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HISTÓRIA AMBIENTAL, HISTÓRIA LOCAL E MEMÓRIAS:

REGIÃO DA COMCAM ENTRE DÉCADAS DE 1960-1970.

Fabio Vedovato, (IC, Fundação Araucária), UNESPAR/FECILCAM


Jorge Junior Pagliriarini, (OR), UNESPAR/FECILCAM

INTRODUÇÃO:
As leituras históricas da relação entre sociedade e natureza acompanham problemáticas
contemporâneas, e dialogam com o estudo do cotidiano e com as disputas de memória; é o caso das
cobranças ecológicas e do processo de desenvolvimento regional presentes nas narrativas da
colonização. A pesquisa problematizou maneiras como os discursos ambientais são apropriados pelos
sujeitos que participaram do processo de colonização da região de Campo Mourão, ocorrido entre
1960 e 1970, a partir de um estudo de memórias e pautado na realização de entrevistas. Os resultados
apresentam o debate teórico metodológico realizado a partir da interpretação das narrativas. Trata-se
de entrevistas, bem como de imagens reproduzidas dos arquivos fotográficos dos entrevistados. Essas
narrativas imagéticas e de história de vida foram avaliadas a partir de um olhar dialógico, preocupado
com saberes locais e com a produção de fontes históricas.
Nesse estudo de narrativas orais e imagéticas relacionadas analisamos demandas de
sustentabilidade e de políticas ambientais, mais especificamente na apropriação de discursos
ambientais no processo de colonização da região da COMCAM, problemática que nos remete a um
recorte temporal correspondente as décadas de 1960 e de1970, a partir de memórias de sujeitos que
vivenciaram tal processo. Essas narrativas imagéticas e orais (de história de vida) foram avaliadas a
partir de um olhar dialógico preocupado com os saberes locais e com a produção de fontes históricas.
Cabe evidenciar que devido à estrutura desse texto apresentaremos as narrativas a partir de questões
gerais, pautadas no diálogo historiográfico delimitado para a pesquisa, e nos seus diálogos teórico -
metodológicos, cabendo a sequência das análises a outra pesquisa, já em desenvolvimento. Uma
primeira interpretação permite-nos destacar da relação História e memória, vinculadas ao debate
historiográfico a respeito da apropriação de discursos ambientais, na construção de territórios e na
análise de conceitos como o de comunidade e de meio ambiente.
A pesquisa visou um estudo regional pautado em três abordagens interpretativas, sendo a
primeiro o de levantamento de informações históricas sobre o momento da colonização regional; a
segunda marcada pelo estudo das principais leis e discursos referentes ao momento histórico da
“colonização”- década de 1960/1970, bem como das questões ambientais atuais, e uma terceira,
pautada na produção de entrevistas e reprodução de acervos imagéticos.
A referida pesquisa dividiu-se em dois eixos de atividades. No primeiro eixo procuramos
construir uma base de leituras, pautadas nas categorias e conceitos tais como: contexto da colonização
regional a partir de políticas e de historiografia pertinente; problemáticas em torno da relação
sociedade e natureza; debates referentes às possibilidades teóricas metodológicas da História local;
discussão de conceitos presentes nas narrativas e discursos históricos, tais como comunidade,
progresso e ecologia; análise teórica e metodológica dos usos da História Oral. Num segundo eixo
procuramos nos deter a produção de narrativas orais. Essa atividade encontra-se em fase inicial, haja
visto que, não fora alcançada a análise prevista no projeto. Em relação a análise das imagens
fotográficas, esta atividade não fora iniciada e nos limitamos a seleção e digitalização do acervo.
Em relação à descrição dos resultados dessas leituras e pesquisas, vamos apresentá-la nesse
texto em três momentos. Trata-se primeiramente de retomarmos as principais leituras e problemáticas
em torno da relação sociedade e natureza, de debates epistemológicos e das possibilidades da História
Oral. Num segundo momento apresentaremos uma breve análise das entrevistas, um acervo
totalizando seis entrevistas com aproximadamente 50 minutos cada uma delas. Quanto o acervo de
imagens a ser analisado, apresentaremos o trabalho de seleção, digitalização e suas relações
epistemológicas com as narrativas orais. Num terceiro momento apontaremos os direcionamentos para
as próximas análises dos acervos narrativos produzidos, visto que já iniciamos uma nova pesquisa,
com temática, propósitos epistemológicos e metodologias, próximos da atual.
As bibliografias mapeadas pontuam as temáticas destacadas na sequência do texto. Iniciamos
com a apresentação do debate em torno da relação histórica: Sociedade e Natureza. Uma de nossas
preocupações se remeteu a compreensão de política e de discursos referentes à sustentabilidade, e as
referentes implicações dessas nas memórias sobre o processo de colonização regional. Nos primeiros
passos de levantamento destacamos como, no campo das leis e de políticas publicas, propagou-se uma
busca pelo progresso e uma consequente construção de fronteiras agrícolas. Um estudo mais detalhado
dessa realidade e da materialidade de tais campanhas ficará a ser desenvolvido na pesquisa recém
iniciada, destacada acima. O foco de observação voltou-se mais as reformulações do código ambiental
e das próprias políticas de desenvolvimento regional, visto que, tais posicionamentos pautavam as
narrativas dos entrevistados. Num primeiro levantamento do mapeamento percebemos como, a partir
da década de 1990, intensificou-se o número de leis voltadas ao controle do extrativismo. Da mesma
forma, no campo das Ciências Naturais e nas Ciências Humanas desenvolveram-se novas
investigações e debates sobre a relação Sociedade e Natureza. E mesmo no campo da História notamos
uma preocupação ética a respeito.
Deve-se destacar que lidamos, no campo da História, com uma temática há pouco
delimitado. De acordo com Hogan, as décadas de 1950 e 1960 podem ser denominadas como um
período pré-ecológico e as de 1970 e 1980, uma época em que o assunto já havia emergidoi (HOGAN,
2007, p. 16). Para o autor, no referido momento a relação entre sociedade e natureza estava
fundamentada em recortes locais e apenas a partir dos anos 1980 se passa a ter noção de que se tratava
especificamente de uma visão global do próprio processo de desenvolvimento capitalista. Em relação
ao campo específico da História, podemos citar as contribuições da segunda geração dos Annales. A
ênfase esteve na revista dos Annales de 1974, cuja ressalva do então editor Emmanuel Le Roy Ladurie
destacava que não estava pendendo a modismos, pois “‘desde longo tempo’ a revista havia escolhido
‘se interessar pelos problemas de uma história ecológica” (PÁDUA, 2010, p. 82, grifo nosso).

