e papel preto no lugar de placas de
tungstênio — embora o papel preto não seja muito bom, porque as fibras não
deixam que se criem boas fendas — e, como detector, uma fotomultiplicadora
capaz de detectar a chegada de fótons isolados. Que acontece nesses casos?
Vou discutir somente o caso dos elétrons, que é igual ao dos fótons.

Figura 30
Primeiro, o que recebemos no detector elétrico (com um amplificador
suficientemente poderoso atrás dele) são cliques que têm sempre a mesma
intensidade. Se diminuirmos a intensidade da fonte, os cliques ficarão mais
espaçados, mas manterão a mesma intensidade. Se a fonte emitir muito, eles
podem sobrecarregar o amplificador. Temos de ajustar a intensidade da fonte
para que não haja excesso de cliques no aparelho que usamos como detector.
Além disso, se colocarmos outro detector em um lugar diferente e
monitorarmos os dois ao mesmo tempo, nunca ouviremos dois cliques
simultâneos, pelo menos se a fonte for suficientemente fraca e a medida do
tempo for suficientemente precisa. Se a intensidade for bastante baixa, de
modo que os elétrons cheguem um de cada vez e espaçados, eles nunca
provocarão cliques nos dois detectores de uma só vez. Isso indica que aquilo
que chega vem em porções com tamanho definido e só chega a um lugar de
cada vez. Então elétrons e fótons vêm como projéteis, o que nos permite
medir a probabilidade de chegada.
Colocamos o detector em vários lugares — se quiséssemos, poderíamos
colocar detectores por todo lado ao mesmo tempo e obter simultaneamente a
curva em todos os pontos —, e, depois de uma hora, medimos quantos
elétrons chegaram e calculamos a média. Que curva representa esse número
de elétrons? Terá a forma de N12, que encontramos para os projéteis? A figura
30 mostra o que obtemos para N12, ou seja, com as duas fendas abertas. A
natureza produz uma curva idêntica à da interferência de ondas. Ela descreve
o quê? Não a energia de uma onda, mas a probabilidade de chegada dessas
unidades.
A matemática é simples. Se trocamos I por N, temos de trocar h por alguma
outra coisa, que é nova, pois não é a altura de nada. Então inventamos um a,
que denominamos amplitude de probabilidade, pois não sabemos o que
significa. Nesse caso, a1 é a amplitude de probabilidade de vir da fenda 1 e a2
a amplitude de probabilidade de vir da fenda 2. Para obter a amplitude de
probabilidade total, somamos as duas. A probabilidade de chegada é o
quadrado desse resultado. Temos assim uma imitação direta do que acontece
com as ondas: como temos de obter a mesma curva, usamos a mesma
matemática.
É preciso checar algo na interferência. Eu não disse o que acontece se
fecharmos uma das fendas. Então vamos analisar essa curva como se os
elétrons viessem por uma fenda ou por outra. Fechamos uma fenda e
medimos quantos vêm pela fenda 1; encontramos a curva simples N1.
Fechamos a outra fenda e medimos quantos vêm pela fenda 2; encontramos a
curva N2. Mas a soma dessas curvas não é N1 + N2, pois há interferência. A
matemática é dada por uma fórmula estranha: a probabilidade de chegada é o
quadrado da amplitude, que, por sua vez, é a soma de dois termos: N12 = (a1 +
a2)2.
A questão é: como se pode entender que os elétrons se distribuem de um
jeito quando passam pela fenda 1 e de outro jeito quando passam pela fenda 2
sem que se obtenha a soma deles quando as duas fendas estão abertas? Por
exemplo, se coloco o detector no ponto q, com as duas fendas abertas, não
percebo praticamente nada. Se fecho uma das fendas, percebo muitos
elétrons; se fecho a outra, percebo alguns; se deixo as duas abertas, não tenho
nada. Deixo que passem pelas duas fendas e eles não chegam mais! Considere
agora o ponto no centro; podemos mostrar que ali a intensidade é maior do
que a soma das curvas correspondentes às fendas tomadas individualmente.
Para explicar esse fenômeno você poderia argumentar que os elétrons
arranjam um jeito de ficar passando pelas fendas para a frente e para trás, ou
fazem algo ainda mais complicado: dividem-se ao meio e passam pelas duas
fendas, ou alguma coisa assim. Ninguém conseguiu elaborar uma explicação
satisfatória. A matemática é simples, a curva é simples (figura 30).
Vou resumir: os elétrons chegam como partículas, mas a probabilidade de
chegada dessas partículas é determinada como se fosse a intensidade de
ondas. Nesse sentido, os elétrons se comportam como partículas e como
ondas ao mesmo tempo (figura 31).
Isso é tudo o que há para dizer. Eu poderia usar a matemática para
encontrar a probabilidade de chegada de elétrons em quaisquer
circunstâncias e isso poderia ser o fim da palestra, mas há sutilezas envolvidas
no fato de a natureza operar dessa maneira. Há coisas peculiares. Eu gostaria
de analisar essas peculiaridades porque elas podem não ser evidentes.

Para debater essas sutilezas, comecemos por uma proposição que podemos
considerar razoável, já que elétrons (ou fótons) chegam em unidades. É
razoável supor que o elétron passou pela fenda 1 ou pela fenda 2. Se ele é uma
coisa inteira, não pode ser diferente. Como vou discutir essa proposição,
tenho de lhe dar um nome. Vou chamá-la “proposição A”.

Já analisamos um pouco o que acontece com a proposição A. Se fosse


verdadeiro que o elétron passa pela fenda 1 ou pela fenda 2, então o número
total dos que chegam teria de ser a soma das duas partes, o número dos que
passam pela fenda 1 mais o número dos que passam pela fenda 2. Mas a curva
resultante não pode ser interpretada como a soma dessas duas partes, e os
experimentos que determinam quantos elétrons chegam quando apenas uma
das fendas está aberta não resultam na soma das duas partes. Logo, temos de
concluir que a proposição é falsa. Se não é verdadeiro que o elétron passa por
1 ou passa por 2, talvez ele se divida ao meio temporariamente, ou algo assim.
Então, a proposição A é falsa. Isso é lógica. Infelizmente, ou não, podemos
testar experimentalmente a lógica. Precisamos estabelecer se é verdadeiro que
os elétrons passam por 1 ou por 2, ou que passam pelas duas fendas,
dividindo-se temporariamente, ou que ocorre alguma outra coisa.
Precisamos observá-los. Logo, precisamos de luz. Colocamos uma intensa
fonte de luz atrás das fendas. A luz é espalhada pelos elétrons; se ela for
suficientemente forte, podemos ver os elétrons quando passam. Cada vez que
um elétron é contado, olhamos para checar se no momento anterior vimos
um flash atrás da fenda 1 ou da fenda 2, ou talvez meio flash atrás de cada
uma ao mesmo tempo. Por meio de observação, descobriremos como ele
passa. Acendemos a luz e olhamos. Sempre que há um clique no detector há
um flash atrás da fenda 1 ou da fenda 2. O elétron passa 100%, completo, ou
por 1 ou por 2 — quando olhamos. Um paradoxo!
Vamos cercar a natureza e colocá-la em dificuldade: manteremos a luz
acesa para olhar e contar quantos elétrons passam. Faremos duas colunas:
uma para a fenda 1, outra para a fenda 2. Quando cada elétron chegar ao
detector, anotaremos na coluna apropriada por qual fenda ele passou.
Quando somamos os resultados para todas as posições do detector, a coluna
da fenda 1 parece o quê? Se olho atrás da fenda 1, vejo a curva N1 (figura 30).
A coluna está distribuída da mesma maneira quando fechamos a fenda 2. Se
fecharmos a fenda 2, os elétrons que chegam apresentam a mesma
distribuição que obtemos quando olhamos para a fenda 1: o número de
elétrons que passam através da fenda 2 é a curva simples N2. O número total
que chega tem de ser a soma de N1 e N2, pois cada um dos que passaram foi
colocado na coluna 1 ou na coluna 2. O número total que chega tem de ser a
soma desses dois números! Os elétrons têm de estar distribuídos na forma N1
+ N2. Mas eu disse antes que eles estavam distribuídos na forma N12. Mas
não, estão distribuídos como N1 + N2. Realmente estão, é claro. Têm de estar.
Estão. Se marcarmos com um apóstrofo os resultados obtidos com a luz acesa,
verificaremos que N1’ é praticamente igual a N1 e N2’ é praticamente igual a
N2. O número N12’, que vemos quando a luz está acesa e as duas fendas estão
abertas, é igual ao número que vemos passando pela fenda 1 mais o número
que vemos passando pela fenda 2. Este é o resultado que obtemos quando a
luz está acesa.
Obtemos respostas diferentes quando a luz está acesa e quando está
apagada. Se acendo a luz, a distribuição é a da curva N1 + N2. Se apago a luz, a
distribuição é N12. Acendo a luz e a distribuição é N1 + N2 de novo. A
natureza nos escapou! Podemos dizer, então, que a luz altera o resultado.
Obtemos resultados diferentes com a luz acesa e com a luz apagada. Podemos
concluir que a luz afeta o comportamento dos elétrons. Se nos referirmos ao
movimento dos elétrons no experimento, o que é um tanto impreciso,
podemos dizer que a luz altera esse movimento, de modo que aqueles que
poderiam ter chegado a um ponto máximo foram de alguma maneira
desviados ou deslocados pela luz, chegando a um mínimo. A curva fica suave
e produz N1 + N2.
