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05.

Respeito ao Sagrado

Para quem acompanha o trabalho do Umband’Boa há algum tempo, sabe quantas vezes nós
já batemos na tecla de ‘respeito ao Sagrado’.

Sempre digo que hoje em dia sofremos de uma total falta de entendimento das palavras que
usamos no dia a dia, e a palavra respeito não foge à regra.

A palavra vem do latim ‘respectus ‘e significa originalmente ‘olhar mais uma vez’ ou ‘olhar
outra vez’. Podemos interpretar que aquilo que merece um segundo olhar é digno de respeito
ou ainda aquilo que se deseja ver mais uma vez, ou que se deseja estar ou próximo também é
digno de respeito.

Também pode ser entendido como um comportamento de submissão.

Para nós o entendimento deve ser de submissão, de joelhos dobrados e de cabeça ao chão
perante o Sagrado. Não por que o tememos, mas por que compreendemos a nossa
insignificância perante Olorun, os Orixás e toda a espiritualidade superior. Fazemos com a
alegria de servir. Isso é respeito ao Sagrado.

Dentro de um terreiro, tudo é sagrado, não importa se falamos de objetos ou de ambientes,


ou ainda se nos referimos ao interior ou exterior do terreiro, não importa, tudo é sagrado. E
se tudo é sagrado, devemos ter a mesma postura de zelo com tudo isto, independente de ser
material ou imaterial.

O sacerdote deve ser aquele que demonstra o respeito pelo Sagrado e por tudo que é sagrado
e, para isso, não existe ocasião e nem exceção, o respeito deve ser permanente.

Desde o momento de entrar no terreiro, onde o sacerdote deverá sempre pedir licença aos
verdadeiros donos do local, como saudar sempre o Congá antes de entrar nele, e até não tocar
em objetos ou elementos sagrados sem a devida preparação espiritual, ou sem o devido asseio
corporal. Jamais faltar com a reverência perante o altar sagrado dos Orixás ou mesmo jamais
brincar com aquilo que é do espiritual.

E não adianta você dizer que os filhos não respeitam, que você já criou regulamentos, colocou
placas ou até mesmo colocou pessoas para fiscalizar o comportamento dos trabalhadores da
casa, se você não mostrar respeito ao Sagrado, os filhos também não prestarão este respeito.

Como crianças que imitam o que os pais carnais fazem, também é assim com os filhos de fé.
Você deverá sempre ser o primeiro a dar respeito para depois cobrar o mesmo respeito.

Isso inclui não fazer festas no terreiro, que nada venham a agregar ao próprio terreiro e
também (nem acredito que vou falar isso) não cometer ato sexual nas dependências de uma
casa de Umbanda.

Parece muito óbvio para alguns, mas infelizmente me deparo com situações absurdas dentro
de terreiro, de total falta de respeito.

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Quanto ao espiritual, tudo deve ser tratado com ainda mais respeito. O dirigente, ao fazer uma
oração silenciosa ou pública, deverá demonstrar todo o respeito e submissão ao Sagrado,
sempre deverá se dirigir com educação às entidades dos médiuns da casa, da mesma forma
que os filhos deverão demonstrar todo o respeito com as entidades do dirigente,
principalmente se for o guia-chefe da casa.

Ser respeitoso, mostrar reverência e submissão, associados à fé e à dedicação, o tornarão


digno e merecedor não só de portar uma mediunidade sadia e de ser um aparelho aproveitável
para a espiritualidade, como também será ouvido em suas orações e firmezas que visam o seu
bem, o bem da casa e de todos os trabalhadores e frequentadores.

Quem quer respeito, deve dar respeito.


Quem respeita é respeitado.
Quem respeita o Sagrado se torna digno do axé dos Orixás e da benção da espiritualidade.

Isso não é fundamental e nem imprescindível. Isso é o mínimo que se espera de um verdadeiro
sacerdote.

06. Preceitos

Já dissemos anteriormente sobre os famosos preceitos para a atividade espiritual na Umbanda.


A palavra preceito quer dizer preparação, então o ato de não comer carne, não consumir
bebida alcoólica e não praticar sexo são condições preparatórias para a conexão com o
Sagrado.

Mas existem mais algumas coisas a se dizer sobre este assunto.

A primeira é o que fazer quando necessitamos entrar em conexão com o Sagrado, mas não
estamos com os preceitos em dia? Quando não estamos preparados para o ato espiritual?

Isso certamente acontecerá com você em algum momento, pois os imprevistos e as


necessidades urgentes sempre haverão de acontecer, tanto em nossa própria vida como na
vida de outras pessoas.

