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Curso de Iniciação Cristã

Aula Introdutória e Aula 1 – Deus, Revelação e a


Resposta do Homem

2021
Introdução
Para um bom aproveitamento do curso de Iniciação Cristã
O estudo da doutrina cristã possui algumas peculiaridades que o diferencia de outras
disciplinas. Ao estudarmos a doutrina cristã, não estamos apenas assimilando um conteúdo
teórico, mas estamos diante de um convite à reflexão pessoal sobre as próprias atitudes,
sobre os valores que norteiam nossa tomada de decisão, sobre nossas prioridades e planos
para o futuro. De um lado, aprendemos sobre Deus, sobre a origem do mundo, sobre Jesus
Cristo e a Igreja e todas questões fundamentais que constituem, digamos assim, uma visão
de mundo cristã. É como se um novo cenário nos fosse colocado, uma nova ‘realidade’ que
poderá, em alguns aspectos, contrastar com a visão de mundo que tínhamos
anteriormente.
Diante dessa nova perspectiva que a doutrina cristã nos vai colocar, teremos que repensar
o nosso papel. Já não poderemos ser os mesmos que éramos antes. É um conhecimento
comprometedor, que vai exigir além do esforço de compreensão, a abertura à conversão
de vida. Existem algumas atitudes fundamentais que vão nos auxiliar e nos ajudarão a
colher todos os frutos que o curso que estamos começando nos oferece.

Uma questão de atitude


A primeira atitude fundamental necessária para que o curso tenha frutos é ter boa
vontade. Esta atitude implica numa abertura ao conhecimento, num desejo sincero de
aprender. A pessoa que não tem boa vontade é aquela que chega ao curso com resistência
a ouvir e compreender os argumentos sobre um determinado assunto e se fecha em
pontos de honra ou preconceitos.
Precisamos ter em conta que atualmente estamos sob constante influência de uma
mentalidade contrária à doutrina e à moral cristã. Essa influência se dá pelos meios de
comunicação, nas escolas e universidades e inclusive dentro de nossas famílias, ainda que
involuntariamente. Assim, nosso modo de pensar e perceber o mundo à nossa volta está
condicionado por ideologias, que por mais que passem despercebidas, afetam nossas
decisões e julgamentos.

Por isso, temos que nos submeter a um profundo exame de consciência para podermos
identificar que influências são mais marcantes em nosso modo de pensar e agir. Você já se
perguntou, por exemplo, por que você acredita no que acredita? Quais são seus maiores
medos, seus maiores sonhos? De onde eles vieram? Como a televisão, os professores de
escola e universidade, seus familiares e amigos fizeram de você o que você é?
A boa vontade em aprender algo novo precisa estar aliada a uma atitude de exame
pessoal, buscando nos conhecer melhor para que, então, a proposta de vida cristã faça
sentido para nós. Se nossos objetivos de vida se pautam pelo desejo do prazer e do
reconhecimento pessoal, se a busca pelo dinheiro e pelo poder é a principal preocupação
de nossa vida, então, com muita dificuldade captaremos a mensagem cristã em
profundidade.

Enriquecimento do imaginário
Outra atitude importante para que a doutrina cristã encontre espaço em nós é buscar
enriquecer-se humanamente. De certa forma essa atitude complementa o processo de
exame pessoal de que falávamos anteriormente.

Já percebeu a importância do seu imaginário para o funcionamento da sua inteligência?


Quando falamos em imaginário, nos referimos ao conjunto de percepções, informações e
conhecimentos que formam nossa interioridade e são utilizados pela nossa razão para
entender o mundo e a nós mesmos, tomar decisões e emitir juízos. As influências culturais
a que estamos submetidos, o que lemos, o contato que temos com outras pessoas, enfim,
tudo aquilo que nos acontece, tudo isso vai formando nosso imaginário.
Infelizmente, vivemos num ambiente cultural muito pobre e mesquinho. Os bons livros, a
boa música, as artes de qualidade e tudo aquilo que forma a chamada alta cultura, tem se
tornado cada vez mais distante do dia-a-dia das pessoas. Somos, antes, bombardeados de
futilidades, circundados por uma cultura de massa, que preenche nosso imaginário com
banalidades e até com imoralidades, condicionando nosso modo de ser e pensar.
Quem se aproxima da doutrina cristã com o imaginário preponderantemente formado pela
televisão, pelas novelas, pelas fofocas de rede social e outros meios da mídia
sensacionalista; quem se deixa influenciar pela ideologia dos jornais e pela opinião pública,
quem julga os outros e a si mesmo segundo padrões de decência social e etiqueta, ou está
preocupado em ostentar o que quer que seja, ou ainda vive de vaidades e de aparências:
essas pessoas terão enorme dificuldade em captar a essência da mensagem cristã.
Faz-se necessário um enriquecimento interior, uma purificação do próprio imaginário, das
influências culturais a que estamos submetidos, para assim estar em condição de captar as
sutilezas da proposta cristã para nossa vida. Como falávamos anteriormente, um novo
cenário vai nos ser proposto e teremos que estar preparados para assumir um novo papel,
um novo modo de agir que vai significar, em maior ou menor grau, uma ruptura com o que
somos atualmente, para abraçar algo novo, apaixonante, cheio de sentido.
Os meios para isso são vários e estão ao nosso alcance: ler a literatura universal, fugir da
superficialidade e do que só pode nos fazer mal; procurar amizades que compartilhem do
mesmo interesse que nós, que busquem ideais elevados; procurar conhecer o que de
melhor foi feito pelos melhores homens em todos os âmbitos da arte e da cultura. Tudo
isso vai enriquecer nosso imaginário, vai nos elevar humanamente e fará com que a
mensagem cristã faça mais sentido.

Integridade moral
Outra atitude fundamental para o bom aproveitamento do curso é buscar agir moralmente
bem. Parte do processo de preparação para receber os sacramentos da iniciação cristã
(Batismo, Comunhão e Crisma) é a conversão interior.
Iremos estudar que a moral cristã é positiva, que ensina o caminho da felicidade, ajudando
as pessoas a tomarem suas decisões segundo a verdade e o bem. Mas compreender não
basta, temos que começar a viver.
Na vida de fé acontece algo interessante. Se a pessoa se dispõe a lutar contra os próprios
vícios, se busca evitar todos os pecados, ou seja, não age contra sua consciência e busca
ser melhor, então a sua inteligência aos poucos se abre e vai compreendendo com mais
profundidade os mistérios da fé.
Se resistirmos em abandonar um comportamento sexual desordenado, por exemplo, a
doutrina cristã não fará sentido em nossa vida. Nosso julgamento ficará afetado pelo nosso
vício e tudo parecerá muito opressivo e sem sentido. Se consentirmos em atitudes
profissionais desonestas, acontecerá o mesmo. A vivência da religião poderá funcionar
como um mitigador da nossa consciência, como uma fachada de moralidade, mas que trará
apenas mais inquietações.
Ao longo do curso iremos descobrir em nós hábitos e atitudes que precisarão ser
reformadas, que exigirão coragem e confiança em Deus. Só saberemos se valeu a pena se
toparmos o desafio. Mas depois dos primeiros passos, o caminho vai ficando mais claro e
vemos que vale a pena. Quem não estiver disposto a se complicar um pouco, tampouco
saberá o que é paz interior do cristão ou a alegria de viver na presença de Deus.

Dedicação e compromisso
Todo bem árduo exige compromisso. Quem teve a experiência de uma conquista
profissional ou intelectual relevante, sabe o quanto é recompensador ver os frutos do
esforço de dias e anos materializados numa vitória. Esse princípio básico é válido para este
curso também. Quem apenas assiste as aulas, assimila pouco. Quem lê os materiais de
apoio, reflete sobre eles, além das aulas, vai aproveitar muito mais. Aqueles que buscarem
outras fontes, reservarem tempo para meditar sobre os temas apresentados e não se
contentarem em ficar com dúvidas, vão aproveitar mais ainda.

A guerra do cristão hoje


O caminho de Deus exige de quem o trilha muita perseverança. No entanto, vivemos hoje
num momento histórico em que os inimigos da nossa fé ardilosamente querem nos fazer
desistir do ideal cristão e começam por desfigurá-lo com muitas mentiras até declarar
guerra abertamente à Igreja e àqueles que procuram viver de acordo com o Cristo. Ainda
que soe desanimador, é preciso estar alerta e consciente da situação do mundo hoje e da
Igreja.
Para quem começa a estudar e quer trilhar o caminho cristão, a analogia mais significativa
é dizer que chegam a um país que está em guerra. E como é travada essa guerra? A forma
mais perversa pela qual a Igreja é combatida é a mentira. A mentira é a maior arma, ou
talvez a única arma do demônio. Sobretudo temos que chamar a atenção de vocês para
três grandes mentiras sobre o que é o cristianismo e a Igreja. Estas mentiras nem sempre
são enunciadas claramente. Em geral, são ideias em que as pessoas acreditam sem serem
nem mesmo capazes de expressá-la em palavras. É exatamente por este motivo, porque as
pessoas não conseguem enunciá-las claramente, que estas ideias são tão poderosas e
exercem o efeito de um encantamento mágico sobre as multidões. Expressar estas ideias
em palavras já tem, portanto, uma força curativa, já exerce um efeito exorcizante, de uma
certa maneira.
Estas três mentiras não expressas em palavras, mas nas quais se acredita hoje em dia são
as seguintes. (i) Primeira mentira: o cristianismo é um tipo de moralismo, um código de
conduta imposto sobre as pessoas e por elas obedecido. (ii) Segunda mentira: o
cristianismo é um tipo de sentimentalismo, autoajuda emocional ou uma terapia em grupo
para as pessoas se sentirem melhor. (iii) Terceira mentira: o cristianismo é uma doutrina,
um conjunto de teorias abstratas. Vamos examinar cada uma destas três mentiras mais
detalhadamente.

A mentira do moralismo
Frequentemente a Igreja é vista como uma instituição opressora, que inventou certas
ideias como o pecado ou culpa original e se arrogou o papel de única salvadora para a
humanidade inteira. Segundo esta imagem, a Igreja faz isso para dominar as pessoas, para
ter o poder de lhes dizer o que fazer e assim exercer este poder em seu próprio benefício,
em benefício da sua hierarquia, do Papa, dos cardeais e dos bispos principalmente. Com
base neste projeto de dominação, teriam sido inventados os mandamentos e todas as
regras de conduta a eles relacionadas. E contra esta tirania da Igreja, ainda segundo esta
visão, os assim chamados “espíritos livres” ou “livres pensadores”, capazes de não se
deixar enganar pela Igreja, se revoltaram e começaram a difundir suas ideias libertadoras
pelo mundo. Esta visão da Igreja opressora foi uma das principais responsáveis pelos
grandes morticínios de cristão ao longo da história. Em determinado momento da história,
ela ganhou muita força com o que ficou conhecido como “iluminismo”, no século 18, e que
culminou na revolução francesa, levando à morte mais de 17 mil sacerdotes e 34 mil
religiosos.

A mentira do sentimentalismo
A segunda mentira sobre o que é a Igreja nos diz que o cristianismo é uma maneira de
obter algum conforto emocional. É notório que nós, seres humanos, temos uma certa
carência, temos medos e frustrações emocionais e, sobretudo, medo da morte. Por causa
disso, diz esta visão mentirosa do cristianismo, é reconfortante imaginar que a morte não é
o fim de tudo, que os bons vão para o céu e os maus serão punidos, que existe alguém que
nos ama e tudo o mais. No final das contas, segundo esta visão, tudo isso não passa de
sonho e ilusão pelos quais nós evitamos encarar a dura realidade, na qual só o que existe é
um imenso nada. Em última instância, toda religião poderia ser explicada em termos
puramente psicológicos, como fez, por exemplo, o faz o Dr. Freud. A segunda mentira é,
desta forma, a de que o cristianismo é uma espécie de “Prozac espiritual”, um
entorpecente para nos fazer sentir melhor fugindo da realidade. Aqueles que combinam
esta mentira com a primeira mentira, dizem, com Karl Marx, que “a religião é o ópio do
povo”, para mantê-lo sob o controle das elites opressoras.

A mentira do cristianismo como doutrina


A terceira mentira contra a Igreja é a de que o cristianismo é uma doutrina. Normalmente,
os defensores desta visão são aqueles que dizem que a ciência já provou que a Igreja ou
que a Bíblia estão erradas, como quando se diz que a teoria da evolução ou qualquer outra
teoria científica ou pseudocientífica da moda já demonstrou que a cosmovisão cristã está
ultrapassada. Dizem também que aquelas coisas que a ciência não pode explicar hoje,
certamente poderá explicar no futuro, quando então as religiões já não serão mais
necessárias. Argumentos parecidos também são aplicados contra a filosofia e a teologia
cristã tradicionais.

O que é o cristianismo
Mas, afinal de contas, o que é o cristianismo? Ele não é um moralismo opressor, não é um
tipo de sentimentalismo e não é uma doutrina. O que ele é?
O cristianismo é, antes de tudo e essencialmente, uma sequência de fatos. Uma sequência,
um conjunto, de fatos. Mas não de fatos quaisquer, e sim de um tipo de fato muito
especial. Trata-se de fatos extraordinários, de ordem sobrenatural. O primeiro deles é a
concepção virginal de Nossa Senhora, ou seja, o modo pelo qual Nosso Senhor Jesus Cristo
foi concebido no seio da Virgem Maria, sem a intervenção de um homem, mas por virtude
do Espírito Santo de Deus.
O conjunto de fatos que fundamentam o cristianismo é o motivo fundamental pelo qual
nós estamos aqui agora, dois mil anos depois de estes fatos terem começado a acontecer.
São Mateus nos conta no seu Evangelho que dois discípulos de São João Batista foram até
Nosso Senhor e perguntaram se Ele era o Messias ou se eles deveriam esperar algum
outro. Em sua resposta, Nosso Senhor nos fornece o critério pelo qual podemos saber que
Ele é o Cristo. Notem bem, Ele não dá uma demonstração filosófica partindo das escrituras
ou de outra fonte, Ele não faz um discurso emocionante para todo mundo chorar e se
converter, e ele não dá uma lição de moral. Não, o que ele diz em resposta é bem simples:
“Ide contar a João o que ouvis e vedes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são
purificados, os surdos ouvem e os mortos ressuscitam” (Mt 11, 4-5). É por isso que as
pessoas acreditavam nele. Não é porque Ele fosse um grande orador, um grande filósofo
ou uma pessoa exemplar, mas porque Ele ressuscitava os mortos, porque Ele devolvia a
visão aos cegos e porque Ele curava os leprosos.
Quando Nosso Senhor foi preso, quase todos os seus discípulos e Apóstolos o
abandonaram, incluindo São Pedro, que o renegou. Na verdade, Ele mesmo previra que
isso aconteceria. Depois de Sua morte, os discípulos estavam amedrontados e sem
esperanças. A Igreja poderia muito bem ter acabado ali, no seu nascedouro, como outras
seitas que começaram em torno de algum líder mais ou menos carismáticos e terminaram
com a sua morte. E por que não foi este o final da Igreja, mas o seu começo? A resposta
também é simples. A Igreja só sobreviveu porque Nosso Senhor de fato ressuscitou e
apareceu aos seus Apóstolos e discípulos. São Paulo, na sua carta aos Coríntios, diz com
ainda mais precisão que Cristo, depois de morto e ressuscitado, apareceu a mais de 500
discípulos de uma só vez, a maioria dos quais ainda estavam vivos quando ele escreveu
esta carta (cf. I Cor 15,6).
Então, com isso podemos ver que o fundamento do cristianismo é realmente um conjunto
de fatos miraculosos, dos quais os Evangelhos nos contam apenas uma pequena parte,
como diz São João Evangelista. E então alguns de vocês talvez estejam se perguntando por
que, se isto for verdade, por que estes fatos não acontecem mais hoje em dia? Por que eles
pararam? A resposta novamente é bem simples: eles não pararam de acontecer de forma
alguma. Eles acontecem a todo momento, quase que ininterruptamente. Desde os milagres
feitos por intermédio dos Apóstolos que lemos nos Atos dos Apóstolos até os milagres
feitos por intermédio de santos mais recentes, como São Pio de Pietralcina, que viveu até
os anos 60 e mesmo até hoje em dia, existe uma linhagem de santos e mártires que dão
testemunho da fé católica também através de grandes milagres.

São Pio de Pietralcina, também conhecido como “Padre Pio”, cujo corpo está
milagrosamente incorrupto mais de 40 anos após a sua morte, foi responsável, ou melhor,
foi o instrumento para a realização de milagres muito impressionantes, incluindo curas e
conversões espetaculares, dom de línguas, conhecimento dos pecados os penitentes antes
que eles dissessem qualquer coisa, entre muitos outros. Muitos de nós catequistas fomos
testemunha ocular de outros acontecimentos miraculosos em nossa vida e na vida dos
outros.

Concluindo
São Tomás de Aquino dizia que nós, homens, falamos com palavras, mas que Deus fala com
palavras e com as coisas, com a realidade mesma. Pois bem, os Evangelhos nos dizem que
todos estes fatos aconteceram não à toa, mas com um propósito claro. Que propósito é
este? A nossa salvação. Nosso Senhor se encarnou, foi crucificado e ressuscitou dos mortos
para a nossa salvação. E se isso é verdade, então não podemos permanecer indiferentes a
tudo isso. Se isso é verdade, o mínimo que temos que fazer é tentar conhecer isso e saber
em que medida tudo isso nos afeta hoje, o que isso significa para a vida de cada um. Pois
bem, este curso existe e tem o objetivo de fazer o possível para mostrar para vocês que
nós fomos criados para Deus, que Ele é a nossa felicidade plena, que os seus mandamentos
não são um conjunto de leis opressivas, mas uma fonte de transformação interior, que a
caridade é um amor de ordem sobrenatural, que pode ou não vir acompanhada de alguma
emoção sensível e que tudo isso junto com o estudo e a meditação sérios têm uma única
finalidade: nos conduzir a uma união íntima com o próprio Deus, não apenas após a nossa
morte, mas já aqui, onde somos todos chamados por Ele a sermos verdadeiramente
santos.
PARTE I - A profissão de fé
Aula 01 - Deus, a revelação e a resposta do homem

As contradições do tempo atual


Vivemos numa época de contradições. Por um lado, percebemos muita indiferença
religiosa: pessoas que vivem sem considerar sua relação com o transcendente, totalmente
imersas no mais material que tem nas suas vidas: prazeres, dinheiro e poder. Por outro
lado, percebemos diversas formas de religiosidade, superstições e inclusive atitudes
agressivas em nome da religião. Diante disso podemos ficar confusos: será que a religião é
um fenômeno estritamente pessoal, subjetivo, ou há algo de objetivo que se pode
apreender sobre a realidade transcendental?
Este curso entende que é possível sim chegar a conhecimentos muito seguros e
consistentes a respeito da realidade sobrenatural, tal como nos ensina a tradição cristã e a
Igreja Católica. A premissa básica do nosso estudo é que existe uma verdade a ser
conhecida e que existem meios seguros de conhecer essa verdade.
A busca por respostas aos questionamentos fundamentais da vida humana sempre
acompanharam a humanidade em sua história. Qual o sentido da vida e da morte, por que
existe a dor e o sofrimento, o que devemos fazer para sermos felizes... Não há como se
esquivar dessas questões, pois ignorá-las já é posicionar-se com relação a elas. O
Catecismo da Igreja Católica (CIC) ensina que: “O homem é, por natureza e vocação, um ser
religioso. Vindo de Deus e caminhando para Deus, o homem não vive uma vida plenamente
humana senão na medida em que livremente viver a sua relação com Deus”.

O fenômeno religioso
Por trás do fenômeno religioso está a necessidade que toda pessoa tem de se posicionar
perante três conceitos distintos: o absoluto, a justiça e a morte. O absoluto remete à
existência de um ser que não depende de nada, que existe por si. Muitas pessoas ficam
fascinadas por isso e são atraídas à religião porque querem descobrir mais sobre esse
absoluto que elas vislumbram que exista, mas que não sabem o que é realmente. A
questão da justiça está ligada à percepção da contradição e da injustiça no mundo, seja
consigo mesmo, seja com o próximo. Buscar uma resposta convincente para as injustiças
do mundo, bem como acreditar numa realidade futura que sanará essas injustiças, é
motivo da aproximação de muitos à religião. Por fim, a realidade da morte, que nos
atemoriza e nos deixa perplexos, mas que é parte integrante de toda existência singular
nesse mundo, acaba sendo ocasião de muitas conversões.
Mesmo assim, é possível passar muitos anos da vida completamente alheio à religião, até
que algum dos três motivos acima, ou outro qualquer, desperte a pessoa para a
religiosidade. Mas diante de tantas respostas contraditórias sobre as mesmas questões e
afetados pelo relativismo moral que nos circunda, acaba-se por se considerar tudo como
indiferente.
O então Cardeal Ratzinger, na Missa de Eleição de um novo Papa, em abril de 2005 (a qual
veio a eleger ele mesmo, tomando o nome de Papa Bento XVI), disse na homilia:
“Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas,
quantos modos de pensamento... A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi não rara
agitada por estas ondas – lançada dum extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até ao
ponto de chegar à libertinagem; do coletivismo ao individualismo radical; do ateísmo a um vago
misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante.

Todos os dias nascem novas seitas e cumpre-se assim o que São Paulo disse sobre o engano dos
homens, sobre a astúcia que tende a induzir ao erro (cf. Ef 4,14). Ter uma fé clara, segundo o Credo
da Igreja, é frequentemente catalogado como fundamentalismo, ao passo que o relativismo, isto é,
o deixar-se levar ao sabor de qualquer vento de doutrina, aparece como a única atitude à altura dos
tempos atuais. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como
definitivo e que usa como critério último apenas o próprio “eu” e os seus apetites”.

O ‘sentir-se bem’ se torna critério de valoração das diversas formas de espiritualidade e


uma pessoa pode acabar trocando de religião como quem troca de camisa. Mas será que
essa atitude é racional? Será tudo a mesma coisa e não vale a pena buscar o mais
verdadeiro?

A questão da verdade em Jesus Cristo


“Conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres” (Jo 8, 32). Essas palavras de Nosso
Senhor Jesus Cristo recolhidas por São João no seu Evangelho mostram a importância da
busca sincera pela verdade, única capaz de nos libertar da ilusão e da inconsciência que nos
prende ao que engana e não nos realiza.
Jesus Cristo também disse: “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6). Cristo se
apresenta como a Verdade que veio de Deus para nos revelar os segredos do Pai: “(...) pois
vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai (Jo 15,15) e prometeu além disso que
enviaria o Espírito Santo para nos guiar pela verdade: “Quando vier o Paráclito, o Espírito
da Verdade, ensinar-vos-á toda verdade, porque não falará por si mesmo, mas dirá o que
ouvir, e anunciar-vos-á as coisas que virão (Jo 16,13). Ao longo do curso iremos entender
que o Pai, o Filho, que é Jesus Cristo, e o Espírito Santo são o mesmo e único Deus
Verdadeiro. Portanto, todas essas referências dizem respeito a uma única revelação de
Deus a nós, seus filhos e criaturas, pois Ele nos ama e quer compartilhar sua vida divina
conosco.

As provas da existência de Deus


No entanto, antes de chegarmos a essas conclusões sobre a revelação cristã, temos que
colocar o problema de Deus, do conhecimento que podemos ter dEle, em bases firmes. O
CIC mostra que temos acesso a ‘provas da existência de Deus’ no mundo e no homem (cfr.
CIC 31-35). Esse é um movimento do homem em direção a Deus, através da capacidade
que o próprio Deus deu ao homem, do qual o homem não pode se esquivar.
Um dos textos mais famosos de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), um dos maiores
teólogos da Igreja, são suas cinco vias em que se provam a existência de Deus. Partindo do
mundo criado, do que podemos perceber nele, Santo Tomás desenvolve cinco linhas de
raciocínio que mostram o absurdo de não reconhecer a existência de Deus. O Deus que
estas vias mostram é um ser supremo, sublime, mas ainda distante do homem.

A revelação na tradição judaico-cristã


Muitas outras religiões têm uma concepção de Deus, do Absoluto: algumas crendo em
diversos deuses, outras num Deus só. A peculiaridade da tradição judaico cristã é que ela
se funda não no movimento do homem em busca de Deus, mas na revelação do próprio
Deus ao homem. Esse movimento de Deus em direção ao homem permitiu ao homem um
conhecimento muito acima das suas capacidades sobre as verdades fundamentais: sentido
da vida, da morte, a busca da felicidade e a distinção entre o moralmente certo e o errado.
Esse é o grande diferencial da tradição judaico-cristã com relação às demais religiões e o
porquê podemos confiar plenamente no seu conteúdo, pois sua garantia de veracidade se
funda no testemunho do próprio Deus.
A Revelação de Deus começa com os Patriarcas do Antigo Testamento e culmina na vinda
do Seu Filho Unigênito, Jesus Cristo e no envio do Espírito Santo. Nosso Senhor fez e
ensinou muitas coisas e com sua morte na Cruz, nos redimiu e nos ganhou todas as graças.
Para dar continuidade à sua obra redentora e aplicar seus méritos a todas as pessoas que
viriam ao longo da história, garantiu que a assistência do Espírito Santo na Igreja
estabelecida com os apóstolos, liderados por Pedro, seria uma realidade que os guiaria ‘em
toda a verdade’ (cfr. Jo 16, 13).
É interessante entender as etapas da revelação (cfr. CIC 54-73) e como se transmitiu até
nós, pela Tradição Apostólica e pela Sagradas Escrituras (cfr. CIC 74-141). A Sagrada
Escritura e a Tradição derivam da mesma fonte e estão compenetradas. Ignorar a tradição,
como o fazem certas igrejas protestantes, é ignorar o próprio contexto em que nasceram
os livros do Novo Testamento e as promessas de continuidade que Cristo fez à Igreja
nascente. Para um bom entendimento das Escrituras é importante diferenciar o contexto
dos diferentes períodos históricos em que surgem os livros, as intenções e estilos dos
autores e a linguagem empregada. O CIC explica isso nos pontos 101-141. A Constituição
Dogmática Dei Verbum explica que “A Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada
naquele Espírito em que foi escrita”.

Uma questão de fé
O homem, diante da revelação, precisa prestar o consentimento da fé, que não exclui
igualmente o uso da razão. A fé se fundamenta nos motivos de credibilidade (a sublimidade
da doutrina, a história da Igreja e o testemunho dos mártires), mas principalmente na
autoridade de Deus, que não pode enganar-se nem nos enganar, e nos milagres de Cristo
(cfr. CIC 142-184). A razão, por sua vez, busca esclarecer os mistérios da fé. São dois meios
que não podem se contradizer, pois o Deus que nos criou e nos fez racionais é o mesmo
Deus de nossa fé. Como coloca o Papa João Paulo II no começo da Encíclica Fides et Ratio:
“A Fé a Razão constituem como que duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para
a contemplação da verdade”. A liberdade humana como capacidade de autodeterminar-se
segundo a verdade, não entra, portanto, em contradição com a fé, pois aderir livremente à
verdade revelada significa fazer um uso autêntico da liberdade.
Nas próximas aulas iremos mergulhar no conteúdo da revelação divina, conhecer a
resposta cristã e católica para as questões mais fundamentais da vida humana. Esse
caminho precisa ser trilhado com muita sinceridade e seriedade para que cada aspecto da
resposta cristã encontre ressonância dentro de nós e dê muitos frutos.

Perguntas para Reflexão

1. O que leva as pessoas ao fenômeno religioso, segundo a apostila? Além desses


fatores, que outros também poderiam ser elencados?
2. É possível ter um conhecimento objetivo sobre as questões religiosas ou serão
sempre questões subjetivas?
3. Qual é o fator diferenciados da tradição judaico-cristã com relação às outras
tradições religiosas?
4. Quais são as duas fontes da revelação cristã? Como estão relacionadas entre si?
5. O que é a fé? Ele contradiz ou entra em conflito com a razão?

Leitura Complementar: ‘Creio em Deus’ - Trecho do livro ‘O Credo’ de Ronald Knox,


Editora Quadrante.
Quando pecamos, o pensamento de Deus incomoda-nos e tentamos esquecê-lo. E a raça
humana, que continua sempre a pecar, continua também a tentar esquecer Deus. O
homem tenta fechar-se em si mesmo, esconder-se no bosque das coisas criadas, que lhe
foram dadas por Deus para seu deleite; tenta convencer-se a si próprio de que Deus não
existe. Mas, à medida que vai olhando através das longas alamedas arborizadas, vislumbra,
no fim de cada alameda, sempre a mesma visão: a face de Deus. Não pode fugir de Deus,
mesmo que o queira.

Aonde quero chegar? Ao seguinte: ainda que nenhuma revelação nos tivesse chegado
através de Jesus Cristo, se quiséssemos ser sinceros conosco próprios, teríamos que admitir
a existência de Deus, por mais indesejável que esse pensamento pudesse ser para nós. As
criaturas que nos rodeiam, bem como a nossa própria vida neste mundo de criaturas,
levam-nos ao conhecimento de que Deus existe. Basta tomarmos qualquer das nossas
linhas habituais de pensamento, segui-la o mais longe possível, como num passeio pelos
caminhos que cortam um bosque, para avistarmos no termo dela, ainda à distância.
Toda a nossa ciência provém do hábito humano de pesquisar a razão de tudo, da nossa
crença enraizada de que todo e qualquer acontecimento tem que ter uma causa. E quando
tivermos levado esse hábito às suas últimas consequências, tudo o que teremos
conseguido será um encadeamento de causas, em que cada uma dependerá da seguinte.
A série de causas prolonga-se cada vez mais e nunca alcançamos o seu termo. Mas bem
vemos que não pode ser de modo algum infinita. Porque uma série infinita de causas, as
quais dependessem sempre de outras, não daria uma explicação cabal de nada. Em
qualquer lado, no fim dessa cadeia, tem que existir uma primeira causa, que não seja
causada por nada que tenha existido antes dela. E essa primeira causa é Deus. A sua face
olha-nos, mesmo enquanto tentamos fugir dEle; e o seu olhar desce através dessa longa
avenida de causalidades e recorda-nos que foi Ele quem nos fez, que nós não nos fizemos a
nós próprios.
Deus, como a primeira causa que está por detrás de todas as outras causas; Deus, como o
Espírito que se exprime na perfeição da criação; Deus, como causa final ou último fim para
o qual existe tudo quanto vive; Deus, como a vontade suprema que impõe deveres morais
à humanidade: na verdade, sempre que tentarmos afastar-nos de Deus, vê-lo-emos assim,
à distância, como um ser desagradável que está na base de tudo. Mas isso só acontecerá se
tentarmos fugir dEle... Se, pelo contrário, procurarmos a Deus, se tentarmos encontrá-lo,
então o processo será simplicíssimo e o encontraremos, não à distância, mas bem junto de
nós. Será, não uma realidade desagradável, mas um Amigo agradável.
Somos feitos de matéria e espírito. O nosso corpo, aquilo que se move quando alguém
esbarra conosco nas escadas, é matéria. A nossa alma, aquilo que em nós pensa, que em
nós ama, é espírito. O que é que pertence a uma ordem superior – o nosso corpo ou a
nossa alma? É evidente que é a nossa alma. Dá-nos uma vida mais rica do que a dos
animais. Os nossos coelhos, por exemplo, não sabem multiplicar ou escrever como nós. O
espírito é, pois, de uma ordem superior à da matéria; ordena-a, é a sua explicação. Mas o
nosso espírito – mesmo o de um sábio – não ordena o universo, não é a explicação do
universo. Tem que existir, portanto, um Espírito que regule o universo da matéria, e um
Espírito não reduzido e limitado como o de vocês e o meu, e esse Espírito é Deus.
Ainda que a nossa atenção esteja dirigida habitualmente para o exterior, para o mundo da
matéria, para o alimento, para a luz do sol e para os aviões que voam lá por cima, voltemo-
nos agora para o nosso interior, para a nossa própria alma. Aí está Deus. Está presente na
nossa alma tal como a luz do sol está presente no nosso corpo, só que muito mais
intimamente. Como poderia ser de outro modo? O espírito não está limitado pelo espaço,
e por isso não nos pode separar de Deus. Deus é ilimitado, e por isso está em toda a parte.
Não podemos viver separados de Deus. A única coisa que nos separa dEle é o fato de não
pensarmos suficientemente nEle, de não o amarmos como devíamos. Não devemos pensar
nEle como um ser distante que está no fim de uma longa alameda. Ele está aqui.
Não crer em Deus? Não há dúvida de que cremos. Senão, também não poderíamos crer em
nós mesmos, não poderíamos chamar à nossa alma nossa. E, como regra, as pessoas que
não creem em Deus não creem também em si próprias, não podem chamar à sua alma sua.
E é assim que acabam acreditando num homem totalmente perecível ou em qualquer
contrassenso desse gênero.
“Mas – poderíamos pôr agora o problema – se o fato da existência de Deus é tão evidente,
por que há necessidade de crer nEle? A fé só é necessária quando temos que acreditar em
alguma coisa que não podemos provar, e que aceitamos por confiarmos na pessoa que o
diz”. Ora, é absolutamente verdade que a Igreja não quer que acreditemos em Deus
unicamente porque Jesus Cristo no-lo revelou. E afirma-nos que temos de ser capazes de
chegar por nós próprios a acreditar na existência de Deus. O que Jesus Cristo fez foi
revelar-nos mais claramente o que é Deus: que é nosso Pai, por exemplo.
Entretanto, é importante termos sempre presente que cremos em Deus; não tanto por ser
difícil crer que Ele existe, mas por ser difícil compreender que Ele existe. Sem dúvida
alguma, os nossos espíritos tendem naturalmente a aproximar-se das criaturas e a afastar-
se de Deus. Desde a primeira queda, o espírito humano é parecido com essas dobras dos
cantos dos livros que, por mais que estejamos constantemente a alisá-las, quando de novo
abrimos o livro já estão outra vez enroladas. Desde a primeira queda, fomos desviados para
sempre do caminho certo, estamos constantemente a pensar nas criaturas, no nosso bem-
estar, nos nossos projetos, nos nossos amigos, e os nossos espíritos só se voltam para Deus
se por um ato deliberado lhes imprimirmos essa direção. E por isso vamos continuar a ter
presente esse “Creio em Deus”, pois do contrário ser-nos-á totalmente impossível lembrar-
nos de que Deus está conosco. Já passou tanto tempo desde a última vez em que
pensamos nEle, e no entanto Ele continua aí, serenamente, apesar de saber que o
esquecemos.
Não pode existir nada de mais animador do que a notícia de que Deus existe. Ele é quem
endireita tudo, quem coloca tudo no seu lugar, quem equilibra a balança. O que importa já
não sou eu, mas Deus. Ele, e não eu, é o centro do universo; importa a sua vontade, não a
minha; a única coisa que importa é o que Ele pensa sobre as coisas, o que Ele pensa sobre
as pessoas, não o que eu penso sobre elas; a sua glória, e não a minha, deve ser aquilo para
que eu vivo. Daqui a cem anos, quando vocês e eu tivermos deixado de existir, continuará
ainda a interessar se a raça humana é livre ou escrava, feliz ou miserável, unicamente
porque nessa altura continuará a reinar um Deus no céu – então como agora.
Perdoem-me, pois não podem compreender tudo isto. Não por serem estúpidos, mas por
serem jovens. Enquanto vocês são jovens, podem sempre encontrar companhia em si
próprios, a não ser que sejam melancólicos. Quando à noite vocês vão-se deitar, e
enquanto não conseguem adormecer, sentem-se completamente felizes pensando nos
seus projetos, nas suas amizades e nas suas ambições; podem continuar deitados e
divagar, contando a si próprios histórias sobre o que farão quando forem adultos, e com
que tipo de pessoa casarão. Mas, quando tiverem cinquenta anos e, portanto, tiverem já
convivido mais tempo consigo próprios, essa companhia deixará de lhes ser tão agradável e
acabará mesmo por aborrecê-los. E isso origina uma terrível solidão na alma humana – a
não ser que esta tenha aprendido, tenha procurado não esquecer e continue sempre
acreditando que Deus existe.
Quando vocês tiverem cinquenta anos, terão começado a considerar-se como uma espécie
de artigo de segunda categoria: os planos que traçaram para seguir este ou aquele
caminho já não lhes hão de parecer tão relevantes; o juízo que fizeram acerca das pessoas
e das coisas já não lhes há de importar tanto; e a configuração que a Europa terá dentro de
cem anos é um problema que não lhes há de interessar muito. Nessa altura, crer que Deus
existe significará que vocês têm alguma coisa, melhor, que têm Alguém a quem recorrer.
“Creio em Deus”: se daqui a quarenta anos vocês mantiverem a fé que têm agora, darão
graças a Deus – por Deus existir.
Curso de Iniciação Cristã
Aula 02 - Creio em Deus Pai, Criador do Céu e da Terra

2021
Aula 02 - Creio em Deus Pai, Criador do Céu e da Terra

Nosso estudo da Doutrina Católica começa pelo Credo. Iremos analisar cada um dos artigos de
nossa fé, aprofundando-nos no seu significado.

O Credo não é uma oração, mas uma profissão de fé. Sua formação se deu ao longo de muitos
anos e envolveu a discussão de eminentes teólogos da Igreja. Professamos nossa fé hoje
utilizando duas formulações do Credo: o Símbolo dos Apóstolos e o Credo Niceno-
Constantinopolitano). Abaixo apresentamos os dois símbolos:

Credo Niceno-Constantinopolitano Símbolo dos Apóstolos


Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador Creio em Deus Pai Todo Poderoso,
do Céu e da Terra, De todas as coisas visíveis e Criador do Céu e da Terra
invisíveis.
Creio em um só Senhor, Jesus Cristo Filho e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,
Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos
os séculos, Deus de Deus, luz da luz, Deus
verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não
criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as
coisas foram feitas. E por nós, homens, e para
nossa salvação desceu dos Céus
E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem que foi concebido pelo poder do Espírito Santo,
Maria e se fez homem. nasceu da virgem Maria;
Também por nós foi crucificado sob Pôncio padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto
Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao e sepultado; desceu à mansão dos mortos;
terceiro dia, conforme as Escrituras; ressuscitou ao terceiro dia;
e subiu aos Céus, onde está sentado à direita do subiu aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai
Pai. De novo há-de vir em sua glória para julgar os Todo-Poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos
vivos e os mortos; e o seu Reino não terá fim. e os mortos
Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e Creio no Espírito Santo
procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é
adorado e glorificado: Ele que falou pelos
Profetas.
Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica. na Santa Igreja católica, na comunhão dos Santos,
Professo um só batismo para a remissão dos na remissão dos pecados, na ressurreição da
pecados. E espero a ressurreição dos mortos e carne, na vida eterna.
vida do mundo que há-de vir .
Amém Amém

O Símbolo dos Apóstolos tem esse nome pois remonta aos Doze Apóstolos escolhidos por
Cristo. Sua redação tal como hoje a professamos evoluiu gradualmente, muito ligada à
catequese preparatória para o batismo e ao combate de heresias, dentre elas o gnosticismo.
Existe uma tradição que afirma que esse Símbolo é o resultado de nada menos que um comum
acordo, alcançado pelos Apóstolos, acerca dos fundamentos da doutrina cristã, apaziguado
antes de eles partirem para as primeiras pregações.

O Credo Niceno-Constantinopolitano, por sua vez, é o resultado de um longo processo de


amadurecimento da fé da Igreja, o qual durou cerca de quatro séculos. Foi definido nos Concílios
de Nicéia (ano 325 d. C.) e de Constantinopla (381 d. C.) e tinha como um dos objetivos defender
a fé contra o arianismo (uma heresia que tinha como principal ponto a negação da divindade de
Cristo).
Um trabalho prévio a esses Concílios, que teve enorme influência na formulação do Credo, é o
livro ‘Os Princípios’, de Orígenes, escrito por volta do ano 250. Orígenes viveu numa época em
que ainda havia gente que lembrava que seu bisavô conheceu alguém que conheceu os
Apóstolos. Ou seja, a vinda de Jesus e dos apóstolos não era algo tão longínquo no tempo. E
Orígenes percebeu que nas várias Igrejas de então (de Nicéia, de Atenas, de Corinto, de
Antioquia, de Alexandria, etc.), falavam-se muitas coisas sobre o cristianismo, muitas delas
inventadas, às vezes até por motivos piedosos. Na tentativa de entender o que era comum a
todas as Igrejas, ele fez uma peregrinação em que prestou o louvável trabalho de buscar o que
era e o que não era próprio do fundamento da verdadeira doutrina cristã, fazendo, de certo
modo, a pesquisa básica que posteriormente foi utilizada nos Concílios de Nicéia e
Constantinopla.

O católico deve saber de cor esses símbolos, pois reúnem os artigos centrais da sua fé. Mas não
basta memorizar, o desafio é incorporar cada uma das verdades que o Credo explicita na própria
vida. Precisamos saber explicar o sentido de cada um dos artigos do Credo e saber refutar as
objeções que comumente se levantam contra eles. Apesar de ser o ponto final de uma série de
discussões teológicas que aconteceram nos primeiros séculos do cristianismo, não podemos cair
na ilusão de que o trabalho teológico, ou seja, o trabalho de reflexão, está finalizado. Temos de
fazer nossa parte; como diz São Pedro em sua primeira epístola: “estejam sempre preparados
para responder a qualquer pessoa que vos questionar quanto à esperança que há em vós”. 1Pe
3, 15. Para cada um de nós que se defronta com o Credo pela primeira vez, ele é o ponto de
partida. Devemos ser muito gratos a todos aqueles que tanto estudaram e rezaram para que o
Credo fosse formulado e chegasse até nós hoje. Mas tanto mais os honraremos, se mais
intensamente trilharmos o caminho que eles trilharam e procurarmos compreender
profundamente tudo o que faz parte da nossa fé.

A própria palavra ‘Credo’, quem em latim significa ‘Creio’, nos compromete. Declarar que se crê
significa que aquele conteúdo revelado foi assumido por nós como verdade. O ato de fé,
segundo Santo Tomás de Aquino, é um “pensar com assentimento”, ou seja, é um ato do nosso
pensamento que capta uma verdade não pela evidência imediata do objeto conhecido, mas
porque a vontade se inclina a aceitar o conteúdo apreendido como verdade. Portanto, para crer
é preciso querer e quando dizemos: ‘Creio’, estamos expressando nossa voluntariedade livre,
que adere à verdade revelada.

Um só Deus, Pai Todo-Poderoso


O primeiro artigo, seguindo o Credo Niceno-Constantinopolitano, reza o seguinte: “Creio em um
só Deus, Pai Todo-Poderoso, Criador do Céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”.

Na Carta aos Romanos, São Paulo escreve: “As perfeições invisíveis de Deus — não somente seu
poder eterno, mas também a sua eterna divindade — são claramente conhecidas, através de
suas obras, desde a criação do mundo” (Rm 1, 20). Isto significa que podemos conhecer muitas
coisas de Deus através de sua criação. De fato, mesmo antes da revelação judaico-cristã, os
homens chegaram a um profundo conhecimento sobre Deus, como nos atesta a filosofia grega,
por exemplo, ao dizer que Deus é a forma suprema do ente ou o Motor-Imóvel do Universo.

No entanto, o homem por si mesmo encarou a divindade de formas contraditórias ao longo de


sua história. Não foram poucos os povos que creram em diversos deuses (politeísmo), ou que
identificaram a Deus com elementos da natureza (panteísmo), ou simplesmente negaram a
existência de Deus (ateísmo). Como falávamos na aula anterior, o diferencial da tradição judaico-
cristã é esse movimento de Deus em direção ao homem, revelando-se e ajudando a debilidade
humana a conseguir um conhecimento mais profundo do próprio Deus.

O Deus que se revela é próximo ao homem, interessado pela sua vida. Na filosofia grega Deus
é o ser supremo, mas distante do homem, visto por muitos inclusive como alheio à vida humana
(agnosticismo). A revelação nos aproxima de Deus até culminar com o próprio Cristo Jesus nos
apresentando Deus como Pai: “pois o próprio Pai vos ama”, nos disse Jesus no Evangelho de São
João.

Nosso Senhor também nos revelou que Deus é um em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo.
O CIC 261 diz o seguinte: “O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida
cristã. Só Deus pode dar-nos o seu conhecimento, revelando-Se como Pai, Filho e Espírito Santo”.
Como compreender a Trindade em Deus?

A Santíssima Trindade e o Todo Poderoso


O conhecimento de como Deus é em si mesmo é inacessível à investigação da razão por suas
próprias forças. Somente a revelação pode nos mostrar algo desse mistério e, mesmo assim,
será sempre limitado, pois estará condicionada à nossa capacidade de entendimento que jamais
vai esgotar o que Deus é em si mesmo. Mas Deus tomou a iniciativa e se deu a conhecer,
revelando ser a Santíssima Trindade, um só Deus em Três Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito
Santo.

A revelação que Jesus Cristo fez do mistério da Trindade está recolhido em diversos pontos dos
Evangelhos. É interessante notar que a primeira frase de Jesus, ainda uma criança, e a última,
antes de morrer na Cruz, fazem referência a Deus Pai. Quando Jesus aos doze anos é achado no
Templo por Maria e José, ele exclama: “Não sabíeis que eu devo estar naquilo que é de meu
Pai?” Lc 2,49. E depois, logo antes de morrer, exclama: “Pai, em tuas mãos entrego o meu
espírito” Lc 23, 46. Após sua Ressurreição e antes de subir aos Céus, as suas últimas palavras são
uma referência explícita à Trindade: “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Ide, pois,
fazer discípulos entre todas as nações, e batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Mt 28, 19.

Neste último pedido aos discípulos, Jesus coloca as três Pessoas da Trindade no mesmo nível,
mostrando terem as três a mesma dignidade. São inúmeros os episódios que poderíamos citar
além desses. Um dos mais significativos é o momento do batismo de Cristo, quando o Pai o
chama de Filho Amado e o Espírito Santo vem sobre Ele (cf. Mt 3, 13-17). Enfim, toda a vida de
Cristo é uma revelação da Trindade.

Estas passagens das Escrituras são o ponto de partida da reflexão teológica que a Igreja fez (e
continua fazendo) ao longo dos séculos. No começo do cristianismo, a compreensão da Trindade
foi crescendo na medida em que a reflexão filosófica-teológica se aprofundava, culminando na
monumental obra de Santo Agostinho (354-430), o De Trinitate, onde encontramos ainda hoje
um dos cumes da reflexão trinitária. Por volta do século V ou VI, foi elaborado um ‘símbolo
trinitário’, uma profissão de fé na Trindade, que é atribuída a Santo Atanásio, ainda que se
especule hoje que não é de sua autoria (não obstante, entrou para a história como Símbolo
Atanasiano). Essa profissão de fé desde o séc. IX era rezada na festa na festa da Santíssima
Trindade e nos exorcismos1. O Símbolo Atanasiano enuncia diversas verdades sobre a Trindade,
mas não procura compreender por que isto é assim. Compreender a profundidade do mistério
é uma tarefa árdua, que exige muita profundidade teológica e muita oração. Santo Agostinho

1
O texto do Símbolo Atanasiano está na leitura complementar.
chegou a dizer, falando sobre a Trindade: “em nenhum assunto mais perigosamente se erra, em
nenhum a busca pela verdade é mais laboriosa e a descoberta mais frutuosa” (De Trinitate I, 3).
Além da obra de Santo Agostinho, outro livro que é um marco na reflexão trinitária é o ‘Tratado
sobre a Santíssima Trindade’ de Ricardo de São Vítor (1110-1173). Em Santo Tomás de Aquino
que vemos a reflexão trinitária chegar ao cume. Ele dedica, na Primeira Parte da Suma Teológica,
16 questões que se desdobram em 74 artigos inteiramente para explicar a Trindade . Sua
reflexão é sistemática e profunda, se apoia em toda reflexão anterior a Ele.