MEIO AMBIENTE, IDENTIDADE E MEMÓRIA.

Alguns aportes teóricos e metodológicos.

Tratou-se primeiramente do entendimento de como as políticas de desenvolvimento industrial,


agrícola, urbana, energética e populacional interfere no seguimento social e como as cobranças
ecológicas, por sua vez, evidenciam os discursos e as memórias pertinentes com as leituras da História
local/regional. De acordo com Rafael Samuel, a História local requer um tipo de conhecimento
diferente, dependente do entusiasmo do historiador, podendo ser encontrada dobrando a esquina,
descendo a rua:

[...] ao invés de considerar a localidade por si mesma como objeto de pesquisa, o


historiador poderá escolher como ponto de partida algum elemento da vida que seja
por si só, limitado tanto em tempo como em espaço, mas usado como uma janela
para o mundo (SAMUEL, 1990, p. 229).

Esse recorte temporal e temático fundamenta uma produção dialética na qual local e global
interagem quando avaliamos as problemáticas pertinentes à relação sociedade e natureza e na
definição de um posicionamento epistemológico. O entendimento do debate pode ser constatado com
os estudos do conceito de meio ambiente proposto por Enrique Leff (2005) na obra: Construindo a
história ambiental da América Latino. Para o autor a história ambiental não deveria ser vista apenas a
partir das críticas aos impactos do capitalismo, mas numa abordagem hermenêutica preocupada com
saberes locais:

“a história ambiental viria assim a ressarcir o esquecimento da história (a pesar do


fato que a natureza sempre tenha sido referente de narrativas e produções estéticas) e
em particular na concepção moderna de mundo e da produção material que
desnaturaliza a natureza, que rompe suas inter-relações e ignora sua complexidade,
convertendo-a em recurso natural”. (LEFF, p.16).