Elétrons são delicados. Quando observamos uma bola de futebol e jogamos
luz sobre ela, isso não faz diferença: a bola continua do mesmo jeito. Mas
quando jogamos luz forte sobre um elétron, ela esbarra nele. Em vez de fazer
um movimento, ele faz outro. Suponha que deixemos a luz cada vez mais
fraca, até que fique bem fraquinha, e então usemos detectores muito sensíveis,
que nos permitam ver com essa luz fraquinha. Conforme a luz fica mais fraca,
não podemos esperar que seu efeito afete os elétrons a ponto de mudar
completamente o padrão de N12 para N1 + N2. À medida que a luz fica mais
fraca, nos aproximamos de uma situação em que não há luz nenhuma. Como
uma curva se transforma na outra? Ora, é claro que a luz não é como uma
onda de água. A luz também tem um caráter corpuscular, vem em fótons;
quando abaixamos a intensidade da luz, não reduzimos o seu efeito, e sim o
número de fótons que vêm da fonte. Ao diminuir a intensidade da luz, temos
cada vez menos fótons. Um fóton é a quantidade mínima de luz que pode
colidir com um elétron. Se temos poucos fótons, às vezes o elétron vai passar
quando não há fótons em torno, e nesse caso não vou vê-lo. Uma luz muito
fraca não significa uma perturbação muito fraca, significa apenas poucos
fótons. O resultado é que para uma luz muito fraca eu tenho de inventar uma
terceira coluna com o título “não foi visto”. Quando a luz é muito forte há
poucos registros nessa coluna, e quando a luz é muito fraca a maioria dos
registros estará lá. Então há três colunas: “fenda 1”, “fenda 2” e “não foi visto”.
Vocês podem imaginar o que acontece. Os elétrons que vemos se distribuem
como a curva N1 + N2 e aqueles que não vemos se distribuem como a curva
N12. À medida que a luz fica mais fraca, vemos cada vez menos, uma fração
cada vez maior de elétrons não é vista. Mas a curva real será sempre uma
mistura das duas curvas. Conforme a luz fica fraca, a curva vai ganhando a
forma de N12, de maneira contínua.
Não posso analisar aqui maneiras de descobrir por qual fenda o elétron
passou. É impossível regular a luz de modo que sejamos capazes de saber por
qual fenda ele passou sem perturbar o seu padrão de chegada, sem destruir a
interferência; isso não se dá só com a luz, mas com qualquer coisa; é
impossível fazê-lo, por princípio. Você pode, se quiser, inventar muitos meios
de saber por qual fenda os elétrons passam, e nesse caso sempre se verifica
que eles passam por uma ou por outra. Mas se você tentar usar seu
instrumento de um modo que ele não perturbe o movimento dos elétrons,
então não poderá verificar por qual fenda os elétrons passaram. Obterá
novamente um resultado complicado.
Quando descobriu as leis da mecânica quântica, Heisenberg notou que as
novas leis da natureza só poderiam ser consistentes se houvesse uma
limitação básica, até então não reconhecida, para as nossas habilidades
experimentais. Em outras palavras, não podemos ser experimentalmente tão
delicados quanto quisermos. Heisenberg propôs o princípio da incerteza.
Enunciado em termos do nosso experimento, ele diz o seguinte (Heisenberg
enunciou o princípio de outra forma, mas ambas são equivalentes e você pode
obter um enunciado a partir do outro): “É impossível projetar um aparelho
para determinar por qual fenda os elétrons passaram sem perturbar esses
elétrons de um modo que destruirá o padrão de interferência.” Ninguém
encontrou um jeito de evitar isso. Tenho certeza de que vocês estão se
coçando com ideias para determinar por qual fenda cada elétron passou. Se
cada uma delas for analisada cuidadosamente, algo estará errado. Vocês
podem pensar que são capazes de fazê-lo sem perturbar o elétron, mas
sempre acontece algum problema e sempre se pode entender a diferença entre
os padrões como um resultado da perturbação causada pelos instrumentos
usados.
Essa característica básica da natureza nos diz algo mais geral. Se uma nova
partícula for encontrada amanhã, o kaon — na verdade, o kaon já foi
encontrado, mas vamos chamá-la por esse nome —, e eu usar kaons para
interagir com os elétrons a fim de determinar por qual fenda eles passaram,
podemos dizer desde já que isso também não nos permitirá decidir, pois
haverá uma perturbação que mudará o padrão de interferência. O princípio
da incerteza pode ser usado para propor características de objetos
desconhecidos. Eles são limitados por seu caráter de probabilidade.
Retornemos à nossa proposição A: “Elétrons devem passar por uma fenda
ou pela outra.” Será verdadeira? Os físicos têm um jeito de evitar essas
armadilhas. Constroem regras de pensamento da seguinte maneira: se você
tem um aparato capaz de dizer por qual fenda cada elétron passou (e você
pode ter tal aparato), então você pode dizer que eles têm de passar por uma
ou por outra. É fato: eles sempre passam por uma ou por outra — quando
você está olhando. Mas quando não temos um aparato para determinar por
qual fenda eles passam, então não podemos dizer por qual das duas passaram
(você pode dizer, desde que pare de pensar imediatamente e não faça
nenhuma dedução a partir daí; os físicos preferem não dizer nada a parar de
pensar). Afirmar que eles passam ou por uma fenda ou por outra, quando não
estamos olhando, conduz a erros de previsão. É sobre essa corda bamba lógica
que temos de andar se quisermos interpretar a natureza.
Trata-se de uma proposição geral, que não se aplica só ao caso das duas
fendas. Ela pode ser enunciada assim: a probabilidade de qualquer evento em
um experimento ideal — ou seja, um experimento no qual tudo está
especificado tão bem quanto possível — é o quadrado de alguma coisa, que
neste caso eu chamei a, a amplitude de probabilidade. Quando um evento
pode ocorrer de diversas maneiras alternativas, a amplitude de probabilidade,
esse número a, é a soma de todos os a’s de cada uma das alternativas. Se um
experimento for capaz de determinar qual alternativa foi realizada, a
probabilidade do evento muda; passa a ser a soma das probabilidades de cada
alternativa. Ou seja, perdemos o efeito de interferência.
Como isso funciona? Que tipo de mecanismo produz isso? Ninguém o
conhece. Ninguém pode explicar esse fenômeno mais profundamente do que
eu acabo de fazer, descrevendo-o. Talvez haja explicações mais amplas, com
mais exemplos para mostrar como é impossível dizer por qual fenda o elétron
passou sem ao mesmo tempo destruir o padrão de interferência. Pode-se
mencionar uma classe de experimentos mais ampla do que apenas o
experimento de interferência da dupla fenda. Mas isso é só repetir a mesma
coisa. Não é mais profundo, é só mais amplo. A matemática pode ser usada de
forma mais precisa; você pode mencionar que são números complexos em
vez de números reais, bem como alguns outros detalhes que não têm nada a
ver com a ideia central. O mistério profundo é o que descrevi. Hoje, ninguém
pode ir além dele.
O que calculamos foi a probabilidade de chegada de um elétron. Agora, a
questão é se existe algum modo de determinar aonde um dado elétron
realmente chega. Não há problema em usar a teoria das probabilidades
quando a situação é muito complicada. Jogamos um dado para o alto. Como
há atrito, inúmeros átomos e todas as demais complicações, admitimos que
não sabemos detalhes suficientes para fazer uma previsão precisa; então
calculamos as chances de que a coisa aconteça de uma maneira ou de outra.
Mas o que estamos propondo aqui é que as probabilidades existem nas leis
fundamentais da física.
Suponhamos que monto um experimento de modo a obter sem luz a
situação de interferência. Então, mesmo com a luz acesa, não posso prever
por qual fenda o elétron vai passar. Só sei que ele passará por uma fenda ou
por outra sempre que eu olhar; mas não há como prever de antemão por qual
delas será. O futuro é imprevisível. É impossível prever por qualquer meio,
com qualquer informação, por qual fenda o elétron vai passar. Isso significa
que, de certa maneira, a física desistiu — se o propósito original era esse, e
todos achavam que era — de saber o suficiente para que, dadas as
circunstâncias, se possa prever o que acontecerá em seguida.
Eis as circunstâncias: fonte de elétrons, fonte de luz intensa, placa de
tungstênio com duas fendas. Digam-me: por qual fenda o elétron passará?
Uma teoria diz que não podemos fazer essa previsão porque isso seria
determinado por um conjunto de coisas muito complicadas. Mecanismos
internos determinariam por onde ele passa; haveria uma probabilidade de
50% porque, como no lançamento de dados, esses mecanismos seriam
aleatórios. Nesse caso, a física estaria incompleta; se conseguíssemos uma
física suficientemente completa, seríamos capazes de prever por onde ele
passa. Esta é a chamada teoria das variáveis ocultas, que não pode estar certa:
não é por falta de conhecimento que não podemos fazer tal previsão.
Eu disse que, se não acendo a luz, devo obter o padrão de interferência. Se
estou diante de uma circunstância em que há um padrão de interferência, é
impossível analisá-la em termos de passagem pela fenda 1 ou pela 2, pois
nesse caso a curva de interferência é muito simples, matematicamente muito
diferente da contribuição das outras duas curvas de probabilidades. Se fosse
possível determinar por qual fenda o elétron passa com a luz acesa, então o
fato de a luz estar acesa não faria diferença. Qualquer mecanismo que
existisse na fonte e nos permitisse dizer se o elétron passaria pela fenda 1 ou
pela 2 nos permitiria fazer a mesma observação também com a luz apagada.
Se pudéssemos fazer isso, a curva resultante seria a soma das curvas
decorrentes da fenda 1 e da fenda 2, e ela não é. Portanto, deve ser impossível
obter qualquer informação antecipada sobre por qual fenda o elétron vai
passar, independentemente de a luz estar acesa ou apagada, mesmo se o
experimento for montado para produzir interferência com a luz apagada. Esse
caráter aleatório não decorre de ignorarmos os mecanismos ou as
complicações internas; parece ser algo intrínseco. Alguém expressou isso da
seguinte maneira: “A própria natureza não sabe por onde o elétron vai
passar.”
Um filósofo disse: “Para existir ciência é necessário que as mesmas
condições produzam sempre os mesmos resultados.” Mas não produzem.