Quando proclamamos que Deus é ‘Todo Poderoso’, nos referimos à sua onipotência. O Salmo
115 diz de Deus: “Faz tudo quanto lhe apraz”. Deus exerce seu poder em conjunto com sua
paternidade: “Serei para vos um Pai e vós sereis para Mim filhos e filhas, diz o Senhor todo
poderoso” 2 Cor 6,18. Tudo dispõe para nosso bem, perdoa nossos pecados e se permite o mal
é para dele tirar um bem.

Os relatos da criação
A criação é o fundamento de todos os desígnios de Deus e o princípio da revelação que culmina
com Cristo (cfr. CIC 279). Deus criou o mundo para compartilhar sua vida íntima de amor e
comunhão entre as Pessoas da Trindade.

“No princípio, Deus criou o céu e a terra” (Gn 1, 1). Assim começam as Sagradas Escrituras, no
livro do Gênesis. Muitas pessoas se indispõem com o relato da criação tal como apresentado
nesse primeiro livro da Bíblia, argumentando que a ciência já desbancou tal visão do mundo.
Invocam as teorias científicas do Big-Bang, da Evolução, como ‘provas’ que desqualificariam a
visão cristã da criação.

Quem, no entanto, faz tal objeção, prova apenas sua própria ignorância. O relato da Criação no
livro do Gênesis não tem a pretensão de ser um relato científico. Possui antes uma “linguagem
de imagens”, que por meio de diversos ‘simbolismos’ evidenciam realidades muito além do que
um relato literal o poderia fazer (cfr. CIC 390).

Existem dois relatos da criação no começo do Gênesis, o primeiro é o relato da criação em sete
dias (Gen 1 a Gen 2, 3) e o segundo o relato de Adão e Eva e do pecado original (Gen 2,4 a Gen
4). Um complementa o outro e ambos dão testemunho de verdades fundamentais sobre o
mundo criado e sobre o ser humano.

A questão do ‘princípio’
“No princípio Deus criou o Céu e a Terra”. Esse primeiro verso da Bíblia se articula de modo
impressionante com o primeiro verso do Evangelho de São João, em que lemos: “No princípio
era o Verbo...”. Estas frases nos ensinam que o mundo não é fruto do acaso, mas foi criado por
Deus do nada. Antes de existir na realidade, o mundo existia, digamos assim, na ‘mente’ de
Deus. Um outro modo de colocar isso é dizer que o mundo era uma possibilidade em Deus antes
de ser criado. Vamos elaborar mais o raciocínio.

Supondo que a teoria do Big-Bang esteja correta, ou seja, que o mundo tenha surgido de uma
‘explosão’ inicial de energia condensada, seu desenrolar a partir do momento inicial até hoje
supõe a validade universal das leis da física durante todo o processo. No entanto essas leis
precisam preexistir ao próprio fenômeno físico, pois são sua razão da inteligibilidade, do
contrário, não ocorreriam.

Assim, mesmo antes da matéria e da evolução física dela, devem existir as leis que regem seu
comportamento, ou dito de forma mais rigorosa, deve haver uma inteligibilidade prévia que
explique o processo. Por exemplo, sabemos que se juntarmos H₂ + ½ O₂, temos H₂O. A validade
da lei que rege a interação dessas duas substâncias, tal como expressa na fórmula apresentada,
deve preexistir às próprias substâncias particulares, do contrário, quando elas se encontrassem,
não ocorreria a reação tal como observamos. A observação da realidade consegue chegar a leis
que regem seu comportamento, leis mais ou menos exatas, dependendo do fenômeno.
Supondo que são totalmente exatas, elas apenas colocam em evidência o racional prévio à
própria matéria. Temos que, portanto, uma visão completamente materialista do universo
simplesmente não faz sentido. A razão de ser do mundo criado, seu logos, subsiste a todas as
coisas, remontando ao próprio Deus.

O mais incrível dessa explicação é perceber que no começo do Evangelho de São João, o
evangelista utiliza-se de expressões similares ao início do Gênesis, mas completa o relato da
criação fazendo referência a esse logos divino. Assim lemos em Jo 1,1-3: “No princípio era o
Verbo [logos no grego original], e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava
no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por meio dele, e sem ele nada foi feito de tudo o que
existe”. O Verbo é o logos divino, a razão de todas as coisas e o princípio de existência de tudo.

São João nos ensina que o “Verbo era Deus, (...) e se fez carne”, referindo-se a Jesus Cristo.
Concluímos que Deus fez tudo por meio do Filho. São Paulo testemunha a mesma coisa ao dizer
na Carta aos Colossenses: “Nele [seu Filho muito amado, imagem de Deus invisível] foram
criadas todas as coisas nos céus e na terra, as criaturas visíveis e as invisíveis (...): tudo foi criado
por ele e para ele” Col 1, 16.

O primeiro relato da Criação


O primeiro relato2 foi redigido por volta do século V a.C., quando o povo judeu voltara do exílio
da Babilônia e se organizavam como comunidade e, por isso, constituíam suas tradições. Muitos
escritos do Antigo Testamento foram redigidos nesta época. O povo judeu já tinha vivido
momentos de grandeza e penúria, glória e escravidão. Conheciam as histórias de Abraão e
demais patriarcas, a libertação do Egito pelos feitos de Moisés, já tinha vivido a grandiosidade
dos reinados do Rei Davi e de Salomão e depois visto a dissolução destes reinos e a força
conquistadora de outros povos que os subjugou. A moral do povo eleito estava em baixa, sua
grandiosidade era coisa do passado, viviam circundados por diversos povos de diversas tradições
religiosas que ameaçavam a fidelidade daquele povo à sua tradição.

O relato das origens tem, para aquele povo, um sentido de nostalgia do passado e do paraíso,
mas também apontavam para o futuro, para uma esperança. Naquela situação de exílio,
circundados por povos politeístas, o Gênesis afirma a fé num Deus Único e Todo-Poderoso. As
religiões da época confundiam a divindade com fenômenos naturais ou com animais e o Gênesis
afirma que o Deus dos patriarcas é maior que tudo isso, pois os criou simplesmente com o poder
de sua palavra. No relato repete-se com frequência: ‘então Deus disse... e assim se fez’. Deus
simplesmente fala, ordena e, com isso, manifesta seu poder criador.

Neste relato vemos como se explica a criação de todo o mundo, até culminar com a criação do
homem. Deus prepara o cenário, digamos assim, para sua obra-prima. Quando faz o ser humano,
não apenas o traz à existência, mas o faz semelhante a Si mesmo e lhe dá o domínio de tudo:
“Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança, para que domine sobre
os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todos os animais selvagens e todos os
animais que se movem pelo chão. Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o

2
Cf. Leitura complementar 2
criou. Homem e mulher ele os criou” Gn 1, 26-27. A centralidade do ser humano mostra sua
dignidade e a bondade de Deus. O faz ‘capaz de Deus’, pois é semelhante a Ele em sua própria
natureza.

A criação termina no primeiro relato dizendo que Deus descansou no sétimo dia. É um descanso
contemplativo, uma admiração da própria criação. O autor do texto sagrado queria fazer
referência ao Sábado judaico, dia dedicado ao serviço divino e à oração. Veremos mais adiante
que a tradição cristã transfere o dia santo para o Domingo, dia da Ressurreição de Jesus,
rememorando tanto o primeiro dia da criação, como a nova criação operada por Cristo ao nos
redimir.

O segundo relato da Criação: o Pecado Original


No segundo relato da criação, temos a introdução de personagens específicos: Adão e Eva, a
serpente, além do relato do pecado original. Esse relato fala de uma humanidade inicial criada
por Deus, feita à sua semelhança, que inserida no mundo tinha domínio sobre todas as coisas.
Eram seres livres, podiam se autodeterminar para um fim específico e sabiam que o único fim
legítimo, o único bem em última instância, era o próprio Deus. A serpente personifica o mal, o
demônio tentador, que busca convencer Adão e Eva e serem eles próprios fundamentos de si
mesmos e conhecedores do bem e do mal, não precisando de Deus para isso. A árvore do bem
do mal simboliza esta distância entre o Deus criador, fundamento do bem e do mal, e sua
criatura, que proibida de comer do fruto dessa árvore, deve respeitar essa ordem.

Seduzidos pela serpente, eles comem do fruto proibido e rompem a aliança com Deus. Sofrem,
então, as penas do seu pecado. Com o pecado original, o homem cai na desgraça da separação
em relação a Deus, ficando sujeito às leis da natureza (sofrimento, suor pelo trabalho, morte).
Entra no mundo a realidade do pecado, que assalta toda natureza humana, que cada um de nós
é testemunha por conhecimento próprio. Deixado por si mesmo, o homem já não tem acesso a
Deus, ainda que encontra em si um ‘desejo de Deus’ que o levou, ao longo da história, a
diferentes manifestações de religiosidade (como vimos na primeira aula). É como se a partir
daquele momento um novo ser humano nascesse, com a culpa do pecado, ainda que não seja
uma culpa moral, mas de natureza. Nós somos descendentes dessa humanidade ‘caída’.
Experimentamos em nós mesmos e no mundo a desordem da natureza humana e ansiamos pela
libertação desse estado.

Se Deus tivesse simplesmente nos esquecido, a história terminaria aqui. Mas não. Depois do
pecado, começou a “obra da restauração humana”, expressão de Hugo de São Vítor, um grande
teólogo medieval. Essa obra Deus o fez através das diversas alianças que constituem a tradição
judaica e prepararam a vinda de Cristo, próprio Deus feito homem, único capaz de reconciliar o
homem, a humanidade, com Deus. A centralidade da doutrina do pecado original está que sem
ela não se compreende a doutrina da redenção.

As criaturas invisíveis
Parte da revelação das escrituras é a existência de criaturas espirituais chamadas de anjos. No
Credo fazemos referências a essas ‘criaturas invisíveis’. O nome ‘anjo’ significa mensageiro. São
espíritos por natureza e, portanto, possuem inteligência e vontade. Mais do que os homens, os
anjos são imagem e semelhança de Deus. São criaturas pessoais e imortais e vivem em profunda
comunhão com Deus, como nos revelou o próprio Cristo: “Eu vos digo que os seus anjos, no céu,
contemplam sem cessar a face do meu Pai que está nos céus”. Mt 18,12.
Os anjos estão presentes em diversos episódios marcantes da História da Salvação, por exemplo,
quando impedem Abraão de oferecer seu filho Isaac em sacrifício (cf. Gen 22,11) ou quando
revelam a Lei (cf. At 7, 53), ou no anúncio do nascimento de João Batista e do próprio Cristo (cf.
Lc 1, 11.26), ou ainda no anúncio da Ressurreição de Cristo (cf. Mc 16, 5-7).

Nosso conhecimento sobre os anjos se baseia no que as Escrituras revelaram e os teólogos


posteriormente deduziram pelo estudo, considerando a natureza totalmente espiritual dos
anjos. Sabemos que Deus os criou livres e eles tiveram seu momento de exercício da liberdade,
onde alguns, vislumbrados consigo mesmos, quiseram tomar o lugar de Deus, sendo eles
mesmos o fundamento da própria perfeição. Temos uma alusão a esse episódio no último livro
da Bíblia, o Apocalipse: “Houve então uma batalha no céu: Miguel e seus anjos guerrearam
contra o Dragão. O Dragão lutou, juntamente com os seus anjos, mas foi derrotado; e eles
perderam seu lugar no céu. Assim foi expulso o grande Dragão, a antiga Serpente, que é
chamado Diabo e Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Ele foi expulso para a terra, e os seus
anjos foram expulsos com ele” Ap 12, 7-9. Vemos aqui a revolta de Satanás e outros anjos que
negaram a Deus (que são chamados de anjos caídos ou demônios). Os anjos que se decidiram
por Deus, formam sua corte, são enviados por Deus em missões específicas e cuidam dos
homens (anjos da guarda). No relato do Apocalipse, a corte dos anjos é liderada pelo Arcanjo
Miguel. Nas Escrituras vemos outros dois arcanjos que são nomeados: Rafael e Gabriel.

Por serem espirituais, os únicos pecados que os anjos podem cometer são os de soberba e inveja
(as fraquezas da carne, como preguiça, gula e luxúria, não afetam os anjos). Foi justamente o
pecado de soberba que alguns deles cometeram e, em consequência desse pecado, perderam a
comunhão com Deus. Agora, fixados nesse estado de afastamento de Deus, tem inveja dos
outros anjos e dos homens e, por isso, procuram perder as almas através da mentira, da
sedução, desviando da graça de Deus.

Esta explicação que acabamos de dar, bastante condensada e resumida, não entra no detalhe
da natureza dos anjos e da ação demoníaca no mundo. Livros especializados podem ser
consultados para entender melhor este assunto3. O que precisamos ter em conta é o seguinte:
existem criaturas espirituais criadas por Deus chamadas anjos e, aqueles que se revoltaram
contra Deus, são chamados demônios. Estes últimos não têm acesso a Deus e, por isso, vivem
em estado de revolta e procuram afastar os homens, que ainda estão vivendo seu momento de
prova nesta vida, da comunhão com Deus. Os demônios são criaturas, não tem poder ilimitado.
Mas por serem puros espíritos, são poderosos.

Vivemos num momento da história em que a iniquidade (o mal) tem raízes profundas na
sociedade, em estruturas sociais e econômicas e através de ideologias complexas. O século XX
foi marcado por sistemas totalitários assassinos, genocídios e conflitos que mataram mais
pessoas que em todos os séculos anteriores juntos. É impossível explicar todo este mal sem fazer
referência à ação demoníaca. Existem evidencias documentais que mostram a aliança de
sociedades secretas, líderes eminentes e pensadores com o mundo demoníaco 4.

É um mistério porque Deus permite a ação dos demônios no mundo. Mas, como ensina o
Catecismo citando São Agostinho: “Deus Todo-Poderoso, sendo soberanamente bom, nunca
permitiria que qualquer mal existisse nas suas obras se não fosse suficientemente poderoso e
bom para do próprio mal, fazer surgir o bem” CIC 311.

3
Cf. ‘Os Anjos’ de São Tomás de Aquino, Editora Edipro.
4
Cf. ‘Brotherhood of Darkness’, de Dr. Stanley Monteith, Official Disclosure.
Perguntas para reflexão
1. Como são chamadas as duas fórmulas do Credo? Por que se diz que o Credo não é
propriamente uma oração?
2. O Credo foi dado aos Apóstolos por Jesus Cristo? Como se deu sua formulação?
3. Se existem provas da existência de Deus, por que Deus mesmo assim quis revelar a sua
própria existência?
4. O que é a doutrina da Santíssima Trindade? Pai, Filho e Espírito Santo: são três deuses
ou um único Deus?
5. O mundo foi criado por Deus ou, como Deus, sempre existiu?
6. Faz sentido nos dias atuais ainda dar algum crédito ao relato da criação do mundo no
livro do Gênesis? Se a ciência diz que o universo tem bilhões de anos, como pode Deus
ter criado o mundo em sete dias?
7. O relato de Adão e Eva é uma mitologia? O que aquele episódio nos releva sobre os
primeiros humanos criados por Deus?
8. Quem é a serpente do pecado original e qual foi a promessa feita à Adão e Eva?
9. Por que é relevante estudar o pecado original, qual sua importância para a doutrina
cristã?
10. Os anjos existem ou fazem parte da mitologia cristã? Qual a diferença entre anjo e
demônio?
Curso de Iniciação Cristã
Aula 03 - Creio em Jesus Cristo

2021
Aula 3 – Creio em Jesus Cristo

“Creio em um só Senhor, Jesus Cristo. Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos
os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado,
consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa
salvação desceu dos Céus. E se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos;
padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; e subiu aos Céus,
onde está sentado à direita do Pai. De novo há de vir em sua glória para julgar os vivos e os
mortos; e o seu Reino não terá fim”. Símbolo Niceno-Constantinopolitano

A catequese sobre Cristo deve sempre ocupar um papel de destaque na exposição da fé católica,
pois o objetivo de toda catequese é realizar um encontro pessoal com Jesus Cristo. Assim ensina
o CIC: “No coração da catequese, encontramos essencialmente uma Pessoa: Jesus de Nazaré,
Filho único do Pai, que sofreu e morreu por nós e que agora, ressuscitado, vive conosco para
sempre. Catequizar é revelar, na Pessoa de Cristo, todo o desígnio eterno de Deus. É procurar
compreender o significado dos gestos e das palavras de Cristo e dos sinais por Ele realizados. O
fim da catequese é «pôr em comunhão com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai,
no Espírito, e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade” (cfr. CIC 426).

A historicidade de Jesus Cristo


O primeiro passo para conhecer quem foi Jesus Cristo está em conhecer sua história tal como
ocorreu há cerca de 2000 anos. Essa história está contada principalmente nos Evangelhos.
Outras fontes, inclusive não cristãs, atestam a historicidade de Cristo, mas não fornecem
informações que não estejam nos Evangelhos.

São quatro os evangelhos canônicos, ou seja, considerados legítimos e dignos de fé pela Igreja,
Apesar de serem todos escritos anônimos, a tradição cristã primitiva reconhece seus autores
como sendo Mateus, Marcos, Lucas e João. Os três primeiros são chamados de ‘evangelhos
sinóticos’, pois apresentam grande semelhança entre si . São Mateus foi testemunha ocular dos
feitos de Cristo, pois era um dos Apóstolos. Seu evangelho foi escrito para os judeus, com a
intenção de mostrar que Jesus era o Messias esperado, que cumpria as profecias antigas. Por
muito tempo foi considerado o primeiro evangelho a ser escrito, mas hoje alguns estudiosos
argumentam em favor da hipótese que o evangelho de Marcos é o mais antigo, sendo ele base
para os demais. O Evangelho de Marcos provavelmente reflete a pregação de São Pedro, pois
Marcos foi seu discípulo e o acompanhou em algumas viagens. O evangelho de Lucas tem
similaridades, mas também mais partes exclusivas do que os outros dois evangelhos sinóticos,
devido às pesquisas que o próprio autor fez, como ele mesmo explica no começo do texto:

“Muitos tentaram escrever a história dos fatos ocorridos entre nós, assim como nos transmitiram
aqueles que, desde o início, foram testemunhas oculares e, depois, se tornaram ministros da
palavra. Diante disso, decidi também eu, caríssimo Teófilo, redigir para ti um relato ordenado,
depois de ter investigado tudo cuidadosamente desde as origens, para que conheças a solidez
dos ensinamentos que recebeste”. Lc 1, 1.

O Evangelho de São João foi o último a ser escrito e difere em matéria e forma dos demais.
Provavelmente escrito por volta do ano 100, quando já estavam escritos quase todos demais
textos do Novo Testamento e a própria comunidade de fé já amadurecera o suficiente para
permitir que João, discípulo amado de Cristo (cf. Jo 21, 24), pudesse então redigir seu Evangelho
e revelar ensinamentos sublimes de Cristo. João também atesta a veracidade do seu texto, mas
não no começo como Lucas, mas na conclusão:

“Este é o discípulo que dá testemunho destas coisas e as pôs por escrito. Nós sabemos que seu
testemunho é verdadeiro. Muitas outras coisas, porém, há ainda, que fez Jesus, as quais se se
escrevessem uma por uma, creio que nem no mundo todo poderiam caber os livros que delas se
houvessem de escrever”. Jo 21, 24-25.

No entanto, outras fontes não cristãs fazem referência a Jesus e à sua época, principalmente em
escritos judaicos e romanos. Estas fontes atestam a historicidade de Cristo. Um exemplo de
testemunho não cristão sobre Jesus é o dado pelo historiador judeu Flávio Josefo (37-100 d.C).
Em seu livro ‘Antiguidades Judaicas’ ele escreve:

"Havia neste tempo Jesus, um homem sábio, se é lícito chamá-lo de homem, porque ele foi o
autor de coisas admiráveis, um professor tal que fazia os homens receberem a verdade com
prazer. Ele fez seguidores tanto entre os judeus como entre os gentios. Ele era o Cristo. E quando
Pilatos, seguindo a sugestão dos principais entre nós, condenou-o à cruz, os que o amaram no
princípio não o esqueceram; porque ele apareceu a eles vivo novamente no terceiro dia; como
os divinos profetas tinham previsto estas e milhares de outras coisas maravilhosas a respeito
dele. E a tribo dos cristãos, assim chamados por causa dele, não está extinta até hoje. "

Os livros dos discípulos dos Apóstolos, por exemplo, as cartas de Santo Inácio de Antioquia ou
de São Policarpo, ambos discípulos diretos de São João, são outras referências históricas
importantes sobre o começo do cristianismo.

Iremos apresentar um resumo da vida de Cristo, mas sem a pretensão de esgotar ou tocar em
todos os pontos. É absolutamente imprescindível que dediquemos um tempo para ler e
meditar os quatro Evangelhos. Somente essa leitura vai nos colocar em contato direto com
Jesus e poderemos ser tocados por sua graça.

A vida de Cristo
Jesus nasceu em Belém, na Judéia. Seus pais eram Maria e José, judeus da Tribo de Judá,
descendentes de Davi. Moravam em Nazaré, mas no nono mês de gravidez de Maria tiveram de
ir para Belém para um recenseamento convocado pelas autoridades da época: lá nasce o
Menino Jesus.

Maria concebeu o Cristo não por intervenção de um pai biológico, mas por obra do próprio
Espírito Santo de Deus. Assim nos conta o Evangelho de São Lucas:

“No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré,
a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi e o nome da
virgem era Maria. Entrando, o anjo disse-lhe: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo. Perturbou-
se ela com estas palavras e pôs-se a pensar no que significaria semelhante saudação. O anjo
disse-lhe: Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás
à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o
Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu
reino não terá fim. Maria perguntou ao anjo: Como se fará isso, pois não conheço homem?
Respondeu-lhe o anjo: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com
a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus. Também Isabel,
tua parenta, até ela concebeu um filho na sua velhice; e já está no sexto mês aquela que é tida
por estéril, porque a Deus nenhuma coisa é impossível. Então disse Maria: Eis aqui a serva do
Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo afastou-se dela”. Lc 1, 26-38.

José é convidado a assumir Jesus como se fosse seu filho e o faz com muito amor, tornando-se
esposo de Maria e pai adotivo de Jesus. Como a notícia de que teria nascido aquele que seria o
rei dos judeus, e como não sabia do seu paradeiro, Herodes, então Rei dos judeus, ordenou uma
matança de todos os meninos de Belém e no seu território, com até dois anos de idade (Mt
2:16), mas ele escapou da matança porque seus pais fugiram para o Egito onde permaneceram
até a morte de Herodes, quando então José decidiu regressar com sua família e estabeleceu-se
em Nazaré, e onde o Salvador passou a maior parte de sua vida trabalhando com o pai nas
tarefas de carpintaria. Sua primeira aparição pública, aos 12 anos, segundo Lucas, deu-se
quando a família visitava Jerusalém e seus pais o encontraram entre os doutores do Templo,
ouvindo-os e interrogando-os.

Jesus cresceu cercado do amor e do exemplo de José e Maria. Os três formam o que a Igreja
chama de Sagrada Família, modelo para todas as famílias e celebrada com um Solenidade
própria na liturgia da Igreja.

Não sabemos exatamente quando aconteceu a morte de José, mas em algum momento após
essa morte, Jesus compreendeu que estava na hora de começar a cumprir sua Divina Missão.
Aos trinta anos encontrou-se, na Judéia, com seu primo João Batista, filho de Zacarias, famoso
na região do Jordão por pregar o batismo como sacramento de penitência para o perdão dos
pecados, sendo o próprio Jesus também por João batizado.

Iniciou a pregação da Boa Nova (Evangelho), ou seja, a realização das profecias sobre o Messias
e a instauração do reinado de Deus sobre o mundo a partir de Israel. Seguiu-se então
acontecimentos impressionantes como o jejum no deserto, durante quarenta dias e quarenta
noites, o episódio das bodas de Caná, primeira manifestação do seu poder divino, a expulsão
dos mercadores do templo, a prisão de João Batista e o episódio da mulher samaritana.

Iniciando sua pregação itinerante e a realização dos inúmeros milagres, foi da Samaria à Galiléia
e, rejeitado em Nazaré, chegou a Cafarnaum, às margens do lago Tiberíades ou mar da Galiléia,
onde aconteceu o episódio da pesca milagrosa, e catequizou seus primeiros apóstolos: Simão
Pedro, seu irmão André e os filhos de Zebedeu, Tiago e João, também Filipe e Natanael, ex-
discípulos de João Batista. Por volta dos 31 anos completou seus 12 apóstolos, todos eles
galileus, realizou o famoso sermão da montanha e pregou suas mais notáveis parábolas, com as
quais transmitia sua doutrina ao povo, aos sacerdotes e a seus seguidores.

Acontece então a morte de João Batista por ordem de Herodes Antipas e dois grandes milagres:
a multiplicação dos pães e dos peixes e a ressurreição de Lázaro. Também neste período ensinou
no templo de Jerusalém, estabeleceu o Primado de Simão, a quem chamou Pedro, e em
presença dele, de Tiago e de João, realizou o prodígio da transfiguração e entrou triunfante em
Jerusalém.

A Paixão de Cristo
Aos 33 anos, foi considerado blasfemo e acusado de conspirar contra o César, quando Tibério
era o imperador de Roma. Aprisionado no horto de Getsêmani, foi levado até ao pontífice Anás
e, ante Caifás, o príncipe dos sacerdotes, com quem se haviam reunido os escribas e os anciões,
passou a ser submetido a um processo religioso. Mais tarde, foi conduzido à residência do
procurador romano da Judéia, Pôncio Pilatos, que sem entender a revolta da população, o
enviou a Herodes Antipas. Por um gesto político de Herodes, foi devolvido a Pilatos, que não
achando delito nenhum naquele homem, mas ante à pressão dos chefes de Israel e de uma
multidão incitada por eles, ainda propôs uma permuta de prisioneiros. Porém a maior parte da
multidão optou pela soltura do prisioneiro político Barrabás. Então Pilatos pronunciou a
sentença da sua condenação à morte na cruz, depois de declarar-se inocente de seu sangue. De
acordo com as leis romanas, foi flagelado e teve que carregar uma cruz até a colina do Calvário,
no monte Gólgota. Ali foi crucificado junto com dois malfeitores comuns.

A paixão de Jesus, desde a última ceia até a crucifixão e morte, é minuciosamente relatada pelos
quatro evangelistas, porém não se pode afirmar com certeza absoluta o lugar exato em que se
cumpriu a sentença, pois a destruição de Jerusalém no ano 70 arrasou todo possível vestígio,
restando apenas os relatos populares e a tradição. Recomendamos que vejam o filme ‘A Paixão
de Cristo’, lançado em 2004, para que se tenha a medida de tudo o que Jesus Cristo sofreu e
padeceu.

Verdadeiro Deus e verdadeiro Homem


Todo esse relato o tiramos dos Evangelhos. Mas esses textos também dão um outro testemunho
de Jesus Cristo. Muitas frases, acontecimentos e citações do próprio Cristo fazem referência à
sua Pessoa como sendo a própria Pessoa do Pai, ou seja, como sendo uma encarnação de Deus.

No começo do Evangelho de São João lemos esse trecho que já citamos na aula passada: “No
princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1,1). Logo em seguida
lemos: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória” (Jo 1, 14). São João
claramente faz referência à divindade de Cristo, do qual ele foi testemunha, pois diz: “vimos sua
glória”. Na sua primeira Carta, São João também escreve: “Nós sabemos que veio o Filho de
Deus e nos deu a inteligência para conhecermos o verdadeiro Deus. E nós estamos no verdadeiro
Deus, no seu Filho Jesus Cristo. Este é o Deus verdadeiro e a vida eterna (1 Jo 5,20). Também é
clara a referência de João à divindade de Cristo.

Cristo falou de sua divindade em vários momentos: “Eu o Pai somos Um” (Jo 10, 30); “Antes do
que Abraão fosse, Eu sou4” (Jo 8,58); “Quem vê a Mim, vê o Pai” (Jo 14,9); “Crede-me: Eu estou
no Pai e o Pai está em Mim” (Jo 14, 11) e comprovou o poder de suas palavras fazendo muitos
milagres, dos quais os Apóstolos e o povo da época são as testemunhas (cfr. Jo 20, 30).

Estes textos, no entanto, muitas vezes parecem entrar em contradição com outros em que o
próprio Cristo diz ser menor que o Pai, como por exemplo: “O Pai é maior do que eu” (Jo 14,28),
ou ainda quando São Paulo fala de Cristo: “esvaziou-se de si mesmo, e assumiu a forma de servo”
(Fl 2, 7). Santo Agostinho nos ensina que para resolver essa aparente contradição, precisamos
entender que as Escrituras ora se referem a Cristo na sua natureza humana, ora na sua natureza
divina. Suas palavras são: “Por isso a Escritura afirma, não sem razão, ambas as coisas, ou seja,
que o Filho é igual ao Pai e o Pai é maior que o Filho. Não há, pois, lugar à confusão: é igual ao
Pai pela forma de Deus, é inferior ao Pai pela forma de servo” De Trinitate, Livro I, 7.

O próprio São Paulo afirma a mesma coisa em uma de suas Cartas: “Ele tinha a condição divina,
e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se de
si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana, tido pelo aspecto
humano”. (Fl 2, 6-7). Não é simples compreender todas essas coisas, não é à toa que o Catecismo
mesmo nos diz: “toda a vida de Cristo é um mistério”.

O que precisamos reter com clareza são as palavras do Credo: “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus
verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas
foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. E se fez homem”. O
mistério da Encarnação do Filho do Homem é um dos maiores de nossa fé. Deus se faz um de
nós ‘para nossa salvação’. A humanidade que havia se afastado de Deus pelo pecado original e
pelos seus próprios pecados pessoais, tem em Cristo o Salvador, que oferece um sacrifício
perfeito para expiação de todos os pecados.

Veremos nas aulas sobre a Santa Missa mais detalhes sobre o Sacrifício Salvador de Jesus Cristo
e ficará mais claro o que significa a Redenção. O Catecismo nos ensina que:

“A cruz é o único sacrifício de Cristo, mediador único entre Deus e os homens. Mas porque, na
sua pessoa divina encarnada. «Ele Se uniu, de certo modo, a cada homem», «a todos dá a
possibilidade de se associarem a este mistério pascal, por um modo só de Deus conhecido».
Convida os discípulos a tomarem a sua cruz e a segui-Lo porque sofreu por nós, deixando-nos o
exemplo, para que sigamos os seus passos . De fato, quer associar ao seu sacrifício redentor
aqueles mesmos que são os primeiros beneficiários. Isto realiza-se, em sumo grau, em sua Mãe,
associada, mais intimamente do que ninguém, ao mistério do seu sofrimento redentor: Há uma
só escada verdadeira fora do paraíso; fora da cruz, não há outra escada por onde se suba ao
céu”. CIC 618.

Desceu à Mansão dos mortos


Quando o Credo fala que Jesus ‘desceu à Mansão dos mortos’ isso significa que Jesus morreu
realmente, experimentou a separação do corpo e da alma. No entanto, seu Corpo não conheceu
a corrupção, pois apesar de ter morrido, não “era possível que Ele ficasse sob o domínio” da
morte (At 2, 24). “Durante a permanência de Cristo no túmulo, a sua pessoa divina continuou a
assumir tanto a alma como o corpo, apesar de separados entre si pela morte. Por isso, o corpo
de Cristo morto «não sofreu a corrupção» (At 13,37). CIC 630. Sua ida à Mansão dos mortos
significa que Jesus foi à morada dos mortos e abriu a todos os justos que havia morrido antes de
Sua vinda as portas do Céu.

Ressuscitou ao Terceiro dia


“O Mistério da Ressurreição de Cristo é um acontecimento real, com manifestações
historicamente verificadas, como atesta o Novo Testamento. Já São Paulo, por volta do ano 56,
pôde escrever aos Coríntios: «Transmiti-vos, em primeiro lugar, o mesmo que havia recebido:
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e foi sepultado e ressuscitou ao
terceiro dia, segundo as Escrituras: a seguir, apareceu a Pedro, depois aos Doze» (1 Cor 15, 3-4).
O Apóstolo fala aqui da tradição viva da ressurreição, de que tinha tomado conhecimento após
a sua conversão, às portas de Damasco”. CIC 639.

Os Evangelhos dão testemunho do túmulo vazio de Cristo e das diversas aparições do


ressuscitado. O CIC 643-644 coloca o seguinte: “Perante estes testemunhos, é impossível
interpretar a ressurreição de Cristo fora da ordem física e não a reconhecer como um fato
histórico. Resulta, dos fatos, que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da paixão e
morte de cruz do seu Mestre, por este de antemão anunciada. O abalo provocado pela paixão
foi tão forte que os discípulos (pelo menos alguns) não acreditaram imediatamente na notícia
da ressurreição. Longe de nos apresentar uma comunidade tomada de exaltação mística, os
evangelhos apresentam-nos os discípulos abatidos (de «rosto sombrio»: Lc 24, 17) e apavorados.
Foi por isso que não acreditaram nas santas mulheres, regressadas da sua visita ao túmulo, e
«as suas narrativas pareceram-lhe um desvario» (Lc 24, 11). Quando Jesus apareceu aos onze,
na tarde do dia de Páscoa, «censurou-lhes a falta de fé e a teimosia em não quererem acreditar
naqueles que O tinham visto ressuscitado» (Mc 16, 14). Mesmo confrontados com a realidade
de Jesus Ressuscitado, os discípulos ainda duvidam de tal modo isso lhes parecia impossível:
julgavam ver um fantasma. «Por causa da alegria, estavam ainda sem querer acreditar e cheios
de assombro» (Lc 24, 41). Tomé experimentará a mesma provação da dúvida, e quando da
última aparição na Galileia, referida por Mateus, «alguns ainda duvidavam» (Mt 28, 17). É por
isso que a hipótese, segundo a qual a ressurreição teria sido um «produto» da fé (ou da
credulidade) dos Apóstolos, é inconsistente. Pelo contrário, a sua fé na ressurreição nasceu —
sob a ação da graça divina da experiência direta da realidade de Jesus Ressuscitado”.

A prova definitiva da sua autoridade divina, bem como da verdade de tudo o que fez e ensinou,
nos deu Jesus com sua Ressurreição. Por isso diz São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, então a
nossa pregação é vã e também é vã a vossa fé» (1 Cor 15, 14). Se por um lado a paixão de Cristo
nos liberta do pecado, a sua Ressurreição abre-nos para uma nova vida (cfr. CIC 654): “para que,
assim como Cristo ressuscitou dos mortos, também nós vivamos uma vida nova” (Rm 6,4).

Sentado à direita do Pai...


O Credo nos ensina que Jesus “subiu aos Céus e está sentado à direita de Deus Pai Todo-
Poderoso”. Essa subida aos Céus e o estar à direita do Pai anuncia a Glória de Cristo e a
inauguração de um Reino messiânico, profetizado por Daniel: “FoiLhe entregue o domínio, a
majestade e a realeza, e todos os povos, nações e línguas O serviram. O seu domínio é um
domínio eterno, que não passará jamais, e a sua realeza não será destruída” (Dn 7, 14).

... de onde há-de vir a Julgar os vivos e os mortos, e o seu Reino não terá fim”.
Por fim proclama o Credo a vinda gloriosa de Cristo no fim dos tempos. Apesar da Páscoa de
Cristo já ter vencido os poderes do mal, ainda vivemos num período de desolação. Estamos no
‘tempo do Espírito e do testemunho’ na esperança da instauração da ordem definitiva de justiça,
amor e paz (cfr. CIC 672). Até lá, no entanto, segundo nos anunciou o próprio Cristo, a Igreja
passará por muitas provações, que podem inclusive abalar a nossa fé (cfr. Mt 24,12). No entanto,
devemos nos apoiar nas promessas do próprio Cristo de que não nos abandonará nunca (cfr. Mt
28,20) e Nosso Senhor será um justo juiz, conforme ensina o Catecismo: “Quando vier; no fim
dos tempos, para julgar os vivos e os mortos, Cristo glorioso há-de revelar a disposição secreta
dos corações, e dará a cada um segundo as suas obras e segundo tiver aceite ou recusado a
graça”. CIC 682.

Conclusão
O Catecismo da Igreja diz que ‘toda a vida de Cristo é um mistério’:

“Desde os panos do nascimento até ao vinagre da paixão e ao sudário da ressurreição, tudo, na


vida de Jesus, é sinal do seu mistério. Através dos seus gestos, milagres e palavras, foi revelado
que ‘n'Ele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade’ (Cl 2, 9). A sua humanidade
aparece, assim, como ‘sacramento’, isto é, sinal e instrumento da sua divindade e da salvação
que Ele veio trazer. O que havia de visível na sua vida terrena conduz ao mistério invisível da sua
filiação divina e da sua missão redentora” CIC 515.

Mesmo assim, o Catecismo aponta três traços comuns dos mistérios de Cristo:

“Toda a vida de Cristo é revelação do Pai: as suas palavras e atos, os seus silêncios e sofrimentos,
a maneira de ser e de falar (...) Tendo-Se nosso Senhor feito homem para cumprir a vontade do
Pai (191), os mais pequenos pormenores dos seus mistérios manifestam ‘o amor de Deus para
conosco’” CIC 516

“Toda a vida de Cristo é mistério de redenção. A redenção vem-nos, antes de mais, pelo sangue
da cruz. Mas este mistério está atuante em toda a vida de Cristo: já na sua Encarnação, pela
qual, fazendo-Se pobre, nos enriquece com a sua pobreza; na vida oculta que, pela sua
obediência, repara a nossa insubmissão; na palavra que purifica os seus ouvintes: nas curas e
expulsões dos demónios, pelas quais ‘toma sobre Si as nossas enfermidades e carrega com as
nossas doenças’ (Mt 8, 17); na ressurreição, pela qual nos justifica”. CIC 517

“Toda a vida de Cristo é mistério de recapitulação. Tudo o que Jesus fez, disse e sofreu tinha por
fim restabelecer o homem decaído na sua vocação originária: ‘Quando Ele encarnou e Se fez
homem, recapitulou em Si a longa história dos homens e proporcionou-nos, em síntese, a
salvação, de tal forma que aquilo que havíamos perdido em Adão – isto é, sermos imagem e
semelhança de Deus – o recuperássemos em Cristo Jesus’. ‘Aliás, foi por isso que Cristo passou
por todas as idades da vida, restituindo assim a todos os homens a comunhão com Deus’ CIC
518.

Leitura Complementar – Justificação Teológica em Cristo


Trecho do livro ‘Quero ver a Deus’, Editora Vozes, do Beato Maria-Eugênio do Menino
Jesus, OCD (págs. 75-76 da edição original)
No paraíso terrestre, nossos primeiros pais, adornados com o dom sobrenatural da graça,
conversavam familiarmente com Deus e chegavam até ele sem intermediários. O seu
pecado separou-os de Deus e cavou um abismo intransponível entre a divindade e a
humanidade.
Deus elabora, então, um novo plano para substituir aquele que o pecado tornou irrealizável.
Neste novo plano, o Verbo encarnado é constituído mediador universal e único. Deus, que
criara tudo por meio do seu Verbo, determina que tudo será restaurado pelo Verbo
encarnado. Mediador pela união, realizada nele, da natureza divina e da natureza humana,
Cristo Jesus é feito mediador pelo mandato divino que lhe é confiado; segundo a palavra da
Escritura, foi criado “sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec”. Durante a
sua vida pública Nosso Senhor revela e explica progressivamente sua mediação: “Eu sou o
Caminho, a Verdade e a Vida” – diz ele. Esta linguagem é mais clara para nós do que para os
judeus que a ouviam com surpresa. Filho de Deus, a um só tempo gerado eternamente como
Verbo do Pai e enunciado no tempo como Verbo encarnado, Jesus traz em si a luz incriada
que é Deus e toda a luz que Deus quis manifestar ao mundo, a vida que está no seio da
Trindade e a vida que Deus quer derramar nas almas.

Nele estão todos os tesouros da sabedoria e da graça, e é de sua plenitude que nós os
recebemos. Pelos merecimentos da sua Paixão, ele adquiriu o direito de os distribuir e
tornou-nos dignos de os receber. É só por ele que a luz e a graça divina podem descer à
terra; só por ele podemos chegar ao trono do Pai de luz e de misericórdia. Mediador
universal e único, realizando nossa redenção, nossa santificação, ele pode dizer: “Eu sou o
caminho… Sou a porta do redil celeste; aquele que não entra pela porta é ladrão”.

E para que a efusão desta vida divina seja mais abundante, quis que o contato com a sua
humanidade, que é sua causa instrumental física, fosse também o mais íntimo possível.
Ficou sob as aparências do pão e do vinho e nos dá assim como alimento sua humanidade
viva e imolada. Através dela são todas as ondas da vida divina que penetram em nossa alma
e nela se difundem, segundo a medida de nossa capacidade de recepção: Eu sou o pão da
vida… Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna. Se não comerdes
a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. As
palavras são claras: não podemos ter a vida senão por meio da comunhão com Cristo Jesus.
Os demais sacramentos não têm eficácia senão em virtude de sua relação com a eucaristia.
Assim, por exemplo, no caso do batismo que não tem eficácia a não ser pelo voto feito pelo
batizado de receber a eucaristia.
A comunhão tem um efeito de transformação. Mas não é o alimento celeste que é
transformado naquele que o come; é Cristo Jesus que se entrega, que vem como
conquistador para transformar em sua luz e em sua caridade. Chegamos ao mistério da
união de Cristo com as almas e toda a sua Igreja. Depois da Ceia, Jesus o deixa entrever aos
seus apóstolos, que tinham comungado pela primeira vez e que tinham sido ordenados
sacerdotes. Eu sou a videira e vós os ramos. O ramo separado da cepa, não é mais que um
sarmento que será lançado ao fogo. Sem mim nada podeis fazer. Toda a nossa vida
sobrenatural está ligada à nossa união a Jesus Cristo. Separados dele já não somos nada e
não temos nenhum valor nem existência na ordem sobrenatural.
Curso de Iniciação Cristã
Aula 04 - Creio no Espírito Santo

2021
Deus Espírito Santo
O Catecismo da Igreja Católica, no ponto 683, nos diz: “Ninguém pode dizer "Jesus é o Senhor"
a não ser pela ação do Espírito Santo» (1Cor 12, 3). «Deus enviou aos nossos corações o Espírito
do seu Filho, que clama: "Abbá! Pai!'» (Gl 4, 6). Este conhecimento da fé só é possível no Espírito
Santo. Para estar em contacto com Cristo, é preciso primeiro ter sido tocado pelo Espírito Santo.
É Ele que nos precede e suscita em nós a fé”.

Se estamos aqui, estudando a doutrina cristã, com desejos de conversão de vida, podemos ter
certeza que o Espírito Santo de Deus nos move. O Catecismo recolhe (n.684) uma citação de São
Gregório de Nazianzo que mostra a gradação da revelação divida sobre si mesmo:

“O Antigo Testamento proclamava manifestamente o Pai e mais obscuramente o Filho. O Novo


manifestou o Filho e fez entrever a divindade do Espírito. Agora, porém, o próprio Espírito vive
conosco e manifesta-se a nós mais abertamente. Com efeito, quando ainda não se confessava a
divindade do Pai, não era prudente proclamar abertamente o Filho: e quando a divindade do
Filho ainda não era admitida, não era prudente acrescentar o Espírito Santo como um fardo
suplementar, para empregar uma expressão um tanto ousada [...] É por avanços e progressões
"de glória em glória " que a luz da Trindade brilhará em mais esplendorosas claridades».

Temos o privilégio e a responsabilidade de ter acesso a toda revelação sobre a Trindade e a


possibilidade de conhecer muito a fundo os mistérios de Deus. O Espírito Santo é a Terceira
Pessoa da Trindade, que com o Pai e o Filho são um Único e Verdadeiro Deus. É um mistério que
nos faz vislumbrar a natureza íntima de Deus que no Céu teremos um conhecimento mais
profundo, mas que jamais poderemos esgotar completamente.

A Santíssima Trindade e o Espírito Santo


Já falamos da Trindade quando falamos sobre Deus Pai e sobre Jesus, no entanto, para
compreender bem o Espírito Santo, precisamos nos aprofundar. A diferenciação entre as
Pessoas divinas revela, como falamos, algo da natureza íntima de Deus. E para tentar
compreender isso, a melhor analogia que podemos fazer é com aquilo que em nós é participação
da natureza divina, ou seja, nossa inteligência e nossa vontade.

O que nos faz criaturas especiais diante de Deus, como vimos ao falar da Criação, é que Deus
nos deu ‘um pouco de Si mesmo’. Vimos no Gênesis que ao criar o homem e a mulher, Deus
disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança (...), Deus criou o homem à sua
imagem; criou-o à imagem de Deus, criou homem e mulher’ Gen 1, 26-27.

Essa imagem de Deus é nossa alma imortal que se manifesta nas operações da inteligência, ao
entender as coisas e conhecer a verdade, e da vontade, ao amar. É no conhecimento da verdade
e na vivência do amor que nos fazemos semelhantes a Deus, logo, essas devem ser as chaves
para compreender como Deus em si mesmo.

Quando conhecemos algo, formamos dentro de nós como que uma imagem da coisa conhecida.
Quanto mais essa imagem que formamos em nós for igual à coisa em si mesmo, mais verdadeiro
será nosso conhecimento. Com Deus acontece algo semelhante. Mas antes de conhecer ‘uma
coisa’, Deus conhece a Si mesmo. Quando Deus conhece a Si mesmo, Ele forma em Si uma ideia,
mas sendo Deus, não é uma ideia parcial ou incompleta, é uma ideia perfeita de Si mesmo. Tão
perfeita que se identifica com o próprio Deus. Esta Ideia perfeita que Deus tem de Si mesmo
chamamos de Logos. A palavra ‘Logos’ vem do grego e na filosofia antiga representava o
conjunto harmônico de todas as leis do universo, uma espécie de inteligência cósmica.
Justamente por carregar esse significado que se utilizou este termo para expressão esse
‘conhecimento perfeito que Deus tem de Si mesmo’. E onde vemos esse termo utilizado pela
primeira vez com esse sentido? Está logo no começo do Evangelho de São João, onde lemos:

‘No princípio era o Logos, e o Logos estava em Deus, e o Logos era Deus’ Jo, 1, 1.

Em português logos é traduzido por ‘verbo’ ou ‘palavra’, mas são expressões que não
conseguem trazer todo significado que o termo grego original possui. São João escolheu termo
‘logos’ porque, muito provavelmente conhecedor da filosofia antiga, sabia que era o melhor
termo para expressar esse conceito.

‘O Logos estava em Deus, e o Logos era Deus’. Esse trecho soa contraditório: como pode ser que
algo possa ‘estar em Deus’ e ‘ser Deus’ ao mesmo tempo? Aqui temos o vislumbre de uma parte
do mistério da Trindade: Deus que conhece, Deus que é conhecido perfeitamente. O ‘Deus que
conhece’ gera o Logos, que é Deus enquanto conhecido perfeitamente por Si mesmo.

Sim, são conceitos abstratos, mas que vale a pena tentar compreender, para entender o mistério
da Trindade.

Falamos que o Logos é gerado e é igual ao Deus que o gera. Ora, a expressão que usamos para
designar algo que é gerado semelhante a quem o gerou é filho. Portanto, o Logos divino é ao
mesmo tempo o Filho. E quem gera o Filho podemos chamar de Pai.

Chegamos então à primeira conclusão importante: Deus enquanto gera o Logos é o que
chamamos de Deus Pai. O Logos divino gerado por Deus, é o Deus Filho.