E é claro que você deverá saber que algumas situações poderão esperar e outras não. Você
não tem desculpa para não estar preparado para uma gira que estava planejada ou para a sua
obrigação semanal, pois isso fará parte de toda a sua vida. Agora coisas que podemos
programar ou planejar, como a obrigação sacerdotal que vocês irão prestar neste curso,
deverão ser postergadas em caso de quebra ou falta de preceitos.

Mas, e se você estiver em uma festa, já há algum tempo, e recebe a mensagem que um filho
de fé sofreu um acidente e está em estado grave no hospital, o que você faz?

Ao tomar conhecimento disso, ou em qualquer situação semelhante, você deverá entrar em


preceito imediatamente, recolher-se para um lugar tranquilo e buscar a retomada do
equilíbrio, e só depois disso entrar em conexão com o Sagrado para pedir o auxílio necessário,
seja para uma pessoa necessitada ou para você mesmo.

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Para isso você deverá mentalizar o terreiro, que estará sempre ativo e iluminado pelas
obrigações semanais que você presta ou irá prestar. Falaremos detalhadamente sobre as
obrigações periódicas mais à frente. Mas a verdade é que você, sacerdote, é aquele que
determina a conexão do material e do espiritual no plano terreno, mas o terreiro é o local
terreno por onde você alcança essa conexão.

Mentalizado o terreiro e suas firmezas e obrigações, você poderá fazer seus pedidos e acessar
o axé necessário para encaminhar a ajuda espiritual necessária.

Mas isso feito, retire-se de onde você está, volte para a sua casa, tome um banho de sal grosso
seguido de um banho de ervas, de acordo com seu Orixá de Frente, vá para o terreiro e peça
licença para adentrar a ele sem os preceitos. Uma vez lá dentro confirme seus pedidos
anteriores com velas e novas orações, claro que de acordo com a necessidade de cada situação.

Isso posto, quero levantar aqui a necessidade do sacerdote em ser comedido com bebidas
alcoólicas, evitar comida em excesso e também não ser promíscuo, pois você nunca sabe
quando será requisitado.

Aconteceu comigo uma situação bem complicada que demonstra bem esta necessidade.

Meu primeiro dirigente, ficou muito doente nos meses finais do ano de 2010, a ponto de quase
não conseguir realizar o último trabalho daquele ano, sendo internado logo após esta gira, no
final de dezembro. Três dias depois foi transferido para a UTI, onde tive a oportunidade de
visita-lo no dia 29 daquele mês.

Logo após fui para uma chácara nos arredores da minha cidade, onde havia planejado passar
os festejos de fim de ano. No primeiro dia do ano, passei o dia bebendo cerveja e whisky,
enquanto cuidava da churrasqueira, o que me fez beber ainda mais sem a devida noção da
quantia ingerida.

A verdade é que acabei fiCando embriagado demais, a ponto de não conseguir dirigir para
retornar à minha casa.

No dia seguinte, às 08:00 da manhã, recebo a notícia do falecimento de meu pai-de-santo. Foi
um golpe muito forte, ainda mais porque eu ainda me sentia embriagado e com uma ressaca
daquelas. Imediatamente tomei um banho de higiene, um banho de sal grosso e um banho
com ervas de Xangô (meu Orixá de frente), e fui imediatamente para o terreiro onde o velório
iria acontecer.

Lá chegando, reuni-me com os outros quatro sacerdotes da casa, os quais me pediram para
fazer os ritos fúnebres de nosso querido pai espiritual. Aleguei que não tinha a mínima
condição para isso, mas meus colegas alegavam não ter condições emocionais para aplicar o
sacramento.

Isso era perto das 10:00 da manhã, então me pus a beber muita água e a me preparar
espiritualmente para o ato, pedia à espiritualidade para livrar o álcool do meu corpo, da mesma
forma como as entidades levavam as bebidas ao final de uma gira. Foi bem difícil, mas perto
das 15:00 horas já tinha me recomposto para aplicar o ritual.

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Depois disso, nunca mais bebi em excesso e hoje parei efetivamente com o consumo de bebida
alcoólica. Mas fica o alerta para estarmos sempre vigilantes, assim como orientou o Mestre
Jesus em sua célebre frase: “Orai e vigiai”.

Você não precisa parar de beber e nem se tornar celibatário, mas certamente deve ser mais
comedido com seus momentos de lazer.

Pai Osmildo, meu finado sacerdote, sempre dizia que o espiritual tinha sempre que ser
colocado acima de tudo. Muitas vezes reclamava que não tinha tempo para sua família e
pouquíssimo tempo para o lazer, e lembrava sempre:

“Quando minha mãe morreu eu estava aqui no terreiro fazendo obrigação, e sabe onde eu
estava quando minha filha nasceu, aqui zelando do terreiro”.