Você estabelece as circunstâncias, com as mesmas condições a cada vez, e não
pode prever por qual fenda o elétron vai passar. Mesmo assim, a ciência
continua, apesar de as mesmas condições não produzirem os mesmos
resultados sempre. Ficamos desconcertados com o fato de que não podemos
prever exatamente o que vai acontecer. Aliás, poderíamos imaginar alguma
circunstância muito perigosa, na qual uma previsão seria necessária, mas
impossível. Por exemplo, poderíamos imaginar — é melhor não fazê-lo, mas
poderíamos — um esquema no qual temos uma célula fotoelétrica e um
elétron que vai passar. Se ele fosse visto atrás da fenda 1, detonaríamos uma
bomba atômica e começaríamos a Terceira Guerra Mundial; se fosse visto
atrás da fenda 2, faríamos as pazes e adiaríamos a guerra. Nesse caso, o futuro
da humanidade dependeria de algo que nenhuma ciência pode prever. O
futuro é imprevisível.
O que é necessário “para a existência da ciência” e quais são as
características da natureza não podem ser determinados por precondições
pomposas; isso é sempre determinado pelo material com que trabalhamos,
pela própria natureza. Observamos e vemos o que encontramos. Não
podemos dizer antecipadamente o que vai ocorrer. As possibilidades mais
razoáveis muitas vezes não se confirmam. Para que a ciência progrida,
precisamos ter habilidade experimental, honestidade na apresentação dos
resultados — os resultados têm de ser divulgados sem atender a preferências
— e, finalmente, inteligência na interpretação deles. Um ponto importante
sobre essa inteligência é que não devemos ter certeza antecipadamente sobre
o que vai acontecer. Podemos ter preconceitos e dizer: “Isso é improvável, não
gosto daquilo.” Preconceito é diferente de certeza absoluta. Não quero dizer
preconceito absoluto, mas propensão. Simples propensões não fazem muita
diferença. Se estiverem erradas, uma sequência de experimentos vai nos
incomodar até que os resultados não possam ser ignorados. Eles só poderão
ser ignorados se tivermos de antemão certeza absoluta sobre alguma
precondição que a ciência deveria satisfazer. O fundamental para a existência
da ciência é que as mentes não exijam que a natureza tenha de satisfazer
condições preconcebidas, como aquela do nosso filósofo.
7
Em busca de novas leis35

Nesta palestra não quero falar exatamente do caráter das leis físicas. Podemos
imaginar que estamos falando da natureza quando falamos dessas leis. Mas
não quero falar da natureza, e sim de nossa posição atual em relação à
natureza. Quero me referir ao que pensamos saber, ao que resta para
adivinhar e a como procedemos quando tentamos adivinhar. Alguém sugeriu
que o ideal seria que eu explicasse como se adivinha uma lei e depois criasse
uma nova lei junto com vocês. Não sei se serei capaz de fazer isso.
Qual a situação atual? O que, afinal, sabemos em física? Vocês podem
pensar que já falei tudo, pois nas palestras anteriores descrevi os grandes
princípios que conhecemos. Mas os princípios precisam ser princípios sobre
algo: o princípio de conservação da energia refere-se à energia de alguma
coisa, e as leis da mecânica quântica se aplicam a alguma coisa — todos esses
princípios juntos não nos dizem qual é o conteúdo da natureza. Vou falar um
pouco a respeito das coisas às quais esses princípios se aplicam.
Antes de mais nada, existe matéria — e, por incrível que pareça, toda
matéria é igual. A matéria de que são feitas as estrelas é a mesma que temos
aqui na Terra. A luz emitida pelas estrelas contém uma espécie de impressão
digital pela qual podemos dizer que lá e aqui há os mesmos tipos de átomos.
Esses mesmos tipos de átomos aparecem nas criaturas vivas e nos objetos;
sapos são feitos das mesmas “coisas” que as rochas, só o arranjo é diferente.
Isso torna o nosso problema mais simples: não temos nada além de átomos,
todos do mesmo tipo, por toda parte.
Todos os átomos parecem ter a mesma constituição geral: contêm um
núcleo em torno do qual estão os elétrons. Assim, podemos fazer uma lista
dos constituintes do mundo que pensamos conhecer (figura 32). Primeiro há
os elétrons, que são as partículas no exterior do átomo. Depois há os núcleos;
mas esses são feitos de duas outras coisas chamadas nêutrons e prótons, duas
partículas. Podemos observar estrelas e átomos. Estes emitem luz, e a própria
luz é formada por partículas, os fótons. Na primeira palestra falamos sobre
gravitação; se a teoria quântica estiver certa, então também deve haver um
tipo de ondas, relacionadas à gravitação, que se comportam como partículas,
os chamados grávitons. Se vocês não acreditam nisso, usem apenas gravidade.
Finalmente, mencionei o decaimento beta, no qual um nêutron pode se
desintegrar em um próton, um elétron e um neutrino — na verdade, um
antineutrino. Há outra partícula, o neutrino. Além de todas as partículas que
listei, existem, é claro, as antipartículas, o que dobra o número de partículas,
mas sem causar nenhuma complicação.

Figura 32
Até onde sabemos, essas partículas que listei explicam todos os fenômenos
de baixa energia, ou seja, os fenômenos comuns, que vemos todos os dias. Há
exceções, quando aqui e ali alguma partícula de energia muito alta faz alguma
coisa. Fomos capazes de produzir fenômenos estranhos em laboratório, mas,
se deixarmos de fora esses casos especiais, os fenômenos comuns podem ser
explicados pelas ações e pelos movimentos das partículas. Em princípio,
pode-se compreender a própria vida a partir dos movimentos de átomos
feitos de nêutrons, prótons e elétrons. Quando eu digo que entendemos em
princípio o fenômeno da vida, quero dizer o seguinte: se fôssemos capazes de
calcular tudo, não precisaríamos criar novas leis físicas para entendê-lo.
Outro exemplo: explicamos a emissão de energia pelas estrelas (energia solar
ou estelar) em termos de reações nucleares entre partículas. Todos os detalhes
sobre a maneira como os átomos se comportam são descritos com precisão
por esse modelo, pelo menos até onde sabemos. Até hoje não identificamos
nenhum fenômeno que não possa ser explicado dessa maneira, nenhum
fenômeno que contenha algum mistério profundo.
Mas nem sempre isso foi possível. Há, por exemplo, um fenômeno
chamado supercondutividade: em baixas temperaturas, alguns metais podem
conduzir eletricidade sem resistência. Não era óbvio que isso decorresse de
leis conhecidas, mas depois de estudos minuciosos vimos que o
conhecimento atual permite compreendê-lo perfeitamente.
Outros fenômenos, como a percepção extrassensorial, não podem ser
explicados pelo nosso conhecimento de física. Entretanto, esse fenômeno
ainda não foi bem estabelecido e não podemos garantir que exista. Seria
muito interessante para os físicos saber se ele é falso ou verdadeiro, pois, se
fosse demonstrado, isso provaria que a física está incompleta. No entanto,
muitos experimentos mostram que ele não existe. O mesmo vale para
influências astrológicas. Se fosse verdadeiro que as estrelas podem indicar o
dia que é bom para ir ao dentista — temos esse tipo de astrologia nos Estados
Unidos —, então a teoria física estaria errada; nenhum mecanismo baseado
no comportamento das partículas pode explicar isso. Por isso os cientistas são
céticos a respeito dessas ideias.
O hipnotismo também pareceu impossível quando foi descrito, de maneira
ainda incompleta. Hoje sabemos que não é impossível ocorrer hipnose por
meio de processos fisiológicos normais, embora ainda desconhecidos. Não é
algo que necessariamente exija algum novo tipo de força.
Nossa teoria sobre o que acontece fora do núcleo atômico parece ser muito
precisa e completa: se dispuséssemos de tempo suficiente, poderíamos
calcular qualquer coisa tão precisamente quanto ela pode ser medida. Mas
não conhecemos tão bem as forças entre os nêutrons e os prótons, que
constituem o núcleo. Não as entendemos a ponto de poder calcular
exatamente os níveis de energia do carbono, ou algo semelhante, mesmo
dispondo de bastante tempo e de bons computadores. Não sabemos o
suficiente. O que conseguimos fazer para com os níveis de energia dos
elétrons na parte externa do átomo não conseguimos aplicar ao núcleo, pois
as forças nucleares ainda não foram bem compreendidas.
A fim de descobrir mais sobre isso, físicos experimentais começaram a
estudar fenômenos em altas energias. Lançam nêutrons e prótons, uns contra
os outros, com energia muito alta e obtêm resultados estranhos. Ao analisar
esses resultados, esperamos entender melhor as forças entre nêutrons e
prótons. Tais experimentos abriram a caixa de Pandora! Queríamos conhecer
melhor as forças entre nêutrons e prótons, mas as colisões mostraram que há
mais partículas no mundo. Mais de quatro dúzias de outras partículas foram
descobertas. Vamos colocá-las na coluna nêutrons/prótons da figura 33, pois
elas interagem com nêutrons e prótons, e têm a ver com as forças entre eles.

Figura 33
Enquanto explorávamos esse terreno encontramos um par de peças que são
irrelevantes para o problema das forças nucleares. Uma delas é chamada de
méson mu, ou múon,36 e a outra é o neutrino que o acompanha. Há dois
tipos de neutrinos,37 um que acompanha o elétron e um que acompanha o
méson mu. Por incrível que pareça, todas as leis do múon e de seu neutrino
são conhecidas, até onde podemos ir experimentalmente. Eles se comportam
do mesmo jeito que o elétron e seu neutrino, exceto pelo fato de que a massa
do múon é 207 vezes maior que a do elétron. É a única diferença conhecida
entre esses objetos, o que é bastante curioso. Quatro dúzias de outras
partículas — mais as antipartículas — são uma lista assustadora. Elas têm
vários nomes — mésons, píons, kaons, lambda, sigma —, mas isso não faz
diferença. Quatro dúzias de partículas exigem um monte de nomes! Essas
partículas existem em famílias, o que ajuda um pouco. Algumas existem
durante um tempo tão curto que se questiona a afirmação de sua existência,
mas não vamos entrar nessa discussão.
Para ilustrar a ideia das famílias, tomemos os casos do nêutron e do próton.