Voltemos à analogia com as faculdades da alma humana. Falamos que temos inteligência, que
conhece a verdade e a vontade, que nos faz amar. Quando amamos alguém esse amor deixa
como que uma marca em nós, como que um sentimento persistente que nos faz querer o bem
e nos atrai à pessoa amada. Quem é pai ou mãe sabe que a reação espontânea natural diante
do filho recém-nascido é um amor incondicional. Um casal que se ama sente também essa
moção à pessoa amada, esse desejo de união, de viver a vida juntos.

Ora, nossa capacidade de amar é pálido reflexo do amor de Deus, pleno e completo. Mas Deus,
antes de amar a cada um daqueles que Ele criou à Sua Imagem e Semelhança, Deus amou Aquele
que Ele gera eternamente e que não é apenas uma semelhança de Si, mas é propriamente ‘Seu
Filho amado’ (cf. Mt 3, 17). Estamos falando do Logos divino, o Filho, a Segunda Pessoa da
Trindade. O Amor primeiro e principal de Deus é o amor entre o Pai e o Filho, no interior da
Trindade.

Como tudo em Deus é substancial, ou seja, nada é circunstancial ou passageiro, o Amor de Deus
entre as Pessoas do Pai e do Filho faz parte da própria natureza divina. Se o amor que sentimos
pela pessoa amada deixa uma marca em nós, em Deus esse Amor se constitui numa Pessoa
divina, que chamamos de Espírito Santo.

O termo ‘Espírito’, como ensina o Catecismo (cf. 691) significa ‘vento, brisa, sopro’. Esse
movimento próprio do vento é uma maneira de representar a moção própria do amor, que
inclina o amante ao amado. Por isso chamamos de Espírito esse Amor. E é Santo porque é divino,
pois tudo que vem de Deus é Santo.

Chegamos então à conclusão que buscávamos: entender que o Espírito Santo é o Amor dentro
da Trindade. Este Amor procede do Pai e do Filho e subsiste por Si mesmo, sendo uma Pessoa
divina indissolúvel das demais pessoas.
Para quem quiser ir além nessa reflexão que fizemos sobre a Trindade, a fonte principal onde
este tema é tratado com todo rigor filosófico e teológico é na Suma Teológica de Santo Tomás
de Aquino, na 1ª parte, questões 27 a 43.

O conhecimento e o símbolos associados ao Espírito Santo


No Catecismo (n.688) lemos que o lugar do conhecimento do Espírito Santo são os seguintes:

• Nas Escrituras, que Ele inspirou:


• na Tradição, de que os Padres da Igreja são testemunhas sempre atuais;
• no Magistério da Igreja, que Ele assiste;
• na liturgia sacramental, através das suas palavras e dos seus símbolos, em que o Espírito
Santo nos põe em comunhão com Cristo;
• na oração, em que Ele intercede por nós;
• nos carismas e ministérios, pelos quais a Igreja é edificada;
• nos sinais de vida apostólica e missionária;
• no testemunho dos santos, nos quais Ele manifesta a sua santidade e continua a obra
da salvação.

Vários símbolos são associados ao Espírito Santo, que nos ajudam a perceber sua presença e sua
ação (cf. Catecismo 694-701):

• A água: associada à ação do Espírito no batismo, um novo nascimento;


• A unção: a unção com óleo chega a ser sinônimo da ação do Espírito. É o sinal
sacramental da Confirmação. A palavra messias, associada ao papel salvador de Cristo,
significa ‘o ungido’. No Antigo Testamento vimos que a unção marcava a escolha divina,
principalmente no caso do Rei Davi. Jesus é ‘Ungido pelo Espírito’ para realizar a obra
da salvação e nós, convidados a nos associar a essa obra, somos também chamados a
essa unção.
• O fogo: significa a ação transformadora do Espírito Santo. João Batista havia anunciado
que o Cristo seria Aquele “que batizará no Espírito e no fogo” (Lc 3,16). A manifestação
mais solene da vinda do Espírito Santo foi como ‘línguas de fogo’ no dia do Pentecostes,
após a ressurreição de Cristo (cf. At 2).
• A pombo: um dos símbolos mais utilizados para designar o Espírito, presente na
manifestação da Trindade por ocasião do batismo de Jesus: Em Mt 3, 16, lemos:
“Depois de ser batizado, Jesus saiu logo da água, e o céu se abriu. E ele viu o
Espírito de Deus descer, como uma pomba, e vir sobre ele”.
• No catecismo tem outros símbolos associados ao Espírito Santo:
o ‘a nuvem e a luz’: presente no Antigo Testamento, revelando veladamente a
glória de Deus.
o ‘o selo’: símbolo próximo da unção;
o ‘a mão e o dedo’ : gestos que atraem a força do Espírito;
As principais manifestações do Espírito nas Escrituras
No Catecismo (n. 702), lemos o seguinte:

“Desde o princípio até à «plenitude do tempo», a missão conjunta do Verbo e do Espírito do Pai
permanece oculta, mas está atuante. O Espírito de Deus prepara o tempo do Messias: e um e
outro, ainda não plenamente revelados, já são prometidos com o fim de serem esperados e
acolhidos quando da sua manifestação. É por isso que, quando a Igreja lê o Antigo Testamento
perscruta nele o que o Espírito, «que falou pelos profetas», nos quer dizer acerca de Cristo”.

Desde a criação, onde o ‘Espírito pairava sobre as águas’, até as promessas feitas aos Patriarcas
e aos escolhidos de Deus para serem os mediadores das alianças, o Espírito Santo se manifesta
e gera a expectativa do Messias Salvador.

É pela ação do Espirito Santo que a Virgem Maria fica grávida de Jesus (veremos em detalhe a
cena da Anunciação do Anjo na aula sobre Maria). O evento que marca o início da vida pública
de Jesus é seu batismo, onde temos uma manifestação solene do Pai e do Espírito, conforme já
mencionamos acima.

Pentecostes
Nos Atos dos Apóstolos temos a manifestação mais solene do Espírito Santo. Conhecemos esse
momento como Pentecostes e marca o início da vida apostólica da Igreja. Jesus tinha subido aos
Céus e deixado muitas indicações aos apóstolos do que deveriam fazer. Dentre elas a ordem de
fazer muitos discípulos: “Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações, e batizai-os em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-lhes a observar tudo o que vos tenho ordenado. Eis
que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos”. Mt 28,20. Jesus tinha partido, mas
disse que permaneceria com os apóstolos até a consumação dos tempos

No Evangelho de João, sabemos que Cristo já tinha feito essa promessa: “Entretanto, digo-vos a
verdade: convém que eu vá! Porque, se eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas se eu for, vo-
lo enviarei”. Jo 16,7.

De fato, os apóstolos se encontravam reunidos após a Ascensão aos Céus de Cristo e foram
repletos do Espírito Santo, de modo solene. Assim nos conta os Atos dos Apóstolos: “Chegando
o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído,
como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-
lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles.
Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito
Santo lhes concedia que falassem”. At 2, 1-4.

Nesse dia, após pregarem para pessoas de várias nações e surpreenderem a todos por falarem
na língua de cada um deles e por serem audazes na pregação, após um discurso de São Pedro
que o livro dos Atos recolhe (cf. At 2, 14-40), lemos o seguinte: “Os que receberam a sua palavra
foram batizados. E naquele dia elevou-se a mais ou menos três mil o número dos adeptos”. At 2,
41.

Foi pela unção do Espírito Santo que a Igreja nasce com seu impulso apostólico. Os apóstolos
que eram covardes (todos tinham fugido quando Cristo foi preso, com exceção de São João),
agora se tornam incansáveis pregadores da palavra e mártires de Nosso Senhor. A Igreja,
impulsionada pelo Espírito que seu fundador tinha prometido, aventura-se pelo mundo. Todo o
livro dos Atos dos Apóstolos fala do Espírito Santo: são mais de 40 citações do Espírito Santo, o
que levou a alguns teólogos se referirem a esse livro como os Atos do Espírito Santo.
Esse impulso continua ainda hoje e o Espírito quer se servir de cada um nós para continuar a
propagar a Boa Nova de Cristo ao mundo. Por isso no Sacramento do Crisma iremos ouvir:
“Recebe por este sinal o Espírito Santo, dom de Deus”. Sem o Espírito, a Igreja seria um
empreendimento humano e como todo empreendimento humano, provavelmente já teria
perecido. Jesus prometeu: “Eu pedirei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, que ficará para
sempre convosco: o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não o vê,
nem o conhece. Vós o conheceis, porque ele permanece junto de vós e está em vós” Jo 14, 16-17.

A devoção ao Espírito Santo


São Josemaría Escrivá, no seu livro “É Cristo que Passa”, dedica um dos capítulos ao Espírito
Santo e se chama: ‘O Grande Desconhecido’. Ele aqui se refere a uma concepção inclusive mais
antiga do que ele de que o Espírito Santo era desconhecido pelos cristãos, principalmente em
sua devoção diária. O próprio São Paulo diz em 1Co 3, 16: “Não sabeis que sois templo de Deus
e que o Espírito Santo habita em vós?”

Num dos trechos dessa homilia, lemos o seguinte:

“A ação do Espírito Santo pode passar-nos despercebida, porque Deus não nos dá a conhecer
seus planos e porque o pecado do homem turva e obscurece os dons divinos. Mas a fé recorda-
nos que o Senhor atua constantemente: foi Ele que nos criou e nos conserva o ser; é Ele quem,
com a sua graça, conduz a criação inteira para a liberdade da glória dos filhos de Deus.

Por isso, a tradição cristã resumiu num só conceito a atitude que devemos adotar perante o
Espírito Santo: docilidade. Temos que ser sensíveis àquilo que o Espírito divino promove à nossa
volta e em nós mesmos: aos carismas que distribui, aos movimentos e instituições que suscita,
aos efeitos e decisões que nos faz nascer no coração. O Espírito Santo realiza no mundo as obras
de Deus: como diz o hino litúrgico, Ele é dador de graças, luz dos corações, hóspede da alma,
descanso no trabalho, consolo no pranto. Sem a sua ajuda, nada há no homem que seja inocente
e valioso, pois é Ele quem lava o que está manchado, cura o que está enfermo, aquece o que está
frio, reconduz o extraviado e encaminha os homens até o porto da salvação e da felicidade
eterna”.

Existem muitas maneiras de descobrir a Pessoa do Espírito Santo e se relacionar com ela na
oração. A devoção cristã criou diversas orações, novenas e invocações ao Espírito Santo que
podem nos ajudar.

Uma das orações mais rezadas ao Espírito Santo é a seguinte:

“Vinde Espírito Santo, enchei os corações dos vosso fiéis; ! E acendei neles o fogo do Vosso amor.
! Enviai o Vosso Espírito e tudo será criado, e renovareis a face da terra”.

Oremos: ! Deus, que instruístes os corações dos vossos fiéis com a Luz do Espírito Santo. Fazei
que apreciemos retamente todas as coisas, segundo o mesmo Espírito, ! E gozemos sempre da
Sua consolação, por Cristo Senhor Nosso. Amém!”

Muito nos ajudará no caminho de Deus invocar com fé o Espírito Santo. A Igreja ensina que o
Espírito habita em nossa alma, quando estamos na graça de Deus. Seus dons são a forma mais
especial dessa graça que nos santifica.

O tema dos Dons do Espírito Santo é central na catequese sobre a Terceira Pessoa da Trindade
e, por isso, vamos dedicar a leitura complementar deste capítulo a este assunto. É um texto mais
longo, mas que vale a leitura com calma, pois não apenas explica o que são os dons, mas contam
por meio deles todo itinerário espiritual do cristão que vive a vida da graça.
Curso de Iniciação Cristã
Aula 5 – Creio na Igreja

2021
Aula 05 – Creio na Igreja

“Creio na Igreja, Una, Santa, Católica e Apostólica”


A fé que professamos na Igreja é uma extensão da fé no próprio Cristo, que a fundou e prometeu
que o mal não prevaleceria sobre ela (cf. Mt 16,18). Necessitamos, no entanto, vencer alguns
obstáculos para perceber a essência da Igreja e nela crer. Esses obstáculos são os pecados dos
homens que a representam e toda séria de maldades que caem sobre a Igreja procurando
destruí-la.

Um episódio da vida de São Josemaría Escrivá (1928-1975) é significativo para nos ensinar como
deve ser nossa fé na Igreja. Ele era espanhol e mudou-se para Roma em 1946, morando lá por
29 anos. Conta-se que a primeira vez que ele viu a Cúpula da Basílica de São Pedro, rezou o
Credo com muita devoção. Algumas pessoas perceberam que muitas vezes ele repetia: “Creio
na minha Mãe a Igreja Romana...”, mas intercalava “apesar dos pesares”. E questionado por um
Cardeal da Igreja o que queria dizer com essa expressão, ele respondeu: “Apesar dos meus
pecados e dos seus”.

Precisamos, portanto, saber diferenciar os pecados dos homens que aviltam a Igreja, o mal
exemplo de pessoas da Igreja, inclusive clérigos, bem como das calúnias que recaem sobre ela,
do que a Igreja é em si: querida e fundada por Cristo para ser “sacramento universal de
salvação”, como coloca o Concílio Vaticano II.

A Igreja de Cristo
A Igreja é uma obra da Trindade. Sua origem está no libérrimo decreto do Pai Eterno que decide
elevar a todos a participar de sua vida divina. Cristo enviou o Espírito Santo para que santificasse
a Igreja, de modo que a Igreja aparece como um povo reunido em virtude da unidade da
Trindade.

Nosso Senhor Jesus Cristo não é apenas o Fundador, mas o fundamento da Igreja. O ato
fundador de Cristo não pode ser identificado com um ato solene em que Ele proclamasse o
surgimento da Igreja, mas como a extensão de sua vontade criadora e da vontade de
compartilhar o amor do Pai a todo mundo. No entanto, podemos identificar algumas ações
particulares de Cristo que denotam seu desejo de que a Igreja se tornasse uma realidade. Os
principais atos preparatórios de Cristo são os seguintes:

A constituição de uma comunidade de discípulos: “O gérmen e o começo do Reino são o


pequeno rebanho dos que Jesus reuniu em torno de si e dos que Ele mesmo é o pastor.
Constituem a verdadeira família de Cristo”. CIC 764.

Eleição e Missão dos Doze Apóstolos: “O Senhor Jesus dotou a sua comunidade duma estrutura
que permanecerá até ao pleno acabamento do Reino. Temos, antes de mais, a escolha dos Doze,
com Pedro como chefe. Representando as doze tribos de Israel, são as pedras do alicerce da
nova Jerusalém. Os Doze e os outros discípulos participam da missão de Cristo, do seu poder,
mas também da sua sorte. Com todos estes atos, Cristo prepara e constrói a sua Igreja”. CIC 765.

Vocação e Missão de Pedro: Existe uma vontade explícita de Cristo de que entre os Apóstolos
haja um que seja a Rocha que os dê sustentação (nos Evangelhos Pedro sempre aparece em
primeiro lugar) e que deve confirmar a seus irmãos. Depois da confissão de Pedro aparece a

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promessa de que Cristo edificará a sua Igreja sobre a pessoa de Pedro e sua fé no messias. O
trecho do Evangelho em que lemos isso é o seguinte:

“E vós”, retomou Jesus, “quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo”. Jesus então declarou: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne
e sangue quem te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso, eu te digo: tu és Pedro,
e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e as forças do Inferno não poderão vencê-la. Eu te
darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que
desligares na terra será desligado nos céus”. Mt 16, 15-19.

A Última Ceia do Senhor do Senhor é um ato antecipador e fundacional que dá sentido aos
outros, pois a Nova Igreja surge pela entrega de Cristo e a participação dos que crêem. Quando
Jesus toma o Pão e o Vinho, antecipa a entrega que faria no dia seguinte da própria vida. Esse
Rito é o central da Nova Aliança inaugurada por Cristo e ele pede aos Apóstolos: “Fazei isso em
memória de Mim”. Lc 22, 19

Cristo Ressuscitado dos mortos também dá indicações aos apóstolos e realiza atos que são
indicativos da Igreja. Primeiro manda, com todo poder dos Céus, que os Apóstolos perdoem os
pecados como fruto da Cruz: “A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os
retiverdes, ficarão retidos”. Jo 20,22.

Jesus também confirma o primado de Pedro, mesmo depois de ele O ter negado três vezes:
“Cuida dos meus cordeiros... Sê pastor das minhas ovelhas”. Jo 21, 15-16.

O poder que Cristo dá aos Apóstolos como seus continuadores não é um poder delegado, mas
participação no mesmo poder de Cristo. Os versículos finais do Evangelho de Mateus fazem
referência a isso: “Jesus se aproximou deles e disse: “Foime dada toda a autoridade no céu e na
terra. Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações, e batizai-os em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo. Ensinai-lhes a observar tudo o que vos tenho ordenado. Eis que estou convosco
todos os dias, até o fim dos tempos”. Mt 28, 18-20.

O Reino de Deus e a Igreja na pregação de Jesus


“O Senhor Jesus deu início à sua Igreja, pregando a boa-nova do advento do Reino de Deus
prometido desde há séculos nas Escrituras. Para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou na
terra o Reino dos céus. A Igreja «é o Reino de Cristo já presente em mistério”. CIC 763. Os
protestantes costumam contrapor o Reino pregado por Cristo com a Igreja, como se Jesus não
desejasse uma Igreja, mas apenas o Reino de Deus. Como vimos, as referências de Cristo à Igreja
são explícitas. Outros teólogos interpretam as escrituras dizendo que Cristo pregou um Reino
espiritual que se consumaria no fim dos tempos. A Igreja seria uma criação humana apenas. O
Papa São Pio X condenou essas ideias, explicando seus erros na Encíclica Pascendi e no Concílio
Vaticano II, a Lumen Gentium explica a relação do Reino com a Igreja de mundo muito claro:

“O mistério da santa Igreja manifesta-se na sua fundação. O Senhor Jesus deu início à Sua Igreja
pregando a boa nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras:
«cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo» (Mc. 1,15; cfr. Mt. 4,17). Este Reino
manifesta-se na palavra, nas obras e na presença de Cristo. A palavra do Senhor compara -se à
semente lançada ao campo (Mc. 4,14): aqueles que a ouvem com fé e entram a fazer parte do
pequeno rebanho de Cristo (Lc. 12,32), já receberam o Reino; depois, por força própria, a
semente germina e cresce até ao tempo da messe (cfr. Mc. 4, 26-29). Também os milagres de
Jesus comprovam que já chegou à terra o Reino: «Se lanço fora os demônios com o poder de
Deus, é que chegou a vós o Reino de Deus» (Lc. 11,20; cfr. Mt. 12,28). Mas este Reino manifesta-

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se sobretudo na própria pessoa de Cristo, Filho de Deus e Filho do homem, que veio «para servir
e dar a sua vida em redenção por muitos» (Mt. 10,45).

E quando Jesus, tendo sofrido pelos homens a morte da cruz, ressuscitou, apareceu como Senhor
e Cristo e sacerdote eterno (cfr. At. 2,36; Hebr. 5,6; 7, 17-21) e derramou sobre os discípulos o
Espírito prometido pelo Pai (cfr. At. 2,33). Pelo que a Igreja, enriquecida com os dons do seu
fundador e guardando fielmente os seus preceitos de caridade, de humildade e de abnegação,
recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os povos e constitui
o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra. Enquanto vai crescendo, suspira pela
consumação do Reino e espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória”. Lumen Gentium 5.

A Igreja e seus mistérios


“A Igreja é, simultaneamente: «sociedade dotada de órgãos hierárquicos e corpo místico de
Cristo»; «agrupamento visível e comunidade espiritual»; «Igreja terrestre e Igreja ornada com
os bens celestes». Estas dimensões constituem, em conjunto, «uma única realidade complexa,
formada pelo duplo elemento humano e divino». É próprio da Igreja ser «simultaneamente
humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na ação e dada à
contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina; mas de tal forma que o que nela é
humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e
o presente à cidade futura que buscamos». CIC 771.

A Igreja é um Mistério de Comunhão. “É na Igreja que Cristo realiza e revela o seu próprio
mistério, como a meta do desígnio de Deus: «recapitular tudo n'Ele» (Ef 1, 10). São Paulo chama
«grande mistério» (Ef 5, 32) à união esponsal de Cristo e da Igreja. Porque está unida a Cristo
como a seu esposo, a própria Igreja, por seu turno, se torna mistério. E é contemplando nela
este mistério, que S. Paulo exclama: «Cristo em vós — eis a esperança da glória!» (Cl 1, 27).

“Na Igreja, esta comunhão dos homens com Deus pela «caridade, que não passa jamais» (1 Cor
13, 8), é o fim que comanda tudo quanto nela é meio sacramental, ligado a este mundo que
passa. «A sua estrutura está completamente ordenada à santidade dos membros de Cristo. CIC
772,773.

Corpo Místico de Cristo


Jesus anunciou uma comunhão misteriosa e real entre seu Corpo e o nosso quando disse: “Quem
come a minha carne e bebe meu sangue permanece em Mim e eu nele” Jo 6, 56. Iremos
compreender mais profundamente o significado destas palavras quando estudar o Sacramento
da Eucaristia. Mas esta união de Cristo conosco também é imagem da Igreja. Quando Jesus envia
seu Espírito, esta comunhão se torna mais intensa e constitui o Corpo Místico de Cristo. cf. CIC
787, 788.

“A comparação da Igreja com um corpo lança uma luz particular sobre a ligação íntima existente
entre a Igreja e Cristo. Ela não está somente reunida à volta d'Ele: está unificada n'Ele, no seu
Corpo. Na Igreja, Corpo de Cristo, são de salientar mais especificamente três aspectos: a unidade
de todos os membros entre si, pela união a Cristo; Cristo, Cabeça do Corpo; a Igreja, Esposa de
Cristo”. CIC 789.

O Espírito Santo é a alma desse corpo, seu princípio de ação, de unidade e da riqueza dos dons
e carismas. Por isso é tantas vezes mencionado nos Atos dos Apóstolos, pois ali se conta a
história da Igreja nascente.

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As notas da Igreja
As notas da Igreja são certas propriedades que a fazem exteriormente reconhecíveis.
Constituem a Igreja no que ela é e dimanam de sua essência. São consequência de sua natureza
sacramental e condição imprescindível de sua missão. Estas notas são quatro: Una, Santa,
Católica e Apostólica. Seguindo o CIC 866-870:

“A Igreja é una: tem um só Senhor, professa uma só fé, nasce dum só Baptismo e forma um só
Corpo, vivificado por um só Espírito, em vista duma única esperança (388), no termo da qual
todas as divisões serão superadas. A Igreja é santa: é seu autor o Deus santíssimo; Cristo, seu
Esposo, por ela Se entregou para a santificar; vivifica-a o Espírito de santidade. Embora encerra
pecadores no seu seio, ela é «a sem-pecado feita de pecadores». Nos santos brilha a sua
santidade; em Maria, ela é já totalmente santa.

A Igreja é católica: anuncia a totalidade da fé, tem à sua disposição e administra a plenitude dos
meios de salvação; é enviada a todos os povos; dirige-se a todos os homens; abrange todos os
tempos; «é, por sua própria natureza, missionária».

A Igreja é apostólica: está edificada sobre alicerces duradouros, que são «os Doze apóstolos do
Cordeiro»; é indestrutível; é infalivelmente mantida na verdade: Cristo é quem a governa por
meio de Pedro e dos outros apóstolos, presentes nos seus sucessores, o Papa e o colégio dos
bispos.

«A única Igreja de Cristo, da qual professamos no Credo que é una, santa, católica e apostólica,
[...] é na Igreja Católica que subsiste, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos que estão
em comunhão com ele, embora numerosos elementos de santificação e de verdade se
encontrem fora das suas estruturas”.

A Missão da Igreja
Como já viemos fazendo, transcrevemos abaixo mais um trecho do Catecismo da Igreja sobre a
Missão da Igreja, uma exigência da catolicidade.

“O mandato missionário. «Enviada por Deus às nações, para ser o sacramento universal da
salvação, a Igreja, em virtude das exigências íntimas da sua própria catolicidade e em obediência
ao mandamento do seu fundador, procura incansavelmente anunciar o Evangelho a todos os
homens». «Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo quanto vos mandei. E eis que Eu estou
convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28, 19-20).

A origem e o fim da missão. O mandato missionário do Senhor tem a sua fonte primeira no amor
eterno da Santíssima Trindade: «Por sua natureza, a Igreja peregrina é missionária, visto ter a
sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai, na missão do Filho e do Espírito Santo». E o fim
último da missão consiste em fazer todos os homens participantes na comunhão existente entre
o Pai e o Filho, no Espírito de amor.

O motivo da missão. É ao amor de Deus por todos os homens que, desde sempre, a Igreja vai
buscar a obrigação e o vigor do seu ardor missionário: «Porque o amor de Cristo nos impele...»
(2 Cor 5, 14) (348). Com efeito, «Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade» (1 Tm 2, 4). Deus quer a salvação de todos, mediante o
conhecimento da verdade. A salvação está na verdade. Os que obedecem à moção do Espírito
da verdade estão já no caminho da salvação. Mas a Igreja, à qual a mesma verdade foi confiada,

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deve ir ao encontro dos que a procuram para lha levar. É por acreditar no desígnio universal da
salvação que a Igreja deve ser missionária.

Os caminhos da missão. «O protagonista de toda a missão eclesial é o Espírito Santo». É Ele que
conduz a Igreja pelos caminhos da missão. E esta «continua e prolonga, no decorrer da história,
a missão do próprio Cristo, que foi enviado para anunciar a Boa-Nova aos pobres. É, portanto,
pelo mesmo caminho seguido por Cristo que, sob o impulso do Espírito Santo, a Igreja deve
seguir, ou seja, pelo caminho da pobreza, da obediência, do serviço e da imolação de si mesma
até à morte – morte da qual Ele saiu vitorioso pela ressurreição». É assim que «o sangue dos
mártires se torna semente de cristãos».

Porém, no seu peregrinar, a Igreja também faz a experiência da «distância que separa a
mensagem de que é portadora, da fraqueza humana daqueles a quem este Evangelho é
confiado». Só avançando pelo caminho «da penitência e da renovação» e entrando «pela porta
estreita da Cruz» é que o povo de Deus pode expandir o Reino de Cristo. Com efeito, «assim
como foi na pobreza e na perseguição que Cristo realizou a redenção, assim também a Igreja é
chamada a seguir pelo mesmo caminho, para comunicar aos homens os frutos da salvação».

Pela sua própria missão, «a Igreja faz a caminhada de toda a humanidade e partilha a sorte
terrena do mundo. Ela é como que o fermento e, por assim dizer, a alma da sociedade humana,
chamada a ser renovada em Cristo e transformada em família de Deus». O esforço missionário
exige, portanto, paciência. Começa pelo anúncio do Evangelho aos povos e grupos que ainda
não acreditam em Cristo; prossegue no estabelecimento de comunidades cristãs, que sejam
«sinais da presença de Deus no mundo» e na fundação de Igrejas locais; compromete-se num
processo de inculturação, para incarnar o Evangelho nas culturas dos povos; e também não
deixará de conhecer alguns fracassos. «Pelo que diz respeito aos homens, aos grupos humanos
e aos povos, a Igreja só a pouco e pouco os atinge e penetra, assim os assumindo na plenitude
católica».

A missão da Igreja requer um esforço em ordem à unidade dos cristãos (363). «De fato, as
divisões entre cristãos impedem a Igreja de realizar a plenitude da catolicidade que lhe é própria,
naqueles seus filhos que, sem dúvida, lhe pertencem pelo Batismo, mas que se encontram
separados da plenitude da comunhão com ela. Mais ainda: para a própria Igreja, torna-se mais
difícil exprimir, sob todos os seus aspectos, a plenitude da catolicidade na própria realidade da
sua vida».

A tarefa missionária implica um diálogo respeitoso com aqueles que ainda não aceitam o
Evangelho. Os crentes podem tirar proveito para si mesmos deste diálogo, aprendendo a
conhecer melhor «tudo quanto de verdade e graça se encontrava já entre os povos, como que
por uma secreta presença de Deus». Se anunciam a Boa Nova aos que a ignoram, é para
consolidar, completar e elevar a verdade e o bem que Deus espalhou entre os homens e os
povos, e para os purificar do erro e do mal, «para glória de Deus, confusão do demônio e
felicidade do homem».

A Salvação pela Igreja


Nos primeiros séculos do cristianismo, eminentes teólogos da Igreja, conhecido como Padres da
Igreja, afirmaram que “fora da Igreja não há salvação”. Esta frase é muitas vezes mal
compreendida. Ela significa que “toda salvação vem de Cristo, Cabeça, pela Igreja, que é seu
Corpo”. Não se exclui, com essa afirmação, a possibilidade da salvação por aqueles que sem
culpa própria ignoram o Evangelho de Cristo e a Igreja, mas procuram a Deus com coração

6
sincero e se esforçam para cumprir a vontade de Deus pelo que a consciência os dita. O CIC 847
diz que esses também agem por influxo da graça e, portanto, ao alcançarem a salvação, obtêm-
na por meio da Igreja de Cristo, ainda que não tenham conhecido essa Igreja e a próprio Cristo
em sua vida.

No Concílio Vaticano II, o documento Lumen Gentium disse a ʻIgreja de Cristo subsiste na Igreja
Católicaʼ. O documento Dominus Iesus, de Fevereiro de 2000, assinado pelo então Cardeal
Ratzinger, explica essa afirmação da seguinte forma:

“Com a expressão « subsistit in » (subsiste em), o Concílio Vaticano II quis harmonizar duas
afirmações doutrinais: por um lado, a de que a Igreja de Cristo, não obstante as divisões dos
cristãos, continua a existir plenamente só na Igreja Católica e, por outro, a de que «existem
numerosos elementos de santificação e de verdade fora da sua composição», isto é, nas Igrejas
e Comunidades eclesiais que ainda não vivem em plena comunhão com a Igreja Católica”. cfr.
Dominus Iesus 16.

Esta explicação nos permite fazer o elo entre o aspecto espiritual da Igreja (a Igreja de Cristo) e
sua parte visível, instituída por Cristo na pessoa de São Pedro e do colégio apostólico, que hoje
conhecemos como a nossa Igreja Católica.

A Hierarquia da Igreja
Jesus elegeu os Doze para vivessem com Ele e para enviá-los a pregar o Reino de Deus. Constituiu
estes Apóstolos como um colégio, ou seja, um grupo estável a frente do qual colocou Pedro,
eleito dentre eles. ! Por meio dos Bispos se manifesta e conserva até nós a tradição apostólica
em todo mundo. Os Bispos receberam o ministério sobre a comunidade juntamente com seus
colaboradores, os presbíteros e os diáconos, presidindo em nome de Deus o rebanho de quem
são pastores como mestres de doutrina, sacerdotes do culto sagrado e ministros de governo.

O Papa, Bispo de Roma e sucessor de São Pedro, é o princípio e fundamento perpétuo e visível
de unidade, tanto dos Bispos quanto dos fiéis. O Pontífice Romano, de fato, tem na Igreja, em
virtude da sua função de Vigário de Cristo e Pastor de toda Igreja, a potestade plena, suprema
e universal. O Papa exerce essa potestade com plena liberdade. Em Roma o Papa tem um
conjunto de pessoas que o ajudam no ministério da Igreja. Um documento do Concílio Vaticano
II explica isso: “No exercício do poder supremo, pleno e imediato sobre a Igreja universal, o
Romano Pontífice serve-se dos Dicastérios da Cúria romana, que, por isso, trabalham em seu
nome e com a sua autoridade, para bem das igrejas e em serviço dos sagrados pastores”.
Christus Dominus 9.

O Colégio dos Bispos, que não existe sem a cabeça, é também sujeito da suprema e plena
potestade sobre a Igreja, mas não pode exercer esse poder sem o consentimento do Romano
Pontífice. O poder supremo sobre a Igreja que este colégio possui se exercita de modo solene
nos Concílios ecumênicos.

Os Bispos são os que, em primeiro lugar, recebem a tripla missão confiada por Cristo à sua Igreja.
Para o desempenho dessa missão, Cristo prometeu o Espírito Santo e o enviou no dia de
Pentecostes. Devem manter a fé da Igreja ensinando a reta doutrina, santificam o povo pelo
ministério da palavra e pelos sacramentos e governam suas Igrejas particulares. Os padres
vivem seu ministério nas suas paróquias, também com a missão de ensinar, santificar e governar
o povo que lhe foi confiado.

7
Os leigos
“Por leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do
estado religioso reconhecido pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Batismo,
constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal,
profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na
Igreja se no mundo”. Lumen Gentium 31.

Temos uma missão singular na Igreja: santificar as realidades temporais, dar testemunho de
Deus no mundo e nas realidades seculares. Mostrar, com seu exemplo e atitudes, que:

“Todas as realidades que constituem a ordem temporal, os bens da vida e da família, a cultura,
os bens econômicos, as artes e profissões, as instituições políticas, as relações internacionais e
outras semelhantes, bem como a sua evolução e progresso não só são meios para o fim último
do homem, mas possuem valor próprio, que lhes vem de Deus, quer consideradas em si mesmas,
quer como partes da ordem temporal total: «e viu Deus todas as coisas que fizera, e eram todas
muito boas» (Gen. 1, 31). Apostolicam Actuositatem 7.

A Igreja precisa de gente comprometida com uma vida cristã séria. Somente assim se dará a
‘recristianização da sociedade’ tão importante nos tempos atuais. Para terminar colocamos um
ponto de meditação de São Josemaría Escrivá que fala do Apostolado dos Leigos:

“Um segredo. - Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos. Deus quer
um punhado de homens “seus” em cada atividade humana. - Depois... "pax Christi in regno
Christi" - a paz de Cristo no reino de Cristo”. Caminho 301.

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Curso de Iniciação Cristã
Aula 6 – A Virgem Maria

2021
Aula 6 – A Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe Nossa

“Foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria...”


Maria tem o relacionamento mais singular com Deus em toda a criação: ela é filha de
Deus Pai, mãe de Deus Filho e esposa de Deus Espírito Santo. No Credo declamamos
solenemente que Jesus foi ‘concebido pelo Espírito’ e que ‘nasceu da Virgem Maria’.
Que Deus tenha assumido a nossa natureza humana no seio da Virgem Maria, que tenha
nascido como um bebê indefeso e tenha sido abraçado, acalentado e amamentado pelo
amor maternal de Maria, que tenha brincado aos seus pés, crescido e vivido anos a fio,
submetido à sua Mãe e que a pedido dela tenha feito seu primeiro sinal, nada disso,
pode deixar de nos admirar profundamente. E não bastasse esse papel central ao trazer
o Filho de Deus ao mundo, Maria acompanhou Jesus em seu ministério e era uma das
que estava ao pé da Cruz, unindo-se ao sacrifício de Cristo como nenhuma outra pessoa.
Depois, por fim, foi sob seu manto que os apóstolos se reuniram em oração e
aguardaram a vinda do Espírito Santo, impulso que os capacitou para iniciar o trabalho
de evangelização e que marca o nascimento da Igreja.
A Virgem Maria não é a figura central do cristianismo, nem da Igreja Católica. Este posto
é de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, a quem devemos toda a honra
e toda a glória. Mas Maria é uma figura essencial.
Jesus poderia ter vindo ao mundo sem uma mãe, poderia ter aparecido adulto,
pregando no deserto e fazendo sinais milagrosos. Poderia ter inclusive morrido na cruz,
mas se tivesse feito assim, não seria um sacrifício de alguém do povo eleito oferecido
em nome do povo eleito. Também não teria cumprido as promessas e as alianças feitas
por Deus ao longo da história da salvação. Para que essas promessas fossem cumpridas,
Jesus precisava ser um descendente de Abraão e de Moisés, precisava ser da linhagem
de Davi. É pelo ‘sim’ da Virgem Maria que Jesus herda toda essa tradição. No entanto, o
papel de Maria é maior do que simplesmente inserir Cristo em sua linhagem familiar.
Foi por meio de Maria e apenas com seu consentimento que Deus realizou sua obra mais
portentosa até aquele momento: a encarnação do Verbo de Deus.
Infelizmente hoje vemos uma forte divisão entre os cristãos no que diz respeito à pessoa
de Maria. Os católicos não poupam esforços em louvar à Santíssima Virgem Maria,
confiando em sua intercessão. No entanto, muitos cristãos não católicos não apenas
ignoram, mas rejeitam com veemência qualquer afeto ou consideração à Maria
Santíssima, pois consideram uma inversão ao amor que devemos unicamente a Deus.
Estes cristãos não católicos argumentam que Maria não deveria ter nenhum destaque
além daquele dado a outras figuras femininas que aparecem na Bíblia e que os católicos
multiplicam as invocações e os privilégios de Maria sem nenhum respaldo bíblico. No
entanto, este argumento demonstra uma grande ignorância das próprias Escrituras,
tanto das cenas em que Maria aparece diretamente, quanto das prefigurações de Maria
no Antigo Testamento. Mas esta atitude é antes de tudo uma grande falta de

2
sensibilidade. O respeito, a reverência e o carinho que temos pela nossa própria mãe
deveria ser um indicativo da atitude para com a Mãe de Jesus. Quem quer que
realmente admire, respeite e ame a Jesus, deveria ter um mínimo de carinho e gratidão
à sua Mãe. Se chamamos de Terra Santa ao solo no qual Jesus pisou, quanto mais não
devemos chamar de Santa àquela que o trouxe no ventre e cuidou dele anos a fio, com
terno amor de Mãe?

A vida de Maria
As Sagradas Escrituras nos dão um testemunho de Maria muito breve, mas bastante
significativo. Juntamente com o legado da tradição, podemos conhecer mais sobre
Nossa Senhora.
Os pais de Maria chamavam-se Joaquim e Ana. Pertenciam à casa de Davi (cf. Lc 1, 26)
e vivia na Galileia. Muito jovem foi prometida em casamento a José, um carpinteiro (cf.
Mt 1, 18). Antes de se casarem, recebeu a embaixada do Anjo Gabriel, anunciando que
ela seria a Mãe do Salvador. Concebeu milagrosamente a Jesus Cristo, pela ação do
Espírito Santo (cf. Leitura Complementar sobre a Anunciação). Foi uma presença
silenciosa junto a seu Filho: o amamentou e cuidou dele quando criança, ensinou-o a
rezar e as histórias bíblicas, levou o Menino a Jerusalém quando chegou o tempo
adequado (cf. Lc 2, 41ss). Esteve presente no primeiro milagre de Jesus (cf. Jo 2,1) e
acompanhou-o na sua pregação. Mostrou a profundidade de seu amor materno estando
ao lado de Jesus no momento crucial de Sua Paixão e Morte na Cruz: “Junto à Cruz de
Jesus estava de pé sua mãe (...)”. Jo 19, 25. Permaneceu junto aos Apóstolos após a
Ascensão aos Céus do Senhor e estava junto deles no dia de Pentecostes (cf. At 1,14).
Pela fé sabemos que Maria foi Assunta aos Céus de corpo e alma, não experimentando
a corrupção da morte. Não sabemos, no entanto, quando exatamente isso se deu. Sua
presença na história tem sido decisiva: invocada pelos cristãos como mediadora de
todas as graças e Mãe de Deus, a Virgem Maria preenche de doçura a piedade cristã e
nos aproxima de Deus.
Existem muitos relatos de aparições de Nossa Senhora, sendo as mais significativas as
de Guadalupe, no México, em 1531; em Lourdes, na França, em 1858 e em Fátima,
Portugal, no ano de 1917. Nessas aparições Nossa Senhora pede orações e transmite
uma mensagem reveladores para a humanidade.
Iremos estudar nas páginas seguintes os principais motivos que tornam Maria tão
central para a Igreja Católica.

A Maternidade divina de Maria


A Maternidade divina deve ser entendida como a missão que Deus confiou a Nossa
Senhora de ser Mãe de Deus (Theotokos, em grego). Isso é assim porque ela gerou na
carne o Verbo de Deus feito carne. É Mãe de Deus, não porque a natureza do Verbo ou
sua divindade tenha tomado de Maria o princípio de sua existência, mas porque nasceu
dela o Santo Corpo, animado pelo Alma racional à qual o Verbo se uniu segundo a
hipóstase. Dizemos, portanto, que o Verbo foi gerado segundo a carne. Gerado pelo Pai
segundo sua divindade, foi gerado por Maria segundo sua humanidade, com uma sem

3
mescla da natureza humana e da natureza divina. Por isso, dizemos que Maria é Mãe de
Deus.
A razão de ser de Maria é esta maternidade, aí está seu lugar no plano salvífico de Deus.
É o mistério central sobre Maria, sob o qual se fundamentam todos os outros.

Imaculada Conceição
No mesmo desígnio eterno em que Deus decidiu a Encarnação de seu Filho, encontra-
se também a eleição de Santa Maria como Mãe do Verbo Encarnado. Essa eleição
implica numa preparação da pessoa eleita que fosse condizente com a dignidade de sua
missão. A Imaculada Conceição é justamente um desses privilégios que Deus concedeu
à Maria em atenção à excelsa dignidade de ser Mãe de Deus e em virtude dos méritos
de Jesus Cristo.
Ser Imaculada implica dois aspectos inseparáveis: negativo, ou seja, a preservação de
todo pecado (original e pessoal); e positivo: a plenitude da graça recebida.
Nas Sagradas Escrituras vemos um primeiro vislumbre dessa prerrogativa de Nossa
Senhora já no livro do Gênesis. Lemos em Gen 3, 15:
“Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça,
e tu ferirás o calcanhar.”
Sabemos que essa passagem se refere à vitória sobre a serpente, que representa o
demônio, por uma mulher. Essa passagem foi interpretada na história da Igreja como
fazendo referência à Maria e sua missão divina. Maria é a nova Eva, que traz ao mundo
o Salvador. E como nova Eva, foi criada por Deus no mesmo estado de justiça original
que a primeira Eva e adornada de todas as graças. No Evangelho de São Lucas lemos
quando o Anjo vem anunciar a Maria sua vocação: “Entrando, o anjo disse-lhe: Ave, cheia
de graça, o Senhor é contigo”. Lc 1, 28. As palavras de São Gabriel são claras: Maria é a
cheia de graça.
A Imaculada Conceição foi promulgada solenemente pela Igreja como um dogma de
nossa fé pelo Papa Pio IX. A fórmula definitória foi a seguinte:
“Declaramos, proclamamos e definimos que a doutrina que sustenta que a Bem-
Aventurada Virgem Maria foi preservada imune de toda mancha da culpa original no
primeiro instante de sua concepção por singular graça e privilégio de Deus onipotente,
em atenção aos méritos de Cristo Jesus salvador do gênero humano, está revelada por
Deus e deve ser, portanto, firme e constantemente crida por todos os fiéis”.

Virgindade Perpétua
A Igreja também confessa outro privilégio de Maria: sua Virgindade perpétua. Comporta
três momentos essa graça: antes, durante e depois do parto. Entende-se que a
concepção virginal de Jesus não haveria sido necessária para a encarnação do Verbo.
Aconteceu, no entanto, por um desígnio de Deus.

Essa virgindade implica tanto a física: integridade do corpo, que se dedicou totalmente
a Deus; quanto a espiritual: pureza completa de pensamentos, afetos e sentimentos.

4
Nossa Senhora concebeu a Cristo sendo virgem, não perdeu essa virgindade no parto e
permaneceu virgem, em completa doação de sua pessoa a Deus, durante toda sua vida:
assim nos ensina a Igreja.

A participação de Maria na obra salvadora de Jesus Cristo


Nossa Senhora sempre foi reconhecida na Igreja como ‘Mãe de Deus e mãe nossa’. Parte
da sua missão é ser mãe dos homens: interceder por nós diante de Deus, mediar as
graças que nos chegam e cuidar de cada um como filhos.
No Evangelho de São João temos nos capítulos finais o momento em que Jesus, já
pregado na Cruz por amor a nós, entrega-nos Maria Santíssima como Mãe. O discípulo
amado de Jesus, que a tradição reconhece o próprio São João, naquele momento é cada
um de nós, amados por Cristo.
“Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de
Cléofas, e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que
amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe.
E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa”. Jo 19, 25-27.
Como somos incorporados a Cristo pelo Batismo (veremos isso em detalhe nas aulas
seguintes), podemos dizer que somos gerados espiritualmente por Maria, pois ela que
gerou o Cristo. Ela, na ordem da graça, desempenha uma maternidade que não é mera
adoção, mas comunica verdadeira vida sobrenatural. Nossa Senhora coopera tanto na
aquisição da graça, como na sua transmissão aos homens.
A atitude do católico deve ser de acolhimento, de atenção e carinho à Maria Santíssima.
São Josemaría, no seu livro Caminho (n.495), diz “A Jesus sempre se vai e se ‘volta’ por
Maria”. Maria conduz a Jesus, nos aproxima de Deus.

Os protestantes, ou Evangélicos, decidem não recorrer a Maria, com o argumento de


que tal devoção é uma inversão ao amor que devemos a Deus. No entanto, erram ao
não perceber o papel central que o próprio Deus quis conceder a Maria, muito claro nas
Escrituras. No Concílio Vaticano II, a Constituição Dogmática Lumen Gentium tratou
desse ponto com muita clareza:
O influxo salutar de Maria e a mediação de Cristo
“O nosso mediador é só um, segundo a palavra do Apóstolo: «não há senão um Deus e
um mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, que Se entregou a Si
mesmo para redenção de todos. 1 Tim. 2, 5-6. Mas a função maternal de Maria em
relação aos homens de modo algum ofusca ou diminui esta única mediação de Cristo;
manifesta antes a sua eficácia. Com efeito, todo o influxo salvador da Virgem Santíssima
sobre os homens se deve ao beneplácito divino e não a qualquer necessidade; deriva da
abundância dos méritos de Cristo, funda-se na Sua mediação e dela depende
inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia; de modo nenhum impede a união imediata
dos fiéis com Cristo, antes a favorece.

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A maternidade espiritual
A Virgem Santíssima, predestinada para Mãe de Deus desde toda a eternidade
simultâneamente com a encarnação do Verbo, por disposição da divina Providência foi
na terra a nobre Mãe do divino Redentor, a Sua mais generosa cooperadora e a escrava
humilde do Senhor. Concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao
Pai no templo, padecendo com Ele quando agonizava na cruz, cooperou de modo
singular, com a sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar
nas almas a vida sobrenatural. É por esta razão nossa mãe na ordem da graça.
A natureza da sua mediação
Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o
consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz,
até à consumação eterna de todos os eleitos. De fato, depois de elevada ao céu, não
abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a
alcançar-nos os dons da salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu
Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria
bem-aventurada. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada,
auxiliadora, socorro, medianeira. Mas isto entende-se de maneira que nada tire nem
acrescente à dignidade e eficácia do único mediador, que é Cristo.
Efetivamente, nenhuma criatura se pode equiparar ao Verbo encarnado e Redentor;
mas, assim como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros
e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde variamente
pelos seres criados, assim também a mediação única do Redentor não exclui, antes
suscita nas criaturas cooperações diversas, que participam dessa única fonte. ! Esta
função subordinada de Maria, não hesita a Igreja em proclamá-la; sente-a
constantemente e inculca-a aos fiéis, para mais intimamente aderirem, com esta ajuda
materna, ao seu mediador e salvador”. Lumen Gentium 60-62

Assunção aos Céus


Nossa Senhora não experimentou a corrupção da morte, mas foi levada após sua vida
na terra de corpo e alma ao Céu. Foi a primeira a participar da glorificação obtida por
Cristo, além de ser a primeira a ser redimida, pois nasceu já livre do pecado. Esse
privilégio de Maria é uma antecipação daquilo que todos nós iremos viver no fim dos
tempos. O privilégio consiste justamente que em Maria isso se deu antecipadamente.

