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Diria que se é verdade que, por exemplo, a fisiologia entrou no mundo do futebol e do
futsal, também é verdade que a pedagogia ainda não entrou. Para tanto, basta checar as
comissões técnicas de muitos times e averiguar que boa parte tem a figura do fisiologista,
mas não a do pedagogo esportivo ou metodólogo. Ora, será que uma área eminentemente
intervencionista como a do ensino-treino dos jogos esportivos coletivos, dentre estes, o
futebol e o futsal, não precisa de gente que entenda de pedagogia do esporte?, questiona
o treinador e pedagogo
Universidade do Futebol – Infelizmente, não são raros os relatos e notícias de brigas
e problemas ocorridos com os pais de garotos em competições e treinamentos. Em
sua opinião, como o professor/treinador deve atuar junto à família para que o
processo de aprendizagem do futebol possa se dar em um ambiente mais saudável?
Wilton Santana – Recentemente estive com o professor Alcides Scaglia (mestre em
pedagogia do esporte e doutor em pedagogia do movimento pela Unicamp), em Londrina,
e o levei para ver uma final de campeonato sub-7 de futsal. De modo geral, o ambiente
nesses jogos tende a ser muito tenso por parte da torcida familiar, que, ansiosa, fica
propensa a pressionar árbitros, pais dos outros jogadores, seus filhos e os demais
meninos. Logo, os treinadores dessas categorias precisam resistir a essa insensatez e se
comportarem de modo distinto. Se os pais estão tensos, o treinador precisa ser sereno; se
os pais pressionam os árbitros, os treinadores os tratam com respeito; se os pais
pressionam os meninos, os treinadores os encorajam. Por sinal, nesse dia, eu era um dos
treinadores e um ex-aluno meu o outro treinador e não houve sequer um problema desse
tipo por parte da torcida familiar. Evidentemente que demos bons exemplos ao não
estressar as crianças, os árbitros e seus pais. Além disso, há ainda as reuniões
pedagógicas, que conscientizam os pais sobre como se comportarem nas competições
antes, durante e depois.
Mas não sou ingênuo e sei que, em muitos casos, isso pode descambar, sobretudo, se os
times forem de camisa ou de rivalidade acirrada. Nesses casos, sou a favor de severas
punições aos responsáveis. Na prática, se os pais ofendem, eles precisam ser retirados do
ginásio; se há brigas ou invasão, o clube deve ser impedido de mandar jogos em casa; se
o técnico é mal-educado e fala palavrão, precisa ser advertido com o amarelo e, em
seguida, com o vermelho; uma boa ideia seria sobrecarregar a equipe com falta técnica e
por aí vai. Os árbitros precisam punir os adultos que vão para os jogos infantis para
atrapalhar. E precisam começar a fazer isso com os treinadores que, no lugar de orientar
as crianças, as pressionam com gritos, xingamentos e cobranças exageradas,
transformando-se em fonte de estresse quando deviam ser fonte de encorajamento.
Penso que o fato de se ter um bom número de jogadores expressivos no futebol oriundo
do futsal ratifica, por si só, que esse esporte é relevante para a formação daqueles. Diria,
minimamente, que o futsal, por ser jogado num espaço menor, compartilhado e com
menos jogadores, torna o ambiente muito exigente para quem joga. Essa elevada
demanda tático-técnica (cognitivo-motora) constrange, sobremaneira, as habilidades do
praticante, o que tende a aprimorar rapidamente seu nível de jogo, diz
Universidade do Futebol – Em relação às metodologias de treinamento, no seu
modo de entender, quais são as melhores formas de desenvolver um jogador
inteligente?
Wilton Santana – Permita-me diferenciar dois tipos de jogadores: inteligente e criativo.
Inteligente é o jogador que decide bem quando se tem, claramente, uma hierarquia a ser
considerada na situação de jogo (por exemplo: se jogamos 2×1, o defensor tira o chute
frontal e o colega está em linha de passe, então é melhor passar a bola do que driblar);
criativo é o que tem a capacidade de fazer coisas incomuns, de produzir alternativas, sem
desconsiderar tomadas de decisão adequadas e pertinentes. Logo, nem todo jogador
inteligente é criativo, mas todo jogador criativo é inteligente.
Para ilustrar, diria que Messi, Neymar e Falcão (futsal) são criativos; Xavi, Philipp Lahm e
Vinícius (futsal) inteligentes; e a maioria dos jogadores de futebol e de futsal não é nem
uma coisa, nem outra; trata-se de uma maioria pseudo jogadora, previsível, medíocre, que
não nos surpreende e tampouco decide bem dentro de campo. Bem, já que nenhum
jogador nasce criativo e inteligente, é preciso investir numa pedagogia que provoque essas
virtudes. A primeira premissa é considerar que a criatividade tem uma fonte que se chama
diversidade. Por conseguinte, se o treino for para memorizar e repetir técnicas, se for dado
à previsibilidade, sem jogadores criativos.