O autor faria convergir as duas preocupações teóricas discutidas, ou seja, a do recorte e as


implicações da História Local e a da relação sociedade e natureza pensada a partir de saberes locais, e
isso nos indica uma abordagem processual. A aproximação com o local subsidia nossos esforços de
interpretação e pesquisa pelos quais avaliamos os “limites” do conceito de comunidade. Uma
importante colaboração a esse debate nos remete agora a Zygmunt Bauman:

[...] há um preço a pagar pelo privilégio de “viver em comunidade” — e ele é pequeno e até
invisível só enquanto a comunidade for um sonho. O preço é pago em forma de liberdade,
também chamada “autonomia”, “direito à auto-afirmação” e “à identidade” (BAUMAN,
2003, p. 10).

Procuramos entender a questão ambiental como indícios, vestígios para investigar as relações
sociedade e natureza dentro de uma história social da ocupação regional, e nesse aspecto o saber
ambiental pode despertar uma atualidade que re-significa suas tradições e suas identidades, abrindo
novos caminhos para a pesquisa histórica. E isso nos permite relembrar da história “esquecida pela
historiografia tradicional” e da memória popular sem ignorar o significado construído dessas
representações no cotidiano e no imaginário, e isso tudo não encobre o fato de haver leituras
dicotômicas, como por exemplo, leituras da história tradicional, representante da perspectiva
contrastante entre o desenvolvimento econômico e as políticas de preservação do meio ambiente; ou
ainda, da dicotomia entre um passado romantizado, o da vida da de antes, em harmonia com a
natureza, e a vida atual, marcada pela realidade do capitalismo.
As questões estão permeadas pelo lugar social ocupado pelos entrevistados, no momento
quando narram parte de suas histórias. Essa categoria de análise nos remete a Roger Chartier e o seu
significado para as representações:

Ao trabalhar sobre as lutas de representação, cuja questão é o ordenamento, por


tanto a hierarquização da própria estrutura social, a história cultural separa-se sem
dúvida de uma dependência demasiada estrita de uma história social dedicada
exclusivamente ao estudo das lutas econômicas, porém, opera um retorno hábil
também sobre o social, pois centra as atenções sobre as estratégias simbólicas que
determinam posições e relações e que constroem, para cada classe, grupo ou meio,
um ser-percebido constitutivo de sua identidade (CHARTIER, 1991 p. 184).

Nosso estudo de memórias considerou a História Oral enquanto prática fundamentadora de


toda uma abordagem teórica ao se discutir, entre outros pontos, as questões relativas a identidades. São
identidades múltiplas, negociáveis e entendidas a partir do lugar social ocupado pelos sujeitos
históricos; esses vivenciam mitos, se relacionam com condições históricas e, como nos lembra de
Stuart Hall, negociam com suas identidades (HALL, 2005).

HISTÓRIAS E HITÓRIA ORAL:


A metodologia da história Oral nos possibilitou aproximar das narrativas dos moradores e
relacioná-las aos demais levantamentos e análises destacados acima. Em linhas gerais, o estudo de
memórias baseia-se em um olhar dialógico e fora norteado pela preocupação com a seletividade da
memória, sempre do presente. Tal perspectiva de análise nos remete as diferentes apropriações da
relação entre a causa ambiental e progresso regional, levantadas pela pesquisa de fotografias e nas
entrevistas. Durante a fase de interpretação das fontes levantadas, foi questionada uma visão binária,
maniqueísta, construída numa expectativa à priori, ou da reprovação ou do enaltecimento da causa
ambiental, da urbanização, do pioneirismo, da cultura do trabalho, etc. Num primeiro destaque chama
a atenção o fato da relação ente a disputas com o passado, aquilo que poderemos denominar como
disputas pelas memórias, e a maneira com que essa narrativa se apropria da relação entre a sociedade
local e a natureza.
Com esta análise e apresentação das antevistas daremos conta do segundo momento desse
texto. Essas narrativas de vida não se limitam a leituras unilaterais, pois envolvem na construção da
própria narrativa as temporalidades. A relação histórica entre sociedade e natureza, preocupada tanto
com um olhar local a respeito das leituras estruturais de modos de produções nos remeteu às memórias
e suas representações de identidades.
Entrevista n. 1 - A entrevista feita com a Dona Angélica foi possível através do intermédio de
uma terceira pessoa, próxima da entrevistada. Chegando a sua residência o intuito era o de convidá-la
a falar sobre sua visão da história de Campo Mourão, e apenas salientou-se a temática da pesquisa,
Historia ambiental, Historia local e memória, região da Comcam entre as décadas de 1970-2012. No
momento da entrevista não fora direcionado perguntas na sua narrativa, repleta de subjetividades e que
acompanha sua história desde o momento em que ela chegou em Campo Mourão no ano de 1942,
percebe-se os reclames de sua vida cotidiana atual.
A entrevista durou aproximadamente cinquenta minutos e chama a atenção a sua oratória, fato
esse devido ao fato da mesma já ter experiência em falar em nome da história local, fato destacado
pela própria entrevistada, quando destacou que já fora entrevistada tanto por emissoras de radio local
quanto pelos funcionários do museu municipal. Sua história destaca alguns fatos marcantes da
formação de Campo Mourão e apresenta um discurso politizado; em determinados momentos
evidencia que a sua família faz parte das primeiras famílias colonizadoras e nisso reivindica seu lugar
na memória oficial do município; eles teriam trazido o progresso e tecnologia para a região. A
entrevistada cria, ao que nos parece, um jogo com o pesquisador no qual se coloca enquanto sujeito
participante da história e capaz de colaborar com os estudos históricos, problemática evidente no final
de sua entrevista com os dizeres: “olha, agora vou falar sobre o que você quer, sobre a natureza,
começando com os nomes dos rios que mudaram de nome após um determinado tempo”. Em
determinados trechos da conversa, destaca uma espécie de pré-consciência ecológica, relacionada às
décadas de 1960 e deixa evidente o fato de perceber que a entrevista cobrava certa atitude ecológica do
entrevistado, sem, no entanto falar em nome de movimentos e posicionamentos próximos.
Entrevista n. 2- O contato de entrevista feita com professor Joani Teixeira, formado em
História e hoje aposentado foi feito através do próprio entrevistador. A entrevista, realizada na casa do
entrevistado em um dia marcado estipulado por ele, contou com a participação de sua esposa, a
professora Dircelia, formada em Geografia e apresentou algum caráter mais técnico e ou acadêmico a
respeito da temática sociedade e natureza, Historia local e memória, região da Comcam entre as
décadas de 1970-2012. A entrevista teve uma duração de aproximadamente quarenta minutos, e nos
chamou atenção o fato dos entrevistados narrarem suas trajetórias numa narrativa temporal linear e
voltada ao progresso material e educacional do município de Campo Mourão.
Nesse aspecto destacamos que ambos os entrevistado apresentam uma boa oratória, inclusive
refletindo em alguns momentos para poderem fornecer determinadas repostas e buscando não entrar
em detalhes de assuntos informais. Ambos marcam sua narrativa na chegada a Campo Mourão após
terem transferidos da região dos Campos Gerais, mais precisamente da Cidade de Ponta Grossa,
quando passaram a assumir os seus cargos em Historia e Geografia. Em relação a esse momento seu
Joani e Dona Dircelia enfatizaram a falta de receptividade que sofreram, atribuindo essa atitude ao fato
da carência de profissionais nessas áreas na região de Campo Mourão. Outra característica interessante
está no fato de tanto o professor Joani como sua esposa terem posteriormente ocupado papéis
importantes na sociedade mourãoese evidenciando sua colaboração ao progresso local. Os
entrevistados demonstraram a preocupação com o ensino e pouco destacam em relação às “novas”
cobranças ecológicas ao se remeterem aos anos de 1960-1970.
Entrevista n. 3 - A Entrevista feita com Josefa foi intermediada pela sua neta, acadêmica do
curso de Historia da Unespar/Fecilcam. A entrevista fora realizada em sua residência, e a entrevistada
demonstrou se sentir lisonjeada com a oportunidade, destacou nunca ter sido entrevistada, também por
isso dissera que não poderia apresentar experiência em entrevista. Num primeiro momento buscou-se
explicar a entrevista e o cunho da pesquisa, como tentativa de localizar a entrevistada em um
determinado espaço e momento histórico: História ambiental, História local e memória, região da
Comcam entre as décadas de 1970-2012.
Pretendeu-se dar liberdade ao entrevistado para que falasse sem utilização de perguntas
pontuais num primeiro momento, tentando assim buscar de certa forma certa intimidade e,
posteriormente as perguntas iriam direcionar a entrevista. Afirmou que não tinha naquela época uma