Ambos têm a mesma massa, com uma aproximação de 10%. Um é 1.836
vezes mais pesado que o elétron e o outro, 1.839 vezes. O mais notável é o fato
de que a força nuclear entre dois prótons, a força forte que atua dentro do
núcleo, é a mesma que existe entre um próton e um nêutron, e também a
mesma que existe entre um nêutron e outro nêutron. Em outras palavras,
pelas forças nucleares não é possível distinguir entre um próton e um
nêutron. É uma lei de simetria; nêutrons podem ser substituídos por prótons
sem mudar nada — desde que estejamos falando apenas de forças fortes. Mas,
se trocarmos um nêutron por um próton, teremos uma tremenda diferença,
pois o próton possui carga elétrica e o nêutron não. Ao realizar medidas
elétricas, podemos ver imediatamente a diferença entre um próton e um
nêutron. Essa simetria que permite substituir um pelo outro é o que
chamamos de simetria aproximada. É válida para as interações fortes (ou
forças nucleares), mas não é válida em um sentido profundo da natureza, pois
não funciona para a eletricidade. É uma simetria parcial. Temos de lidar com
essas simetrias parciais.
Com o aumento das famílias, as substituições entre nêutron e próton, e
outras do mesmo tipo, podem ser estendidas para uma gama mais ampla de
partículas, mas nesses casos a exatidão é ainda menor. O enunciado de que
nêutrons podem ser trocados por prótons é aproximado — não vale para a
eletricidade —, enquanto as outras substituições consideradas possíveis
fornecem uma simetria ainda mais pobre. Mesmo assim, essas simetrias
parciais ajudaram a agrupar as partículas em famílias, a encontrar lugares
onde há partículas faltando e, desse modo, descobrir novas.
O jogo de tentar adivinhar as relações familiares é ilustrativo do tipo de
disputa que temos com a natureza antes de descobrirmos alguma lei ampla e
fundamental. Temos grandes exemplos disso na história da ciência. A
descoberta da tabela periódica dos elementos, feita por Mendeleev,38 lembra
esse jogo. Foi o primeiro passo, pois a explicação da tabela só veio muito mais
tarde, com a teoria atômica. Da mesma maneira, a organização do
conhecimento dos níveis nucleares foi feita, alguns anos atrás, por Maria
Mayer e Jensen,39 no que chamaram de modelo de camadas dos núcleos. A
física está em um jogo análogo, no qual se obtém uma redução da
complexidade por meio de conjecturas aproximadas.
Além dessas partículas, temos os princípios a que nos referimos: simetria,
relatividade, comportamento quântico; usando a relatividade, chegamos ao
princípio de que as leis de conservação devem ser locais. Se reunirmos todos
esses princípios, veremos que há grande quantidade deles e alguns se
contradizem. Se pegarmos a mecânica quântica, a relatividade, a ideia de que
tudo tem de ser local e certo número de suposições tácitas, chegaremos a
inconsistências, porque obteremos valores infinitos para várias coisas. Como,
então, podemos dizer que isso está de acordo com a natureza?
Eis um exemplo dessas suposições tácitas que mencionei, cujo real
significado não compreendemos porque temos muitos preconceitos: se
calculo a probabilidade de todas as possíveis ocorrências — 50% de chance de
acontecer isto, 25% de acontecer aquilo etc. —, devo obter 100%. Ou seja, se
levarmos em conta todas as alternativas, encontraremos 100% de
probabilidade. Isso parece razoável, mas o problema sempre está em coisas
razoáveis. Outra proposição é que a energia de alguma coisa deve ser sempre
positiva, nunca negativa. E ainda outra proposição que provavelmente é
admitida antes de obtermos inconsistências é o que se chama causalidade, a
ideia de que os efeitos não podem preceder as causas. Nenhum modelo que
desconsidere as proposições sobre probabilidade ou causalidade é consistente
com a mecânica quântica, a relatividade, a localidade e assim por diante.
Então, não sabemos qual suposição implícita produz o problema dos
infinitos. Eis um belo problema! Acaba sendo possível varrer os infinitos para
debaixo do tapete, com um método meio bruto, para que temporariamente
possamos continuar calculando.
Essa é a situação atual. Agora vejamos como poderíamos procurar uma
nova lei.
Em geral, procuramos uma lei pelo seguinte processo. Começamos com
uma conjectura, depois verificamos suas consequências: o que acontece se
essa lei estiver certa? Depois comparamos o resultado com a natureza, em
experimentos, e comparamos diretamente com a observação, para ver se
funciona. Se estiver em desacordo com o experimento, está errada. Nessa
declaração tão simples está a chave da ciência. A beleza das nossas suposições
não conta. Tampouco conta a inteligência ou a reputação de quem teve a
ideia — se estiver em desacordo com o experimento, ela está errada. Eis tudo.
É preciso checar bem para ter certeza do erro, pois quem fez o experimento
pode ter publicado um relatório incorreto, ou pode ter havido algum aspecto
do experimento que não foi notado, alguma impureza ou algo assim; ou então
o experimentador, mesmo que seja a pessoa que teve a ideia, pode ter
cometido algum erro de análise. Esses são comentários óbvios. Quando digo
que a ideia está errada se estiver em desacordo com o experimento, quero
dizer que isso só é constatado depois que o experimento tiver sido checado, os
cálculos tiverem sido verificados e a coisa toda tiver sido virada e revirada
para se ter certeza de que os resultados são consequências lógicas da hipótese,
e que de fato há desacordo entre eles e um experimento cuidadosamente
verificado.
Isso pode dar a vocês uma impressão errada da ciência, pois sugere que
fazemos adivinhações e as comparamos com experimentos, o que colocaria os
experimentos em uma situação muito precária. Na verdade, os físicos
experimentais têm sua individualidade. Gostam de fazer experimentos
mesmo que ninguém tenha feito nenhuma conjectura. Muitas vezes
experimentam em regiões nas quais nenhum teórico se aventurou. Por
exemplo, conhecemos muitas leis, mas não sabemos se elas funcionam em
altas energias. Dizer que sim é só uma suposição. Físicos já realizaram
experimentos em altas energias e, de fato, de vez em quando um deles
apresenta problemas: descobre-se que alguma coisa que considerávamos
correta está errada. Os experimentos podem produzir resultados inesperados,
que nos remetem a novas conjecturas. Um exemplo de resultado inesperado é
a descoberta do múon e seu neutrino, cuja existência ninguém havia proposto
antes de serem descobertos. Até hoje ninguém formulou uma hipótese que
torne natural esse resultado.
Com esse método podemos tentar refutar qualquer teoria. Se tivermos
hipóteses claras, uma conjectura a partir da qual podemos realizar cálculos,
obter resultados e compará-los com experimentos, então, em princípio,
podemos nos livrar de qualquer teoria. Sempre podemos provar que uma
teoria está errada, mas nunca podemos provar que ela está certa. Suponha que
algum de vocês tem uma bela hipótese, calcula, obtém resultados e descobre
que eles estão de acordo com os experimentos, reiteradamente. Então a teoria
está certa? Não, ela simplesmente não foi descartada como errada. No futuro
talvez se possa calcular mais resultados, realizar mais experimentos e
descobrir que a coisa está errada.
É por isso que leis como as de Newton para o movimento dos planetas
duraram tanto tempo. Ele propôs a lei da gravitação, fez cálculos, obteve todo
tipo de previsões para o sistema, comparou-as com os experimentos e assim
por diante. Foram necessários vários séculos até que se detectasse um
pequeno erro no movimento de Mercúrio. Durante todo esse tempo a teoria
não havia sido refutada e podia ser considerada certa, temporariamente. Mas
nunca poderíamos provar que estava certa, porque o experimento de amanhã
talvez viesse a provar o contrário. Nunca estamos definitivamente certos, só
podemos ter certeza de estarmos errados. Mas é notável como podemos ter
ideias que duram tanto tempo.
A ciência ficaria estagnada se só fizéssemos experimentos nos domínios
cujas leis conhecemos. Mas os físicos experimentais investigam, com
diligência e esforço, exatamente aqueles domínios em que parece mais
provável encontrar erros nas teorias. Em outras palavras, estamos sempre
tentando provar que estamos errados, pois só dessa maneira podemos
progredir. Hoje, por exemplo, não sabemos onde poderíamos encontrar
problemas entre os fenômenos de baixas energias. Achamos que está tudo
muito bem. Portanto, não há nenhum grande programa procurando
problemas em reações nucleares ou em supercondutividade.
Nestas palestras eu me concentrei em tratar de leis fundamentais. O escopo
completo da física, que é interessante, também inclui um entendimento em
outro nível desses fenômenos, como supercondutividade e reações nucleares,
em termos das leis fundamentais. Mas agora estou falando de descobrir
problemas, descobrir algo errado com as leis fundamentais. Já que ninguém
sabe para onde olhar nos fenômenos de baixa energia, todos os experimentos
voltados para encontrar novas leis estão sendo feitos em altas energias.
Não podemos refutar uma teoria vaga. Se a hipótese for mal formulada, se
o método usado for obscuro e impreciso, se você não tem certezas e diz: “Eu
acho que está tudo certo porque tudo se deve a isso ou aquilo, é tudo mais ou
menos assim ou assado, e eu posso explicar mais ou menos como as coisas
funcionam...”, então, você pode achar que essa teoria é boa porque não pode
ser refutada. Se o processo de calcular e obter resultados for indefinido, então,
com alguma habilidade, qualquer resultado experimental pode parecer um
resultado esperado.
Vocês devem ter visto isso em outros campos. O sujeito “A” odeia sua mãe.
A razão, é claro, é que ela não o amou o suficiente quando ele era criança.
Mas, ao investigar, você descobre que na verdade ela o amou muito e tudo
transcorreu bem. Ora, então é porque a mãe era superprotetora quando ele
era criança! Com uma teoria vaga é possível obter qualquer resultado. Se fosse
possível enunciar exatamente, com antecedência, quanto amor é insuficiente
e quanto é superproteção, então haveria uma teoria legítima e poderíamos
testá-la. Ao levantarmos esse problema, normalmente se diz: “Quando
lidamos com questões psicológicas, as coisas não podem ser definidas com
tanta precisão.” Tudo bem, mas então você não pode dizer que sabe alguma
coisa sobre o assunto.
