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A Guarda-costas

Adriana P. Silva

PEL
Copyright © 2020 Adriana P. Silva

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mecânico, incluse por meios de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem
permissão expressa da Editora Palavras, Expressões e Letras, na pessoa do seu editor (Lei 9.610 de
19/02/1998)

Todas as personagens e eventos descritos no livro são ficcionais. Qualquer semelhança com a realidade
será mera coincidência.

ISBN - 978-85-67690-18-6

Capa - Adriana P. Silva


À todas as leitoras que tornaram essa história especial!
Muito Obrigada!
Contents

Title Page
Copyright
Dedication
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 8
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Epílogo
Capítulo 01
A festa estava a todo vapor. A música alta, eletrônica, ditava o ritmo dos
corpos agitados na pista de dança. Um jato de fumaça foi lançado ao mesmo
tempo que os spots mudaram de cor, jogando nuances esverdeadas sobre o
público presente. O Dj trocou de música, e muitos assovios de aprovação
foram ouvidos, porém para Micaela, aquela era a sua deixa para ir até o bar
pegar uma água. Pegou o braço da amiga e caminharam juntas para o piso
superior, de onde teriam uma boa visão da pista de dança.
— Que noite sensacional! – gritou Liliane em seu ouvido. – Melhor que a
de ontem!
— Ontem tava zuado! – concordou a jovem de dezenove anos. – Não
tinha nem um cara gato pra dar uns beijos.
— Hoje tem bastante! Olha aquele de camisa branca, ali no bar. Gatinho!
— Gostoso! – Concordou Micaela. – Vamos lá falar um oi? O amigo dele
também é bem delicinha!
— Se é! Vamos!
Micaela arrumou os longos cabelos loiros, que estavam ondulados, caindo
como uma cascata à suas costas. Liliane também passou as mãos na cabeça,
conferindo o cabelo liso, fio a fio até a cintura. Juntas se aproximaram do
balcão, parando rente aos rapazes.
— Duas long-neck – pediu Micaela ao sorrir para a bartender.
Assim que as duas garrafas foram depositadas na frente ambas, as jovens
pegaram, fingindo colocar força para abrir. Logo um dos rapazes se
prontificou em ajudá-las.
— Obrigada – agradeceu a loira com um sorrisinho com mil promessas.
— Meu nome é Enzo. Esse é o Diego.
— Muito prazer. Eu sou Micaela. Minha amiga Lili.
— Vocês querem dançar? – chamou Diego.
Liliane concordou com um aceno e deu um discreto sorriso na direção de
Micaela. Em pouco tempo, os quatro estavam na pista, divertindo-se sob o
som de música eletrônica. Em questão de minutos, estavam aos beijos com os
rapazes.
— Vou pegar mais bebidas para nós – anunciou Enzo. – Cuida da minha
gata também, Diego!
O amigo concordou com um aceno e ficou dançando com as duas garotas
na pista de dança. Micaela sorriu quando outro copo de bebida foi colocado
na sua mão e soltou um grito empolgada quando o dj mudou o som para funk.
Se esbaldou na pista, junto com seu acompanhante em amassos ousados,
sendo capturado por algumas câmeras de celulares. Já era quatro e meia da
manhã quando saiu da casa noturna aos beijos com o rapaz e os fotógrafos de
plantão capturaram sua saída com suas lentes. Dispensou o motorista que a
esperava e entrou no carro junto com os rapazes e Liliane, saindo em direção
a um motel.

Júlia Albuquerque foi acordada pela batida na porta. Pegou o celular na


mesa de cabeceira, para conferir a hora. O relógio apontava oito e meia da
manhã.
— Pode entrar – respondeu, ainda sonolenta.
Logo Mariana, sua assessora, entrou na suíte, desejando bom dia. Tinha
aquela liberdade, desde que o marido de Júlia não estivesse na casa. Naquele
momento, ele estava trabalhando no oriente médio, fazendo cobertura da
guerra civil na Síria, para o principal canal de televisão brasileira.
— Bom dia Júlia! – cumprimentou ao se aproximar da cama com o Ipad
na mão. – Sua agenda começa às dez. Tem um teste de elenco para fazer.
Júlia Albuquerque, conceituada atriz brasileira, sempre estava em alta.
Consagrada pelo público, sempre ganhara um bom destaque na mídia e seus
papeis em novelas e filmes sempre haviam sido alvos de bons elogios da
crítica. Com quarenta e três anos, era vitoriosa na carreira que escolhera.
— Por que me acordou agora? Ainda está cedo!
— Temos um problema. Micaela saiu na mídia.
Júlia automaticamente sentou-se na cama. A filha de dezenove anos
estava na fase mais rebelde de sua adolescência e vivia lhe dando dor de
cabeça com escândalos nos tabloides.
— O que ela fez dessa vez?
— Foi fotografada e filmada em uma boate, bêbada, com Lili e mais dois
rapazes que não faço ideia de quem são. O celular dela só chama, mas outra
notícia disse que ela estava envolvida em uma... Prefiro que leia.
— Não sei nem se quero ler – suspirou Júlia. – No que ela estava
envolvida? Drogas?
— Não. Em uma suruba.
— Como assim?! O que eu faço com Micaela, meu Deus?! Deixa eu ver
isso!
Júlia pegou o aparelho da mão da assessora e começou a passar as fotos,
onde se via claramente Micaela beijando tanto os dois rapazes como Lili na
saída da festa. A notícia não usava o nome de Micaela e sim o seu: A filha de
Júlia Albuquerque perdida na noite.
— O que eu faço com ela? – perguntou desanimada ao deixar o aparelho
sobre a cama. Automaticamente levou as mãos às têmporas, massageando
levemente. – Não foi suficiente mandar ela para estudar fora, cortar dinheiro,
celular, eu não sei mais o que faço!
— É só uma fase, Júlia, vai passar!
— Ela me dá dor de cabeça desde os quatorze anos. Você lembra disso!
Achei que era por conta da pressão de ser minha filha, mas nem o psicólogo
conseguiu dar jeito! Eu vou mandar ela para a Europa novamente. Será o
jeito!
— Não creio que seja uma saída. Você já fez isso antes, não teve
resultado algum.
— Eu não tenho como controlar ela aqui! Como vou cuidar dela com
minha agenda de trabalho? Ainda tem mais duas semanas de gravação da
série, sem contar... Se ao menos Alberto estivesse aqui para me ajudar!
— Alguma previsão de quando ele volta?
— Nenhuma ainda. Enquanto os conflitos não pararem ele continua por
lá. Acredito que mesmo depois ele também permanece por algumas semanas
ainda.
— Por que não coloca um segurança com ela? Pelo menos vai um
segurança vai impedir de chegar pessoas como esses rapazes perto dela. Pode
controlar quando ela já estiver bêbada para trazer para casa. Livre como ela
está, é que te complica um pouco mais.
— Um segurança?
— É uma opção. Se quiser, posso ver isso pra você.
— Eu tenho que pensar sobre isso. Seria invadir demais nossa
privacidade.
— Pense sim, pense também que sua privacidade já está invadida com
toda essa repercussão. Meu telefone está cheio de mensagens, querendo uma
declaração sua.
— Não tenho nada para declarar sobre isso, a não ser que falhei,
miseravelmente na função de ser mãe – respondeu Júlia deixando o corpo
cair sobre a cama.
— Eu vou dizer apenas que não tem nada para declarar.
— Quando Micaela chegar, me chame, por favor.
— Pode deixar.
Mariana saiu do quarto e tomou a direção das escadas, para o escritório
de Júlia, pondo-se a responder ê-mails e mensagens no celular. Já havia até
deixado um texto pronto para aquelas situações. Conhecia bem a mulher para
quem trabalhava, mais ainda sua filha. Sempre chegava à conclusão de que
Júlia jamais conseguiria colocar freios em Micaela.

Já era três horas da tarde quando Micaela desceu na frente da pomposa


casa. Entrou na sala, intentando ir para o quarto, mas foi detida pela voz da
mãe, que apareceu na entrada do escritório.
— Você quer me explicar que palhaçada foi essa, Micaela?
— Ah mãe, um babaca que tirou uma foto completamente fora de
contexto...
— Fora de contexto?! Você beijando três pessoas ao mesmo tempo, é fora
de contexto?! – explodiu. – A Liliane, Micaela?! Sua amiga de infância?!
Que inferno foi isso?!
— Ai, mãe! Era só diversão! Você tem que parar de ser neurótica com
isso!
— É meu nome que está sendo exposto nas matérias, não o seu! Crie um
nome e afunde ele, se quer isso! Não faça com o meu e nem com o do seu
pai!
— Ah claro! – riu Micaela com ironia. – É sobre isso que se trata, não é?!
Seu nome, algo que você deve proteger e não a sua filha!
— Você já tem dezenove anos, Micaela! Precisa fazer algo da sua vida,
algo com um pouco de juízo! Você vive matando as aulas da faculdade, não
tem interesse em nada que não seja bebidas e festas! Você não é mais uma
criança! Cresce!
— Me esquece, mãe! – gritou a jovem. – É só me deixar de lado e fingir
que não sou filha! Posso até contratar um advogado para retirar seu precioso
nome do meu, para que não tenha mais dor de cabeça comigo!
Júlia balançou a cabeça em sentido positivo, enquanto Micaela a
encarava, demonstrando desafio. Deu sorriso, ainda sustentando o olhar da
jovem.
— Me responde uma coisa, Micaela, você vai contratar esse advogado
com o meu dinheiro? Até onde eu sei você não tem absolutamente nada. Nem
mesmo esse vestidinho vulgar você não teria, se não fosse pelo meu dinheiro!
— Não tem problema quanto a isso, mãezinha – sorriu a jovem. – Sabia
que um programa com uma garota de programa de luxo está saindo uma
média de setecentos reais a hora? – perguntou, avançando um passo na
direção de Júlia. – Já imaginou quanto não pagariam para transar com uma
garota de dezenove anos, filha de Júlia Albuquerque? Tá aí, posso pagar meu
advogado dessa forma.
Júlia sentiu o sangue ferver, no mesmo momento em que o corpo a
tomava em um ato impensado. O tapa que desferiu em Micaela acertou seu
rosto em cheio, fazendo com que a jovem fosse parar no sofá ao lado.
— Para, Júlia! – interferiu Marina, rapidamente, vindo do escritório. –
Você vai perder sua razão com isso!
— Ela é louca! Louca! Eu odeio você! Odeio! – gritou Micaela em meio
às lágrimas.
Júlia se limitou a passar a mão na cabeça e andar de um lado para o outro,
tentando raciocinar. Assistiu a filha subir as escadas correndo e desabou no
sofá, sem mais conseguir conter seu estado nervoso.
— Eu perdi minha filha, Mariana, eu perdi a Micaela – repetiu diversas
vezes enquanto a assessora ia atrás de um copo de água.
— Bebe isso, você precisa se acalmar.
— O que eu faço, Mariana? O que eu faço pra conseguir conversar com
minha filha novamente? Ela era uma menina tão doce, tão carinhosa! O que
eu fiz de errado para ela ter virado essa pessoa que nem conheço direito?!
— Calma, Júlia. Com a cabeça quente assim, você não vai conseguir
resolver nada!
— Faz o que tinha me sugerido. Micaela precisa de um segurança,
inclusive para que possa me parar para nunca mais fazer outra besteira como
essa!

Hadassa passou os olhos pela pista de dança pela milésima vez,


confirmando que as trezentas pessoas na casa noturna se divertiam sem
causar tumulto. A festa privada estava acontecendo em um dos melhores
clubes noturnos da cidade e a nata da sociedade estava presente, em
comemoração do aniversário da filha do prefeito. Outro segurança se
aproximou de onde estava, também atento a movimentação da pista de dança.
— Tudo tranquilo por aqui? – perguntou Guilherme.
— Tudo tranquilo. Acredito que não vamos ter problemas.
— Claro que não – ele concordou. – Ninguém quer sair na coluna social
amanhã a não ser que seja em uma foto sorrindo.
Hadassa não respondeu de pronto. Levou a mão a orelha, apertando o
fone, para escutar a informação passada pelo comunicador auricular.
— Estou indo – respondeu já se afastando. – Maldita boca, Guilherme!
A segurança andou apressadamente para a área dos banheiros e de
imediato já viu, e ouviu, as garotas alteradas. Apenas uma segurança estava
entre elas. Assim que alcançou a muvuca, já identificou a que estava mais
alterada, tentando bater em outra, que era segurada por sua colega de
profissão. A esquentadinha era justamente a filha do prefeito.
— Calma, Raíssa – pediu, entrando na frente da garota. – Vamos acabar
com esse tumulto aqui...
— Calma o caralho! Eu quero essa vagabunda fora da minha festa! Pode
colocar ela na rua agora!
Hadassa apenas balançou a cabeça em sentido positivo e indicou para a
colega sair com a outra garota. Quando ela fez menção de acompanhar a
retirada da garota, esticou as mãos na frente do corpo, indicando que não
devia sair dali.
— Eu não vou ficar aqui! – reagiu Raíssa nervosa. – Eu quero ver essa
piranha ser jogada na rua!
— Não, você não vai – Hadassa foi firme. – Tenho certeza que não quer
chamar a atenção para uma briga no meio da sua festa, não é?
— Eu quero ter certeza de que ela foi escorraçada daqui!
— Pode ter certeza que ela já entendeu o convite para se retirar –
contemporizou. – Garanto que nem ela e nenhuma outra pessoa vai lhe
importunar essa noite.
— Garanta apenas que não cheguem perto do meu namorado! Já será o
suficiente!
A segurança suprimiu um suspiro e apenas concordou com a cabeça.
Durante todo o restante da festa acompanhou Raíssa de longe, cumprindo sua
palavra de que ninguém mais a importunaria.
Hadassa chegou em casa já ia dar seis horas da manhã. Deixou a mochila
no sofá e foi até o quarto da filha, enxergando a menina deitada
tranquilamente na cama, completamente entregue ao sono.
— Bom dia minha princesa – sussurrou contra seus cabelos, ao mesmo
tempo em que dava um beijo neles.
— Oi Hada.
Hadassa se virou para enxergar a irmã na porta, ainda com o rosto
inchado de sono.
— Bom dia, Rane. Te acordei?
— Acordei agorinha pra ir no banheiro. Ouvi você chegar.
— Foi tudo bem a noite aqui?
— Foi sim. Isa brincou, pulou, comeu, assistiu, acabou com minhas
costas e depois pegou no sono – sorriu.
— Volta a dormir. Ainda é cinco e quarenta e cinco.
— Eu vou. Qualquer coisa é só me chamar no quarto.
— Tá bom, obrigada.
Hadassa assistiu a irmã sair do quarto e voltou a admirar a filha de cinco
anos em sono profundo. Sentou-se ao seu lado, acariciando seus cabelos
ruivos, que havia herdado da mãe biológica. Depois de alguns minutos em
contemplação, ajeitou seu cobertor e deu outro beijo na menina, para sair do
quarto.
No próprio aposento, Hadassa tirou a bota e as meias, dispensando de
lado. Depois de um banho demorado, e já de pijama, sentou na cama e pegou
a foto na mesa de cabeceira. Ficou admirando a ruiva de olhos castanhos que
sorria para a câmera. Não conteve a primeira lágrima de descer, ritual que já
fazia há três anos. Uma segunda se juntou a primeira enquanto tocava seu
rosto na moldura, com as pontas dos dedos.
— Por que você nos deixou, meu amor? Por quê?
Ranellory parou rente à porta do quarto da irmã, escutando seu choro
baixinho, e deduziu que ela tentava abafar. Encostou a cabeça contra a
parede, suspirando fundo, com o coração apertado pela dor que Hadassa
sentia e sempre sentiria.
Capítulo 02
Hadassa entrou no escritório do seu chefe, curiosa acerca daquela
conversa. Conjecturou que pudesse ser a resposta do pedido que havia feito
dois meses antes, quando pediu para ser transferida para o turno do dia, para
que pudesse ter as noites livres com Isabela. A filha, com toda a certeza,
aprovaria a troca, pois teria liberdade para brincar durante o dia, sem se
preocupar em fazer silêncio para que pudesse dormir. A mente se desviou da
família quando escutou seu supervisor entrar.
— Boa tarde, Hadassa – cumprimentou com um aperto de mão. – Me
desculpe lhe tirar do seu descanso, mas quero discutir uma oportunidade com
você.
— A vaga durante o dia saiu, Fernando?
— Não exatamente. A esposa do Mário tem uma amiga chamada
Mariana. Ela pediu a indicação de um bom segurança para atuar como
guarda-costas da filha da chefe dela. Mariana pediu uma reunião para
amanhã, com a melhor opção que ele apresentar a ela e você é minha
primeira candidata.
— Guarda-costas? Alguém ainda usa esse termo? – sorriu. – Eu agradeço,
Fernando, mas não posso aceitar. Como sabe, tenho uma filha pequena e ser
segurança particular acabaria com o pouco tempo que tenho com ela. Não
posso deixar tudo para Ranellory.
— Eu sei. Sei também que sua irmã está desempregada, não é?
— Sim. O que tem a ver?
— Estão oferecendo um bom salário – respondeu entregando a ficha de
solicitação. – É uma boa oportunidade, Hadassa.
A segurança pegou a folha e olhou as solicitações do contratante assim
como os benefícios que estavam oferecendo. Ficou balançada quando viu o
valor do salário.
— Praticamente dobra o que recebo hoje.
— Sim. Você pode cuidar de Raneloi e de Isabela sem se preocupar com
contas.
— Ranellory – corrigiu, ainda pensativa. – É uma posição atraente, não
vou negar, mas eu tenho que pensar sobre isso. Ser segurança de alguém
significa que tenho que estar com ela o tempo todo.
— Sim. Mas não será só você. São três: um a cada período e alguém para
tirar seus dias de folga.
— Não é tão certo como um posto fixo.
— Isso não é mesmo. Bom, eu tenho que dar uma resposta para Mariana
hoje à tarde porque ela já quer fazer as entrevistas amanhã.
— Me dá cinco minutos para conversar com minha irmã?
— Claro. Vai tomar um café e depois me dê a resposta.
Hadassa confirmou com um aceno e saiu da sala. Já na recepção, pegou o
celular do bolso e discou para Ranellory, para saber se podia contar com ela
para tomar conta de Isabela. A irmã não fez objeção alguma e concordou em
ficar com a sobrinha, de acordo com o horário que fosse trabalhar, caso fosse
aprovada pela mulher que queria a contratação.
— Eu aceito a indicação – informou Hadassa já de volta à sala de seu
chefe. – Que horas eu tenho que encontrar Mariana amanhã?

Júlia saiu do set de filmagem e logo uma assistente da produção veio para
o seu lado, com um copo de água e seu celular. Bebeu todo o liquido
enquanto levantava o aparelho na altura dos olhos para enxergar a mensagem
de Alberto.
“Fico mais duas semanas na Síria. Depois tenho que passar no escritório
de Londres. Provavelmente só volto pra casa no final do mês”.
A atriz deu um suspiro audível enquanto devolvia o copo para a
assistente. Mariana começou a caminhar do seu lado, em direção ao camarim.
— Algum problema, Júlia?
— Alberto mandou uma mensagem. Diz que, provavelmente, volta no
próximo mês. Eu preciso dele aqui. Eu... É pedir demais querer meu marido
por perto?
— Não, não é pedir demais. Logo ele volta, Júlia. Aguenta só mais um
pouco – riu a assessora.
— E Micaela?
— Ela foi pra faculdade de manhã. O motorista disse que ela entrou,
mas...
— Mas o que?
— Sabemos que se ela quiser pode sair a qualquer momento. Ela pode
estar em qualquer lugar agora, como já fez várias vezes antes.
— Conseguiu falar com sua amiga que tem a empresa de seguranças?
— Sim. Ela falou com o marido, tem alguns candidatos que se encaixam
no perfil que solicitei. Mulher, mais de trinta, com disponibilidade total.
— Não é melhor homem na segurança?
— Sexo é indiferente quanto às habilidades da função – respondeu
Mariana dando ombros. – Pedi uma mulher para que ela possa entrar até em
banheiros com Mic.
— Isso não é exagero? Não quero alguém no pé da Micaela até quando
ela for ao banheiro!
— Sabe quantas coisas um grupo de garotas podem fazer dentro de um
banheiro?
— Eu sei, mas...
— Júlia, me desculpe a ousadia, mas você precisa parar de mimar
Micaela. Vocês brigam e manda ela para a Europa, discutem e corta cartão de
crédito e o dinheiro na conta, mas mesmo assim dá dinheiro pra ela usar
como bem entender. Micaela sabe que pode fazer o que quer porque você
sempre vai protegê-la!
— É minha filha, é claro que vou proteger ela!
— Proteção, cuidado de mãe, é uma coisa. Você está mimando-a. Pare de
mimar porque se continuar assim, vai chegar o dia que seu nome estará em
uma matéria indo visitar a filha na reabilitação.
Júlia apenas olhou para a assessora e nada respondeu. Sabia que não
podia tirar sua razão, pois várias vezes ela mesma havia se questionado se
estava mimando Micaela mais do que devia.
— Depois que selecionar as seguranças, quero conversar com elas, antes
que confirme a contratação.
O relógio marcava cinco horas da tarde, quando Hadassa
informou seu nome para o segurança da luxuosa casa. Depois da liberação,
entrou na propriedade, já enxergando o belo jardim que ornava a entrada
principal. Quando fez menção de ir bater na porta, uma mulher, negra com
aproximadamente quarenta anos, bem vestida num tailleur bem cortado,
apareceu para recebê-la.
— Você deve ser “ Maya Adassa, Radassa”, desculpe, não sei a
pronuncia do seu nome.
— “Radassa”, é com H.
— Ah, não vou me esquecer mais disso – sorriu. – Meu nome é Mariana,
sou funcionária da proprietária da casa. Por aqui, por favor.
Hadassa concordou com um aceno e seguiu a mulher pelo corredor lateral
até uma porta que já dava direto para o escritório bem decorado. Acomodou-
se na poltrona de couro branco que ela indicava, enquanto Mariana pegava
uma pasta e uma caneta.
— Bom, Maya, você já sabe que a vaga é para ser segurança pessoal de
uma adolescente, não é? Benefícios e salário também foram passados por
Mário, certo?
— Sim, meu supervisor, Fernando, me passou as informações.
— Ótimo! Me responde, Maya, já trabalhou como segurança pessoal
antes?
— Hadassa, por favor. Maya foi o nome que meu pai escolheu e não
gosto dele. Não me traz boas recordações. Mas respondendo a sua pergunta,
eu já trabalhei como segurança pessoal, mas em eventos, escalada para
proteger o contratante em questão. Como guarda-costas não, mas conheço a
rotina e o trabalho de um.
— Certo. Você tem uma filha, que idade tem ela?
— Cinco anos. Minha princesa.
— E com quem ela fica quando está trabalhando?
— Com minha irmã. Moramos juntas, então ela me dá todo o apoio que
preciso.
— Que idade tem sua irmã?
— Vinte e cinco. Ranellory também é como uma segunda mãe pra ela.
— Devo dizer que sua mãe gosta de nomes diferentes, não é? Qual a
origem de Ranellory?
— Não faço a mínima ideia – sorriu Hadassa. – Minha mãe apenas dizia
que foi uma sugestão e ela gostou.
— Sua mãe é falecida? – perguntou Mariana, perspicaz.
— Sim. Há dez anos.
— Ok. Bom, me fale um pouco do seu trabalho como segurança.
Hadassa passou a relatar toda a sua experiência profissional, desde que
tinha começado a trabalhar como segurança, quando ainda tinha vinte e cinco
anos. Mariana pouco a interrompia, mas percebeu que ela estava anotando
informações a seu respeito. Ainda não sabia quem era sua empregadora, mas
pode avaliar, pela entrevista minuciosa, que se tratava de alguém do alto
escalão. Estava falando sobre seu último trabalho quando a porta interna do
escritório foi aberta abruptamente.
— Onde minha mãe está? – perguntou Micaela para Mariana, sem sequer
notar outra pessoa dentro do escritório.
— Boa tarde, Micaela. Sua mãe está descansando. Precisa de algo?
— Obvio que sim, não é? Não ia procurar ela à toa!
Mariana se limitou a encarar Micaela, enquanto Hadassa fazia o mesmo.
Não precisou nem de um minuto para a segurança chegar à conclusão de que
não aceitaria aquela vaga, se a adolescente fosse a garota sem educação à sua
frente.
— Vá até o quarto dela e fale com ela. Eu estou no meio de uma
entrevista agora.
Foi somente naquele momento que Micaela se atentou à segunda pessoa
presente na sala. Observou a mulher sentada na poltrona, usando uma camisa
branca e uma calça social preta, claramente revelando que se tratava de uma
funcionária.
— Vamos aumentar o quadro de funcionários agora?
— Depois eu converso com você – disse Mariana contendo um suspiro. –
Sua mãe não está dormindo, vá falar com ela.
Micaela não respondeu nada, apenas deu meia volta e saiu do escritório,
batendo a porta. Mariana sorriu, desconfortável, para Hadassa.
— Me desculpe por essa intromissão. Micaela é uma garota bastante
impetuosa.
— É pra ela que querem guarda-costas?
— Exatamente. Micaela está numa fase de querer sair com pessoas
estranhas, tendo atitudes estranhas. A mãe quer alguém que possa protegê-la
disso.
Hadassa deu um sorriso de canto de lábios, encarando Mariana.
— Uma babá de adolescente problemática? Me desculpe a sinceridade na
pergunta, mas é o que me parece.
— Bom, já sabe de quem ela é filha, não é?
— Júlia alguma coisa, pouco assisto televisão então não lembro o
sobrenome. O pai dela é jornalista, não é? Está fazendo a cobertura do
conflito na Síria. Vi uma reportagem na internet dias atrás.
— Exatamente. Alberto Caloni. Micaela, de fato, se tornou uma
adolescente problemática. É única filha dos dois, sempre muito mimada por
ambos e acabou se tornando uma pessoa difícil.
— Serei sincera com você – começou Hadassa escolhendo as palavras. –
Está me parecendo que vocês querem uma babá especializada para manter ela
longe de confusão. Não sei se me encaixo nesse perfil.
— Já deu para ter uma amostra do tamanho do problema, não é? – sorriu
Mariana.
— Eu já tenho uma filha para escutar os desaforos dela, quando ela for
adolescente. Não quero fazer um teste intensivo antes – riu a segurança, sem
graça.
— Eu entendo perfeitamente. Bom, de qualquer forma, obrigada por ter
vindo. Caso tenha alguma outra coisa, que não seja Micaela, podemos entrar
em contato...
Outra vez foram interrompidas pelo barulho da porta. Diferente da
primeira vez, três batidas sinalizaram que alguém estava entrando. Júlia
adentrou o espaço, com um sorriso no rosto.
— Boa tarde, meninas, tudo certo por aqui?
Hadassa imediatamente se levantou, esticando a mão para a bela mulher
loira que correspondia seu cumprimento. Júlia indicou a poltrona para que ela
voltasse a se sentar e ocupou a poltrona do lado.
— Bom, meu nome é Júlia. Você é a segurança que Mário indicou, não é?
Creio que já conheceu minha filha, Micaela. O quanto antes puder começar,
será ótimo! Hoje, se possível! Ela acabou de me dizer que vai em uma rave,
Deus-sabê-onde, e não quero que ela ande mais desacompanhada.
Hadassa sorriu para a atriz, mas se virou para Mariana, a procura de
ajuda. A assistente veio em seu socorro de imediato.
— Eu já conversei com Hadassa, depois conversaremos sobre o que
decidimos.
— Hadassa, que nome diferente! – sorriu simpática. – Algum problema?
Ficou alguma dúvida do que foi passado?
— Acredito que a vaga não se encaixe no perfil dela – novamente
interferiu Mariana.
— Ah não, por favor! As informações que Mariana me passou a seu
respeito são ótimas, tem um excelente currículo!
— Acredito que podemos tratar disso depois, Júlia...
— Eu gostaria que Hadassa me respondesse, Mariana – a atriz cortou,
sorrindo, porém com firmeza. – Pelo que entendi algo não se encaixou. O que
foi? Pode me falar qualquer coisa.
Hadassa novamente olhou para Mariana, que apenas deu ombros em meio
a um suspiro. Tornou a se virar para a atriz, que ainda a encarava, esperando
uma resposta.
— Não quero parecer inconveniente, mas como eu havia dito à Mariana,
eu não tenho o perfil da vaga para acompanhar uma adolescente... Ah... Tão
intensa como Micaela. Agradeço a oportunidade, mas eu não vou aceitar.
— Eu sei que Micaela pode ser bem impulsiva às vezes, mas tenho
certeza que com segurança ela vai se controlar. Se a questão for o salário, não
se preocupe, eu...
— Não, não, por favor – cortou Hadassa. – A questão não é dinheiro.
— Desculpe se pareço insistente, mas qual o real motivo da recusa?
— Sua filha é uma mimada mal-educada – Hadassa foi direta. – Me
desculpe se pareço grossa falando isso, mas eu não vou me sujeitar a tomar
conta de uma garota que falará comigo da forma como ela falou com
Mariana. Já tenho uma filha que vai me dar dor de cabeça quando entrar na
adolescência. Não quero passar por isso antecipadamente.
Hadassa ficou olhando a mulher que a encarava atônita. Desviou os olhos
para ver Mariana, também lívida na cadeira à frente. Deduziu que havia
pegado pesado demais.
— Olha, me desculpe! Me desculpe a sinceridade – Hadassa continuou
falando ao se levantar. – Eu agradeço a oportunidade e o tempo que
disponibilizou para me receber.
— Está tudo bem – balbuciou Júlia. – Obrigada por ter vindo.
— Eu... Eu te acompanho até a porta – Mariana também se levantou.
Hadassa ainda meneou a cabeça na direção de Júlia, antes de sair na
companhia da assessora. Assim que saíram do escritório, a atriz apoiou o
braço no encosto da poltrona, pensativa. Demorou cinco minutos para que
Mariana retornasse.
— Bom, Júlia, tem outras candidatas, não se preocupe. A lista que Mário
me passou ainda tem mais cinco candidatas à vaga, certamente...
Júlia não olhou para Mariana, que continuava a falar sem que ouvisse
nada. A mente estava concentrada na mulher que havia deixado seu
escritório. Se encolheu, com um suspiro, quando sentiu o arrepio percorrer
sua nuca.
Capítulo 03
Hadassa chegou em casa já ia dar oito horas da noite. Assim que entrou
na sala, já enxergou a irmã e a filha, sentadas rente a mesinha de centro,
jantando, enquanto assistiam desenhos na televisão. Deu um beijo na cabeça
de ambas, se juntando a elas.
— E aí, como foi? – quis saber Ranellory.
— Não aceitei a vaga.
— Por quê? Era ruim?
— A vaga é boa, mas eu conheci a garota para quem querem que eu
trabalhe. Uma garota mimada, mal-educada pra caramba. Não estou passando
fome pra ficar escutando desaforo de patricinha sem noção.
— Melhor coisa então! – concordou a irmã.
— Mas eu conheci aquela atriz, Júlia alguma coisa. Não lembro o
sobrenome dela. Aquela que é casada com um jornalista, sabe?
— Júlia Albuquerque? Eita! Pegou um autógrafo?
— Claro que não, né?!
— Era pra trabalhar para a filha dela, a Micaela?
— Isso mesmo. Pensa numa garota sem educação nenhuma? Falou com
Mariana, que é funcionária da Júlia, com uma estupidez e arrogância que nem
sei como explicar. Dona do mundo, sabe? Preciso disso não.
— Ela sempre sai em escândalos por aí. A última foi uma... – fez uma
pausa olhando para a sobrinha entretida com a tevê e um pedaço de nuggets
de frango. – Uma festa com dois caras e uma amiga, se é que me entende.
— Entendo – riu Hadassa. – Não me tornei segurança para bancar de
babá para meninas mal-educadas. E nem é uma menina, uma mulher já.
— Ela é bonita mesmo como nas fotos?
— É linda. Tanto ela como a mãe. Ninguém fala que aquela mulher já
tem uma filha adulta. Mas Micaela é sensacional. Onze de dez.
— Humm curtiu a patricinha? – sorriu Ranellory.
— Não viaja, Rane. Eu vou tomar um banho e jantar também.
— Não vai trabalhar hoje?
— Hoje não. Minha folga.
— Eu vou sair com Cristiano então. Vou dormir na casa dele.
— Vai sim, Isabela e eu faremos uma guerra de travesseiros mais tarde –
sorriu ao passar a mão nos cabelos da filha, em uma caricia. – Amanhã só
trabalho a noite, então nem precisa voltar cedo.
— Tá bom. Vou ligar para ele e me arrumar. Vai tomar seu banho, antes
que a janta esfrie.
Hadassa concordou com um aceno e deu outro beijo no cabelo da filha,
antes de se levantar e seguir para o quarto. Depois do banho, jantou e se
sentou com a filha no tapete, desenhando com ela. Uma hora depois Cristiano
chegou, para buscar a namorada. Cumprimentou o rapaz que ainda brincou
um pouco com Isabela, antes de sair com Ranellory para o cinema.
A morena passou parte da noite com a filha, brincando e conversando
com ela, antes que o sono pegasse a menina. Colocou-a na cama e seguiu
para o próprio quarto, deitando para descansar o corpo exausto. Pegou a foto
da ruiva na mesa de cabeceira, e abriu um sorriso ao tocá-la com as pontas
dos dedos.
— Oi Rebeca!