Se por um lado não temos testemunho das Escrituras desse fato, na Tradição cristã as
fontes são abundantes, desde o século IV. No entanto, somente no ano de 1950 que foi
proclamado como dogma. Assim promulgou o Papa Pio XII:

“Proclamamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que a


Imaculada Mãe de Deus, sempre Virgem Maria, cumprindo o curso de sua vida terrena,
foi assunta em corpo e alma à glória celestial”.

6
Para concluir esse nosso estudo sobre os privilégios de Maria, vem muito ao nosso
encontro palavras de São Josemaría Escrivá, no livro É Cristo que Passa:
“Como nós teríamos comportado se tivéssemos podido escolher a nossa mãe? Penso que
teríamos escolhido a que temos, cumulando-a de todas as graças. Foi o que Cristo fez,
pois, sendo Onipotente, Sapientíssimo e o próprio Amor , seu poder realizou todo o seu
querer”.
Observemos como os cristãos descobriram há tanto tempo esse raciocínio: “Convinha -
escreve São João Damasceno - que aquela que no parto havia conservado íntegra a sua
virgindade, conservasse sem nenhuma corrupção o seu corpo depois da morte. Convinha
que aquela que tinha trazido em seu seio o Criador feito criança, habitasse na morada
divina. Convinha que a Esposa de Deus entrasse na casa celestial. Convinha que aquela
que tinha visto seu Filho na Cruz, recebendo assim em seu coração a dor de que havia
estado livre no parto, o contemplasse sentado a direita do Pai. Convinha que a Mãe de
Deus possuísse o que pertence ao seu Filho, e que fosse honrada como Mãe e Escrava de
Deus por todas as criaturas”.
Os teólogos têm formulado com frequência um argumento semelhante, destinado a
captar de algum modo o sentido desse cúmulo de graças de que Maria se encontra
revestida e que culmina com a sua Assunção aos céus. Dizem: Convinha; Deus podia fazê-
lo; portanto, fê-lo. É a explicação mais clara da razão pela qual o Senhor concedeu à sua
Mãe todos os privilégios, desde o primeiro instante da sua conceição imaculada. Ficou
livre do poder de Satanás; é formosa - tota pulchra! -, limpa, pura na alma e no corpo”.
É Cristo que Passa, 171.

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Curso de Iniciação Cristã
Aula 7 – Artigos finais do Credo

2021
Aula 7 – A Comunhão dos Santos, a Remissão dos Pecados, a
Ressurreição da Carne e a Vida Eterna

“Creio (...) na Comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na Ressurreição da


carne, na Vida eterna. Amém”.
Para completarmos a primeira parte de nosso curso, resta-nos entender os últimos artigos do
Credo, apresentados acima segundo os dois Símbolos da Fé. Iremos ver como a família em Cristo
que é a Igreja vive uma íntima comunhão entre seus membros e discutiremos as realidades que
tanto inquietam tantas pessoas: a morte e o fim dos tempos.

A Comunhão dos Santos


“Como num corpo natural a operação de um membro se volta para o bem de todo o corpo,
acontece o mesmo no corpo espiritual que é a Igreja. E, como todos os fiéis formam um só corpo,
o bem de um é comunicado ao outro. “Nós somos todos membros uns dos outros” (Rm 12, 5).
Por isso, entre os artigos de fé que os apóstolos nos transmitiram existe aquele de uma
comunhão de bens na Igreja; é o que se chama a comunhão dos Santos”. Exposição sobre o
Credo, Santo Tomás de Aquino.

A Comunhão dos Santos significa ‘comunhão nas coisas santas’ e entre as ‘pessoas santas’.
Dentre as ‘coisas santas’ que todos os fiéis comungam e compartilham estão os sacramentos e
os carismas, bem como toda a fé recebida dos Apóstolos. A Eucaristia, principalmente, consuma
na unidade os filhos de Deus, unindo-os estreitamente a Cristo.

Já a comunhão ‘entre as pessoas’ faz referência aos três estados e a união entre eles. Assim
explica a Igreja: “Até que o Senhor venha na sua majestade e todos os seus anjos com Ele e,
vencida a morte, tudo Lhe seja submetido, dos seus discípulos uns peregrinam na terra, outros,
passada esta vida, são purificados, e outros, finalmente, são glorificados e contemplam
claramente Deus trino e uno, como Ele é” CIC 954.

Os que ainda peregrinam somos nós, a Igreja Militante, que ainda está na sua batalha pelo Reino
de Deus, confiantes em Cristo. Para os que já morreram e se salvaram, mas ainda não estão no
Céu, dizemos que estão no Purgatório. São as almas que já concluíram sua passagem pela Terra
e, sem terem negado a Deus nessa vida, precisam ainda de purificação para poder contemplar
a Deus face-a-face no Céu: são a Igreja Purgante. Unidos a todos esses estão os que se salvaram
e estão no Céu, diante de Deus. São chamados a Igreja Triunfante e intercedem por todos nós.
Todos estes formam uma só Igreja e uns edificam os outros.

A implicação dessa fé é que nunca estamos sozinhos como cristãos. Nossas orações e boas obras
edificam toda a Igreja e podemos contar com a oração de todos. Também implica que nossos
pecados ferem essa Comunhão e que temos que ter isso em conta: se fomos incorporados a
Cristo e somos parte do corpo da Igreja, nossos pecados são ataques a essa comunhão e ferem
toda a Igreja.

A Remissão dos Pecados


A fé na remissão dos pecados, expressa no Credo, está ligada à fé no Espírito Santo e na Igreja:
“Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e
àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23). Como na discussão da teologia

2
sacramental, no sacramento do Batismo e da Confissão principalmente, será tratado do perdão
dos pecados, apenas as ideias gerais precisam ser delineadas nesse ponto.

Se é certo que o Batismo perdoa toda a culpa do pecado original (que não é uma culpa moral,
mas de natureza, como vimos anteriormente), perdoa também todos os pecados cometidos por
própria vontade, por ação ou omissão. Mas a inclinação da natureza ao mal permanece, o que
leva a uma luta continuada. A fé na remissão dos pecados expressa a fé na contínua assistência
de Deus à enfermidade de nossa natureza. Quando Jesus entrega à Igreja nascente, na pessoa
de São Pedro e dos Apóstolos, ‘a chave do Reino dos Céus’ (cfr. Mt 16, 18-19), confia à Igreja a
capacidade de perdoar todos os pecados, por mais graves que sejam. Nas palavras de Santo
Agostinho, citadas pelo CIC 982: “Nem há pessoa, por muito má e culpável que seja, a quem não
deva ser proposta a esperança certa do perdão, desde que se arrependa verdadeiramente dos
seus erros”. Esse dom da remissão dos pecados é fonte de esperança e conforto para os cristãos.
Surge a pergunta sobre o pecado contra o Espírito Santo, pois em Mc 3, 28-29 lemos: “Aquele
que pecar contra o Filho do homem será perdoado, mas aquele que blasfemar contra o Espírito
Santo será réu da Justiça Divina”. Esse pecado não pode ser perdoado, não por falta de
misericórdia divina, mas pelo pecador não querer o perdão de Deus, ou mesmo se considerar
pecador. Não é possível confessar um pecado contra o Espírito Santo, pois o querer confessá-lo
já denota que a pessoa não o cometeu.

Uma só vida
Fato certo para a vida de todos é de que vamos morrer. A morte entra na história do homem
como consequência do pecado, mas com a redenção torna-se participação da morte de Cristo,
para participarmos também de sua ressurreição. (cfr. CIC 1006-1009). Pelo Batismo já morremos
com Cristo e a morte física consuma essa morte e nos incorpora a Ele, pela redenção.

Durante a vida, o homem, no exercício de sua liberdade, decide seu destino último: ou escolhe
a Deus e o seu Amor, ou a si mesmo. É nesta vida que deve se consumar essa escolha. No
Evangelho de São João, fala-se com muita clareza a respeito da vida que possuímos agora e da
vida que se inaugurará depois: “Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem não faz conta de
sua vida neste mundo, há de guardá-la para a vida eterna”. Jo 12,25. Ainda de forma mais
inequívoca, lemos na Carta aos Hebreus 9, 27: “Está determinado que os homens morram uma
só vez, depois vem o julgamento”. Com isso que essa vida é o período de prova, único que temos,
para realizar nossa escolha fundamental. Não existe reencarnação. A tentativa de justificar essa
doutrina com base nas escrituras pode facilmente ser refutada com as próprias escrituras, de
modo a não deixar margem para dúvidas.

O Juízo Particular e o Prêmio Eterno


A Igreja ensina que após a morte, haverá um juízo particular em que cada um receberá a
consequência da escolha de ter vivido ou não em amizade com Deus, na graça divina. Lemos no
CIC 1021-1022:

“A morte põe termo à vida do homem, enquanto tempo aberto à aceitação ou à rejeição da
graça divina, manifestada em Jesus Cristo (cf. 2 Tm 1,9-10). O Novo Testamento fala do juízo,
principalmente na perspectiva do encontro final com Cristo na sua segunda vinda. Mas também
afirma, reiteradamente, a retribuição imediata depois da morte de cada qual, em função das
suas obras e da sua fé. A parábola do pobre Lázaro (Lc 16, 22) e a palavra de Cristo crucificado
ao bom ladrão (cf. Lc 23, 43), assim como outro textos do Novo Testamento (Cf. 2 Cor 5,5; Fl 1,
23), falam dum destino final da alma (cf. Mt 16,26), o qual pode ser diferente para umas e para
outras.

3
Ao morrer, cada homem recebe na sua alma imortal a retribuição eterna, num juízo particular
que põe a sua vida em referência a Cristo, quer através duma purificação, quer para entrar
imediatamente na felicidade do céu, quer para se condenar imediatamente para sempre”.

Para quem cultivou a graça, esvaziou-se de si mesmo, receberá como prêmio o próprio Deus: a
isso chamamos Céu. A beatitude, o estado de estar no Céu, consiste em contemplar a essência
de Deus e ter todos os anseios da vontade preenchidos, numa saciedade interminável, pois
estaremos diante da grandeza de Deus (cfr. CIC 1023-1029).

Já os que escolhem a si mesmos, com o desprezo de Deus, permanecerão após a morte nesse
estado de auto exclusão da comunhão com Deus, chamado Inferno (cfr. CIC 1033-1037). A
principal pena é justamente o afastamento de Deus, único capaz de colmar os desejos de
felicidade do homem. Não há uma predestinação para a condenação e o conhecimento a
respeito do inferno deve levar ao sentido de responsabilidade e um apelo à conversão: “Entrai
pela porta estreita, pois larga é a porta e espaçoso o caminho que levam à perdição e muitos
são os que seguem por eles. Que estreita é a porta e apertado o caminho que levam à vida e
como são poucos aqueles que os encontram!” (Mt 7, 13-14).

É confortante lembrarmos que Deus previu a necessidade de purificação para aqueles que sem
rejeitar completamente a Deus, ainda não estão completamente preparados para o encontro
com Ele: essa purificação é o Purgatório. É uma ‘purificação dos eleitos’, pois pressupõe a
amizade com Deus. Nas Escrituras vemos o relato no 2 Mac 12, 46 que confirma nossa fé no
purgatório e na necessidade de oferecer orações e sacrifícios (a Missa, por excelência) pelos
falecidos: “Por isso, [Judas Macabeu] pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem
livres das suas faltas” (cfr. também CIC 1030-1032).

Ressurreição da carne
No fim dos tempos, que só compete saber a Deus quando será, teremos a ressurreição da carne,
em que nosso corpo, num estado glorioso, se juntará à nossa alma, de modo a restabelecer a
unidade humana e vivermos para sempre com Cristo. Tanto justos e pecadores ressuscitarão, os
justos para a felicidade com Deus e os pecadores, para o inferno (cfr. CIC 998). A Igreja ensina
que ressuscitaremos com nosso próprio corpo: como será isso? Já não será um corpo mortal,
mas glorioso e imortal. Como ensina Tertuliano, ‘ou Deus nos criou do nada, ou de uma matéria
preexistente. Se após a nossa morte, nosso corpo volta ao nada, ou visto de outro modo, se
decompõe para se juntar ao todo das coisas criadas, não é difícil pensar que o mesmo Deus
poderá restabelecer nosso corpo após a sua decomposição e dotá-lo das características do corpo
glorioso’.

Juízo Final
Após a ressurreição dos mortos teremos o Juízo Universal, com o julgamento de todo o mundo
e a segunda vinda de Cristo: “É perante Cristo, que é a Verdade, que será definitivamente posta
a descoberto a verdade da relação de cada homem com Deus. O Juízo final revelará, até às suas
últimas consequências, o que cada um tiver feito ou deixado de fazer de bem durante a sua vida
terrena” CIC 1039. O Reino dos Céus chegará então em sua plenitude, a Igreja alcançará a sua
glória celeste: serão os ‘novos céus e nova terra” prefigurados nas escrituras (cfr. 2 Pe 3, 13). O
próprio universo se renovará e então, como fala São Paulo em 1 Co 15, 28: “Deus será tudo em
todos” (cfr. CIC 1042-1060).

4
Curso de Iniciação Cristã
Parte II – Mandamento –
Aula 8 – Fundamentos da Moral Cristã

2021
Parte II – A Vida em Cristo

Aula 8 – Fundamentos da Moral Cristã


Introdução
Vimos na primeira parte de nosso curso a grandeza dos dons de Deus que foram derramados
em nós por meio da criação e, mais ainda, pela redenção e santificação. O que a fé professa, os
sacramentos celebram, como veremos na terceira parte. Com os sacramentos fomos feitos
filhos de Deus e participantes da natureza divina, o que exige de nós uma vida em conformidade
com tal dignidade. Essa vida digna de um cristão é o objeto de estudo desta segunda parte.
Começaremos estudando os fundamentos da moral cristã para depois analisarmos cada um dos
Mandamentos de Deus e perceber como todas nossas ações devem ser iluminadas pelo desejo
de identificarmo-nos com Cristo e cumprir a Vontade do Pai (cfr. CIC 1691-1698).

Percepção da moral cristã na atualidade


Os ensinamentos morais da Igreja são motivo de muitas críticas pela opinião pública e, muitas
vezes, pelos próprios católicos. Encara-se a Igreja como uma instituição que parece querer a
infelicidade da pessoa ao impor proibições, falar de pecado e de culpa e não ‘atualizar’ o seu
posicionamento moral de acordo com as ‘tendências do momento’. Podemos apontar dois
fatores principais por trás desse posicionamento preconceituoso e negativo com relação à moral
cristã: a apresentação legalista da moral, muitas vezes pela própria Igreja e uma mentalidade
relativista que defende a subjetividade por cima de qualquer ordenamento ético.

Em todo aprendizado, a pedagogia de ensino influi na compreensão e na assimilação do


conteúdo por parte dos que estão sendo ensinados. A moral cristã não foge a esta constatação:
seu aprendizado será tanto mais efetivo, quanto mais se conseguir traduzir os conceitos teóricos
em uma prática correspondente, uma vez que a moral ensina como devemos viver e orienta
nossa tomada de decisões. No entanto, a pedagogia que informou muitos dos esforços
educativos com relação à moral cristã nos últimos séculos, ainda presente hoje, é uma
pedagogia legalista, focada no ‘pode’ e no ‘não pode’, nas leis e nas suas sanções. Uma moral
legalista é opressora, pouco convidativa à sua prática. É vivida mais por medo das penalidades
do que por amor ao correto. Os manuais de moral com uma lista interminável de proibições para
cada um dos dez mandamentos, bem como o gosto pela casuística, ou seja, até onde se pode ir
sem cometer um pecado grave em determinada ação, são reflexos desse legalismo moral (cf.
Leitura Complementar 1 para uma análise mais aprofundada sobre este tema).

A mentalidade relativista, por sua vez, tem raízes mais complexas e influi mais decisivamente na
percepção do posicionamento moral da Igreja. Já comentamos como o Papa Bento XVI definiu
a ‘ditadura do relativismo’ como uma das grandes ameaças à fé nos tempos atuais. Em termos
morais, o relativismo defende a subjetividade do ‘eu’ de cada pessoa como critério de verdade,
negando a legitimidade de qualquer barreira ao comportamento humano, imposto por uma
ética que se fundamente fora do homem. Já não é contestação de um determinado ponto da
moral cristã, ou do rigor de um aspecto específico, mas da própria legitimidade de qualquer tipo
de moral. Como qualquer posicionamento que exalte o egocentrismo tem uma grande
probabilidade de se tornar popular, juntado ao fato de que no Ocidente perdeu-se a confiança
nos valores que informaram nossa sociedade, principalmente devido às tragédias humanitárias
do século XX, não é de se estranhar a relativização dos valores e da moral na atualidade.

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Estes dois fatores, portanto, forjaram uma visão limitada e preconceituosa da moral cristã
católica. Felizmente, muitos filósofos e o próprio magistério da Igreja se preocuparam em
apresentar o ensinamento perene da moral cristã numa ótica positiva, convidativa, que remonta
à moral clássica de Santo Tomás de Aquino. Pode-se encontrar na Encíclica Veritatis Splendor,
do Papa João Paulo II, um apanhado profundo dessa perspectiva moral fundada na dignidade da
pessoa humana e na sua orientação para Deus. O próprio Catecismo da Igreja Católica adota
essa perspectiva e, como já viemos fazendo, iremos acompanhar as grandes linhas apresentadas
no Catecismo também no âmbito da moral.

A perspectiva da moral cristã


A ética estuda os atos humanos deliberados. São os atos humanos voluntariamente realizados,
frutos de uma escolha, do uso da liberdade. Quando o homem atua dessa forma, busca com seu
atuar alcançar um fim, ou seja, por trás de uma escolha, sempre há um objetivo que se quer
obter. Muitos podem ser os objetivos imediatos, que apontam para outros mais genéricos. No
fim das contas, a finalidade buscada é a felicidade, a plena realização de si mesmo.

O desejo de felicidade no coração humano é de origem divina: Deus o colocou em nossos


corações para nos atrair a Si, único capaz de nos satisfazer (cfr. CIC 1718). O Papa João Paulo II
nos explica que: “O agir é moralmente bom quando as escolhas da liberdade são conformes ao
verdadeiro bem do homem e exprimem, desta forma, a ordenação voluntária da pessoa para o
seu fim último, isto é, o próprio Deus: o bem supremo, no Qual o homem encontra a sua
felicidade plena e perfeita” (Veritatis Splendor, 72). Ter claro esse fim para o qual tendemos,
onde de fato nos realizamos, permite discernir qual o caminho a trilhar para chegarmos a essa
meta. A moral cristã justamente orienta o caminhar do homem para que em cada circunstância
de sua vida faça a escolha mais acertada, aquela que o fará felizes e o aproximará da bem-
aventurança do Céu.

A metáfora do caminho
A analogia com o ‘caminho’ e o ‘caminhar’ pode ser interessante para compreendermos alguns
importantes conceitos da moral cristã. O verbo ‘ir’, como bem sabemos, é um verbo transitivo:
quem vai, vai a algum lugar, ou seja, antes de começar a caminhar, precisa saber para onde está
indo. Depois, precisa pensar em qual o melhor caminho a seguir, que caminhos evitar para não
se perder. Por fim, precisa avaliar os meios que possui para empreender a viagem, se precisará
de alguma ajuda ou consegue chegar sozinho.

Nossa vida é esse caminhar. Muitas pessoas se encontram perdidas, caminham sem direção,
pois não sabem para onde ir. Buscam a felicidade em muitas coisas: riquezas, poder, prazeres...,
mas acabam percebendo a limitação dessas coisas e se frustram. O relativismo moral que
comentávamos anteriormente reflete essa generalizada desorientação: sem uma meta clara,
sem a orientação da verdade sobre o homem, qualquer caminho torna-se válido, ou melhor,
todos os caminhos são indiferentes.

A possibilidade de escolher entre diversos caminhos é o nosso livre-arbítrio. O Catecismo nos


diz que “pelo livre-arbítrio cada qual dispõe de si”. No entanto, apenas um caminho, aquele que
nos conduz à Deus, é o verdadeiro, ainda que haja muitas formas de o percorrer. O cristão sabe
que esse caminho passa por Jesus Cristo. Ele mesmo nos diz: “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a
Vida, ninguém vem ao Pai senão por Mim” Jo 14, 6. Em Cristo, de fato, o problema moral humano
se resolve. Sendo Ele a Verdade, nos revela a nossa bem-aventurança e nos mostra, com seu
exemplo e suas palavras, o caminho que devemos seguir. Além disso, nos envia o Espírito e funda
a Igreja, que nos auxiliam a percorrer esse caminho, segundo nossa vocação particular.

3
Se o livre-arbítrio é uma possibilidade de escolha, a liberdade cristã é a capacidade de percorrer
o caminho verdadeiro. A pessoa livre conhece a Vontade de Deus para sua vida e é capaz de
seguir essa Vontade. Muito se fala de liberdade hoje, mas não no sentido que estamos
apresentando. Fala-se de uma liberdade que é ‘fazer o que quiser’, seguindo os impulsos
pessoais, as paixões momentâneas, os gostos, muitas vezes balizado pelo desejo de prazer e
fuga da dor. Para a moral cristã isso não é liberdade, mas libertinagem. A liberdade está em ser
capaz de viver uma vida digna, pautada por valores e orientada para Deus e para o bem do
próximo. Cristo nos disse: “Conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres” Jo 8, 32. De
fato, a liberdade cristã está intimamente ligada à verdade. É conhecendo a nossa vocação diante
de Deus, a verdade sobre nós mesmos, e cumprindo essa vontade que somos realmente livres.
A liberdade, portanto, não é algo dado, como o livre-arbítrio, mas algo conquistado e essa
conquista exige uma luta, como veremos a seguir.

O caminho da Cruz
Como comentamos, a vida de Cristo é um exemplo para nós e, assim como Ele teve que passar
pela Cruz, devemos nós também trilhar esse caminho. Isso significa que o caminhar do cristão
em direção à bem-aventurança não está isento de dificuldades.

Com a natureza ferida pelo pecado original, o homem encontra-se dividido em si mesmo:
conserva o desejo do bem, mas possui uma inclinação para o mal e está sujeito ao erro (cfr. CIC
1707). São Paulo expressou essa divisão interna de forma emblemática: “Vejo o bem que quero
e faço o mal que não quero: infeliz de mim, quem me livrará desse corpo de morte?” Rm 7, 19 ;
24. A plena realização moral constitui-se, portanto, numa luta. O caminho a seguir é um caminho
íngreme, que exige esforço. Também Jesus nos falou dessa exigência: “Entrei pela porta estreita,
pois larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição e numerosos são os que aí entram.
Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho da vida e raros são os que a encontram” Mt 7,
13-14. (cfr. Leitura complementar 2 sobre como a vida moral se identifica com o seguimento de
Jesus Cristo).

Virtudes, Pecado e Graça


Impulsionado pelo amor, uma pessoa é capaz de percorrer longos caminhos, ultrapassar muitos
obstáculos, para estar com a pessoa amada. Também o cristão no seu caminho em direção à
casa do Pai, que é a metáfora da nossa vida, precisa andar muito e vencer dificuldades, mas só
será capaz se tiver uma firme determinação interior, estiver bem treinado no caminho e,
principalmente, se estiver aberto às ajudas de Deus.

A determinação interior é imagem da fé, da esperança e da caridade que deve nos animar. Crer
e esperar em Deus, na sua providência, além de devotar-lhe nosso sincero amor será o impulso
que nos manterá no caminho, que nos ajudará a tirar sempre novas forças diante das
dificuldades. A vida de oração nos ajuda a aprofundar essas convicções interiores e a amar mais
a Deus, de modo a mantermo-nos firmes no caminho da santidade.

‘Estar bem treinado’ é uma imagem das virtudes humanas. Virtudes são hábitos adquiridos que
permitem realizar com perfeição os atos bons, que nos realizam e nos aproximam de Deus. É na
virtude que está o cumprimento da nossa liberdade, no sentido que falávamos acima. Treinar-
se na virtude significa insistir em querer e praticar o bem, buscar vencer os próprios defeitos e
más inclinações, abrir-se para o outro, vencendo o egoísmo com o amor. Uma pessoa virtuosa
atrai: é sincera, trabalhadora, gentil, decidida, confiável..., e tantas outras possíveis qualidades.
O contrário da virtude é o vício, algo que paralisa o caminhar, pois fecha a pessoa em si mesma.

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Leva em última análise à tristeza, à frustração, à busca de compensações para a mediocridade
das próprias escolhas pessoais. Os atos próprios do vício são as faltas e os pecados.

Quando nossa vontade se dirige para algo que vai contra nossa consciência, temos que a ação é
um pecado. É pelo juízo da consciência que avaliamos se um ato concreto é bom ou mal.
Contrariar o que nos dita a consciência significa agir contra a própria dignidade e, por
consequência, contra a Imagem e Vontade de Deus em nós. De fato, o Catecismo nos ensina:
“No mais profundo da consciência, o homem descobre uma lei que não se deu a si mesmo, mas
à qual deve obedecer e cuja voz ressoa, quando necessário, aos ouvidos do seu coração,
chamando-o sempre a amar e fazer o bem e a evitar o mal [...]. De fato, o homem tem no coração
uma lei escrita pelo próprio Deus [...]. A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do
homem, no qual ele se encontra a sós com Deus, cuja voz ressoa na intimidade do seu ser”. CIC
1776. O pecado, nesse contexto, ergue-se contra o amor de Deus por nós e desvia dEle os nossos
corações: configura-se, portanto, numa ofensa, uma desobediência. O pecador despreza a Deus
e Seu querer para ele, querendo se colocar como ‘um deus’, conhecedor do bem e do mal (cfr.
CIC 1849). Santo Agostinho define o pecado como: ‘amor de si mesmo até o desprezo de Deus’.

Diante da realidade do pecado, devemo-nos ‘abrir à ajuda de Deus’, ou seja, acolher a Igreja
como Mãe educadora e buscar na graça dos sacramentos a força para não abandonar o caminho.
Como afirma São Paulo: ‘onde abundou o pecado, superabundou a graça’ Rm 5, 21. “A nossa
justificação vem da graça de Deus. A graça é o favor, o socorro gratuito que Deus nos dá a fim
de respondermos ao seu chamamento para nos tornarmos filhos de Deus, filhos adotivos
participantes da natureza divina e da vida eterna” CIC 1996. A graça é um dom do Espírito Santo
que nos justifica e santifica e nos é concedida principalmente nos sacramentos. Essa ajuda de
Deus nos é indispensável, tanto para evitar o pecado, como para viver uma vida de santidade.
Os atos de virtudes feitos por amor à Deus nos fazem crescer na sua graça e merecer o Céu. “A
caridade constitui em nós a fonte principal do mérito diante de Deus” CIC 2026.

Concluindo
Tendo, pois, delineado os elementos fundamentais da moral cristã, iremos nas próximas aulas
explicar o que são e quais são as implicações de cada um dos Dez Mandamentos para nossa vida.
A idéia central dessa primeira aula é que a moral cristã nos ensina a viver a plena liberdade na
verdade, sendo felizes na terra e encaminhando-nos para a plena felicidade em Deus, no Céu.

5
Leitura Complementar: O Cristianismo é uma vida
Artigo do Professor Massimo Borghesi, da Universidade de Perugia, publicado em 2006 em ‘Eco
di Bergamo’.

Falando no encontro da diocese de Roma, em São João de Latrão, Bento XVI disse: "A fé e a ética
cristãs não querem sufocar, mas tornar sadio, forte e verdadeiramente livre o amor: é esse
justamente o sentido dos Dez Mandamentos, que não são uma série de nãos, mas um grande
sim ao amor e à vida".

Eis uma afirmação não meramente edificante, mas que vai ao ponto focal, controverso, da
relação entre cristianismo e modernidade. No curso dos últimos 150 anos, a acusação que a
cultura moderna faz ao cristianismo é do tipo "psicológico". A fé cristã é rejeitada não enquanto
doutrina falsa, mas como posição que torna doente, enfermo, o espírito humano. O cristianismo
seria uma doença espiritual, patologia que ataca um organismo originalmente sadio, uma
debilitação das energias, privadas de toda força.

Nietzsche, como se sabe, é o principal construtor dessa crítica, ao fazer dela o eixo de toda a sua
incansável demolição do cristianismo. A revolução cristã abateu os poderosos e ergueu os
humildes. Isso significa, na vulgata nietzschiana, que ele enfraqueceu os melhores, nivelou o
homem pelo degrau mais baixo, tirou o vigor das virtudes heróicas e viris dos pagãos. Ao inverter
os valores antigos, a doença triunfa sobre a saúde. "O cristianismo – escreve Nietzsche – tem a
necessidade da doença, mais ou menos como para os gregos era necessária uma saúde de ferro;
fabricar doentes é a verdadeira intenção de todo o sistema salvífico próprio da Igreja. [...] O
cristianismo se contrapõe também a toda bem resolvida estruturação intelectual – ele pode
utilizar somente a razão doentia, enquanto razão cristã; toma posição em prol de tudo o que é
idiota, pronuncia a sua maldição contra o ‘espírito’, contra a soberba do espírito sadio" (O
Anticristo, par. 51 e 52).

Complexo de Inferioridade

O cristão, tal como o príncipe Myskin, protagonista do romance de Dostoevski, é um "idiota".


Alguém que renuncia à vida, que chama de bom aquilo que nos torna doentes, e de mau o que
nos torna saudáveis. O cristianismo é uma posição inatural, contra a natureza, em antítese ao
naturalismo antigo, pagão e solar.

A acusação de Nietzsche, que se inscreve no filão do neoclassicismo alemão, de Goethe a Walter


Otto, não mereceria ser levada em conta se não evidenciasse o preconceito que há por trás de
grande parte da cultura "laica". O laicismo baseia-se, em larga medida, não tanto em sólidas
razões teóricas, e sim na convicção psicológica da não-adequação "humana" do cristianismo. A
posição cristã é percebida, por uma parte da cultura moderna, como "restritiva", opressiva. Ser
cristão não é um complemento de humanidade, mas uma sua diminuição. É essa convicção que
impede muitos jovens de se aproximarem da Igreja.

Podemos observar que convicção semelhante existe também, com certa frequência, até dentro
da Igreja. Para muitos cristãos, a impressão decepcionante de não estar adequado à
modernidade, de estar fora do leito das oportunidades, das modas, das ideologias correntes, se
traduz num "complexo de inferioridade" que prenuncia um desejo de legitimação: não ser
diferente dos outros, ser como os demais. Desejo que confirma, a seu modo, a interpretação de
Nietzsche.

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Cristianismo Moralista

Se os próprios cristãos se veem como não plenamente realizados no plano humano, então a
acusação do ateu moderno está justificada: o cristianismo não é a plenitude do homem, mas a
sua humilhação.

A afirmação de Bento XVI corrige essa perspectiva: a fé torna saudável, forte e livre o humano.
É uma afirmação que responde conscientemente a Nietzsche e ao ateísmo moderno. Ela
também responde àquelas posições que, presentes na Igreja, de certo modo tornam, se não
justificadas pelo menos compreensíveis, as reações laicas. Posições segundo as quais o
cristianismo acolhe essencialmente asserções negativas, numa ascese sem alegria, num
sobrenatural visto como inimigo da natureza. O cristianismo moralista dos últimos séculos é um
cristianismo "naturalista", reduzido à observância das "regras".

Por isso, escrevia Emmanuel Mounier em A Aventura Cristã: "o jovem cristão, em vez de ser
levado a mergulhar, desde o início, nas perspectivas completas do amor, recebe – em 80% dos
casos – uma injeção maciça de ‘moralina’, e a primeira palavra dessa tática moralista é a
desconfiança, a repressão: a desconfiança contra o instinto e a luta contra as paixões. O primeiro
sentimento que é inculcado naquele que deveria se tornar um exemplo de saúde moral e um
apaixonado pelo infinito é o medo da força que deve servir de fundamento para o seu impulso
individual". O resultado está aí: uma série de religiosos modernos que, em meio a significativas
exceções – como Filipe Néri e João Bosco –, são marcados não pela alegria, mas pela tristeza.
Assim, fica faltando alguma coisa.

A experiência da mudança

A vida cristã, desprovida de atrativo, torna-se um lugar de resistência, de "reatividade". É


determinada pelo negativo, não pela positividade. O cristianismo resvala assim para o declive
do ressentimento, da insatisfação. Torna-se solução para o ancião.

Para o jovem, fica a sensação de que, com o passar dos anos, desperdiçou oportunidades,
usufruiu menos da vida. No plano de um cristianismo moralista, não há outra alternativa. Nem
se pode pensar que a saída esteja numa religiosidade "hedonista", estética, pós-moderna. A
redução teatral da fé é simplesmente patética. O que torna verdadeiras as palavras do Papa é a
educação a um "afirmativo" que vem antes de tudo. Este afirmativo, Jesus Cristo, quando
reconhecido, é Aquele que permite valorizar a integralidade da existência, do espaço e do
tempo. Aquele que permite dar sentido aos fragmentos perdidos da vida, ao absurdo da morte.
O cristianismo torna-se a introdução na realidade total, princípio de uma experiência de
comprovação da correspondência entre o Mistério, encontrado em seu aspecto humano, e as
exigências mais profundas do próprio espírito. Nessa comprovação o homem pode medir o
incremento de humanidade, alegria, paciência, ternura, força, que lhe é dado. Um incremento
pelo qual o atrativo cristão é mais forte do que o do mundo, que motiva a afeição por Aquele
que é fonte da alegria. O amor cristão nasce da gratidão, não do dever. É um amor que surge da
experiência de mudança. Um cristianismo que parte do "não" não pode responder à provocação
moderna. Só a experiência do sobrenatural pode fazê-lo.

7
Curso de Iniciação Cristã
Aula 9 – Lei de Deus e os Três Primeiros Mandamentos

2021
Aula 9 – A Lei de Deus e os três primeiros mandamentos
O Decálogo e a Nova Lei
Deus em sua infinita misericórdia inscreveu no coração humano uma lei que enuncia os
preceitos primários e essenciais que regem a vida moral. Essa lei se manifesta na pessoa por
meio de sua razão, que a leva a fazer o bem e evitar o mal. “Obra excelente do Criador, a lei
natural fornece os fundamentos sólidos sobre os quais o homem pode construir o edifício d as
regras morais que hão de orientar as suas opções” CIC 1959. No entanto, nem todos são capazes
de cumprir essa ‘lei divina’ de modo perfeito, principalmente devido à realidade do pecado no
homem. Deste modo, Deus vem novamente em nosso auxílio por meio da lei revelada e da
graça.

A lei revelada expressa muitas verdades acessíveis à razão. Essa revelação da Lei de Deus começa
com a Lei Antiga, compendiada nos Dez Mandamentos, e culmina com a nova Lei ou a Lei
Evangélica.
A revelação do Decálogo (literalmente significa ‘as dez palavras’ e se usa para falar dos
mandamentos) está associada à libertação do povo da escravidão do Egito, sendo parte
essencial da Antiga Aliança. Deus revela a Si mesmo ao revelar sua Vontade ao povo e, ao mesmo
tempo, ensina-nos a verdadeira humanidade do homem (cfr. CIC 2060-2070). Santo Agostinho
explica que Deus revelou nos mandamentos aquilo que os homens não viam nos seus corações.
O Decálogo é, portanto, uma luz à consciência de modo a discernir o verdadeiro bem do homem.
Ela mostra o que devemos fazer, mas não nos dá a força de o realizar, sendo de caráter
pedagógico e denunciativo: manifesta o pecado em nós. É, portanto, ainda imperfeita e serve
como preparação para a Nova Lei: o Evangelho (cfr. CIC 1961-1964).
“A Lei nova ou Lei evangélica é a perfeição, na terra, da Lei divina, natural e revelada. É obra de
Cristo e tem a sua expressão, de modo particular, no sermão da montanha. É também obra do
Espírito Santo e, por Ele, torna-se a lei interior da caridade” CIC 1965. É Lei do Amor, pois nos faz
agir mais pelo amor infundido pelo Espírito, do que pelo temor; Lei da graça: pois confere a força
da graça para agir pela fé e pelos sacramentos; Lei da liberdade: pois nos liberta das prescrições
rituais e jurídicas da lei antiga, sendo impulsionados a agir pela caridade (cfr. CIC 1972).

Tradicionalmente a catequese da Igreja apresenta a moral cristã sob a ótica do Decálogo. O


Catecismo explica: “Os Dez Mandamentos enunciam as exigências do amor de Deus e do
próximo. Os três primeiros referem-se mais ao amor de Deus: os outros sete, ao amor do
próximo: «Como a caridade abrange dois preceitos, nos quais o Senhor resume toda a Lei e os
Profetas, [...] assim também os Dez Mandamentos estão divididos em duas tábuas. Três foram
escritos numa tábua e sete na outra» .

A primeira tábua da Lei


Nesta aula iremos estudar os primeiros três mandamentos que são os seguintes, seguindo a
fórmula da Catequese apresentada no Compêndio do Catecismo: 1º - Adorar a Deus e amá-lo
sobre todas as coisas; 2º - Não invocarás o santo nome de Deus em vão; 3º - Santificar os
Domingos e festas de guarda.

Estes três primeiros mandamentos se referem diretamente a Deus e ao amor e honra que
devemos prestar-Lhe. “Deus foi o primeiro a amar. O amor do Deus único é lembrado na primeira
das «dez palavras». Em seguida, os mandamentos explicitam a resposta de amor que o homem
é chamado a dar ao seu Deus” CIC 2083.

2
O Amor de Deus sobre todas as coisas
O primeiro mandamento, como o próprio Cristo o ensinou, resume os deveres do homem para
com Deus: “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo teu coração, com toda a tua alma e com todo
o teu entendimento. Esse é o maior e primeiro mandamento”. Mt 22, 37-38. No antigo
testamento o primeiro preceito da Lei também implicava em ‘adorar e servir somente a Deus’,
‘prestando-lhe o culto devido’ e ‘não ter outros deuses perante o único Deus’.
Reconhecer o papel central de Deus em nossa vida e no mundo significa, antes de mais nada,
viver as três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade. Sendo Deus fiel aos seus desígnios
para conosco, perfeitamente justo e fonte de todo o bem que temos e somos, devemos aceitar
suas palavras e ter n’Ele uma fé e confiança plenas. A nossa resposta de gratidão deve ser uma
tentativa de amar a Deus como somos amados.
Amar a Deus, viver a caridade para com Deus, mais do que um princípio moral, é o fundamento
da santidade. A perfeição cristã consiste basicamente na perfeição da caridade. Nas Escrituras
temos muitas referências a essa sublimidade do amor de Deus:
“Sobretudo, revesti-vos do amor, que une a todos na perfeição” Col 3, 14.

“O amor não faz nenhum mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento perfeito da
Lei” Rm 13,10.
“Atualmente permanecem estas três: a fé, a esperança, o amor. Mas a maior delas é o amor” I
Cor 13,13.
Santo Tomás, com muita clareza, argumenta em favor da caridade como fundamento da
santidade do cristão do seguinte modo:
“Diz-se de um ser qualquer que é perfeito quando alcança seu próprio fim, que é a perfeição
última das coisas. Pois bem: a caridade é que nos une a Deus, fim último da alma humana; pois,
como diz São João, ‘o que vive na caridade permanece em Deus e Deus nele’ (I Jo 4, 16). Por
conseguinte, a perfeição da vida cristã se toma especialmente da caridade” Suma Teológica, II-
II, Q. 184, a. 1.
Viver o amor de Deus não pode ser algo teórico, que soa bonito, mas não tem implicações
efetivas em nossa vida. O cultivo do amor de Deus começa-se pedindo a graça da fé e cultivando-
a. O estudo das verdades reveladas, a busca de Deus na oração, a vida sacramental, são todos
modos de ganharmos intimidade com Deus para poder amá-lo de verdade.

O amor se manifesta inicialmente na luta contra o pecado, na purificação interior. Encaminha-


se para a prática do bem o cultivo da oração, alimentando-se com a Palavra de Deus e
aprofundando-se na fé; até que a pessoa vive somente de Deus. Santo Tomás o explica de modo
sucinto e muito claro esse itinerário de perfeição da caridade:
“No primeiro grau, a preocupação fundamental do homem deve ser a de afastarse do pecado e
resistir a suas concupiscências, que se movem contra a caridade. Isto pertence ao incipiantes,
nos que a caridade há de ser alimentada e fomentada para qu e não se corrompa.

No segundo grau, o homem há de se preocupar principalmente em adiantar-se no bem. Isto


correspondes aos proficientes, que devem procurar que a caridade aumente e se fortaleza na
sua alma.

3
Em terceiro grau, por fim, o homem deve procurar unir-se intimamente a Deus e fruir Dele. Isto
pertence aos perfeitos que ‘desejam morrer para estar com Cristo’ (cf. Fil I, 23). Como vemos que
ocorre no movimento corporal: que primeiro se abandona o ponto de partida, depois se
aproxima do término e, por fim, se descansa nele” Suma Teológica, II-II, 24, 9.

Tudo que nos afasta dessa meta, dessa busca em viver o mandamento mesmo de Cristo que nos
pede: “Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito” Mt 5, 48, são frustrações à nossa
santidade e podem, dependendo da sua gravidade e circunstâncias, ser inclusive pecados contra
o Primeiro Mandamento.
Tudo aquilo que significa desprezo ou indiferença para com Deus, falta de fé e confiança Nele,
são faltas ou pecados contra o Amor de Deus.

Pecados contra o Primeiro Mandamento


A incredulidade é um pecado contra a fé, pois significa o desprezo da revelação ou a recusa de
prestar-lhe assentimento (cfr. CIC 2089). A heresia e a apostasia são formas mais graves de falta
de fé, pois implicam negação pertinaz da fé por um batizado e repúdio total à fé cristã. Contra a
esperança, os pecados do desespero e da presunção são os mais notórios. Peca o homem que
deixa de esperar em Deus a sua salvação pessoal e diante das contrariedades e dificuldades da
vida virá as costas à Deus, negando Sua bondade, justiça e misericórdia. Por fim, pode -se pecar
contra o amor de Deus por indiferença (descuido ou recusa da caridade divina), ingratidão
(ignora o auxílio divino e não retribui ‘amor com amor’), tibieza (não quer corresponder a Deus
e trata com negligências as coisas de Deus) e mesmo o ódio contra Deus (culpar e amaldiçoar a
Deus, combatendo-o ou associando-se às forças do mal e do demônio).

Muitas vezes podemos ao confessar nossos pecados, lembrar apenas dos pecados que julgamos
serem os mais graves, pois são os que mais nos envergonham: pecados sexuais, iras e invejas
fúteis. Sem minimizar o efeito nocivo de qualquer pecado, devemos nos examinar com sentido
de hierarquia com o que é mais importante: se Deus é o último em nossos pensam entos,
irrelevante em nossas escolhas, recebe de nós nosso pior tempo do dia, mal é louvado, antes
repudiado por ingratidão e reclamações, então essas faltas devem doer mais fundo na alma, ser
motivo de maiores pedidos de perdão e decisão de mudança de vida. Caso contrário, nunca
chegaremos à essência mesma da nossa fé e do nosso destino sobrenatural diante de Deus.

“Não terás outros deuses diante de Mim” Dt 5, 7.


O primeiro mandamento nos convida a prestar a Deus o culto que Lhe é devido, com nossa
oração, adoração e sacrifício. Mesmo essa atitude, dirigida diretamente a Deus, nos faz bem: “A
adoração do Deus único liberta o homem de se fechar sobre si próprio, da escravidão do pecado
e da idolatria do mundo” CIC 2097. O Sacrifício da Santa Missa é o modo mais pleno de
prestarmos a Deus o culto devido, unindo-nos ao único sacrifício perfeito que Cristo ofereceu
na Cruz. O dever de prestar culto a Deus leva-nos a reflexão sobre a liberdade religiosa. Faz parte
da natureza humana esse desejo de buscar a verdade e a Igreja respeita a liberdade de cada
pessoa nessa busca, sem deixar de esforçar-se por dar a conhecer a todos “a única e verdadeira
religião que subsiste na Igreja Católica e Apostólica (cfr. CIC 2105).
O primeiro mandamento nos manda também ‘não ter outros deuses diante de Deus’, o que
significa repudiar todas as formas de superstição, idolatria, magia e irreligião. A superstição é a
crença em forças fora do poder de Deus, ou mesmo no âmbito das coisas de Deus, como os
sacramentos, crer que a materialidade do ato terá eficácia independentemente das disposições
interiores, como se fosse uma mágica. A idolatria consiste em divinizar o que não é Deus, seja

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‘deuses e demônios’ (satanismo), bem como o politeísmo e a atual ‘divinização’ do dinheiro, do
poder e das coisas do mundo. Qualquer tentativa de querer ‘domesticar’ poderes ocultos para
ter influência sobre si ou sobre outros, ofende a Deus. O Catecismo é bem concreto nesse ponto:
“Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas: recurso aos demônios, evocação dos
mortos ou outras práticas supostamente ‘reveladoras’ do futuro. A consulta dos horóscopos, a
astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e de sortes, os fenômenos de vidência,
o recurso aos "médiuns", tudo isso encerra uma vontade de dominar o tempo, a história e,
finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo de conluio com os poderes ocultos.
Todas essas práticas estão em contradição com a honra e o respeito, penetrados de temor
amoroso, que devemos a Deus e só a Ele” CIC 2116. Na leitura complementar ao fim da aula
explica-se em detalhe o problema do espiritismo e sua relação com a fé católica.

Por irreligião se entende as atitudes de tentar a Deus, duvidando de sua bondade. Também o
sacrilégio, que consiste em profanar as coisas, pessoas ou lugares sagrados: é um pecado grave,
principalmente quando cometido contra a Eucaristia. A simonia, que é a compra ou venda das
realidades espirituais, também é um ato de irreligião, o que não deve ser confundido com a
nossa obrigação de sustentar a Igreja em suas necessidades materiais. Por fim, as atitudes de
ateísmo e agnosticismo, que abrangem muitas formas, mas implicam em geral numa rejeição e
indiferença com relação a Deus, são pecados contra o primeiro mandamento. A gravidade
desses pecados dependerá de muitos fatores, atendendo às intenções e circunstâncias pessoais,
pois vivemos numa cultura em que a educação na fé é negligenciada, exposições falaciosas da
doutrina são comuns e são notórios as deficiências da vida religiosa, social e moral de muitos
cristãos, o que contribui para a difusão dessas atitudes para com Deus. Nós que queremos ser
bons católicos, devemos assumir “parte não pequena”, como diz o Catecismo, por muitos não
terem acesso ao “autêntico rosto de Deus” (cfr. CIC 2125).
A Igreja precisa de homens e mulheres que cultivem a sabedoria da fé em níveis profundos, à
altura das necessidades dos tempos atuais. No documento mais central do Concílio Vaticano II,
a Gaudium et Spes, lemos uma exposição dessa chamada a vivência da fé e do amor a Deus, na
profundidade do estudo e da sabedoria, para ter superar o mal que nos envolve e quer abafar a
espiritualidade:
“Participando da luz da inteligência divina, com razão pensa o homem que supera, pela
inteligência, o universo. Exercitando incansavelmente, no decurso dos séculos, o próprio
engenho, conseguiu ele grandes progressos nas ciências empíricas, nas técnicas e nas artes
liberais. Nos nossos dias, alcançou notáveis sucessos, sobretudo na investigação e conquista do
mundo material. Mas buscou sempre, e encontrou, uma verdade mais profunda. Porque a
inteligência não se limita ao domínio dos fenômenos; embora, em consequência do pecado,
esteja parcialmente obscurecida e debilitada, ela é capaz de atingir com certeza a realidade
inteligível.