Vocês ficarão horrorizados ao ouvir isso, mas em física temos exemplos do
mesmo tipo. Nossas simetrias aproximadas funcionam mais ou menos assim.
Temos uma simetria aproximada, calculamos e obtemos um conjunto de
resultados supondo que ela é perfeita. O experimento não dá o mesmo
resultado. É claro: consideramos exata uma simetria que é só aproximada. Se
a concordância for muito boa você comemora, e se a concordância for muito
ruim você diz: “Bem, esse aspecto deve ser especialmente sensível à quebra da
simetria.” Vocês podem rir, mas é desse jeito que progredimos. Quando um
assunto é novo — e essas partículas são uma novidade para nós —, essa
malandragem, essa maneira intuitiva de adivinhar os resultados, é o começo
de qualquer ciência. A mesma coisa vale tanto para uma proposição sobre
simetria em física quanto para a psicologia. Logo, não riam muito alto. No
começo, é necessário ter muito cuidado. Com esse tipo de teoria vaga é fácil se
perder, pois é difícil refutá-la. É preciso ter experiência e habilidade para não
pisar fora da linha nesse jogo.
Nesse processo de prever, calcular, obter resultados e comparar com
experimentos, podemos empacar em vários estágios. Podemos empacar no
estágio da previsão, se não temos ideias, ou no estágio do cálculo. Por
exemplo, Yukawa40 teve uma ideia para as forças nucleares em 1934, mas
ninguém conseguia obter resultados com ela, pois a matemática era muito
difícil, de modo que não se podia comparar sua ideia com os experimentos.
As teorias permaneceram por um longo tempo, até que descobrimos várias
partículas adicionais, que não tinham sido consideradas por Yukawa. A coisa
não era tão simples. Também podemos empacar na ponta experimental. Por
exemplo, a teoria quântica da gravitação está andando muito devagar, se é
que está andando, porque os experimentos que podemos fazer não envolvem
mecânica quântica e gravitação ao mesmo tempo. A força gravitacional é
muito fraca, quando comparada à força elétrica.
Quero me concentrar agora na maneira como formulamos hipóteses.
Como sou físico teórico, me delicio com essa parte do problema.
Eu já disse que a origem das hipóteses não tem importância; o que importa
é que elas estejam de acordo com os experimentos e que sejam tão claras
quanto possível. Vocês poderão dizer: “Isso é muito simples. Criamos uma
máquina, um grande computador equipado com uma roleta aleatória, que
pode fornecer uma sucessão de palpites. Sempre que ela dá um palpite sobre
como a natureza deve funcionar, compara com uma lista de resultados
experimentais armazenados lá dentro.” Em outras palavras, adivinhar é
trabalho para tolos. Nada disso: é justamente o oposto. Tentarei explicar por
quê.
O primeiro problema é como começar. Você diz: “Eu começaria com todos
os princípios conhecidos.” Mas os princípios conhecidos são contraditórios
entre si. Algo tem de ser removido. Recebemos muitas cartas de pessoas
insistindo em que temos de abrir espaço para novos palpites em nossas
teorias. Alguém diz: “Vocês vivem afirmando que o espaço é contínuo. Como
podem saber se, quando chegarmos a uma dimensão bem pequena, ainda é
assim e não são pontos separados por pequenas distâncias?” Ou então: “Essas
amplitudes quânticas, de que você falou, são complicadas e absurdas. O que
faz vocês pensarem que estão certas? Talvez não estejam.” Essas observações
são óbvias e perfeitamente claras para quem trabalha nesse problema. Reiterá-
las não ajuda nada. O problema não é o que pode estar errado, mas o que
pode ser colocado em seu lugar. Vejamos o caso do espaço contínuo.
Suponha que o espaço consiste em uma série de pontos, o espaço entre eles
não significa nada e os pontos formam uma rede cúbica. Podemos provar
imediatamente que isso está errado. Não é assim que funciona. O problema
não é apenas dizer que algo talvez esteja errado, mas propor outra coisa — e
isso não é assim tão fácil. Logo que substituímos qualquer ideia bem definida
fica claro que a nova proposição não funciona.
A segunda dificuldade é que há um número infinito de possibilidades
simples. É mais ou menos assim: você está trabalhando duro, por um longo
tempo, para abrir um cofre. Então um João Ninguém, que não acompanhou
suas tentativas, chega e diz: “Por que não tenta a combinação 10:20:30?” Você
está ocupado, já tentou muitas coisas, talvez até já tenha tentado 10:20:30;
talvez já saiba que o número do meio é 32 e não 20; talvez saiba que é uma
combinação de cinco dígitos... Então, por favor, não me mandem nenhuma
carta para dizer como a coisa vai funcionar. Eu as leio — eu sempre leio, para
ter certeza de que ainda não pensei no que está sendo sugerido —, mas
respondê-las leva muito tempo, porque normalmente são do tipo “tente
10:20:30”. A imaginação da natureza sempre deixa a nossa para trás, como
vimos em teorias sutis e profundas. Ter um palpite sutil e profundo não é tão
fácil. A pessoa tem de ser muito esperta para propor uma hipótese, e não é
possível fazê-lo às cegas, com uma máquina.
Agora quero falar sobre a arte de adivinhar as leis da natureza. É uma arte.
Como se faz? Uma maneira é olhar para a história e ver como os outros
fizeram. Então vamos olhar para a história.
Temos de começar com Newton. Mesmo com um conhecimento
imperfeito, ele foi capaz de adivinhar certas leis, juntando ideias que estavam
relativamente próximas dos experimentos. Não havia muita distância entre as
observações e as verificações. Essa foi a primeira via, mas hoje não funciona
bem.
O físico seguinte que fez algo notável foi Maxwell: descobriu as leis da
eletricidade e do magnetismo. Fez o seguinte: juntou todas as leis da
eletricidade, devidas a Faraday e outros que vieram antes dele, estudou-as e
percebeu que eram matematicamente inconsistentes. Para organizá-las, teve
de adicionar um termo a uma equação. Ele fez isso inventando para si um
modelo de rodas, polias e assim por diante, no espaço. Descobriu a nova lei,
mas ninguém prestou muita atenção, porque não se acreditava naquelas
polias. Hoje não acreditamos nas polias, mas as equações que ele obteve estão
certas. A lógica pode estar errada e a resposta estar certa.
No caso da relatividade, a descoberta foi completamente diferente. Havia
um acúmulo de paradoxos, pois as leis conhecidas davam resultados
inconsistentes. Foi preciso um novo tipo de raciocínio para analisar as
possíveis simetrias das leis. Foi especialmente difícil, porque pela primeira vez
se percebeu que as leis de Newton pareciam corretas, mas estavam erradas.
Também foi difícil aceitar que as ideias de tempo e espaço, que pareciam tão
instintivas, estavam erradas.
A mecânica quântica foi descoberta por duas vias diferentes — o que é uma
lição. Novamente, e de modo ainda mais evidente, os experimentos
mostraram um enorme número de paradoxos, fatos que não podiam ser
explicados pelo conhecimento estabelecido. O conhecimento não era
incompleto, era completo demais. Previa-se que tal coisa devia acontecer e ela
não acontecia. As vias diferentes foram a de Schrödinger, que adivinhou a
equação quântica, e a de Heisenberg, que argumentou que devemos analisar o
que é mensurável. No final, os dois métodos, filosoficamente diferentes,
levaram à mesma descoberta.41
Mais recentemente, a descoberta das leis do decaimento fraco de que falei,
quando um nêutron se desintegra em um próton, um elétron e um
antineutrino — leis que ainda são parcialmente conhecidas —, é uma situação
ligeiramente diferente. Esse foi um caso de conhecimento incompleto, e só a
equação foi adivinhada. A dificuldade especial nesse caso é que todos os
experimentos estavam errados. Como podemos encontrar a resposta se,
quando calculamos o resultado, ele está em desacordo com o experimento? É
preciso coragem para dizer que os experimentos estão errados. Adiante vou
explicar de onde vem essa coragem.
Hoje talvez não existam paradoxos. Temos esses infinitos que aparecem
quando reunimos as leis, mas as pessoas que varrem a sujeira para debaixo do
tapete são tão espertas que às vezes parece que esse não é um paradoxo sério.
O fato de termos encontrado todas essas partículas não nos diz nada, exceto
que nosso conhecimento é incompleto. Tenho certeza de que a história não se
repete em física, como vocês podem ver pelos exemplos que dei. A razão é a
seguinte. Os esquemas — como “pense em leis de simetria”, “ponha as
informações em forma matemática”, “adivinhe as equações” — são
conhecidos de todos, que os usam o tempo todo. Quando você está
empacado, a resposta não pode ser nenhuma dessas, pois todas já terão sido
tentadas. Temos de buscar um método diferente. Sempre que estamos
empacados, com muitos problemas, estamos usando métodos iguais aos que
já foram usados. A próxima descoberta será feita de uma maneira diferente.
Por isso a história não ajuda muito.
Gostaria de dizer algo sobre a ideia de Heisenberg, de que não devemos
falar de coisas que não podemos medir. Muita gente se refere a essa ideia sem
realmente entendê-la. Vocês podem interpretar isso no sentido de que
construtos ou invenções que fazemos devem ser de tal tipo que os resultados
obtidos sejam comparáveis com experimentos — ou seja, que não devemos
obter um resultado como “um muu deve ter três guus”, quando ninguém sabe
o que é um muu ou um guu. Obviamente, esse resultado não serve para nada.
Os resultados devem poder ser comparados com experimentos. Vocês podem
imaginar qualquer palpite, desde que as consequências dele possam ser
comparadas com experimentos. Isso nem sempre fica claro. As pessoas
reclamam da aplicação injustificada de ideias como partícula, trajetória etc. ao
domínio atômico. Nada disso; não há nada injustificado nessa extensão.