preocupação e/ou um diálogo com a questão ambiental, mas lembra-se do fato das pessoas manterem
“um jardim bem feito e bonito em suas casas”; por fim a entrevistada afirma que era um tempo difícil
mas, que sente falta desses momentos e que as coisas “mudaram muito”, ainda afirma algumas
características do passado que seriam positivas se comparadas com os dias de hoje, principalmente no
que diz respeito as oportunidade de trabalho.
Entrevista n. 4- Na entrevista feita com senhor Stefano Domanski, o contato foi adquirido por
intermédio da diretora do Museu local, Dona Edina Simionato. A entrevista durou aproximadamente
quarenta minutos, inicialmente destacou-se o significado buscado com as entrevistas, o método, e os
objetivos da pesquisa, com a questão ambiental, História ambiental, História local e memória, região
da Comcam entre as décadas de 1970-2012, como tentativa de instigar o entrevistado sobre tal
temática. Dessa forma a conversa iniciou-se com a sua narrativa de vida, evidenciando como ele
chegou a Campo Mourão. Assim que perceberam que eu liguei o gravador, a sua esposa, Assumpta
Domanski, solicitou que se fizesse as perguntas, para que então eles respondessem. Isso indica a
preocupação dos entrevistados a respeito do método, pois, afirmaram estarem acostumados em
conceder entrevistas exatamente por serem considerados pioneiros; então, se dizendo pioneiro o
entrevistado ressalta os motivos que trouxeram para Campo Mourão, nesse caso sua profissão alfaiate
e a oportunidade de lucrar com esse fato, como o próprio mesmo disse, não havia alfaiates nessa
região.
Em certo momento da entrevista, quando fora questionado a respeito da história de Campo
Mourão no momento anterior ao pleno processo de urbanização do município, seu Stefano e dona
Edina apresentaram alguns aspectos contraditórios, principalmente no fato da violência. Enquanto sua
esposa destacara que se lembrava de momentos de transtornos ocorridos na cidade, o senhor Stefano
dá pouca ênfase ao assunto, os conflitos envolviam “fazendeiros” nas suas palavras, disputas por
terras. Outra característica da entrevista está relacionada à sua fala respeito da família, filhos
especificamente, pois buscou falar das suas profissões. Assim, demarca uma atual condição econômica
estável, mas não evidencia, ao menos diretamente, como ela era a no momento da colonização. A
transformação econômica e da paisagem são evidenciadas e o entrevistado alertou sobre o papel dos
especuladores imobiliários, os quais, diferentemente dos “sulistas”, pouco contribuíram com o
progresso de urbanização e de mecanização rural regional.
Entrevista n. 5- A entrevista realizada com Gilson teve o contato realizado pessoalmente haja
vista que se trata de um colega acadêmico do curso de História. O entrevistado é formado em letras,
escritor, mourãoense, e sua formação repercutem na construção de sua narrativa. Construiu um
discurso mais cientifico preocupado, por um lado, com as especificidades do desenvolvimento urbano
e econômico da cidade e por outro, com as cobranças ecológicas. Dessa maneira a entrevista fora
realizada a partir de um debate prévio a respeito da temática a ser abordada, História ambiental,
História local e memória, região da Comcam entre as décadas de 1970-2012. A entrevista durou
aproximadamente vinte minutos, e assim como nas anteriores, partiu-se da proposta de se deixar o
entrevistador falar sem maiores intervenções com perguntas. A preocupação do entrevistado em
construir uma fala técnica e crítica possivelmente limitou a construção de uma conversa informal e
com maior tempo de duração.
O entrevistado se remete as décadas de 1960 e 1970 e destaca que de fato não existia uma
preocupação ambiental até a determinada data, e complementa informando que o próprio governo
incentivava a ocupação de determinadas áreas para o processo de ocupação. Em determinado
momento o entrevistado salienta que tem um “sentimento de dever não cumprindo”, pelo simples fato
de não ter fotografado a região, algo que possibilitaria a análise da mudança advindas da
modernização. Sua narrativa assume certo tom nostálgico, mas em nenhum momento aparece o
sentimento de culpa a respeito da questão ambiental, destaca que algum tempo depois as
problemáticas ambientais ganhariam ênfase nas políticas sociais.
Entrevista n. 6- Para a realização da entrevista realizada com senhor Fulvio contou-se com um
primeiro contato intermediado pelo seu neto, morador de Campo Mourão. A entrevista foi realizada
em sua residência e contou com a participação de sua esposa. Após destacar algumas características da
temática abordada: História ambiental, História local e memória da região entre as décadas de 1970-
2012, ambos enfatizaram o fato de se sentirem orgulhosos por serem entrevistado. Da entrevista
podemos destacar que o entrevistado fala diretamente a partir de sua profissão, a de agricultor, mesmo
que atualmente resida na cidade - de Campo Mourão - e esteja afastado diretamente do trabalho no
campo. Se dizer um agricultor implicou em seu posicionamento em relação ao desenvolvimento
regional, valorizando a mecanização do campo, por exemplo. Outro aspecto interessante na sua
narrativa está relacionado ao fato de ter sido comerciante por um longo tempo; Os entrevistados
narraram os acontecimentos que supostamente os trouxeram para a cidade de Campo Mourão; em um
primeiro momento não direcionei nenhum questionamento, algo que foi trabalhado em um segundo
momento haja vista a necessidade de tentar provocar o debate sobre problemáticas ambientais. Na
leitura das mudanças ocorridas nos últimos 40 anos, de forma geral, destacou que não havia uma
preocupação com as questões ambientais, apenas fez um relacionamento com algumas regiões da
cidade que era ocupada com “mato” e vegetação e que passaram a serem derrubadas para a construção
de casas, servindo de exemplo alguns conjuntos habitacionais da cidade a partir dos quais evidencia
exemplo do processo de desenvolvimento da cidade.