Finalmente, a natureza espiritual da pessoa humana encontra e deve encontrar a sua perfeição
na sabedoria, que suavemente atrai o espírito do homem à busca e amor da verdade e do bem,
e graças à qual ele é levado por meio das coisas visíveis até às invisíveis.
Mais do que os séculos passados, o nosso tempo precisa de uma tal sabedoria, para que se
humanizem as novas descobertas dos homens. Está ameaçado, com efeito, o destino do mundo,
se não surgirem homens cheios de sabedoria. E é de notar que muitas nações, pobres em bens
econômicos, mas ricas em sabedoria, podem trazer às outras inapreciável contribuição. Pelo

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dom do Espírito Santo, o homem chega a contemplar e saborear, na fé, o mistério do plano
divino”.

O segundo mandamento
Este mandamento protege a santidade do Nome de Deus. Intimamente relacionado ao primeiro
mandamento, regula o uso das palavras nas coisas santas. O nome é revelador da pessoa, do
seu valor, da sua dignidade. Muito já se lutou pela honra do nome de uma família e, como coloca
o livro ‘Falar com Deus’: “Um nome é a representação de quem o usa, e a nossa atitude para
com esse nome é um reflexo dos sentimentos que nutrimos pela pessoa”.
O amor a Deus implica, portanto, em respeitar o seu Nome e tudo aquilo que Ele representa.
Poder falar em Deus e de Deus, é uma graça e o conhecimento que temos dEle faz parte da
revelação. Este mandamento “proíbe o abuso do nome de Deus, isto é, todo o uso inconveniente
do nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e de todos os santos” CIC 2146.

Na prática, implica em cumprir as promessas feitas em nome de Deus. Jurar em falso, colocando
o nome de Deus como testemunha e depois não ser fiel ao juramento, bem como o perjúrio,
que é fazer uma promessa sob juramento sem a intenção de a cumprir, são pecados contra o
segundo mandamento. Também é pecado a blasfêmia, que consiste em proferir contra Deus
palavras de ódio e irreverência. Estende -se também a tais atitudes contra a Igreja, os santos ou
coisas sagradas. Todo uso fútil ou leviano do nome de Deus, para proveito próprio ou como
respaldo das próprias intenções distorcidas ferem a dignidade desse mesmo Nome e são
pecados contra o segundo mandamento.

No Catecismo, ainda no tema do nome, fala da sacralidade do nome de cada um dos cristãos. O
Nome santo de Deus nos santifica, ao sermos batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo e, no batismo, recebemos um nome na Igreja. A Igreja incentia que os pais escolham
nomes cristãos para seus filhos, de modo a terem o patrocínio e o exemplo de um santo para
seguir e se inspirar. No entanto, Deus tem reservado para nós um nome particular, que denota
nossa vocação e nosso destino. Lê-se no livro do Apocalipse: “Ao vencedor [...] dar-lhe-ei uma
pedra na qual estará escrito um novo nome, que ninguém conhece, a não ser aquele que a
recebe” Ap 2, 17.

O terceiro mandamento
Na lei antiga dada ao povo de Israel, este mandamento mandava guardar o sábado como dia do
Senhor, pois é um memorial da criação, da libertação do Egito e sinal da Aliança. Com a vinda de
Cristo e o Mistério Pascal da Sua Morte e Ressurreição, o sábado deu lugar ao Domingo. Para os
cristãos, o domingo é sinal da nova criação, inaugurada com a Ressurreição de Cristo; também
representa a verdadeira libertação, pois nos livra do poder do pecado e da morte, sendo,
portanto, sinal da nova aliança instaurada por Cristo.

O domingo comemora a Páscoa de Cristo e passa ser uma obrigação moral para o cristão
guardar esse dia para “prestar a Deus um culto exterior, visível, público e regular”, participando
da Eucaristia Dominical. Assim o culto dominical cumpre o preceito da Antiga Aliança,
celebrando o Deus Criador e Redentor.

Uma antiga tradição, que remonta ao séc. V, fala do hábito de um cristão daquele tempo: “Vir
cedo à igreja, aproximar-se do Senhor e confessar os próprios pecados, arrepender-se deles na
oração [...], assistir à santa e divina liturgia, acabar a sua oração e não sair antes da despedida
[...]. Muitas vezes o temos dito: este dia évos dado para a oração e o descanso. É o dia que o
Senhor fez: nele exultemos e cantemos de alegria” (cfr. CIC 2178).

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O mandamento da Igreja nos diz que: “No domingo e nos outros dias festivos de preceito, os
fiéis têm obrigação de participar na Missa”. No Brasil, muitos dos dias de preceito são
transferidos para o domingo, com exceção do dia de Nossa Senhora Mãe de Deus (1 de Janeiro),
o Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (quinta-feira após a oitava de Pentecostes), a Imaculada
Conceição de Maria (8 de Dezembro) e o Natal do Senhor (25 de Dezembro). Cumprir o preceito
significa assistir à Missa de Rito Católico, seja no domingo ou na tarde do dia anterior. Os
católicos que deliberadamente não cumprem esse preceito, cometem um pecado grave.
Também neste caso, a obrigação é para o nosso bem: quem participa da Missa renova a sua
aliança com Deus, revive o Mistério Pascal de Cristo e, estando preparado, pode comungar o
Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, ganhando muitas graças para si e para toda a Igreja. Sabendo
tudo isso, tendo a possibilidade de assistir à Missa e decidir fazer outra coisa é uma negação da
aliança com Deus e da gratidão que Lhe devemos.
‘Ter a possibilidade de assistir à Missa’ é algo conquistado colocando esse preceito como o
principal de nosso domingo. Faltar à Missa por motivo de lazer ou uma impossibilidade que se
poderia evitar não exime de culpa. A obrigação de descanso ligada ao preceito de ‘guardar o Dia
do Senhor’ não significa que não se possa trabalhar, mas que o trabalho não impeça a pessoa
de assistir à Missa e dedicar-se um pouco à oração. Temos que cuidar também de não impor aos
outros algo que lhes impeça de cumprir o preceito dominical. Com o tempo, mais do que uma
obrigação, é um desejo profundo da alma: louvar a Deus no Santo Sacrifício do Altar e se unir a
Ele na Sagrada Comunhão.

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Leitura Complementar 2 - ESPIRITISMO: por que não sou espírita?

Por Dom Estevão Bettencourt (OSB)

Em síntese: São apontadas sete razões pelas quais um católico não pode ser espírita:
O ESPIRITISMO (tanto o kardecista quanto o afro-brasileiro) está baseado na hipótese de que
existe comunicação dos vivos com os mortos mediante artes mágicas ou receitas eficazes. Ora
isto é enorme ilusão, que só pode ter significado em ambientes que ignoram as conclusões da
ciência parapsicológica contemporânea (ciência que não existia nos tempos de Allan Kardec,
1804-1869). Além disto, a reencarnação - outra pedra básica da crença espírita - é postulado
sem fundamento; a parapsicologia e a reta explicação da fé católica dissipam facilmente os seus
pretensos fundamentos. Além disto, é de notar que o ESPIRITISMO é poderoso foco de doenças
mentais, como afirmam grandes médicos do Brasil, constituindo assim um problema que
interessa à saúde pública. Deve-se outrossim registrar que as próprias irmãs Fox, cujas
experiências deram origem ao ESPIRITISMO moderno, se retrataram, reconhecendo que se
serviram de truques para produzir os fenômenos que os circunstantes interpretam como
intervenções do além.

O ESPIRITISMO seduz muitos fiéis católicos, seja por causa dos "fatos prodigiosos" que lá
ocorrem, seja pela promessa de comunicação com os defuntos, seja porque o ESPIRITISMO às
vezes se reveste de capa católica, adotando nomes de Santos para seus Centros e louvando Jesus
Cristo...

Dai a necessidade de dizermos por que um católico não pode ser espírita. É o que faremos nas
páginas seguintes, abrangendo sob a designação de ESPIRITISMO também as religiões afro-
brasileiras (Umbanda, Candomblé, Macumba...); estas têm em comum com o kardecismo a
prática da evocação dos mortos e a crença na reencarnação (A relação entre ESPIRITISMO e
Umbanda, por exemplo, é tão íntima que há quem diga que a Umbanda é complementação
do ESPIRITISMO; seria a quarta revelação (após a de Moisés, a de Jesus Cristo e a de Allan
Kardec). Tenha-se em vista o texto do jornal "O Reformador'; órgão oficial da Federação Espírita
Brasileira, julho de 1953, p. 149 (Baseados em Kardec, é-nos lícito dizer: Todo aquele que crê nas
manifestações dos espíritos é espírita; ora o umbandista nelas crê, logo o umbandista é espírita...
Assim todo umbandista é espírita, porque aceita a manifestação dos Espíritos, mas nem todo
espírita é umbandista, porque nem todo espírita aceita as práticas de Umb anda”).

São sete as razões pelas quais não sou espírita (kardecista ou umbandista):

1. Grande Ilusão

Um dos fatores mais atraentes do ESPIRITISMO é a aparente comunicação com os espíritos


"desencarnados"; estes parecem acompanhar os vivos, consolando-os e orientando-os; é o que
ocorre nos casos do copo falante, da psicografia, das casas mal-assombradas, etc.

Ora a explicação desses fenômenos por intervenção de espíritos do além podia ter crédito nos
tempos de Allan Kardec (1804-1869). Hoje, porém, o estudo do psiquismo humano mostra que
todos os fenômenos ditos "de mediunidade" são meras expressões do psiquismo do médium e
de seus assistentes. Com efeito, a parapsicologia ensina que temos 7/8 de nossos
conhecimentos (adquiridos desde a infância) em nosso inconsciente; usamos apenas 1/8 daquilo
que sabemos. Ora, por efeito da sugestão, essas noções latentes sobem à consciência do
indivíduo e lhe possibilitam manifestações que parecem estranhas, oriundas do além, quando
na verdade são apenas expressões daquilo que a pessoa viu, ouviu, sentiu no decorrer da sua
vida presente.

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O inconsciente, a sugestão e uma grande sensibilidade são, portanto, os principais fatores que
explicam os fenômenos mediúnicos. O inconsciente é um enorme repertório de imagens, sons
e experiências latentes no ser humano; está sujeito a ser ativado pela sugestão de que o médium
vai receber um espírito do além e, por isto, terá que representar um papel condizente com tal
"incorporação".

Não há fenômeno mediúnico nenhum que não possa ser explicado pela parapsicologia, de modo
que é falso recorrer a intervenções do além para compreendê -los.

Somente quem permite que a emoção e os sentimentos preponderem sobre o raciocínio e a


ciência, pode aderir ao ESPIRITISMO. Este não é ciência, como diz, mas (doloroso é dizê-lo) é
obscurantismo, pois supõe ainda o contexto do século XIX e ignora os resultados comprovados
da Psicologia contemporânea.

2. O desmentido das irmãs Margaret e Katy Fox

1. Pouco se conhece um fato importante:

O ESPIRITISMO moderno, como dizem os próprios espíritas, começa em Hydesville (N.Y., U.S.A.)
em 1848. Certa noite, o pastor protestante John Fox, sua esposa e as duas filhas Margarida e
Catarina estavam a conversar sobre estranhos fenômenos de "assombração"; Catarina então
produziu estalos com os dedos; notaram todos que alguém os repetia. Por sua vez, Margarida
produziu estalos e encontrou eco. Apavorada, a Sra. Fox perguntou: "É homem ou mulher que
está batendo?", mas não obteve resposta. Insistiu então: "É espírito? Se é espírito, bata duas
vezes". Produziram-se duas breves pancadas. Concluiu assim que um espírito "desencarnado"
estava em comunicação com a família. Segundo se diz, os próprios espíritos indicaram às irmãs
Fox em 1850 nova forma de comunicação: que os interessados se colocassem em torno de uma
mesa, em cima da qual poriam as mãos; às interrogações que fizessem aos espíritos, a mesa
responderia com golpes e movimentos indicadores de letras do alfabeto e de palavras.

Em pouco tempo, as novas práticas se espalharam pelos Estados Unidos, pelo Canadá e pelo
México. Atravessaram o Atlântico, chegando à Escócia e à Inglaterra, passaram para a Alemanha
e outros países europeus, encontrando em 1854 na França o seu grande doutrinador: Léon
Hippolyte-Denizart-Rivail, que tomou o nome de Allan Kardec, pois julgava ser a reencarnação
de um poeta celta do mesmo nome.

2. Ora eis o depoimento de Margaret Fox, publicado no jornal "The New York Herald", de
24/9/1888:

"Quando o ESPIRITISMO começou, Kate e eu éramos criancinhas e essa velha mulher, minha
outra irmã, fez de nós seus instrumentos. Nossa mãe era uma tola. Era uma fanática. Assim a
chamo porque era honesta. Acreditava nessas coisas. De fato, o ESPIRITISMO começou com um
nada. Éramos apenas criancinhas inocentes. Que sabíamos nós? Ah, chegamos a saber demais!
Nossa irmã serviu-se de nós em suas exibições; ganhávamos dinheiro para ela. Agora vira-se
contra nós porque é esposa de um homem rico e sempre que ela o pode, opõe-se a nós.

O Dr. Kane encontrou-me quando eu levava essa vida. (Sua voz tremeu, aqui, e quase
desfaleceu). Tinha eu apenas treze anos quando ele me livrou disso, colocando-me num colégio.
Fui educada em Filadélfia. Aos dezesseis anos casei-me com ele na ocasião em que voltou de
uma expedição ártica. Agora, chegamos à triste história, tão triste... Ele se achava muito
doente...

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"Quando recuperei as forças, fui novamente empurrada para o ESPIRITISMO. Dei exibições com
minha queridíssima irmã Kate. Sabia, então, é claro, que todos os efeitos por nós produzidos
eram absolutamente fraudulentos. Ora, tenho explorado o desconhecido na medida em que uma
criatura humana o pode. Tenho ido aos mortos, procurando receber deles um pequeno sinal.
Nada vem daí - nada, nada. Tenho estado junto às sepulturas, na calada da noite, com licença
dos encarregados. Tenho-me assentado sozinha sobre os túmulos, para que os espíritos daqueles
que repousavam debaixo da pedra pudessem vir ter comigo. Tenho procurado obter algum sinal.
Nada! Não, não, não, os mortos não hão de voltar, nem aqueles que caem no inferno. Assim o
diza Bíblia católica, e eu o digo também. Os espíritos não voltam. Deus nunca o ordenou".

3. Por sua vez, a Sra. Katy Fox (casada com o Sr. Jencken), deixou o seguinte testemunho,
publicado no "The New York Herald", de 10/10/1888:

"O ESPIRITISMO é fraude do princípio ao fim. É a maior impostura do século. Não sei se ela já lhe
disse isso, mas Maggie e eu começamos quando éramos crianças muito pequeninas, pequenas
e inocentes demais para compreendermos o que fazíamos. Nossa irmã Leah contava vinte e três
anos mais que nós. Iniciadas no caminho do engano e encorajadas a isso, continuamos, é claro.
Outros, com bastante idade para se envergonharem de tal infâmia, apresentaram -nos ao
mundo. Minha irmã Leah publicou um livro intitulado O Elo que faltava ao ESPIRITISMO.
Pretende contar a verdadeira história do movimento, tanto quanto se originou conosco. Ora, só
há no livro falsidade, do início ao fim. Salvo o fato de que foi Horace Greeley que me educou. O
restante é uma cadeia de mentiras".

Notemos que, além da explicação por truques, ocorre a explicação pela parapsicologia, quando
se trata de fenômenos mediúnicos Em nossos dias pode-se crer que a maioria dos médiuns e
freqüentadores do ESPIRITISMO são pessoas sinceras e de boa fé; sem o saber, estão
provocando fenômenos parapsicológicos, que elas atribuem à intervenção de "espíritos
desencarnados".

3. Fator de doenças mentais

A excitação do psiquismo humano provocado pelo exercício da mediunidade não pode deixar
de traumatizar a pessoa e tornar-se foco de doenças mentais. Atestam-no grandes médicos do
Brasil, habituados a tratar de psicopatologias diversas. Eis um dentre vários depoimentos,
colhidos por D. Boaventura Kloppenburg num inquérito realizado em 1953:

Dr. Luis Robalinho Cavalcanti:

"Não é aconselhável promover o desenvolvimento das faculdades mediúnicas, desde que se trata
de fenômenos psicopatológicos prejudiciais ao indivíduo. O médium deve ser considerado como
uma personalidade anormal, predisposto a enfermidades mentais, ou já portador de psicopatias
crônicas ou em evolução. As práticas mediúnicas são prejudiciais à saúde mental da coletividade,
retardando o tratamento dos pacientes, que muitas vezes chegam às mãos do médico com
enfermidade já cronificada. O ESPIRITISMO põe em evidência enfermidades mentais
preexistentes e desencadeia reações psicopatológicas em predispostos. . São convenientes
medidas que visem a evitar a prática de atividades médicas e terapêuticas por se tratar de
contravenção, proibida pelas leis sanitárias, que só reconhecem ao médico com diploma
devidamente registrado nos órgãos competentes o direito de tratar pessoas doentes".

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4. Reencarnação

A reencarnação vem a ser tese arbitrária, para a qual não há fundamento objetivo. Aliás, é tão
subjetiva que os espíritas mesmos não concordam entre si a respeito.

Assim, por exemplo, enquanto os espíritas latinos admitem firmemente a reencarnação, os


anglo-saxões a rejeitam. E por quê? - Porque os anglo-saxões, movidos por preconceitos racistas,
não podem imaginar que voltarão à Terra num corpo de raça negra ou indígena.

Mesmo entre os reencarnacionistas há divergências: alguns dizem que a reencarnação é lei


geral, ao passo que outros a admitem apenas para os espíritos mais atrasados ou para os
perfeitos, que têm de cumprir alguma missão na Terra. Uns sustentam que o ser humano se
reencarna sempre no mesmo sexo, enquanto outros professam variação alternativa de sexo.
Uns ensinam que a reencarnação se faz apenas na Terra, enquanto outros admitem que ocorra
também em outros planetas. Uns pensam que a reencarnação se dá pouco depois da morte,
outros afirmam um intervalo de mil e quinhentos anos precisamente. Uns julgam que a
reencarnação é não só progressiva, mas também regressiva, de modo que o indivíduo pode
voltar à Terra num corpo animal ou vegetal; outros, ao contrário, dizem que a reencarnação não
pode ser regressiva, mas, na pior das hipóteses, é estacionária por algum tempo... É que, na
verdade, ninguém sabe o que foi em "encarnação anterior".

Esta variedade de sentenças manifesta bem que a doutrina da reencarnação carece de base
objetiva; é, antes, um postulado fantasioso dos que a professam. Com efeito; vejamos os
argumentos aduzidos pelos reencarnacionistas:

1) Os testemunhos de vida pregressa obtidos em estado de transe hipnótico. - Um estudo


apurado dos mesmos revela que nada mais são do que a combinação de impressões colhidas
durante esta vida mesma e guardados no inconsciente do sujeito. Este, sugestionado pelo
hipnotizador de que viveu uma encarnação anterior, projeta essas impressões em combinação
livre, tecendo o enredo de uma "vida pregressa"!

2) A desigualdade das sortes humanas só se explicaria como conseqüência de atos bons ou


maus praticados numa encarnação anterior. - Respondemos que Deus é livre para criar os
homens como Ele os quer; a cada qual dá a graça para que se santifique e chegue à vida eterna;
às vezes uma pessoa tida como pobre ou doente no plano material e passageiro pode ser
extraordinariamente rica e sadia no plano dos valores definitivos. Ademais, segundo os
princípios reencarnacionistas, quem atualmente é doente e pobre é um pecador que está
expiando pecados da vida passada, ao passo que os ricos e sadios são pessoas virtuosas que
estão recebendo o prêmio dos atos bons praticados em encarnação anterior. Ora tais conclusões
são absurdas.

3) Os demais fenômenos tidos como provas da reencarnação (o "já visto", os gênios, a memória
extraordinária...) são facilmente explicados pela parapsicologia como expressões do psiquismo
humano.

4) O conceito de inferno... - Muitas vezes a má compreensão do que seja o inferno, leva a rejeitá-
lo em favor do reencarnacionismo. Na verdade, o inferno não é tanque de enxofre fumegante
atiçado por diabos munidos de tridentes, mas é um estado de alma, no qual o indivíduo se
projeta por dizer Não a Deus: após a morte a pessoa que morre consciente e voluntariamente
avessa a Deus, é respeitada em sua opção, mas não pode deixar de reconhecer que Deus é o
Sumo Bem... e o Sumo Bem que continua a amá-la irreversivelmente. É o fato de que Deus ama
uma vez por todas, mas foi conscientemente preterido em favor de bagatelas, que causa o

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tormento do réprobo. Se Deus desviasse do réprobo o seu amor, ele não sofreria o inferno; mas
Deus não pode deixar de amar, porque Ele não se pode contradizer. É precisamente nisto que
está o princípio do inferno. Vê-se assim que o inferno, longe de contradizer ao amor de Deus,
decorre, de certo modo, da grandeza divina desse amor.

5) O reencarnacionismo atribui ao homem o poder de salvar a si mesmo mediante sucessivas


existências na carne, durante ao quais o indivíduo mesmo se aperfeiçoa por seus esforços. Ao
contrário, o bom senso e a fé mostram que o homem é, por si só, incapaz de se libertar do
pecado e necessita da graça de Deus para se salvar. Somente numa perspectiva panteísta (ver
n° 5, a seguir) é que se pode admitir a auto-salvação do homem (pois no caso ele é parcela da
Divindade); contudo numa perspectiva monoteísta, segundo a qual Deus é distinto do mundo e
do homem, é lógico que o homem, limitado e falho como é, necessita de Deus para se auto -
realizar plenamente.

5. Panteísmo

O ESPIRITISMO, seja o kardecista, seja o afro-brasileiro, parece dar menos importância a Deus
do que aos espíritos desencarnados. O culto espírita versa geralmente sobre a comunicação com
os mortos.

Quando tratam de Deus, vários autores espíritas professam o panteísmo, ou seja, a identificação
de Deus com o mundo e o homem. Ora tal conceito é ilógico e aberrante, pois Deus, por
definição, é o Absoluto e Eterno, ao passo que toda criatura é relativa, contingente e
temporária.

Eis alguns testemunhos significativos:

Leão Denis: "Deus é a grande alma universal, de que toda alma humana é uma centelha, uma
irradiação. Cada um de nós possui em estado latente forças emanadas do divino Foco"
("Cristianismo e ESPIRITISMO", 5a. edição, p. 24).

Leão Denis: "O Ser Supremo não existe fora do mundo, porque é sua parte integrante e
essencial" ("Depois da morte", 6a. edição, p. 6).

O escritor espírita Rangel Veloso diz ter ouvido a seguinte declaração num Centro Espírita:

"Deus é como uma folha de papel, rasgadinha em milhões, bilhões e não sei quantas mais
divisões. Lançados esses pedacinhos de papel no Universo, cada pedacinho de papel representa
um homem e um ser existente; todos reunidos, formando o todo, é Deus" ("Pseudo -sábios ou
Falsos Profetas", 1947, p. 34).

(Textos colhidos no opúsculo de Frei Boaventura Kloppenburg: "Por que a Igreja condenou
o ESPIRITISMO", 2a. edição, Petrópolis 1954, p. 29).

6. "Fora da Caridade não há Salvação"

O ESPIRITISMO apregoa em alta voz a prática da caridade, sem a qual não há salvação. - Tem
razão em afirmar a importância da caridade. Todavia os espíritas chegam a relativizar a verdade,
como se esta fosse algo de secundário, que não se teria de levar em consideração. - Ora
observamos que o ser humano foi feito para apreender a verdade com a sua inteligência e
praticar o bem e o amor em seu comportamento. Por isto não se pode dizer que basta a caridade
para a salvação eterna. Em nome da caridade mal entendida (ou mal iluminada pela razão e a
fé), podem-se cometer autênticas aberrações; a caridade desorientada pode tornar-se mero

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rótulo que dê aparência legitima ao egoísmo e à exploração do próximo. - De resto, a prática da
caridade não é apanágio do ESPIRITISMO, pois a Igreja Católica durante toda a sua história
(portanto já muito antes de Allan Kardec) sempre se empenhou pela sorte dos carentes tanto
de corpo como de alma; muitos e muitos Santos foram e são verdadeiros heróis do serviço ao
próximo.

7. A Bíblia rejeita

Para quem é cristão, o texto bíblico tem valor de guia fundamental. Ora a Bíblia condena
eloqüentemente a evocação dos mortos:

Lv 19,31: "Não vos voltareis para os necromantes nem consultareis os adivinhos, pois eles vos
contaminariam".

Lv 20,6: "Aquele que recorrer aos necromantes e aos adivinhos para se prostituir com eles,
voltar-me-ei contra esse homem e o exterminarei do meio do seu povo".

Lv 20,27: "O homem ou a mulher que, entre vós, for necromante ou adivinho, será morto, será
apedrejado, e o seu sangue cairá sobre ele ou ela".

Dt 18,10-14: "Que em teu meio não se encontre alguém que queime seu filho ou sua filha, nem
que faça presságio, oráculo, adivinhação ou magia, ou que pratique encantamentos, que
interrogue espíritos ou adivinhos, ou ainda que invoque os mortos; pois quem pratica essas
coisas é abominável a Javé, e é por causa dessas abominações que Javé teu Deus desalojará
nações em teu favor... Eis que as nações que vais conquistar ouvem oráculos e adivinhos. Quanto
a ti, isso não te é permitido por Javé teu Deus". Ver ainda 2Rs 17,17, Is 8, 19s.

A proibição se deve não à suposição de que os mortos sejam incomodados pelos vivos, mas ao
fato de que não há receita que garanta a comunicação entre vivos e mortos. A necromancia é
superstição. A oração que os cristãos dirigem aos Santos, não se baseia em fórmulas ou receitas
mágicas, mas unicamente na convicção de que Deus quer conservar a comunhão entre os
membros do Corpo Místico de Cristo; por isto Ele faz que os justos no céu tomem conhecimento
das preces despretensiosas que lhes dirigimos na Terra e, em conseqüência, intercedam por nós.

Quanto ao caso de Saul, que evocou Samuel mediante a pitonisa de Endor e foi atendido (cf. l
Sm 28,5-15), não é paradigma, pois diz a própria Bíblia que Saul foi condenado por causa disso
(cf. 1Cr 10,3). Deus permitiu que Saul recebesse de Samuel, naquele momento, a advertência de
que estava no fim sua vida terrestre e no dia seguinte ia morrer; foi por causa da importância
solene daquela hora que Deus permitiu a resposta de Samuel; ela não foi provocada pela arte
da adivinha; esta apenas forneceu a ocasião ou as circunstâncias da manifestação de Samuel.

=-=-=
Eis por que não sou, nem posso ser, espírita. Religião não é apenas emoção e sentimento, mas
é culto de Deus e serviço aos homens, sempre iluminado pelas luzes da razão e da fé na Palavra
de Deus. O que muito atrai as pessoas ao ESPIRITISMO, é a capacidade que este tem de suscitar
afetos e emoções diversas, muitas vezes desligadas de senso lógico e espírito critico. Ora quem
permite que os sentimentos preponderem sobre o raciocínio, arrisca-se a cometer graves erros
doutrinários e prejudicar sua saúde psíquica... principalmente quando se trata de religião, que
é um dos fatores mais aptos a impressionar o ser humano

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Curso de Iniciação Cristã
Aula 10 – Sexualidade, Castidade e Família: 4º, 6º e 9º
mandamentos

2021
Aula 10 – Sexualidade, Castidade e Família: 4º, 6º e 9º
mandamentos
Introdução
“Deus é amor e vive em Si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Ao criar a
humanidade do homem e da mulher à sua imagem, Deus inscreveu nela a vocação para o amor
e para a comunhão” CIC 2331. Homem e mulher são, com igual dignidade, cada um a seu modo,
imagem do poder e da ternura de Deus. A diferença e a complementaridade físicas, morais e
espirituais que existem entre o homem e a mulher refletem uma identidade sexual que convida
à comunhão. A sexualidade humana diz respeito a essa aptidão para criar laços de comunhão,
integrando a afetividade, a capacidade de amar e procriar. (cfr. CIC 2332-2335).

A união do homem e da mulher no matrimônio é uma maneira de viver a vocação à comunhão


e funda a família cristã. Esta é uma célula originária da vida social, fundamento da liberdade, da
segurança e da fraternidade no seio da sociedade. A relação dos esposos entre si e com seus
filhos é para todos uma escola de valores, um exercício do amor de doação e fonte de muitas
alegrias, além de ser o ponto de referência para as demais relações sociais da pessoa.

Na atualidade, a moral sexual reveste-se de importância singular justamente na medida em que


protege a família e a vocação ao amor contra a tentação do egoísmo e a perversão da dignidade
pessoal. A perde do valor da identidade sexual, a banalização do sexo e a dissociação do aspecto
procriativo e unitivo no ato conjugal, têm gerado inúmeros males para a sociedade e para a
verdadeira realização da pessoa. O entendimento da moral sexual passa pela compreensão de
três aspectos inter-relacionados: a integridade da pessoa, a integridade do dom de si e o valor
da família.

A integridade da pessoa
A sexualidade vivida segundo a dignidade da pessoa, expressa a unidade no interior do homem
do seu ser corporal e espiritual. A virtude que representa essa integridade é a castidade. Ela
implica a aprendizagem do domínio de si de modo a viver as escolhas na liberdade. Vimos que
um efeito do pecado original em nós é a concupiscência, que desregra nossas faculdades morais,
inclinando-nos ao pecado (cfr. CIC 2516). A vocação à comunhão, pervertida pela
concupiscência, transforma-se em desejo de exploração e dominação. A pessoa torna-se objeto
de prazer e a faculdade de amar através da sexualidade veículo de auto-satisfação. A realidade
do pecado toma o lugar do amor e da doação, instaurando a escravidão do vício e o gosto
amargo da frustração. “A alternativa é clara: ou o homem comanda as suas paixões e alcança a
paz, ou se deixa dominar por elas e torna-se infeliz” CIC 2339.

“O domínio de si é uma obra de grande fôlego. Nunca poderá considerar-se totalmente


adquirido”. CIC 2342. No entanto, a luta pessoal e a ajuda da graça faz com que cada um passe
por um processo de amadurecimento. “A castidade conhece leis de crescimento e passa por
fases marcadas pela imperfeição, muitas vezes até pelo pecado” CIC 2343.

A luta começa pela purificação do coração. “A pureza do coração (...) permitenos ver segundo
Deus, aceitar o outro como um ‘próximo’ e compreender o corpo humano, o nosso e o do
próximo, como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina” CIC 2519. A
disciplina dos sentidos e da imaginação, a pureza do olhar e a luta por viver o pudor são meios
importantes para viver a castidade. Existe também um aspecto cultural na luta por esta virtude,
pois o desenvolvimento da pessoa e da sociedade estão relacionados.

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A integralidade do dom de si
“O domínio de si ordena-se para o dom de si. A castidade leva quem a pratica a tornar-se, junto
do próximo, testemunha da fidelidade e da ternura de Deus” CIC 2347. A amizade é uma vivência
desse dom e tem como referência a amizade de Cristo por nós. Uma grande amizade conduz à
comunhão espiritual.

A orientação da afetividade na castidade configura também a vocação ao dom de si. A


afetividade orientada à pessoa do sexo oposto, com o desejo de fundir ambas vidas numa
comunhão de amor através do matrimônio, implica na vivência da castidade conjugal. A
afetividade orientada diretamente a Deus, com o desejo de se entregar com um coração indiviso
e viver já na terra a vocação de amor a que todos estamos chamados a viver no Céu, implica na
vivência da virgindade ou celibato.

As pessoas solteiras, estejam elas se preparando para o matrimônio ou num estado de vida
estável na Igreja, estão todas convidadas a viverem a castidade na continência. Se são noivos,
como ensina o Catecismo: “farão, neste tempo de prova, a descoberta do respeito mútuo, a
aprendizagem da fidelidade e da esperança de se receberem um ao outro de Deus. Reservarão
para o tempo do matrimônio as manifestações de ternura específicas do amor conjugal. Ajudar-
se-ão mutuamente a crescer na castidade” CIC 2350.

A moralidade do prazer sexual


De tudo o que foi comentado até agora, fica evidente o valor sublime da sexualidade humana,
intimamente ligada à vocação sobrenatural da pessoa. As desordem e ofensas nesse âmbito
surgem quando se rompe a integridade da pessoa e o paradigma do dom de si é substituído pelo
da auto-satisfação, em que a busca do prazer se erige como fim e norteador da tomada de
decisões. Mas como entender o papel do prazer na moral sexual cristã? Quando é moralmente
lícito? Antes de respondermos temos que entender alguns conceitos importantes, seguindo o
ensinamento do Papa João Paulo II no livro Amor e Responsabilidade.

A afetividade e a sensualidade na pessoa são veículos para o amor. Na relação interpessoal,


‘amar’ significa o oposto a ‘usar’. Usa-se um objeto, em geral, como meio para se chegar a um
fim. Poderia uma pessoa ser um objeto, um meio, para outra chegar a um determinado fim? Isso
implicaria uma ofensa à dignidade da pessoa, que sendo sujeito livre, ao ser tratado como
objeto, fica reduzido ao objeto. Ora, nas relações de natureza sexual, parece que a mulher é o
‘meio’ pelo qual o homem satisfaz sua concupiscência e vice-versa. Mas reduzido a isso, a
sexualidade instrumentalizaria o ser humano, sendo ofensiva à sua própria dignidade. Quando
os valores sexuais da pessoa são buscados em detrimento do valor da pessoa como um todo,
perde-se o sentido de comunhão da sexualidade.

Existe verdadeira comunhão quando duas pessoas se unem em busca de um mesmo bem, que
se constitui em finalidade para ambas. A atuação de ambas fica subordinada a esse bem, não
existindo mais a utilização de uma pessoa por parte da outra. “O matrimônio é o campo preferido
deste princípio, porque no matrimônio duas pessoas, homem e mulher, unem-se de tal modo que
se tornam um ‘só corpo’, segundo a expressão do Livro do Gênesis, ‘um só sujeito de vida sexual’.
Como evitar que uma delas se torne então para a outra - a mulher para o homem e o homem
para a mulher - um objeto de que se serve para atingir os próprios fins? Para o conseguir, é
preciso que ambas tenham um fim comum. No matrimônio será a procriação, a descendência, a

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família e, ao mesmo tempo, a crescente maturidade nas relações de duas pessoas em todos os
planos da comunidade conjugal” (Amor e Responsabilidade).

Somente no matrimônio, portanto, é possível viver a experiência do prazer sexual e preservar o


valor da pessoa e o sentido da sexualidade humana como uma vocação ao amor. Vivido assim,
o prazer é uma dádiva de Deus que orienta a tendência sexual para o bem da pessoa. Buscado
fora desse contexto, o prazer desvia a pessoa da sua realização pessoal, pois o paradigma da
autossatisfação supera o da doação de si, frustrando a vocação ao amor e vencendo o apelo do
egoísmo. O prazer em si mesmo não é bom ou mal, mas as ações humanas do qual deriva podem
ser objeto de julgamento moral. A ideia de que o prazer é condenado pela moral sexual cristã e
que o sexo serve apenas para a procriação não condiz com a doutrina católica. Por outro lado, a
atitude hedonista que justifica a busca do prazer em si mesma, sem qualquer referência moral
sobre o bem da pessoa, tampouco faz parte da moral sexual católica.

“A sexualidade é fonte de alegria e de prazer: «Foi o próprio Criador Quem [...] estabeleceu que,
nesta função [da geração], os esposos experimentassem prazer e satisfação do corpo e do
espírito. Portanto, os esposos não fazem nada de mal ao procurar este prazer e gozar dele.
Aceitam o que o Criador lhes destinou. No entanto, devem saber manter-se dentro dos limites
duma justa moderação" CIC 2362.

As ofensas à castidade
O prazer buscado em detrimento do valor da pessoa, desvinculado do sentido da sexualidade
no matrimônio ou desfigurando a essência do ato conjugal é a fonte dos pecados contra o sexto
mandamento. Esse desejo desordenado de prazer venéreo chama-se luxúria, um dos sete
pecados capitais.

A masturbação uma vez que desvincula a faculdade sexual das normais relações conjugais, é
intrínseca e gravemente desordenada. No entanto, para formular um juízo sobre a
responsabilidade moral dos sujeitos, o Catecismo ensina que: “deverá ter-se em conta a
imaturidade afetiva, a força de hábitos contraídos, o estado de angústia e outros fatores
psíquicos ou sociais que podem atenuar, ou até reduzir ao mínimo, a culpabilidade moral” CIC
2352.

A união sexual fora do casamento entre um homem e uma mulher livres é gravemente contrária
à castidade, pois os elementos essenciais de união estável dos esposos e abertura à fecundidade
no âmbito da família não estão presentes. Se envolve corrupção de jovens, torna-se mais grave.
Muito se argumenta que o ‘amor’ justifica tais uniões, mas é um conceito de ‘amor’ sentimental
e superficial, que responde mais aos estímulos da sensibilidade do que aos ditames da razão e
da vontade.

A pornografia desnatura o ato conjugal e atenta contra a dignidade das pessoas intervenientes
(atores, comerciantes, público), tornando-se objeto de prazer vulgar e lucro ilícito. “As
autoridades civis devem impedir a produção e distribuição de material pornográfico” CIC 2354.

A prostituição reduz a pessoa a objeto de prazer, ofendendo sua dignidade. Também aquele que
paga, ofende a dignidade do próprio corpo, que está chamado a ser templo do Espírito Santo
(cfr. 1 Co 6, 15-20). Também é um flagelo social que deve ser combatido com seriedade pelas
autoridades civis.

4
O estupro ofende profundamente o direito de cada um ao respeito, à liberdade e à integridade
física e moral. É sempre intrinsecamente mal, tanto mais grave quando envolve parentes (caso
de incesto) ou exploração de menores (cfr. CIC 2356).

A homossexualidade entendida como a prática de relações entre pessoas do mesmo sexo, são
“contrárias à lei natural, fecham o ato sexual ao dom da vida, não procedem de uma verdadeira
complementariedade afetiva sexual”, não podendo, portanto, de modo algum, ser aprovados
do ponto de vista moral. No entanto, as tendências homessexuais, profundamente radicadas
em algumas pessoas e ainda em grande parte por explicar em sua gênese psíquica, constutiu
para essas pessoas uma provação. Como ensina o Catecismo, tais pessoas: “Devem ser acolhidos
com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de
discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na sua vida a vontade de Deus e,
se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar
devido à sua condição. As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do
autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade
desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem aproximar-se, gradual e
resolutamente, da perfeição cristã” CIC 2358-2359.

As principais ofensas à dignidade do matrimônio são: o adultério, o divórcio e a união livre.

A infidelidade conjugal ou adultério é uma injustiça, viola o vínculo matrimonial, lesa o direito
do outro cônjuge e atenta contra a instituição do matrimônio. Compromete também o bem da
geração dos filhos que tem necessidade da união estável dos pais. (cfr. CIC 2380-2381).

O divórcio ao pretender romper o contrato assumido livremente pelos esposos até a morte, é
uma ofensa à lei natural. Além disso, é uma injúria à aliança da salvação do qual o matrimônio
sacramental é sinal. A separação, permanecendo o vínculo matrimonial, pode ser legítima em
caso específicos, mesmo com divórcio civil. No entanto, se um dos cônjuges estabelece uma
nova união estável, encontra-se em estado de adultério público e permanente (cfr. CIC 2384).
“O caráter imoral do divórcio advém-lhe também da desordem que introduz na célula familiar e
na sociedade. Esta desordem traz consigo prejuízos graves: para o cônjuge que fica abandonado;
para os filhos, traumatizados pela separação dos pais e, muitas vezes, objeto de contenda entre
eles; e pelo seu efeito de contágio, que faz dele uma verdadeira praga social. Pode acontecer
que um dos cônjuges seja a vítima inocente do divórcio declarado pela lei civil; esse, então, não
viola o preceito moral. Há uma grande diferença entre o cônjuge que sinceramente se esforçou
por ser fiel ao sacramento do matrimônio e se vê injustamente abandonado, e aquele que, por
uma falta grave da sua parte, destrói um matrimônio canonicamente válido”. CIC 2385-2386.

O Catecismo explica a união livre da seguinte forma: “Há união livre quando homem e mulher
recusam dar forma jurídica e pública a uma ligação que implica intimidade sexual. A expressão
é falaciosa: que pode significar uma união em que as pessoas não se comprometem uma para
com a outra, testemunhando assim uma falta de confiança na outra, em si mesmas, ou no
futuro? A expressão tenta camuflar situações diferentes: concubinato, recusado matrimônio
como tal, incapacidade de se ligar por compromissos a longo prazo. Todas estas situações
ofendem a dignidade do matrimônio; destroem a própria ideia de família; enfraquecem o sentido
da fidelidade.

“Hoje em dia, há muitos que reclamam uma espécie de «direito à experiência», quando há
intenção de contrair matrimônio. Seja qual for a firmeza do propósito daqueles que enveredam
por relações sexuais prematuras, «estas não permitem assegurar que a sinceridade e a fidelidade
da relação interpessoal dum homem e duma mulher fiquem a salvo nem, sobretudo, que esta

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relação fique protegida de volubilidade dos desejos e dos caprichos». A união carnal só é legítima
quando se tiver instaurado uma definitiva comunidade de vida entre o homem e a mulher. O
amor humano não tolera o «ensaio». Exige o dom total e definitivo das pessoas entre si” CIC
2390-2391.

Sobre a moralidade da contracepção, bem como uma análise do impacto dos anticoncepcionais
na vivência da sexualidade, veja a Leitura Complementar abaixo.

A família e os deveres de filhos para pais e pais para filhos


Vimos que a importância da sexualidade e do matrimônio está na sua orientação para a família.
A espelho da Igreja, a família deve ser uma comunidade de fé, esperança e caridade. “É ela a
sociedade natural em que o homem e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom
da vida (...), sendo verdadeiro reflexo da obra criadora do Pai” CIC 2205,2207. Como célula
originária da vida social, deve ser protegida, juntamente com o matrimônio, pelas medidas
sociais adequadas.

Os filhos tem o dever de honrar e respeitar seus pais. Toda paternidade humana tem sua fonte
na paternidade de Deus (cfr. CIC 2214). Além do respeito, os filhos devem obedecer seus pais
em tudo aquilo que em consciência perceberem ser justo. Essa obediência devemos também
aos educadores indicados pelos nossos pais e sobre aqueles que exerçam alguma autoridade
legítima sobre nós. Os filhos adultos tem o dever moral de amparar seus pais na velhice. O livro
do Eclesiástico nos diz: “Filho, ampara o teu pai na velhice, não o desgostes durante a sua vida.
Mesmo se ele vier a perder a razão, sê indulgente, não o desprezes, tu que estás na plenitude
das tuas forças. Como é infame, quem desampara seu pai, e é amaldiçoado por Deus, quem
exaspera sua mãe”. Eclo 3, 12-16.

O papel dos pais, por sua vez, não se restringe à procriação, mas à educação moral e formação
humana e espiritual. “O papel dos pais na educação é tal que é impossível substituí-los” CIC 2221.
O lar cristão deve ser uma escola de virtudes, âmbito de vivência e aprendizado da caridade e
solidariedade, preparando os filhos para as decisões adultos que um dia vão ter que fazer. Os
vínculos familiares são importantes, mas não absolutos: o discípulo de Cristo vive na família de
Deus, pois “todo aquele que fizer a vontade do meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão,
minha irmã e minha mãe” (Mt 12, 50), nos disse Jesus. Os pais devem respeitar e estimular a
vocação dos filhos.

O quarto mandamento também nos fala do papel das autoridades públicas: “A autoridade
pública tem a obrigação de respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana e as condições
do exercício da sua liberdade. É dever dos cidadãos colaborar com os poderes civis na edificação
da sociedade, num espírito de verdade, justiça, solidariedade e liberdade. O cidadão está
obrigado em consciência a não seguir as prescrições das autoridades civis quando tais
prescrições forem contrárias às exigências da ordem moral. «Deve obedecer-se antes a Deus do
que aos homens» (Act 5, 29). Toda a sociedade refere os seus juízos e a sua conduta a uma visão
do homem e do seu destino. Fora das luzes do Evangelho sobre Deus e sobre o homem, as
sociedades facilmente resvalam para o totalitarismo”. CIC 2254-2256.

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Curso de Iniciação Cristã
Aula 11 – Valor da Vida e da Verdade: 4º, 6º e 9º
mandamentos

2021
Aula 11 – O Valor da Vida e da Verdade: 5º e 8º Mandamentos

O Valor da Vida: 5º mandamento


“A vida humana é sagrada porque, desde a sua origem, postula a ação criadora de Deus e
mantém-se para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só Deus é senhor
da vida, desde o seu começo até ao seu termo: ninguém, em circunstância alguma, pode
reivindicar o direito de dar a morte diretamente a um ser humano inocente” CIC 2258.

A Lei Antiga proibiu todo e qualquer atentado contra a vida humana, mas vemos que desde o
pecado original a cólera e a inveja levaram a crimes contra a vida, como a morte de Abel por seu
irmão Caim (cfr. Gn 4). Nosso Senhor Jesus Cristo, ao levar a Lei antiga à perfeição, condena não
apenas a morte, mas qualquer sentimento de inimizade para com o próximo: “Ouvistes o que
foi dito aos antigos: "Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo". Eu, porém,
digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão, será réu perante o tribunal” (Mt 5, 21-22).

Para um cristão, portanto, viver o quinto mandamento significa mais do que simplesmente ‘não
matar’, mas promover a vida desde sua concepção até sua morte natural, respeitar a dignidade
das pessoas e evitar todo tipo de escândalo, que é como que uma morte da alma.

A legítima defesa não entra em contradição com o preceito de não matar. O preceito de guardar
a própria vida no devido amor de si mesmo é um princípio moral fundamental. Quando o ato de
‘defender a própria vida’ acarretar necessariamente a morte do agressor, não se pode
considerar como homicídio. No entanto, deve sempre utilizar meios proporcionais à ameaça. A
autoridade civil tem a obrigação de defender a comunidade, mesmo com o uso de armas caso
seja necessário (cfr. CIC 2266).

O homicídio voluntário é um pecado gravíssimo que ‘brada aos céus’. Quando se trata de
parentes, tanto mais grave é pelo laço que os une. Todos aqueles que indiretamente provocam
a morte de outros, seja por tráfico de drogas, fomento de injustiças, exposição ao perigo, são
imputáveis do homicídio indireto que causam.

O aborto é um tipo de homicídio especialmente hediondo, pois atenta contra a vida de uma
pessoa indefesa. A vida humana começa no momento da concepção e a partir de então deve ser
respeitada como tal. A prática indiscriminada do aborto levou a se cunhar o termo ‘holocausto
silencioso’, pois muitos milhões de crianças não nascidas tiveram suas vidas prematuramente
tiradas por tal prática.

A Igreja para ressaltar a gravidade deste pecado pune os católicos envolvidos em um aborto com
a pena de excomunhão latae sententiae, que significa uma exclusão da comunhão da Igreja pelo
próprio fato de cometer o delito. Agindo assim a Igreja não quer fechar as portas da misericórdia,
mas convidar à reflexão e ao arrependimento (cfr. CIC 2272). Fazer diagnóstico pré-natal e
outras intervenções no útero durante a gravidez não são ilícitas, desde que não atentem contra
a vida da criança. A manipulação genética é contrária à dignidade humana, ferindo sua
integridade única e irrepetível (cfr. CIC 2275).