O celular despertou Hadassa. Acordou atordoada, e esticou a mão para


pegar o aparelho ao seu lado e bateu no retrato da esposa, quase o derrubando
no chão. Depois de conseguir pegar o celular, o levou na altura dos olhos,
conferindo a hora: nove e meia da manhã. Quem ligava era seu supervisor.
— Bom dia – atendeu com a voz rouca de sono.
— Bom dia, Hadassa. Eu preciso que venha no escritório agora de manhã.
Mário quer falar com você. O que andou aprontando na entrevista de ontem?
Ele me disse, nervoso, que recusou a vaga para trabalhar para Júlia
Albuquerque! Como assim?!
— Ah Fernando, elas querem uma babá pra uma mulher adulta, mal-
educada. Prefiro continuar na equipe da firma mesmo.
— Ele me disse que falou isso para Júlia, que a filha dela é mimada e
mal-educada! Hadassa, pelo amor de Deus! O que você foi fazer?!
— Peguei pesado, cara, mas pedi desculpa na mesma hora. É que ela
ficou forçando para me fazer falar o porquê de não aceitar.
— E agora Mário quer falar com você! Eu perguntei o que ele vai fazer,
mas... Caralho, Hadassa!
— Ela pediu minha cabeça?
— Sinceramente não sei, só sei que ele tá puto. Estou te esperando aqui.
— Tá bom. Eu estou indo. Ranellory não está em casa, vou demorar um
pouco para ver se ela vem embora ou se levo Isabela até ela.
— Tá bom. O quanto antes.
Hadassa concordou e desligou o celular, deixando-o de lado. Suspirou
fundo, passando a mão no cabelo. “Era o que faltava! Ser mandada embora
porque disse a verdade” pensou desolada. Tornou a pegar o celular e ligou
para Ranellory.
— Oi Rane, eu disse que ia ficar em casa hoje, mas pediram pra eu ir lá
na firma agora de manhã. Tem como vim pra casa? Tá bom, vou me arrumar
e te espero. Acho que vou ter problemas com aquela atriz, quem quer falar
comigo é o Mário, dono da firma. É, espero que sim. Estou te esperando.
Hadassa desligou a chamada e deixou o aparelho sobre a cama. Pegou o
portá-retrato da esposa e tornou a colocar na mesa de cabeceira. “Me deseje
sorte” pediu em pensamento.
Depois de uma hora, Hadassa já estava pronta, aguardando a chegada de
Ranellory. Assim que a irmã entrou, já pegou a mochila, o capacete e saiu
para ir até a empresa. Durante o trajeto, foi apreensiva em cima da moto, pois
tinha quase certeza que seria mandada embora, por causa do que tinha falado
à Júlia. Já na empresa, seguiu até a sala de Fernando, que a esperava com
Mário. Cumprimentou os dois, deixando a mochila repousada ao seu lado.
— O que você fez ontem, Hadassa? – perguntou Mário encarando-a.
— Eu não devia ter falado aquilo. Eu sei que errei, de chamar a garota de
mimada e mal-educada, mas Júlia ficou forçando para saber porque eu não
queria a vaga.
— Ela dispensou todas as outras opções que mandei a ela. Nem mesmo
chegaram a ir para entrevista.
— Me desculpe por trazer esse transtorno para a firma. Compreendo
qualquer decisão que tomar.
— Eu deveria, e te mandaria embora por causa de uma coisa dessas...
— Eu entendo – respondeu Hadassa com um suspiro. – Não foi a
intenção trazer algum prejuízo para você.
— Mariana me ligou agora de manhã. Elas querem você como guarda-
costas de Micaela.
Hadassa franziu o cenho, estranhando a informação. Olhou para
Fernando, que também olhava de para o chefe, sem entender nada.
— Elas ainda querem que vá trabalhar pra elas?
— Sim. Segundo Mariana, Júlia ficou impressionada com sua atitude, de
falar o que pensa sobre Micaela sem receio. Disse que precisa de alguém
como você ao lado da garota. Ela passou uma melhor proposta de trabalho.
Hadassa esticou a mão para pegar a folha que lhe era direcionada. Além
dos benefícios que já tinham sido passados antes, agora também estava
incluído uma bolsa de estudo para Isabela em uma escola particular, além do
salário ter tido um aumento considerável.
— Essa escola é da irmã da Júlia, uma das melhores do estado. O neto do
governador estuda lá, para ter uma ideia. Claro que o salário que estão
propondo é bem melhor que o de antes, também. Acho que vale a pena
aguentar uma patricinha mimada por um tempo, enquanto dá um bom estudo
para Isabela.
— Caramba! – suspirou a segurança com um sorriso. – Já até trouxe
minha carteira de trabalho, crente que ia me mandar embora.
— Não vou fazer isso, obvio que não. Eu preciso dar uma resposta pra
ela. Aceita conversar com Júlia novamente?
— Tudo bem. Eu vou falar com ela.
— E, pelo amor de Deus, aceita! É uma excelente oportunidade!
— Se ela não aceitar, eu aceito – sorriu Fernando.
— Tira o olho! A vaga é minha! – brincou Hadassa, sentindo-se aliviada.

Júlia estava sentada em uma espreguiçadeira à sombra, ao lado da piscina,


com o texto que deveria decorar para as cenas que gravaria na próxima
semana, mas não estava enxergando nenhuma palavra escrita ali. A mente
estava avoada, sem se fixar em nada específico, desde a falta que estava
sentindo de Alberto, à contínua falta de responsabilidade e bom senso de
Micaela, o trabalho que estava finalizando, o próximo que já emendaria e a
segurança que havia lhe dito, de pronto, sem rodeios, o que todo mundo já
sabia e ninguém tinha coragem de lhe dizer: tinha uma filha mimada e mal
educada.
A atriz suspirou fundo e apoiou a cabeça contra o estofado macio de
couro. Sempre havia tido o cuidado de preservar Micaela de tudo, de sempre
fazer suas vontades, como no dia anterior, quando ela havia pedido dinheiro
para ir na tal rave. Como mãe, não sabia falar não para a filha e com isso
tinha a transformado em um ser humano egoísta, que pensava somente em si
mesma. Se tivesse lhe ensinado, desde pequena, que não se ganhava nada no
grito, certamente seu relacionamento com ela seria totalmente diferente, mas
Micaela ganhava, sempre no grito, o que queria e quando queria.
O momento de devaneio foi interrompido por Mariana, que se aproximou
do lugar onde estava. Deixou o roteiro de lado e tirou os óculos escuros.
— Júlia, Hadassa chegou – anunciou sua assessora.
Júlia agradeceu com um aceno e se levantou da espreguiçadeira, alisando
o vestido amassado com as mãos. Seguiram em silêncio até o escritório onde
a segurança estava. Diferente do dia anterior, quando a viu em um estilo mais
social, naquele momento ela estava usando apenas um jeans e uma camisa
polo preta, que revelava a tatuagem de flores, no braço direito.
— Oi Hadassa! Obrigada por concordar em se encontrar comigo
novamente.
— Oi senhora Júlia – respondeu a segurança, levantando-se para apertar
sua mão.
— Por favor, apenas Júlia – sorriu. – Deve ter achado estranho eu pedir
essa conversa novamente, além de ter liberado outras coisas em relação aos
seus benefícios.
— Confesso que fiquei bem curiosa. Aliás, me desculpe, mais uma vez,
por ter falado daquela maneira ontem. Eu deveria ter medido as palavras.
— Foi justamente por isso que estou insistindo para que venha trabalhar
comigo. Você foi a primeira que me disse, de forma tão direta, que Micaela é
sem educação e mimada, coisa que infelizmente tenho que concordar. Eu não
consegui dar uma boa criação para minha filha.
— Não é isso, é que...
— Vou ser direta, Hadassa, eu preciso de alguém que não vai abaixar a
cabeça pra ela – cortou a atriz. – É fato que Micaela será respondona, mal-
educada, mas você terá toda a liberdade de responder a ela como achar
necessário. E como foi muito direta comigo, acredito que será com ela
também.
— O que seu marido acha disso?
— Alberto está na Síria, mesmo quando está no Brasil é pouco presente
em casa. Passa parte do tempo no Rio, onde fica centro de produções e
redação.
— Certo. E como acha que será a reação de sua filha?
— A pior possível, disso eu não tenho dúvidas. Se estiver disposta a
aguentá-la, eu estou disposta a pagar por isso.
Hadassa ainda deliberou por alguns segundos, observando a loira à sua
frente: os olhos azuis estavam ansiosos, esperando uma resposta, enquanto as
unhas compridas e bem esmaltadas em verde brincavam com o pingente
pendurado no pescoço.
— Podemos fazer um teste – respondeu, por fim. – Eu trabalho como
segurança da sua filha.
— Excelente! – exclamou Júlia aliviada. – Mariana vai lhe passar todas as
informações que precisa a respeito dela e do funcionamento da casa e da
família. Qualquer coisa que precisar, basta falar com ela ou comigo e será
providenciado.
— Obrigada, Júlia.
— Você chama Micaela pra mim, Mariana?
A assessora concordou e saiu do escritório em seguida. Júlia tornou a
sorrir em direção à segurança, que a encarava, como se estivesse analisando-a
e baixou os olhos, com um leve rubor surgindo em suas faces.
Hadassa, de fato, estava analisando Júlia. Se perguntava se ela aprovaria
que fosse mais firme com Micaela ou se mudaria de ideia na primeira vez que
contrariasse a mimada.
— Ah... Bom, Hadassa, você me disse que tem uma filha pequena, não é?
– Júlia cortou os poucos segundos de silêncio constrangido.
— Sim, ela tem cinco anos.
— Já começou a escolinha?
— Já. Ela vai em uma perto de casa. Pública.
— A escola da minha irmã é excelente. E digo isso não só por ser minha
irmã, mas pelos índices que ela me mostra, que vem da secretária de
educação, acho. Não sei bem como funciona. Minha filha estudou lá, o filho
de Mariana também estuda lá. Tenho certeza que você e seu marido irão
aprovar o sistema deles.
— Não tenho marido – informou Hadassa. – E já ouvi falar da escola
dela. É bem conceituada.
— Sim, é sim. Ah, me desculpe, achei que fosse casada. É mãe solteira?
— Minha esposa morreu dois anos depois de dar à luz à nossa filha.
Fizemos inseminação artificial.
— Nossa! O que aconteceu com ela?
Hadassa encarou os olhos azuis que demonstravam a mais pura
curiosidade. Deu um sorriso tristonho, ao se lembrar do que havia acontecido.
— Não precisa me falar. Me desculpe a pergunta.
— Tudo bem. Ela tinha acabado de voltar a trabalhar, depois de tirar o
tempo que disse que ficaria com Isabela, mas teve um tiroteio em um assalto
a uma loja, perto de onde ela pegava o ônibus. Os médicos disseram que foi
instantâneo.
— Que tragédia! Eu sinto muito!
— Obrigada.
— Bom, eh... É um assunto delicado, não é?! Eu vou sair daqui a pouco
porque tenho uma gravação noturna, tenho que chegar nos estúdios com
antecedência para a maquiagem.
— Deve ser um trabalho interessante, cheio de glamour.
— É, mas não é, só parece mesmo. Principalmente no início de carreira, é
bem complicado conseguir papéis e tem que sujeitar a algumas coisas.
Hadassa ia formular uma pergunta, mas a porta do escritório abriu e
Micaela entrou acompanhada de Mariana. A jovem olhou para ela e acenou
com a cabeça, antes de se virar para a mãe.
— Você quer falar comigo?
— Quero. Quero que conheça Hadassa – falou Júlia se levantando ao
mesmo tempo que a segurança. – Ela começará a ser sua guarda-costas a
partir de amanhã.
— Você está zuando, né?! Pra quê que eu vou querer alguém atrás de
mim vinte quatro horas por dia?
— Você não tem que querer, eu quero e você terá uma segurança.
— Ah mãe, para de loucura! Você vai acabar com minha vida com isso!
— Seja educada e cumprimente Hadassa.
Micaela tornou a encarar a segurança, analisando-a criticamente. Morena,
alta, cabelos médios presos em um rabo de cavalo, a tatuagem a mostra.
— Tá, que seja. Não vou discutir isso agora. Pelo menos é bonita. Acho
que vamos nos divertir um pouco, se é que me entende – sorriu ao mesmo
tempo em que dava uma piscadinha na direção de Hadassa.
Júlia perdeu a cor do rosto, enquanto Hadassa se limitou a encarar a
jovem. Sabia que teria que ter muita paciência para aguentar Micaela.
Capítulo 04
Júlia ficou lívida ao escutar Micaela. Se virou para Hadassa, que tinha um
rosto impassível ao encarar a adolescente.
— Tenha modos, Micaela! – repreendeu, nervosa. – Me desculpe,
Hadassa, eu não sei mais o que faço com essa garota!
— Me deixa em paz! Só isso! Que saco! Agora vou ter uma sombra, vinte
e quatro horas por dia na minha cola?! Dessa vez você se superou! Meus
parabéns! Se superou!
Micaela saiu nervosa do escritório, batendo a porta. Júlia tornou a se virar
para Hadassa que apenas olhava para seu rosto, sem demonstrar o que
realmente estava pensando. A segurança sabia que Micaela dificultaria seu
trabalho o máximo que conseguisse e por um momento ponderou se
realmente valeria a pena aquele trabalho. O pensamento sumiu na mesma
velocidade que chegou. Estava sendo bem paga para aguentá-la.
— Hadassa, eu sei que...
— Tem uma coisa que quero deixar claro, Júlia, como eu havia dito antes,
eu não vou maltratar Micaela, obviamente, mas não vou aturar muita coisa
então é certeza que ela vai reclamar com você. Está disposta a não mudar de
ideia no próximo mês?
— Não vou mudar de ideia, não se preocupe. Qualquer coisa que ela fizer
também, que seja inconcebível, me deixe saber, por favor.
— Está bem. Vamos ver como nos sairemos – sorriu a segurança. –
Começo amanhã, certo? Preciso deixar algumas coisas arrumadas para minha
irmã.
— É claro! Mariana vai passar todas as informações que precisa.
Obrigada por aceitar o trabalho – respondeu Júlia estendo a mão em uma
despedida.
— Eu que agradeço a oportunidade.
Júlia ainda ficou olhando para Hadassa por alguns segundos antes de
sentir as faces começarem a ruborizar. Balançou a cabeça na direção da
segurança antes de se virar para Mariana.
— Qualquer coisa basta me avisar. Com licença.
A atriz saiu do escritório e foi para a sala, pensativa. Olhou para a escada
que levava ao piso superior e seguiu para a cozinha, atrás de água, antes de ir
encarar Micaela. Tinha consciência de que a filha estava extremamente
nervosa e ela própria tinha que manter a calma para conseguirem conversar.
Depois de cinco minutos, estava na frente da porta da filha. Deu três batidas,
antes de testar a maçaneta e abrir.
— O que foi, mãe? – perguntou a jovem, jogada na cama, com o celular
na altura dos olhos. – Quando minha sombra começa?
— Hadassa começa a trabalhar como sua segurança amanhã, Mic. Me
ajuda, vai? Eu só quero o seu melhor, alguém que vai lhe proteger quando eu
não puder fazer isso.
A jovem deixou o telefone de lado e sentou na cama, encarando a mãe.
Deu um suspiro audível, revirando os olhos.
— Ela é bonita, né? Tem cara de ser lésbica.
— O que isso tem a ver, Micaela? – perguntou Júlia, desconcertada.
— É o tipo de mulher que gosto. Vai que eu me apaixono por ela? Já
imaginou, a filha de Júlia Albuquerque namorando com a própria segurança?
— Se fosse verdadeiro, não teria problema algum, mas como é só para me
provocar, não fará isso. Mesmo porque eu duvido que ela lhe daria alguma
brecha.
— Adoro um desafio – riu a jovem.
— Micaela, é sério – pediu Júlia sentando-se na cama. – Hadassa só irá
fazer o trabalho dela. Eu estou lhe pedindo, seja educada com ela, não fique
irritando-a para fazê-la desistir do trabalho.
— Imagina, mãe! Vou dar o meu melhor – deu um sorriso cínico. – Eu
quero ela usando preto. Social preto. Deve ficar muito gostosa – finalizou
revirando os olhos outra vez.
— Você pode tentar me provocar, Micaela, mas não vou mudar de ideia –
respondeu Júlia firme, compreendendo a tática da filha. – Você terá uma
segurança.
— Que inferno! – exasperou a jovem. – Quero só ver até quando essa
palhaçada vai durar!
— Até que você aprenda a ser gente e possa sair sozinha! Enquanto
quiser bancar a adolescente mimada de quinze anos, será tratada como tal.
— Mais alguma coisa, mãe?
— Sim, que história é essa de Hadassa ser seu tipo de mulher? Você sai
com mulheres também?
— Ah mãe? Sério? Preconceito uma hora dessas?
— Só fiz uma pergunta.
— Eu gosto de pessoas. Não importa que seja mulher, homem. Se eu
gostar, eu fico. E você sabe que fico com mulher, já até me viu beijando uma
naquela foto que aquele fotografo babaca tirou.
— Lili. Você tem alguma coisa com ela? Estão namorando?
— Mãe, sério? Lili é minha amiga e não estou nem um pouco disposta a
ter essa conversa. Tem algo mais para me falar? Se não, pode me dar licença?
Júlia balançou a cabeça em sentido negativo e saiu do quarto, suspirando
fundo. Andou até seu próprio aposento e foi para a sacada, observando seu
jardim bem cuidado e a piscina. Em seu íntimo, torcia para que aquela
manobra de colocar uma segurança com Micaela desse certo. Não tinha mais
nenhum recurso que pudesse usar para tentar, ao menos, proteger sua filha de
escândalos.
A atenção de Júlia foi desviada dos pensamentos quando escutou a voz de
Mariana, apresentando Nicéia, sua cozinheira, para Hadassa. Elas estavam
em um canto na área gourmet, onde não conseguiam vê-la, mas a atriz captou
cada movimento da segurança, seus gestos contidos e o sorriso presente no
rosto. A postura ereta demonstrava firmeza, assim como a maneira que ela
passou a mão direita no cabelo, por duas vezes. Sentiu um arrepio na nuca ao
ter que concordar com Micaela: Hadassa ficaria muito bem toda de preto.

Hadassa pegou o celular que tocava ao seu lado. Desligou o despertador e


se virou para o lado da cama, onde estava repousado o retrato de Rebeca.
Ficou encarando os olhos castanhos por um bom tempo, antes de se levantar
e ir para o banheiro. O relógio já marcava seis horas da manhã quando
terminou de se arrumar e tomar café. Ainda foi no quarto da filha, depositar
um beijo nos seus cabelos. Estava voltando para a sala quando Ranellory
apareceu na porta de seu próprio aposento.
— Boa sorte, Hadassa. Que esse trabalho não seja tão penoso como está
pensando.
— Eu espero que não mesmo. Obrigada, Rane. Já vai levantar?
— Vou deitar de novo. Vai dar tudo certo – afirmou ao se aproximar da
irmã e dar um abraço carinhoso. – Fique tranquila que eu vou cuidar bem de
Isabela.
— Obrigada.
Hadassa saiu da casa e pegou a moto na garagem, saindo em direção ao
endereço da suntuosa mansão localizada em um dos bairros mais nobres da
cidade. O trânsito estava pesado, mas deslizou entre os corredores formados
pelos carros, fazendo o escoamento de motoqueiros fluir com rapidez. Ainda
faltava quinze minutos para as sete da manhã, quando parou na frente da
casa. Cumprimentou o segurança que havia conhecido no dia anterior e ele
liberou a entrada, apontando o lugar onde podia deixar a moto. Mariana
apareceu para recebê-la na área dos funcionários.
— Bom dia, Hadassa. Bem-vinda!
— Bom dia, obrigada.
— Eu vou te mostrar o lugar que é de uso comum nosso, onde pode
deixar suas coisas. Micaela sai daqui a pouco para a faculdade, mas nem sei
se vai. Chegou em casa já era quatro da manhã.
— Você dorme aqui? – perguntou Hadassa seguindo para a assessora para
a parte dos funcionários.
— Não. Uma das funcionárias da noite me avisou. Temos essa
cooperação mútua, principalmente em se tratando de Micaela.
— Entendi. Que horas ela sai para a faculdade?
— Sete e meia. Pode deixar suas coisas nesse armário – indicou Mariana.
– Ali é o banheiro dos funcionários, pode ser usado os banheiros do piso
inferior também. Aqui nessas sacolas estão as roupas que Júlia pediu que use.
Eu acho que acertei seu tamanho, mas qualquer coisa podemos trocar. O
calçado é que fiquei em dúvida.
Hadassa pegou uma das sacolas para conferir o conteúdo. Três camisas e
três calças, ambas pretas e um sapato estilo Oxford, também preto. A
numeração, de fato, estava errada.
— Eu calço trinta e nove – informou ao ver a numeração trinta e sete. –
Meu pé acompanhou o crescimento do corpo – gracejou.
— Já vou providenciar a troca agora de manhã. Prove as roupas.
Qualquer coisa já ajeitamos tudo hoje.
Hadassa concordou com um aceno e pegou uma troca, indo para o
banheiro. Em poucos minutos estava de volta à sala.
— Eu posso subir as mangas? Está calor.
— Claro, sem problemas. Vamos? O café da manhã já está servido na
cozinha, e vou ver se Micaela vai para a faculdade.
Hadassa seguiu Mariana para a casa e logo que entrou, enxergou outros
dois funcionários já acomodados na mesa, tomando café. Os cumprimentou e
sentou-se observando Mariana se afastar pelo corredor, dentro da casa.
— Bom, Hadassa, aqui tem café, pão, manteiga, queijo, fique à vontade,
viu?! – exortou Nicéia – Qualquer coisa, se tiver fome durante o intervalo das
refeições, ou quando chegar fora do horário, por causa das saídas da Micaela,
é só vim aqui e falar comigo, se estiver por aqui, ou se vira. Abre geladeira,
as panelas. Aqui não em frescura!
— Obrigada! – agradeceu ao pegar uma xícara e se servir com café. – Eu
não vou comer agora porque já comi antes de sair de casa. Vou ficar só no
café mesmo.
— É que primeiro dia não tem como saber o funcionamento da casa, mas
nem precisa se preocupar, café da manhã aqui é servido sempre – reforçou
uma mulher, de aproximadamente trinta anos. – Meu nome é Camila.
Trabalho na arrumação da casa.
— Prazer, Hadassa – respondeu simpática. – Bom saber, não preciso
comer pão amanhecido.
Hadassa passou os quinze minutos seguintes se enturmando com os
colegas, antes que Mariana retornasse, chamando-a para a sala. Assim que
entrou, já enxergou Júlia, sentada em uma poltrona confortavelmente
enrolada em um roupão. Desejou bom dia sem se aproximar.
A atriz respondeu, com seu habitual sorriso no rosto, sempre mais fácil
quando a segurança estava presente. Indicou a poltrona ao lado para que ela
se sentasse e observou seu visual, aprovando a escolha de Micaela.
— Bom, Hadassa, daqui a pouco Micaela desce, eu já falei com o reitor
da faculdade, que você ficará por perto, esperando-a nas aulas. A única
imposição dele é de que não porte arma dentro da instituição, e foi uma coisa
que pensei depois, você não anda armada, não é?
— Eu tenho porte de arma, em alguns dos trabalhos pedem para usar, mas
eu acredito que com Micaela não será necessário. Não existe uma ameaça à
vida dela.
— Fico aliviada, de qualquer forma, me veio o questionamento: como vai
protegê-la se algum homem, por exemplo, procurar algum tipo de confusão?
— Conheço autodefesa. Sou faixa preta em Muay thai, também treinei,
por muito tempo, Krav Maga. Comecei a treinar ainda criança, parei depois...
Depois do ocorrido.
— São muitos anos então – comentou Júlia encarando seus olhos. – Fico
aliviada. Micaela tem o motorista, ele vai levá-las até a faculdade. Como
disse antes, qualquer coisa me informe de imediato. Esse é meu telefone
pessoal, o de baixo é o de Mariana – finalizou entregando o cartão para
Hadassa.
— Fique despreocupada, Júlia. Irei cuidar de Micaela.
— Sinceramente, estou preocupada com você – deu um riso discreto. –
Sei que fará um bom trabalho.
Hadassa ia responder a atriz, mas foi interrompida por Micaela, que
descia as escadas.
— Bom dia Hadassa! Pronta para passar o dia comigo? – perguntou a
jovem se aproximando. – Depois da faculdade eu vou para casa de Alexia,
vamos fazer uma reunião com as meninas na piscina. Vai se divertir, tenho
certeza! – finalizou intentando dar um beijo em seu rosto.
Hadassa recuou um passo para trás, para evitar o contato. Colocou as
mãos atrás da costa, acenando na direção da jovem com a cabeça.
— Ficarei à disposição pelo tempo que precisar – respondeu,
polidamente, encarando-a.
Júlia deixou o sorriso permear seus lábios, enquanto via a filha ficar sem
reação por um segundo.
— Se comporte, Micaela – pediu ao se levantar.
— Detesto gente careta! – a jovem revirou os olhos. – Teremos muito
tempo para resolver isso – concluiu ao se afastar em direção a porta.
Hadassa ainda se virou para a atriz e meneou a cabeça, para sair em
seguida, acompanhando Micaela. Júlia mordeu o lábio inferior, ao se dar
conta de que realmente estava certa. A segurança não abaixaria a cabeça para
Micaela e não se renderia aos seus caprichos.
— Júlia?
A atriz se virou para Mariana, ainda sorrindo. Mordeu o lábio inferior e
arqueou uma sobrancelha.
— Vamos começar o nosso dia, não é?!
Capítulo 05
A faculdade onde Micaela estudava ficava a quinze minutos da casa.
Hadassa foi no banco da frente, conversando com o motorista, enquanto a
jovem ia concentrada na tela do celular. A segurança tentou manter a atenção
no homem e trânsito, mas os olhos furtivos sempre iam para o retrovisor,
observar a loira sentada no banco detrás. Micaela parecia extremamente
atenta a algo importante, mas se fosse dar um palpite, certamente falaria que
ela estava vendo alguma coisa relacionado a vida das celebridades ou
escolhendo alguma coisa para comprar. Deu discreto sorriso e olhou
novamente, observando sua beleza. Uma boneca de porcelana.
O carro parou na frente da faculdade e Hadassa desceu, já abrindo a porta
para Micaela. A loira saiu, ainda olhando para o celular. Hadassa manteve a
porta aberta, ao ver que ela tinha deixado a bolsa para trás, claramente
indicando que ela deveria pegar.
— Está esquecendo sua bolsa, Micaela – sinalizou.
— Pega pra mim, por favor?
— É melhor que você continue com sua mesma rotina. Estou aqui para
lhe proteger, não para carregar suas coisas.
Micaela apenas se virou e encarou a morena, arqueando uma sobrancelha.
Hadassa permaneceu séria, observando a jovem, esperando-a pegar suas
coisas. A loira deu um sorrisinho incrédulo e se aproximou do carro. Se
abaixou e pegou a bolsa encarando a segurança.
— Ok, Hadassa. Me desculpe minha falta de tato – riu irônica.
Hadassa se limitou a olhar a jovem e fechar a porta, seguindo-a para
dentro da instituição. Micaela passou pela catraca, e a segurança foi na
recepção, informar sua permanecia ali.
— O reitor já nos deixou avisadas – informou a recepcionista, com um
sorriso simpático. – Maya Hadassa, certo?
— Isso mesmo.
— Esse é seu acesso.
— Obrigada. Qual a sala de Micaela Albuquerque?
— É a trinta e cinco, no terceiro andar. Turma de jornalismo.
Hadassa agradeceu com a cabeça e seguiu para o local indicado. A porta
estava aberta e logo enxergou a loira em uma das cadeiras mais à frente.
Colocou a cabeça dentro da sala, apenas para verificar outras saídas que não a
principal. Havia apenas uma saída de emergência no fundo da sala e seguiu
até ela.
— Vai assistir minha aula também, Hadassa? – perguntou Micaela em
alto e bom tom.
A segurança não respondeu. Continuou seu trajeto até o local e testou a
saída. No outro corredor, descobriu que fazia acesso ao corredor principal das
salas. Andou até ele e descobriu, perto da janela, um lugar de onde poderia
ter boa visão das duas saídas. Retornou para a sala pela porta de incêndio e a
fechou por dentro. O professor já estava presente, mas não se preocupou em
falar com ele.
— Qualquer coisa estarei no encontro dos dois corredores, perto da
janela. Boa aula, Micaela.
A jovem estava com a má-criação na ponta da língua, mas não teve tempo
de proferir, antes que a segurança se afastasse com uma piscadinha.
— Filha da puta! – exclamou a jovem com raiva. – Meu plano era sair
pela saída aqui atrás. Nem isso vou conseguir.
— Você acha que ela é burra? – perguntou Liliane ao seu lado. – Ela é
segurança treinada, não alguém sem noção do que está fazendo.
— Eu vou pensar em algo, só preciso de tempo.
Micaela voltou a prestar atenção na aula, mas não estava, de fato,
prestando atenção no que era dito. A mente começou a confabular uma nova
maneira de conseguir se livrar de Hadassa naquela manhã.
A segurança estava próxima a janela, observando os poucos jovens que
andavam pelos corredores. A manhã se arrastava enquanto a hora no relógio
teimava em não passar. Na hora do intervalo, os jovens começaram a sair aos
montes, mas permaneceu no mesmo lugar, esperando Micaela sair. Observou
a amiga morena dela, que saia com outra menina, que usava um boné e uma
blusa de moletom. Não conseguiu segurar o riso ao perceber que Micaela
estava tentando sair disfarçada.
— Eu mereço! – suspirou, divertida.
Hadassa seguiu as jovens pelo corredor até as escadas, que levariam para
o pátio. Somente ali, Micaela se virou para trás e a enxergou. A feição
matreira da segurança apenas a irritou ainda mais. Tirou o boné com raiva e
se virou para a morena.
— É sério isso?!
— Não sei, me diga você. É sério mesmo que achou que eu já não vi
quais são as pessoas que você conversa, a calça que está usando, a sandália?
Achou mesmo que eu não ia perceber seu cabelo loiro embaixo do boné?
Micaela ficou ainda mais irritada ao perceber como fora ingênua ao
cogitar que Hadassa não veria aqueles detalhes. Retomou a descida para o
pátio, ao mesmo tempo em que pegava o celular na bolsa.
— Oi pai, desculpa ligar agora, nem sei qual é o horário aí.
— Está tudo bem – respondeu Alberto do outro lado da linha. – Agora é
três da tarde aqui, estou no hotel descansando um pouco, antes de voltar a me
reunir com a equipe. Algum problema, minha princesa?
— A mãe, pai! Você acredita que agora ela colocou uma segurança para
me seguir? Não posso dar um passo que essa mulher está atrás de mim!
— Tenho certeza que é para a sua segurança, sua mãe não ia tomar uma
atitude impensada assim.
— Mas eu não quero, pai! Isso tira completamente minha liberdade! Fala
com ela pra deixar Hadassa com ela então, não comigo!
— Eu vou conversar com ela, não se preocupe. Como você está, minha
linda?
— Tirando isso, eu estou bem.
— Precisa de algo? Ainda está com dinheiro? Não sei, qualquer coisa.
— Estou bem, pai. Só não vejo a hora de me livrar disso.
— Eu vou resolver, tá bom? Agora eu tenho que ir. Qualquer coisa me
liga.
Micaela se despediu do pai e se virou, para enxergar Hadassa mais
afastada, mas claramente analisando as pessoas ao seu redor. Tinha certeza
que o pai tiraria aquela sombra do seu pé.