Precisamos estender as coisas até onde for possível, para além do que já é
conhecido, além das ideias que já foram concebidas. É perigoso? Sim. É
incerto? Sim. Mas é a única maneira de progredir. Apesar de incerto, é
necessário para que a ciência seja útil. A ciência só é útil se nos diz algo sobre
experimentos que ainda não foram feitos; não adianta nada só se referir ao
que já passou. É necessário estender as ideias para além dos domínios em que
elas já foram testadas.
Por exemplo, a lei da gravitação, formulada para se entender o movimento
dos planetas, não teria adiantado nada se Newton tivesse dito simplesmente
“Agora entendo os planetas” e não fosse capaz de relacionar isso com a
atração da Terra sobre a Lua, e se alguns não tivessem dito depois: “Talvez a
gravitação mantenha as galáxias unidas.” Devemos tentar essas extrapolações.
Poderíamos dizer: “Quando chegamos à dimensão das galáxias qualquer coisa
pode acontecer, pois não sabemos nada sobre isso.” Não é cientificamente
correto aceitar esse tipo de limitação. Não temos plena compreensão das
galáxias. A hipótese de que todo o seu comportamento deve-se apenas às leis
conhecidas é bastante limitada e pode ser facilmente refutada pelos
experimentos. Precisamos justamente de hipóteses deste tipo: bem definidas e
fáceis de comparar com os experimentos. Até agora, o comportamento das
galáxias não parece ir contra essa hipótese.42
Posso dar outro exemplo, ainda mais interessante e importante.
Provavelmente a mais poderosa hipótese, a que mais contribuiu para o
progresso da biologia, é a de que todas as funções dos animais dependem dos
átomos, que o que se vê no mundo biológico resulta de fenômenos físicos e
químicos, sem a presença de “algo mais”. Poderíamos dizer: “Quando se trata
de seres vivos, tudo pode acontecer.” Se aceitarmos isso, nunca entenderemos
os seres vivos. É muito difícil acreditar que o movimento do tentáculo do
polvo não seja nada além do movimento dos átomos de acordo com as leis da
física. Mas, quando essa hipótese comanda a investigação, podem-se fazer
previsões bastante acuradas sobre como os tentáculos funcionam. Assim
fazemos grandes progressos em nosso conhecimento. Até agora não se
demonstrou que essa ideia esteja errada.
Fazer previsões também é ciência, apesar de muita gente que não faz
ciência achar que não é. Alguns anos atrás eu tive uma conversa com um leigo
sobre discos voadores — como sou cientista, sei tudo sobre discos voadores!
Eu disse: “Eu acho que discos voadores não existem.” Então meu interlocutor
disse: “É impossível haver discos voadores? Você pode provar que é
impossível?” “Não”, respondi, “eu não posso provar que é impossível. É
apenas muito improvável.” Ele disse: “Você é muito pouco científico. Se não
pode provar que é impossível, como pode dizer que é improvável?” Mas esse é
o jeito científico. É científico dizer o que é mais e menos provável, não ficar
provando todo o tempo o que é possível ou impossível. Eu poderia ter dito a
ele: “A partir do conhecimento do mundo que vejo em torno de mim, acho
que é muito mais provável que os relatos de discos voadores resultem das
conhecidas características irracionais da inteligência humana do que de
esforços racionais de alguma inteligência de seres extraterrestres
desconhecidos.” É apenas mais provável, só isso. É um bom palpite. Sempre
tentamos encontrar a explicação mais provável, tendo em mente que se ela
não funcionar, precisaremos analisar outras possibilidades.
Como podemos saber o que devemos conservar e o que devemos jogar
fora? Temos belos princípios e fatos conhecidos, mas existe um problema: ou
encontramos infinitos ou não obtemos uma descrição suficiente — ou seja,
está faltando alguma coisa. Às vezes isso significa que precisamos jogar algo
fora; no passado, sempre alguma ideia muito arraigada teve de ser jogada
fora. A questão é saber o que jogar fora e o que guardar. Se jogarmos tudo
fora, estaremos indo longe demais, não nos restará muito com que trabalhar.
Afinal, a conservação da energia parece boa e útil, não quero jogá-la fora.
Escolher o que jogar fora e o que guardar requer muita habilidade. Talvez seja
só uma questão de sorte, mas aparentemente requer muita habilidade.
Amplitudes de probabilidade são muito estranhas, e a primeira coisa que
pensamos é que ideias novas e estranhas são absurdas. Mas tudo que pode ser
deduzido da estranha ideia de que existem amplitudes de probabilidade em
mecânica quântica funciona. Toda a extensa lista de partículas estranhas
funciona. Por isso não acredito que essas ideias se mostrarão erradas quando
nos aprofundarmos mais na estrutura íntima do mundo. Acho que essa parte
do nosso conhecimento está certa, mas isso é uma conjectura: estou fazendo
uma previsão.
Por outro lado, acho que a teoria de que o espaço é contínuo está errada,
porque com ela tropeçamos nesses infinitos e em outras dificuldades, e restam
questões sobre o que determina o tamanho das partículas. Suspeito que as
ideias simples da geometria, quando estendidas ao espaço infinitamente
pequeno, estão erradas. Estou apenas apontando uma lacuna, sem dizer o que
colocar no lugar. Se o fizesse, terminaria esta palestra com uma lei nova.
Algumas pessoas usaram a inconsistência dos princípios para dizer que há
apenas um mundo consistente possível; se reunirmos todos os princípios e
calcularmos com muita exatidão, seremos capazes não só de deduzir os
princípios verdadeiros, mas também de descobrir que eles são os únicos que
podem existir em uma teoria consistente. É pedir muito. É como sacudir o
cachorro pelo rabo. Precisamos admitir que algumas coisas existem — nem
todas as mais de cinquenta partículas, mas coisas como elétrons etc. Então os
princípios devem explicar a grande complexidade dos fatos. Não acho que
poderemos obter tudo a partir de argumentos de consistência.
Outro problema é o significado das simetrias parciais. Essas simetrias —
como a afirmação de que nêutrons e prótons são quase iguais, só não são
iguais por causa da carga elétrica, ou o fato de que a lei da simetria de reflexão
é perfeita, exceto para um tipo de reação — são muito incômodas. Algo é
quase simétrico, mas não completamente. Existem sobre isso duas escolas de
pensamento. Uma diz que tudo é na verdade simples, simétrico, mas há
alguma pequena complicação que estraga um pouquinho. Outra escola de
pensamento, que tem apenas um representante — eu mesmo! —, diz que a
coisa pode ser complicada mesmo e só se tornar simples através das
complicações. Os gregos acreditavam que as órbitas dos planetas eram
circulares; na verdade, são elípticas. Não são completamente simétricas, mas
são muito próximas de círculos. Por que elas são tão próximas de círculos?
Por que são quase simétricas? Por causa do longo e complicado efeito da
fricção das marés — uma ideia bastante complicada. É possível que a natureza
seja, no fim das contas, completamente assimétrica, mas que nas
complexidades do mundo real ela acabe parecendo simétrica; assim, as elipses
se tornam quase círculos. Essa é outra possibilidade; mas ninguém sabe, são
hipóteses.
Suponham que temos duas teorias, A e B, completamente diferentes do
ponto de vista psicológico. Defendem ideias diferentes, mas os resultados dos
cálculos são os mesmos, e os experimentos confirmam ambas. Apesar de
parecerem diferentes, as duas teorias apresentam os mesmos resultados, o que
normalmente é fácil de provar na matemática, mostrando que A e B
produzem as mesmas consequências lógicas. Como podemos decidir qual é a
teoria certa? Não há maneira de fazer isso pela ciência, porque as duas
concordam com os experimentos. Duas teorias que se baseiam em ideias
diferentes podem ser matematicamente equivalentes, sem que haja um meio
científico de distingui-las.
Entretanto, por razões psicológicas e tendo em vista propor novas teorias,
as duas teorias podem estar longe de ser equivalentes, pois uma fornece ideias
diferentes da outra. Colocando uma teoria em certo contexto, podemos ter
uma ideia do que devemos alterar nela. Por exemplo, a teoria A afirma algo e
nós podemos dizer: “Vou mudar esta ideia.” Mas pode ser muito complicado
descobrir a coisa correspondente que deveria ser alterada em B — essa pode
não ser uma ideia simples. Em outras palavras, apesar de as teorias serem
idênticas antes das alterações, há modificações que parecem naturais em uma
e não na outra. Portanto, devemos memorizar todas as teorias. Todo bom
físico teórico sabe seis ou sete diferentes representações teóricas para a
mesma física. Sabe que todas são equivalentes e que ninguém será capaz, em
certo nível, de decidir qual é a correta. Ele as conhece, esperando que lhe
forneçam diferentes ideias para que ele formule suas hipóteses.
Isso me lembra outra coisa: as ideias associadas a uma teoria podem mudar
muito quando a teoria sofre pequenas mudanças. Por exemplo, as ideias de
Newton sobre espaço e tempo concordavam bem com os experimentos, mas
para obter o movimento correto da órbita de Mercúrio — uma diferença
muito pequena — foi necessário realizar uma grande alteração na teoria. As
leis de Newton, simples e perfeitas, produziam resultados precisos. Para obter
algo que produzisse um resultado ligeiramente diferente foi necessário
construir uma teoria completamente diferente. Ao enunciar uma nova lei não
podemos criar imperfeições em uma coisa perfeita; é preciso criar outra coisa
perfeita. São enormes as diferenças entre os fundamentos filosóficos das
teorias de Newton e de Einstein.
Que são essas filosofias? São maneiras intrincadas de fazer cálculos e obter
resultados rapidamente. Uma filosofia, que muitas vezes é chamada
compreensão da lei, é uma maneira de a pessoa guardar a lei na mente de
modo a compreender rapidamente suas consequências. Algumas pessoas já
disseram, com razão, em casos como as equações de Maxwell: “Não importa a
filosofia, não se preocupe com isso, concentre-se nas equações. A única
questão é calcular as respostas de modo que concordem com os
experimentos. Não é necessário ter filosofia, argumentos ou palavras sobre as
equações.” Se só queremos encontrar a equação, isso pode ser bom: sem
preconceitos, vamos fazer conjecturas melhores. Por outro lado, talvez a
filosofia nos ajude a conjecturar. É difícil dizer.