A eutanásia também é um tipo de homicídio, pois tira a vida daqueles que pela sua situação
delicada (deficientes, doentes ou moribundos), deveriam segundo a caridade cristã, receber
especial atenção e carinho. Diferente disso é fornecer a cada um o tratamento proporcionado:
“A cessação de tratamentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou
desproporcionados aos resultados esperados, pode ser legítima. É a rejeição da «obstinação

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terapêutica». Não que assim se pretenda dar a morte; simplesmente se aceita o fato de a não
poder impedir. As decisões devem ser tomadas pelo paciente se para isso tiver competência e
capacidade; de contrário, por quem para tal tenha direitos legais, respeitando sempre a vontade
razoável e os interesses legítimos do paciente” CIC 2278.

O suicídio constitui um pecado grave, pois cada um é responsável pela vida que Deus lhe deu,
devendo agir como administrador dos dons divinos, não podendo dispor dela. Cometido para
servir de exemplo para outros, torna-se mais grave. Os que ajudam direta ou indiretamente
também são imputáveis. A Igreja sempre confia todos os falecidos à misericórdia de Deus e reza
pela salvação de suas almas, mesmo daqueles que causaram a própria morte (cfr. CIC 2283).

Se somos chamados a respeitar e cuidar da integridade física das pessoal, tanto mais temos a
obrigação de cuidar de suas almas. O escândalo é uma atitude, comportamento ou palavra que
leva outra pessoa a fazer o mal. Um torna-se o tentador do outro, arrastando-o para a morte
espiritual. Reveste-se de uma particular gravidade dependendo da autoridade de quem o
comete e da fraqueza dos que são vítimas. Nosso Senhor falou com voz forte sobre os
escândalos: “Mas se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem em Mim, seria
preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas
do mar” Mt 18,6. O escândalo pode surgir também por leis ou estruturas sociais que degradam
os bons costumes e corrompem a vida moral e religiosa. Os que são responsáveis por tais
estruturas tornam-se culpados (cfr. CIC 2286).

O quinto mandamento também nos fala do cuidado pela saúde, que também devem ser
encarada como dom de Deus. As condições mínimas de dignidade e sobrevivência para todos
deve ser uma preocupação da sociedade como um todo. A preocupação pela saúde não pode
se converter em culto do corpo, em que a vaidade transforma a aparência num fim e ídolo. Os
excessos no comer e beber e do tabaco, bem como o uso de drogas devem ser evitados quando
se busca viver a temperança. Se esses abusos colocam a pessoa numa situação de perigo para si
ou para outros, como dirigir embriagado, é culpado das possíveis consequências e mesmo a
ocasião de colocar os outros em perigo já é um pecado (cfr. CIC 2290).

Por fim, o quinto mandamento fala sobre a salvaguarda da paz e o direito à guerra justa. A Igreja
sempre pregou que o nosso esforço deve ser sempre de tentar evitar as guerras, esgotando os
meios humanamente possíveis que a possam prevenir. As próprias atitudes de ódio e vingança
ofendem a Deus que nos fez para a paz, pois Jesus mesmo foi chamado o ‘Príncipe da Paz’ e
declarou felizes os que constroem a paz (cfr. Mt 5,9). No entanto, a legítima defesa pelo força
das armas pode ser a única alternativa diante da ameaça do inimigo, mas terá legitimidade moral
em circunstâncias muito particulares (cfr. CIC 2309 para um detalhamento dessas
circunstâncias). Uma vez começada a guerra, nem por isso os princípios morais devem ser
esquecidos, devendo ser tratados com humanidade os soldados e não-combatentes feridos e
prisioneiros. É importante colocar os meios que previnam os conflitos: “As injustiças, as
excessivas desigualdades de ordem econômica ou social, a inveja, a desconfiança e o orgulho
que grassam entre os homens e as nações, são uma constante ameaça à paz e provocam as
guerras. Tudo o que se fizer para superar estas desordens contribui para edificar a paz e evitar
a guerra” CIC 2317.

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O valor da Verdade: 8º mandamento
“O oitavo mandamento proíbe falsificar a verdade nas relações com outrem. Esta prescrição
moral decorre da vocação do povo santo para ser testemunha do seu Deus, que é e que quer a
verdade. As ofensas à verdade exprimem, por palavras ou por actos, a recusa em empenhar-se
na retidão moral: são infidelidades graves para com Deus e, nesse sentido, minam os alicerces
da Aliança” CIC 2464.

O homem por sua própria natureza tende à verdade. A confiança mútua é base das relações
humanas e ninguém aceita ser enganado. Honrar e testemunhar a verdade é, portanto, um
dever moral. O cristão deve estar disposto a buscar e testemunhar a verdade. Diante da
mentalidade relativista que vivemos, torna-se mais necessário pessoas dispostas a
comprometer a vida em defesa da verdade de Cristo. O testemunho máximo desse amor à
verdade da fé é o martírio.

Podemos faltar com a verdade de muitas formas. O desrespeito pela reputação dos outros, o
juízo temerário, a maledicência e a calúnia, são faltas contra a verdade e contra a caridade. A
mentira, dizer algo falso com a intenção de enganar, é a ofensa mais direta à verdade. Sua
gravidade mede-se pela natureza da verdade que deforma, pelas circunstâncias e pessoas
envolvidas (cfr. CIC 2484). “A mentira (...) é uma autêntica violência feita a outrem. Este é
atingido na sua capacidade de conhecer, a qual é condição de todo o juízo e de toda a decisão.
A mentira contém em gérmen a divisão dos espíritos e todos os males que a mesma suscita. É
funesta para toda a sociedade: destrói pela base a confiança entre os homens e retalha o tecido
das relações sociais” CIC 2486.

O direito a comunicar a verdade não é absoluto. Existem ocasiões em que é lícito negar-se a um
pedido de informação, principalmente quando se está em jogo a segurança e a intimidade de si
mesmo ou de outra pessoa, bem como quando se percebe a intenção distorcida daquele quer
saber (cfr. CIC 2488-2489). O sigilo profissional é legítimo, não devendo ser divulgadas
informações de outros obtidas em circustâncias profissionais sem uma razão grave e
proporcionada. O segredo da confissão é sagrado, não podendo ser revelado sob pretexto algum
(cfr. CIC 2490).

O cristão que luta pela verdade deve procurar que os meios de comunicação sejam veículos
fundados na verdade, pois assim podem cumprir um importante papel de integração social e
disseminação de conhecimento e informações relevantes (cfr. CIC 2493-2499).

4
Leitura Complementar - ABORTO - O QUE ESTÁ EM JOGO

1. A mulher é profundamente dilacerada pelo aborto

Considerações iniciais

"As opções contra a vida nascem, às vezes, de situações difíceis ou mesmo dramáticas de
profundo sofrimento, de solidão, de carência total de perspectivas económicas, de depressão e
de angústia pelo futuro. Estas circunstâncias podem atenuar, mesmo até notavelmente, a
responsabilidade subjetiva e, consequentemente, a culpabilidade daqueles que realizam tais
opções em si mesmas criminosas." (João Paulo II - ‘O Evangelho da Vida’ 18 - daqui em diante:
EV). Como afirmou em nota o Cardeal Patriarca de Lisboa a questão do aborto "passa pela
adopção de medidas sociais, familiares, morais e culturais que lhe combatam as causas, e não
por medidas legislativas de despenalização, para as quais o Estado não tem legitimidade. Pois,
sendo o aborto voluntário a destruição de uma vida humana, é ilegítimo que o Estado
legalmente o aceite e, ainda pior, venha depois a colaborar na sua execução com os seus serviços
e hospitais."

Consequências psíquicas do aborto

" A extração social e a idade das mulheres que recorrem ao aborto são as mais variadas. Muitas
abortam sem causa grave - 20% por conveniência; 60% por problemas menores; 15% por causa
grave [ ...] " Todavia as consequências são muito duras: "Realizado o aborto muitas mulheres
apresentam um sentimento correspondente ao de ter ‘sofrido um abuso’ de várias partes: delas
mesmas (porque o seu juízo foi falseado), do ambiente, da sociedade. Não há, com efeito, um
‘regresso à normalidade’: profundos sentimentos de remorsos, de aflição e de culpabilidade
começam a emergir e tornam a vida difícil. Sentem-se muito pior do que antes (refere-se às
dificuldades que a mulher experimentou e que a levaram a abortar] ; não há relação entre
rapidez/facilidade da intervenção e os numerosos impactos psicoafetivos.

"Para além disso, em vez de resolver, agrava os problemas da família e do casal. Às vezes os
casais separam-se; todos se sentem em parte responsáveis de um assassínio. Enfim, as mulheres
têm um sentimento de perda. Vão-se dando conta de que o embrião era uma criança morta
violentamente, [ ...] que nunca conhecerão. O horror ganha toda a sua dimensão; esta visão
apodera-se dos seus corações e dos seus sentimentos mais profundos, até atingir o pessoal
sentido da vida, com uma grande dor consequente. [ ...]

a) Dificuldades psicológicas - [ ...] Frequentemente têm pouco respeito por si próprias e julgam-
se severamente chegando mesmo a não mais conseguirem olhar-se. [ ...] Os pais [ mãe e pai]
põem-se em questão e julgam que já não são dignos de o ser. Têm, com frequência,
pensamentos suicidas: tendo atingido a vida da criança querem acabar com a suas. [ ...] Muitas
têm sonhos que revelam uma grande ansiedade (por ex: ouvem os bebés chorar sem
conseguirem encontrá-los). Algumas têm fobias (por ex: medo dos médicos) ou têm
comportamentos compulsivos (lavam-se muitas vezes durante o dia).

b) Problemas relacionais - Alguns casais separam-se e experimentam enormes dificuldades nas


relações sexuais ou dificuldades com as pessoas do outro sexo. As mulheres, em especial,
tornam-se agressivas e encolerizam-se com todos os que lhes aconselharam o aborto (pessoa
do Hospital, familiares, amigos e com Deus que não interveio). Mas é sobretudo nas relações
com as outras crianças que surgem os problemas, porque recordam a criança rejeitada. Algumas

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por medo não podem permanecer com crianças, chegando ao ponto de não conseguirem ver
filmes ou cartazes publicitários com crianças.

c) Compensações e substituições - Com frequência o aborto deixa uma sensação de vazio


insuportável que leva a querer preenchê-la de diversos modos. Verificam-se quedas no
alcoolismo, na droga, na [ depêndencia da] televisão ou na promiscuidade sexual para fugirem
à realidade que estão a viver ou por auto-punição. [ ...] ." Para mais informação, ver o ponto
seguinte.

Consequências físicas

"Esterilidade, abortos espontâneos, gravidezes ectópicas (desde que o aborto foi legalizado nos
USA as gravidezes ectópicas subiram 300%), nados mortos (stillbirth), hemorragias e infecções,
Choque e comas, perfuração dos úteros; peritonites, febre e suores frios, dor intensa, perda de
orgãos do corpo, choro e suspiros/lamentações, insónias, perda de apetite, exaustão,
emagrecimento, nervosismo, queda da capacidade de trabalho, vómitos, perturbações
gastrointestinais."

2. Os principais conflitos intrapsíquicos e interpessoais da mãe e do pai da criança abortada


são:

"1. Dor, muitas vezes transformada em luto patológico, que resulta muitas vezes em depressão
porque: a) não há corpo para abraçar; b) ambos contribuíram para a morte da pessoa por quem
estão de luto; c) o bebé não nascido foi desumanizado antes do aborto, mas o processo de luto
deve envolver um indivíduo real; d) o aborto é considerado por grande parte da sociedade como
um ‘não acontecimento’, tendo como resultado que as pessoas que sofrem são consideradas
estranhas ou anormais; e) não existe apoio social à manifestação do luto pela criança abortada;
f) há muitos poucos profissionais capazes e com vontade de ajudar.

2. Fúria, consigo mesmo por se ser tão autodestrutivo, e com os outros por a (o) terem
abandonado em tempo de crise. 3. Culpa, reconhecimento da ofensa a Deus, a si próprio, ao(à)
companheiro(a), à família, à humanidade. 4. Medo, das suas tendências destrutivas, de ser
castigada(o) e/ou abandonada(o), de ter uma criança deficiente em gravidezes posteriores. 5.
Autoestima reduzida. 6. Problemas sexuais. 7. Ruptura de relações. 8. Ruptura das capacidades
maternais/paternais. "Estes graves conflitos originam os seguintes sintomas: pesadelos, sentido
de vazio, dores abdominais, desespero, medo de estar só, pânico, irritabilidade, instabilidade
temperamental, desejo desesperado de se distrair com o trabalho, divertimento e sexo,
depressão, tendência para a autoagressão, preocupações com a morte, pensamentos suicidas.

"Dado que os homens não têm direito legalmente reconhecido à proteção da criança não
nascida, eles evitam a ligação ao bebé e dão menos apoio às companheiras. Sem o apoio do
companheiro, é mais provável que uma mulher tenha uma gravidez não sucedida, quer por
aborto espontâneo quer provocado [ "Gravidezes não sucedidas de todo o tipo, não resolvidas,
tendem a originar luto patológico e supressões do sistema imunitário, aumentando a
probabilidade de infecções e de cancro. Para situações semelhantes, uma gravidez não sucedida
devido a aborto provocado tem o dobro das possibilidades de afetar as condições gerais de
saúde. "p. 159] . Dado que também é provável que a mulher recorra ao aborto sem o
consentimento ou mesmo o conhecimento do companheiro, este tenderá a afastar-se. Este ciclo
vicioso está rapidamente a ganhar força em todos os países que negam aos homens qualquer
interesse legal na proteção do seu filho não nascido, enquanto insistem nas obrigações em
cuidar dele caso assumam a paternidade. Os homens envolvidos num aborto sentem-se

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despeitados e completamente desesperados. A sua frustração e o dano infligido à sua
masculinidade aumentam as taxas de violação e de violência conjugal.

"É necessário que uma mãe faça o luto por uma gravidez não sucedida antes que se possa ligar
afetivamente ao filho que se lhe siga. Como uma mulher que recorreu ao aborto provocado não
faz o luto pela criança morta, ela tenderá a estar ansiosa durante a gravidez e a ficar deprimida
com o nascimento da criança seguinte. Tem muitas vezes problemas de ligação a esta criança e
é por isso mais provável que haja problemas de negligência ou abuso. Mulheres que foram
maltratadas quando crianças têm maior probabilidade de vir a abortar e mulheres que recorram
ao aborto têm maior probabilidade de vir a maltratar os outros filhos. Os irmãos dos bebés
abortados sofrem do que descrevemos como síndroma dos sobreviventes ao aborto."

3. As consequências nos "sobreviventes" são graves

Hoje em dia, o síndrome dos sobreviventes afecta um grande número de jovens. Nalgumas
sociedades a maioria da população sofreu danos. Quando uma pessoa sobrevive a uma situação
em que familiares , amigos ou outros morrem devido a acidente, doença ou guerra, sente-se
culpada por estar viva e inquieta pela sua vida. Ele ou ela não gozam a vida e têm uma sensação
de condenação eminente. Quando uma pessoa sobrevive unicamente porque os seus pais
decidiram que a queriam e, esses mesmos pais, mataram uma criança não desejada, a patologia
do sobrevivente é agravada por relações instáveis, falta de confiança nos pais, a sensação de
não possuir valor intrínseco (e assim os outros também não têm direito a existir nem têm valor
intrínseco), problemas em comprometer-se e dificuldade em compreender conceitos essenciais
como o amor e a confiança. Estas crianças são os sobreviventes da mais moderna das
discriminações, a morte de uma criança por não ser desejada. Os sobreviventes tendem, eles
próprios, a abortar os seus filhos. São vítimas da mais escondida e destrutiva forma de
sofrimento da sociedade atual. A menos que este dano seja reconhecido e curado, a nossa
sociedade não sobreviverá. A segunda evangelização será difícil numa cultura onde os conceitos
básicos de amor, confiança, valor, realidade, paternidade e maternidade foram distorcidos. [ ...]

"Existem vários tipos de sobreviventes. Alguns exemplos: a) uma criança que sofreu um ataque
direto [ tentativa de aborto] à sua vida; b) irmãos de crianças abortadas; c) adolescentes cujas
mães lhes dizem: ‘Dás-me tanto trabalho que teria sido melhor se te tivesse abortado.’; d)
qualquer criança que é convidada pelos pais a tomar parte de uma decisão de abortar ou não
um irmão mais novo que ou é inconveniente ou deficiente (uma ocorrência cada vez mais
frequente). Estas crianças sofrem para o resto da vida do ‘Síndrome de Caim’. Acreditam que:
‘Eu matei o meu irmão e agora todos quererão matar-me.’ Sofrerão de um enorme sentimento
de culpa e sentem-se fascinados pela violência, destruição, morte e pela cultura da morte. O
tratamento destas crianças é difícil e provavelmente nunca se tornarão pessoas normais. "Uma
criança que nasce depois de um aborto, será uma criança ‘assombrada’ que acredita que o
fantasma do seu irmão procurará vingar-se. É também uma criança substituta que para além de
sofrer uma ansiedade existencial muito grande e de culpa de sobrevivente, sente que deve
corresponder a todas as expectativas dos pais relativamente à criança abortada, que na mente
deles e a posteriori teria sido o filho perfeito. Estas crianças normalmente ‘sabem’ que há
alguém ausente. Podem chegar a ver os irmãos em sonhos (às vezes muito ameaçadores) ou
pressentir a sua presença.

Muitas vezes representam-nos nos seus desenhos sobre a família e por vezes são companheiros
imaginários de brincadeiras. Estas crianças são ansiosas, desconfiadas e hesitam em tomar
decisões e assumir compromissos. Estando vivas porque foram desejadas, acreditam que devem

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agradar sempre aos outros pelo que têm dificuldade em serem elas mesmas. Escapam muitas
vezes para um mundo de fantasia, divertimento, droga, sexo e prazeres perigosos em que
desafiam a morte. Porque precisam da aprovação e permissão dos outros para existir, são
facilmente influenciados pelos companheiros ou gangs, ou então tentam ser politicamente
corretos. Como não dão valor intrínseco à sua vida ou à vida dos outros e como não confiam nos
pais ou em qualquer autoridade e sentem muita raiva, facilmente embarcam numa violência
desenfreada. Os conflitos de que sofrem são profundos, mas muitas vezes não identificáveis ou
direcionados."

4. A dimensão da devastação é imensa

"A Organização Mundial de Saúde estima que há entre 40 a 60 milhões de abortos por ano. Isto
significa que em cada ano são mortos aproximadamente 50 milhões de bebés e 50 milhões de
mulheres, 50 milhões de homens e 100 milhões de irmãos sobreviventes são afetados pelo
aborto provocado. A este número, já por si estonteante, temos de juntar o dos avós em
sofrimento, dos amigos em conflito e o de profissionais de saúde confundidos. Assim, em cada
ano, cerca de 250 milhões de pessoas são profundamente afetadas pelo aborto. Em muitos
países ocidentais, 70% das mulheres terão feito um aborto quando atingirem os 45 anos. A
percentagem de homens e de avós afetados é semelhante. Cerca de 50% das crianças são
sobreviventes a abortos. Trata-se de uma epidemia nunca antes vista na história da
humanidade. [ ...]

"Nos últimos 3 anos treinamos conselheiros para lidar com as consequências deste holocausto,
em 14 países. Párocos, enfermeiros, psicólogos, médicos, freiras e monges participaram nos
cursos. O impacto do aborto na nossa sociedade não pode ser subestimado. Há demasiado
tempo que os Homens têm vindo a minar os mecanismos que sustentam a nossa espécie. Os
que conduzem os destinos da nossa sociedade têm obrigação de conhecer o profundo dano que
afeta mais de metade da população mundial. A reconciliação e a terapia têm de ser adaptados
à profundidade e magnitude do problema, caso contrário a humanidade não sobreviverá. Sem
crianças há poucas razões para acreditar e planear o futuro. Sem esperança, as pessoa não se
importam com as crianças.

"Todos vimos a dor e a confusão em milhares de pessoas, homens, mulheres e crianças, como
resultado do aborto provocado. É altura de mobilizar todos os recursos possíveis para
diagnosticar, tratar e prevenir este enorme e tão difundido desastre."

5. "De entre todos os crimes que o homem pode cometer contra a vida, o aborto provocado
apresenta características que o tornam particularmente perverso e abominável.

"A gravidade moral do aborto provocado aparece em toda a sua verdade, quando se reconhece
que se trata de um homicídio e, particularmente, quando se consideram as circunstâncias
específicas que o qualificam. A pessoa eliminada é um ser humano que começa a desabrochar
para a vida, isto é, o que de mais inocente, em absoluto, se possa imaginar: nunca poderia ser
considerado um agressor, menos ainda um agressor injusto! É frágil, inerme, e numa medida tal
que o deixa privado inclusive daquela forma mínima de defesa constituída pela força suplicante
dos gemidos e do choro do recém-nascido. Está totalmente entregue à proteção e aos cuidados
daquela que o traz no seio. [ ...] ."( EV 58).

Hoje, "delineia-se e consolida-se uma nova situação cultural que dá aos crimes contra a vida um
aspecto inédito e - - se possível - ainda mais iníquo, suscitando novas e graves preocupações:
amplos sectores da opinião pública justificam alguns crimes contra a vida [ "sobretudo quando

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ela é débil e indefesa"] em nome dos direitos da liberdade individual e, a partir de tal
pressuposto, pretendem não só a sua impunidade mas ainda a própria autorização da parte do
Estado para os praticar com absoluta liberdade e, mais, com a colaboração gratuita dos serviços
de saúde. [ ...] se é muitíssimo grave e preocupante o fenómeno da eliminação de tantas vidas
humanas nascentes ou encaminhadas para o seu ocaso, não o é menos o facto de à própria
consciência, ofuscada por tão vastos condicionalismos, lhe custar cada vez mais a perceber a
distinção entre o bem e o mal, precisamente naquilo que toca o fundamental valor da vida
humana". (EV 4).

6. A despenalização ou/e legalização do aborto significa

a) Uma garantia oferecida ao agressor de que a sua vítima não será protegida.

b) Uma ameaça frontal à cultura dos direitos humanos

"[ ...] Hoje [ ...] o problema [ das opções contra a vida] põe-se também no plano cultural, social
e político, onde apresenta o seu aspecto mais subversivo e perturbador na tendência, cada vez
mais largamente compartilhada, de interpretar os mencionados crimes contra a vida como
legítimas expressões da liberdade individual, que hão de ser reconhecidas e protegidas como
verdadeiros e próprios direitos. Chega assim a uma viragem de trágicas consequências um longo
processo histórico, o qual, depois de ter descoberto o conceito de "direitos humanos" — como
direitos inerentes a cada pessoa e anteriores a qualquer Constituição e legislação dos Estados
—, incorre hoje numa estranha contradição precisamente numa época em que se proclamam
solenemente os direitos invioláveis da pessoa e se afirma publicamente o valor da vida, o próprio
direito à vida é praticamente negado e espezinhado, particularmente nos momentos mais
simbólicos da existência, como são o nascer e o morrer. [ ...] Como pôr de acordo essas repetidas
afirmações [ ...] com a recusa do mais débil, do mais carenciado, do idoso, daquele que acaba
de ser concebido? Estes atentados encaminham-se exatamente na direção contrária à do
respeito pela vida e representam uma ameaça frontal a toda a cultura dos direitos do homem.
É uma ameaça capaz, em última análise, de pôr em risco o próprio significado da convivência
democrática: de sociedade de "conviventes", as nossas cidades correm o risco de passar a
sociedade de excluídos, de marginalizados, irradiados e suprimidos." (EV 18).

c) A morte da liberdade Pois em nome desta anula-se a liberdade dos outros aniquilando (pelo
aborto) a vida que lhe dá lugar. "Acaba por ser a liberdade dos mais fortes contra os débeis,
destinados a sucumbir" (EV 19). "Reivindicar o direito ao aborto [ ...] e reconhecê-lo legalmente,
equivale a atribuir à liberdade humana um significado perverso e iníquo: o significado de um
poder absoluto sobre os outros e contra os outros. Mas isto é a morte da verdadeira liberdade."
(EV 20).

d) A subversão da democracia "O ideal democrático é verdadeiramente tal apenas quando


reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana [ ...] Como é possível falar ainda de
dignidade de toda a pessoa humana, quando se permite matar a mais débil e a mais inocente?
Em nome de que justiça se realiza a mais injusta das discriminações entre as pessoas, declarando
algumas dignas de ser defendidas, enquanto a outras essa dignidade é negada? [ ...] Deste modo
e para descrédito das suas regras, a democracia caminha pela estrada de um substancial
totalitarismo. O Estado [ ...] transforma-se num Estado tirano, que presume poder dispor da vida
dos mais débeis e indefesos, desde a criança ainda não nascida até ao idoso, em nome de uma
utilidade pública que, na realidade, não é senão o interesse de alguns" (EV 20).

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e) A aceitação de uma guerra profundamente injusta: O Santo Padre fala "[ ...] de uma guerra
dos poderosos contra os débeis: a vida que requereria mais acolhimento, amor e cuidado, é
reputada inútil ou considerada como um peso insuportável, e, consequentemente, rejeitada sob
múltiplas formas. Todo aquele que, pela sua enfermidade, a sua deficiência ou, mais
simplesmente ainda, a sua própria presença, põe em causa o bem estar ou os hábitos de vida
daqueles que vivem com mais vantagens, tende a ser visto como inimigo do qual importa
defender-se ou inimigo a eliminar. Desencadeia-se assim uma espécie de conjura contra a vida."

7. Apelar à tolerância para aceitar o aborto é injusto

Pois, "tolerar tudo significa ser intolerante para com a justiça e o bem comum."

8. O aborto não é uma questão que possa ser deixada à consciência de cada um

Como o não é a escravatura, a tortura ou o homicídio. Que a consciência possa ser errónea e a
ela se possa apelar para justificar a mais cruel e pavorosa arbitrariedade tornou-se patente com
Hitler e os oficiais nazis das SS (cfr. GS 16; DH 3, 4. 11-14): "A tolerância legal do aborto ou da
eutanásia não pode, de modo algum, fazer apelo ao respeito pela consciência dos outros,
precisamente porque a sociedade tem o direito e o dever de se defender contra os abusos que
se possam verificar em nome da consciência e com o pretexto da liberdade." (EV 71) .

9. Ao defender a vida o cristão não impõe nada aos outros

Pretende sim impedir que se imponha a morte, pela força, a bebés, ainda não nascidos,
totalmente inocentes e privados de qualquer meio de defesa. Trata-se de ser a voz dos que não
têm voz.

10. "Trata-se de uma exigência sobremaneira premente na hora atual" (EV 87).

"Trata-se de uma exigência sobremaneira premente na hora atual, em que a ‘cultura da morte’
se contrapõe à ‘cultura da vida’, de forma tão forte que muitas vezes parece levar a melhor. [
...] trata-se de uma exigência que nasce da ‘fé que atua pela caridade’ [ ...] ‘De que aproveitará
irmãos a alguém disser que tem fé se não tiver obras?’ [ ...] devemos cuidar do outro enquanto
pessoa confiada por Deus à nossa responsabilidade. [ ...] somos chamados a fazer-nos próximo
de cada homem [ ...]. É precisamente através da ajuda prestada ao faminto, ao sedento, ao
estrangeiro, ao nu, ao encarcerado - como também à criança ainda não nascida, ao idoso que
está doente ou perto da morte - , que temos a possibilidade de servir Jesus [ ...] : ‘Sempre que
fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes’. [ ...] O serviço da
caridade a favor da vida deve ser profundamente unitário: não pode tolerar unilateralismos e
discriminações, já que a vida humana é sagrada e inviolável em todas as suas fases e situações;
é um bem indivisível. Trata-se de ‘cuidar’ da vida toda e da vida de todos." (EV 87).

11. Recordando algumas sugestões (cfr. EV 87-100)

a) " É urgente uma grande oração pela vida, que atravesse o mundo inteiro. Com iniciativas
extraordinárias e na oração habitual, de cada comunidade cristã, de cada grupo ou associação,
de cada família e do coração de cada crente, eleve-se uma súplica veemente a Deus, Criador e
amante da vida." (EV 100).

b) "Realização de projetos e iniciativas concretas, sólidas e inspiradas evangelicamente."(EV 88):


- "sejam promovidos os centros destinados à divulgação dos métodos naturais de regulação da
fertilidade" (EV 88). - "Também os consultórios matrimoniais e familiares" (EV 88). - "ainda os
centros da ajuda à vida e os lares de acolhimento da vida" (EV 88).

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c) "Urge uma mobilização geral das consciências e um esforço ético em comum, para se põr em
prática uma grande estratégia a favor da vida. Todos juntos devemos construir uma nova cultura
da vida " (EV 95).

d) "Tem de se começar por renovar a cultura da vida no seio das próprias comunidades cristãs.
Muitas vezes os crentes, mesmo até os que participam ativamente na vida eclesial, caem numa
espécie de dissociação entre a fé cristã e as suas exigências éticas a propósito da vida, chegando
assim ao subjectivismo moral e a certos comportamentos inaceitáveis." (EV 95).

e) "O primeiro e fundamental passo para realizar esta viragem cultural consiste na formação da
consciência moral acerca do valor incomensurável e inviolável de cada vida humana. Suma
importância tem aqui a descoberta do nexo indivisível entre a vida e a liberdade. São bens
inseparáveis: quando um é violado, o outro acaba por o ser também." (EV 96).

f) "De modo particular, é necessário educar para o valor da vida, a partir das suas próprias raízes.
É uma ilusão pensar que se pode construir uma verdadeira cultura da vida humana, se não se
ajudam os jovens a compreender e a viver a sexualidade, o amor e a existência inteira no seu
significado verdadeiro e na sua íntima correlação. A sexualidade, riqueza da pessoa toda,
‘manifesta o seu significado íntimo ao levar a pessoa ao dom de si no amor’. A banalização da
sexualidade conta-se entre os principais fatores que estão na origem do desprezo pela vida
nascente: só um amor verdadeiro sabe defender a vida."(EV 97).

g) "Um pensamento especial quereria reservá-lo para vós, mulheres, que recorrestes ao aborto.
[ ...] não vos deixeis cair no desânimo, nem percais a esperança. [ ...] abri-vos ao
arrependimento: o Pai de toda a misericórdia espera-vos para vos oferecer o seu perdão e a sua
paz no sacramento da Reconciliação. Dar-vos eis conta de que nada está perdido, e podereis
pedir perdão também ao vosso filho que vive no Senhor. Ajudadas pelo conselho e pela
solidariedade de pessoas amigas e competentes, podereis contar-vos, com o vosso doloroso
testemunho, entre os mais eloquentes defensores do direito de todos à vida." (EV 99).

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Curso de Iniciação Cristã
Aula 12 – 7º e 10º Mandamentos

2021
Aula 12 – O Devido uso dos Bens: 7º e 10º Mandamentos

“Não roubarás”
“O sétimo mandamento proíbe tomar ou reter injustamente o bem do próximo e prejudicá-lo
nos seus bens, seja como for. Prescreve a justiça e a caridade na gestão dos bens terrenos e do
fruto do trabalho dos homens. Exige, em vista do bem comum, o respeito pelo destino universal
dos bens e pelo direito à propriedade privada. A vida cristã esforça-se por ordenar para Deus e
para a caridade fraterna os bens deste mundo” CIC 2401.

O sétimo mandamento nos faz respeitar os bens alheios. O roubo acontece quando se usurpa o
bem alheio sem a vontade razoável do seu dono. Quando há necessidade urgente e não outro
meio de dispor de bens essenciais (abrigo, alimentação, vestuário), então é lícito dispor de bens
alheios (cfr. CIC 2408). No entanto, hoje faz necessário definir outros tipos de roubos mais
sofisticados. O Catecismo enumera-os:

• “reter deliberadamente bens emprestados ou objetos perdidos;


• cometer fraude no comércio;
• pagar salários injustos;
• a especulação pela qual se manobra no sentido de fazer variar artificialmente a
avaliação dos bens, com vista a daí tirar vantagem em detrimento de outrem;
• a corrupção, pela qual se desvia o juízo daqueles que devem tomar decisões segundo o
direito; a apropriação e o uso privado de bens sociais duma empresa;
• os trabalhos mal executados;
• a fraude fiscal;
• a falsificação de cheques e faturas;
• as despesas excessivas;
• o desperdício;
• causar voluntariamente um prejuízo em propriedades privadas ou públicas é contra a lei
moral e exige reparação” CIC 2409.

Viver a justiça também significa honrar promessas e contratos, bem como a reparação de
eventuais injustiças que se tenha cometido:

“Jesus louvou Zaqueu pelo seu compromisso: «Se causei qualquer prejuízo a alguém, restitui-lhe-
ei quatro vezes mais» (Lc 19, 8). Aqueles que, de maneira direta ou indireta, se apoderaram de
um bem alheio, estão obrigados a restituí-lo, ou a dar o equivalente em natureza ou espécie, se
a coisa desapareceu, assim como os frutos e vantagens que o seu dono teria legitimamente
auferido. Estão igualmente obrigados a restituir, na proporção da sua responsabilidade e do seu
proveito, todos aqueles que de qualquer modo participaram no roubo ou dele se aproveitaram
com conhecimento de causa; por exemplo, aqueles que o ordenaram, o ajudaram ou o
ocultaram” CIC 2412

Os jogos de azar e apostas em si não são contrários à justiça, mas podem se tornar se se usurpa
os bens de uma família no vício dos jogos, ou mesmo quando se coloca em risco o bem-estar de
muitos arriscando-se irresponsavelmente.

2
Ordenação universal dos bens
Os bens da criação foram criados para toda a humanidade. O Catecismo fala de uma ordenação
universal dos bens, que deve nortear nossa atitude diante deles. Para garantir as necessidades
de cada um, a terra foi repartida entre o homens para que a utilizassem no uso de sua liberdade.
A propriedade privada é legítima e não anula a ordenação universal dos bens, devendo suscitar
uma atitude de gratidão pelo que se possui, solidariedade para com o próximo e busca do bem
comum (cfr. CIC 2403).

Três virtudes devem nortear nossa atitude para com os bens terrenos:

• a temperança que modera nosso apego;


• a justiça que nos ajuda a dar ao próximo o que lhe é devido;
• a solidariedade que nos faz imitar a Jesus que “sendo rico, Se fez pobre para nos
enriquecer com sua pobreza” (cfr. CIC 2407).

A questão dos animais e do meio ambiente


O sétimo mandamento nos fala também sobre o respeito que temos que ter pela integridade
da criação, onde o respeito pelos animais e o problema ecológico é colocado. Os animais como
criaturas de Deus, Lhe dão glória apenas pelo fato de existirem. O homem, criado a semelhança
de Deus, tem o direito de dispor dos animais para alimentação, vestuário, transporte e
domesticá-los para realizarem trabalhos e lazer. Mas esse uso não autoriza nenhum tipo de
crueldade ou experiências que ultrapassem o limite do razoável (cfr. CIC 2415-2418).

Com relação à atitude cristã com relacão ao meio-ambiente, lemos na Encíclica Caritas in
veritate, do Papa Bento XVI: “ Este [o meio-ambiente] foi dado por Deus a todos, constituindo o
seu uso uma responsabilidade que temos para com os pobres, as gerações futuras e a
humanidade inteira. Quando a natureza, a começar pelo ser humano, é considerada como fruto
do acaso ou do determinismo evolutivo, a noção da referida responsabilidade debilita-se nas
consciências. Na natureza, o crente reconhece o resultado maravilhoso da intervenção criadora
de Deus, de que o homem se pode responsavelmente servir para satisfazer as suas legítimas
exigências — materiais e imateriais — no respeito dos equilíbrios intrínsecos da própria criação.
Se falta esta perspectiva, o homem acaba por considerar a natureza um tabu intocável ou, ao
contrário, por abusar dela. Nem uma nem outra destas atitudes corresponde à visão cristã da
natureza, fruto da criação de Deus” (Caritas in veritate, 48).

Justiça Social e Doutrina Social da Igreja


Por fim, o tema da justiça social também é comumente tratado quando se fala do sétimo
mandamento. Todo o tema do desenvolvimento econômico, dos meios de alcançar o bem
comum, vêm sendo tratado na Igreja desde o séc. XIX no que costuma chamar a Doutrina Social
da Igreja. O CIC 2423-2425 assim nos explica:

“A doutrina social da Igreja propõe princípios de reflexão, salienta critérios de julgamento e


fornece orientações para a ação: Todo o sistema, segundo o qual as relações sociais forem
inteiramente determinadas pelos fatores económicos, é contrário à natureza da pessoa humana
e dos seus atos.

Uma teoria que faça do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade econômica, é
moralmente inaceitável. O apetite desordenado do dinheiro não deixa de produzir os seus efeitos
perversos e é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social.

3
Um sistema que «sacrifique os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à organização
coletiva da produção», é contrário à dignidade humana. Toda a prática que reduza as pessoas a
não serem mais que simples meios com vista ao lucro, escraviza o homem, conduz à idolatria do
dinheiro e contribui para propagar o ateísmo. «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Mt 6,
24; Lc 16, 13).

A Igreja rejeitou as ideologias totalitárias e ateias, associadas, nos tempos modernos, ao


«comunismo» ou ao «socialismo». Por outro lado, recusou, na prática do «capitalismo», o
individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano. Regular a
economia só pela planificação centralizada perverte a base dos laços sociais: regulá-la só pela
lei do mercado é faltar à justiça social, «porque há numerosas necessidades humanas que não
podem ser satisfeitas pelo mercado». É necessário preconizar uma regulação racional do
mercado e das iniciativas económicas, segundo uma justa hierarquia dos valores e tendo em
vista o bem comum”.

No documento Caritas in veritate, o Papa Bento XVI delineia as linhas mestras do que deve ser
o desenvolvimento integral do homem na atualidade, diante de tantos desafios que os mercados
internacionais e a globalização impõem.

Segundo o Papa, “A caridade na verdade (...) é a força propulsora principal para o


desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira”. O esforço de diversas instâncias do
poder público e privado em promover o desenvolvimento, somente encontrará eficácia real se
estiver norteado pela verdade. Por isso a Igreja desempenha um papel importante com a sua
Doutrina Social: “A Igreja (...) tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o
tempo e contingência, a favor de uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua
vocação. Sem verdade, cai-se numa visão empirista e cética da vida, incapaz de se elevar acima
da ação porque não está interessada em identificar os valores — às vezes nem sequer os
significados — pelos quais julgá-la e orientá-la. A fidelidade ao homem exige a fidelidade à
verdade, a única que é garantia de liberdade (cf. Jo 8, 32) e da possibilidade dum
desenvolvimento humano integral” (Caritas in veritate, 9).

No Catecismo da Igreja, quando se discute o Sétimo Mandamento, discutimos também os temas


ligados ao trabalho humano, a vida econômica e a justiça social.

10º Mandamento
Viver adequadamente o uso dos bens começa controlando a cobiça, tema do décimo
mandamento, que nos manda ‘não cobiçar as coisas alheias’: “O décimo mandamento condena
a avidez e o desejo duma apropriação desmesurada dos bens terrenos; e proíbe a cupidez
desregrada, nascida da paixão imoderada das riquezas e do seu poder. Interdita também o
desejo de cometer uma injustiça pela qual se prejudicaria o próximo nos seus bens temporais”
CIC 2536.

Aspirar a ter bens e dar uma vida mais digna para si mesmo ou a própria família não é o
problema. Ter algumas pessoas de sucesso como referência na sua busca por conquistas
profissionais também não é um problema. A questão é cupidez desregrada, a avidez que cega e
leva à práticas injustas e a alcançar os objetivos por meios ilegítimos.

O décimo mandamento controle o pecado capital da inveja, de modo que não tome conta do
coração humano: “Santo Agostinho via na inveja «o pecado diabólico por excelência».

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«Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pelo mal do próximo e o
desgosto causado pela sua prosperidade» CIC 2539.

Pobreza de coração
“Bem-aventurados os pobres em espírito” Mt 5,3. O cristão é chamado a abandonar o desejo
dos bens terrenos e almejar os bens celestes. A parábola do Jovem Rico (Mt 19, 16-30), que
convidado por Cristo para buscar algo a mais e acaba não sendo capaz de abandonar tudo para
viver uma aventura particular como discípulo próximo de Cristo, por ter muito bens, é o clássico
exemplo de como o apego aos bens deste mundo podem limitar nosso crescimento espiritual.

O exercício do desapego é algo que todos podemos incluir em nossa vida: optar por um estilo
de vida mais simples, não reclamar se uma situação material nos contraria, seja um conforto
que esperávamos, seja um pedido de empréstimo de algo que temos especial consideração. E,
principalmente, o exercício da caridade: dedicar nosso tempo e parte dos nossos rendimentos
para socorro das pessoas necessitadas, especialmente aquelas em condição de extrema
pobreza. Jesus mesmo prometeu a posse do Reino para quem fosse generoso na caridade:

“Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a
fundação do mundo;

Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e
hospedastes-me;

Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver.

Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de
comer? ou com sede, e te demos de beber?

E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos?

E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?

E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus
pequeninos irmãos, a mim o fizestes.

Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo
eterno, preparado para o diabo e seus anjos;

Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber;

Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão,
não me visitastes.

Então eles também lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede,
ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos?

Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o
não fizestes, não o fizestes a mim.

E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna.

Mateus 25:34-46

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Curso de Iniciação Cristã
Aula 13 - Liturgia Sacramental, Batismo e Confirmação

2021
Parte III – A Celebração do Mistério Cristão

Aula 13 – Liturgia Sacramental, Batismo e Confirmação

A Liturgia

O Mistério Pascal de Cristo, isto é, sua Paixão, Morte e Ressurreição, realiza nossa redenção e,
através das celebrações litúrgicas, é a fonte da força vital que anima a Igreja. Todas as ações de
Cristo revestem-se da eternidade de Deus e, portanto, não estão relegadas ao passado, mas
permanecem no presente. Compete à liturgia da Igreja significar e realizar essa permanência,
aplicando os méritos da redenção a todos os homens por meio dos sacramentos e antecipando-
nos a liturgia celeste, ou seja, o culto que iremos prestar a Deus junto com os anjos e santos no
Céu. (cfr. CIC 1085-1090).

O próprio Cristo preside as celebrações litúrgicas e, pelo Espírito e a Igreja, nos unimos a Cristo,
cada qual participando segundo uma determinada função. Os ministros ordenados, consagrados
pelo sacramento da Ordem, estão aptos a agirem na pessoa de Cristo ao serviço de todos os
membros da Igreja, mas toda a comunidade, unida pelo Espírito, toma parte na liturgia, segundo
a natureza do rito e as leis litúrgicas (cfr. CIC 1136-1144).

A principal função da liturgia é a celebração dos sacramentos. Santo Tomás de Aquino explica
que “sacramento é sinal de uma realidade sagrada que santifica o homem”. Também nos explica
que Deus, na sua sabedoria, provê a cada coisa segundo a sua própria natureza. Assim como se
chega ao conhecimento das coisas inteligíveis através das sensíveis, a santificação espiritual
operada pelos sacramentos nos chegam através de coisas materiais. Depois do pecado original,
o homem ficou mais dependente das realidades sensíveis e submetido ao corpo, o que dificulta
a assimilação direta de realidades espirituais. Os sacramentos são tão propícios à nossa natureza
justamente por permitirem chegar às realidades espirituais por meio das realidades materiais.
O modo concreto de como se realiza cada sacramento não é arbitrário. Como depende da
potestade de Deus a santificação do homem, não compete ao homem escolher como se
santificar, mas deve acolher às determinações de Deus.

“Deus fala ao homem através da criação visível. O cosmos material apresenta-se à inteligência
do homem para que leia nele os traços do seu Criador. A luz e a noite, o vento e o fogo, a água e
a terra, a árvore e os frutos, tudo fala de Deus e simboliza, ao mesmo tempo, a sua grandeza e
a sua proximidade (...). As grandes religiões da humanidade dão testemunho, muitas vezes de
modo impressionante, deste sentido cósmico e simbólico dos ritos religiosos. A liturgia da Igreja
pressupõe, integra e santifica elementos da criação e da cultura humana, conferindo-lhes a
dignidade de sinais da graça, da nova criação em Cristo Jesus” CIC 1147, 1149.

O povo eleito recebeu sinais e símbolos que marcaram a liturgia da Antiga Aliança. Cristo na sua
pregação utiliza-se de sinais para dar a conhecer o Reino e realiza curas com gestos simbólicos.
Todos esses elementos são prefigurações dos sinais sacramentais da Nova Aliança, nos quais o
Espírito Santo e a Igreja operam a nossa santificação (cfr. CIC 1150-1152).

Cada um dos sete sacramentos, portanto, nos transmitem a graça que nos santifica por meio
dos sinais, elementos materiais e palavras, que constituem o rito específico. A matéria do
sacramento é o sinal sensível pelo qual recebemos a graça. A forma são as palavras que

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conferem um significado específico ao rito, realizando efetivamente o que o sinal significa.
Foram instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo e são cerimônias eficazes em si mesmas, porque
é o próprio Cristo que opera nelas. Essa eficácia é garantida se os sacramentos forem celebrados
conforme a intenção e seguindo as indicações da Igreja, daí a importância de seguir as normas
litúrgicas, pois nenhuma parte do rito é trivial. Se por um lado o sacramento devidamente
celebrado não depende da santidade pessoal do ministro para sua eficácia, por outro seus frutos
dependem das nossas disposições pessoais (cfr. CIC 1128). Como a terra bem preparada acolhe
melhor a semente do que a terra seca e dá mais frutos, assim a semente de cada um dos
sacramentos dará muitos frutos em nossa alma se nos encontrar devidamente preparados (cfr.
Mt 13, 23).

Dentre os sinais e símbolos que ‘realizam o que significam’ nos sacramentos, tem sempre um
lugar especial a ‘palavra’. Tanto como forma dos sacramentos, mas também como palavra
anunciada (liturgia da palavra), esta exprime o diálogo entre Deus e seus filhos. É preciso cuidar
dos símbolos associados à palavra: o Livro Sagrado e sua veneração, o lugar e o modo apropriado
de fazer o anúncio, bem como a atenção e a resposta dos fiéis (cfr. CIC 1153-1155). O canto e a
música desempenham também um significativo papel nas celebrações litúrgicas na medida em
que evidenciam a beleza da oração, a participação dos fiéis e caráter solene da celebração (cfr.
CIC 1156-1158).

Nossos sentidos ainda contam com a ajuda das imagens sagradas para estimular a oração e viver
mais intensamente o mistério celebrado. Quando Deus era ainda invisível e incompreendido
pelos homens, não se podia representá-lo por imagens. Com a Encarnação do Verbo de Deus,
Cristo-Jesus, “contemplamos a glória do Senhor com o rosto descoberto”, ou seja, inaugura-se
um novo tratamento das imagens sagradas. Todos os sinais da celebração fazem referência a
Cristo: isso vale para a imagens, mesmo as de Nossa Senhora e dos santos. Nessas imagens
vemos Cristo glorificado em suas vidas. Portanto, nas imagens, não se adoram os santos em si,
mas veneram-se suas pessoas na medida em que participam da glória de Cristo (cfr. CIC 1159-
1162).

Ao longo do ano, revive-se pela liturgia, todos os mistérios de Cristo, constituindo-se o que
chamamos de Tempo Litúrgico. O Domingo, remontando à tradição dos apóstolos, é o Dia do
Senhor, comemora o primeiro dia da criação e a nova criação operada por Cristo com sua Morte
e Ressurreição. É, portanto, o dia por excelência da assembléia litúrgica, cujo ápice é a
participação na Ceia do Senhor, a Santa Missa. Todo o Ano litúrgico (Advento, Natal, Quaresma,
Tempo Pascal e Tempo Comum) se determina com referência ao Domingo de Páscoa, solenidade
das solenidades.

Deve-se levar em consideração também o local das celebrações. Uma igreja, mais do que um
local de reunião, é a ‘casa de Deus’, onde toda a Igreja se manifesta na sua vitalidade salvífica.
Cada elemento de uma igreja cumpre um papel nas celebrações litúrgicas: o altar, o sacrário
(que deve estar num lugar de honra e destaque), os confessionários, o batistério, o lugar da
leitura da palavra, dentre outros. As igrejas visíveis são também símbolos da casa paterna para
a qual todos somos chamados no fim de nossa vida.