Júlia estava sendo maquiada para a gravação das últimas cenas quando
Mariana se aproximou com o celular que tocava em sua mão. Pegou o
aparelho e abriu um sorriso ao ver que era o marido.
— Alberto, finalmente resolveu me ligar?
— Oi amor. Você sabe que está corrido aqui. Quero saber que história é
essa de ter colocado uma segurança com Micaela.
— Ela já foi reclamar com você? Era preciso. Micaela está
completamente fora de controle, indo a festas, andando com pessoas
estranhas, provocando escândalos. Com uma segurança, ao menos, ela para
um pouco.
— Você sabe que isso invade completamente a privacidade dela, não é?
— Eu sei, mas enquanto ela não começar a se comportar, não vou tirar
Hadassa de perto dela.
— Meu amor, não está sendo radical? Micaela é só uma adolescente!
— Você diz isso porque não passa muito tempo com ela. Se visse as
barbaridades que ela faz e fala, concordaria comigo. É uma decisão da qual
não vou voltar atrás, Alberto. Hadassa é uma boa pessoa, muito bem indicada
por Mário. Ela vai permanecer no trabalho.
— Ok. Eu vou para Londres na próxima sexta, fico dois dias para
atualizar a redação, depois volto para casa. Conversamos sobre isso quando
eu voltar.
— Tudo bem. E como você está? Está em um lugar seguro?
— O país, em si, não está seguro. Muitos conflitos, os grupos opositores
ao governo continuam fazendo uma frente forte de resistência. Os Estados
Unidos...
Júlia ficou por um tempo conversando sobre o trabalho do marido e
colhendo informações dos conflitos que se sucediam desde dois mil e onze.
Dez minutos depois se despediram e a atriz deu um suspiro, encarando-se no
espelho. Tinha grande medo de algo acontecesse com Alberto lá, e ele corria
vários riscos: desde ficar no meio do fogo cruzado ou se tornar um
prisioneiro de guerra. Não via a hora de que ele estivesse de novo em casa.
Enquanto a maquiadora retornava a fazer seu trabalho, Júlia ficou em
silêncio, pensando na ligação do marido, questionando-a sobre Hadassa.
Micaela devia estar fazendo de tudo para dificultar seu trabalho. Tornou a
pegar o celular, dispensado sobre a penteadeira, e intentou ligar para a filha,
mas mudou de ideia.
— Mariana – chamou. Logo a assessora estava ao seu lado. – Tem o
telefone da Hadassa?
— Tenho. Quer que eu ligue pra ela?
— Não. Me manda o contato no whatsapp.
Mariana concordou com um aceno e logo passou a mensagem. Júlia
salvou no celular e pediu um minuto para maquiadora. A profissional se
afastou e a atriz se levantou, saindo do camarim, enquanto o telefone tocava
duas vezes.
— Alô? – atendeu a segurança.
— Oi, Hadassa, é Júlia. Acho que não salvou meu número, não é? –
perguntou ao se apoiar na parede do corredor vazio.
— Não, mas estou com seu número comigo.
— Bom. Esse é meu whatsapp também. Qualquer coisa é só mandar
mensagem nele, ou me ligar, se preferir. Só não vou atender se estiver em
gravação.
Do outro lado da linha, Hadassa apenas entortou a cabeça levemente,
estranhando a disponibilidade da atriz. Não deixou que sua estranheza
ecoasse na resposta.
— Farei isso, caso tenha algum problema. Aliás, algum problema?
— Não, nenhum – Júlia respondeu passando a mão no cabelo. – Quer
dizer, Alberto me ligou porque Micaela entrou em contato com ele. Como ela
está? Te dando muito trabalho?
— Ela só tentou me enganar para sair disfarçada da faculdade, mas eu a
enxerguei. Acho que foi por isso que ficou irritada.
— Não acredito! – riu Júlia. – Como ela saiu disfarçada?
— Colocou um boné para disfarçar o cabelo, um agasalho de algum
colega.
— Só Micaela mesmo! Não sei como consegui criar uma filha tão...
Intensa. Aliás, você sabe. Me disse isso.
— Não deveria ter soado de maneira tão grosseira.
— Gostei que tenha me falado, aliás foi por isso que te contratei. Eu
deleguei muitas coisas a outras pessoas na criação dela. Duas babás sempre,
funcionários a todo momento enquanto eu estava em gravações pelo Brasil.
Alberto também sempre viajando. Falhamos e admito que falhei.
— Não se julgue tanto. Não existe pais perfeitos. São errados quando não
dispensam muita atenção, são errados quando grudam demais. A rebeldia da
adolescência virá por qualquer um dos dois comportamentos.
— Sim. Você é muito ligada à sua filha?
Hadassa se encostou contra o vidro, ainda atenta as duas saídas da sala,
mas mais atenta a conversa do telefone.
— Eu sou muito ligada a Isabela sim – respondeu com um sorriso. – Ela é
minha vida.
— Me manda uma foto dela?
— Mando. Espera.
Hadassa tirou o telefone da orelha e acessou sua galeria de fotos.
Escolheu uma da filha, vestida para uma apresentação da escola. Enviou para
a atriz e tornou a falar com ela.
— Mandei.
— Ah, recebi. Deixa eu ver a carinha dela.
Júlia acionou o viva voz por poucos segundos, enquanto via a garotinha
ruiva, completamente diferente da mãe. Certamente deveria se parecer com a
esposa falecida e foi isso que questionou em seguida.
— Ela é muito linda! Parece com sua esposa?
— Parece. Ela é tão linda quanto a mãe.
— É realmente muito lindinha! Já fez book dela?
— Não. Nunca nem pensei sobre isso.
— É uma boa. Ela é linda demais. Tenho certeza que ficaria incrível uma
sessão de fotos com ela. Se quiser, conheço alguns fotógrafos. Mesmo que
não queira colocar no meio artístico, é legal para guardar de recordação e...
— Júlia, estamos em cima da hora – anunciou Mariana ao aparecer na
porta.
A atriz apenas concordou com a cabeça e esperou que a assessora
sumisse, antes de retornar ao telefone.
— Bom, eu tenho que voltar. Pense sobre um book pra ela: posso ajeitar
tudo.
— Vou pensar – afirmou Hadassa. – Vai gravar agora? – perguntou,
impulsivamente.
— Vou. Algumas cenas em estúdio.
— Boa gravação então.
— Obrigada. Até mais tarde!
— Até.
Júlia desligou o celular e não conseguiu conter o sorriso no rosto, ao
pensar em como a voz de Hadassa era ainda mais gostosa por telefone. Ainda
ajeitou a roupa e o cabelo, antes de retornar para o camarim.
— Estava falando com Hadassa? Algum problema?
— Não, nenhum – sorriu. – Vamos terminar a maquiagem?
A maquiadora concordou e voltou a ocupar o mesmo lugar de antes, sob o
olhar de Mariana. Apesar de ser sempre educada com todos os funcionários,
era a primeira vez que via Júlia pegar o telefone e ligar diretamente para um
deles e não lhe relatar o problema. Talvez por ser a primeira segurança que
ficava diretamente ligada a Micaela, mas sentiu, bem no fundo da mente um
alarme apitar devido ao sorriso fácil em seus lábios.

Hadassa desligou o telefone e o guardou no bolso da calça, enquanto


tentava entender aquela conversa tão amigável e despretensiosa. Era a
segunda vez que uma contratante lhe ligava para jogar conversa fora. A
primeira vez fora com Rebeca, chefe do RH da empresa onde havia prestado
serviços de segurança, quando tinha vinte e seis anos. No primeiro
telefonema, tinha ficado confusa com sua atenção, já que na época, Rebeca já
estava com trinta e cinco anos e comandava todo o RH da empresa. Ela
própria, com uma namorada de dezoito anos, focada em seus estudos. Entre o
primeiro telefonema e o primeiro encontro, haviam se passado duas semanas.
Não havia ficado com ela naquele dia, mas enquanto conversavam, soube que
aquela era a mulher com quem queria dividir seus dias. Terminou com
Tâmila, na semana seguinte, e na outra, provou, pela primeira vez os lábios
da ruiva, dona de um sorriso cativante.
O coração se apertou o peito com as lembranças. Suspirou fundo e tratou
de afastá-las, enquanto fazia a mente retornar para Júlia. Chegou à conclusão
de que estava sendo uma tola: a atriz era inalcançável, na mesma proporção
de quando a via nas novelas que Rebeca gostava de assistir. “Abaixa a bola,
Hadassa. A mulher só queria conversar” pensou. E mesmo por um acaso
impensável da vida, de que Júlia a estivesse sondando, tinha certeza de que
sua capacidade de amar outra pessoa, tinha morrido junto com Rebeca.
Capítulo 06
Os alunos começaram a sair das salas às onze e quarenta. Hadassa ficou
em alerta, caso Micaela resolvesse fugir mais uma vez, mas a
adolescente saiu ao lado da amiga, ainda se virando para enxergá-la. A
segurança seguiu-a para as escadas e logo estavam no pátio da instituição. A
jovem parou em uma roda com alguns amigos e começaram a conversar e rir
animados. Hadassa manteve distância, mas sempre atenta ao que Micaela
fazia. Quinze minutos depois, ela se desvencilhou do grupo, indo em sua
direção.
— Eu vou pra casa da Alexia, que estuda comigo. Ela é filha de um
político aqui da cidade, prima da filha do prefeito. Tem bastante seguranças
na casa, então, se quiser ir embora, pode ir.
— Você sabe que não posso te deixar sozinha, não é?
— Nós não vamos fazer nada demais lá, não precisa se preocupar.
— Estou preocupada com o meu trabalho – respondeu Hadassa com
sinceridade. – Eu vou ficar te esperando, mesmo que seja pelo lado de fora.
— Você quem sabe! – deu ombros, se afastando.
Micaela voltou para o grupo e conversaram por mais alguns minutos,
antes de se dirigirem para a saída. Hadassa se aproximou ao ver a jovem, e
mais duas amigas, irem para o carro onde o motorista já esperava. Abriu a
porta para que elas pudessem entrar e sentou-se no banco da frente.
— Na casa da Alexia, Ismael – anunciou Micaela.
Hadassa foi o caminho todo em silêncio, devido ao barulho que as garotas
faziam no banco detrás, conversando alto. Assim que o carro embicou na
suntuosa mansão, percebeu que ele estacionaria dentro. Um carro já seguia o
caminho de pedras até a entrada principal e outro vinha logo atrás. Quando
estacionaram na frente da casa, as garotas desceram rapidamente, entrando na
casa, enquanto Hadassa se limitou a encostar no veículo, chegando à
conclusão de que deveria carregar uma bolsa com alguns lanches. Ismael
também desceu, indo para perto da segurança.
— Isso é toda semana – ele comentou se encostando ao seu lado. – É
sempre certeza que vão se reunir em alguma das casas para uma tarde de
Deus-sabe-o-quê.
— É tedioso não fazer nada – suspirou. – Nem comi nada ainda.
— Não se preocupa, logo uma das meninas, que trabalha na casa, traz
alguma coisa pra gente. Elas sempre servem algo para os motoristas e
seguranças que ficam aqui esperando as dondocas se divertirem. Hoje tem
poucos. Acho que só parte do clube seleto que veio.
— É outra vida, não é? Motorista e segurança esperando enquanto tomam
banho de piscina.
— É. Sabe de quem é essa casa? – perguntou o homem se virando para
ela.
— Não.
— Do filho do governador, Alexia é neta do governador e sobrinha do
prefeito.
— Já prestei serviços pra eles. A última foi a festa de aniversário de
Raíssa.
— São primas. Daqui a pouco ela chega. Vivem juntas.
— Faz tempo que trabalha com a família?
Alguns minutos se passaram enquanto Ismael e Hadassa entabulavam
uma conversa. Em pouco tempo, outro homem, segurança da casa, se
aproximou e se apresentaram, travando uma conversa entre os três. Como o
motorista havia dito, uma hora depois apareceu uma moça, de
aproximadamente trinta anos, informando que um café estava servido para
eles no corredor lateral. Hadassa agradeceu e seguiu para o lugar indicado
junto com Ismael e enxergou um jardim imenso, bem cuidado e a quadra de
futebol ao lado. Uma mesa com café estava disposta sobre uma das
coberturas, onde certamente, era o lugar da plateia dos jogos que aconteciam
ali. A morena aproveitou tudo o que estava disponível e comeu o suficiente
para matar a fome. Estava terminando o suco, e falando sobre o seu trabalho
para Ismael, quando um segurança e uma garota, usando biquini, apareceram
apressados.
— Você é a segurança da Mic, não é? Ela está passando mal!
Hadassa nada respondeu. Se colocou de pé e começou a correr atrás do
segurança, de volta ao lugar onde ficava localizada a piscina. A segurança,
imediatamente viu Micaela debruçada sobre uma espreguiçadeira e as amigas
ao redor.
— O que aconteceu com ela? – perguntou se virando para o segurança.
— Ela estava conversando com as meninas normalmente, a Luciana
trouxe sorvete pra elas e alguns doces e ela estava comendo, quando começou
a passar mal.
Hadassa pegou Micaela e a colocou deitada na espreguiçadeira e logo
percebeu sua dificuldade de respirar.
— Abre a boca pra mim, Micaela, e coloca a língua para fora.
A jovem abriu e colocou um pouco da língua para fora, mas foi o
suficiente para que Hadassa entendesse o problema.
— Você tem alergia a amendoim?
Micaela balançou a cabeça em sentido positivo. Hadassa pegou a taça de
sorvete do lado e pegou um pouco com o dedo, conferindo o conteúdo.
— Um roupão, por favor, temos que levar ela para um hospital antes que
comece a fechar a garganta de tudo.
Uma garota logo estendeu um roupão para Hadassa que tratou de enrolar
Micaela. Pegou-a no colo e levou-a para o carro, com Ismael ao seu lado. Em
questão de segundos estavam saindo da casa.
— Olha pra mim, Micaela, tenta respirar devagar. Logo vai passar esse
inchaço na garganta.
A jovem não respondeu nem com aceno. Encostou a cabeça contra
Hadassa que ia apoiando-a com seu corpo, tentando respirar. Em cinco
minutos Ismael parava o carro na frente de uma emergência. Outra vez a
segurança pegou-a e levou para dentro do prédio.
— Aqui! Por favor, aqui! – chamou uma enfermeira. – Ela tem alergia a
amendoim. Ingeriu sorvete que tem amendoim granulado.
— Coloque ela aqui – pediu a enfermeira já chamando uma colega de
profissão. – Fique aqui e faça a ficha dela. Já vamos levá-la ao médico.
Hadassa concordou com um aceno e ainda ficou olhando a maca se
afastar com as duas enfermeiras andando apressadas. Se virou para Ismael ao
seu lado e passou a mão na cabeça, respirando fundo.
— Senhora, por favor, você está com os documentos da jovem?
— Não. A bolsa dela – lembrou em voz alta que tinha ficado na casa de
Alexia. – Ela é Micaela Albuquerque, filha de Júlia Albuquerque, a atriz. Eu
vou fazer uma ligação e já arrumo isso.
Hadassa pegou o telefone do bolso e a carteira do bolso de trás, para
pegar o cartão que havia recebido naquela manhã. Enxergou o número de
Júlia, mas preferiu ligar para Mariana.
— Oi Hadassa! – cumprimentou a assessora, simpática.
— Júlia está gravando?
— Sim, hoje ela tem gravação o dia todo.
— Micaela passou mal, uma reação alérgica a amendoim. Estou com ela
no hospital... Qual o nome desse hospital? – perguntou para a funcionária que
lhe informou de imediato. – Hospital da Luz.
— Não é charme dela?
— Não. Minha irmã tem alergia a amendoim, eu sei que ela não está
fingindo. Está com o médico agora.
— Eu vou falar com Júlia, já te retorno.
Hadassa desligou o celular e pediu que Ismael fosse buscar a bolsa de
Micaela na casa de onde tinham saído. Assim que ele saiu, se virou para a
recepcionista.
— Não se preocupe, já puxei a ficha dela pelo sistema, pois tudo é
eletrônico, e assim que os documentos estiverem aqui, eu finalizo a entrada.
Bebe uma água, um chá para se acalmar.
Hadassa concordou com a cabeça e foi até o bebedouro em um canto.
Tomou um copo de água e esticou a mão à frente, percebendo que estava
tremendo. Abriu e fechou ambas as mãos, várias vezes, respirando fundo. A
enfermeira que havia conversado, em primeiro momento, tornou a aparecer e
caminhou até ela.
— Como Micaela está?
— O médico já a medicou, de acordo com o histórico dela. A respiração
já está melhor, o inchaço vai começar a diminuir em breve. Se quiser, pode ir
ficar com ela.
— Mas e os documentos dela? – perguntou se virando para a
recepcionista.
— Assim que o rapaz chegar, eu já pego com ele. É o mesmo que estava
com você, certo?
— Isso mesmo.
— Só me dá um documento seu para te registrar como acompanhante.
Hadassa pegou a identidade na carteira e em questão de minutos, um
crachá de acompanhante lhe foi direcionado, junto com seu documento.
Seguiu a enfermeira para o interior do hospital e ela parou em frente a cortina
de um box. Abriu para enxergar a loira deitada sobre a cama, com um acesso
no braço ligado ao soro.
A segurança se aproximou e a observou atentamente. A tez abatida levava
para longe a imagem glamourizada e prepotente que tinha de Micaela. Sem
maquiagem, vermelha e com o rosto levemente inchado, parecia frágil,
desprotegida. Foi naquele momento que Hadassa sentiu uma onda de carinho
pela jovem e culpa pelo que tinha acontecido. Não tinha conseguido protegê-
la. Puxou a poltrona ao lado para mais perto e se sentou. Pegou sua mão e
ficou fazendo delicados carinhos por um longo tempo até sentir seu celular
vibrar.
— Oi Mariana.
— Como Micaela está, Hadassa? – perguntou Júlia, aflita.
— Ela está dormindo agora. Foi medicada, já está respirando bem. O
inchaço quase sumiu por completo. Vocês já estão vindo?
— Não posso sair do centro de gravação agora. Impossível.
— Eu estou com ela, fique tranquila que não vou sair do seu lado.
— Obrigada, Hadassa. Me mantenha informada, por favor?
— Mantenho, pode deixar.
— Eu tenho que entrar em cena agora. Qualquer coisa fale com Mariana,
por favor!
Hadassa ainda concordou com a atriz mais uma vez antes de desligar o
celular. Tornou a olhar para a cama, enxergando Micaela de olhos abertos. Se
aproximou com um sorriso, se inclinando a ela.
— Como você está?
— Horrível! Parece que tem um saco no meu pescoço. Minha mãe está
vindo?
— Ela está em gravação, não pode sair agora, mas eu vou ficar aqui o
tempo todo com você.
Micaela balançou a cabeça em sentido positivo, dando ombros em
seguida. Hadassa percebeu a chateação que a jovem sentia.
— Ela nunca está mesmo – respondeu Micaela. – Quando der seu horário
também, pode ir. Não precisa ficar aqui por minha causa.
— Não vou sair daqui, tá bom? Você também não vai ficar muito mais
tempo. É só se estabilizar por completo e vamos pra casa.
— Você não vai perder seu emprego por isso. Fique tranquila!
— Eu não estou preocupada com o meu trabalho agora. Estou preocupada
com você.
Micaela sorriu e pegou a mão de Hadassa, apertando-a levemente. Se
virou para ela, encarando seus olhos que transpareciam preocupação genuína
e ficou fazendo carinho na mão da segurança, ainda na sua.
— Isso não foi proposital, tá? Eu estava tão aérea que nem percebi que o
sorvete era de amendoim.
— Eu sei que não. Minha irmã tem alergia também. Já tive que socorrer
ela por duas vezes e conheço os sintomas. Sei que não é maluca de se colocar
em risco.
— Que idade tem sua irmã?
— Vinte e cinco.
— Legal. Eu queria ter uma irmã, mas meus pais resolveram ter só um.
Pelo menos teria alguém para me fazer companhia.
— Você se sente muito sozinha?
— Nem sei, sabia? Eu tenho um monte de gente ao meu redor o tempo
todo, mas é como se faltasse alguma coisa.
— Entendo.
— Às vezes sinto que não me encaixo em nenhum lugar. Não faço nada
para ser conhecida por quem eu sou. Em todo lugar eu sou a filha de Júlia
Albuquerque e Alberto Caloni. Aposto que foi isso que disse quando alguém
perguntou meu nome. Essa é Micaela, filha da atriz.
Hadassa deu um sorriso desconcertado e olhou para a mão, que ainda
recebia carícias da jovem. Deixou que seus dedos também começassem a
acariciar a pele delicada.
— Sim, eu disse isso. Me desculpe.
— Não tem que se desculpar. Acaba que eu estou me acostumando com
isso. É um estigma que carrego.
— Por que não faz algo por você? Escolhe alguma profissão com a qual
se identifique e se dedica a ela. É só meu primeiro dia, mas percebi que não
gosta de jornalismo.
— Não mesmo. Eu gostava de cozinhar quando era pequena. Vivia na
cozinha com os empregados. Depois que fui crescendo, perdi um pouco o
encanto. Meu pai vivia me dizendo que não era meu lugar, que poderia fazer
qualquer outra coisa.
— Existem muitas chefs com carreiras impressionantes. Tipo aquela que
apresenta aquela competição, sabe?
— Sei. Ela é jurada.
— Isso.
— Nunca chegaria nem aos pés de uma Paola na cozinha – riu Micaela.
— Nunca se sabe, se não tentar. Além do mais, eu sempre digo, tanto
para Ranellory e para Isabela que não importa se vai ser a melhor. O
importante é que esteja feliz com o que está fazendo.
— Não é tão simples como parece. Você não tem ideia da pressão que é
ter pais como os meus. Tem que ser perfeita em tudo porque eles são
perfeitos em tudo. Quem são Ranellory e Isabela?
— Rane, minha irmã. Isabela é minha filha.
— Você tem uma filha? Caramba! Pensei que fosse lésbica, sei lá, seu
jeito – riu.
— E eu sou. Fiz inseminação com minha esposa.
— Ah, você é casada, então.
— Viúva.
— Nossa! Sinto muito!
— Obrigada. Mas vamos voltar ao seu dilema pessoal de garota filha de
dois grandes nomes da tevê. Me conta mais como sobre como é ter todo esse
peso.
Micaela sorriu para Hadassa e se ajeitou na cama, conversando sobre o
que sentia. A segurança demonstrou total interesse no que era dito pela
jovem, o que fez com que se sentisse à vontade para se abrir. As mãos
continuaram unidas, e só se separaram quando a cortina foi aberta e Mariana
apareceu ao lado do médico.
— Ah Mic! Como você está? – perguntou se aproximando da cama.
Hadassa se afastou e ficou rente a entrada do box.
— Agora estou melhor. Uma droga de sorvete para acabar com minha
tarde com as meninas na piscina!
Hadassa sorriu ao ver que até o tom de voz doce, que Micaela mantinha
na conversa de minutos antes, tinha mudado para um mais estridente e
esnobe. Percebeu que ela tinha vestido sua armadura novamente.
— Sua mãe não pôde sair do estúdio, mas o que precisar, eu estou aqui.
— Só quero saber a hora que posso ir embora. Devo estar horrorosa com
essa cara inchada e sem maquiagem!
— Já vou fazer sua liberação – anunciou o médico. – Basta tomar o
remédio em casa e amanhã estará nova em folha.
A segurança ainda permaneceu presente enquanto os procedimentos de
alta eram feitos. Saiu completamente quando Micaela se levantou, depois de
tirar o acesso, para trocar de roupa. Minutos depois já estavam saindo em
direção ao veículo e alguns fotógrafos estavam na frente, esperando sua
saída. Hadassa a abraçou, escondendo seu rosto contra seu colo, enquanto ia
até o carro.
Já na propriedade, Micaela desembarcou e entrou na casa. Hadassa seguiu
atrás, carregando sua bolsa e depositou-a sobre um aparador. Micaela parou
no pé da escada e se virou para a segurança.
— Obrigada por tudo hoje, Hadassa – agradeceu se aproximando.
Diferente da manhã, a segurança permitiu a aproximação. – Valeu por ter
ficado comigo lá.
— Não tem que me agradecer. Espero que esteja completamente bem
amanhã.
— Estarei.
Hadassa sentiu os braços de Micaela passarem em sua cintura e a
envolveu de volta, em um abraço carinhoso. Deu um beijo em seus cabelos,
antes de se afastar e fitar seu rosto, com um sorriso nos lábios.
— Descanse, ok?
A jovem apenas concordou com a cabeça e pegou a bolsa tomando outra
vez a direção da escada. Hadassa ainda a olhou por mais um segundo, antes
de consultar o relógio no pulso.
— A pessoa que fará a segurança dela a noite, já chegou? – perguntou
para Mariana ao seu lado.
— Já veio, mas pedi para dispensar por hoje. Ela não vai sair do que jeito
que está. Pode ir para casa.
— Se precisarem de mim, basta me ligar. Até amanhã, Mariana –
Hadassa se despediu, polidamente.
Mariana ainda ficou olhando a segurança se afastar para a área dos
funcionários e tornou a olhar para a escada. “O que está acontecendo?”.
Capítulo 07
Hadassa chegou em casa já ia dar sete horas da noite. Isabela estava na
sala, assistindo um desenho pelo celular de Ranellory e a irmã estava na
cozinha, preparando o jantar. Deu um beijo na filha e fez carinhos em seu
cabelo, sem conseguir desviar a atenção da pequena da tela, e seguiu atrás de
um copo de água.
— E aí? Como foi seu primeiro dia?
— Menos tenso do que imaginava – respondeu com sinceridade. – Achei
que Micaela me daria mais trabalho.
— Ela não fez nada?
— Tentou sair disfarçada, foi parar numa emergência médica por causa
de uma reação alérgica igual as que tem. Deixei ela em casa e vim embora.
— E de resto, tudo bem?
— Tudo sim. Como foi o dia de vocês?
— Tranquilo. Levei Isa na escolinha, ficamos brincando quando voltou.
Hoje deu trabalho pra acordar ela.
— Vou colocar ela na cama mais cedo hoje. Assim ela dorme bastante e
não dá trabalho amanhã.
— Relaxa, tá bom? Vai tomar seu banho que a janta está quase pronta.
Hadassa concordou e saiu da cozinha em direção ao quarto. Sentou na
beira da cama e pegou o retrato de Rebeca, observando-o por um longo
tempo, acariciando-o com as pontas dos dedos. Depois de um suspiro, tornou
a colocá-lo de volta no lugar e seguiu para o banheiro. Meia hora depois
estava colocando a comida da filha e levando para que ela pudesse jantar.
Serviu o próprio prato e sentou-se ao seu lado no chão, comendo enquanto
assistiam tevê.
O restante da noite passou em um clima ameno entre as três. Brincaram
com Isabela e, como havia dito para a irmã, levou a filha mais cedo para a
cama. Sentou-se ao seu lado e abriu a gaveta da mesa de cabeceira,
resgatando uma foto de Rebeca que tinha ali.
— A mamãe – falou direcionando a foto para a menina. – Você viu a foto
dela esses dias?
— Um pouco – respondeu Isabela olhando a foto. – Queria ela aqui.
Saber como ela é.
— Eu também queria, meu amor, mas eu tenho certeza que ela está
cuidando de você, de onde estiver.
— Por que ela não ficou para brincar comigo? Eu ia deixar ela pegar o
Totô – falou se referindo o cachorrinho de pelúcia que segurava.
— Eu sei que ia deixar. Se ela pudesse escolher, também estaria aqui,
com você.
— A Tati falou que eu não vou ver ela nunca, porque ela morreu e eu não
lembro.
— Um dia você vai ver ela sim. Em algum lugar diferente daqui, tenho
certeza que verá ela. Aí você mostra o Totô.
— Eu vou cuidar dele pra não ficar sujo até lá.
— Cuida sim, meu amor. Agora a gente tem que ir dormir, tá bom.
— Tá bom. Boa noite, mãe – falou ao beijar a foto de Rebeca.
Hadassa pegou a foto e guardou novamente, segurando o bolo na
garganta a todo custo. Ajeitou a filha na cama e se deitou ao seu lado, dando
delicados beijos em seus cabelos. Assim que a menina pegou no sono, foi
para a sala e se despediu de Ranellory. No próprio aposentou, ajeitou a
coberta e deitou, acariciando o lado vazio da cama. Em pouco tempo resvalou
para o sono.