Claro que eu acho excessiva e absurda essa colocação, mas lembro que ele se negava a lançar
mão de um pai pequeno ou de uma mãe pequena, e dessa forma, todas as responsabilidades
recaíam sobre ele. Mas creio que isso deixa claro que o sacerdote irá abrir mão de muitas
coisas em sua caminhada.

Por fim, quero trazer de novo o conceito de que preceito não é somente não comer carne, não
ingerir álcool ou não praticar sexo, mas também manter a condição de manter o equilíbrio
sempre.

Ser disponível, não cometer excessos, orar e vigiar, manter o equilíbrio sempre, são obrigações
do sacerdote, pois você nunca sabe quando será acionado.

07. Vestimentas e fios de contas

Este assunto não é polêmico, mas ao mesmo tempo não deixa de circular constantemente.
Afinal de contas, como devem ser as vestimentas e os fios de contas de um sacerdote.

Minha vida sacerdotal não é segredo para ninguém e você poderá conferir as minhas roupas e
guias de uso sacerdotal no vídeo de inauguração de nossa casa, aqui em Sorocaba.

Mas o que desperta a curiosidade das pessoas é se o sacerdote deve portar roupas e fios de
contas que o destaquem dos demais trabalhadores, de forma a indicar o responsável pela casa
e pelos trabalhos espirituais.

Vamos começar a falar sobre as roupas. Na minha humilde opinião o sacerdote não deve portar
roupas diferentes dos filhos de fé. A roupa deve ser totalmente branca, simples, se possível de
fibra natural, folgada e longa o suficiente para não causar constrangimento em possíveis
movimentos das entidades quando incorporadas.

Em suma, basicamente a recomendação para a roupa sacerdotal é a mesma que a de qualquer


médium.

Sou contra sacerdotes que portam roupas coloridas ou com fios brilhantes. Isso pode ser
natural para outras religiões afro-brasileiras, mas não para a Umbanda que se fundamenta
tanto na humildade e na caridade.
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Outro detalhe importante é que o próprio Zélio de Moraes nunca usou roupas diferentes ou
rebuscadas, sempre envergou a boa e velha roupa de tecido de algodão branco, como pregava
o Caboclo das Sete Encruzilhadas.

Agora falemos sobre o aspecto místico que muitos sacerdotes atribuem às suas vestimentas.
A roupa é realmente sagrada? Deve receber tratamento especial?

Isso depende muito da doutrina da Umbanda que você segue e das experiências que você teve
no passado, como foi ensinado por seus antigos pais e mães-de-santo.

Para muitos, até a confecção da roupa deve ser feita por pessoa de confiança e, depois de
pronta, essa roupa é lavada com um pouco de sal grosso, depois é feita a lavagem normal e,
por fim, coloca-se de molho em água misturada com colônia de alfazema. A secagem poderá
ser feita ao sol para quarar; para alguns e outros tantos, as roupas devem secar apenas na
sombra.

Uma outra parcela dos sacerdotes tem uma visão mais simples das coisas e tratam suas roupas
como uma roupa normal, fazendo descarrego nela somente em casos onde a roupa foi
utilizada em desmanche de alta magia ou, ainda, em na quebra de carregos pesados. Para isso
deixam apenas a roupa de molho em salmoura de sal grosso de um dia para outro, sendo que
depois a lavagem é normal.

De fato, eu concordo mais com esta última forma de abordar este assunto. Nunca consagrei
minhas vestimentas, mas não gosto que qualquer um coloque as mãos nelas. E somente em
alguns casos raros descarreguei a roupa em sal grosso.

Eu me baseio mais uma vez na simplicidade da nossa religião. Então esta simplicidade se
estende até mesmo para com nossas roupas. O conceito de sacralizar as roupas está mais
intimamente ligado aos cultos de magia, tanto os antigos como os contemporâneos, mas isso
nada tem a ver com a Umbanda.

O que realmente me salta aos olhos são os terreiros que adotam uniformes, desde os mais
simples, como camisetas, mas principalmente aqueles que incluíram jalecos ou aventais com
a insígnia do terreiro bordado no bolso. Transmitem ordem e evitam os excessos de alguns
filhos da casa. E quando o sacerdote também o usa, fica ainda mais evidente que o terreiro
tem um comando correto e equilibrado.

Enfim, agora podemos falar um pouco sobre as guias, também conhecidas como cordão de
proteção ou fio-de-contas.

A primeira coisa é entender para que a guia foi desenvolvida e como deve ser utilizada.

As guias ou fios-de-contas servem para a proteção do médium, sendo que a primeira guia da
religião da Umbanda foi requisitada por Pai Antônio, o preto-velho de Zélio de Moraes. Ele
dizia que todos os filhos da casa deveriam confeccionar uma idêntica à dele e consagrá-la
devidamente, para servir com um escudo de proteção contra os ataques espirituais.