Os sete sacramentos instituídos por Cristo são os seguintes: o Batismo, a Confirmação, a


Eucaristia, a Penitência, a Unção dos Enfermos, a Ordem e o Matrimônio. Eles tocam as etapas
e momentos importantes da vida do cristão: nascimento e crescimento, alimento e cura e a
missão de cada um (cfr. CIC 1210).

3
O Sacramento do Batismo
“O Santo Batismo é o fundamento de toda vida cristã, o pórtico da vida no Espírito e a porta que
dá acesso aos outros sacramentos. Pelo Batismo somos libertos do pecado e regenerados como
filhos de Deus: tornamo-nos membros de Cristo e somos incorporados na Igreja e tornados
participantes na sua missão” CIC 1213.

Já na Antiga Aliança se prefigurava o Batismo com o simbolismo das águas (cfr. CIC 1217-1222).
Em Cristo se realiza essas prefigurações ao manifestar seu aniquilamento e a vinda do Espírito
no batismo de João, que recebeu no início da sua vida pública, mas sobretudo com sua Páscoa,
fonte da graça batismal. A Igreja desde seus primórdios cumpriu o mandato do Senhor de ir e
batizar a todos (cfr. Mt 28, 19-20).

Batizar significa ‘mergulhar’, ‘imergir’. Isso porque a matéria desse sacramento é uma imersão
ou derramamento de água sobre a cabeça da pessoa que está sendo batizada. A forma do
sacramento são as seguintes palavras: ‘Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo’. Compara-se o batismo com a morte, pois a imersão na água significa ‘morrer com Cristo’
para poder ‘ressurgir com Ele’, sendo então uma criatura nova, participante da natureza divina,
templo do Espírito Santo (cfr. CIC 1265).

Se pelo pecado original configura-se como que uma nova natureza humana, marcada pelo
afastamento de Deus e desligada da comunhão com a vida divina, a redenção operada por
Cristo, recebida por nós na graça sacramental do Batismo, nos confere novamente o acesso a
Deus e regenera nossa alma. Portanto, esse sacramento perdoa o pecado original, que como
vimos não é para nós um pecado de culpa, mas de natureza, bem como todos os pecados
cometidos e as penas devidas. Como coloca o CIC 1263: “Com efeito, naqueles que foram
regenerados, nada resta que os possa impedir de entrar no Reino de Deus: nem o pecado de
Adão, nem o pecado pessoal, nem as consequências do pecado, das quais a mais grave é a
separação de Deus”.

A incorporação à Igreja que este sacramento realiza se dá na medida em que das águas do
Batismo nasce um único povo de Deus, membros do corpo de Cristo. O batizado se compromete
a servir na comunhão da Igreja e a viver a docilidade aos seus chefes (cfr. CIC 1269). Mas também
possui o direito de receber os sacramentos e a ajuda espiritual da Igreja.

Todo ser humano não batizado pode receber o batismo: se for adulto deve ser iniciado na fé e
na vida cristã com a devida catequese; se for criança pode receber o batismo, sendo que os pais
e os padrinhos professam a fé em nome dela, se comprometendo em dar uma formação cristã
para que essa possa, no uso pleno da sua liberdade, acolher e crescer no dom que recebeu.
Desde os tempos mais remotos a Igreja batiza as crianças (cfr. CIC 1252).

O batismo deve ser ministrado pelo bispo, presbítero ou diácono, mas em necessidade especial,
mesmo um não-cristão pode batizar, desde que o faça conforme a intenção da Igreja e usando
a matéria e a forma do sacramento, conforme indicado anteriormente. Os batismos realizados
em igrejas ou comunidades cristãs desunidas à Igreja Católica precisam ser avaliados caso a caso,
para se determinar ou não sua validade.

A Igreja afirma, seguindo os ensinamentos do próprio Cristo (cf. Jo 3,5), que o Batismo é
necessário para a salvação. Deus, no entanto, “não está prisioneiro dos seus sacramentos”, o
que significa que pode encontrar outros meios de levar à salvação às almas (cfr. CIC 1257). O
Catecismo denomina batismo de desejo a associação ao mistério pascal de Cristo àqueles que
não receberam o sacramento em si, mas receberam essa graça de Deus, seja porque morreram

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por causa da fé antes de se batizarem (batismo de sangue), seja porque eram catecúmenos, ou
seja, estavam em preparação para receber o batismo e faleceram antes, ou mesmo porque não
tendo acesso à Igreja, procuravam a verdade e buscavam fazer a vontade de Deus conforme o
conhecimento que dela possuíam. Como coloca o CIC 1260: “Com efeito, já que Cristo morreu
por todos e a vocação última de todos os homens é realmente uma só, a saber, a divina, devemos
manter que o Espírito Santo a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal,
por um modo só de Deus conhecido”.

Por fim, o Batismo, juntamente com a Confirmação e a Ordem, é um sacramento que ‘imprime
caráter’, ou seja, marca o cristão com um selo indelével de pertença a Cristo, estando apto a
“servir a Deus mediante uma participação viva na santa liturgia da Igreja, e a exercer o seu
sacerdócio batismal pelo testemunho duma vida santa e duma caridade eficaz” (cfr. CIC 1273).

O sacramento da Confirmação
O sacramento do Crisma ou da Confirmação é o segundo na iniciação cristã. Com ele se recebe
uma nova força do Espírito Santo, levando à plenitude a graça batismal. Como vimos
anteriormente, todos os sacramentos têm sua eficácia de Cristo, que os instituiu e atua neles. A
peculiaridade da Confirmação é que Cristo a instituiu não conferindo-a, mas fazendo uma
promessa, quando disse em Jo 16, 7: “Convém a vós que eu vá! Porque, se eu não for, o Paráclito
não virá a vós; mas se eu for, vo-lo enviarei”. Fez assim, pois este sacramento dá a plenitude do
Espírito, que só poderia ser conferida após a sua Ressurreição e Ascensão aos Céus. São João
mesmo explica isso em Jo 7, 37-39: “No último dia, que é o principal dia de festa, estava Jesus
de pé e clamava: Se alguém tiver sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a
Escritura: Do seu interior correrão rios de água viva. Dizia isso, referindo-se ao Espírito que
haviam de receber os que cressem nele, pois ainda não fora dado o Espírito, visto que Jesus ainda
não tinha sido glorificado”.

Os Apóstolos junto com Nossa Senhora receberam o Espírito Santo de um modo extraordinário,
sob formas de línguas de fogo, no dia de Pentecostes (cfr. At 2, 1-3). Essa confirmação do Espírito
capacitou os Apóstolos para a missão que Cristo os tinha confiado de ir e pregar o Evangelho e
administrar o Batismo a todas as nações (cfr. Mt 28, 19). Também os crismados hoje se
capacitam para essa missão, estando mais enraizados na filiação divina e unidos a Cristo e a
Igreja, recebem a força do Espírito para propagar e defender a fé, pela palavra e pela ação, sendo
testemunhas de Cristo e não se envergonhando da cruz (cfr. CIC 1303).

Santo Tomás explica que nos começos da Igreja, os Apóstolos administravam o dom do Espírito
com a imposição das mãos que eram acompanhados de sinais sensíveis milagrosos, como nos
conta o livro dos Atos em At 11, 15: “Apenas comecei a falar, quando desceu o Espírito Santo
sobre eles, como no princípio descera também sobre nós”. Mas uma antiga tradição mostra que
quando esses sinais sensíveis não se produziam, usava-se a unção com o óleo do crisma (óleo
de oliva com bálsamo), na administração desse sacramento. Se nos Apóstolos o fogo do Espírito
desceu diretamente, o óleo representa esse fogo de forma passiva, já que é matéria combustível
do fogo. O bálsamo tem o mesmo significado que as línguas que desceram sobre os Apóstolos,
com a diferença que das línguas se comunica através das palavras e o bálsamo através do odor,
pois como coloca São Paulo em 2 Co 2, 15: “Somos para Deus o perfume de Cristo entre os que
se salvam e entre os que se perdem”. Como esse óleo é uma matéria que não foi usada
diretamente por Cristo, como foi a água para o Batismo e o Pão e o Vinho para a Eucaristia,
como veremos, a Igreja ensina que deve ser abençoado pelo Bispo antes de ser usado para
administrar o sacramento. Essa benção se faz nas Quintas-feiras Santas, onde o Bispo com todo
seu presbitério reza a Missa do Crisma.

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A forma do sacramento são as palavras “Recebe por este sinal o Espírito Santo, dom de Deus”,
ditas durante a unção do crisma na fronte do batizado. Os ministros ordinários desse
sacramento são os Bispos, pois como eles possuem a plenitude do sacramento da Ordem, como
veremos, e são sucessores dos Apóstolos, possuem maior dignidade e potestade para ‘fazer a
coroação do sacramento do Batismo’. Em casos especiais, o Bispo pode autorizar o presbítero a
administrar a Confirmação.

Com o sacramento do Crisma a Igreja ensina que se recebem os Dons do Espírito Santo. A oração
que o Bispo invoca sobre os crismandos durante o Rito do sacramento faz menção a esses dons:
“Deus todo-poderoso, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, pela água e pelo Espírito Santo,
destes uma vida nova a estes vossos servos e os libertastes do pecado, enviai sobre eles o
Espírito Santo Paráclito; dai-lhes, Senhor, o espírito de sabedoria e de inteligência, o espírito de
conselho e de fortaleza, o espírito de ciência e de piedade, e enchei-os do espírito do vosso
temor. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito
Santo” (cfr. Leitura Complementar abaixo, sobre os Sete Dons do Espírito Santo).

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Leitura Complementar 3: Os Dons do Espírito Santo
Introdução.

Seiscentos anos antes de Cristo, Isaías fez uma profecia a respeito de Jesus. Esta profecia nos foi
conservada no décimo primeiro capítulo de seu livro, nos versos 1 e 2.

Texto de Isaías 11, 1-2:

"Sairá um ramo do tronco de Jessé, e um rebento brotará de sua raiz.

Repousará sobre ele o espírito do Senhor,

espírito de sabedoria e entendimento,

espírito de conselho e fortaleza,

espírito de ciência e de piedade,

e sobre ele estará o espírito de temor do Senhor".

Na profecia com que se inicia o capítulo 11 de Isaías, Jessé é o pai de Davi, de cuja descendência
nasceu Jesus. O ramo que sairá do tronco de Jessé de que fala o profeta Isaías, é, portanto,
Nosso Senhor Jesus Cristo.

Esta profecia afirma que Jesus Cristo seria repleto dos dons do Espírito Santo, e, ademais,
enumera sete dons do Espírito Santo, aos quais chama de sabedoria, entendimento, conselho,
fortaleza, ciência, piedade e temor do Senhor. Apesar desta profecia se referir em primeiro lugar
a Cristo, ela se refere também a nós, porque foi o próprio Cristo que disse, quando orava por
nós ao Pai: "Eu dei-lhes a glória que tu me deste".Jo. 17, 22

Além disso, em conformidade com esta oração de Cristo, as Sagradas Escrituras prometem a
todos aqueles que crerem no Cristo que "participarão de sua plenitude". Jo. 1, 16. Portanto,
estes sete dons do Espírito Santo são também qualidades com que a graça divina adorna a alma
dos fiéis, através das quais eles podem ser conduzidos com mais docilidade pelo Espírito Santo.
Eles correspondem a sete modos pelos quais o Espírito Santo costuma conduzir aqueles que
vivem da fé e do amor, e são enumerados por Isaías segundo uma ordem decrescente, o mais
elevado deles sendo aquele que está no início da lista, que é o dom de sabedoria.

Todos os homens que vivem em estado de graça possuem os sete dons do Espírito Santo, que
são infundidos na alma quando nos convertemos a Deus pela fé e pelo amor. À medida em que
crescemos na virtude, todos os sete dons crescem juntos, cada um, porém, se manifestando
com maior predominância na ordem inversa à exposta pelo profeta Isaías, como se existissem
sete dias ou sete etapas no desenvolvimento da vida cristã, em cada uma destas etapas se
manifestando com mais evidência este ou aquele dentre os sete dons do Espírito Santo.

Assim, no início da vida cristã primeiro se manifesta mais acentuadamente o dom de temor,
embora todos os sete estejam presentes. À medida em que progredimos na vida da graça, passa
a manifestar-se com maior predominância o dom de piedade; com isto, porém, todos os outros
dons crescem paralelamente, e o dom de temor, que já havia se manifestado no dia anterior,
passa, quando surge o dia do dom da piedade, para um plano superior de vivência. Já não é mais
o temor como aquele com que iniciamos a vida cristã; é um temor condizente com uma vida em
que se manifesta mais marcadamente o dom de piedade. Em seguida, manifesta-se o dom de
ciência, elevando, com ele, os dons de temor e de piedade a um plano ainda superior de vivência.

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E assim sucessivamente, até chegar o dia do dom da sabedoria, que é o mais alto de todos os
dons do Espírito Santo.

Pelo dom de temor, o primeiro dos dons do Espírito Santo, nos é infundido um respeito
reverencial por Deus, pelas coisas sagradas e pelos homens, devido ao fato de que a existência
e a vida deles, quer eles o admitam ou não, está relacionada com Deus. Nossa consciência
começa a tornar-se mais delicada, o pecado a aflige mais do que ao comum dos homens que
vivem afastados da graça e temos medo ou até pavor de suas consequências espirituais.
Compreendemos, dependendo da intensidade com que o Espírito Santo nos ilumina, nossa
indigência espiritual e, quanto mais a compreendemos, esta compreensão nos move a um
interesse maior pelas coisas de Deus. No início da vida cristã este temor possui um caráter que
se chama de servil; à medida em, que vão, porém, se manifestando os demais dons do Espírito
Santo, este temor inicial não desaparece, mas vai se tornando cada vez mais acentuadamente o
que se chama de temor filial.

O dom de piedade, quando passa a se manifestar com maior predominância, faz com que o
temor de Deus se torne mais maduro. Como o nome o diz, nos tornamos mais piedosos, tanto
para com Deus como para com os homens. As pessoas se tornam mais mansas e compreensivas,
perdoam com mais facilidade, cumprem seus deveres religiosos mais por uma conaturalidade
para com eles do que obrigados pelo medo do pecado.

Pelo dom de ciência se inicia uma compreensão mais profunda de como os mandamentos de
Deus não são preceitos arbitrários dados ao acaso por um Deus que até teria direito de proceder
assim se o quisesse, mas que, em vez disso, os ordenou tendo em vista com eles o nosso bem,
por conhecer todas as coisas muito melhor do que nós o podemos fazer. Percebemos cada vez
mais que os seus mandamentos não são uma simples imposição de autoridade, mas são o
caminho para uma liberdade com que o comum das pessoas não consegue atinar. Ainda que
não o expressemos com palavras, passamos a nos comportar como se estivéssemos percebendo
por nós mesmos que existe uma ciência do uso das criaturas por parte do homem, e que o
homem surgiu sobre a terra como se ela tivesse sido preparada propositalmente para que,
quando o homem surgisse, ele usasse desta ciência para, através das criaturas, elevar-se a
alguma coisa muito alta, e não para fazer delas aquilo que o seu capricho bem entendesse. A
vida daqueles que vivem inteiramente alheios a este conhecimento nos parece tão intolerável
que nos causa repugnância e, se antes de nos termos convertido a Deus tínhamos vivido desta
maneira, isto nos causa, mais do que simples remorso, verdadeira repulsa.

"Meu coração se espanta e minha alma se aterroriza", dizia Santo Antão em uma de suas cartas,
"pois nós mergulhamos no prazer como gente embriagada de vinho, porque nos deixamos
distrair por nossos desejos, deixamos reinar em nós a vontade própria e recusamos elevar
nossos olhos para o céu buscando a glória celeste; incapazes de exercermos nossa inteligência
segundo o estado da criação original, inteiramente privados de razão, nos sujeitamos à criatura
em vez de servir ao Criador".

É impossível alguém enxergar isto tão claramente se o Espírito Santo não lhe tiver concedido o
dom de ciência. Se pelo dom de piedade o temor de Deus se tinha tornado mais delicado, o dom
de ciência parece nos mostrar a existência de um fundamento muito claro tanto para a piedade
como para o temor.

Pelo dom de fortaleza a existência de algo mais elevado preparado por Deus para ser buscado
pelos homens se nos torna tão manifesta que passamos a partir em sua procura com tanto
empenho que isto se evidencia diante dos homens como uma determinação tão profunda e

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inquebrantável a que aparentemente nada pode corromper. É aqui que os homens começam a
aspirar com seriedade à santidade. A fortaleza imprime uma marca inconfundível tanto no
temor, como na piedade e na ciência.

A prática abundante das obras de misericórdia costuma estar associada com a vida das pessoas
que se propõem à busca da santidade com a determinação do dom da fortaleza. Isto ocorre
porque elas já não são mais tão guiadas em suas decisões pelo egoísmo e pelos impulsos das
paixões; com isso seu entendimento se abre para uma percepção mais aguda dos problemas
graves que afligem ao próximo do que o das as pessoas que ainda estão passionalmente
envolvidas com seus problemas pessoais e que não têm tempo nem disposição para os perceber.

Ocorre, porém, que sempre o sofrimento de outros é objetivamente muito maior, mais grave,
mais profundo do que os nossos problemas pessoais, e, ademais, afeta um número de pessoas
muito maior do que aqueles a quem podemos efetivamente ajudar. Isto faz com que o
envolvimento com o sofrimento humano, e de modo especial neste caso em que ele ocorre não
por causa de alguma circunstancialidade ou algum problema pessoal, mas por causa de uma
clara percepção da gravidade e da extensão deste sofrimento em si mesmo, exige por natureza
um aperfeiçoamento daquela sabedoria prática que é a virtude a que denominamos de
prudência. Segundo diz Ricardo de São Vítor no Benjamin Menor, a prudência é, na ordem, a
última das virtudes que se aperfeiçoa no homem antes que nele se manifestem as virtudes
contemplativas. À prudência está associada a capacidade do conselho dado com sabedoria. O
dom de conselho é, assim, o modo externo de como se manifesta diante dos homens aquela
conaturalidade para com a prática da misericórdia daqueles que estão se aproximando de Deus.

A santidade eminente que as Sagradas Escrituras nos relatam ao narrarem as vidas dos
patriarcas e dos profetas do Velho Testamento e as dos apóstolos e mártires do Novo principia
propriamente pelo dom de entendimento e se torna madura pelo dom de sabedoria. O dom de
entendimento produz uma tal pureza de alma daqueles que são assim conduzidos pelo Espírito
Santo que eles passam a compreender com impressionante clareza o sentido mais profundo das
Sagradas Escrituras e das coisas divinas.

"O nome entendimento", diz Santo Tomás de Aquino, "implica um conhecimento íntimo;
significa ler dentro; é aquele conhecimento da inteligência que penetra até à essência da coisa".

“Pelo dom de entendimento compreendemos de um modo límpido e claro", diz ainda Santo
Tomás de Aquino, o sentido das coisas que são ensinadas por Deus e que parecem obscuras ou
até mesmo incompreensíveis para a maioria dos homens, muitas vezes inclusive para aqueles
que passaram a vida inteira estudando, mas sem buscar verdadeiramente a Deus.

Mais ainda, sua beleza se nos manifesta com tal evidência que passamos a contemplá-las
habitualmente em nossa alma e com prazer sempre crescente. Os homens que são movidos pelo
dom de entendimento são pessoas que vivem habitualmente da fé, e a fé neles é tão intensa
que já é como uma posse antecipada da substância das coisas que eles esperam no céu (Heb.
11, 1). É a estas pessoas que Jesus se referia quando dizia:"Bem aventurados os puros de
coração, porque verão a Deus". Mt. 5, 8

Mais ainda, aqueles que são movidos pelo dom de entendimento têm uma facilidade como que
conatural para explicar aos outros o significado das coisas divinas; se isto ocorre com pessoas
que têm familiaridade com a terminologia e o conhecimento teológico, surgem daí aquelas
obras primas da Teologia como a Summa Theologiae de Santo Tomás de Aquino, o Tratado da
Santíssima Trindade de Ricardo de São Vitor, Os Três Dias de Hugo de São Vitor, e muitas outras

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mais. A beleza extraordinária destes escritos, a profunda sobrenaturalidade que neles se respira,
a impressão que elas produzem de estarmos em contato com algo celeste, é conseqüência de
terem sido escritas por alguém em que se manifestava a atuação do dom de entendimento. O
dom de entendimento é, também, com isso, o modo pelo qual o Espírito Santo confere aos
homens uma aptidão especial para o ensino das coisas sagradas.

O dom de sabedoria está associado à mais profunda forma de conhecimento que é possível,
com o auxílio da graça, ao ser humano. Ele é de uma ordem mais elevada do que o dom de
entendimento e muitíssimo mais ainda do que as formas usuais de conhecimento existentes
entre os homens. A causa deste conhecimento é também diferente nos três casos. No
conhecimento usual dos homens, a causa do conhecimento é o esforço que o homem faz em
aprender. No dom de entendimento, a causa é o agir do Espírito Santo sobre a inteligência do
homem já adiantado na vida das virtudes. No caso do dom de sabedoria a causa é uma vivência
supereminente do amor a Deus, amor este movido pela atuação do Espírito Santo. Este amor se
torna tão intenso e tão mais acima daquele que os homens normalmente costumam
experimentar que através dele Deus infunde na alma uma outra forma de conhecimento mais
alta do que o que provém do dom de entendimento. Por isso é que este dom se chama de
sabedoria; segundo o modo comum de entender dos homens, sabedoria é o mais elevado
conhecimento possível. Assim também entre os dons do Espírito Santo enumera-se o dom de
sabedoria, por meio do qual o Espírito Santo nos move ao mais elevado conhecimento possível
e à mais elevada forma de contemplação que o homem pode alcançar. A causa próxima da
contemplação produzida pelo dom de sabedoria não é uma ação direta do Espírito Santo sobre
a inteligência, mas o modo supereminente da vivência do amor a Deus produzida em nós pela
graça do Espírito Santo que Jesus prometeu aos que seguissem os seus preceitos.

"Deus nunca dá esta sabedoria sem amor", diz São João da Cruz, "pois é o próprio amor que a
infunde, como afirma o profeta Jeremias quando diz:

`Enviou o Senhor fogo aos meus ossos, e ensinou-me'".

O dom de sabedoria, desta maneira, leva o preceito do amor a Deus às suas máximas
possibilidades; as pessoas que são conduzidas pelo dom de sabedoria amam a Deus como Jesus
ensinou que deveríamos amá-Lo, isto é, conforme vimos, "com todo o nosso coração, com toda
a nossa alma, como todo o nosso entendimento, com todas as nossas forças".

É humanamente impossível praticar este mandamento em todo o seu real significado sem o
auxílio do dom de sabedoria. O dom de sabedoria, ademais, eleva ao seu mais alto nível todos
os outros dons do Espírito Santo cujas manifestações o precederam; com isto, também, a vida
de todas as virtudes alcança o seu grau máximo.

"Aqueles que alcançaram o dom de sabedoria, diz um teólogo dominicano recente, parecem ter
perdido completamente o sentido do humano e o terem substituído pelo sentido do divino com
que vêem e julgam a todas as coisas. Teriam que fazer-se uma grande violência para descer aos
pontos de vista com que a mesquinhez humana julga todas as coisas. Não chamam desgraça ao
que os homens costumam chamá-la, isto é, uma enfermidade, uma perseguição, a morte, mas
unicamente àquilo que o é na realidade, por sê-lo diante de Deus, isto é, ao pecado, à
indiferença, à infidelidade à graça divina. As maiores provações, sofrimentos e contrariedades
não conseguem perturbar um só momento a paz inefável de suas almas, como se eles já
estivessem na eternidade. Mas o efeito mais impressionante diante dos homens do dom de
sabedoria é a morte total ao próprio eu. Aqueles que são conduzidos pelo dom de sabedoria
amam a Deus com um amor puríssimo, apenas por sua infinita bondade, sem mistura de

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interesse ou de motivos humanos, sem, porém renunciar ao céu, o que na verdade desejam
mais do que nunca, mas apenas porque deste modo poderão amar a Deus com maior
intensidade".

Mas, ao contrário do dom de entendimento, que permite ao homem ensinar com mais perfeição
as coisas de Deus, nem sempre é possível dar conta do que se aprende pelo dom de sabedoria.
Segundo Santo Tomás de Aquino, o conhecimento que advém pelo dom de sabedoria é algo de
deiforme; através dele podemos conhecer a Deus mais profundamente e amá-Lo até ao limite
de nossas possibilidades, mas nem sempre é possível explicar o que dele se conhece desta
maneira. Ocorre, porém, que quando se manifesta o dom de sabedoria no homem, todos os
demais dons, e com eles o dom de entendimento, sobem para um plano mais elevado, de modo
que, indiretamente, através do efeito que o dom de sabedoria produz sobre o dom de
entendimento, aqueles que o alcançaram podem ensinar mais plenamente do que aqueles que
chegaram apenas ao dia do entendimento.

Deduz-se, ademais, desta longa explicação, uma outra importante conclusão. Sabemos que os
objetivos da vida cristã são o amor a Deus e ao próximo; que amar a Deus se torna realidade
através do trabalho de nossa santificação, sem o qual não é possível amar a Deus; que o amor
ao próximo se torna uma realidade mais plena através do ensino, que é, para Jesus, a prova de
amor que ele deseja de nós. Vemos agora, porém, que nenhuma destas duas coisas é possível
sem o Espírito Santo, pois é através do dom de entendimento que o homem se torna
verdadeiramente capaz de ensinar e é através do dom de sabedoria que o homem se torna
verdadeiramente capaz de amar a Deus. Aos dois maiores mandamentos correspondem
também os dois maiores dons. Ao mandamento do amor a Deus, que é o maior de todos os
mandamentos, corresponde o dom de sabedoria, que é o maior de todos os dons do Espírito
Santo. Ao segundo mandamento, o do amor ao próximo, corresponde o dom de entendimento,
que é também o segundo dentre os dons do Espírito Santo. E assim como o dom de
entendimento alcança sua plenitude quando se eleva sob a influência do dom de sabedoria,
assim também o amor ao próximo somente alcança toda a sua perfeição quando toma a sua
força do preceito do amor a Deus. Para que possamos realizar ambas estas coisas o Senhor nos
convida insistentemente a que removamos todos os obstáculos e posterguemos todos os nossos
cuidados, para, com o melhor de nossas forças, nos colocarmos ao seu serviço. Depois ainda nos
pergunta, no décimo terceiro capítulo do Evangelho de São João:

"Compreendeis o (convite) que vos fiz? Se compreendeis estas coisas, sereis felizes se as
praticardes". Jo. 13, 17

Eis o eterno convite, que a tantos comoveu tão profundamente e os levou a abraçarem o
Evangelho. Teriam-no compreendido também aqueles que lêem estas linhas? Desejam também
eles a felicidade? Eis o que o Cristo nos pergunta, porque nos ama e nos ama muito. E até antes
de Jesus as Sagradas Escrituras interpelavam os homens a este respeito:

"Vinde, meus filhos", diz o Salmo 33, e eu vos ensinarei o temor do Senhor. Qual é o homem
que quer a vida, e deseja ver dias felizes?"

Esta interpelação não foi feita em vão. Atravessou os séculos e, um certo dia, ao ler esta
passagem, São Bento entendeu o que Deus quiz dizer:

"Que pode haver de mais doce para nós, caríssimos", disse ele, "do que esta voz do Senhor a
convidar-nos? O Senhor procura o seu operário na multidão do povo ao qual diz estas coisas!
Eis que pela sua piedade nos mostra o Senhor o caminho da vida!"

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Hoje São Bento está no céu, junto de Deus, para sempre. Dali o seu exemplo e a sua vida
continuam a nos interpelar para que acordemos do nosso sono tão profundo. Diz também a
Sagrada Escritura:

"Desperta, ó tu que dormes; levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará". Ef. 5, 14

Embora estas expressões se apliquem a toda a humanidade, a maioria dos homens age como se
elas se aplicassem apenas aos outros. Pode existir sono maior do que este?

A existência das Sagradas Escrituras é uma prova do quanto Deus nos ama e se importa conosco.
Em sua preocupação por nós, providenciou para que elas se esparramassem por todos os cantos
da terra, por todas as suas cidades, e até mesmo para dentro de quase todos os lares, para que
os seus filhos só não as lessem se não o quisessem. Não existe nada que possa ser tão facilmente
encontrado por qualquer um em qualquer lugar e a qualquer momento. As Sagradas Escrituras
são como uma carta através da qual Deus não se cansa de chamar seus filhos queridos os quais,
vítimas de uma espécie de loucura, não entendem mais por onde andam. Qualquer um deles
que verdadeiramente se tiver dedicado a entender o que esta mensagem do alto nos quer dizer
somente poderá chegar às mesmas conclusões a que já havia chegado São Bento.

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Curso de Iniciação Cristã
Aula 14 - Penitência e Unção dos Enfermos

2021
Aula 14 – A Confissão e a Unção dos Enfermos

Sacramento de Cura: a Confissão ou Penitência

Vimos que pelos sacramentos da iniciação cristã, recebemos a vida nova de Cristo. No entanto,
como coloca São Paulo, trazemos essa vida em ‘vasos de barro’ e, portanto, estamos sujeitos a
enfraquecer ou mesmo perder essa vida pelo pecado. Jesus Cristo exerceu o ministério de cura
e salvação e transmitiu aos apóstolos a graça de continuar esse trabalho. Os sacramentos da
Penitência e da Unção dos Enfermos tem essa finalidade.

O sacramento da Penitência ou da Confissão foi instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo quando
Ele transmitiu aos apóstolos o poder de perdoar. Lemos em Jo 20, 22-23: “Na tarde da Páscoa,
o Senhor Jesus apareceu aos seus Apóstolos e disse-lhes: "Recebei o Espírito Santo: àqueles a
quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão
retidos”. Cristo declarou que tinha o poder de perdoar e o comprovou com o milagre da cura de
um paralítico (cfr. Mc 2, 12), imagem da cura da paralisia espiritual que é o pecado.

Como coloca o Catecismo Romano, Nosso Senhor instituiu o sacramento da penitência “para
que tivéssemos a confiança de serem perdoados os nossos pecados, pela absolvição do
sacerdote; para que nossas consciências ficassem mais tranquilas, por causa da fé que
justamente devemos ter na eficácia dos Sacramentos. Pois quando o sacerdote nos perdoa os
pecados, na forma sacramental, suas palavras têm o mesmo sentido que as palavras de Cristo
Nosso Senhor ao paralítico: ‘tem confiança, filho, teus pecados te são perdoados’ (Mt 9, 2).
Depois, como ninguém pode conseguir a salvação senão por Cristo, e na virtude de Sua Paixão,
havia conveniência em si e muita utilidade para nós, que fosse instituído um Sacramento, por
cuja eficácia corresse sobre nós o Sangue de Cristo, a fim de nos purificar dos pecados cometidos
depois do Batismo; e assim reconhecemos que devemos unicamente a Nosso Salvador a graça
da reconciliação”.

A realidade do pecado após o batismo se dá porque apesar dos efeitos de regeneração da alma,
adoção filial por Deus e incorporação à Igreja, permanece em nós a concupiscência, ou seja, a
inclinação para o egoísmo, ou seja, o “amor de si próprio até o desprezo de Deus”, como coloca
Santo Agostinho. Nas escrituras temos uma evidência dessa fraqueza, por exemplo, quando São
João nos escreve “se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade
não está em nós” (1Jo 1,8), ou quando Nosso Senhor nos ensina a pedir perdão dos nossos
pecados, ao ensinar-nos a oração do Pai-Nosso (cfr. Lc 11, 4).

No sacramento da Penitência fala-se de ‘atos do penitente’ e ‘atos do sacerdote’. Estes são os


‘sinais sensíveis’ que, como definidos anteriormente ao falar dos sacramentos, ‘realizam o que
significam’. Por parte do penitente esses atos são a confissão dos próprios pecados, juntamente
com a atitude interior de contrição por tê-los cometido e o cumprimento da penitência, que
significam a repulsa da pessoa pelos próprios atos pecaminosos e o desejo de não voltar mais a
pecar; por parte do sacerdote são a audição atenta da confissão, os conselhos oportunos e,
principalmente, a absolvição dos pecados, com as palavras “eu te absolvo dos teus pecados, em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, que significam a misericórdia de Deus e realizam o
perdão desses mesmos pecados.

2
Para realizar uma boa confissão, o penitente precisa primeiramente examinar sua consciência
atentamente de modo a conhecer as próprias faltas e ter contrição, ou seja, “uma dor de alma,
uma detestação do pecado cometido, com o propósito de não mais pecar no futuro” (cfr. CIC
1451). O segundo passo é a Confissão ao sacerdote, que consiste em contar todos os pecados
cometidos desde a última confissão. O ato de confessar tem em si um efeito psicológico salutar
de nos colocar diante das próprias faltas, assumindo com responsabilidade os próprios atos e se
abrindo ao perdão e à reconciliação com a Igreja. Uma boa confissão deve ser ‘concisa, concreta,
clara e completa’. Concisa significa que deve conter as palavras justas, sem palavreado
desnecessário; concreta significa sem divagações, mas dizendo os pecados e suas circunstâncias;
clara para que nos entendam, colocando em evidência nossa miséria com modéstia e delicadeza;
completa para que não falte nenhum pecado, sem deixar de dizer algo por uma falsa vergonha.

O sacerdote que nos escuta é obrigado a guardar segredo absoluto sobre os pecados que os
penitentes lhe confessaram, sob penas severíssimas (cfr. CIC 1467). Após a confissão, o
sacerdote dá os conselhos oportunos e dá a absolvição, parte essencial do sacramento. Para que
seja válido, o sacerdote não apenas deve ter sido ordenado presbítero, mas receber do Bispo o
poder de jurisdição, isto é, a faculdade de julgar. O sacerdote impõe ao penitente uma
penitência (boa obra ou oração) que deve ser satisfeita pelo penitente, em união a Cristo, que é
o único que pode oferecer uma justa satisfação pelos nossos pecados (cfr. CIC 1460).

A reconciliação com Deus é o fim desse sacramento. Como coloca o Catecismo: “Toda a eficácia
da Penitência consiste em nos restituir à graça de Deus e em unir-nos a Ele numa amizade
perfeita” CIC 1468. Se o pecado grave realiza uma morte espiritual, a confissão é uma verdadeira
ressurreição. Além disso, nos reconciliamos também com a Igreja e com nossos irmãos, sendo
confirmados na Comunhão dos Santos e vencendo as rupturas próprias do pecado.

A Unção dos Enfermos


A Unção dos Enfermos é o sacramento pelo qual “a Igreja encomenda os doentes ao Senhor,
sofredor e glorificado, para que os alivie e os salve” CIC 1499. Este sacramento está
especialmente destinado a reconfortar os que se encontram sob a provação da doença, dando-
lhes um dom particular do Espírito Santo para vencer as dificuldades, unindo-os à paixão de
Cristo e preparando-os para a morte, se for a vontade de Deus. Além disso, roga-se pela saúde
física do doente, se for conveniente para a salvação, e perdoa-se os pecados cometidos. (cfr. CIC
1520-1523).

Nosso Senhor teve muita compaixão para com os doentes e realizou muitas curas. A tal ponto
Cristo ama os doentes que se identifica com eles, como lemos em Mt 25,36: “Estive doente e Me
visitastes”. Cristo confiou esse sacramento aos apóstolos quando disse (Mc 16, 17-18): “em Meu
nome... hão de impor as mãos aos doentes, e estes ficarão curados”. No entanto, as curas que
fazia eram sinais do Reino de Deus e anunciavam uma cura mais radical, sobre o pecado e a
morte.

A matéria deste sacramento é o óleo de oliveira, que é ungido na fronte e nas mãos do doente.
As palavras que conferem o significado aos sinais sacramentais, e realizam a graça, são as
seguintes: “Por esta santa unção e pela sua infinita misericórdia o Senhor venha em teu auxílio
com a graça do Espírito Santo, para que, liberto dos teus pecados, Ele te salve e, na sua bondade,
alivie os teus sofrimentos”.

Este sacramento é administrado pela Santa Igreja desde os tempos apostólicos. Na Epístola de
São Tiago, lemos: “Alguém de vós está doente? Chame os presbíteros da Igreja para que orem

3
sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor
o aliviará; e, se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Ts; 5, 14-15).

O sacramento da Unção dos Enfermos não é apenas dos que estão prestes a morrer, mas para
aqueles que por doença ou velhice começam a estar em perigo de morte (cfr. CIC 1514). Pode
ser recebido mais de uma vez e deve ser administrado pelo bispo ou pelo presbítero. A
celebração do sacramento pode ser precedida pelo sacramento da penitência e seguida pelo da
Eucaristia. A comunhão eucarística recebida no momento da passagem para o Pai tem um
significado e importância especiais. Conhecido como o viático, é o alimento do viajante,
“semente de vida eterna e força de ressurreição, segundo as palavras do Senhor: ‘Quem como
a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna: e Eu o ressuscitá-lo-ei no último dia’”
(cfr. CIC 1525).

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Leitura Complementar: Confissão: alguns obstáculos
Trecho do livro ‘Por que confessar-se?’, do Pe. Rafael Stanziona de Morais, doutor em Teologia
Moral. Livro publicado pela Editora Quadrante.

Confissão e Fé

Objetava certo penitente às instâncias do sacerdote: “Eu estaria disposto a confessar-me, mas
não tenho fé. Tenho muitas dúvidas de fé. Precisaria primeiro resolvê-las. Depois, sim, poderia
confessar-me”. E o sacerdote, sabendo que essa pessoa tinha apenas uma fé enferma, insistia
no contrário: devia confessar-se primeiro para depois resolver as suas dúvidas. Prevaleceu o
sacerdote. O penitente confessou-se, e depois... já não tinha nenhuma dúvida.

Ninguém vacile em confessar-se por pensar que perdeu o sentido vivo da fé. Experimente fazê-
lo, mesmo que lhe pareça estar representando uma comédia, pois nessa “comédia” não há
nenhuma hipocrisia. Verá que, na realidade, nunca tinha deixado de ter fé.

Com efeito, mesmo que nos tenhamos afastado muito de Deus, muitas vezes não perdemos a
fé, porque a fé é um dom dEle e não um triunfo nosso. Só é possível perdê-la por um pecado
grave cometido diretamente contra ela. A não ser em caso de incredulidade formal, de apostasia
ou de heresia, a maior parte das vezes conservamos a fé. Se ela não influi na nossa vida, se não
a “sentimos”, é simplesmente porque está enterrada sob o monte de lixo que lhe jogamos em
cima. Está lá, mas abafada pelos nossos pecados. Quando os removemos..., ela aparece.

Também não tem nenhuma importância que ainda não compreendamos inteiramente a razão
pela qual determinada conduta é pecaminosa. Basta que confiemos na palavra de Deus, tal
como a transmite o ensinamento oficial da Igreja, e que estejamos dispostos a agir como Deus
manda. Depois entenderemos de modo pleno. De momento, isso não é possível pela falta de
retidão da nossa vida, pois a falta de retidão obscurece a luz da fé. Quem vive
desordenadamente, não compreende a regra. Compreendê-la-á quando se tiver corrigido. A
Confissão, ao devolver-nos a retidão de vida, devolve-nos também a clareza da fé e o sentido
sobrenatural.

Assim, quem se confessa, além de experimentar um grande alívio na consciência, sente-se como
se tivesse saído de um túnel escuro para abrir-se a um dia de sol radiante. Abandona o ambiente
sombrio e rarefeito do subjetivismo, da solidão, dos ressentimentos, das perplexidades, da
contradição, da falta de sentido e da tristeza. E compreende “o esplendor e a segurança e o calor
do sol da fé”. Percebe que, ao contrário do que lhe sugeria o orgulho pessoal, não passa de uma
pobre criatura, mas de uma criatura protegida por Deus. Sente que o próprio Deus o ama, e
abrasa-se nesse amor.

Além do mais, quem chega a adquirir o hábito de confessar-se periodicamente, valendo-se das
sucessivas avaliações feitas sobre o seu comportamento nas diferentes confissões, e valendo-se
sobretudo da graça, vai adquirindo a capacidade de julgar, certeiramente, à luz da fé, as
situações concretas da vida. Adquire a virtude sobrenatural da prudência. Aprende a não se
deixar influenciar sem discernimento pelas oscilações da sua emotividade, pela pressão da
opinião da maioria, pelo bombardeio de slogans dos meios de comunicação ou pelos costumes
do ambiente.

Confissão e Mudança de Vida

Para podermos confessar-nos validamente e receber o perdão de Deus, é evidentemente


necessário que estejamos dispostos a retificar o nosso comportamento. Ou seja, é preciso que

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repudiemos o erro cometido, chegando a uma disposição da vontade tal que, se voltássemos a
encontrar-nos nas circunstâncias em que o cometemos, não tornaríamos a cometê-lo. Também
é preciso que estejamos decididos a evitar todas as ocasiões de pecado: Se o teu olho direito te
escandaliza, arranca-o e lança-o longe de ti, manda Jesus explicitamente (Mt 5, 29). E no caso
de termos praticado uma injustiça contra alguém, há a obrigação de restituir ou reparar. Além
disso, muitas vezes, será necessário romper com situações de vida irregulares, que podem
chegar a ser bem complexas, quando não nos confessamos há muito tempo.

Se não fosse assim, não haveria sinceridade no nosso arrependimento, pois o propósito de não
voltar a pecar é parte essencial da contrição. Não se trata de sentimentos, mas de efetivas
disposições da vontade. Ora, isso pode não ser nada fácil. Talvez não nos sintamos com coragem
para uma mudança que afetará a fundo o nosso estilo de vida. É possível que ainda não nos
sintamos preparados para quebrar os laços do comodismo, da sensualidade, da avareza, etc. E,
por mais que desejemos fazê-lo, provavelmente não nos parecerá que sejamos capazes de
evitar, para o futuro, todo e qualquer tipo de reincidência no erro. Sentimo-nos fracos e
prevemos que, ainda que nos esforçássemos ao máximo, voltaríamos a cair.

A esta dificuldade deve-se responder afirmando, em primeiro lugar, que não é preciso esperar
ter uma decisão de emenda absolutamente perfeita e segura para procurar a confissão. Basta o
desejo sincero de voltarmos a aproximar-nos de Deus e de começarmos a retificar e a lutar de
verdade. Ele nos ajudará a alcançar as disposições indispensáveis.

Por outro lado, convém não esquecer que a perfeita contrição é efeito da graça. A firmeza nos
nossos propósitos é, em certo sentido, mais dom de Deus do que conquista nossa. Se chegamos
a comprometer-nos com Deus a não mais pecar, fazemo-lo contando humildemente com o
auxílio das suas graças. Sozinhos, valendonos apenas das nossas forças, evidentemente não o
conseguiríamos, mas, com Ele, e mais concretamente com as graças que nos confere através do
sacramento, tudo podemos.

E, finalmente, é preciso lembrarmo-nos de que, no caso de fraquejarmos e voltarmos a cair,


apesar da sinceridade do propósito e do esforço por evitar a queda, podemos contar com a
reiteração da confissão. Aliás, não é de estranhar que um doente crônico precise de várias
aplicações do remédio para curar-se por completo.

Em resumo, quem vai confessar-se pela primeira vez, ou depois de muito tempo, sente-se
confuso, inseguro. Normalmente, embora tenha começado a arrepender-se, ainda está
vacilante, pouco convencido de que valha a pena mudar e sem coragem para enfrentar as
dificuldades que a conversão traz consigo. Não importa. Pouco a pouco, com as sucessivas
confissões, a sua boa vontade irá firmando-se. E passado algum tempo, depois de ter conseguido
retificar a fundo o seu comportamento, chegará a odiar o pecado e a experimentar por ele uma
repulsa que pode chegar a ser quase física.

Não é complicado

Se alguém não se confessa há muito tempo e já esqueceu os ritos da Confissão, ou se sente


dificuldade para fazer o oportuno exame de consciência, não se preocupe.

A cerimônia da Confissão é breve e simples. Não é preciso saber nenhuma fórmula ou oração de
cor. O próprio sacerdote nos vai indicando a seqüência das coisas a fazer. E o exame de
consciência também não é problema. Basta que, depois de termos procurado fazê-lo bem,
peçamos a ajuda do padre e ele nos irá orientando, ou perguntando na hora a respeito dos

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diferentes tipos de pecado que possamos ter cometido, explicando-nos, além disso, quaisquer
dúvidas que possamos ter.

Podemos estar tranqüilos. Ir confessar-se é como ir a um médico amigo e muito experiente. Com
um simples bater de olhos ele já intui as nossas queixas e faz as perguntas necessárias. Nenhum
sintoma o assusta. Faz os exames pertinentes, acerta o diagnóstico e nos receita o remédio
exato. Assim sendo, para nos confessarmos, basta abordarmos um bom sacerdote, da nossa
confiança, e dizer-lhe: “Quero confessar-me”. Ele nos ajudará a firmar as nossas disposições, a
ser sinceros, a fazer uma confissão íntegra, e a ficar preparados para receber a absolvição.

Será fácil. Em breve tempo estará resolvido. Restará uma penitência por cumprir, que sempre
estará dentro das nossas possibilidades, e que ficará muito aquém daquilo que, por justiça,
deveríamos pagar pelos nossos pecados. A diferença já foi saldada pelo sangue de Cristo na Cruz.

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Curso de Iniciação Cristã
Aula 15 - Sacramento da Eucaristia e Santa Missa

2021
Aula 15 – A Santa Missa e o Sacramento da Eucaristia

A iniciação cristã se completa com o sacramento da Eucaristia. O Catecismo ensina que a


Eucaristia é, ao mesmo tempo, sacrifício e sacramento. Iremos estudar ambos aspectos nessa
aula.

A Eucaristia como sacramento


Na Eucaristia se encontra o próprio Cristo, realmente presente, com seu Corpo, Sangue, Alma e
Divindade. Isso coloca este sacramento acima de todos os outros. Se falávamos de ‘sinais que
realizam o que significam’, para designar os sacramentos, aqui essa definição não se aplica, pois
já não é um sinal, mas a própria realidade. Entende-se a força das palavras do Catecismo quando
afirma: “A Eucaristia é «fonte e cume de toda a vida cristã». Os restantes sacramentos, assim
como todos os ministérios eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a sagrada
Eucaristia e a ela se ordenam. Com efeito, na santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro
espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa Páscoa” (CIC 1324).

O aspecto sacrificial, do qual falaremos mais na próxima aula, está inseparavelmente unido ao
sacramento, pois é na Santa Missa que ‘se confecciona’ a Eucaristia.

Assim como a regeneração operada pelo Batismo significa um nascimento espiritual e a


Confirmação a maturidade da alma, a Eucaristia representa o alimento que sustenta a vida dessa
alma. A matéria do sacramento, efetivamente, são alimentos: o pão e o vinho. A recepção do
sacramento significa exteriormente comer desse pão e beber do vinho, mas o que na verdade
está acontecendo é que nós estamos nos alimentando com a própria vida divina de Cristo, pois
o pão se torna a sua Carne e o vinho o seu Sangue.

A escolha desses sinais sacramentais foi feita pelo próprio Cristo, prefigurados na antiga aliança
com o pão ázimo do Êxodo, o maná do deserto e o cálice da benção (cfr. CIC 1334). Cristo, com
o milagre da multiplicação dos pães, prefigurou a superabundância do Pão da Eucaristia. Com a
transformação da água em vinho nas bodas de Caná, anunciou o banquete de núpcias do Reino,
onde os fiéis beberão o vinho novo, tornado Sangue de Cristo (cfr. CIC 1335).