Júlia chegou em casa e a primeira providência foi ir até o quarto da filha,


saber como ela estava. Deu duas batidas na porta e com a ausência de
resposta, testou a fechadura. Micaela dormia em sono profundo e se
aproximou, ajeitando seu edredom e depositando um beijo em seus cabelos.
Olhou ao lado a cartela de remédio usada e o copo de água pela metade. Deu
um sorriso e apagou a luz de cabeceira, saindo em seguida.
No próprio quarto, a atriz seguiu para o banheiro e colocou a hidro para
encher. Se despiu lentamente com os pensamentos avoados, sem se conectar
em algo específico. Colocou um roupão e saiu, indo para a sala em busca de
uma bebida. Serviu-se com uma dose de martini e voltou para o quarto,
mergulhando o corpo na água quente.
A mente trouxe os acontecimentos dos últimos dias, mas, diferente de
minutos antes, se concentrou em Hadassa. Começou a imaginar o baque que
tinha sido para ela a notícia de que a esposa tinha falecido. Em tese, deduziu
estavam vivendo um momento incrível com uma filha, planos de um futuro
que fora interrompido de maneira cruel e covarde. Não poderia, nunca,
mensurar a dor que sua segurança havia sentido.
Suspirou fundo, afastando aquela parte pesada de seus pensamentos.
Deixou a mente vagar nas poucas coisas que tinha para lembrar dela,
naqueles poucos dias. A primeira vez que a tinha visto, sua contratação, seu
primeiro dia de trabalho. Se questionou, por um momento, se não estava
dispensando atenção demais em uma funcionária. A resposta a qual chegou
era sim, estava, de fato, direcionando muita atenção a ela. No fundo sabia que
havia ficado impressionada com ela, sua força, coragem, sinceridade.
Hadassa não era apenas uma mulher bonita, era forte em todos os aspectos.
Tinha certeza de que ela não saia de algum lugar sem que ninguém notasse
sua presença.
Júlia também ponderou de que estava impressionada com ela. Já havia
sentido atração pelo mesmo sexo, mas era um segredo que guardava a sete
chaves. Era apenas uma bobagem da sua cabeça, que não daria em nada, em
nenhuma das vezes. Lembrou-se de quando fez o papel de uma lésbica na
televisão, em uma novela. Fez o laboratório necessário para a personagem,
mas no fundo sabia que estava externando sua vontade de ficar com outra
mulher. Sua personagem vivia o drama de conhecer sua própria sexualidade.
Júlia aprendeu com ela, cresceu com os dilemas dela, mas ao fim, sua
personagem tinha tido um final feliz enquanto ela estava decidida a levar um
prêmio por uma excelente atuação e nada mais.
A mão desceu pela pele enquanto tentava afastar os pensamentos de
Hadassa. Lembrou-se de Alberto, do casamento feliz que tinha ao lado do
marido. Tinham uma vida sexual satisfatória quando estavam juntos, se
entendiam sempre, não existia discussões. Em vinte e um anos de
relacionamento, tinha certeza que tinha escolhido o cara certo para amar. Ele
sempre era gentil com ela e com a filha, nunca havia se envolvido em
escândalos e nem guardava nenhum segredo. Não colocava senha no celular,
o que para ela já era o principal indicio de que ele não tinha nada a esconder.
Não que mexesse em sua privacidade, mas não fora uma e nem duas vezes
que ele pedia para que visse alguma coisa no aparelho ou atendesse alguma
ligação. Tinham um casamento feliz e perfeito, por esse motivo, seus desejos
pelo sexo feminino sempre eram enterrados. Não tinha motivos para dar
vazão a eles.
A mão se alojou no sexo e começou a estimulá-lo enquanto tentava
manter a imagem de Alberto na cabeça. A excitação aumentou um tom e
apertou o seio com a outra mão enquanto relembrava seus carinhos. O toque
delicado da sua mão na sua, sua voz rouca, aveludada, tão incomum em
mulheres. Pendeu a cabeça para trás enquanto lembrava de seus cabelos
negros e compridos, imaginando-os pela sua visão, enquanto o via no meio
das suas pernas em um oral. A mão acompanhou sua mente, que sentia a mão
de Alberto, com unhas curtas e pintadas de branco, que apertava seu seio,
enquanto o oral se tornava mais intenso. Não conteve um gemido ao sentir a
língua macia penetrando sua vagina e gozou, enxergando a tatuagem do seu
braço direito sobre sua barriga.

— Bom dia, Hadassa – cumprimentou Micaela se aproximando de


Hadassa, que já a esperava do lado de fora casa. – Você tem como me ajudar
lá em cima? É que eu deixei meu celular cair entre a cabeceira da cama e ela
é pesada para arrastar.
— Claro – concordou a segurança.
— Está tudo bem? – perguntou a jovem seguindo na frente.
— Sim, está sim. Melhorou da crise alérgica de ontem?
— Sim, cem por cento! – afirmou Micaela tomando a direção das
escadas. – Tomei o remédio ontem à noite e apaguei. Só acordei agora de
manhã.
— Quem bom! Eu fico feliz que esteja bem. Fique longe dos sorvetes de
amendoim – sorriu.
— Ficarei! Prometo que vou perguntar antes de comer!
Hadassa riu e entraram no corredor dos quartos. O quarto de Micaela
ficava no lado esquerdo e entrou, observando a disposição dos móveis e a
decoração de bom gosto.
— Aqui, ó – falou se aproximando da cabeceira da cama. – Eu deixei ele
carregando aqui, mas caiu durante a noite, ainda com o carregador, mas
quando fui puxar, soltou e ele caiu.
Hadassa assentiu e chegou perto do lugar que a jovem apontava. Se
inclinou e enxergou o vão entre o box da cama e a cabeceira acolchoada.
— Vai um pouquinho pra lá.
Micaela anuiu e se afastou. Ficou olhando enquanto Hadassa afastava a
cama e se inclinava sobre ela, para pegar o aparelho. Assim que a segurança
direcionou o celular a ela, se adiantou para pegá-lo. Hadassa tornou a
empurrar a cama para o lugar e Micaela se adiantou para abraçá-la.
— Obrigada! Salvou minha vida!
— Um celular não é sua vida – riu Hadassa retribuindo o abraço.
— Claro que é! Você não faz ideia!
Hadassa entrou em estado de alerta quando sentiu o beijo que a jovem
depositava em seu ombro. Se afastou para enxergar os olhos azuis que
brilhavam ao encará-la. Se desprendeu do olhar de Micaela quando escutou a
porta do quarto se abrindo.
— Mic, você não...
Júlia parou de falar ao ver a filha abraçada com a segurança na beira da
cama. Esqueceu-se completamente de que estava somente de lingerie e ficou
travada encarando-as por alguns segundos. Hadassa soltou Micaela e ficou
olhando, sem ação para a atriz, enquanto via as nuances de sua pele mudar de
cor.
— O que foi, mãe? – perguntou Micaela.
— Ah... Nada. Desculpe, já volto – disse, saindo em seguida.
Hadassa deu um pigarro, desconcertada, e tornou a olhar para Micaela.
— Eu te espero lá embaixo.
A jovem anuiu e observou a segurança sair do quarto. Deu um sorrisinho,
antes de sair também, tomando a direção do quarto da mãe. Não se deu ao
trabalho de bater na porta, apenas testou a fechadura e entrou.
— O que foi, mãe?
— O que Hadassa estava fazendo no seu quarto, a essa hora da manhã,
abraçada com você? – perguntou a atriz, que estava parada no meio do
aposento, vestida em um roupão.
— Ela é bem interessante mesmo – sorriu Micaela. – Talvez eu realmente
vá precisar dela para outras coisas.
— Não vou entrar no seu jogo, Micaela! – exclamou Júlia sentindo as
faces ficarem vermelhas. – Já te avisei uma vez: não vai interferir no trabalho
dela, ok?!
— Eu não abracei ninguém sozinha, senhora Júlia. Ou não percebeu a
mão dela um pouco mais abaixo da minha cintura?
— Você não precisa ir para a faculdade hoje – Júlia desviou o assunto. –
Pelo que passou ontem, pode ficar em casa e descansar.
— E perder a manhã toda na companhia de Hadassa? Nem em sonho!
Tchau mãe!
Júlia fechou as mãos com raiva, olhando para a porta vazia. De fato, tinha
notado a mão de Hadassa um pouco mais abaixo da cintura de Micaela, a
forma como se olhavam com os corpos ainda colados. Suspirou fundo e
seguiu até o grande vitral que fazia frente para a entrada, a tempo de ver
Hadassa encostada contra o carro, esperando Micaela sair. Seus olhos
grudaram na segurança, perguntando-se qual a sensação de estar nos braços
dela, como Micaela havia provado minutos antes. Balançou a cabeça em
sentido negativo, tentando espantar os pensamentos, mas os olhos não
conseguiram se desviar da morena. Mesmo quando ela a encarou de volta,
enxergando-a ali no vitral. Os olhos verdes, intensos, perscrutando-a, como
se quisesse desvendá-la. Só desviaram quando Micaela apareceu, e Hadassa
abriu a porta do veículo para que ela pudesse entrar. A segurança ainda olhou
para onde estava mais uma vez, antes de embarcar também e saírem da
propriedade.
Júlia voltou para o quarto, respirando fundo, andando de um lado para o
outro. Parou na frente do espelho e abriu o roupão, fazendo uma careta em
seguida.
— Droga! Por que escolhi essa porcaria de lingerie bege?!
Capítulo 8
Hadassa se encostou contra o banco do carro e ficou olhando para fora,
enquanto Micaela ia concentrada em uma ligação com alguma de suas amigas
e Ismael na direção. A mente voltou para alguns minutos antes, quando
estava no quarto da jovem e Júlia aparecendo de supetão. Tinha consciência
de que estava na área intima da casa e, por um momento, se preocupou com o
fato de a atriz ficar brava por tê-la visto num modo tão íntimo. Sua falta de
ação e fuga em seguida, era a prova de que ela havia ficado muito
desconfortável. Chegou à conclusão de que deveria pedir desculpas a ela.
— Oi, mundo da lua – falou Micaela se esticando entre os bancos.
— Oi Micaela, desculpa – pediu Hadassa se virando para a jovem. –
Estava distraída.
— Percebi. Depois da faculdade nós vamos em um lugar, mas você tem
que me prometer que não vai falar nada pra minha mãe e nem pra ninguém.
Hadassa estreitou os olhos e se virou para a jovem. Obvio que ela queria
fazer algo ilegal ou perigoso.
— Você sabe que não posso te prometer isso, Micaela. Não posso deixar
que se coloque em uma situação de risco. A não ser que seja um namorado
que não quer que ninguém saiba.
— Não! Não tenho namorado! Ismael já me prometeu tem dois anos. Fala
pra ela, Ismael, é de risco?
— Não é mesmo – sorriu o motorista. – Confia nela, Hadassa, vale a pena
guardar segredo.
Hadassa desviou os olhos do motorista para a jovem, ainda entre os
bancos.
— Eu vou avaliar. Se eu puder guardar segredo, eu vou, mas quero que
fique ciente: se for algo perigoso ou que te coloque em risco de alguma
forma, eu não vou permitir que fique nesse lugar.
Micaela agradeceu com um sorriso e voltou a se encostar no banco detrás.
Em poucos segundos ela estava no telefone com uma amiga e Hadassa captou
uma parte da conversa “Eu vou sim, Hadassa não vai falar nada”. A
segurança respirou fundo, pensando no tipo de problema que teria que
enfrentar naquela tarde.
Já na frente da faculdade, Micaela desceu e Hadassa ainda ficou alguns
segundos parada, esperando que ela tomasse distância.
— Onde é esse lugar, Ismael? – perguntou ao se debruçar na janela do
carro.
— Não posso contar – sorriu o homem. – Segredo com Micaela é uma
coisa muito séria.
Hadassa se limitou a entortar a boca respirar fundo. Balançou a cabeça
em sentido negativo e seguiu para dentro do prédio, para mais uma manhã de
tortura.
As aulas de Micaela correram sem nenhum incidente. A jovem
permaneceu em sala o tempo todo, saindo apenas no intervalo, para comer
um lanche. Hadassa acompanhou de longe, sempre atenta, mas chegando à
conclusão de que não teriam nenhum problema naquele dia. Assim que
finalizou o período, Micaela seguiu para o carro, acompanhada de Liliane e
Alexia. A segurança sentou no banco da frente, escutando as garotas fazendo
cálculos, somando quanto ainda tinham de dinheiro disponível. Sorriu com a
simplicidade com que lamentavam que só tinham oito mil naquele mês.
Hadassa ficou completamente em alerta, quando o veículo começou a
entrar na área mais carente da cidade. O bairro de baixa renda era um
indicativo que de aquelas garotas não possuíam amigos ali, e num completo
ato de preconceito, julgou que um provável fornecedor de drogas poderia ser
dali.
— Onde estamos indo, Ismael? – perguntou séria.
— Estamos chegando. É no final dessa rua.
Hadassa balançou a cabeça em sentido positivo e olhou pelo retrovisor,
vendo o outro veículo que os acompanhava, com os seguranças de Alexia.
“Talvez não seja drogas” ponderou. “Que garota levaria o próprio segurança
para comprar drogas?”
No final da rua havia uma propriedade grande, com vários cachorros na
frente. Os carros pararam e as garotas saíram, indo para o portão. Observou a
redondeza e os outros homens que se juntavam a ela, enquanto as garotas
brincavam com os cachorros com tranquilidade, demonstrando intimidade.
Uma mulher de quarenta anos, apareceu para recebê-las.
— Oi meninas! – cumprimentou dando beijos e abraços nas três. –
Sempre pontuais com as visitas!
Hadassa franziu o cenho, estranhando completamente a situação.
Manteve distância, enquanto elas conversavam algo que não conseguia ouvir,
mas que parecia ser amistoso. A mulher ainda cumprimentou os dois
seguranças de Alexia e Ismael, antes de se dirigir a ela.
— Você deve ser a nova segurança de Micaela. Seja bem vinda! Meu
nome é Paloma, qualquer coisa que precisar, é só falar.
Hadassa se limitou a assentir com a cabeça, com os óculos escuros
escondendo a estranheza que seus olhos estampavam.
— Vamos entrar – convidou Paloma sorridente.
As garotas se adiantaram para entrar e Hadassa percebeu que os
seguranças não se moveram para acompanhar Alexia. Micaela se
desvencilhou do grupo, indo falar com ela.
— Se quiser, pode entrar, mas, de verdade, não conta pra ninguém o que
fazemos aqui. Por favor!
— Eu vou verificar, ok?
Micaela concordou e maneou a cabeça, para que pudesse acompanhá-la.
Hadassa seguiu para dentro da propriedade e a primeira coisa que notou foi a
quantidade de cachorros soltos pelo lugar. Ao longe enxergou os canis e as
meninas se abaixando, brincando com os bichos, fazendo carinhos.
A primeira coisa que passou pela cabeça de Hadassa foi uma rinha de
cães, mas afastou na mesma velocidade: eram bichos calmos, não ficariam
soltos na propriedade, da mesma forma que Paloma não parecia ser alguém
que cuidava de negócios daquele tipo. Muito menos seria o perfil das
adolescentes apostar em rinhas. Somente quando alcançaram a casa, é que
teve claridade acerca do lugar: era uma ONG de proteção animal.
Hadassa estranhou ainda mais a situação, enquanto via as meninas
entrarem na casa e cumprimentarem as outras pessoas presentes. Deixaram a
bolsa de lado e Micaela sumiu por uma porta. Retornou em poucos minutos
com um cachorro pequeno no colo, fazendo carinho e o enchendo de beijos.
— É uma ONG de proteção animal? – Hadassa expressou em voz alta a
pergunta que ainda lhe causava estranheza.
— Sim. Aqui nós cuidamos de animais resgatados nas ruas – explicou
Paloma. – Temos um veterinário que cuida deles e mais duas garotas que me
ajudam na limpeza e cuidados dos bichinhos.
A segurança concordou com um aceno e tirou os óculos escuros,
observando Micaela, Liliane e Alexia brincar com o cachorrinho no chão. Se
afastou até a porta, observando Paloma pegar uma pasta na mesa e sentar-se
próxima às meninas.
— Aqui estão as informações do que compramos com a última doação.
Pegamos bastante ração, ainda sobrou do mês passado para esse, mas os
remédios estão acabando.
— Esse mês conseguimos oito mil. Pelo menos uma parte das despesas
vai cobrir – falou Micaela ao pegar a pasta. – Acho que podemos fazer uma
campanha de arrecadação no Instagram, convidando amigos a doarem ração,
algo assim. Aí o dinheiro fica para essas medicações...
Hadassa permaneceu na porta, observando a discussão sobre os custos da
ONG e de onde poderiam tirar mais dinheiro para ajudar na manutenção do
lugar. A boca estava devidamente fechada, mas na sua mente, estava de
queixo caído de que Micaela fosse uma doadora anônima em uma ONG de
proteção animal. Não havia passado por sua cabeça que ela se importasse
com algo a mais do que insistia em apresentar em sua aparência fútil. O
prazer que ela sentia fazendo aquilo era algo que estava estampado nos seus
olhos que brilhavam, e nos carinhos que dava ao cachorrinho em seus pés.
Hadassa saiu da casa e parou no quintal, observando os bichos. Andou
lentamente entre eles enquanto ia até o canil. Descobriu que a entrada oficial
da ONG era do outro lado, onde um letreiro informava o nome da instituição,
meios de doações e feiras para adoção de pets. Do outro lado também tinha o
consultório veterinário, que informava um preço popular para consultas e
castração.
— Oi Hadassa – Micaela chamou sua atenção. – Perdida pra cá?
— Por que manter isso escondido? Você faz um trabalho lindo aqui!
— Tenho que manter minha fama de má – riu em tom de brincadeira. –
Não quero interferência de ninguém aqui. Alexia e Liliane também querem
cuidar sem que tenha influência de pai e mãe. É o nosso canto, não queremos
nenhum deles aqui.
— Vocês mantêm aqui sozinhas?
— Não, tem outros doadores também. Quando eu conheci, a ONG já
existia há algum tempo. Tem dois anos que ajudo os bichinhos que são
cuidados aqui.
— Como veio parar nessa ONG?
— Eu ganhei um cachorro no meu aniversário de quinze anos. Enquanto
ele era um filhote, estava tudo bem, mas quando começou a crescer meu pai
encrencou com ele. Um dia sai para uma balada e como uma forma de
castigo, meu pai trouxe meu cachorro pra cá. Implorei pro Ismael me dizer
onde tinham levado ele, aí ele me trouxe. Quando conheci o trabalho da
Paloma, tudo o que ela faz por esses animaizinhos, eu me apaixonei. Contei
pra Lili e pra Alexia e desde então esse é o nosso segredo. Nossa aliança.
— É aquele que estava brincando?
— É. O Floquinho.
— Por que não leva ele para casa? Você já tem dezenove anos, pode ter
um cachorro se quiser.
— Ele está mais bem cuidado aqui. Minha mãe não quer mais animais em
casa. Aqui ele recebe amor, em casa só iria receber esporro da minha mãe e
do meu pai.
Hadassa sorriu em resposta, admirando a loira à sua frente. A onda de
carinho que tomou conta da sua mente foi imediata.
— Você tem um coração bom – expressou em voz alta. – Alias, você tem
um coração e ele é bom.
— Está vendo porque eu não posso deixar ninguém saber que fazemos
isso? Onde vai parar minha fama de má se as pessoas me virem assim? – riu
Micaela se aproximando para dar um abraço em Hadassa.
A segurança retribuiu o gesto, apertando-a delicadamente em seus braços.
Não soube precisar de quanto tempo ficaram unidas naquele gesto de carinho,
mas soube precisar que o coração de Micaela parecia bater mais rápido contra
o seu e, pela primeira vez, não ficou com vontade de interromper o ato.
Respirou fundo para sentir mais do seu perfume floral suave, enquanto
percebia, nitidamente, que as concepções que havia tirado da jovem, estavam
completamente equivocadas.
A tarde passou voando para as duas. Micaela se afastou, puxando-a pela
mão para conhecer toda a ONG e a segurança percebia a forma apaixonada
com a qual ela explicava tudo o que era feito ali. Depois de um tempo, Alexia
e Liliane apareceram e puxaram a amiga para repassarem a doação para
Paloma. Já era três e meia da tarde quando saíram da propriedade. Micaela
seguiu sozinha no carro, pois Liliane e Alexia iriam para suas próprias casas.
Já na propriedade, Micaela desceu carregando a bolsa e antes que pudesse
entrar, Hadassa chamou-a.
— Seu segredo está bem guardado, tá? Não vou falar pra ninguém, mas
caso me perguntem sobre sua tarde, o que devo dizer?
— Que eu estava com as meninas no shopping – informou Micaela se
aproximando. – Obrigada por isso.
Micaela esticou a mão para pegar a de Hadassa que atendeu de imediato.
Depois de um discreto aperto, a loira entrou na casa e a segurança seguiu para
a cozinha, atrás de algo para comer. Ambas não haviam percebido a presença
de Júlia, que as observava de uma janela no piso superior.
Júlia se afastou da janela e passou a mão no cabelo, desconcertada. Era
nítido a cumplicidade e intimidade que estava surgindo entre Micaela e
Hadassa. Se perguntou se não tinha errado em contratar a segurança para ela.
— Júlia! – chamou Mariana. – Preciso confirmar isso com o diretor do
programa. Posso confirmar sua ida para a próxima semana? Será uma
participação de quarenta minutos.
— Marque – respondeu distraída. – Eu vou falar com Micaela.
Mariana anuiu e assistiu a atriz sair do quarto. No aposento de Micaela,
encontrou a filha entrando no banho.
— Onde foi hoje, depois da escola, Micaela? – perguntou parando na
entrada do box.
— Fui dar uma volta com as meninas no shopping Metrópole. Falando
nisso, acabou meu dinheiro. Tem como colocar mais na minha conta?
— Óbvio que não. Gastou tudo porque quis, agora espere até o final do
mês.
— Tudo bem, meu humor está tão bom que nem quero discutir isso hoje.
Depois eu ligo pro meu pai. Quer mais alguma coisa?
— O que andou fazendo para que seu humor esteja tão bom?
— Nada especifico – sorriu Micaela. – Vou só tomar um banho e
descansar. Mais tarde vou sair com as meninas.
Júlia olhou Micaela atentamente antes de sair do quarto e descer as
escadas para o piso inferior. Seguiu direto para a cozinha, encontrando
Hadassa sentada rente a ilha, almoçando e conversando com Nicéia.
— Boa tarde – cumprimentou sem seu habitual sorriso. – Depois você me
encontra no escritório, Hadassa?
— Sim, senhora.
Júlia saiu sem nenhuma outra palavra e seguiu para o escritório. Sentou-
se em uma poltrona e ficou brincando com a aliança e o anel no anelar
esquerdo. Depois de dez minutos escutou a batida na porta.
— Entra.
Hadassa entrou, enxergando a atriz pensativa. Tinha certeza que levaria
uma bronca por estar na área intima da casa naquela manhã, por isso se
apressou em se desculpar.
— Júlia, me desculpe por ter estado na área intima da casa de manhã.
Micaela me chamou para pegar o celular dela e acabei cometendo uma gafe.
— Onde você e Micaela estavam agora à tarde?
— Ela foi com as amigas no shopping.
— Quais amigas?
— Alexia e Liliane.
— Onde elas foram?
Hadassa titubeou naquele momento. Não sabia exatamente o que Micaela
havia dito, então resolveu ser vaga na resposta.
— Em algumas lojas.
Júlia analisou a segurança por alguns segundos, antes de formular a
pergunta seguinte.
— Qual o shopping?
— No Boulevard.
Júlia balançou a cabeça em sentido negativo, captando a discrepância das
informações.
— Micaela me disse que foram em outro lugar. Qual das duas está
mentindo?
Hadassa sustentou o olhar da atriz, enquanto se inclinava para a frente.
— Provavelmente as duas – respondeu sincera. – Eu não posso te falar
exatamente onde estivemos agora a tarde, mas posso lhe garantir uma coisa:
eu fiz um pré julgamento de Micaela quando lhe falei aquelas coisas. Sua
filha tem um coração incrivelmente amoroso e ela conseguiu me mostrar isso
em dois dias. Ela é mais generosa do que pode imaginar.
— Micaela? Amorosa e generosa? – Júlia riu com sarcasmo. – Ela te
subornou com o que, para falar essas coisas?
— Você já parou para pensar que tudo o que ela faz de errado é para
chamar sua atenção e de seu marido? Que somente quando ela aparece em
escândalos é que se dão conta de que ela está aqui?
— Não nos julgue como pais!
— Não diga que ela me subornou de alguma forma, não sou uma pessoa
que aceita subornos. Estou lhe dizendo o que vi: ela muda completamente
quando está longe de você, quando ela pode fazer as coisas que gosta.
— O que ela lhe disse que não permitimos que fizesse?
— Não posso lhe falar, apenas repense em tudo o que já podaram dela.
Você mesma me disse que errou como mãe, ao delegar funções de criação
para seus funcionários. Comece por aí. E se me achar muito petulante por lhe
dizer essas coisas, deixo minha vaga à disposição.
Júlia permaneceu encarando a segurança por alguns segundos, antes de
desviar os olhos para a frente.
— Pode ir. Está dispensada por hoje.
Hadassa levantou-se e despediu-se da atriz. Júlia permaneceu sentada na
poltrona, olhando para o nada, pensativa. Se questionava se estava tão errada
com Micaela quanto a segurança havia dito.
Capítulo 09
Hadassa saiu do escritório e parou na porta. Pensou, por um minuto, se
devia voltar e se desculpar com Júlia por sua ousadia, mas mudou de ideia na
mesma hora. Tinha dito somente a verdade do que tinha visto, nada mais que
isso. Se sua função era proteger Micela, a protegeria até de julgamentos
errados, mesmo que viessem de sua própria mãe.
A segurança seguiu para a área dos funcionários e trocou de roupa,
ponderando de que estava colocando seu emprego na reta. Não podia falar
daquela maneira com sua empregadora, mas sentia que era tão fácil ser direta
com Júlia. Talvez o fato de a atriz a ter escutado na entrevista, tinha lhe dado
essa ideia de brecha. Decidiu que dali em diante tomaria mais cuidado na
forma como conversaria com ela, caso ainda tivesse um emprego. Não
deixaria de falar a verdade, mas iria ser mais delicada na forma de falar.
Hadassa se despediu de Nicéia e topou com Camila, já sem o uniforme,
que também ia embora.
— Onde você fica? – perguntou caminhando a passos lentos para o local
onde havia deixado sua moto. – Posso te dar uma carona até um ponto
próximo.
— Se puder me levar até a avenida Ipiranga, eu agradeço. Lá passa o
ônibus que vai direto para o meu bairro. No ponto aqui perto, eu tenho que
pegar duas conduções.
— Eu te deixo lá. É caminho pra mim – sorriu a segurança.
— Ah, que maravilha! Obrigada!
— Pega esse capacete, eu coloco esse outro.
Hadassa soltou o capacete de Ranellory que estava preso na parte detrás
da moto. Estavam terminando de colocá-los na cabeça quando Júlia apareceu
no corredor lateral.
— Hadassa, será que podemos conversarmos um pouco? – pediu se
aproximando.
A segurança tornou a tirar o capacete e olhou para Camila, antes de voltar
a encarar a atriz.
— Eu ia dar uma carona para Camila, será rápido?
— Não, deixa. Amanhã conversamos – sorriu desconcertada. – Tenham
um bom descanso.
Hadassa ficou olhando a atriz se afastar e entrar na casa novamente.
Trocou um olhar com Camila e subiu na moto, dando posição para que a
colega de trabalho montasse. Em questão de segundos saíram da propriedade.
O trajeto até o ponto que Camila havia indicado levou cinco minutos.
Assim que ela desceu e se despediu, tornou a entrar no trânsito e pegou o
retorno próximo, voltando para a casa de onde tinha saído minutos antes.
Parou a moto no mesmo lugar e intentou ir para a cozinha, mas enxergou a
atriz sentada em uma das cadeiras próximas à piscina, olhando a água à sua
frente.
— Oi Júlia – anunciou sua presença, já que ela não havia percebido a
aproximação de alguém.
— Oi Hadassa – sorriu, surpresa. – Esqueceu alguma coisa?
— Não. Deixei Camila no lugar onde havia combinado com ela e voltei
para falar com você. Sei que fui rude, de novo.
— Talvez eu realmente precisasse de alguém como você, para me dar uns
tapas de realidade de vez em quando. Mas não quero lhe prender aqui. Já te
dispensei, pode ir para casa, amanhã conversamos.
— Tecnicamente ainda tenho mais uma hora do meu expediente livre e
Micaela certamente não precisa de uma segurança agora. Tenho tempo –
sorriu.
— Senta aqui – Júlia apontou para a cadeira ao lado da sua. – Eu queria
entender um pouco mais do que me disse. Sei que deve achar estranho, dado
o fato que trabalha aqui tem dois dias, mas eu prezo muito o diálogo com
meus funcionários.
— Eu fui impulsiva, é uma péssima qualidade que tenho, Falo sem
pensar. Como dizem, não tenho filtro.
— Gosto mais ainda de pessoas assim – sorriu Júlia. – A maioria das
pessoas com quem convivo tem filtros.
— Bom, hoje eu fui num lugar muito especial com Micaela. Eu a vi
fazendo coisas que eu jamais pensei que aquela pessoa, que lhe descrevi no
primeiro dia, pudesse fazer. Ontem, quando ela teve a crise alérgica, eu vi
uma menina desamparada, com pessoas que são pagas para estarem com ela e
não porque queriam estar com ela sem nada em troca.
— Por que eu não fui, não é?
— A primeira coisa que ela me perguntou, depois que falei com você, foi
se estava indo. A segunda frase dela foi a que eu não precisava ficar lá por
causa dela, que podia ir embora. Não foi uma posição de autossuficiência, foi
uma posição de quem se acostumou a ficar sozinha.
— Eu tinha gravação, cenas finais, não podia parar e ir.
— Não estou lhe julgando por ontem e nem por antes, até porque não lhe
conhecia antes, além da televisão, mas não foi a primeira vez, não é? Torno a
repetir que você mesma me disse isso.
— Sim. Quando Micaela era pequena, eu estava no auge da minha
carreira, muitos papéis, trabalho aos montes. Contratei pessoas qualificadas
para ficar do lado dela. Não foi o suficiente.
— Não foi – concordou Hadassa. – Eu entendo sua posição, mas depois
que conversei com ela no hospital e hoje, eu enxerguei uma menina,
travestida de mulher, que quer atenção e essa atenção, só pais podem dar. Me
desculpe se pareço entrona demais, não quero, de forma alguma me meter na
vida de vocês.
— Está tudo bem. É bom ter alguém que não concorde comigo o tempo
todo.
— Micaela pode já ser uma mulher entrando na vida adulta, mas eu tenho
certeza que por baixo dessa fachada que ela pinta, tem uma menina insegura,
que não sabe o que quer fazer da vida.
— E por que ela tem esse comportamento tão intempestivo comigo? Por
que tudo o que eu faço parece uma afronta para ela?
— Eu não sei, não entendo nada de psicologia, mas talvez seja uma forma
de autoafirmação em relação a pessoa que é. Ontem ela me disse que eu não
fazia ideia do que é ser filha de vocês, da responsabilidade de ser melhor em
tudo, porque você e seu marido são melhores em tudo.
— Isso está tão longe da realidade! Ela nunca se esforçou para ser melhor
em tudo.
— E você quer que ela seja melhor em tudo?
Júlia encarou a segurança por alguns segundos, enquanto pensava naquela
pergunta. Alberto e ela sempre haviam conversado sobre o futuro de Micaela,
sobre o que ela poderia fazer de melhor e que lhe abriria portas no futuro. Até
mesmo a faculdade de jornalismo tinha sido a melhor opção que haviam
cogitado, uma vez que tinham certeza de que ela detestava artes cênicas.
— Eu sempre quis que ela desse seu melhor em algo – respondeu, por
fim. – Alberto e eu temos carreiras de sucesso, conhecemos o caminho das
pedras para chegar no topo.
— E se ela não quiser o topo? E se ela não quiser sucesso? Uma vida bem
sucedida não significa que ela tem que ser a melhor, que tenha que ganhar
prêmios ou rios de dinheiro. Uma vida bem sucedida acontece a partir do
momento em que se sente realizada em fazer algo que gosta, ser feliz na
profissão que escolher, seja em cima de um pódio ou vendendo miçangas na
praia. Você não pode pautar a vida de Micaela com base na sua trajetória. Ela
tem que trilhar seus próprios caminhos, com suas próprias escolhas. E se ela
errar nesse caminho, não tem problema, ela pode tentar de novo, tentar algo
diferente, recomeçar. Ela só precisa ter a certeza que os pais não estarão
apontando o dedo para ela, mostrando que está errada. Ela precisa de apoio,
não de julgamentos.
— Eu estou cansada – desabafou Júlia com os olhos marejados. – Eu
estou cansada de ter que administrar uma casa, filha, carreira tudo sozinha!
Por mais que Alberto me apoie em tudo, eu sinto falta dele, falta de dividir as
tarefas cotidianas, sabe?
— Você está com saudades dele, Júlia, é normal que se sinta assim. Há
quanto tempo que ele está na Síria?
— Vai fazer dois meses. Me disse que volta daqui duas semanas, três, eu
acho. E, sinceramente, não sei se é saudade e isso que está acabando comigo.
Eu sinto que estamos nos desconectando aos poucos, como se cada um
estivesse seguindo suas próprias vidas de formas separadas. É muito sutil,
mas ao mesmo tempo muito real!
Hadassa olhou, consternada para a atriz que deixava uma lágrima escapar
de seus olhos. Se levantou de onde estava e sentou-se ao seu lado, puxando-a
para um abraço carinhoso.
— Tenho certeza que vai encontrar uma solução para isso. Casamentos
longos podem se desgastar, mas cabe a vocês consertarem isso – falou,
baixinho, enquanto sentia Júlia encaixar o rosto no seu pescoço e lágrimas
cair sobre sua pele.
Ambas ficaram em silêncio por um longo tempo. Júlia sentia que um peso
havia sido retirado de seus ombros, pois, por mais que tivesse pessoas em
quem confiava ao seu redor, não tinha ninguém para desabafar sobre o que
estava sentindo a respeito do marido. Ironicamente, a segurança de sua filha,
que conhecia a apenas dois dias, tinha lhe passado essa confiança.
— Me desculpe por isso – pediu Júlia sem sair de seus braços. – Minha
postura está sendo completamente inapropriada.
— Não se desculpe por se mostrar humana.
— Me mostrar humana? – Júlia sorriu e afastou o rosto para enxergar os
olhos de Hadassa.
— É. Não aquela figura intocável que vemos na tevê. Você é uma pessoa
como qualquer outra, que erra e acerta.
— Mais do que imagina – sorriu.
Hadassa se prendeu nos olhos azuis por alguns segundos, observando a
beleza da atriz, tão próxima a ela. Não se conteve em levar a mão até seu
rosto, tirando uma mecha de cabelo loiro que balançava suavemente com a
brisa da tarde. A acariciou lentamente, antes de deixar seus lábios grudar na
sua testa, em um beijo delicado.
— Vai ficar tudo bem. Não existe dor que dure uma vida toda.
Júlia sorriu em resposta e pegou sua mão, depositando um beijo nela. Se
afastou lentamente da segurança, sentindo as faces ruborizarem.
— Sobre hoje de manhã, não precisava se desculpar. Eu que saí de forma
inapropriada do quarto. Geralmente é só Mariana que circula por lá e as
meninas e não me lembrei que você agora faz parte do time também. Me
desculpe se lhe causei algum constrangimento.
— Não me causou constrangimento. Só fiquei meio receosa de chamar
minha atenção para isso. Prometo que se houver uma próxima vez, eu peço
para Micaela ou Mariana lhe avisar antes.
— Imagina, não precisa. Você tem total liberdade de andar por toda essa
casa. E não chamaria sua atenção, nem te preocupa.
— Eu quero te pedir uma coisa. Se puder, não conte a Micaela sobre as
coisas que lhe disse. Ela vai detestar se eu acabar com sua imagem de garota
má.
— Imagem de garota má? – riu Júlia. – Pode deixar, não vou falar nada
com ela. Obrigada por ter vindo falar comigo. Agora entendo porque Micaela
se abriu com você de pronto.
— Sempre que quiser, podemos conversar. Às vezes é bom desabafar
com um estranho, sem julgamentos.
— Obrigada. Agora vai, vai ficar com sua filha. Já te aluguei demais por
hoje. Me manda mensagem quando chegar em casa.
Hadassa anuiu sorrindo e se levantou para se despedir da atriz. Deram
outro abraço demorado e saiu em busca da sua moto novamente. Júlia ainda
ficou parada na beirada da piscina por um longo tempo depois de ela ter
sumido de suas vistas. O sorriso estava presente em seus lábios, assim como
sentia a nítida sensação dos braços de Hadassa envolvendo-a num abraço
carinhoso. Pela primeira vez, em muito tempo, sentiu-se genuinamente
acolhida.
Hadassa chegou em casa às cinco e meia da tarde. A filha e a irmã
estavam sentadas rente à mesa, fazendo colagens em uma folha de sulfite.
— Oi Rane, oi meu amor – falou ao dar um beijo na irmã e na filha. –
Tudo certo por aqui?
— Tudo. Chegou cedo – observou Ranellory.
— Micaela não me deu trabalho hoje. Três e pouco da tarde já estávamos
na casa, aí Júlia me dispensou.
— E por que chegou só agora?
— Estava conversando com Júlia.
— Por isso que está com esse cheiro de perfume caro no corpo? –
perguntou com um sorrisinho.
— Não viaja, Rane, ela só queria desabafar, entender um pouco mais da
Micaela, de coisas que eu falei pra ela.
— Tudo bem – anuiu a jovem. – Só vou te pedir uma coisa, de verdade:
está na hora de você deixar Rebeca ir. Ela sempre será uma boa lembrança
para todas nós, mas não se fecha para o que possa vir, tá bom?
— Você está viajando. Acho que é esse cheiro de cola no nariz. Ninguém
vai ocupar o lugar da Rebeca.
— Eu acredito que ninguém vá ocupar realmente e não estou falando isso.
Seu coração é grande demais, tenho certeza que cabe mais alguém aí.
Hadassa sorriu para a irmã, ao mesmo tempo em que balançava a cabeça
sem sentido negativo. Deu outro beijo na filha, antes de ir para o quarto, atrás
de um banho. Sentou na beira da cama e pegou a foto da esposa. Ficou
olhando-a, por um tempo antes de voltar para o lugar e pegar o celular.
Acessou os contatos e mandou uma mensagem para Júlia.
“Já cheguei em casa. Sempre que quiser, estarei à sua disposição”.
Capítulo 10
Júlia pegou o celular, deixado na mesa de cabeceira, e acessou para ver
quem lhe mandava mensagem. Abriu um sorriso ao ver o número de Hadassa
e imediatamente abriu o whatsapp para ler a simples mensagem:
“Já cheguei em casa. Sempre que quiser, estarei à sua disposição”.
Antes de responder, abriu a foto do perfil e ficou olhando para a morena,
que usava uma regata preta e abraçava a filha, ambas sorrindo para a câmera.
Passou a mão no pescoço ao mesmo tempo em que mordia o lábio inferior e
voltou para a mensagem.
“Obrigada. Foi muito bom falar com você. Chegou rápido! Você mora
perto daqui?”
“Não. É que a moto é mais rápido porque não pega trânsito. Atravesso a
cidade praticamente.”
“Verdade. Cuidado, tá bom? Tenho tanto medo de moto. Sempre tenho a
impressão de que moto é uma arma se for imprudente.”
“É só tomar cuidado. Não sou de correr ou de fazer coisas estupidas no
trânsito. Caí só uma vez e já ando de moto tem anos.”
“Uma vez eu tive que interpretar uma motoqueira, foi quando aprendi a
pilotar. Passava tanto susto no set. Caí várias vezes.”
“Naquela novela das sete? Aquela que sua personagem era ruiva, toda
tatuada?”
“Essa mesma. Você assistiu?”
“Rebeca assistiu, eu vi por tabela. Começo do nosso casamento, assistia
tudo o que ela gostava”.
“Você não gosta de novelas?”
“Não assisto televisão, em geral.”
Júlia se acomodou na cama e sorriu para o aparelho, antes de formular a
pergunta seguinte. A conversa fluiu pelo telefone por muitos minutos, em um
papo descontraído, falando sobre assuntos aleatórios. Não percebeu a noite
cair, enquanto seus olhos variavam da conversa para a foto de perfil. Entre
um assunto e outro, salvou na galeria de seu celular, tendo consciência,
naquele momento, de que estava fascinada por ela.