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Ainda sobre os cordões de proteção, Zélio de Moraes disse em uma entrevista que “guia é
fundamento de entidade manifestada”. Então, se o guia não incorpora, também não tem
necessidade de possuir uma guia.

Agora temos um mínimo de subsídios para compreender este fundamento da Umbanda.

O filho de Umbanda deve portar guias simples, sem excessos ou exageros, de acordo coma
orientação de seu guia. Pode também usar elementos como pedras, sementes ou símbolos em
seus fios-de-contas.

Também não se faz necessário ter guias de todas as linhas de Umbanda e nem todas as linhas
de trabalho, cada entidade pedirá sua guia ao momento adequado e somente se for
necessário.

O fio de sustentação poderá ser de nylon, cordonê ou fio sólido de cobre. A famosa firma
deverá ser usada de acordo com a doutrina e a crença do sacerdote, quem a utiliza alega que
é um ponto de entrada e saída de energia.

Isso se aplica de forma geral a todos os filhos da casa. Mas e para o sacerdote? Será que valem
as mesmas regras?

Isso depende muito da história de cada um. Não vejo necessidade de um sacerdote portar uma
enorme quantidade de guias, mas tudo tem a sua explicação.

Antes de tudo, antes de sermos sacerdotes somos apenas médiuns em um terreiro, e como
médiuns fomos confeccionando nossos fios-de-contas para nossos guias, conforme foi
existindo o pedido ou a necessidade.

Após nossa formação sacerdotal receberemos uma guia para cada Orixá que prestarmos
obrigação e, no final, receberemos nosso brajá de sacerdote.

A maioria dos sacerdotes passa a utilizar as guias da sua formação, juntamente com as suas
guias de trabalho que já usava anteriormente, e isso acaba representando uma coleção
enorme de cordões no pescoço diante os trabalhos espirituais.

Mas será mesmo que existe a obrigação de todas essas guias? E resposta é não. Não existe a
obrigatoriedade disso, em muitas doutrinas o dirigente usa apenas os fios de seus Orixás de
coroa.

Minha recomendação é que cada um use aquilo que lhe seja importante e confortável, O
mínimo é usar seu brajá de sacerdote, sua guia de obrigação de Oxalá, suas guias de obrigação
de seus Orixás de coroa, a guia do Guia de Frente, e uma última da entidade da linha de
trabalho do dia.

Estamos falando de seis guias e isso é importante para o conforto do sacerdote, e também
para não incitar os filhos de fé a portarem tantas guias. Mas volto a dizer que cada um deve
usar aquilo que lhe é importante e confortável, sem perder o bom senso e a humildade
características da nossa religião.

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Quanto às guias de esquerda, creio que podemos usar todas, sem exceção. Até por que não
raramente passam de 4 guias. Lembrando que você também receberá um brajá de Exu para os
trabalhos de esquerda.

Quanto à confecção, é natural que o sacerdote faça suas próprias guias ou permita que apenas
pessoas de confiança possam fazer isso em seu lugar. Mas lembro que um fio-de-contas
somente tem sua função energética-espiritual ativada após seu cruzamento ou consagração.

Quanto à manutenção energética das guias, as guias ditas da direita deverão ser descarregadas
periodicamente com água do mar ou com uma solução de água com sal. Já as proteções de
esquerda deveram ser descarregadas com aguardente (marafo), não importando se são guias
de Exu ou de Pombagira.

Quando estourada uma guia, as contas deverão ser recolhidas e devidamente descarregadas
com marafo, se forem de Exu, ou com água do mar, se forem da direita. Depois disso lavamos
novamente em água corrente, secamos as contas e podemos remontar a guia conforme
orientado anteriormente.

Por fim, outro assunto muito discutido, é se os filhos de fé podem portar brajás (7 fios) ou mini-
brajás (3 fios). E a resposta é que filhos de fé não devem usar esses elementos, pois eles são
próprios do sacerdócio. Mas isso fica a critério de cada dirigente.

Eu mesmo penso que, como diz o ditado, “o hábito não faz o monge” e também não é o brajá
que faz o sacerdote. Em nossa casa, permito que os filhos utilizem guias de acordo com o
solicitado pela entidade ou até mesmo pelo gosto particular dos filhos, desde que não sejam
excessivos ou que atentem contra o bom senso.

O conjunto vestimentas-guias em um sacerdote de Umbanda deve sim resplandecer seu


caminho de preparação até o momento de sua consagração, mas lembre-se de nunca perder
a humildade, o equilíbrio e o respeito ao Sagrado.

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