Para quem insiste em que a única coisa importante é que a teoria concorde
com os experimentos, eu gostaria de propor que imagine uma discussão entre
um astrônomo maia e seu estudante. Os maias eram capazes de prever com
grande precisão os eclipses, a posição da Lua, a posição de Vênus etc. Tudo
era feito por aritmética. Eles consideravam um número, subtraíam outros
números e assim por diante. Não debatiam o que era a Lua nem se ela dava
uma volta. Só calculavam quando haveria um eclipse, quando haveria lua
cheia e assim por diante. Suponham que um jovem fosse até o astrônomo e
dissesse: “Tenho uma ideia. Talvez esses objetos estejam dando voltas, talvez
lá em cima haja bolas de alguma coisa semelhante a rochas. Poderíamos
calcular como elas se movem de um modo totalmente diferente, em vez de só
calcular o instante em que aparecem no céu.” O astrônomo diria: “Com qual
precisão você pode prever os eclipses?” O jovem: “Ainda não desenvolvi
muito esse aspecto.” O astrônomo: “Podemos calcular eclipses com mais
precisão do que você pode com seu modelo. Logo, sua ideia é pouco
relevante. Nosso modo matemático é claramente melhor.” Quando alguém
diz “Vamos imaginar que o mundo é dessa maneira” há uma tendência
bastante forte de indagarem: “O que você obtém como resposta para esse e
aquele problema?” Ele diz: “Ainda não desenvolvi o suficiente.” E as pessoas
replicam: “Bem, nós já desenvolvemos muito mais e podemos obter respostas
com muita precisão.” O problema consiste em saber se devemos ou não nos
preocupar com a filosofia por trás das ideias.
Outra maneira de trabalhar é buscar novos princípios. Na sua teoria da
gravitação, Einstein propôs o princípio de que não se pode distinguir entre a
aceleração em um carro e a sensação em um campo gravitacional.
Adicionando esse princípio aos outros, conseguiu deduzir as leis corretas da
gravitação.
Isso delimita algumas maneiras de formular hipóteses. Agora, eu gostaria
de passar a outros pontos. Em primeiro lugar, quando terminamos o nosso
trabalho e temos uma teoria matemática com a qual podemos calcular e obter
resultados, que podemos fazer depois? É divertido. Para entender o que um
átomo vai fazer em uma dada situação, construímos regras escrevendo
símbolos em um papel e introduzindo dados em uma máquina que tem
chaves que abrem e fecham de alguma maneira complicada.43 O resultado nos
diz o que o átomo vai fazer! Se a maneira pela qual essas chaves abrem e
fecham fosse um modelo do átomo, se pensássemos que o átomo tem chaves
dentro dele, então eu diria que entendo mais ou menos o que acontece. Acho
incrível que seja possível prever o que vai acontecer usando a matemática, que
consiste simplesmente em seguir regras que não têm nada a ver com o objeto
original. A abertura e o fechamento de chaves no computador é bem diferente
do que acontece na natureza.
Um dos aspectos mais importantes nesse método de “adivinhar / calcular e
obter resultados / comparar com experimentos” é saber quando estamos
certos. É possível saber quando se está certo antes de checar todos os
resultados. Podemos reconhecer a verdade pela beleza e a simplicidade.
Quando vocês formulam uma hipótese e fazem dois ou três cálculos simples
para ter certeza de que não estão obviamente errados, é sempre fácil constatar
que estão certos. Quando a teoria está certa, a verificação é evidente — pelo
menos se tivermos alguma experiência — porque normalmente sai mais coisa
do que entra. A hipótese é algo muito simples. Se vocês não podem ver
imediatamente que está errada e se a teoria ficou mais simples do que era
antes, então ela está certa. Os inexperientes, os irresponsáveis e pessoas assim
apresentam hipóteses simples, mas elas não contam, pois podemos ver
imediatamente que estão erradas. Outros, como os estudantes inexperientes,
propõem hipóteses muito complicadas que parecem certas. Mas é fácil ver
que elas estão erradas, pois a verdade é sempre mais simples do que
pensávamos. Precisamos de imaginação, mas imaginação em uma camisa de
força. Precisamos encontrar uma nova visão do mundo cujas previsões têm
de concordar com todos os fatos que conhecemos, exceto um. Se não for
assim, a teoria não é interessante. Nessa discordância ela tem de concordar
com a natureza. Se conseguirmos encontrar uma nova visão do mundo que
concorde com tudo o que já foi observado mas discorde em um caso, teremos
feito uma grande descoberta. É quase impossível, mas não impossível,
encontrar uma teoria que concorde com todos os experimentos nos domínios
em que as teorias anteriores foram checadas, mas que leve a consequências
diferentes em algum outro domínio; uma teoria cujas consequências não
concordem com a natureza. É muito difícil ter uma ideia nova. Isso requer
uma imaginação fantástica.
Qual será o futuro dessa aventura? O que vai acontecer no final?
Continuaremos a descobrir leis? Quantas leis ainda haverá para descobrir?
Não sei. Alguns de meus colegas dizem que essa característica da ciência
permanecerá, mas eu acho que não haverá novidades definitivas, digamos,
por mil anos. Não podemos descobrir, cada vez mais, novas leis. Seria tedioso
que houvesse tantos níveis, um abaixo do outro. O que pode acontecer no
futuro, a meu ver, é que ou todas as leis serão conhecidas — ou seja, teremos
leis suficientes, cujas consequências podem ser conhecidas, sempre
concordando com os experimentos, o que seria o fim da linha — ou os
experimentos se tornarão cada vez mais difíceis e mais caros, de modo que
conheceremos 99,9% dos fenômenos, havendo sempre um fenômeno recém-
descoberto que discorda da teoria; assim que conseguirmos explicá-lo haverá
outro, com o processo cada vez mais lento e mais desinteressante. Essa é outra
maneira de a física acabar. De uma maneira ou de outra, acho que ela vai
acabar.
Temos sorte de viver em um tempo em que ainda fazemos descobertas. É
como a descoberta da América — só acontece uma vez. Estamos descobrindo,
em nossa época, as leis fundamentais da natureza, e esses dias nunca mais
voltarão. É maravilhoso, mas essa excitação terá de passar. Haverá outros
interesses no futuro. Haverá interesse em conectar um nível de fenômenos
com outro — fenômenos na biologia e assim por diante, ou, se falarmos de
exploração espacial, explorar outros planetas, mas não serão as mesmas coisas
que estamos fazendo agora.
Outra coisa que pode acontecer é que, afinal, caso tudo venha a ser
conhecido ou se torne muito sem graça, desapareça gradualmente a atenção
que se dá a essas coisas sobre as quais falei. Os filósofos, que estão sempre de
fora fazendo observações estúpidas, poderão se aproximar, porque não
poderemos empurrá-los, dizendo: “Se vocês estivessem certos, poderíamos
encontrar leis ainda desconhecidas.” Quando todas as leis forem conhecidas
eles terão uma explicação para elas. Por exemplo, há explicações sobre a razão
de o mundo ser tridimensional. Bem, só existe um mundo, e é difícil dizer se a
explicação está certa ou errada. Se tudo for conhecido, haverá alguma
explicação de por que essas são as leis certas. Mas essa explicação estará num
contexto em que não poderemos criticá-las, argumentando que esse tipo de
raciocínio não nos permite avançar. Haverá uma degeneração das ideias, do
mesmo tipo que os grandes exploradores sentem que ocorre quando turistas
começam a chegar a uma região.
Em nossa época as pessoas estão experimentando um prazer, o tremendo
prazer que se sente quando se prevê como a natureza vai funcionar em uma
situação nunca vista. A partir dos experimentos e das informações em certo
domínio, podemos prever o que vai acontecer em outro domínio ainda não
explorado. É um pouco diferente da exploração clássica, pois há pistas na
terra já descoberta que nos ajudam a prever como será a terra ainda não
descoberta. De qualquer forma, as previsões em ciência, muitas vezes, são
bem diferentes daquilo que já vimos — requerem um bocado de reflexão.
O que a natureza tem que, a partir de uma parte, permite imaginar o que
vai acontecer com o resto? Esta não é uma questão científica. Não sei como
respondê-la. Só posso dar uma resposta não científica. Acho que a natureza
tem uma grande simplicidade e, portanto, uma grande beleza.

35 Hoje, as partículas elementares e suas interações são descritas por um modelo-padrão em que os
constituintes básicos da matéria se dividem em duas “famílias” e suas antipartículas: sete quarks que
formam o próton, o nêutron e os mésons, e sete léptons, dos quais o mais destacado é o elétron, que
participam das forças eletromagnéticas e da força nuclear fraca responsável pelo decaimento dos
núcleos atômicos. No modelo são consideradas três forças fundamentais, duas de origem nuclear e
mais a força eletromagnética responsável por todos os fenômenos elétricos e magnéticos (e,
portanto, pela ampla maioria dos fenômenos cotidianos). A força gravitacional não está incluída no
modelo-padrão.
A teoria está longe de ser completa e fundamental, no sentido de que ainda não consegue explicar,
entre outros enigmas, a origem das massas das partículas. Porém, suas predições têm se mostrado
corretas. Em grandes aceleradores foram descobertas centenas de partículas (a maioria instável), o
que amplia consideravelmente a lista de partículas apresentada por Feynman.
Na década de 1980, John Schwarz, colega de Feynman no Caltech, formulou a hipótese de que as
partículas elementares são minúsculas cordas vibrantes que existem em dimensões múltiplas. O
grande atrativo da teoria era seu poder unificador de todas as forças da natureza, inclusive a teoria
einsteiniana da gravitação. Seu calcanhar de aquiles: não há indícios de que possa ser comprovada
experimentalmente. Feynman não foi um fã dessa teoria. Ele não tinha nenhuma objeção à ideia de
que uma teoria pudesse estar sutilmente escondida nos fenômenos, mas defendia que somente a
observação da natureza — e não a simples vontade do físico de ter uma teoria unificada — poderia
levar à teoria correta. [n.t.]