Hadassa desviou os olhos do telefone quando escutou o barulho na sua


porta. Em segundos a filha apareceu com a colagem que estava fazendo com
Ranellory.
— Terminou, amor? – perguntou a morena esticando a mão direita para
pegar a mãozinha da filha.
— Tá bonito, não tá? A tia Nany vai me dar dez – falou a menina
esticando a colagem para a mãe.
— Está lindo, minha princesa. O que é? – respondeu ainda sem ver.
— É a nossa família. Olha, a tia Rane, você, eu, o cachorro que eu vou ter
e minha mãe.
Hadassa voltou a olhar para a colagem e viu a foto que Ranellory havia
imprimido das três, um cachorro filhote, todo pretinho e com uma mancha
branca no pescoço. Estranhou a foto de Júlia ao lado, tirado de uma revista.
Deu uma sonora risada antes de voltar a olhar para a filha.
— Ranellory que escolheu essa foto? – perguntou apontando para a foto
da atriz.
— É. É a sua chefe, né? A tia disse que é. Ela é tão linda!
— Ela é mesmo, meu amor. Uma pessoa muito bacana também. Quer
mostrar pra ela seu desenho?
— Ela pode ver?
— Pode. Vou perguntar se ela quer ver.
Hadassa pegou o celular deixado de lado e tornou a acessar a conversa
com Júlia. Ela não estava mais online, mas, mesmo assim, mandou a
mensagem de texto.
“Oi Júlia, minha filha está me mostrando uma colagem para a escolinha.
Você quer ver?”
— Pronto, quando ela responder, eu te falo se ela quer ver, tá bom?
— Uhum. Mãe, a gente pode comer a torta que a tia fez?
— Torta do que ela fez? – perguntou ao pegar a filha no colo e colocar
sentada sobre suas pernas.
— De chocolate! Tá uma delícia!
— Depois da janta você pode comer, mas só se comer toda a comida.
— Mas eu não estou com fome!
— Então não precisa comer torta, né? – falou ao mesmo tempo em que o
celular notificava uma mensagem. Abriu para ver a resposta de Júlia.
“Claro! Faz uma vídeo-chamada e fala pra ela me mostrar”.
Hadassa ajeitou a filha no colo e apertou o botão para ligação em vídeo.
Logo Júlia apareceu na tela, com seu sorriso sempre simpático. Pela tela,
dava para ver que ela estava acomodada contra travesseiros.
— Oi lindinha! Eu sou a Júlia, tudo bem?
A primeira reação de Isabela foi dar um risinho sapeca e esconder o rosto
contra Hadassa.
— Ih ficou tímida – brincou Hadassa. – Fala oi pra Júlia, meu amor.
— Oi Júlia – falou virando um pouco do rosto.
— Mostra sua colagem. É justo que ela veja, uma vez que colocou a foto
dela também.
— Minha foto? Ah eu quero ver! Me mostra?
Isabela se inclinou para pegar a folha sobre a cama e Hadassa ficou
olhando para Júlia. A menina voltou a se posicionar no colo da mãe e colocou
a colagem bem próxima da câmera.
— Um pouco mais longe, meu amor, ela não vai conseguir ver assim.
— Que menina linda, Hadassa – disse Júlia enquanto a criança se mexia
de um lado para o outro. – Mais linda que na foto que me mandou!
— Obrigada.
— Olha, tia. Dá pra ver? – perguntou Isabela encostando a folha contra
seu corpinho.
— Consigo. Olha, que linda! Me explica a colagem?
— Essa daqui é a tia Rane – mostrou com o dedinho na folha. – Essa a
minha mãe, essa sou eu. Esse é o cachorro que minha mãe vai me dar quando
eu puder pegar o cocô dele. Essa daqui é você, minha mãe também.
Júlia franziu o cenho, mas sem desmanchar o sorriso do rosto.
— Eu faço parte da família? Que honra!
— É. A tia Nany da escolinha pediu para fazer uma colagem com a
família. Ai como minha mãe Rebeca morreu, eu tive que colocar outra mãe
no lugar.
— Muito obrigada por ter me considerado no seu trabalho de escola.
— É porque a tia Rane disse que tem que ser uma mulher linda pra minha
mãe, e você é bonita.
— Obrigada lindinha! Agradece sua tia Rane por mim também.
— Tá bom, eu vou falar pra ela. Tchau, tia Júlia!
— Tchau lindinha!
Isabela pulou do colo de Hadassa para o chão e saiu do quarto correndo,
com a colagem na mão. A segurança voltou os olhos para a tela, onde Júlia
continuava olhando-a.
— Bom, seja bem vinda à família – deu um sorriso desconcertado. –
Minha irmã é sua fã.
— Manda um beijo pra ela por mim.
— Mando sim.
— Sua filha é muito esperta, Hadassa, além de ser linda, como já tinha
lhe falado.
— Obrigada. Obrigada também por ter aceito ver o trabalho dela.
— Você não tem que me agradecer. Eu que agradeço por ter me falado.
— Bom, não vou te ocupar mais. Até amanhã!
— Até.
Hadassa encerrou a chamada e ficou olhando para o aparelho por alguns
minutos, antes de voltar os olhos para a foto de Rebeca. Deu um meio sorriso
e coçou a cabeça, jogando o corpo para trás, deitando na cama. Ranellory
abriu a porta do quarto, curiosa.
— Já acabou de falar com Júlia?
— Já. Ela te mandou um beijo.
— Uau! Você sabe que amo Rebeca, ela foi uma pessoa sensacional, mas,
vou te dizer, ser cunhada de Júlia Albuquerque... Fora de série! – brincou
descontraída.
— Não existe nada, Rane, para de ser doida! Uma mulher como ela
jamais iria querer algo comigo, além do mais, ela é casada com um homem, é
hetero, lembra desses detalhes?
— É, isso pode ser um problema.
— Tem outro problema também: eu não quero.
— Aham. Você pode acreditar nisso se quiser, mas não significa que seja
uma verdade.
Hadassa sentou na cama e apontou para o lado, para que a irmã pudesse
sentar-se.
— Entende uma coisa, Rane, eu ainda não estou preparada para ter
alguém, não sei se estarei no futuro, mas uma coisa eu posso lhe garantir:
nunca entrei e nunca entrarei em um barco furado. Júlia é o verdadeiro
Titanic.
— Eu sei que pode parecer platônico e tal, mas você já estava
conversando com ela quando veio pro quarto, não estava?
— Sim.
— Depois fizeram uma vídeo-chamada, mostrou a Isa, a Isa mostrou o
trabalho. É sério mesmo que acha que isso é uma relação patroa/funcionária?
— Não, né?
— Não, não é. Você pode ficar com medo, negar, é normal, mas isso está
longe de uma relação profissional. E ainda tem o fato de que foi dispensada
mais cedo e ainda ficou na casa conversando com ela.
Hadassa encarou a irmã por poucos segundos, antes de desviar os olhos
para o chão e passar a mão na cabeça.
— Acha mesmo que ela está me dando muita atenção?
— Óbvio, Hadassa! E você trabalha lá só há dois dias! Nem tem tempo
para criarem toda essa intimidade! Agora, você tocou em um ponto
importante: em tudo quanto é lugar que eu leio sobre ela, ela é hetero, é
casada com um homem. Toma cuidado para não se machucar. Por mais que
você diga que não vai gostar de alguém novamente, essas coisas de coração
ninguém manda. E você pode sim acabar gostando dela, até agora está
correspondendo, mas ela pode só estar curiosa. Não vai se machucar, tá bom?
— Tá bom.
— Eu nem acredito que vou te falar isso, mas a Júlia é, tecnicamente, sua
chefe. Você tem contas que vencem todo final de mês, uma filha para criar.
Não coloque seu emprego em risco. Tem tantas mulheres lindas, interessantes
e solteiras por aí. Quando me refiro a se permitir novamente, me refiro a
essas, que não tem um peso tão grande como Júlia.
— Não vou colocar, não se preocupe. Eu vou cortar aos poucos, não tem
a mínima possibilidade de entrar numa barca furada como Júlia. A
probabilidade de eu só quebrar a cara é muito grande.
— Droga! Lá se vai meu breve momento como cunhada de Júlia
Albuquerque – riu Ranellory ao mesmo tempo em que abraçava a irmã. – Vai
ver a sua filha, ela está quieta demais!
— Deve estar aprontando!
— Capaz que sim! Agora, o que você me dizia é realmente verdade, né?
Como lésbicas é uma raça ligeira! Segundo dia de trabalho e já estamos
conversando sobre isso!
Hadassa riu alto.
— Eu te disse, somos intensas!
— Tô vendo!
Hadassa passou o restante da noite junto com a filha, afastando o
pensamento de Júlia. Somente depois de colocar Isabela na cama é que foi
para o próprio quarto. Tomou um banho demorado e deitou-se, olhando para
a foto de Rebeca por um longo tempo. Virou na cama, encarando o teto
enquanto a imagem e Júlia voltava para sua cabeça, uma em especifico, a que
tinha gravado naquela manhã, dela aparecendo no quarto de Micaela somente
de lingerie. Coçou os olhos em meio a um suspiro e, pela primeira vez,
adormeceu ocupando todo o espaço da cama, sem colocar a foto de Rebeca
ao seu lado.

Hadassa chegou no trabalho oito horas da manhã. Por se tratar de um


sábado, não precisava chegar muito cedo, visto que Micaela não iria para a
faculdade. Cumpriu sua nova rotina e trocar de roupa e tomar café, antes de ir
para fora, indo conversar com Ismael e o segurança da casa. Mariana também
chegou tarde, quase onze da manhã e os cumprimentou, entrando na casa.
Somente meio dia é que pareceu ter uma movimentação na propriedade. Viu
Júlia passando por uma das janelas e, depois de alguns minutos, ela saiu para
cumprimentá-la.
— Bom dia, pessoal! – falou para os três, antes de se dirigir para a
segurança. – Oi Hadassa, hoje seu dia será bem tranquilo, Micaela saiu para
uma balada e só chegou de manhã, vai dormir o dia inteiro.
— Ela foi com o novo segurança?
— Sim, um rapaz bem gentil. Guilherme, não sei se conhece.
— Conheço, trabalhei com ele no aniversário da Raíssa. É um excelente
profissional.
— Eu gostei também. Segundo o que Mariana me passou agora, manteve
Micaela bem comportada.
— Pode confiar que ele vai protegê-la da mesma forma que eu.
— Ótimo! Eu tenho que sair agora, vou resolver algumas coisas,
provavelmente volte só a noite e já terá ido embora, mas qualquer coisa me
mande uma mensagem, ok?
— Mando. Ou aviso Mariana – falou polidamente, sem esboçar um
sorriso em nenhum momento.
Júlia assentiu com um sorriso e ainda ficou olhando-a por poucos
segundos antes de se afastar com um aceno. Hadassa ficou observando-a, seu
leve caminhar em cima da sandália de salto alto, o vestido floral que
balançava de um lado para outro, conforme seus movimentos. “Barco furado”
pensou.
Micaela acordou já era duas horas da tarde. Ficou enrolando na cama por
um longo tempo, antes de se levantar e tomar um banho demorado. Seguiu
para a cozinha, comer alguma coisa, e no percurso enxergou Hadassa
conversando com Ismael. Desviou o caminho e seguiu até ela.
— Oi Hadassa! Fazendo o que aqui?
— Por enquanto nada – sorriu a segurança. – Quando resolver sair, eu
começo meu trabalho.
— Ah, acho que hoje nem vai ter nada pra você fazer. Só vou sair à noite
com Liliane. Ainda estou com uma ressaca gigante!
— Vai esperar se recuperar para ficar de ressaca amanhã de novo?
— Basicamente – riu. – Ah, eu quero falar uma coisa com você. Vamos
até a piscina?
A segurança seguiu a jovem até a parte detrás da casa, em silêncio,
enquanto ouvia Micaela cantarolar uma música em inglês. Por um breve
momento curtiu a voz melodiosa e a música que não sabia qual era, mas que
soava suave em seus ouvidos. Assim que pararam perto da entrada da
cozinha, Micaela virou-se.
— Ontem eu falei com minha mãe, sobre uma festa que terá de July
Vitão, ela é uma influencer, não sei se já ouviu falar. A festa será em
Fernando de Noronha e ela me liberou para ir.
— Uau! Festão, hein?!
— É. Você tem disponibilidade para viajar, não é?
— Tenho. Você quer que eu vá com você?
— Quero. Na verdade, assim, meio que sou obrigada a aceitar que vá
comigo, não é? – riu. – Agora você é minha sombra, não posso te deixar para
trás – gracejou.
— É. Por um tempo, sim. Quantos dias?
— Três dias. Tecnicamente quatro, porque saímos daqui na próxima
quinta-feira à tarde e voltamos no domingo à noite.
— Ok. Pode confirmar sua presença nessa festa – sorriu Hadassa. – Eu
vou com você pra Noronha. Onde fica? Sempre ouvi falar, mas não faço a
menor ideia de onde fica. É na Bahia?
— Não. A capital continental mais próxima é Natal, mas, se não me
engano, a ilha pertence a Pernambuco.
— Se precisar confirmar com antecedência, pode marcar.
— Ain! Obrigada! Você salvou minha vida social esse mês! – exclamou
Micaela ao pular no pescoço de Hadassa em um abraço. – Já vou confirmar
com July, falar para Sabrina que vou! Essa festa vai ser tudo!
Hadassa observou a jovem se afastar e manteve o sorriso no rosto
enquanto a via entrar na casa, com toda sua empolgação. Apenas balançou a
cabeça em sentido negativo, pegou o celular e ligou para Ranellory, para
confirmar sua disponibilidade de ficar com Isabela na semana seguinte.
Capítulo 11
Micaela subiu as escadas e seguiu direto para o quarto, atrás do celular.
Mandou uma mensagem de voz para July, confirmando a ida até a festa e,
depois, para Sabrina, confirmando a vaga no avião particular que a amiga
estava fretando. O passo seguinte foi ligar para a mãe.
— Algum problema, Micaela? – ouviu a mãe perguntar assim que
atendeu.
— Não. Já falei com a Hadassa e ela vai comigo para a festa. Já falei
também com July e Sabrina confirmando minha ida.
— Não vai causar escândalos na mídia lá, por favor!
— Hadassa estará lá para tirar os copos de bebida da minha mão, não é?
Será uma ótima oportunidade também dela tirar minha roupa! Quatro dias
numa ilha maravilhosa com aquela mulher!
— Você já quer o cancelamento da festa, é isso?
— Não, quero dinheiro. Você conhece os preços de lá. Não posso ir com
pouco, porque tenho que pagar o meu e o de Hadassa. Se me deixasse ir
sozinha, seria uma despesa a menos.
— Sempre com seus joguinhos, não é? Eu vou pedir para Mariana
transferir para sua conta.
— Obrigada mãe. Tenho que desligar agora porque July está ligando. Nos
falamos depois.
Micaela tirou o telefone da orelha, apenas para fazer a troca de chamada.
— Oi Ju!
— Está ocupada, amiga? Eu ligo depois.
— Estava falando com minha mãe, já terminei com ela. Escutou minha
mensagem, não é? Confirmadíssimo para a próxima semana.
— Escutei! Maravilha! Já vou reservar o seu quarto! É você e quem
mais?
— Minha segurança. O nome dela é Hadassa.
— Hadassa do quê? Eu já vou reservar, numa pousadinha próxima, os
quartos para os funcionários que irão.
— Não precisa. Eu vou dividir quarto com ela.
— Como assim? Por que?
— Vou te mandar uma foto e vai ver o porquê. Vou pegar o nome dela
completo, já te falo. Mas me conta, enquanto isso, quem mais marcou
presença?
Micaela saiu do quarto, outra vez, indo no encalço de Hadassa. A
segurança estava na cozinha, em um papo com Nicéia.
— Só um minuto, July – pediu Micaela ao tirar o telefone da orelha. –
Hadassa, eu preciso passar seu nome para July, para nossa reserva. Qual seu
nome completo?
— Maya Hadassa Soares. Maya com y.
Micaela fingiu anotar o nome no telefone, enquanto o mantinha com a
câmera voltada para a segurança. Tirou a foto e agradeceu, saindo da cozinha
em seguida.
— Você já está pegando ou quer pegar? – perguntou July, assim que
Micaela voltou ao telefone.
— Não sei. Ainda não fiquei com ela, mas acho ela muito meu tipo de
mulher. Se rolar, não vou achar ruim, não é? – riu. – Mais fácil ter ela
dormindo comigo, posso forçar uma situaçãozinha. Ela em outra pousada,
dificulta mais, além de ser vista entrando onde os funcionários estão. Vira
outra fofoca na mídia na hora.
— Ela é gata! Vou providenciar uma suíte pra vocês. Pode deixar que
essa fome você não vai passar lá!