Diria que quanto mais o ambiente pedagógico permitir a produção de alternativas, a
liberdade de expressão, mais incitará a criatividade. Ou seja, se o menino puder produzir
soluções diferentes para resolver os problemas que se apresentam, mais criativo ele
ficará. Portanto, outra premissa é trazer desafios, problemas para o treino. Isso deveria ser
amplamente disseminado dos sete aos 37 anos. É preciso lembrar de que a essência do
jogo se assenta na incerteza; de que o jogo requer improvisação dos jogadores. Logo, o
meio de treino privilegiado é o jogo (as diferentes formas de jogo).
A outra virtude, a inteligência, é salientada quando o jogador precisa escolher a melhor
entre algumas opções (A ou B); por conseguinte, tem uma propensão maior de acontecer
quando do treinamento de jogadas de bola parada, algumas manobras defensivas,
algumas formações em vantagem numérica quando do contra-ataque e de desvantagem
numérica quando da defesa de contra-ataque. São situações igualmente relevantes, que
ensinam a decidir, a exercitar as condições "se… então", mas que não deveriam,
sobretudo na formação, mas mesmo depois, ser a essência do treino.
De modo geral, o ambiente nos jogos dos garotos tende a ser muito tenso por parte da
torcida familiar, que, ansiosa, fica propensa a pressionar árbitros, pais dos outros
jogadores, seus filhos e os demais meninos. Logo, os treinadores dessas categorias
precisam resistir a essa insensatez e se comportarem de modo distinto. Se os pais estão
tensos, o treinador precisa ser sereno; se os pais pressionam os árbitros, os treinadores os
tratam com respeito; se os pais pressionam os meninos, os treinadores os encorajam,
aponta Wilton Santana
Universidade do Futebol – Mesmo o futsal sendo considerado uma ótima
possibilidade para a formação de jogadores para o futebol, os clubes não recebem
nenhum tipo de benefício nas transferências realizadas do futsal para o futebol e,
posteriormente entre clubes de futebol. Para você, o que deveria ser feito para que o
futsal pudesse também lucrar com as transferências no futebol possibilitando o
investimento contínuo em infraestrutura e profissionais de qualidade?
Wilton Santana – Esse tema é central para o futsal. Não há, talvez, algo que precise ser
mais urgentemente discutido para essa modalidade. Inegavelmente, o futebol vem se
beneficiando historicamente do trabalho de muitos profissionais, associações e clubes de
futsal de categorias menores sem dar nada em troca. Quando digo "nada em troca", não
me refiro ao crédito, porque isso os jogadores mencionam, mas isso não "enche barriga"
de ninguém. Reporto-me a divisas, dinheiro, percentual que precisa ser atribuído a esses
segmentos pela formação de jogadores.
Ora, precisa haver uma legislação que proteja os clubes de futsal que formam os
jogadores que entram no futebol e se destacam. Não é justo o garoto passar seis, sete,
oito anos jogando futsal, migrar para o futebol, firmar-se na carreira, alguns, inclusive,
decolarem para o exterior e o clube de futsal de formação não receber um centavo por
isso. Algo está muito errado.
O fato é que os garotos que jogam futsal acalentam o sonho de se transformarem em
jogadores profissionais de futebol. Logo, o mais inteligente, o mais promissor, seria adotar
intencionalmente o futsal como uma "incubadora" de jogadores de futebol. Destaco, mais
uma vez, a "intencionalidade" dessa ação, o que exigiria desembolsar dinheiro para as
categorias menores e departamentos de futsal. Estou cansado de ver bons treinadores de
futsal, sobretudo de categorias menores, correndo atrás de mecenas e patrocínios
pequenos para manterem suas equipes, enquanto revelam craques para o futebol
engordar ainda mais sua conta bancária. É um disparate!
Felizmente, há ao menos um caso bem sucedido de parceria futebol-futsal na formação de
jogadores: o Santos Futebol Clube. Lá, o futsal sobrevive graças ao entendimento de que
se trata de um aliado na construção de jogadores para o futebol. O futsal, no Santos, é
entendido como uma categoria menor do futebol. Evidentemente que há ainda muito por
fazer, como, por exemplo, estreitar os espaços de atuação dos profissionais do futsal na
prática cotidiana do futebol, o que significaria, na prática, levar para o campo, como aliado
desse treinador, o "especialista no espaço reduzido", que é o profissional do futsal.
Desconheço outras realidades que seguem esse modelo.
Por consequência, diria que se é verdade que o futebol precisa do futsal, também é
verdade que o futsal precisa do futebol. Tenho colegas que pensam o contrário; que
avaliam que o futsal não precisa do futebol. Considero que essa visão é míope.
Precisamos ser menos ingênuos. Esse discurso não ajuda em nada nossa modalidade,
pois não resolve a dificuldade financeira desse esporte. Ora, se o futsal produz exímios
jogadores para a alta competição mesmo dando para o futebol seus melhores jogadores
sem receber nada em troca, imagine então quantos jogadores a mais produziria para si e
para o futebol se tivesse a necessária e justa contrapartida financeira deste último.
Precisamos abrir os olhos e requerer os direitos como formadores de jogadores. Para
tanto, precisamos mostrar um currículo de formação que convença os exigentes e, muitas
vezes, arrogantes dirigentes de futebol.