ACERVOS IMAGETICOS:
A historiadora Essus contribui ao debate voltado as analises imagéticas ao destacar a relações
histórico semiótica presente em uma fotografia “A partir desta perspectiva a fotografia é interpretada
como fruto do trabalho humano de produção sígnica, pautado sobre códigos convencionalizados
socialmente. [...]” (ESSUS, 1994, p. 4). Ainda cabe ressaltar os devidos cuidados a serem tomados na
análise dos critérios de guarda das imagens pelos entrevistados (pois, diferentemente de fotografias de
arquivos públicos, a finalidade da utilização da fotografia corresponde a questões subjetivas e
familiares) e da sua produção.
Foram digitalizadas 25 imagens. Elas foram selecionadas dentre as outras fotografias
apresentadas pelos entrevistados que se dispuseram a cedê-las a pesquisa. Procuramos estabelecer uma
relação com as narrativas orais, priorizando imagens que nos permitisse construir analogias com a
relação sociedade natureza, especificamente no destaque da transformação espacial. Em linhas gerais,
apresentavam o processo de mecanização de terras e de urbanização local, bem como as contribuições
e ou inserção dos entrevistados na história local, por eles narradas. Algumas imagens ainda foram
selecionadas por apresentarem conquistas pessoais em diferentes espações sociais, por exemplo, na
educação, e economia local. No caso de alguns dos entrevistados essas fotografias nos foram
apresentadas a partir das suas reivindicações nos discursos memorialistas. Todas as imagens tiveram a
devida autorização. Tivemos o cuidado de produzirmos uma cópia digitalizada para facilitar a
sequencia das análises. O acervo digitalizado encontra-se disponível em anexo no relatório final da
pesquisa aqui apresentada.