Hadassa saiu da casa às quatro da tarde. Depois que Micaela havia


pegado seu nome para a viagem, só tinha visto a jovem apenas mais uma vez,
quando tinha dito que já poderia ir embora, uma vez que não iria sair de casa
no período do seu trabalho. Naquele final de semana, não trabalharia no
domingo e passou todo o tempo com a filha: levou-a a um parque, junto com
Ranellory e Cristiano, foram no cinema e encerrou a noite do domingo jogada
no sofá, exausta pela maratona de acompanhar a energia de Isabela.
Durante todo o tempo, tentou manter a mente no presente, junto com sua
família, mas sempre se pegava pensando em Júlia e Micaela. Mãe e filha tão
parecidas e ao mesmo tempo tão diferentes. Júlia com seus próprios
problemas com marido e filha e Micaela, que claramente montava um
personagem para ser notada. Mesmo que ainda fosse fazer uma semana que
trabalhava como guarda-costas, sentia uma conexão com as duas que não
conseguia explicar. Era como se já as conhecesse a mais tempo que somente
aqueles dias. Talvez o fato de serem pessoas públicas tinha lhe dado essa
impressão, mas sentia-se acolhida por ambas, da mesma forma que era
recíproco.
Pegou o celular e olhou para o contato de Júlia. Não se conteve em abrir o
perfil e ficou olhando a foto, admirando a beleza da loira de impressionantes
olhos azuis. Ponderou que Júlia era uma daquelas mulheres inalcançáveis que
sempre via na televisão ou em revistas. “Ela é inalcançável, Hadassa” pensou
ao mesmo tempo em que fechava a foto. Ainda ficou olhando para a tela
apagada do celular e abriu o Google. Jogou o nome de Micaela e ficou
passando as fotos que apareceram da jovem. Linda, algumas sorridentes,
outras fazendo carão, mas sempre delicada. Parecia estranho a ela, mas lhe
soava que Micaela era bem mais acessível que Júlia. Apesar de ser sempre
educada com ela, parecia que toda conversa com Micaela fluía com mais
facilidade e tranquilidade do que com a atriz. Havia julgado que teria
dificuldades com ela, mas pelo contrário, a jovem estava, aos poucos,
conquistando-a com sua simpatia e alegria únicas.
Hadassa deixou o telefone de lado e se deitou, resgatando o retrato de
Rebeca da mesinha de cabeceira. Ficou olhando para a esposa por um longo
tempo e virou-se abrindo a gaveta do móvel. Resgatou sua aliança e colocou
no dedo, sentindo o bolo se formar na sua garganta, antes de ser colocado
para fora em soluços abafados contra o travesseiro. Afundou ainda mais o
rosto contra a fronha, quando sentiu a presença de Ranellory, deitando-se ao
seu lado, envolvendo-a num abraço.
— Você precisa seguir em frente, minha irmã – sussurrou ao ver a aliança
no dedo de Hadassa. Tinha certeza que a peça tinha sido o gatilho daquela
noite.
— Como eu vou fazer isso sem ela? – perguntou com a voz engasgada. –
Como eu vou criar nossa filha sem ela? Não era esse o plano, Rane!
— Não era o seu plano, mas era o plano de Deus e isso você não pode
mudar.
Hadassa se virou para abraçar a irmã enquanto se permitia chorar
novamente, sem controle. Levou muitos minutos para que colocasse para fora
toda a sua dor. Vencida pelo cansaço e pela impotência de não poder mudar o
passado, acabou por resvalar para o sono.
Nos dois dias seguintes, permaneceu por mais tempo calada que o
normal. Júlia pouco apareceu para falar com ela e Micaela tentou, por várias
vezes, alguma aproximação, mas respondia no automático, sem entusiasmo.
A jovem, percebeu seu estado de espirito somente na terça de manhã, quando
viu a aliança, ainda em seu dedo anelar.
— Ela foi muito especial, não é? – comentou ao apontar sua mão
esquerda. – Está tudo bem se quiser ficar quieta, eu respeito isso. Quando
quiser conversar, sei lá, relaxar um pouco e rir, estou por aqui.
— Obrigada, Micaela. Me desculpe, mas é que a saudade bateu forte
esses dias.
— Não consigo me colocar no seu lugar nesse caso. Nem ousaria a tentar
imaginar a dor que sente, mas de uma coisa eu tenho certeza absoluta: se ela
foi uma mulher especial, ela não iria querer te ver assim, depois de tanto
tempo.
— Não mesmo – Hadassa deu um meio sorriso triste. – Tudo pronto para
a viagem?
— Tudo certo, mas não precisamos falar das minhas futilidades agora.
Amanhã você fica de folga, já que vai viajar depois e precisa deixar suas
coisas arrumadas também. Guilherme fica comigo.
— Obrigada.
— Vem cá, me dá um abraço – falou Micaela se aproximando. Deu um
abraço apertado em Hadassa e um beijo carinhoso em seu rosto. – Fica bem,
ok?
A segurança concordou com um aceno de cabeça e retribuiu o beijo
carinhoso no rosto de Micaela. Se afastou para enxergar os olhos azuis, que
lhe transmitiam um carinho real. Tornou a se aproximar e depositou outro
beijo em sua testa, antes de se afastar. A jovem apenas sorriu e tomou a
direção da casa, deixando-a perdida em seus próprios pensamentos.
Antes de ir embora, Mariana apareceu, informando que Júlia estava
esperando-a no escritório. Seguiu para falar com a atriz, antes de trocar de
roupa. Deu uma batida na porta, e logo escutou sua voz autorizando sua
entrada.
— Oi Hadassa – sorriu. – Quero alinhar algumas coisas com você, antes
de irem viajar. Micaela parece que já ajeitou toda a logística, te dando folga
amanhã, colocando Guilherme no lugar para que tenha tempo de se ajeitar
também.
— Ela me disse mais cedo. Achei que era um consenso seu também.
— Ela consegue se arrumar rápido quando o assunto é viajar. Sente-se.
Hadassa ocupou a cadeira que Júlia apontava e esperou enquanto ela se
acomodava em outra cadeira próxima.
— Bom, é a primeira vez que vai viajar com ela, então quero lhe passar
algumas coisas. Tecnicamente você não precisaria ir para Noronha, mas
quero evitar que ela saia em uma manchete de jornal dizendo que participou
de um surubão em Noronha, literalmente – riu sem graça. – Não sei se já
ouviu falar disso, uma bobagem!
— Muito superficialmente.
— Enfim, seu trabalho lá será mais manter ela na linha que qualquer
outra coisa. A festa de July acontece na sexta à noite, mas ela quer curtir o
final de semana também. Sempre que viajamos assim, os funcionários são
alocados em uma pousada próxima. Acredito que dessa vez não será
diferente, então terá seu próprio espaço para descanso. Micaela está
responsável em custear a estadia das duas, mas quero garantir que não terá
nenhum problema, então aqui tem mais uma soma em espécie, que é para se
manter, independente dela, caso ela resolva fazer algum tipo de gracinha que
não queira tolerar.
Hadassa se esticou para pegar o envelope que a atriz direcionava a ela e
abriu para conferir o conteúdo, rapidamente. Não sabia precisar, pela
quantidade de notas, mas dava para perceber que era uma soma expressiva.
— Obrigada, Júlia. Eu lhe trago notas, caso faça uso dele.
— Imagina, não precisa, de maneira nenhuma! Aproveite para curtir lá
também. Noronha é um lugar lindo demais. Tenho certeza que vai gostar.
— Acredito que sim.
Júlia sorriu em resposta e ficou encarando a segurança por alguns
segundos, antes de se ajeitar na poltrona.
— Voltou a usar a aliança da sua esposa ou é de outra mulher? –
perguntou sentindo a face ficar vermelha. – Me desculpe, não quero ser
invasiva! É que você não estava de aliança no sábado e agora está usando
uma, quero dizer, é bom que esteja seguindo em frente, é importante que...
— É a da minha esposa – cortou Hadassa analisando Júlia. – A saudade
deu uma apertada esses últimos dias.
— Ah... Eu sinto muito. Não quis parecer invasiva – Júlia respondeu,
quase com alívio.
— Não foi – sorriu Hadassa com o embaraço da atriz. Podia jurar que ela
havia ficado desconfortável em ver a aliança em seu dedo. – De vez em
quando eu coloco para manter acesa a lembrança de como era ser casada com
ela.
— É bom que se lembre dela. Pessoas especiais jamais devem ser
esquecidas – comentou ajeitando o cabelo. – Como sua filha está?
— Chateada – riu Hadassa. – Ontem ela levou a colagem para a escolinha
e falou para a professora que tinha falado com você. A professora não
acreditou nela e ela veio se justificando que não conta mentiras. Está
chateada porque as outras crianças riram dela.
— A professora não pode desacreditar dela dessa forma, mas entendo que
ela não tenha acreditado. Só não deveria ter falado na sala, ela passa como
mentirosa na frente de todas as crianças.
— Não tinha pensado nisso. Falei pra ela deixar pra lá.
— Você já viu a escola da minha irmã?
— Eu preciso coincidir uma folga na semana para ter tempo de ir. Ia pedir
uma troca com Guilherme essa semana, mas com a viagem, não vou
conseguir ir.
— Por que não vai amanhã?
— Porque eu tenho que marcar visita com a orientadora de lá com
quarenta e oito horas de antecedência, segundo me passaram por telefone.
Não dá tempo.
— Imagina! Se quiser podemos resolver isso amanhã. Eu ligo para minha
irmã e ela arruma isso em dois tempos.
— Não precisa se incomodar, Júlia.
— Não é incomodo. E amanhã vamos na escolinha da sua filha. Aquela
princesa ruiva não pode passar como mentirosa na frente dos amiguinhos.
Hadassa sorriu, encarando a atriz que esperava uma resposta sua.
Lembrou-se automaticamente da conversa com Ranellory e se limitou a
analisar a postura de Júlia, chegado à conclusão que, de fato, ela estava
realmente muito entusiasmada com ela. Por outro lado, se lembrava bem de
como a filha tinha lhe contato, tristonha, que tinha sido alvo de risos dos
coleguinhas.
— Podemos fazer isso então – respondeu, por fim. – Mas eu não quero
mesmo te atrapalhar com seus compromissos.
— Não vai me atrapalhar, eu que estou me colocando à disposição. Qual
o horário que Isabela vai para a escolinha?
— De manhã. Das sete até as onze.
— Ok, se puder, venha me encontrar às nove. Passamos na escolinha dela
e depois vamos na escola da minha irmã. É até bom que ela vá conosco para
conhecer o lugar.
— Tudo bem.
— Você dirige carros também, não é? Assim eu posso dar uma folga para
o meu motorista.
— Dirijo, fique tranquila.
— Ótimo. Te espero amanhã! Agora vá pra casa, já te segurei além do
seu horário.
Hadassa agradeceu, mais uma vez, a disponibilidade da atriz e saiu do
escritório em direção a área dos funcionários. Guardou o dinheiro na mochila
e trocou de roupa, enquanto pensava na conversa de minutos antes com Júlia:
Não havia mais como negar o evidente interesse de Júlia nela, uma vez que
tinha certeza que ela nunca tinha se colocado tanto a disposição de um
funcionário daquela maneira. Dispensá-la seria rude, então teria que fazer o
seu melhor para manter a atriz longe, sem que parecesse que estava
mantendo-a longe.
Capítulo 12
Júlia despertou cedo no dia seguinte. Tomou um banho demorado e
depois seguiu até o closet, escolher a roupa que usaria naquele dia. Parou na
frente dos armários, pensando em alguma opção que pudesse ser confortável
e ao mesmo tempo interessante. Tirou primeiro um vestido social branco,
mas iria passar o dia, ou parte da manhã, com uma criança, logo iria se sujar e
não poderia casar com sapato de salto alto. O vestido voltou para o mesmo
lugar, e continuou passando as peças, uma a uma até parar em um macacão
azul claro, de frente única que valorizava seus ombros. Separou-o em cima da
ilha e seguiu para a parte de lingerie. Deu um sorriso para as peças beges e as
deixou de lado, indo para as que achava mais bonitas. Vestiu-se lentamente e
parou na frente do espelho, soltando o cabelo. Passou escova e abriu a gaveta
da penteadeira, atrás de suas maquiagens. O relógio já marcava oito e
quarenta quando saiu do quarto e desceu as escadas, indo até a cozinha atrás
de uma xícara de café.
Hadassa estava conversando com Ismael sobre o veículo que iria dirigir
naquele dia, quando Júlia apareceu na entrada da cozinha. Respondeu seu
cumprimento, sem se aproximar, notando o quanto ela havia se arrumado. A
atriz sempre se vestia com elegância, mas parecia mais arrumada aquele dia.
— Eu vou verificar o carro, Júlia, espero você lá na frente.
— Vou só tomar um café e já estou indo.
Hadassa concordou com um aceno e saiu ao lado de Ismael. Seguiram
para a garagem e tirou o carro para fora, enquanto o motorista lhe informava
comandos que não estava acostumada. Poucas vezes havia dirigido um carro
de luxo, e teria que tomar cuidado para não fazer nenhuma barbeiragem. Deu
uma volta no quarteirão com Ismael ao seu lado e logo estavam de volta a
casa. Júlia apareceu depois de cinco minutos e se adiantou para abrir a porta
traseira para que ela pudesse entrar.
— Hoje vou aqui – disse Júlia indo abrir a porta do carona.
A segurança balançou a cabeça em sentido positivo, vendo a atriz se
acomodar no banco, depois de fechar a porta. Deu a volta para o banco do
motorista e entrou, enxergando-a já com o cinto, a se observar no espelho do
quebra sol.
— Ok, bom, vamos seguir o que me passou ontem? – perguntou Hadassa
ajeitando os óculos escuros no rosto. – Quero ressaltar que não precisa
mesmo ir na escolinha da Isa. Ela já até esqueceu disso.
— A não ser que não queira que eu vá – sorriu Júlia. – Posso lhe garantir
que ela não esqueceu, nem as outras crianças.
— Não é isso, é que não quero mesmo lhe incomodar com algo desse
tipo.
— Não é incomodo, Hadassa, mesmo, ok?!
— Tudo bem.
Hadassa saiu com o carro para a rua e logo alcançaram a avenida que
cortava a cidade até onde morava. Durante o trajeto, a segurança contou sobre
a escola da filha, suas brincadeiras favoritas. Júlia contou da infância de
Micaela, e como sentia-se impotente, diante do comportamento dela.
— Posso te dizer, com segurança, que Micaela ainda pode te surpreender
muito. Ela só precisa encontrar seu espaço no mundo para expandir seus
próprios horizontes.
— Você realmente não vai me contar onde foram aquele dia, não é? –
sorriu Júlia com curiosidade.
— Não posso. Prometi segredo.
— Ok. É o espaço de vocês. Posso colocar música? Gosta de ouvir?
— O carro é seu, Júlia, você pode fazer o que quiser – sorriu Hadassa ao
parar em um farol.
— Mas é sempre bom respeitar o espaço coletivo.
— Eu gosto de músicas, coloque.
Júlia ligou o aparelho e acessou o bluetooth. Pegou o celular da bolsa e
pareou com o sistema de som e logo a música que mais gostava de ouvir
tomou conta do veículo. Abaixou para que não atrapalhasse a conversa.
— Que música é essa? – perguntou Hadassa curiosa.
— Boy meets Girl. Waiting for a star to fall. Adoro essa música.
— Micaela estava cantando ela outro dia. É muito bonita.
— Ela tem o gosto musical bem parecido com o meu, por incrível que
pareça. Gosta de escutar coisas antigas.
— Imaginava a playlist dela de outra forma.
— Não é?! Eu poderia listar todos os funks proibidões que poderia supor
que ela escutava. Pelo menos o bom gosto musical ela herdou de mim.
— Ela herdou sua beleza também – comentou Hadassa sem desviar os
olhos da frente. – Ela não tem nada do seu marido.
— Verdade. Não a parte que eu me acho bonita, é claro, mas a parte que
não herdou nada de Alberto.
— Você não se acha bonita?
— Sim, mas não soa bem eu concordar em voz alta – riu sem graça. – E
você? Herdou sua beleza de quem?
Hadassa abriu um sorriso, ainda olhando para frente, antes de desviar os
olhos para a atriz do seu lado.
— Do meu pai. Infelizmente eu sou a cara dele.
— Quando quiser falar sobre isso, vou gostar de saber. Você claramente
não gosta dele.
— Não. Quando eu tinha dez anos, minha mãe teve Ranellory e ele
abandonou a família para ficar com outra mulher. Literalmente abandonou,
nos deixou passando necessidades porque não cumpria com sua obrigação de
pai, nem para nos visitar. Com treze anos descobri que ele já tinha um filho
de seis anos com essa mulher, ela era amante dele fazia anos.
— Você tem um irmão também?
— Não. Não os considero da família.
— Mas já faz tantos anos, não seria o momento de perdoar?
— Eu nunca vou perdoá-lo pelas lágrimas que vi minha mãe derramar por
causa da ausência dele. Da sua ausência com suas filhas. Eu sou da seguinte
opinião: se apaixonar por outra pessoa não é o problema, o problema é ser
desonesto com quem tem um compromisso. Se ele tivesse sido honesto desde
o começo com minha mãe, se não tivesse deixado minha irmã e eu de lado, as
coisas poderiam ser diferentes.
— É uma situação delicada. Não imagino o que faria no seu lugar.
— Já me machucou bastante na minha adolescência, hoje não mais. É
apenas uma lembrança ruim.
— Por isso que não gosta que te chamem de Maya, não é? Mariana me
disse que não gosta do seu primeiro nome.
— É. Foi ele quem escolheu.
— Tudo bem. Vamos mudar de assunto para que essa Nimbus vá embora.
— O que? – sorriu Hadassa sem entender.
— Nimbus, nuvem de chuva. Quando o tempo fecha, sabe?
— Sei – riu Hadassa. – Já estamos chegando. É na próxima quadra.
Júlia concordou com um aceno e desviou os olhos para a janela,
observando a paisagem do bairro classe média baixo. Por poucas vezes tinha
ido a lugares como aquele e, para ela, tudo era uma novidade.
Hadassa parou o carro em frente a uma construção da prefeitura e desceu.
Júlia fez o mesmo do outro lado, enquanto ajeitava a bolsa no braço e
desamassava o tecido do macacão com as mãos. Se adiantou para a entrada,
ao lado de Hadassa e pararam na porta, onde a segurança se identificou como
mãe de uma das alunas.
— Pode ir na sala dela, Hadassa. Sabe onde fica, não é?
— Sei sim. Obrigada.
Júlia se manteve mais afastada e com os óculos escuros para tampar seu
rosto parcialmente. Assim que a morena se afastou do balcão da secretária, se
adiantou para acompanhá-la. Subiram por uma pequena rampa até chegar no
corredor das salas. Em poucos segundos já estavam em frente a porta da sala
de Isabela.
— Pronta pra enfrentar essa turminha? – perguntou Hadassa antes de
bater.
— Pronta! Não sou um ídolo teen para ter crianças pulando na minha
perna – gracejou.
Hadassa sorriu de volta e deu três batidas na porta. Júlia tirou os óculos
escuros e ajeitou o cabelo. Não demorou para que a professora viesse atender.
— Oi Hadassa! – falou assim que viu a morena. – Júlia Albuquerque? –
sorriu descrente ao olhar para a atriz. – Não acredito, é sério?
— Oi, você deve ser a tia Nany, não é? – sorriu simpática.
— Isso mesmo! Nossa, que prazer te conhecer!
— O prazer é meu. Podemos chamar Isabela? Não quero que os
amiguinhos dela fiquem rindo, achando que estava falando mentiras.
— É claro! Me desculpe, Hadassa, eu mesma não acreditei quando ela me
disse.
— Tudo bem.
Hadassa ficou olhando enquanto Júlia entrava na sala, acompanhada da
professora de sua filha. Também entrou, mas ficou parada próxima da porta.
— Mãe! – gritou Isabela do meio de uma roda de crianças. – Tia Júlia!
— Oi minha princesa! Vem cá me dar um abraço! – chamou a atriz.
Isabela saiu correndo do lugar onde estava e foi dar um abraço em Júlia,
que se abaixava para retribuir o carinho. Deu um beijo em seus cabelos
enquanto via Hadassa ir falar com a professora, informando que levaria
Isabela mais cedo naquele dia.
— Eu disse que não tava mentindo! Diz pra eles que a gente conversou! –
pediu Isabela ao se virar para os amigos.
— Nós conversamos sim – sorriu Júlia. – Ela não mente, viu?! Me
mostrou a colagem dela e tudo o mais.
— Então você é mãe dela também? – perguntou um garotinho.
— Posso desempenhar esse papel muito bem! Sabe que sou atriz?
— Sei. Eu te vi na televisão ontem, dando tiro em bandido!
— A Luana dá tiro em bandidos, ela é bem brava, mas aqui eu sou só a
Júlia.
Hadassa ficou observando a interação de Júlia com as crianças, enquanto
a professora recolhia as coisas de Isabela. Assim que ela lhe entregou, ainda
pediu desculpas mais uma vez, por não ter acreditado na menina e pediu para
tirar uma foto com Júlia. A atriz se despediu das crianças e saiu para o
corredor ao lado de Hadassa, que ia segurando a mão da filha. Já na entrada
da secretaria, encontraram algumas professoras esperando sua saída. Param
para que ela tirasse mais fotos e só depois de vinte minutos é que saíram da
escola, indo direto para o carro.
— Você vai quietinha aqui, sem ficar mexendo em nada – disse Hadassa
ao colocar o cinto de segurança em Isabela, sentada no meio do banco
traseiro.
— Onde a gente vai?
— Nós vamos conhecer uma outra escola – informou Hadassa depois de
se acomodar no banco do motorista. – Se gostar dela, pode ir estudar lá.
— Eu vou ter que mudar?
— É a escola da minha irmã – informou Júlia se virando para ver a
menina brincando com a alça da mochila ao seu lado. – Quem sabe não gosta
de lá? Tem um monte de aulas legais, como inglês, natação.
— Eu vou poder entrar na piscina?
— Se for estudar lá, pode sim.
Hadassa mordeu o lábio inferior ao pensar no quanto gastaria com os
materiais escolares para Isabela na nova escola. Mesmo que não pagasse a
mensalidade, sabia que teria despesas grandes com a filha lá. Iria conhecer o
local, mas teria que calcular muito bem se conseguiria dar conta dos custos
adicionais.
O caminho até a escola levou vinte e cinco minutos. Júlia ligou do
caminho, informando a ida das três até a instituição e uma funcionária já as
aguardava na portaria. Cumprimentou a mulher e seguiram em um tour pelo
local. Ali Júlia já não era tratada como uma celebridade, visto que muitos
filhos de artistas também estudavam almi e não foram paradas durante a
visita. Quarenta minutos depois, já estavam de volta ao prédio administrativo.
— Oi Jú! – cumprimentou uma mulher se aproximando delas. Pela feição,
Hadassa julgou ser a irmã de Júlia.
— Oi Jaque! Achei que não estaria aqui.
— Vim assinar alguns documentos e acabei por ficar.
— Essa é Hadassa, segurança de Micaela e essa princesa é a Isabela –
apresentou Júlia. – Essa é Jaqueline, minha irmã.
— Um prazer, Hadassa! Que menina mais linda! – exclamou ao se
abaixar para ficar frente a frente com Isabela. – Uma ruivinha natural, deve
ter puxado completamente ao pai, não é?
— Não, eu puxei minha mãe Rebeca. Sou linda igual a ela!
— Não conheço sua mãe Rebeca, mas acredito! Gostou da escola?
— É tão grande! Eu gostei do parquinho!
— Tenho certeza que se vier estudar aqui, vai gostar mais ainda!
— Eu vou estudar aqui, mãe? – perguntou virando-se para Hadassa.
— Eu vou verificar tudo certinho, aí eu te falo.
— Tá bom.
— Por que você não vai brincar no parquinho enquanto sua mãe verifica
essa chatice de gente grande? A tia Luciana fica lá com você.
— Eu vou! Já volto, mãe!
Hadassa ficou olhando a filha se afastar com a orientadora, antes de se
virar para Jaqueline.
— A escola é incrível! Todo o espaço é muito bom.
— Sempre prezamos que os alunos tenham o melhor estudo e qualidade
de vida aqui. Vamos até a minha sala? – convidou já tomando o rumo do
elevador. – Notei que sua filha mencionou outra mãe. É um casamento
homoafetivo?
— Era. Minha esposa faleceu, mas tratamos com naturalidade esse
assunto com ela.
— Até porque é natural, não é? – sorriu Jaqueline. – Eu sinto muito pela
sua perda. Acho que minha irmã já te passou que se trata de uma bolsa
integral de estudos, certo?
— Sim.
— A matricula dela pode ser feita a qualquer momento. Como se trata da
Educação Infantil, ela pode começar em uma turma já em andamento. Tenho
certeza que conseguirá pegar o ritmo deles. Inglês ela não tem nenhuma
noção ainda, não é?
— Não.
— Nós podemos ajeitar isso. Ela pode ter aulas com uma turma antes,
depois ela passa a acompanhar a turma dela mesmo – informou Jaqueline
saindo do elevador e indo direto para a sala. – Agora eu vou responder suas
dúvidas. É só me dizer quais.
Hadassa sentou na cadeira que Jaqueline apontava, com Júlia sentando-se
ao seu lado. Ajeitou-se, sentindo-se desconfortável por causa da preocupação
dos custos.
— Bom, eu sei que se trata de uma bolsa integral, Júlia já havia me
passado isso, mas eu tenho uma preocupação em relação ao custo de mantê-
la. Na escolinha onde ela estuda hoje já tenho uma lista enorme de coisas que
tenho que comprar, imagino que aqui deve ser bem maior, por conta das
várias atividades. Em média, quanto custa a manutenção de um aluno aqui,
para os pais, fora a mensalidade?
— É integral, não é, Jaqueline? – Júlia que respondeu, encarando a irmã.
Jaqueline levou apenas um segundo para entender o que a irmã queria.
— É integral – confirmou ao desviar os olhos da atriz para Hadassa. – É
dispendioso sim, não vou mentir, mas como Isabela entra com bolsa integral,
a escola fornece todo o material necessário para que ela possa frequentar as
aulas.
— Tudo?
— Alguma coisa ou outra que as professoras podem pedir para as
atividades, mas lhe garanto que não são muitas.
— Certo. Bom, parece perfeito – sorriu Hadassa. – Não tenho dúvidas de
que Isabela estará em uma boa escola.
— Excelente! Eu vou pedir para que Rosane lhe passe a lista de
materiais... Quero dizer, a lista de documentos necessários para trazer dela. É
importante que traga algumas informações do que ela tem feito na escolinha
onde estuda atualmente.
Hadassa confirmou e em poucos minutos, uma funcionária apareceu na
porta, chamando-a para outro lugar. A segurança acompanhou, e Júlia
informou que se encontrariam no parquinho, onde Isabela, estava. Assim que
a morena saiu da sala, Jaqueline se encostou contra a cadeira, encarando a
irmã.
— O que foi isso? – perguntou séria.
— Eu sei o custo de todo o material que a escola pede para os alunos.
— Sabe mesmo?
— Não – sorriu – mas sei que não é barato. Não se preocupe com os
custos dela. Eu vou arcar com todos. Mande a lista para Mariana e ela
providenciará tudo.
Jaqueline balançou a cabeça em sentido positivo, ainda encarando Júlia.
— Quer me dizer do que se trata tudo isso? Eu te conheço, Júlia. Te
conheço desde que nasceu. Conheço seu segredo. Hadassa é sua amante? Ou
pretende torná-la sua amante?
— Não vamos tocar nesse assunto, ok? – pediu Júlia também ficando
séria. – Já sou bem crescidinha.
— Espero que seja mesmo.
— Não é nada do que está imaginando, tá bom? Agora eu vou indo,
Hadassa vai viajar com Micaela amanhã e hoje é folga dela.
— Me liga depois. Se não fizer isso, sabe que vou parar na sua casa à
noite, não sabe?
— Sei. Até mais, Jaque.
Júlia saiu da sala da irmã e já encontrou com Hadassa, que também se
despedia de Rosane. Seguiram juntas onde Isabela estava e se despediram da
orientadora, tomando a direção da rua. Já no carro, foram conversando a
respeito da escola, até chegarem na casa onde a segurança morava.
Ranellory esticou o pescoço para saber se era a irmã que tinha chegado.
Ela havia dito que iria buscar Isabela na escola mais cedo, para que pudessem
ir visitar a escola nova. Estava genuinamente preocupada com a irmã, pois,
por mais que ela estivesse em negação, tinha consciência de que ela estava
indo a passos largos em direção a uma grande dor de cabeça. Ficou
boquiaberta quando viu Júlia descer do carro e tirar Isabela do banco detrás,
enquanto a irmã travava o carro e carregava a mochila da filha. Correu para a
porta, abrindo um imenso sorriso.
— Uau! Júlia! – exclamou enquanto a irmã ainda abria o portão da casa. –
Caramba!
— Você deve ser Ranellory – falou Júlia se adiantando para
cumprimentar a jovem.
— Isso mesmo! Uau! Que prazer te conhecer! Sou muito fã do seu
trabalho!
— O prazer é meu, querida!
— Eu vim deixar a Isa em casa – explicou Hadassa para a irmã. – Vou
levar Júlia pra casa agora, lá pelas quatro estou de volta.
— Tá bom. Não quer entrar, Júlia? Sentar um pouco?
— Em uma próxima oportunidade. Só viemos deixar essa princesa
mesmo e eu tenho que ir.
— Tá bom. Puxa, que prazer mesmo te conhecer! Obrigada por tudo o
que está fazendo por minha irmã e minha sobrinha.
— Não tem que me agradecer. Qualquer dia desses teremos a
oportunidade de conversarmos melhor.
— Sem dúvida!
Júlia se despediu de Ranellory e Isabela, e em poucos minutos já estavam
no carro, em direção à sua própria casa. Com a ausência de Isabela no banco
de trás, um novo silêncio se instalou, mas tratou de quebrar, puxando
assuntos aleatórios com Hadassa. O trânsito, mais tranquilo naquele horário,
permitiu que chegasse na propriedade com meia hora.
— Obrigada pelo que fez hoje, Júlia, foi muito importante para Isabela.
— Não tem que me agradecer – respondeu com um sorriso.
Hadassa anuiu e abriu a porta do carro, descendo em seguida. Júlia fez o
mesmo, mas sem sair do lado do veículo.
— Bom, eu vou indo.
— Até amanhã. Só vai vim na hora de saírem para o aeroporto, não é?
— Sim.
Júlia balançou a cabeça em sentido positivo e ainda ficou esperando
alguma ação de Hadassa. A segurança se aproximou para dar um beijo em
seu rosto, mas o virou, intencionalmente, fazendo com que suas bocas se
encontrassem. Deu um beijo leve, apenas um roçar de lábios, enquanto
percebia que Hadassa havia ficado travada.
— Me desculpe – pediu se afastando. – Eu... me desculpe!
Hadassa ainda permaneceu no mesmo lugar, sem conseguir dizer nada,
enquanto via Júlia fugir para dentro da casa. Passou a mão no cabelo,
desconcertada, e foi atrás da sua moto, no automático. A cabeça entrou em
turbilhão enquanto também tomava a decisão de fugir dali.
Capítulo 13
Hadassa chegou na casa de Júlia faltando uma hora para o horário
combinado com Micaela de saírem. Desde o dia anterior não havia tirado a
atriz da sua cabeça, ainda se perguntando sobre o que, realmente, tinha
acontecido. Por vezes tentava se convencer de que fora apenas um gesto
atrapalhado no cumprimento que fizera com que suas bocas se encontrassem,
mas a razão sempre aparecia nesses momentos: não era mais uma jovem
inocente, Júlia havia, de fato, forçado um beijo entre as duas. Não havia
comentado nem com Ranellory sobre o tinha acontecido, mas a irmã,
perspicaz, havia sacado que algo tinha rolado, mesmo sem ter certeza do que
era.
Durante todo o tempo em que esperava Micaela, ficou devidamente do
lado de fora, acompanhada de Ismael para que Júlia não tivesse oportunidade
de se aproximar, caso fosse do seu interesse, mas a atriz também não
apareceu. Somente quando a jovem saiu, carregando uma mala, é que Júlia
também apareceu. Se adiantou para ajudar Micaela e cumprimentou a atriz à
distância, com um aceno de cabeça.
— Me acompanha rapidinho, Hadassa, por favor.
— Ainda falta recomendações sobre minha segurança – debochou
Micaela ao colocar a bolsa no carro.
A segurança olhou para Ismael e Micaela que se ajeitavam no carro.
Concordou com um aceno e se afastou com a atriz, mantendo uma distância
segura.
— Sobre ontem eu queria que...
— Júlia, eu preciso colocar as coisas muito às claras aqui – interrompeu
Hadassa. – Se está fazendo tudo isso para Isabela com a intenção de que eu
me torne alguma coisa sua, isso não vai acontecer. Já quero deixar claro isso,
antes que Ranellory mande os documentos dela pra nova escola, assim não
perco a vaga que Isa já tem na escolinha perto de casa.
— Não, pelo amor de Deus, é claro que não! Isso não passou pela minha
cabeça! – falou a atriz, desconcertada. – Eu fui impulsiva ontem, não sei o
que me deu na cabeça para agir daquela forma!
— Se quiser, pode falar com Mário e pedir outro segurança para Micaela,
ele...
— Hadassa, para. Eu não quero que mude nada. Estou lhe pedindo
desculpas, mais uma vez, porque fui completamente incoerente no que fiz. Eu
não sei onde estava com a cabeça, talvez tenha sido motivada pelo tempo que
passamos juntas, ou por você ser uma pessoa extremamente agradável. Eu
não quero, de maneira alguma, que mude comigo, por favor. Me desculpe!
Eu prometo que aquilo não vai tornar a se repetir.
Hadassa analisou o rosto da atriz, antes de concordar com um aceno.
— Eu gosto bastante desse trabalho, você é uma pessoa muito simpática,
assim como Micaela e o pessoal que trabalha na casa, mas é isso. Não vamos
confundir nada na nossa relação profissional.
— Não vamos. Me desculpe mesmo. Vamos esquecer o que aconteceu,
ok?
— Tudo bem.
— Eu conversei com minha irmã ontem à noite. A escola já está
esperando por Isabela.
— Eu vou mandar uma mensagem para Rane dar continuidade. Eu pedi
para ela segurar porque estava... Confusa.
— Não precisa ficar. Eu quero que Isabela tenha o melhor estudo e sei
que lá ela terá. Além disso, estou fazendo isso por ela, porque ela me
conquistou.
— Tudo bem. Obrigada.
— Agora vai, tenham uma boa viagem e não se esqueça, qualquer coisa,
basta entrar em contato comigo ou Mariana.
Hadassa assentiu com a cabeça e se despediu da atriz, indo para o carro
onde Micaela já estava acomodada. Sentou-se no banco da frente e olhou,
mais uma vez, para Júlia, antes de saírem da propriedade.
Durante todo o trajeto até o aeroporto, Micaela se manteve concentrada
em uma conversa com as amigas, no celular, enquanto Hadassa ia com a
mente perdida em vários pensamentos que passavam em sua cabeça, todos
eles com desfechos terminados na mãe da jovem, acomodada no banco
traseiro. Jamais se tornaria amante de alguém, principalmente entraria numa
relação fadada ao fracasso. Já tinha seus próprios problemas e dilemas
pessoais e não tinha espaço para colocar outro. Como Ranellory havia lhe
dito: tinha uma filha para criar, contas que venciam todo final de mês. Não
podia se dar ao luxo de arriscar o que tinha por causa de uma curiosidade de
Júlia.
No aeroporto Hadassa seguiu com Micaela para uma sala Vip, onde três
amigas já estavam esperando. A jovem a apresentou a todas, mas ficou mais
afastada, observando-as enquanto riam e tiravam fotos com taças de
champanhe, para alimentar as redes sociais. Aproveitou para fazer um lanche
no buffet que estava à disposição e, com cinquenta minutos, foram liberadas
para o embarque.
Era a primeira vez que entrava em um jatinho particular e tomou cuidado
para que sua feição não entregasse o quanto estava embasbacada com o luxo
do espaço. As jovens seguiram para assentos no meio do avião e, por um
minuto, ficou em dúvida de onde deveria se sentar.
— Hadassa, não é? – falou uma mulher que não tinha visto no lounge. –
Meu nome é Catarina, sou assistente de Sabrina. Você é a segurança de
Micaela, é isso?
— Isso mesmo. Prazer.
— O prazer é meu. Venha, nossos assentos é mais ali atrás.
Hadassa seguiu a assistente, que mostrou o lugar onde poderia se
acomodar. Conheceu outra funcionária que acompanhava uma das garotas e
entabularam uma conversa até o momento da decolagem, quando Catarina
voltou a se juntar a elas.
O voo até Fernando de Noronha foi tranquilo. Ficou extasiada pela beleza
de Fernando de Noronha banhado pelo pôr-do-sol, quando o avião se
aproximou da ilha, com o pouso já anunciado.
— Caramba, a ilha é só isso? – perguntou maravilhada.
— Só isso – sorriu Catarina. – A melhor coisa de trabalhar com essas
patricinhas é isso. Quando na vida que poderia vir pra Noronha três vezes por
ano?!
Hadassa teve que concordar, mas não pronunciou em voz alta. Quando
poderia ir para Noronha, se não fosse por causa do trabalho com Micaela? Se
questionou, enquanto a aeronave pousava. Com dez minutos, já estavam no
solo, desembarcadas. Um carro levou-as até uma pousada onde Micaela
ficaria.
— Catarina – chamou Hadassa ao se afastar de Micaela. – Júlia havia me
dito que os funcionários são alocados em uma pousada próxima. Você sabe
me dizer em qual ficaremos?
— Bom, não é tão próxima assim não. Dá uns quinze minutos daqui. É
nessa aqui – falou ao entregar a reserva que estava em seu nome.
— Depois eu vejo se estou lá também. Obrigada.
Hadassa se aproximou de Micaela, carregando sua bagagem, para que ela
fizesse o check-in. A jovem ainda estava em uma conversa com Sabrina, mas
se desviou da amiga para falar com ela.
— Bom, já é quase sete da noite, nós vamos para o quarto descansar um
pouco e depois vamos sair para jantar – anunciou Micaela.
— Onde é a pousada que vou ficar? – perguntou Hadassa preocupada
com o horário que Micaela estava propondo.
— Aqui. Você vai ficar no quarto comigo – respondeu displicente, ao se
virar para a funcionária que estava fazendo sua entrada.
— Aqui? Por que vamos dividir um quarto?
— Ah, ficaria mais complicado a dinâmica pra você – Micaela deu
ombros. – Seu documento.
Hadassa esticou a identidade para a funcionária e tornou a olhar para a
jovem que a encarava com um sorriso na face.
— Isso não vai ficar ruim pra você? Sei lá, se decide ficar com algum
cara aqui, não vai ter um espaço só seu.
— Acredito piamente que isso não vai acontecer, mas se acontecer, esse
cara certamente terá o quarto dele.
Hadassa concordou com esse ponto e deu ombros. Pra ela era, sem
dúvidas, bem melhor ficar na pousada onde Micaela estava, assim lhe
pouparia trabalho de ter que ficar indo e vindo de um lugar a outro.
Terminaram de fazer o check-in e seguiram para o quarto. Outra vez a
segurança ficou embasbacada com o lugar, decorado em tons pastéis,
combinando com a marcenaria presente em todos os móveis. Deixou a mala
de Micaela perto do armário, junto com sua mochila, saiu para a varanda,
respirar o ar quente. A noite já havia caído por completo e não conseguia ter
ideia do que era a vista dali, mas a contar a piscina à frente, que era de borda
infinita, julgou que deveria ser incrível durante o dia. Como que lendo seus
pensamentos, Micaela se posicionou do seu lado.
— A vista daqui é maravilhosa! Dá pra ver o Morro do Pico à distância, o
mar lindo, de um azul sem igual!
— Não duvido – sorriu Hadassa. – Nunca estive em um lugar como esse.
O mais paradisíaco que já fui foi em Cumbuco, no Ceará e em Porto Seguro.
— Nunca fui em Cumbuco. No Ceará sempre vou para Jeri. Porto Seguro
é lindo também, a parte do Arraial d’Ajuda, Trancoso, mas aqui é demais!
Tenho certeza que vai curtir os passeios e tudo o mais.
— Acredito que sim. Mesmo que seja a trabalho, vou curtir.
— Relaxa a parte do trabalho, tá bom? Prometo que não lhe darei dor de
cabeça, só momentos de prazer!
— Parece promissor! – riu Hadassa. – Onde o prazer se encaixa?
— Nas trilhas que faremos! A maioria das praias aqui são acessadas por
trilhas. A ilha é pequena, então dá para andar por ela toda e conhecer tudo em
três dias.
— E vai ter coragem de andar tudo por aqui?
— Com toda a certeza, mas em um buggy– respondeu Micaela
retornando ao quarto.
Hadassa seguiu atrás da jovem e se atentou a um detalhe, que não tinha
visto antes, com sua empolgação com o lugar. Onde dormiria?
— Esse sofá é sofá-cama, será? – perguntou se debruçando sobre o
móvel.
— Acredito que não. Pra que quer um?
— Só tem uma cama no quarto – disse o obvio.
— Tem problemas em dividir a cama? – perguntou Micaela ao tirar a
blusa.
Hadassa se virou para a jovem, com uma resposta que foi imediatamente
esquecida, enquanto via ela se livrar da calça também, revelando o body de
renda preto.
— Desculpa, muito invasivo? – perguntou Micaela fazendo uma
caretinha. – Se quiser, eu não troco de roupa na sua frente. Não vejo
problema, mas se achar que for um...
— Está tudo bem – respondeu Hadassa desviando os olhos para o chão,
sentindo sua face ficar vermelha. – Eu perguntei da cama porque a coisa mais
incomum do mundo seria você dividir a cama com sua guarda-costas. Já é
incomum estarmos no mesmo quarto.
— Não é o que Rachel Marron diria.
— Quem é Rachel? – perguntou Hadassa sentando-se no sofá.
— Daquele filme O Guarda-Costas – respondeu dando as costas para ir
até a mala. – Ela é a personagem principal, a que se apaixona por seu guarda-
costas. Nunca assistiu?