No Capítulo 6 do Evangelho de São João, Cristo revelou com clareza o valor dessas prefigurações,
mostrando como os elementos sacramentais fazem referência a Seu Corpo e Sangue, bem como
a importância de participar desse sacramento para ter a vida de Cristo em nós. Suas palavras
foram as seguintes:

“Eu sou o pão da vida. Vossos pais, no deserto, comeram o maná e morreram. Este é o pão que
desceu do céu, para que não morra todo aquele que dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu
do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne
para a salvação do mundo. A essas palavras, os judeus começaram a discutir, dizendo: Como
pode este homem dar-nos de comer a sua carne? Então Jesus lhes disse: Em verdade, em verdade
vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis
a vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu
o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue,
verdadeiramente uma bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em
mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive, e eu vivo pelo Pai, assim também aquele
que comer a minha carne viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu. Não como o maná

2
que vossos pais comeram e morreram. Quem come deste pão viverá eternamente. Tal foi o
ensinamento de Jesus na sinagoga de Cafarnaum”.

Em outras ocasiões, Jesus disse ser outras coisas. Por exemplo, em Jo 10, 9, Ele disse: “Eu sou a
porta. Se alguém entrar por mim, será salvo”. Em outra ocasião, Jo 15,1, disse: “Eu sou a videira
verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará”. Nessas
ocasiões, as pessoas perceberam que Ele falava em uma linguagem figurada e não se
escandalizaram. Mas quando Jesus falou que era o Pão da Vida e que tinham que comer sua
Carne, não se entendeu da mesma forma, como o próprio Evangelho de São João, no mesmo
capítulo 6, nos mostra: “Muitos dos seus discípulos, ouvindo-o, disseram: Isto é muito duro!
Quem o pode admitir? (...). Desde então, muitos dos seus discípulos se retiraram e já não
andavam com ele”. Por esse discurso Cristo perdeu muitos discípulos, pois não podia abrir mão
da verdade. E deixou inclusive aberto aos apóstolos aderir ou não às suas palavras: “Então Jesus
perguntou aos Doze: Quereis vós também retirar-vos? Respondeu-lhe Simão Pedro: Senhor, a
quem iríamos nós? Tu tens palavras de vida eterna. E nós cremos e sabemos que tu és o Santo
de Deus”. São Pedro, talvez também sem entender bem o que significavam aquelas palavras,
expressa sua incondicional confiança em Cristo e a fé na sua divindade.

No entanto, esse discurso foi apenas a preparação para o momento concreto da Instituição
desse sacramento, que aconteceu na Última Ceia, ou seja, no dia anterior à Paixão do Senhor.
No Evangelho de São Lucas lemos:

“Veio o dia dos Ázimos, em que devia imolar-se a Páscoa. [Jesus] enviou então a Pedro e a João,
dizendo: "Ide preparar-nos a Páscoa, para que a possamos comer" [...]. Partiram pois, [...] e
prepararam a Páscoa. Ao chegar a hora, Jesus tomou lugar à mesa, e os Apóstolos com Ele.
Disse-lhes então: "Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de padecer.
Pois vos digo que não voltarei a comê-la, até que ela se realize plenamente no Reino de Deus".
[...] Depois, tomou o pão e, dando graças, partiu-o, deu-lho e disse-lhes: "Isto é o Meu corpo, que
vai ser entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim". No fim da ceia, fez o mesmo com o
cálice e disse: "Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós”. (cfr.
Lc 22, 7-20 e CIC 1137-1140).

Assim, Cristo deu o sentido definitivo à Páscoa judaica, pois aquela Ceia pascal antecipava
sacramentalmente a passagem de Cristo ao Pai pela sua Morte e Ressurreição. O pedido de
Cristo quando disse: ‘Fazei isto em memória de Mim’, era o convite para que a celebração
litúrgica fosse realizada ‘até que Ele venha’ (cfr. 1 Co 11, 26), ou seja, até o fim dos tempos,
sendo o “memorial da Paixão e Ressurreição do Senhor”, vivido dia a dia, celebração a
celebração, alimentando os fiéis com esse ‘tesouro espiritual’ e os preparando para o ‘banquete
celeste’, em que todos os eleitos se sentarão à mesa do Reino (cfr. CIC 1344).

A fé na Presença Real de Cristo na Eucaristia significa acreditar que por trás das aparências de
Pão e de Vinho, estão as substâncias do Corpo e do Sangue de Cristo, milagrosamente presentes.
Chama-se transubstanciação essa mudança de substância do pão no Corpo de Cristo e do vinho
no seu Sangue. Enquanto duram as espécies eucarísticas, nelas permanecem Cristo, em cada
uma de suas partes, inteiramente, de modo que a sua divisão não divide a Cristo. A fé na
Realidade e na Presença de Cristo na Eucaristia deve orientar nosso comportamento diante
desse mistério, estimular a oração diante do Sacrário e a Ação de Graças sobre o amor de Deus
por nós, ao ficar tão acessível nesse sacramento (cfr. Leitura Complementar sobre o Coração de
Cristo).

3
Nos começos da Igreja, com a impossibilidade de algumas pessoas participarem da Missa,
reservava-se o Corpo de Cristo Eucarístico para que fosse levado a tais pessoas. Reservava-se
em locais especiais esse Pão consagrado, de modo que começou-se a rezar diante dele (cfr. CIC
1379). Com o tempo, nasceu toda uma liturgia eucarística, que honra a Cristo Eucarístico de
muitas formas: com Exposições Solenes e Bênçãos, Cânticos e Adorações. A festa do Corpus
Christi é um momento-chave na liturgia eucarística, onde se reza uma Missa Solene e se faz uma
Procissão com o Santíssimo Sacramento, com a tradição dos tapetes decorativos por onde Jesus
passa ainda viva em muitas cidades. A festa do Corpus Christi começou em 1215 por ocasião do
reconhecimento de um milagre eucarístico, em que durante a consagração do Corpo e do
Sangue de Cristo, não mudaram apenas as substâncias, mas inclusive as aparências de Pão e
Vinho, que se transformaram em carne e sangue humanos. Ao longo da história, existiram
muitos milagres catalogados que instigam a ciência e suscitam a fé de muitos incrédulos.

A Santa Missa
A Santa Missa é a ‘renovação sacramental do Sacrifício de Cristo na Cruz’. Mais do que uma
simples representação, o sacrifício da Missa torna presente o único sacrifício de Cristo,
tornando-o sempre atual. O Concílio de Trento explica o sentido sacrificial da Missa com as
seguintes palavras:

“Cristo nosso Deus e Senhor [...], ofereceu-Se a Si mesmo a Deus Pai uma vez por todas, morrendo
como intercessor sobre o altar da cruz, para realizar em favor deles [homens] uma redenção
eterna. No entanto, porque após a sua morte não se devia extinguir o seu sacerdócio (Heb 7, 24-
27), na última ceia, "na noite em que foi entregue" (1 Cor 11, 13). [...] Ele [quis deixar] à Igreja,
sua esposa bem-amada, um sacrifício visível (como o exige a natureza humana), em que fosse
representado o sacrifício cruento que ia realizar uma vez por todas na cruz, perpetuando a sua
memória até ao fim dos séculos e aplicando a sua eficácia salvífica à remissão dos pecados que
nós cometemos cada dia” (cfr. CIC 1366).

Comentamos anteriormente que é função da liturgia realizar a permanência do Mistério Pascal


de Cristo entre nós. Pois é na Santa Missa que mais perfeitamente se vivem esses mistérios, pois
como ensina o Catecismo, o sacrifício de Cristo e a Eucaristia são um único sacrifício. Nosso
Senhor encarregou à Sua Igreja, fundada na pessoa de São Pedro e dos Apóstolos, a missão de
renovar sacramentalmente seu sacrifício na Cruz ao dizer, na Última Ceia: “Fazei isto em
memória de Mim”. São os bispos, sucessores diretos dos apóstolos, e os presbíteros
encarregados por eles, que presidem as celebrações eucarísticas. Para mostrar a união de toda
a Igreja em cada Missa, o Papa e o Bispo local são sempre nomeados nas celebrações.

Desde os primórdios da humanidade percebe-se o desejo de oferecer ofertas a Deus, de


conseguir favores ou aplacar a ‘ira divina’. Na tradição judaica vemos vários sacrifícios oferecidos
que prefiguram a Santa Missa: p.ex. a oferta de Abel, o sacrifício de Abraão, os dons de
Melquisedeque. Eram sacrifícios que devolviam a Deus o que ele mesmo nos tinha dado. A nova
ordem instaurada por Cristo implica também em levar à perfeição os sacrifícios da antiga aliança,
oferecendo a Deus algo digno Dele: seu próprio Filho. O profeta Malaquias, por volta de quatro
séculos antes de Cristo, profetizou esse novo sacrifício: “Do nascente ao poente, é grande minha
fama nas nações, e em todo lugar se oferecem ao meu nome incenso, sacrifícios e oblações
puras. Sim, grande é o meu nome entre as nações, diz o Senhor dos exércitos” (cfr. Mal 1, 11).
Não era comum para um judeu anunciar um sacrifício que fosse oferecido em nome do Senhor
‘entre as nações’. Vemos, portanto, a perfeição e a universalidade do sacrifício da Missa.

4
O rito da Missa, nos seus grandes traços e partes essenciais, remonta aos tempos apostólicos.
As mudanças litúrgicas que aconteceram ao longo da história são legítimas na medida em que
adaptam a celebração a uma determinada época e necessidades pastorais, sem modificar sua
essência.

Estando os fiéis reunidos, o Bispo ou o presbítero, atuando na pessoa de Cristo, preside à


assembléia e inicia a celebração com o sinal próprio dos cristãos, o sinal da Cruz, invocando as
Três Pessoas da Santíssima Trindade. Depois dessa introdução, segue-se o pedido de perdão dos
pecados e, nos domingos e festas, a oração do Glória. Termina-se os Ritos Iniciais com a Oração
Coleta.

A liturgia da palavra vem em seguida, composta por ‘escritos dos profetas’, ou seja, leituras do
Antigo Testamento e ‘memória dos apóstolos’, ou seja, suas epístolas e evangelhos. Segue-se a
homilia, que é uma exortação a acolher a Palavra como o que ela é na realidade, Palavra de
Deus, e pô-la em prática (cfr. CIC 1349). Conclui-se a liturgia da palavra com a recitação do Credo
e a Oração dos fiéis, que é uma intercessão por todos os homens.

A apresentação das oferendas introduz a liturgia eucarística. Apresenta-se ao altar o pão e o


vinho que serão consagrados e o sacerdote reza as orações do ofertório. Desde os começos da
Igreja os cristãos na apresentação das oferendas, trazem também suas ofertas para a partilha
com os necessitados, chamada coleta (cfr. CIC 1351).

Com a oração eucarística, a oração de ação de graças e a consagração, chegamos ao coração e


cume da celebração. São os momentos centrais da Missa em que Nosso Senhor se torna
realmente presente, com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Cada gesto e cada palavra
cumpre um papel, especialmente nesse momento da celebração. Termina-se a liturgia
eucarística com a oração ‘por Cristo, com Cristo e em Cristo, a vós Deus-Pai Todo Poderoso, na
unidade do Espírito Santo, toda Honra e Toda Glória, agora e para sempre’, que a assembléia
deve responder com solenidade: ‘Amém’.

O Rito da Comunhão começa com a oração do Pai-Nosso e continua com a oração pela paz e a
fração do Pão. Os fiéis que estiverem preparados, podem se aproximar do Senhor e receber o
‘Pão do Céu’ e o ‘Cálice da Salvação’.

Estar preparados para comungar significa já ter feito a Primeira Comunhão, sabendo discernir o
Corpo e o Sangue de Cristo. Não ter consciência de nenhum pecado grave que não tenha sido
confessado, ou seja, estar em graça de Deus. Deve observar um jejum de ao menos uma hora,
não ingerindo alimentos nesse período, com exceção de água e remédios (doentes e idosos
estão isentos dessa prescrição).

A Oração depois da comunhão, juntamente com os avisos e a Benção final constituem os ritos
finais. Uma prática tradicional na Igreja e recomendada pelo magistério é fazer um tempo de
Ação de Graças após a Missa, em que se agradece a Deus o dom recebido e faz uma oração
muito íntima, dado que Cristo Eucarístico está presente dentro daquele que O recebeu.

5
Leitura Complementar 1: O dom do Coração de Jesus, sobre a piedade
eucarística
Meditação de São Pedro Julião Eymard, Fundador de duas congregações dedicadas à Adoração
e conhecido como o Apóstolo da Eucaristia.

Jesus chegou ao fim de sua Vida mortal; o Céu está a reclamar seu Rei. Depois de combater
longamente, é chegada a hora do triunfo. Jesus, no entanto, não quer abandonar sua nova
família, os filhos que acaba de gerar. “Vou-me e venho a vós”, diz aos Apóstolos.

Senhor, partis e, partindo, permaneceis? E por que maravilha do vosso Poder? Ah! é o segredo,
a obra de seu Coração divino. Jesus terá dois tronos, um de glória no Céu, outro de mansidão e
de Bondade na terra. Duas cortes: a corte celeste, triunfante, e a corte terrestre, composta
daqueles que foram remidos por Ele. E, ousamos afirmálo, se não lhe fosse possível permanecer
simultaneamente lá e cá, havia de preferir ficar na terra conosco, a voltar ao Céu sem nós. Não
deu Ele sobejas provas de que o último de seus pobres remidos lhe é mais caro do que toda a
sua glória? E não pôs Ele suas delícias em estar com os filhos dos homens?

Como permanecerá Jesus conosco? Passageiramente, de vez em quando? Não; permanecerá


num estado perseverante e aqui ficará para sempre. E eis que surge na Alma de Jesus Cristo uma
luta admirável. A Justiça divina protesta. Não está consumada a Redenção e fundada a Igreja?
Não está o homem de posse da Graça e do Evangelho, da Lei divina e dos socorros necessários
para praticá-la?

Responde o coração de Jesus: “Aquilo que basta à Redenção não satisfaz meu Amor. A mãe não
se contenta em dar à luz o filho, quer ainda amamentá-lo, educá-lo e acompanhá-lo por toda a
parte. E Eu amo os homens mais do que a mais tenra das mães jamais amou ao filho. Com eles
permanecerei”.

Sob que forma?... Sob a forma velada do Sacramento. Quer ainda a Majestade divina opor-se a
semelhante humilhação - mais profunda que a Encarnação, que a mesma Paixão. A salvação do
homem não pede tais rebaixamentos.

“Mas, replica o Sagrado Coração, quero velar-me, a Mim e à minha Glória, para que o brilho de
minha Pessoa, como outrora a glória de Moisés, não ofusque aos meus pobres irmãos,
impedindo-os de se chegarem a Mim. Quero velar minhas virtudes, que, humilhando o homem,
o levariam a desesperar de jamais atingir modelo tão perfeito. E isto lhe permitirá chegar-se
mais facilmente a Mim, e vendo-me descer até a raia do nada, comigo descerá também e terei
então o direito de lhe dizer com maior força: aprendei de mim que sou manso e humilde de
coração”.

De que modo se perpetuará Jesus? Na Encarnação foi o Espírito Santo o digno operador do
mistério, e na Ceia Jesus agiu por sua própria virtude. Hoje quem merecerá servir de
intermediário num mistério dessa natureza? Quem? Um homem. O Sacerdote!...

Exclama a sabedoria divina: “Então um pobre mortal encarará seu Salvador e seu Deus? Será o
cooperador do Espírito Santo nesta nova encarnação do Verbo Divino? Uma criatura dará ordens
ao Rei imortal dos séculos e será obedecida?”

“Sim, responde o Coração de Jesus, Eu amarei ao homem ao ponto de me submeter a ele em


tudo. Descerei dos Céus à chamada do Sacerdote, abandonarei o Tabernáculo a pedido dos fiéis,
e irei visitar meus filhos através das cidades, até o seu leito de dor...”. Insiste a Santidade divina:
“Pelo menos ficarei num templo digno de vossa glória e tereis padres dignos de vossa realeza?

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Tudo na nova Lei deve sobrepujar a beleza da Lei Antiga. Só vos receberão os cristãos puros,
preparados com esmero para tal ato?”.

“Meu Amor não conhece nem limites, nem condições, diz Jesus. Eu obedeci aos meus carrascos
no Calvário. Se novos Judas vierem a Mim, Eu receberei ainda seu beijo infernal e lhes
obedecerei”.

Que quadro neste momento surge aos olhos de Jesus. Seu Coração está reduzido a combater
suas próprias inclinações. As angústias do Jardim das Oliveiras se fazem pressentir. É a tristeza
mortal de Getsêmani ao ver as ignomínias da sua Paixão que o esperam. Verte Lágrimas de
Sangue ao pensar no seu povo, que, apesar do seu Sacrifício, se perderá, enquanto a apostasia
de grande número de seus filhos o fere cruelmente.

E neste ponto, que luta se trava no seu Coração! Que agonia! Quer dar-se todo inteiro, sem
reserva alguma. Mas estarão todos dispostos a crer em tanto Amor? E aqueles que nele creram
recebê-lo-ão com reconhecimento? E os que receberem, serlhe-ão fiéis?

O Coração de Jesus não está nem indeciso, nem hesitante - está torturado! Vê a Paixão renovada
diariamente no seu Sacramento de Amor, e renovada por corações cristãos - corações que lhe
eram consagrados! Traído pela apostasia, vendido pelo interesse, crucificado pelo vício. E,
desgraçadamente, o coração daqueles que o receberam torna-lhes muitas vezes um Calvário.
Que sofrimento para o Coração divino! Que fará Ele? Ele se dará, e se dará apesar de tudo.

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Curso de Iniciação Cristã
Aula 16 - Sacramento da Matrimônio e da Ordem

2021
Aula 16 – O Sacramento do Matrimônio e da Ordem

Sacramentos ao serviço da comunhão

O Catecismo se refere aos sacramentos da Ordem e do Matrimônio como ‘sacramentos ao


serviço da Comunhão’, pois é pelo serviço a outra pessoa que esses sacramentos contribuem
para a salvação pessoal (cfr. CIC 1534). São consagrações particulares para serem pastores da
Igreja, no caso da Ordem, e fortalecidos para viverem dignamente os deveres de estado de
esposos cristãos, no caso no Matrimônio. Vamos estudar cada um deles detidamente.

A Ordem

A Ordem é o ‘sacramento do ministério apostólico’, pois é por meio desse sacramento que a
missão confiada aos apóstolos continua a ser exercida na Igreja. A palavra Ordem remonta à
antiguidade romana, em que o corpo dos governantes era designado como constituindo uma
‘ordem’. A tradição da Igreja incorporou essa nomenclatura para se referir à ‘ordem dos bispos’
(ordo episcoporum), bem como à ordem dos presbíteros e dos diáconos, com o intuito de
evidenciar que o dom do Espírito Santo recebido pelos eleitos à esse sacramento os fazem
partícipes do poder sagrado, que vem de Cristo pela Igreja.

Na Antiga Aliança, com o sacerdócio de Aarão, com o serviço dos levitas, bem como na
instituição dos ‘Setenta Anciãos’, a Igreja reconhece uma prefiguração do ministério ordenado
(cfr. CIC 1541-1543). É no ‘Sacerdócio Único de Cristo’ que todas as prefigurações se realizam,
pois Cristo ofereceu um único sacrifício redentor, realizado uma vez por todas. O sacerdócio
ministerial é uma participação especial no sacerdócio de Cristo, capacitando o eleito a agir na
‘Pessoa de Cristo’ e ‘em nome da Igreja’. Essa ação significa que o próprio Cristo perpetua sua
ação no mundo, por meio do sacerdote. Mas não significa que o ministro esteja isento de
fraquezas e que não possa desonrar a consagração que recebeu, dando mal exemplo e
ofendendo a Deus. Por outro lado, mesmo num ministro indigno, a eficácia do sacramento
administrado por ele não diminui com o seu pouco fervor. No entanto, Cristo como único
Sacerdote deu o exemplo de abnegação e solicitude pelo rebanho, que deve inspirar todos os
ministros ordenados no cumprimento de sua missão. Também contam com a oração de toda a
Igreja e a ajuda do Espírito Santo para trilharem o caminho da santidade.

O ministério eclesiástico é exercido em três ordens diversas, sendo chamados de bispos,


presbíteros e diáconos seus representantes. O primeiro grau do sacramento é o diaconato, o
segundo o presbiterado e a plenitude se dá no episcopado, sendo que o superior pressupõe o
inferior.

Os diáconos são ordenados em vista do serviço. Não podem ser chamados de sacerdotes, pois
não atuam na ‘Pessoa de Cristo Único Sacerdote’, mas participam da missão de Cristo que veio
ser ‘o servidor de todos’. O diácono ajuda o presbítero e o bispo nas celebrações eucarísticas,
abençoa os matrimônios, proclama o Evangelho e prega, preside os funerais, realiza batismos e
outros serviços à comunidade (cfr. CIC 1569-1571).

O presbítero participa do sacerdócio de Cristo, mas não possui o pontificado supremo,


dependendo do bispo no exercício de seu poder. Sua identificação plena com Cristo está no
momento em que celebra a Santa Missa, renovando o sacrifício de Cristo na Cruz. Também atua
na Pessoa de Cristo quando administra o sacramento do Perdão e colabora com o Bispo no
governo da Igreja e no ministério da Palavra, devendo a ele sua consideração e obediência
(cfr.1562-1568).

Os bispos são os sucessores diretos dos apóstolos, sendo consagrados com a plenitude do
sacramento da Ordem. Recebem o encargo pastoral da Igreja particular, atuando como vigário
de Cristo. Com os demais bispos vivem também a ‘solicitude por todas as Igrejas’. Eles tem a
missão de santificar, ensinar e governar a Igreja. São os bispos que administram o sacramento
da ordem nos seus três graus (cfr. CIC 1555-1561).

“O rito essencial do sacramento da Ordem é constituído, para os três graus, pela imposição das
mãos, por parte do bispo, sobre a cabeça do ordinando, bem como pela oração consecratória
específica, que pede a Deus a efusão do Espírito Santo e dos seus dons apropriados ao ministério
para que é ordenado o candidato” CIC 1573.

Como Cristo escolheu varões (homens) para formar o colégio dos Doze Apóstolos, o mesmo
fazendo os apóstolos a seus colaboradores, a Igreja entendeu sempre que apenas os homens
deveriam receber este sacramento. O entendimento mais profundo desse mistério começa por
perceber que na Carta aos Efésios (cfr. Ef 5, 22-33), São Paulo fala da relação entre Cristo e a
Igreja como a do Esposo com a Esposa. O Esposo é Cristo, que oferece o sacrifício redentor à sua
Igreja. O Papa João Paulo II na Carta Apostólica Mulieres Dignitatem, explica que o fato de Cristo
ter ligado ao serviço sacerdotal dos apóstolos a celebração Eucarística, associou a eles o atuar,
pela renovação do sacrifício eucarístico, como o Esposo para a Igreja Esposa. Nesta mesma Carta
o Papa explica a vocação e a dignidade da mulher, explicando como sua feminilidade, associada
à vocação de esposa e mãe, à imagem da Virgem Maria, são essenciais na Igreja.

O sacramento da Ordem deixa uma marca indelével, não podendo ser repetido ou recebido em
caráter temporário. A graça do Espírito consiste numa configuração com Cristo Sacerdote,
Mestre e Pastor, de quem o ordenado é constituído ministro, segundo o grau específico do
sacramento que recebeu.

O sacramento do Matrimônio

“O matrimônio e a família constituem um dos bens mais preciosos da humanidade” (João Paulo
II). Nosso Senhor quis elevar à dignidade de sacramento o pacto matrimonial pelo qual homem
e mulher vivem uma comunhão íntima de vida, para que se realizem mutuamente nessa vocação
e possam acolher e educar os filhos que Deus os enviar (cfr. CIC 1601).

A vocação matrimonial para o homem e a mulher insere-se numa mais profunda orientação da
pessoa a realizar-se no amor. O Papa João Paulo II nos explica que: “Deus é Amor” (1 Jo 4, 8) e
vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Criando-a à sua imagem e
conservando-a continuamente no ser, Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a
vocação, e, assim, a capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão. O amor é,
portanto, a fundamental e originária vocação do ser humano” (Familiaris Consortio 11).

Essa vocação à viver uma comunhão de vida fundada no amor evidencia-se na própria
complementaridade física e afetiva entre homem e mulher. Quando o casal se ama, com um
empenho de um para com o outro que seja total e até a morte, compartilha-se a própria
interioridade e exterioridade como um todo. Tudo o que a pessoa é, inclusive seus valores
sexuais, entram nessa comunhão, que se consuma no ato conjugal. Dessa forma, a união sexual
deixa de ser algo meramente biológico, mas reflete uma união íntima das pessoas.
Para que essa união seja plena e verdadeira, o pacto conjugal deve refletir uma escolha
consciente e livre. Essa união funda um novo lar e tem, portanto, uma implicação social. A
instituição matrimonial, com a exigência de que o compromisso assumido seja público, existe
justamente para garantir que o pacto seja único e exclusivo, plenamente fiel ao desígnio de Deus
(cfr. Familiaris Consortio 12). A elevação ao status de sacramento ressalta ainda mais a dignidade
dessa vocação e confere as graças necessárias à sua vivência.

Nosso Senhor realizou seu primeiro milagre, a pedido de Sua Mãe, numa festa de casamento
(cfr. Jo 2, 1-11). Na sua pregação afirmou a dignidade da vocação matrimonial e seu caráter
indissolúvel: “Não separe, pois, o homem o que Deus uniu” (Mt 19, 6). Junto com esta exigência,
Cristo dá a graça e, com sua morte na Cruz, o exemplo de como deve ser o amor dos esposo
cristãos. São Paulo nos ensina que o amor entre os esposos deve ser um reflexo do amor de
Cristo pela Igreja (cfr. Ef 5, 25).

A celebração do matrimônio se dá na Igreja, se possível durante a Santa Missa, para ressaltar o


vínculo com o mistério pascal de Cristo (cfr. CIC 1621). Os próprios noivos são os ministros da
graça, conferindo-se mutuamente o sacramento com o consentimento mútuo. Para ser válido,
no entanto, um ministro autorizado da Igreja deve receber esse compromisso e abençoar a
união. A forma eclesiástica da cerimônia se justifica primeiramente porque é um ato litúrgico,
fazendo parte da liturgia da Igreja. Depois porque o matrimônio gera direitos e deveres diante
da Igreja, entre os esposos e os filhos, constituindo-se um verdadeiro estado de vida na Igreja.
Na medida em que implica a Igreja como um todo, exige-se a presença de testemunhas, para se
ter certeza desse estado de vida e ajudar-lhe a permanecer fiel (cfr. CIC 1631).

O consentimento livre e responsável é algo essencial para que verdadeiramente haja um


matrimônio. Um constrangimento na liberdade ou um impedimento legal torna inválido o
matrimônio. Uma devida preparação para o casamento ajuda que essas exigências sejam
garantidas e que o ‘sim’ seja autêntico. Essa preparação começa no seio familiar, com o exemplo
dos pais e o entendimento do valor da dignidade humana, da vocação ao amor, do sentido do
namoro e do noivado. (cfr. CIC 1632). Percebe-se hoje uma imaturidade generalizada nas
relações amorosas, em que desde a juventude perde-se o verdadeiro sentido da sexualidade
humana e, como conseqüência, crescese o número de uniões livres, divórcios, lares
desagregados e frustrações amorosas.

Quando o matrimônio é legítimo, surge entre os esposos um vínculo ‘perpétuo e exclusivo’ em


que o amor conjugal é assumido no amor divino. Além disso, os esposos recebem a graça própria
do sacramento para ‘chegarem à santidade pela vida conjugal e pela procriação e educação dos
filhos’ (cfr. CIC 1641).

O Papa João Paulo II na Exortação Familiaris Consortio, citada anteriormente, nos ensina que :
O amor conjugal comporta uma totalidade na qual entram todos os componentes da pessoa -
chamada do corpo e do instinto, força do sentimento e da afetividade, aspiração do espírito e da
vontade - ; o amor conjugal dirige-se a uma unidade profundamente pessoal, aquela que, para
além da união numa só carne, não conduz senão a um só coração e a uma só alma; ele exige a
indissolubilidade e a fidelidade da doação recíproca definitiva e abre-se à fecundidade” (grifos
nossos).

As três exigências destacadas acima são assumidas mutuamente na própria cerimônia do


casamento, diante das testemunhas. Elas protegem a união matrimonial contra alguns desvios,
que ferem sua dignidade, como a poligamia, o divórcio e o egoísmo que evita voluntariamente
os filhos.
A devida abertura à fecundidade e o acolhimento dos filhos que Deus enviar constitui o lar
cristão numa verdadeira Igreja doméstica. O próprio Cristo quis nascer no seio de uma família,
a Sagrada Família de José e Maria. Da mesma forma, os casais cristãos devem se esforçar para
criar um ambiente propício para o aprendizado e a vivência da religião, principalmente hoje em
dia em que vivemos um ‘mundo estrando e hostil à fé’ (cfr. CIC 1655).

Para os outros diversos assuntos relacionados ao sacramento do matrimônio, como o


casamento misto e em disparidade de culto, o impedimento ao casamento homossexual, o
problema do divórcio e o acolhimento dos divorciados na Igreja, ou ainda os critérios de nulidade
matrimonial, bem como outras dúvidas particulares que possamos ter, podemos encontrar nos
documentos da Igreja respostas a praticamente todos os questionamentos, bem como consultar
autoridades eclesiásticas pertinentes para resolver problemas particulares (cfr. as Leituras
Complementares sobre alguns tópicos de interesse).
Curso de Iniciação Cristã
Aula 17 – A vida de oração

2021
Aula 17 - A Oração Cristã

A revelação da Oração

“Mistério admirável da nossa fé! A Igreja professa-o no Símbolo dos Apóstolos (primeira parte)
e celebra-o na liturgia sacramental (segunda parte), para que a vida dos fiéis seja configurada
com Cristo no Espírito Santo para glória de Deus Pai (terceira parte). Este mistério exige,
portanto, que os fiéis nele creiam, o celebrem e dele vivam, numa relação viva e pessoal com o
Deus vivo e verdadeiro. Esta relação é a oração”. CIC 2558.

A oração é um dom de Deus, elevação da alma a Ele para entrar em comunhão, pedir o que
necessitamos e renovar nossa Aliança. A humildade é o fundamento da vida de oração: é a
disposição para receber o que Deus nos tem preparado.

“Muito embora o homem se esqueça do seu Criador ou se esconda da sua face, corra atrás dos
ídolos ou acuse a divindade de o ter abandonado, o Deus vivo e verdadeiro chama
incansavelmente cada pessoa ao misterioso encontro da oração. Na oração, é sempre o amor
do Deus fiel a dar o primeiro passo; o passo do homem é sempre uma resposta” CIC 2567.

Se no Antigo Testamento temos muitos exemplos de homens de oração (Abraão, Moisés, David,
Elias), foi em Cristo que o “drama da oração foi-nos plenamente revelado”. A própria
possibilidade da oração existe pela mediação de Cristo. Os filósofos antigos defendiam a idéia
de que entre Deus eterno e nós, criaturas submetidas ao tempo, não poderia haver uma relação
pessoal. De fato, somente no mistério da Trindade, onde Deus se nos mostra como uma
"Comunhão de Pessoas”, podemos falar de uma possível comunhão nossa com Deus. A pessoa
de Cristo está em constante diálogo com a Pessoa da Pai e, portanto, entrando em comunhão
com Cristo, relacionamo-nos efetivamente com Deus Pai.

Jesus aprendeu a rezar com Maria, orando no ritmo e nas palavras de seu povo. No entanto,
Jesus ensinou-nos um modo de oração próprio de sua condição de Filho Unigênito de Deus: a
oração filial (cfr. CIC 2599). Seu exemplo de tantas vezes se retirar na solidão para orar ao Pai
levou os discípulos a pedirem: “Senhor, ensina-nos a orar” Lc 11, 1. De todas as orações de Cristo,
a mais dramática acontece nas vésperas de sua Paixão, no Monte das Oliveiras.

O Catecismo nos ensina: “Quando chegou a Hora em que cumpriu o desígnio de amor do Pai,
Jesus deixa entrever a profundidade insondável da sua oração filial, não só antes de livremente
Se entregar («Abbá... não se faça a minha vontade, mas a tua»: Lc 23, 42), mas até nas suas
últimas palavras já na cruz, onde orar e dar-Se coincidem: «Perdoa-lhes, ó Pai, pois não sabem
o que fazem» (Lc 23, 34); «em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso» (Lc 23, 43);
«Mulher, eis aí o teu filho» [...] «eis aí a tua mãe» (Jo 19, 26-27); 148 «tenho sede!» (Jo 19, 28);
«meu Deus, por que Me abandonaste?» (Mc 15, 34) (56); «tudo está consumado» (Jo 19, 30);
«Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23, 46), até ao «grande brado» com que expira,
entregando o espírito. “Todas as desolações da humanidade de todos os tempos, escrava do
pecado e da morte, todas as súplicas e intercessões da história da salvação estão reunidas neste
brado do Verbo encarnado. E eis que o Pai as acolhe e as atende, para além de toda a esperança,
ao ressuscitar o seu Filho. Assim se cumpre e se consuma o drama da oração na economia da
criação e da salvação. Dele nos dá o Saltério a chave em Cristo. É no «hoje» da ressurreição que

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o Pai diz: «Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei. Pede-Me, e Te darei as nações por herança e os
confins da terra para teu domínio!» (Sl 2, 7-8)

“A Epístola aos Hebreus exprime em termos dramáticos como é que a oração de Jesus realiza a
vitória da salvação: «Nos dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas, com um forte
brado e com lágrimas, Aquele que O podia livrar da morte e, por causa da sua piedade, foi
atendido. Apesar de ser Filho, aprendeu, de quanto sofreu, o que é obedecer. E quando atingiu
a sua plenitude, tornou-Se, para todos aqueles que Lhe obedecem, causa de salvação eterna»
(Heb 5, 7-9)”. CIC 2605-2606.

A Igreja nasce com os apóstolos reunidos em oração e o Espírito a guiará para que também se
desenvolva na vida de oração. Seja pela leitura das Escrituras e a recitação dos Salmos, seja pelas
bençãos e adorações, a vida de oração das primeiras comunidades cristãs eram muito ricas (cfr.
CIC 2623-2649). Compete-nos hoje seguir e aprofundar essa tradição fazendo de nossas família
e comunidade verdadeiros lugares de oração.

A prática da oração

“A oração não se reduz ao brotar espontâneo dum impulso interior: para orar, é preciso querer.
Tampouco basta saber o que a Escritura revela sobre a oração: é preciso também aprender a
rezar” CIC 2650.

A tradição da Igreja nos ensina que encontramos as fontes da oração na palavra de Deus, na
liturgia e das virtudes da fé, da esperança e da caridade. O nosso próprio "hoje” deve se
converter em fonte de oração, transformando cada pequeno acontecimento em ocasião de
diálogo com Deus.

O caminho da oração começa com a invocação do nome de Jesus, movido pelo Espírito Santo:
“Ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor" se não for pela ação do Espírito Santo” (1Cor 12,3).
Devido à sua especial docilidade ao Espírito Santo, a Virgem Maria é mestra de oração e desde
os começos da Igreja se invoca a cooperação de Maria para fazer frutificar nossa oração. Temos
a "Ave-Maria” uma das orações vocais mais repetidas na Igreja que nos permite se dirigir à Nossa
Senhora para louvá-la e ao mesmo tempo pedir-Lhe as coisas mais fundamentais de nossa vida.

Muitas são as escolas para aprender a rezar. A família é a primeira delas. Como vimos, a família
fundada no matrimônio cristão deve ser uma Igreja doméstica, uma escola de fé. As catequeses,
os grupos de oração e a direção espiritual são outros meios de fazer o aprendizado da oração.
O lugar propício da oração são: “o oratório pessoal ou familiar, os mosteiros, os santuários de
peregrinação e, sobretudo, a igreja, que é o lugar próprio da oração litúrgica para a comunidade
paroquial e o lugar privilegiado da adoração eucarística” CIC 2696.

A vida de oração

Muitas são as formas de rezar. A oração vocal é a repetição de fórmulas consagradas de oração,
como o Pai-Nosso e a Ave-Maria, fazendo com que através das palavras proferidas ou
mentalizadas, todo nosso ser se oriente e mergulhe no sentido da súplica que realizamos. Ter o
hábito de regularmente rezar essas orações vocais nos ajuda a transformar todo nosso dia em
oração: ao acordar, no meio do dia, antes do trabalho, em agradecimento, louvando Nossa
Senhora com o Santo Rosário e na hora de dormir.

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Outro meio de rezar é pela meditação. “A meditação é sobretudo uma busca. O espírito procura
compreender o porquê e o como da vida cristã, para aderir e corresponder ao que o Senhor lhe
pede” CIC 2705. Aqui já não são fórmulas, mas um diálogo pessoal com Deus, que exige disciplina
interior e uma ajuda de um livro que estimule a conversa (a Sagrada Escritura ou outro livro de
espiritualidade). “A meditação põe em ação o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo.
Esta mobilização é necessária para aprofundar as convicções da fé, suscitar a conversão do
coração e fortalecer a vontade de seguir a Cristo” CIC 2708. A prática da meditação conduz a
alma à contemplação, ou seja, a uma comunhão de amor íntima com Cristo. “A contemplação é
a expressão simples do mistério da oração. É um olhar de fé fixo em Jesus, uma escuta da Palavra
de Deus, um amor silencioso. Realiza a união com a oração de Cristo, na medida em que nos faz
participar no seu mistério” CIC 2724.

Viver uma vida de oração exige um esforço pessoal, chamado na tradição da Igreja de o combate
da oração. Primeiramente temos que superar as diversas mentalidades que rejeitam o
sobrenatural e apresentam a oração como uma ação sem significado. Depois, os nossos próprios
fracassos em ter uma vida de oração não nos podem desencorajar: as distrações, a aridez
interior, as faltas de fé ou mesmo a preguiça mental de se dedicar interiormente a meditar os
mistérios de Cristo e estabelecer um diálogo, todas essas coisas afastam muita gente da oração
quando mal tinham começado a trilhar esse caminho.

“«Orai sem cessar» (1 Ts 5, 17), «dai sempre graças por tudo a Deus Pai, em nome de nosso
Senhor Jesus Cristo» (Ef 5, 20), «servindo-vos de toda a espécie de orações e 150 preces, orai em
todo o tempo no Espírito Santo; e, para isso, vigiai com toda a perseverança e com preces por
todos os santos» (Ef 6, 18). «Não nos foi mandado que trabalhemos, velemos e jejuemos
constantemente, mas temos a lei de orar sem cessar». Este fervor incansável só pode vir do amor.
Contra a nossa lentidão e preguiça, o combate da oração é o do amor humilde, confiante e
perseverante”.

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Leitura Complementar 1 – A oração
Por Vincenza Stroppa (1893-1982)

Chamando-nos a uma vida toda de amor, Jesus nos preparou e nos deu numa regra toda de
amor. A morte e a renúncia que fizermos por amor a Nosso Senhor, a quem queremos amar
acima de tudo, fará que não tenhamos o coração humanamente preso a coisa alguma, a
nenhuma criatura, nem a nós mesmas. Para ele morreremos a tudo. Nosso regulamento será o
meio que nos levará à união divina.

O que é a vida de união? A alma está unida, e amorosamente unida a Deus, quando tem em si a
graça. Quando vive da graça está unida a ele como a filha ao Pai. A esta união básica são
chamadas todas as almas.

Também o pecador tem Deus em si. Deus continua a viver na alma pecadora. Estão juntos, mas
não em união. Vivem uma vida separada.

E nós, a que vida de união somos chamadas? À vida perfeita, querida pelo Pai divino. Há almas
chamadas a uma perfeição especial de união de amor. estas devem alcançar a vida perfeita de
Jesus na sua santíssima humanidade.

O meio que, com segurança, nos leva a uma plena união com Deus é a oração, de qualquer tipo.
Oração vocal, oração mental, oração de contemplação, conforme Deus quiser de nós e nos
inspirar. Basta que nos unamos a ele com todas as forças e seja constante. Sim, a oração
constante, que não desiste nunca, como nos ensinou o nosso Seráfico Pai.

A união acontece no amor e no conhecimento. O amor faz conhecer e o conhecimento aumenta


o amor. O conhecimento acontece especialmente através da oração. O amor pede que ele se
revele e, no conhecimento, o amor se torna tão grande que leva à união; evidentemente, trata-
se do conhecimento que vem dEle próprio. Conforme o Criador e a criatura se doam no amor e
no conhecimento, acontece a união.

A oração dá à alma toda a virtude e faz chegar ao estado de amor e união estabelecido por Deus.
Na oração se adquire sabedoria. Tão diferente da sabedoria humana quanto difere um corpo
material, opaco, impenetrável, morto, de um corpo sem matéria, claríssimo, transparentíssimo,
vivo. A essência da oração é o afeto, o amor, isto é, a caridade. E sabemos que na caridade existe
a fé e a esperança. Tanto na oração vocal, quanto na oração mental, a essência é a caridade, o
amor.

Se Deus não agir de forma diversa, a alma começa sempre a união com Deus através da oração
vocal. A oração mental é a melhor, pois contém a perfeita caridade, o perfeito amor. Chega-se
à oração mental através do santo exercício da oração vocal feita com caridade, com afeto do
coração, pelo exercício das santas meditações, feitas com o suave desejo de conhecer sempre
mais o Senhor nosso.

O regulamento de vida nos chama à oração constante. Vê-se logo que por oração constante não
se entende ficar sempre ocupada em recitar orações ou em meditar, mas ter a alma elevada e
o coração em Deus. Devemos exercitar-nos com amor no conhecimento de Deus. Quanto o
Senhor deseja isso! Ter sempre o coração unido a ele em oração constante!

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Se durante a oração a alma rezou realmente, quer dizer, se ela se uniu a Deus, certamente
recebeu dele dons de amor; Deus ter-se-á unido à alma, e agora que ela o conhece melhor,
certamente o ama mais. A alma não pode dizer: agora acabei as minhas orações e há uma
separação entre mim e ele, até que eu volte novamente às orações marcadas. Não, que amor
pobre! A alma deve sair da oração com a união aumentada e, se é assim, deve comprometer-se
totalmente no exercício santo de transformar nossa oração em verdadeira união com Deus. Feliz
o dia em que a nossa oração for constante, pois Deus nos terá dado a graça de finalmente
estarmos unidas a ele.

Devemos rezar, rezar sempre, rezar constantemente para alcançar a união que Deus quer para
nós, nem se deve desistir do santo exercício da oração diante de qualquer dificuldade. Tudo
depende disso.

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Leitura Complementar 2 – Rumo à Santidade
Parte inicia de uma homilia de São Josemaría Escrivá, publicada do livro ‘Amigos de Deus’

Sentimo-nos tocados, com um forte estremecimento no coração, quando escutamos


atentamente o grito de São Paulo: Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação. É o que hoje,
uma vez mais, proponho a mim mesmo, recordando-o também a quantos me ouvem e à
humanidade inteira: esta é a Vontade de Deus, que sejamos santos.

Para pacificar as almas com paz autêntica, para transformar a terra, para procurar Deus Nosso
Senhor no mundo e através das coisas do mundo, é indispensável a santidade pessoal. Em
minhas conversas com pessoas de tantos países e dos mais diversos ambientes sociais,
perguntam-me com freqüência: E que diz aos casados? E a nós, que trabalhamos no campo? E
às viúvas? E aos jovens?

Respondo sistematicamente que tenho uma só panela. E costumo frisar que Jesus Cristo pregou
a Boa Nova a todos, sem distinção alguma. Uma só panela e um só alimento: Meu alimento é
fazer a vontade dAquele que me enviou e consumar a sua obra. O Senhor chama cada um à
santidade e a cada um pede amor: a jovens e velhos, a solteiros e casados, a sãos e enfermos, a
cultos e ignorantes; trabalhem onde trabalharem, estejam onde estiverem. Só há um modo de
crescer na familiaridade e na confiança com Deus: ganhar intimidade com Ele na oração, falar
com Ele, manifestar-lhe - de coração a coração - o nosso afeto.

Invocar-me-eis e Eu vos atenderei. E nós o invocamos conversando com Ele, dirigindo-nos a Ele.
Por isso, temos de pôr em prática a exortação do Apóstolo: Sine intermissione orate; rezai
sempre, aconteça o que acontecer. Não só de coração, mas com todo o coração.

Talvez se pense que a vida nem sempre é fácil de levar, que não faltam dissabores e penas e
tristezas. Responderei, também com São Paulo, que nem a morte, nem a vida, nem os anjos,
nem os principados, nem as virtudes, nem o presente, nem o futuro, nem a força, nem o que há
de mais alto ou de mais profundo, nem qualquer outra criatura poderá jamais separar-nos do
amor de Deus, que está em Jesus Cristo, Nosso Senhor. Nada nos pode afastar da caridade de
Deus, do Amor, da relação constante com o nosso Pai.

Recomendar esta união contínua com Deus não será apresentar um ideal tão sublime, que se
revele inacessível à maioria dos cristãos? Na verdade, alta é a meta, mas não inacessível. A senda
que conduz à santidade é senda de oração; e a oração deve vingar pouco a pouco na alma, como
a pequena semente que se converterá mais tarde em árvore frondosa.

Começamos com orações vocais, que muitos de nós repetimos quando crianças: são frases
ardentes e singelas, dirigidas a Deus e à sua Mãe, que é nossa Mãe. Ainda hoje, de manhã e à
tarde, não um dia, mas habitualmente, renovo o oferecimento de obras que os meus pais me
ensinaram: Ó Senhora minha, ó minha Mãe! Eu me ofereço todo a Vós. E, em prova do meu filial
afeto para convosco, vos consagro neste dia os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o
meu coração... Não será isto - de certa maneira - um princípio de contemplação, demonstração
evidente de confiado abandono? O que é que dizem um ao outro os que se amam, quando se
encontram? Como se comportam? Sacrificam tudo o que são e tudo o que possuem pela pessoa
amada.

Primeiro uma jaculatória, e depois outra, e mais outra..., até que parece insuficiente esse fervor,
porque as palavras se tornam pobres..., e se dá passagem à intimidade divina, num olhar para

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Deus sem descanso e sem cansaço. Vivemos então como cativos, como prisioneiros. Enquanto
realizamos com a maior perfeição possível, dentro dos nossos erros e limitações, as tarefas
próprias da nossa condição e do nosso ofício, a alma anseia por escapar-se. Vamos rumo a Deus,
como o ferro atraído pela força do ímã. Começamos a amar Jesus de forma mais eficaz, com um
doce sobressalto.

Eu vos livrarei do cativeiro, estejais onde estiverdes. Livramo-nos da escravidão pela oração:
sabemo-nos livres, voando num epitalâmio de alma apaixonada, num cântico de amor, que nos
impele a não desejar afastar-nos de Deus. Um novo modo de andar na terra, um modo divino,
sobrenatural, maravilhoso. Recordando tantos escritores castelhanos quinhentistas, talvez nos
agrade saborear isto por nossa conta: Vivo porque não vivo; é Cristo que vive em mim!

Aceita-se com gosto a necessidade de trabalhar neste mundo durante muitos anos, porque Jesus
tem poucos amigos cá em baixo. Não recusemos a obrigação de viver, de gastar-nos - bem
espremidos - a serviço de Deus e da Igreja. Desta maneira, em liberdade: in libertatem gloriae
filiorum Dei, qua libertate Christus nos liberavit; com a liberdade dos filhos de Deus, que Jesus
Cristo nos conquistou morrendo sobre o madeiro da Cruz.

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