36 Atualmente, o múon não é mais considerado um méson, e sim um lépton, como o elétron. [n.t.]
37 Hoje se conhecem três tipos de neutrinos. Além dos dois mencionados por Feynman, existe aquele
que acompanha a partícula tau, que também é um lépton. [n.t.]
38 Dimitri Ivanovitch Mendeleev (1834-1907), químico russo.
39 Maria Mayer (1906-1972), física americana; Hans Daniel Jensen (1907-1973), físico alemão. Ambos
ganharam o Prêmio Nobel em 1963.
40 Hideki Yukawa (1907-1981), físico japonês, Prêmio Nobel em 1949.
41 O próprio Feynman desenvolveu um formalismo independente da mecânica quântica, baseado nas
chamadas integrais de trajetórias e comentado brevemente no capítulo 4. [n.t.]
42 A astrofísica teve muitos avanços desde essas palestras de Feynman. Recomenda-se ao leitor
interessado a consulta a textos e vídeos mais recentes sobre o tema. [n.t.]
43 Feynman está descrevendo o funcionamento dos primeiros computadores, nos quais os algoritmos
eram programados usando cartões perfurados. [n.t.]
Esta edição foi realizada por meio de uma campanha de financiamento coletivo que contou com o apoio
de quase trezentas pessoas. www.benfeitoria.com/classicosdasciencias

Fica aqui o agradecimento da Contraponto a cada uma delas.

Adilson Junior, Adriano Joaquim Cruz, Agnes Amaral, Aislan F. Pereira, Alan M. Ganem, Alberto
Carlos Diniz, Alberto E. P. de Araujo, Alcides Aggio, Alejandro Rico, Alessandro M. Marques,
Alessandro M. da Costa, Alex Ferreira, Alexandre Aguiar, Alexandre Alberto Cotta, Alexandre Motta,
Álvaro Luis Nogueira, Álvaro Manoel Pereira do Ó, Ana Carolina Deveza, Ana Caroline Dias, Ana Lígia
L. de P. Ramos, Ana Lúcia Manrique, Ana Maria O. Araya, Ana Teresa Ocampo, Anahi G. de Mello,
Anderson Nunes, Andre Zonenschein, Andréa C. Scansani, Andrea I. Mazza, Andrey de Lima, Anete S.
Cavalcanti, Antonio Augusto P. Videira, Antonio Marques, Antonio Guerra, Antonio Humberto Cesar
Filho, Antonio N. C. Bedran, Arthur Miranda, Avelino Neto, Bernardo M. Tavares, Bruno L. Payolla,
Bruno V. Adorno, Caio P. Mehlem, Candido Luis T. da Roza, Carlos Lentini, Carlos Augusto Botta,
Carlos Gustavo Garcia, Carlos Henrique Oliveira, Carlos Renato Soares, Carlos Roberto Sabbi, Carlos
Santiago, Carlos Winter, Carmen F. Teixeira, Célio Antonio Pereira Jr, Christopher Thomas, Cida
Guilherme, Clauco Oliveira, Claudia Ferraz, Claudio P. Vollers, Cristiano Augusto Ballus, Cristina D.
Murta, Cyro José Madeu, Daniel Guerrini, Daniel Jonathan, Daniel R. Tandeitnik, Danilo Valim, Decio
T. Machado, Diego C. Macedo, Diomedes C. da Silva, Djair G. da Silva Jr, Ecio P. de Salles, Edinaldimar
Barbosa, Eduardo Colli, Eduardo Stotz, Eduardo Tanoue, Eliane R. Gullo, Emmanuel de Oliveira, Eric
M. de A. Pinto, Ernesto F. Galvão, Esteban L. Moreno, Eudes dos S. Martins, Eugenio M. de F. Ramos,
Evandro Mello, Fabio da S. Santos, Fábio do E. Gomes, Fábio F. de Almeida, Fabio G. Botter, Fábio P.
Fortkamp, Fabrício F. Borghi, Felipe de F. Moura, Felipe de Souza, Felipe Pait, Felipe P. C. Pereira,
Felipe Selau, Felipe Silveira, Fernando Eduardo R. Puente, Fernando Fragozo, Fernando Genta,
Fernando P. Tavares, Filipe A. Russo, Flávio Alves, Flávio da C. Gonçalves, Flavio Polcan, Francisco A.
Echalar, Francisco Barbosa Filho, Freddy Hernandez, Frederico R. do Carmo, Gabriel T. Florentino,
George Bravo, Georgio Kokkosi, Gerson Cortês, Gianriccardo Pastore, Giovanni G. Aciole, Gisele
Secco, Guilherme Augusto da Silva, Guilherme T. Vivas, Gustavo Borba, Gustavo G. Nogueira, Gustavo
Henrique Gabardo, Gustavo M. do Nascimento, Gustavo S. Macedo, Heitor F. Graça, Henrique
Mezzomo, Henry Gonzalez, Herbert Baioco, Igor M. Moraes, Irina Nasteva, Jackson C. A. de Lima,
Jacob M. da Silva Neto, Jair Aguiar, Janice P. de Almeida, Jaqueline Arruda, Jean Michael Alvarez,
Jeferson Arenzon, Jeferson D. Huffermann, Jesuel Marques, João Bustamante, João Francisco de
Oliveira, João Paulo Kaled, João Paulo Laudares, Joaquim M. da Silva, Joari Costa, Jonas Jorge de
Queiroz, Jorge Alberto Lima, Jorge Sergio S. Santos, José Antonio B. Fortes, José Braz Jr, José Cândido
Ferreira, José G. de Oliveira, José Ricardo Xavier, Josias F. da Silva, Jota Rossetti, Juan Queijo, Jules B.
Soares, Juliana Berlim, Juliano César de Lazari, Jürgen F. Stilck, Karen Heberle, Kayque D. Costa,
Kenny Y. Mine, Laércio V. Machado, Larissa Alves, Laura T. T. Rezende, Leandro S. de Paula, Leonardo
Biscaia, Leonardo R. Miguel, Leopoldo Saldanha, Lessandro R. Costa, Lourival de M. Fidelis, Lourival
O. Fernandes Jr, Lucas B. B. de Lima, Lucas Nicolao, Lucas Stobbe, Ludnilson de J. Pereira, Luis
Augusto Alves, Luis Fernando Ferreira, Luis Henriques P. Melo, Luiz Antônio C. Gusmão, Luiz Carlos
Moura, Luiz Carlos Murça Jr, Luiz Cesar Rossato, Luiz Claudio L. Cardoso, Luiz Fernando J. Bento,
Luiz Fernando Rosa, Luiz Paulo R. Vaz, Luiz Saeger, Madison Canejo, Magno M. Oliveira, Maité
Kulesza, Manoel I. Marques, Manuel Meyer, Marcelo A. Pompe, Marcelo G. Tempes, Marcelo Volpato,
Marcio Fabricio da Silva, Marco Antonio Faria, Marco Antonio Bessa, Marco Moriconi, Marcos G.
Veneu, Marcos K. Ito, Marcos V. Alves, Maria Ines Azambuja, Maria Isabel P. Tostes, Maria José M. de
Almeida, Mario Luiz Jr, Mario N. Baibich, Marta F. Barroso, Matheus B. Bruno, Matheus Lazarotto,
Mauricio Cagy, Maurício D. Coutinho Filho, Mauricio Henrique Bomfim, Mauricio U. Kleinke, Mauro
M. Muller, Michel Miretzki, Miguel B. Demay, Miguel Jafelicci Jr, Miguel Jonathan, Miriam Bettina
Oelsner, Miriam Gandelman, Moacyr Simioni Filho, Monica Lepri, Nathan S. Evangelista, Nice Maria
Pinto, Nicholas Smaal, Nilson Matias, Olavo Ludwig, Orlando Bruno Olegario, Otto Carlos Lippmann,
Pablo Ramón Oliveira, Pablo Rubén Mariconda, Patricia C. Averbug, Patrícia N. Coelho, Paula
Antunes, Paulo Antonio Balanco, Paulo Gala, Paulo Roberto Wells Jr, Pedro B. Martins, Pedro
Bittencourt, Pedro da C. Pinto Neto, Pedro Diniz, Pedro de Andrade, Pedro Kritski, Pedro Sérgio Rosa,
Raphael Guimarães, Raphael R. Rolim, Reinaldo Ferreira, Renata del Vecchio Gessullo, Ricardo
Esposito, Ricardo Abuchaim, Roberto P. de Carvalho, Roberto Ricardo, Robson Taranto Jr, Rodolfo
Almeida, Rodrigo A. de Carvalho, Rodrigo Labanca, Rodrigo Machado, Rodrigo S. Takahashi, Rodrigo
Trompieri, Rogério Tolfo, Ronaldo G. Pires, Rubens F. Ribeiro, Rui Henrique de Albuquerque, Sabrina
Helena, Samara Conte, Sergio Caruso, Sergio Luis Cardoso, Su Machado, Tamara Pedron, Thadeu
Penna, Thiago E. Holzmeister, Thiago Hartz, Thiago Seniuk, Thiago V. de Carvalho, Thuener Silva,
Tiago Toledo, Uriel M. da C. Bispo, Valdinar M. de Souza, Valmir Fadel, Valmir Percegona, Vera
Cepeda, Verginia V. Oliveira, Veronica Calazans, Vicente Nucci, Victor B. Lins, Victor Mattina,
Vinicius C. Santos, Vinícius M. de Carvalho, Vinicius Rodrigues, Vinícius Tavares, Viviane Teixeira,
Wagner G. Campos, Waldemar Falcão, Walter S. de Souza, Weldher Rodrigues, Wesley S. Oliveira,
Yasmin Youssef, Yuri N. Azeredo, Zelmir F. de Souza, Zochil G. Arenas
Tipografia: Minion, 11/14,5

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