— Já, é que não associei a referência – respondeu vendo a jovem tirar
parte das roupas da mala e colocar no armário. – De qualquer forma, do que
se trata tudo isso?
— Pode ficar tranquila que não vou lhe agarrar durante a noite – sorriu
Micaela ao colocar uma camisa sobre os ombros e dar as costas para
Hadassa.
Hadassa ficou olhando enquanto a jovem claramente tirava o body e teve
certeza disso quando viu a peça preta descer por suas pernas. Pegou o celular
do bolso e concentrou sua atenção na tela, mas a visão periférica enxergou
quando ela pegou uma calcinha de dentro de uma bolsa de mão, na mala, e a
vestiu.
— Pronto! Agora mais confortável – a jovem se jogou na cama. – Não se
preocupe, Hadassa, se fizermos alguma coisa, será completamente
consensual.
— Micaela, eu...
— Mica. Me chame assim. Quase duas semanas já que trabalha comigo,
já temos uma certa intimidade.
— Ok, Mica – concordou Hadassa com um sorriso, indo até a mochila. –
Se sua intenção for outra, saiba que não vai acontecer nada, tá bom?
— Ah, nem se eu forçar a situação e tentar te seduzir? – perguntou em
tom brincalhão, ao se ajoelhar na cama. – Talvez se eu jogar o cabelo assim e
fizer essa cara “arrasta quarteirão”, o que acha? – finalizou fazendo pose.
— Eu vou achar que está passando mal – Hadassa riu, entrando na
brincadeira da jovem. – Como você é tonta!
— Ah fala que não será divertido esses dias?! – tornou a se deitar na
cama em meio a um riso. – Você vai se distrair bastante. É bom às vezes. E
não se preocupe mesmo, não vou te agarrar como se fosse uma doida sem
noção.
— Eu sei que não. Vou trocar de roupa também.
— Troca aqui, faz uma strip-tease bem sensual!
— Assim? – perguntou Hadassa se movimentando enquanto erguia a
camisa para mostrar a barriga.
— Não, deixa quieto! Você dança muito mal! – riu Micaela jogando um
travesseiro nela.
Hadassa devolveu o travesseio para a jovem e seguiu para o banheiro com
as roupas que havia escolhido. Fechou a porta e se encostou no toucador
enquanto respirava fundo. Não fazia a mínima ideia do que esperar daquele
final de semana com Micaela, mas de uma coisa tinha certeza: não
conseguiria manter-se neutra a jovem, diante da brisa de juventude, frescor e
leveza que ela emanava.
Capítulo 14
Hadassa saiu do banheiro e encontrou Micaela no celular, falando com
alguma amiga. Pegou o próprio aparelho e foi para a varanda, para fazer uma
ligação para casa. Não demorou para que Ranellory atendesse e manteve uma
conversa leve com a irmã antes que Isabela entrasse na linha. Ficou durante
um tempo conversando com a filha e se despediu, para guardar o celular no
bolso da bermuda em seguida.
— Hadassa, eu marquei com as meninas às nove horas em um restaurante
aqui do lado. Está bom esse horário pra você?
A segurança se virou para a jovem que aparecia na porta de correr,
descalça.
— Sim. Os horários são seus, Micaela. É só me dizer que horas vamos
sair e estarei pronta.
— Sobre isso, eu quero falar algo com você: aqui não precisa usar o
uniforme que minha mãe arrumou. Apesar de achar que fica super bem no
preto, estamos em uma viagem descontraída. Fique à vontade para se vestir
como preferir.
— Tudo bem. Mas eu preciso me arrumar para ir nesse restaurante?
— Não. Eu vou me arrumar porque não seria de bom tom aparecer em um
lugar público só de calcinha e camisa, mas você está muito bem assim. Já
pegou o clima da ilha.
Hadassa concordou com um sorriso e Micaela retornou para dentro do
quarto, indo em direção à mala. A segurança acompanhou-a e pegou o
carregador do celular na mochila, colocando-o em uma tomada próxima da
cama. Apoiou o aparelho na mesa de cabeceira e se encostou contra os
travesseiros, depois de pegar o controle da televisão. Tinha certeza que
Micaela demoraria para se arrumar e não estava errada em seu julgamento, ao
observar a jovem que ia do banheiro até a mala, repetidas vezes. Quando ela
pareceu ficar pronta, desligou o televisor e soltou o cabelo, indo até um
espelho para penteá-lo. Se limitou a passar desodorante e perfume e ainda
ficou uns bons minutos sentada na beira da cama, enquanto Micaela
terminava de se maquiar no banheiro.
— Que horas são, Hadassa?
— Nove e cinco.
— Droga! Estou atrasada! – reclamou a jovem ao retornar para o quarto.
Parou assim que enxergou a segurança sentada na ponta da cama. – Uau!
Cabelo solto! Deixa eu ver – falou parando em sua frente.
Micaela se limitou a dar um risinho e retornar para a mala. Hadassa se
levantou e foi atrás dela, se olhando no espelho do quarto, que dava vista de
onde estava.
— Não gostou?
— Se eu te responder o que pensei, é bem provável que vá querer dormir
na varanda – respondeu encarando a morena. – Me ajuda aqui, prende isso
pra mim?
Hadassa coçou o rosto, rapidamente, e pegou as pontas do cordão de
pescoço, prendendo-os na parte de trás. A última escolha de Micaela foi o
perfume floral, que imediatamente invadiu suas narinas.
— E aí? Como estou? – perguntou a jovem dando uma volta.
Hadassa observou-a outra vez, agora com a produção completa. A jovem
havia escolhido um top de renda e uma calça de tecido fino, ambos beges e
rasteirinhas nos pés. O cabelo longo caia por suas costas e a maquiagem leve
destacava seus pontos mais bonitos. Já havia dito a Ranellory que achava
Micaela linda, onze de dez, como havia mencionado, mas ali,
definitivamente, ela era um doze de dez.
— Está linda – se limitou a responder.
— Obrigada. Eu quero que fique com isso – falou ao pegar a bolsa e tirar
um cartão de dentro. – Como vou beber e corremos o risco de eu ficar
bêbada, já fica com o cartão para pagar a nossa conta.
A segurança pegou o cartão e gravou a senha que a jovem lhe passava.
Em questão de minutos já estavam fora da pousada e caminharam até o
restaurante que Micaela havia informado. Hadassa identificou que ficava em
outra pousada e o grupo de jovens já as esperavam. Enxergou Catarina e
Kelly, junto com outras pessoas, que julgou serem funcionários também, e se
juntou a elas.
— Oi – se anunciou ao se aproximar. – Primeira parada?
— Primeira parada – sorriu Catarina. – Você não ficou na mesma
pousada que a gente?
— Não. Micaela preferiu pegar um quarto para nós duas.
— Ah, entendi. Desculpa, é que... Bom, deixa quieto.
— Pode falar – incentivou a morena, curiosa.
— Vocês ficam? Quero dizer, é que você tem pinta de quem curte
mulher, mas se eu estiver falando uma besteira, por favor, me desculpe!
— Não, não está – sorriu Hadassa. – E não, não fico com Micaela.
— Tá bom. Desculpa se pareci curiosa demais – sorriu sem graça. – Que
tal uma bebida? Aqui tem opções ótimas.
— Me recomende uma.
Hadassa e Catarina se enturmaram com o restante do grupo, mas não
deixou de ficar de olho em Micaela, que parecia se divertir com os amigos.
Além das garotas com quem haviam divido avião, também estava July Vitão,
anfitriã do encontro, com o namorado e mais alguns rapazes e moças. Era um
grupo grande, de dezesseis pessoas e calculou que deixariam uma pequena
fortuna naquela mesa. Depois de algum tempo, outro rapaz chegou e ficou
dispensando atenção para Micaela e a segurança percebeu que ela era
educada, mas não parecia corresponder os sorrisos encantadores que ele lhe
direcionava.
— Micaela dispensado Flávio Miranda – suspirou Kelly ao seu lado. – É
ter muita consciência de que pode tudo na vida, não é?
Hadassa se virou para a moça sentada ao seu lado. Não havia percebido
que outra pessoa estava prestando atenção ao grupo.
— Um homem desse – concordou Catarina antes que pudesse falar algo.
– Eu sei que ele investe nela já tem um tempo, mas a patricinha nunca deu
uma chance sequer pra ele.
— Eles não deram uns beijos naquela festa do Gustavo?
— Deram, mas Micaela é desapegada, né? Foram até para o hotel daquela
vez, com toda a certeza...
Hadassa se limitou a pegar um camarão e levar a boca, enquanto olhava
outra vez para a mesa onde a jovem estava. O papo, que continuava ao seu
lado, começou a irritar.
— ... Micaela nem precisa criar juízo, não é? Júlia Albuquerque como
mãe e Alberto Caloni como pai? Nem eu criaria!
— Micaela é uma jovem que ainda está encontrando seu lugar no mundo
– falou ao pegar a taça de bebida e tomar um gole. – Ela ainda tem muito
chão para trilhar.
— E você acha que ela consegue?
— Consegue. Trabalho com ela tem só duas semanas, praticamente, mas
é uma garota de muito potencial e, por incrível que pareça, tem um coração
bondoso.
— Acho que não estamos falando da mesma Micaela – sorriu Catarina. –
Micaela só pensa em si mesma.
— Ela ainda vai surpreender muita gente, vai por mim.
Catarina deu ombros e desviou o assunto para July Vitão e na quantidade
de dinheiro que ela estava gastando naquela festa. Hadassa terminou de
comer, em silêncio e ainda ficou um tempo na mesa, antes de se afastar para a
área externa com o copo na mão, de um ponto onde ainda conseguia enxergar
Micaela. Até então, a jovem estava na sua terceira bebida e não via sinais
claros de embriaguez. Se encostou contra o cercado de madeira e ficou
curtindo o barulho das ondas próximas dali e a música que tocava no
ambiente. A mente trouxe Rebeca e de como ela ficaria encantada em estar
em um lugar como aquele. Pegou o celular da bermuda e acessou a galeria de
mídia para abrir uma foto da esposa em seguida. Deu um sorriso saudoso, e
não percebeu a aproximação de Micaela.
— Esse sorriso não é de tristeza, né?
— Oi Mica, estava distraída.
— Percebi. O que foi? Não está curtindo o lugar?
— Estou sim, é maravilhoso! Estava vendo uma foto de Rebeca. Pensei
em como ela iria gostar de conhecer um lugar como esse.
— Me mostra ela? – pediu Micaela se encostando ao seu lado.
Hadassa esticou o telefone para Micaela que enxergou, pela primeira vez,
a bela ruiva de olhos castanhos que sorria junto com a morena. Era uma foto
da sua gravidez e claramente estavam sentadas sobre uma cama, enquanto
mantinham as mãos unidas sobre sua barriga já enorme.
— Ela era linda – Micaela devolveu o celular. – Tão Mérida com esses
cachinhos ruivos!
— O desenho preferido de Isabela – sorriu Hadassa. – Desculpe, eu não
devia trazer minhas coisas pessoais para o trabalho.
— Relaxa, tá bom? – pediu Micaela abraçando-a. – Tenho certeza que de
onde ela estiver, está feliz porque você está bem, cuidando da filha de vocês e
fazendo o seu melhor para que Isabela tenha uma vida plena e feliz.
Hadassa concordou com um aceno e apertou a jovem em seus braços,
levemente, antes de se afastar e dar um beijo em sua testa.
— Vai curtir seus amigos. Está aqui para isso.
— Só depois de dançar essa música comigo!
— Você já me viu dançando hoje. Sabe que tenho dois pés esquerdos.
— Tem não, você estava com gracinha!
Micaela começou a dançar na frente de Hadassa acompanhando o som de
Tiaguinho e Ludmilla, que tocava naquele momento. Colocou as mãos na
cintura da segurança, fazendo-a rir e se desencostar do cercado. A morena
enlaçou sua cintura e começou a dançar com a jovem.
— Olha que mentirosa do caramba! – reagiu Micaela com um tapinha
leve no seu ombro. – Você é uma pé de valsa!
— Exagerada – riu Hadassa. – Só não mostro minhas habilidades assim,
logo de cara.
— E que outras habilidades você tem?
Hadassa sorriu e encarou a jovem. Os olhos azuis estavam brilhando, e o
sorriso presente no rosto fez alguns alarmes disparar na sua cabeça. Optou
por ignorá-los naquele momento.
— Se eu falar vai deixar de ser uma surpresa depois.
— Hum, gosto! Vou descobrir um a um.
Ainda continuaram dançando até que a música mudou para outra.
Hadassa olhou para o restaurante onde alguns olhos estavam voltados a elas e
tratou de se afastar. Micaela retornou para a mesa de onde havia saído e a
segurança voltou a ocupar o lugar ao lado de Kelly. Não deixou de perceber
Micaela cochichando com July, e olhando para onde estava. A cabeça
começou a conjecturar coisas das quais não deu vazão para que pudesse
imaginar. Ainda não sabia, exatamente, como lidar com ela.
O relógio já marcava uma e meia da manhã quando o grupo começou a se
desfazer. Se adiantou e pegou a comanda de Micaela, juntando com a sua, e
foi até o caixa para realizar o pagamento. Se despediram dos presentes e em
dez minutos já estavam de volta a pousada.
— Acordaremos cedo amanhã – anunciou Micaela ao se livrar da
sandália.
— Seu cedo é que horas? – perguntou Hadassa dispensando a carteira e o
celular na mesa de cabeceira.
— Umas nove horas. Dá tempo de tomarmos um café da manhã tranquilo
e depois decidiremos o que fazer.
— Seu grupo não decidiu nenhum roteiro? – a segurança desviou os
olhos, pois outra vez Micaela começava a se despir na sua frente.
— Elas vão tirar fotos nos Dois Irmãos. Amanhã será dia de alimentar o
Instagram porque, segundo elas, não farão nada no sábado, depois da festa.
— Por que não vai com elas?
— Porque eu já tenho bastante fotos lá. Acho que podemos fazer algo
diferente.
— Ok. Faremos o roteiro que quiser.
— Não vai tomar banho? – perguntou Micaela vendo Hadassa ir até o
sofá e prender o cabelo.
— Depois de você.
Micaela se limitou a dar uma piscadinha e virar de costas, seguindo em
direção ao banheiro. A segurança fez força para não olhar para a jovem que
se afastava tirando o top, permanecendo apenas com a calcinha de renda que
cobria parcialmente seu bumbum arredondado fazendo contraste com sua
cintura fina. Balançou a cabeça e suspirou fundo, indo para o balcão da suíte,
tomar um ar fresco. Já fazia dez anos que havia parado de fumar, desde que
conhecera Rebeca, mas daria tudo por um cigarro naquele momento. Talvez
tivesse sido melhor ter ficado em outra pousada, ponderou. Não ia ficar
submetida àquele tipo de tentação, da qual nem estava preparada para lidar.
Micaela retornou para o quarto depois de quinze minutos, enrolada na
toalha. Hadassa pegou sua roupa de dormir e seguiu rapidamente para o
banheiro, entrando em um banho demorado. Desde que Rebeca havia
falecido, não tinha ficado com outra mulher e não havia pensado em como
ficaria, caso sentisse atração por outra. Naquele momento não sabia precisar
se era exatamente atração que estava sentindo pela loira no quarto, que a
esperava para dividir a cama, mas tinha completa consciência de que não era
imune a ela. Da mesma forma que não era imune à Júlia.
Depois de vinte minutos, retornou para o quarto, já vestida, enxergando a
cama ainda arrumada. Micaela estava rente à mesa de café, preparando duas
taças de bebidas. Guardou a roupa na mochila, antes de soltar o cabelo e
passar desodorante, tentando ignorar o pequeno pijama que ela usava.
— Pedi uma bebida para nós. Um brinde antes de finalizar a noite. Bebe
martini?
— Bebo – anuiu ao se aproximar da mesa. Micaela estendeu uma taça na
sua direção.
— Um brinde a um final de semana perfeito!
— Que seja perfeito! – concordou com um sorriso, para dar um gole na
bebida em seguida. – Vem, vamos sentar aqui fora.
Micaela aceitou a mão estendida e juntas caminharam para a varanda.
Escolheram duas chaise long, lado a lado e se esticaram, curtindo a brisa
suave.
— Eu acho que deveríamos ver o nascer do sol amanhã – comentou
Micaela ao brincar com a borda da taça. – No sábado é certeza que não vou
acordar cedo e pode amanhecer nublado no domingo.
— Já conferiu o horário do nascer do sol?
— Ainda não. Vai ser lá pelas cinco e meia, cinco e quarenta. Geralmente
é esse horário aqui. É a coisa mais linda que vai ver na vida.
— Eu acredito que deve ser um espetáculo.
— Sempre que consigo, eu vejo – comentou Micaela dando outro gole na
bebida. – Gostou da noite hoje? Vi que preferiu ficar com Catarina e o
pessoal.
— É o meu lugar, não é? Junto com os funcionários.
— Larga de ser boba! Poderia ficar muito bem na mesa com a gente.
— Não saberia me entrosar no papo de vocês. Me dou melhor com quem
tem filhos e contas para pagar no final do mês.
— Você nunca me mostrou Isabela. Tem foto dela?
— Tenho. Quando entrarmos eu te mostro.
— Ela parece com você ou Rebeca?
— Rebeca. Ruivinha igual a ela.
— É linda então. Vamos? Estou com sono e quero ver sua filhota!
Hadassa terminou de virar a bebida e acompanhou Micaela de volta ao
quarto, A jovem ocupou seu lugar na cama, apoiando-se em um braço
enquanto a segurança se sentava ao seu lado, depois de apagar as luzes
principais, deixando apenas a de cabeceira acesa. Pegou o celular e escolheu
uma foto de Isabela, a mesma que havia enviado a Júlia, e direcionou à loira.
— Lindinha demais! Realmente ela é a cara de Rebeca.
— Sim, minha princesa ruiva – concordou ao depositar o telefone ao lado
a cama e se deitar, virada para Micaela.
— Já ficou com alguém depois que Rebeca morreu?
— Não. Não sei se estou preparada para isso.
— Uma hora você vai ter que seguir a vida, não é?
— Não sei quando esse momento vai chegar. Talvez eu me apaixone de
novo, não sei.
— Não precisa estar apaixonada para algumas coisas.
Hadassa ficou encarando os olhos azuis através da meia luz. Ficou
travada quando viu a jovem avançando na sua direção.
— Boa noite, Hadassa – desejou Micaela ao dar um beijo em seu rosto,
para depois a encarar novamente.
Hadassa afastou o cabelo loiro que caia sobre o rosto da jovem e deu um
sorriso.
— Boa noite Mica, bons sonhos.
— Terei.
Hadassa ainda ficou encarando Micaela por alguns segundos, antes que a
jovem se virasse na cama, acomodando-se contra seu corpo. Abriu um
sorriso, ao mesmo tempo em que passava o braço em sua cintura, sentindo o
perfume floral tomar conta do seu olfato. Pela primeira vez, em muito tempo,
resvalou para um sono tranquilo.
Capítulo 15
O dia ainda estava parcialmente escuro quando Micaela acordou. Se
mexeu devagar na cama, para conferir a hora no celular e voltou a se
aconchegar contra o colchão. O braço de Hadassa ainda estava em sua cintura
e o acariciou levemente, antes de se virar, delicadamente, para não acordá-la.
Ficou observando sua feição serena, a respiração profunda e o cabelo negro
que moldava seu rosto. Deu um sorriso enquanto o arrumava devagar,
observando cada detalhe da morena. Somente depois de alguns minutos de
contemplação é que se virou para pegar o celular para tirar uma foto. Tomou
o cuidado de tirar flash e som, e se afastou alguns centímetros, captando
imagens que julgou perfeitas. Voltou a deixar o telefone de lado e resolveu
acordá-la para não perderem o nascer do sol.
— Bom dia – sussurrou enquanto tornava a colocar o braço de Hadassa
em sua cintura.
A segurança se mexeu na cama, deitando de barriga pra cima e Micaela
aproveitou para montar sobre seu corpo.
— Ei, hora de acordar – tornou a insistir Micaela se abaixando para dar
um beijo em seu rosto. – Vai perder o nascer do sol desse jeito!
Hadassa passou uma mão nos olhos, enquanto a outra ainda estava
alocada na cintura de Micaela. Abriu um sorriso ao enxergar o rosto da
jovem, que também sorria para ela.
— Que horas são?
— Cinco e quarenta. Daqui a pouco o sol nasce.
Hadassa continuou encarando a jovem através da claridade que invadia o
quarto, enquanto ela falava sobre a visão que teriam. A mão,
inconscientemente foi para sua coxa, em uma caricia branda, sem se dar conta
do carinho mais íntimo que fazia em Micaela. Antes que pudesse perceber, a
loira saiu de cima do seu corpo e foi para o banheiro, escovar os dentes. A
segurança se ajeitou na cama, sentando-se e usando os travesseiros e
cabeceira como encosto. Em poucos minutos Micaela retornou e foi sua vez
de ir até o banheiro. Somente depois de cinco minutos, é que se reuniram na
varanda do quarto.
— Tá friozinho! – reclamou Micaela ao passar as mãos nos braços.
A segurança olhou para a jovem, abraçada às pernas em uma chaise long
e se levantou do lugar onde estava, indo atrás do seu celular. Assim que
retornou, sentou-se atrás de Micaela, encostando-se contra o estofado de
couro.
— Vem cá – chamou indicando para que ela pudesse se encostar contra
ela.
— Calor humano sempre ajuda – sorriu Micaela indo aconchegar-se
contra a morena.
Hadassa começou a passar as mãos pelos braços de Micaela, em uma
tentativa de aquecê-la, mas não soube precisar se os pelinhos loiros estavam
arrepiados por causa do frio ou do contato naquele momento. A pouca
conversa morreu e o sol começou a aparecer no horizonte. Hadassa desviou a
mão de Micaela apenas para tirar duas fotos da paisagem e tornou a deixá-lo
de lado.
— É lindo, não é? – perguntou Micaela sem desviar os olhos do
horizonte. – Tanta coisa boa que esse nascer de sol significa. Esperança, paz,
novas oportunidades, novas chances.
— É, é lindo demais – concordou sentindo uma onda intensa de carinho
pela mulher em seus braços. – Seu cabelo fica lindo com esse sol batendo
nele – se aproximou, depositando um beijo nos fios dourados.
Micaela se afastou o suficiente para voltar os olhos para Hadassa. Deu um
meio sorriso, subitamente envergonhada, coisa que ficou claro em suas
bochechas rosadas, devido a veracidade das palavras da segurança.
— Vergonha? – perguntou Hadassa ajeitando um fio do cabelo loiro.
— Acontece de vez em quando – sorriu Micaela genuinamente
constrangida.
— Você não parece o tipo de mulher que fica envergonhada com elogios.
Micaela manteve o sorriso no rosto e desviou os olhos para a boca tão
próxima a sua, reunindo coragem de cortar os poucos centímetros de
distância. Se adiantou, buscando seus lábios em um leve beijo, que não foi
repelido pela morena, pelo contrário, logo sentiu seus braços envolver seu
corpo.
A loira se ajeitou na chaise, abraçando a segurança enquanto curtia o doce
sabor de sua boca em seus lábios, os lentos movimentos sincronizados e
entrou em completo êxtase ao sentir a língua na sua, em uma dança lenta e
sensual. Se afastou, sem conseguir discernir o que estava sentindo naquele
momento, mas tendo certeza de que, por mais que expressasse que queria
ficar com ela para irritar a mãe, Hadassa não era um jogo.
A segurança se afastou fitando os olhos azuis e acariciou seu rosto
lentamente, enquanto ambas esqueciam do nascer do sol. Micaela se
movimentou o suficiente para subir em seu colo, sem desviar do contato
visual. As palavras que saíram de sua boca, em seguida, fizeram com que não
reconhecesse a si própria.
— Está pronta pra isso?
— Não sei – Hadassa foi sincera na resposta.
— Podemos fazer da seguinte maneira – insinuou a jovem, dando outro
beijo em seus lábios. – O que acontece em Noronha, fica em Noronha.
— Não quero ser responsável com qualquer coisa que passe a nutrir por
mim, por isso quero que tenha consciência que você foi a primeira mulher
que beijei depois de Rebeca e as coisas podem ficar... Confusas, talvez.
— Eu imagino que não deve ser fácil pra você dar esse passo, mas é
importante que se arrisque outra vez. Você está viva, Hadassa, é jovem, linda,
tem um beijo delicioso. Não pode esconder isso do mundo.
Hadassa riu em resposta e se afastou do encosto para grudar em Micaela,
enquanto as bocas voltavam a se encontrar em um beijo mais intenso.
Permitiu que suas mãos fossem acariciar a jovem, apertando-a levemente em
seus braços. Se afastou quando sentiu Micaela tentar tirar sua camiseta.
— Eu não...
— Se permita – sussurrou Micaela contra seus lábios. – Está bem claro
que quer, não se cobre tanto...
A segurança tornou a olhar para os olhos azuis, e outra vez buscou os
lábios da jovem sentindo seu próprio tesão aumentar. A boca desceu para a
mandíbula e pescoço, e os gemidos de Micaela soaram como música em seus
ouvidos. O desejo acumulado tomou outra dimensão quando alcançou seu
colo e apenas puxou uma alça do seu pijama, fazendo um seio ficar desnudo,
para logo ser tomado em beijos e chupões. A mão que ainda a acariciava
desceu para o bumbum, apertando-o sobre o fino tecido do short. Se afastou o
suficiente para olhar ao redor, se dando conta de que estavam na varanda e
acomodou Micaela em seu colo, ao jogar as pernas para fora e se levantar em
seguida, levando-a para dentro do quarto.
O colchão recebeu os corpos unidos e outra vez as mãos de Micaela
foram para a camiseta de Hadassa. Desta vez, a morena não recuou e ajudou a
tirá-la. A loira fez o mesmo, livrando-se da parte superior do pijama. A
segurança admirou-a por poucos segundos antes de voltar a buscar sua boca
em um beijo quente, deixando transparecer o tesão que estava sentindo, no
ato. Voltou a descer a boca pela pele de Micaela e se encaixou no meio das
suas pernas, beijando seus seios.
Micaela se perdeu no prazer que Hadassa a fazia sentir naquele momento.
A unhas nas costas da morena fizeram pressão e logo deixou a mão
espalmada percorrer seus ombros e omoplatas. Um gemido mais alto escapou
dos seus lábios quando a mão de Hadassa entrou no short do pijama, e ficou
acariciando seu sexo por cima do tecido da calcinha. A morena voltou a
encarar seus olhos, posicionando-se parcialmente em cima do seu corpo
enquanto os dedos afastavam a lateral da pequena peça que usava. Fechou os
olhos e mordeu o lábio inferior ao sentir o toque no seu sexo, já ensopado
pelo tesão.
— Gostosa – sussurrou Hadassa, ao sentir a umidade em seus dedos. –
Rebola pra mim.
Micaela voltou a encarar os olhos verdes e começou a movimentar o
quadril, de encontro a mão da morena. Deu um sorriso sacana e começou a
estimulá-la com palavras, para que pudesse senti-la por completo em seu
sexo. Outra vez sentiu a boca indo para o seu seio e jogou a cabeça para trás,
quando um dedo a penetrou lentamente. A intensidade das chupadas nos
seios aumentou, quando sentiu outro dedo se juntar ao primeiro. Enfiou as
mãos nos cabelos negros, e abriu mais as pernas para que a morena tivesse
espaço. O ritmo das estocadas no sexo aumentou um tom e seus gemidos
acompanharam na mesma proporção, denunciando o prazer que sentia.
Quando Hadassa sentiu que Micaela estava prestes a gozar, tirou a mão
de seu sexo, causando um gemido, com um tom de revolta. Se virou para o
lado e pegou o prendedor de cabelo, amarrando-o rapidamente. Tirou as duas
únicas peças que a jovem ainda usava e desceu pelo seu corpo, traçando uma
trilha pelo seu corpo, até chegar ao sexo. Encaixou suas pernas em seus
ombros e entre beijos, deixou a boca se alojar no meio das suas coxas,
tomando-a num oral. A língua passou a conhecê-la, intimamente, variando do
clitóris a vagina, sentindo-se extasiada pelo sabor que provava.
Micaela deixou um pé passear pelas costas de Hadassa, enquanto
enroscava os dedos da mão esquerda nos cabelos negros. Já havia ido para
cama com alguns parceiros e parceiras sexuais, mas nunca tinha recebido um
oral como o que provava naquele momento. A forma intensa com que ela a
explorava, levando-a a ter sensações jamais provadas. Saiu completamente de
orbita quando a boca se concentrou no clitóris e dedos tornaram a penetrá-la.
Sem conseguir se controlar, o corpo retesou, entregando-se a um gozo
intenso.
Hadassa esperou que a jovem recuperasse o folego, enquanto a chupava
calmamente, curtindo os pequenos espasmos que seu corpo dava. Escalou sua
pele novamente e beijou sua boca, demoradamente, se acomodando sobre seu
corpo, com um braço apoiado no colchão.
— Caramba, Hadassa! – suspirou Micaela acariciando-a inteira. – Que
delícia! Você é melhor do que eu tinha imaginado!
— E já tinha imaginado isso? – perguntou ao depositar um beijo em seus
lábios.
— Várias vezes – sorriu. – Teremos que fazer um pacote mensal para
Noronha, isso é certeza!
Hadassa riu, virando-se na cama, puxando Micaela para que ficasse por
cima de seu corpo. Deixou suas mãos a acariciá-la inteira, sem impedimentos,
com os lábios colados em perfeita sincronia. Micaela enfiou a mão por dentro
de sua bermuda, fazendo-a deslizar por suas pernas junto com a boxer.
Ajudou-a a se livrar das peças e se sentou, com a jovem enganchada em seu
corpo. A mão voltou para o sexo e tornou a penetrá-la, curtindo as reações de
seu rosto, que demonstravam prazer. Micaela rebolou com vigor, com as
mãos no seu pescoço enquanto, outra vez, sentia-se desmanchar em seus
braços. Outra vez Hadassa segurou para que Micaela não gozasse e grudou
no seu corpo, fazendo a loira deitar-se novamente. Encaixou seu sexo contra
o da loira e começou a se movimentar devagar, aumentando o ritmo enquanto
assistias as reações de Micaela, completamente entregue ao momento de
tesão. Puxou sua perna, pressionando-a contra a barriga e juntas foram
conduzidas a um orgasmo.
O corpo pendeu na cama, ao lado da jovem, que respirava fundo,
passando uma mão no rosto. Se virou para encarar os olhos azuis e sorriu,
também tentando controlar a própria respiração. Micaela se aconchegou
contra seu corpo, repousando a cabeça contra seu ombro, enquanto mantinha
os olhos fixos na sua pele, onde seus dedos a acariciavam.
— Me ensina uma coisa? – pediu Micaela se apoiando em um braço para
encarar a segurança.
— O que?
— Como não criar expectativa depois disso tudo?
Hadassa riu, levando a mão para acariciar o rosto da jovem.
— Não sei. Se atenha ao fato de que sou sua segurança, que sou dezesseis
anos mais velha que você, que temos vidas completamente diferentes.
— Tudo isso é bobagem – suspirou e se inclinou para beijá-la. – Mas
como disse, o que acontecer aqui, fica aqui. Pode ter certeza que não vou
criar fantasias mirabolantes.
— Prometo me comportar também – brincou.
— Eu preciso te falar uma coisa – sentou-se, puxando o lençol para cobrir
seu corpo. Hadassa também se ajeitou, encarando os olhos azuis. – Não sei se
minha mãe já comentou com você alguma vez, mas nessas últimas semanas
eu sempre a provoquei com... Insinuações a seu respeito. Quando falei da
viagem, falei que era um bom momento para você tirar minha roupa. Entenda
que era uma provocação babaca, e que não vai se repetir novamente,
prometo.
— Isso foi uma armação?
— Não, claro que não! Quero dizer, você poderia ter ficado mesmo na
pousada onde os funcionários estão, mas eu quis você aqui, comigo. Quero
você aqui, comigo. Se minha mãe ficar sabendo disso, ela provavelmente vai
surtar e falar que fiz tudo de caso pensado, mas desde ontem, eu não consegui
avançar sem nenhum sinal de plena concordância sua, porque eu não consigo
ser sacana com você, entende?
— Deixa eu simplificar – respondeu Hadassa passando a mão no cabelo.
– Começou como um jogo e perdeu o controle nele?
— Eu realmente estou afim de você, eu desejei isso que aconteceu hoje,
eu desejei te beijar ontem, apesar de ter conseguido me controlar. É real o que
está acontecendo aqui.
— Você está gostando de mim, Micaela? – Hadassa foi direta.
— Você é incrível, uma mulher de coragem, força – sorriu. – Como não
gostar de você? Você é sincera, consegue me enxergar de verdade e tudo isso
é apaixonante.
— Você sabe que eu preciso me avaliar, não posso lhe prometer nada.
— Não quero que prometa, não quero que pense no amanhã. Vamos viver
o hoje. Eu sei que não está por completa, sei que ainda vai levar um tempo
para estar, e eu vou respeitar isso. Estou te falando isso para que saiba por
mim, e não pela minha mãe, e fique com a ideia de que estou sendo
irresponsável com seus sentimentos.
Hadassa ficou encarando a jovem por alguns segundos, avaliando suas
palavras. Sorriu em resposta, puxando-a para se acomodar em seu colo.
— Obrigada por ter me contado, por ter sido honesta comigo.
— Eu sempre vou ser – respondeu Micaela beijando-a. – E vou ser
honesta outra vez: estou com o tesão lá em cima!
Hadassa sorriu de encontro aos lábios a jovem, virando-a na cama, mais
uma vez. Naquele momento optou por não pensar em nada mais complexo.
Como Micaela havia dito, viveria o hoje e o que acontecesse em Noronha,
ficaria em Noronha.
Capítulo 16
Micaela e Hadassa entraram no restaurante, para o café da manhã, já
quase no final. Haviam passado toda a manhã na cama e só saíram para não
perder a primeira refeição. Micaela seguiu na frente, escolhendo uma mesa à
beira da grande janela de vidro que dava vista para a piscina e o mar à
distância.
— Mica!
A loira se virou, para enxergar July, que estava em pé, rente ao buffet.
— Eu vou falar com ela – disse para Hadassa. – Vai se servindo.
— Eu te espero, se não demorar.
Micaela deu uma piscadinha na direção da morena e saiu ao encontro da
amiga, que a olhava curiosa.
— Oi July!
— Achei que já tinha saído da pousada – falou ao dar um beijo no rosto
da amiga. – Ainda estava na cama com ela?
— Acordamos tarde – sorriu. – Eu achei que vocês já tinham saído.
— Que nada! Não consegui acordar cedo. O que vai fazer hoje, já que
não quer ir com a gente?
— Vou pra Sancho, acho. Dar uma volta aqui pelo centrinho.
— Quer ficar só com ela, né?
— Um pouco.
— E aí? É boa de cama?
Micaela olhou a amiga, tendo certeza que se dissesse a verdade, se
tornaria o assunto da viagem pelo resto dos dias que faltavam.
— Não transamos. Ela é jogo duro – brincou. – Tô quase desistindo!
— Se desistir, Flávio está ansioso em passar uma tarde com você.
— Eu não vou ficar com ele de novo. Conhece meu lema: não se repete
roupas e nem homens!
— Vagabunda! – brincou. – Pelo menos leve essa mulher pra cama, ok?
As meninas estão nas mesas de fora. Não quer se juntar a nós?
— Vocês já estão terminando o café. Nos encontramos à noite, na sua
festa.
— Tá bom, já entendi que quer ficar bem protegida com sua segurança.
Qualquer coisa me mande um zap!
— Pode deixar!
Micaela viu a amiga se afastar e se virou, à procura de Hadassa.
Encontrou-a no balcão, conversando com uma funcionária, apontando
alguma coisa no cardápio. Seguiu até os copos e se serviu com suco de
laranja, indo colocar na mesa em seguida. Retornou para a mesa do buffet e
se serviu com pães e queijos, antes de voltar para a mesa. Hadassa logo
apareceu, com um prato de omelete.
— Suas amigas já foram?
— Estão lá fora. Daqui a pouco vão sair, seguir o roteiro que tinha falado.
— Certeza que não quer ir com elas?
— E perder todo o tempo com você? – sorriu. – Jamais!
Hadassa sorriu em resposta e tomaram café da manhã trocando discretas
carícias, enquanto falavam sobre a ilha e o que veriam naquele dia. As
amigas de Micaela saíram do restaurante depois de vinte minutos e ainda
passaram na mesa para se despedirem da loira. Já era dez e quarenta quando
retornaram ao quarto.
— Agora trocar de roupa e ir curtir uma praia – falou Micaela enlaçando
o pescoço de Hadassa para depositar um beijo em seus lábios. – Trouxe
biquini, né?
— Não uso biquini, mas trouxe uma roupa de banho.
— Ótimo! Vamos curtir um pouco em Sancho, depois voltamos pra cá,
almoçamos e podemos ficar na cama. O que acha? – propôs com malícia.
— Perfeito pra mim – sorriu Hadassa apertando a jovem em seus braços,
ao mesmo tempo em que dava um beijo demorado em seus lábios. – Vai se
arrumar, vou ligar pra minha filha.
Micaela se afastou saltitante e Hadassa manteve o sorriso no rosto,
observando a jovem que se debruçava sobre a mala. Pegou o celular, deixado
sobre a mesa de cabeceira, e saiu para a varanda, discando para a irmã. Com
três toques, escutou a voz de Ranellory entrando na linha.
— Oi Rane. Como as coisas estão por aí?
— Tudo tranquilo! Não levei Isa na escolinha hoje. Já que vai mudar de
escola mesmo, acho que é bom nem levar. Na parte da tarde eu vou falar com
professora dela e pedir o papel da lista.
— Pode mandar ela pra escola na segunda e não pega o papel por agora.
Na segunda feira estou de volta e resolvo isso.
— Algum problema?
— Sim.
— O que foi? – perguntou, preocupada.
Hadassa olhou para dentro do quarto, sem enxergar Micaela que estava
no banheiro. Abaixou o tom de voz para continuar a conversa.
— Em casa eu te explico, mas é bem provável que não tenha mais um
emprego na segunda.
— O que você fez, Hada?
— Fiquei com Micaela.
— O que?! Como assim?!
— Aconteceu, eu... Eu gosto dela, gosto do jeito leve dela, e acabou
rolando hoje de manhã. Estamos até no mesmo quarto. Impossível resistir,
mesmo se quisesse.
— Você não quis resistir, não é?
— Não, não quis. Eu quis o que aconteceu, tanto quanto ela.
— Ai, minha irmã! Não sei se fico feliz por ver você seguindo a vida ou
se fico preocupada por ter feito isso justamente com a sua patroa! Caramba,
Hadassa!
— Meu patrão é Mário, estou prestando serviço pra Júlia.
— Isso muda o que? Que diferença faz?
— Nenhuma, né?
— Não – riu Ranellory. – Mas gostei de uma coisa: parece que estou
vendo aquela Hadassa que me lembrava da adolescência, quando tinha treze,
quatorze anos. Impulsiva, intensa! Quanta saudades eu senti dela!
— Estou bem. Estranho isso – sorriu ao passar a mão no cabelo. – Já fazia
tanto tempo que não me sentia assim. É lógico que não vou voltar a ser
aquela pessoa de anos atrás, mas... Sei lá.
— Você ficou por um tempo muito longo de luto. Acho que está
estranhando sentir felicidade de novo e posso lhe assegurar, ela existe, existe
pra você e só estava esperando você ficar pronta para isso. Agora me diga,
porque você acha que vai ficar sem emprego?
— Porque quando Júlia ficar sabendo disso, ela me manda embora. Seja
por causa de Micaela ou... sei lá. Ela me beijou naquele dia que fomos na
escola. Quer dizer alguma coisa, não é? Mesmo se não for o caso, eu não
posso continuar protegendo Micaela depois de ficar com ela.
— Oi?! Você ficou com Júlia e agora está ficando com Micaela?! –
espantou Ranellory, com a única informação captada na fala da irmã.
— Não, Rane. Ela me beijou. Eu não sei que tipo de expectativa que ela
criou ou qual ideia que eu passei pra ela, pra fazer aquilo.
— Você nunca foi afim dela?
— Nem poderia ser, você sabe disso. A mulher é casada, jamais me
enfiaria no relacionamento de alguém.
— Mas não nega minha pergunta.
— Para de viagem, Rane, acabei de falar que fiquei com Micaela, que
muito provável que vamos ficar todo esse final de semana. Já falei pra ela não
criar expectativas, que as coisas podem ficar confusas porque meu coração
ainda é de Rebeca, sempre será.
— O pra sempre é muito tempo. Você precisa sair desse luto, você
precisa voltar a viver e se for com Micaela, tem todo meu apoio.
— Obrigada, Rane – respondeu vendo Micaela retornar ao quarto. – Isa
está por aí?
— Fabiana pediu para deixar ela ir brincar com Valentina na casa dela.
Está pra lá.
— Não deixa ficar o dia todo, não.
— Tá bom. Vai curtir sua loira, a viagem, que de trabalho passou longe.
Quando chegar aqui conversamos. Me manda fotos, por favor!
— Tá bom. Te amo.
— Também te amo. Se cuida!
Hadassa desligou o telefone e ficou rodando na mão, indo se encostar no
batente da porta de correr. Ficou olhando Micaela que estava na frente do
espelho, já vestida num biquini e colocando um brinco. Admirou-a por alguns
minutos, pensando nas palavras de Ranellory. Sentia-se como se estivesse
tomando ar puro, depois de um período obscuro.
— O que foi? – perguntou Micaela ao sentir o olhar insistente de
Hadassa.
A segurança nada respondeu. Jogou o celular em cima da cama, enquanto
se aproximava de Micaela para envolvê-la em um abraço, buscando sua boca
para um beijo demorado. As línguas se enroscaram em um bailar
sincronizado, e as mãos desceram para suas pernas, pegando-a para se
encaixar na sua cintura, levando-a até a cama. Se afastou para enxergar seus
olhos, transbordando desejo.
— Eu quero te provar mais uma vez, antes de sairmos.
— Toda sua – sorriu a jovem, fazendo a tanga deslizar por suas pernas.