POSSIBILIDADES DE CONTINUIDADE DA PESQUISA:


O terceiro momento desse texto apresenta a fundamentação teórica e metodológica da
pesquisa que já estamos desenvolvendo e com isso destacaremos os direcionamentos de análises das
narrativas produzidas. Primeiramente, buscaremos dar sequência as leituras referentes ao processo de
ocupação regional, questão pouco abordada até o momento.
Manteremos a temática história e meio ambiente, aplicada ao estudo de memórias, pois,
como defendemos até o momento, ela possibilita a problematização de um processo histórico marcado
tanto pelas demandas da produção de discursos e políticas, quanto pelas apropriações e suas
(re)significações cotidianas. Os impactos dessas políticas contemporâneas justificam nosso estudo e
serão trazidos em contraponto às memórias destacadas nas narrativas produzidas, imagéticas e orais.
Esse estudo de discursos será relacionado na sequência da investigação, preocupada com o
conjunto de leis que norteiam as práticas que envolvem sociedade e natureza. Trata-se do estudo da
construção do Código Ambiental Brasileiro, documento estruturado a partir da década de 1990. Este
código de lei encontra amparo e resistências no cotidiano dos sujeitos sejam aqueles diretamente
envolvidos com atividades agrícolas ou extrativistas, sejam os envolvidos a outros setores da produção
econômica e do saber.
Uma breve análise da legislação Ambiental Brasileira demonstra que ela está estruturada da
seguinte maneira: Constituição Federal; Política Nacional do Meio Ambiente; Flora; Educação
Ambiental Águas; Fauna; Unidades de Conservação; Crimes e Infrações Administrativas Ambientais;
Patrimônio Genético; a Proteção e o Acesso ao Conhecimento Tradicional Associado à Repartição de
Benefícios; Organismos Geneticamente Modificados; Povos e Comunidades Tradicionais. A título de
análise, podemos reorganizar esse índice temático a partir de um estudo cronológico. Salvo algumas
exceções, como a Lei Federal nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Institui o Novo Código Florestal),
e o artigo 225 da Constituição Federal, constatamos que a legislação ambiental é fruto de um debate
construído principalmente em fins dos anos 1990 e durante a década seguinte.
Ainda nessa perspectiva estamos produzindo um levantamento bibliográfico de discussões
em torno da colonização regional a partir das décadas de 1940 em diante, do debate em torno do
pioneirismo na região, perspectivas relacionadas ao estudo da legislação ambiental.
Concluindo, podemos destacar outras preocupações que marcarão o processo de interpretação
das entrevistas produzidas e que se somam as preocupações até aqui destacadas no segundo momento
do texto. De certa forma poderemos problematizar até que ponto as mudanças nas leis interferem no
cotidiano dos sujeitos entrevistados, ou mais especificamente, são apropriadas e apresentadas nas suas
memórias. Tal análise implica ainda numa outra problemática pouco tratada até o momento, ou seja, a
preocupação com construção narrativa.
Para tanto, partiremos da problemática epistemológica referente à tensão existente entre
pesquisa e narrativa histórica e da construção de uma trama. A título de exemplo, podemos destacar as
contribuições de Paul Ricoeur, quando apresenta seu entendimento sobre os limites de se analisar uma
entrevista apenas pela perspectiva hermenêutica do semiotismo, e a partir dessa preocupação
deveremos atentar ao limite do tratamento de uma entrevista apenas enquanto um texto. Sabemos a
contribuição da análise do discurso no intento de utilizar fontes orais, mas é necessário que também se
considerem as condições sociais dos entrevistados, de seus lugares socais assumidos, durante o estudo
que delimita o recorte da pesquisa e durante o momento de construção da entrevista. O esquecimentoii
e a imaginação não implicam perdas no processo de operação historiográfica.
Outra problemática a ser construída remete a relação entre as posturas ecológicas e as
reivindicações pelo reconhecimento individual na história oficial do município. O próprio estudo do
acervo imagético levantado contribui para essa análise.
Concluindo, o trabalho foi de apresentar o estudo da memória; pesquisar sobre memórias de
moradores da cidade de Campo Mourão e entorno mesorregião do Centro Ocidental Paranaense
formada pela (COMCAM) sobre a vertente da história ambiental, para tanto fora utilizado como
metodologia o processo construção de entrevistas, no qual, utilizando-se do uso de recursos imagéticos
como fotográficas, e imagens de jornais vinculadas aos personagens relacionados com as entrevistas;
evidenciou-se o significado da construção de um acervo historiográfico e da consequente valorização
da produção de fontes histórica.

REFERÊNCIAS:

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i
O autor destaca o caso das catástrofes de Donora, Pensilvânia (de outubro de 1948), da névoa matadora em
Londres (1952), a doença dos gatos dançantes em Minamata (1955), etc., destacando as repercussões das
cobranças dos moradores das cidades e regiões afetadas pelas respostas da ciência.
ii
Entendido como vulnerabilidade, para o autor a categoria esquecimento volta a questão dos abusos e reconhece
a necessidade de uma memória justa e ou contida. Suas 3 formas são: esquecimento por apagamento de
vestígios (conceituado elo neurologista, pela psicanálise e pelo historiador); por esquecimento reversível (
depende do reconhecimento); esquecimento de manifesto (estratégico). Delineado os três momentos da
consciência Ricoeur apresenta a relação desses com a produção historiográfica.

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