Hadassa e Micaela saíram da pousada com o relógio já marcando meio


dia. Foram de buggy até a entrada de Sancho e seguiram pelo deck até
chegarem ao mirante. Micaela puxou a morena até a cerca de madeira, para
olharem a paisagem de tirar o fôlego.
— Não é lindo isso aqui? – perguntou maravilhada.
— É lindo demais! – concordou a Hadassa. – Nunca tinha visto nada
igual!
Hadassa olhou, encantada com o cenário. O deck de madeira estava
disposto em cima das rochas que contornavam a praia, deixando-a inacessível
para carros. A única forma de acessá-la era por ali, onde desceram por uma
escada de ferro, colocada entre as pedras. Seguiram entre as frestas, até sair
em outra escadaria, dessa vez de madeira, que terminava na praia.
— Isso sim eu chamo de uma praia exclusiva – sorriu a segurança
olhando para as rochas, de onde haviam descido.
— É. E olha essa água! – falou Micaela deixando a bolsa na areia e
caminhando em direção a orla.
Hadassa acompanhou a jovem, admirando o azul da água, que dava para
ver o fundo, devida a transparência.
— Eu preciso dar um mergulho aqui! Lindo demais!
— Vamos! Só toma cuidado porque tem tubarão. Eles não atacam, tem
pouquíssima incidência de acidentes com eles, mas se bater um braço ou
perna neles, pode ganhar uma mordida.
— Tubarão? – repetiu Hadassa pausando o ato de tirar a camiseta regata.
– Acho que talvez seja melhor só olhar de longe mesmo.
— Para de ser boba! É só não ir muito para o fundo, se for, só tomar
cuidado.
Hadassa tirou a camiseta e permaneceu de top e bermuda. Micaela
também fez com que o vestido que usava fosse parar junto a camiseta da
segurança, ao lado da bolsa.
— Guarda pra mim, Mic? – pediu Hadassa esticando a carteira e o
celular.
A jovem pegou os itens e colocou dentro da bolsa. Juntas saíram para a
água, entrando em um mergulho. Voltaram à tona com sorrisos nos rostos e
Micaela ajeitou os cabelos para trás, erguendo a cabeça em direção ao sol.
— Queria tanto poder me jogar nos seus braços agora – lamentou ao
tornar a olhar para a segurança. – Uma pena que nossos momentos fiquem
restritos ao quarto.
— Mais tarde você pode se jogar – sorriu Hadassa. – Aqui não seria de
bom tom ser vista aos beijos com sua segurança.
— Com outra pessoa, eu iria apertar o foda-se, mas eu sei que te expor
não seria bom.
— Eu tenho uma curiosidade acerca disso. Quando eu comecei a
trabalhar pra você, foi por causa de uma orgia com sua amiga e dois caras.
Por que lá, naquela situação, não importou?
— Porque é diferente. Eles não... Eles não são especiais pra mim.
— Será que ficaremos só em Noronha mesmo?
— Não sei, mas vamos viver o aqui primeiro.
Hadassa sorriu com a resposta e pegou a mão de Micaela, dentro da água,
para uma discreta carícia. Tornaram a mergulhar e voltaram para a praia,
sentando-se lado a lado, tomando sol. Durante muitos minutos ficaram em
silêncio, mas a curiosidade da jovem, de conhecer mais a segurança, levou-a
a puxar um assunto que não conseguia evitar de pensar.
— Hadassa, eu quero te fazer uma pergunta, mas me responde só se
estiver confortável. Como era com Rebeca?
A segurança olhou para a jovem e ajeitou-se na canga, mirando o
horizonte. Havia evitado de pensar nela para não lhe acarretar culpa, mas não
podia evitar aquele tópico. Melhor que fosse antes, decidiu.
— Se não quiser falar, tudo bem.
— Rebeca era minha vida. Eu acreditei que ficaria com ela sempre, que
nunca nos separaríamos. E se acontecesse de ela se apaixonar por outra
pessoa, eu ia ficar mal, mas lhe desejaria felicidades. Não imaginava que
seriamos separadas daquela forma.
— O que aconteceu?
— Ela foi vítima de uma bala perdida.
— Sinto muito! Não imagino a dor que deve ter passado.
— Eu fiquei completamente desestabilizada. Demorei seis meses para
conseguir voltar ao trabalho, um ano de terapia. O que me manteve forte foi
Isabela e Ranellory.
— Isa tinha que idade?
— Dois anos. Foi um mês depois do seu aniversário.
— Ela tem lembranças da mãe?
— Eu sempre mostro fotos da Rebeca pra ela. Eu quero que ela cresça
sabendo que a mãe dela foi um ser humano extraordinário.
— Ela vai saber sim. Vocês eram muito apaixonadas, não é?
— Ela era horrível! – riu Hadassa, lutando contra uma lágrima que
invadiu seu olho. – Ela era uma bagunceira de mão cheia! Não conseguia
pegar uma coisa e colocar no lugar de novo! Era eu que sempre tirava a
toalha molhada da cama. Vivia atrasada, era impossível pra ela cumprir um
horário, a gente perdeu até um voo por causa dos atrasos dela. Tinha mania
de assistir todos os programas bobos da tevê e sabia todas as músicas que
tocavam na rádio preferida dela. Ela tinha quarenta e dois anos, mas a alma
dela não devia ter mais que dezoito! Ela era pura luz.
Micaela se adiantou para secar a lágrima que rolou pelo rosto de Hadassa.
Deu um beijo em seu ombro, puxando-a para um abraço.
— Dói muito ainda, não é?
— Me desculpe. Eu não devia falar disso com você. Principalmente
depois do que aconteceu entre nós.
— Não quero que tenha receios comigo – respondeu a jovem se afastando
para encarar seus olhos. – Sempre que quiser falar comigo a respeito dela, eu
vou te escutar.
— Obrigada. Vou dar um mergulho.
Micaela assentiu e ficou vendo Hadassa se afastar até o mar e entrar.
Ficou admirando-a por um longo tempo, pensando em tudo o que ela havia
lhe dito. Nunca havia se apaixonado por alguém, de forma tão intensa, como
parecia ser o que a morena nutria pela ex mulher. Pousou um cotovelo no
joelho e refletiu se um dia seria capaz de amar alguém daquela maneira, tão
entregue, amando até seus defeitos.
Sorriu em sua direção quando ela saiu do mar, a água escorrendo pelo seu
corpo. Pegou o celular da bolsa e tirou uma foto sua. Estava se preparando
para tirar outra quando o visor acusou uma chamada do número de Júlia.
— Oi mãe – atendeu, assistindo Hadassa sentar ao seu lado novamente.
— Oi Mic, se eu não ligar, ninguém liga, não é?
— Foi mal. Algum problema?
— Não. Como está a viagem? Chegaram bem?
— Sim. Tudo tranquilo. Estamos em Sancho agora.
— Você e quem?
— Hadassa. As meninas foram para o mirante dos Dois Irmãos.
— Está se comportando com ela?
— Mãe, não tenho mais dez anos. Por favor, né?
— Está se comportando?
— Sim, está tudo bem. Desculpa por não ligar. Aí está tudo bem?
— Sim. Acabei de falar com seu pai, ele mandou um beijo. Disse para
ligar quando puder.
— Vou dar mais um mergulho, depois vamos voltar pra vila, aí ligo pra
ele.
— Tá bom. Se divirtam aí.
— Estamos nos divertindo. Beijo! – Micaela tornou a guardar o celular na
bolsa, volvendo os olhos para Hadassa. – Vamos caminhar um pouco?
Hadassa aceitou o convite da jovem e saíram a passos preguiçosos pela
orla, molhando os pés na água do mar. Não voltaram ao tópico do casamento
da morena e o assunto se manteve leve, em coisas banais, longe do cunho
pessoal. Voltaram para a água depois de um tempo e somente quando o
estômago começou a reclamar de fome, é que se despediram de Sancho.
Micaela reclamou durante toda a subida até o mirante: a única coisa que
detestava naquela praia era ter que voltar e subir as escadarias que sempre lhe
parecia sem fim. Assim que chegaram no mirante, pararam para tirar fotos e
só depois foram para o buggy que as levaria de volta a pousada.
— Eu preciso, urgente de um banho! – exclamou Micaela ao jogar a bolsa
no sofá. – Um banho e almoço!
— Que horas vai começar a festa de July? – perguntou Hadassa deixando
o celular e a carteira sobre a mesa de café.
— Umas dez da noite. No convite está marcado oito, mas ninguém segue
esses horários.
— Dá tempo de descansar um pouco. Vamos tomar seu banho? –
convidou ao pegar a mão da jovem, puxando-a para si.
— Vamos – sorriu Micaela de encontro a seus lábios.

Hadassa olhou para o relógio de pulso, que já marcava dez e quinze da


noite. Micaela estava em frente ao espelho, usando um vestidinho curto,
frente única e descalça, enquanto enrolava o cabelo com um babyliss.
Haviam passado a tarde na pequena Vila dos Remédios, indo aos lugares que
a jovem indicava serem bons para conhecer. Quando retornaram a pousada, já
no início da noite, se aninharam nos braços uma da outra e descansaram para
a festa que prometia se arrastar pela noite toda.
— Você vai assim mesmo? – perguntou Micaela encarando-a através do
espelho.
— Eu sou sua segurança, Mic, não uma convidada da festa.
— Não precisa ir toda sisuda desse jeito. Eu gosto de te ver assim, mas
não precisa, entende?
— Entendo, mas eu ainda sou sua segurança e, pelo menos na festa, eu
tenho que comportar como tal.
— Tá bom. Já estou pronta – disse, soltando os cachos com as pontas dos
dedos. A última coisa que pegou, foi a sandália já separada ao lado da cama.
– Como estou?
— Linda, como sempre! Mais ainda.
— Então vamos porque já passei um pouco do horário.
— Tecnicamente, duas horas e meia – sorriu Hadassa se desviando do
beijo que Micaela intentou dar em seus lábios. – Eu vou ficar com todo esse
batom.
— Vai não. É matte.
— Certeza?
— Vem aqui, tonta!
Hadassa beijou os lábios de Micaela, suavemente, antes de se afastar e ir
até um espelho conferir se não havia ficado com manchas. A loira resgatou a
pequena bolsa de cima da mesa e saíram do quarto, em direção ao carro que
já a esperava. Hadassa tomou o cuidado de ir no banco da frente, mas sempre
desviava os olhos para o espelho retrovisor, onde conseguia enxergar a
jovem. Com cinco minutos, pararam na frente do local e Hadassa desceu,
para abrir a porta para Micaela em seguida. Seguiu-a dentro do local, onde
logo identificou o mesmo grupo de viagem. Várias outras pessoas estavam
presentes, que não tinha visto antes, e ficou mais afastada, enquanto ela
cumprimentava os presentes. Quando a loira fez menção de puxá-la para se
aproximar, balançou a cabeça em sentido negativo, que foi respondido com
uma caretinha pela jovem.
Durante grande parte da noite, Hadassa se manteve afastada, mas sem
tirar os olhos de Micaela que se mostrava com um social bem forte. Andava
de um lado para o outro, conversava e dançava com a maioria dos presentes.
Outra vez viu a figura doce, com a qual estava acostumada, mudar
completamente, dando espaço para a patricinha esnobe. Também percebeu
que o homem, chamado Flávio, sempre estava rondando onde ela estava,
levando bebidas e mais bebidas a ela.
— Com licença, Kelly – pediu ao se aproximar da funcionária com quem
havia conversado na noite anterior. – Quem é Flávio Miranda?
— Você tá brincando, não é?
Hadassa se limitou a encarar a mulher, enquanto ela a olhava como se
tivesse dito uma blasfêmia.
— Sério mesmo que não sabe quem é esse gato?! Ele é ator. É
protagonista na novela das sete.
— Obrigada.
A segurança voltou para seu ponto de observação, enxergando Micaela e
o ator dançando junto com outros convidados. Começou a ficar em alerta ao
perceber o sorriso fácil no rosto de Micaela. Acompanhou mais de perto
quando o viu ir até as bebidas, pegar outro drinque e entregar para a loira.
Resolveu que era hora de interferir quando ele ofereceu algo, discretamente, à
jovem.
— Boa noite, Flávio – falou em tom cordial.
— Oi. Estou me divertindo aqui, daqui a pouco eu dou autógrafos, tá
bom.
— O nome dela é Hadassa – informou Micaela.
— Ah, desculpe. Eu não te reconheci.
— Nem iria porque não sou alguém que frequente o mesmo círculo que
você. Eu sou segurança de Micaela e vi você oferecendo algo a ela, muito
provavelmente ilícito, já que guardou tão rápido com minha aproximação –
falou baixo, próximo ao seu ouvido. – Ela está se divertindo de boa, ok? Não
precisa dessas coisas.
— Ih tá viajando, caralho!
— Eu sei o que vi. Pare de tentar embebedar ela, porque eu não vou
permitir que isso aconteça, a menos que ela queira.
— Micaela, vai deixar essa mulher fazer isso?!
— Você estava mesmo me oferecendo, Flávio. Vaza daqui, vai.
— Quem perde é você, como sempre.
Micaela sorriu para o homem que se afastava, e se virou para Hadassa,
ainda ao seu lado, atenta ao ator que parava em outro grupo.
— Minha salvadora! – falou em tom brincalhão.
— Você não ia aceitar aquilo, não é?
— Hoje não. Se não estivesse aqui, bem provável que sim.
— Ainda bem que estou aqui. Cuidado com a bebida.
Hadassa tornou a tomar distância de Micaela, enquanto ela se enturmava
em outro grupo. Pode perceber, pelas horas seguintes, que bebeu menos e
alguns dos coquetéis pareciam ser sem álcool. Flávio ainda foi falar com a
jovem outras duas vezes, mas ficou claro a ela que Micaela outra vez o
dispensou.
A noite já ia alta quando as músicas mudaram para um ritmo latino.
Hadassa tentou não prender os olhos em Micaela, mas foi impossível não
acompanhar os movimentos do seu corpo. Pela noite toda havia notado como
ela era uma excelente dançarina. Chegou à conclusão de que devia ter feito
algum curso de dança, ou algo do gênero, dado a forma como ela se mexia de
maneira tão sensual. Não pode deixar de sorrir na sua direção, enquanto ela
vinha dançando na sua frente.
— Vamos, pé-de-valsa? Me acompanha em uma?
— Aqui não, Mic. Tem uns cento e cinquenta celulares com câmeras
aqui.
— Que irão registrar que minha segurança é uma boa dançarina.
Micaela se virou, encaixando-se em Hadassa que deixou suas mãos irem
para sua cintura ao se inclinar para cochichar no seu ouvido.
— Dança coladinha em mim mais tarde.

Júlia despertou com o chamado de Mariana em seu quarto. Pegou o


celular para conferir a hora, indicando que já era nove horas da manhã.
— Oi Mariana – cumprimentou em meio a uma espreguiçada. – Dormi
demais, não é?
— Um pouco, mas não tem nenhum compromisso pela manhã.
— Algum problema, então?
— Eu acho que não é um problema, mas disse que queria saber se saísse
alguma coisa de Micaela na mídia. Tem uma nota hoje, na coluna da
Francisca Almeida.
— Lógico que Micaela ia dar um jeito de aprontar, mesmo com Hadassa
por lá! O que ela fez?
— Ela não fez nada, Júlia, mas saiu fotos da festa de July e... Bom, veja
você.
Júlia pegou o Ipad que sua assessora lhe direcionava e enxergou uma foto
de Micaela, junto com Hadassa na festa. Não era possível ver claramente o
rosto da segurança no clique, mas sabia que era ela, pela postura e
vestimentas. O título que acompanhava a matéria não tinha especulação:
Micaela Albuquerque curte festa com amigos em Noronha. Voltou os olhos
para a foto, enxergando as mãos de Hadassa na cintura de Micaela, enquanto
claramente cochichava algo em seu ouvido. O que a fez ficar pensativa era o
sorriso que a filha estampava. Rodou a matéria, mas não havia nada que
indicasse qualquer coisa mais intima. Conteve um suspiro, antes de se virar
para Mariana.
— Só isso?
— Só. Não acha que tem alguma coisa nessa foto, não é? Eu já vi elas
abraçadas aqui.
— Eu também já. Achei que ia ver ela em alguma situação
comprometedora! Me assustou! – Sorriu para a assistente.
— Bom, acho que Hadassa está fazendo um bom trabalho em deixar
Micaela na linha. Duas semanas sem escândalos?! Coisa maravilhosa!
Júlia concordou com um riso, enquanto Mariana informava seu primeiro
compromisso naquele dia. Depois de alguns minutos, a assessora saiu do
quarto e se encostou contra o travesseiro, com o celular na mão. Procurou a
coluna de Francisca e abriu a foto das duas. Passou a mão no rosto pensativa.
O que estava acontecendo em Noronha?
Capítulo 17
Hadassa acordou e tentou se mexer, mas automaticamente sentiu o peso
de Micaela sobre seu corpo. A loira usava sua barriga como apoio e virou a
cabeça para admirá-la. Os cabelos loiros estavam esparramos sobre sua costa
nua e o lençol cobria apenas seu bumbum e parte das pernas, deixando-a
numa visão extremamente sexy. Levou a mão até sua cabeça, acariciando-a
lentamente, para que acordasse. A jovem se mexeu e se virou, deitando-se no
colchão. Aproveitou para sair da cama e pegar o celular. O relógio já marcava
meio dia e meia. Depois da festa de July Vitão, ainda tinha visto o dia
amanhecer, com Micaela disposta a saciar um tesão que parecia
incontrolável. Somente depois de gastar toda a energia que ainda lhe restava,
com a loira, é que tinha conseguido pegar no sono.
Depois de colocar um roupão, Hadassa foi até a varanda, admirar a
paisagem e tirar algumas fotos que mandou a Ranellory, junto com outras que
já havia tirado no dia anterior. Conversou com a irmã por mensagem, por
alguns minutos, e voltou para o quarto, onde Micaela ainda estava em um
sono profundo. Pegou o cardápio e pediu uma refeição para as duas, antes de
desligar e voltar para a varanda. Puxou uma cadeira para a sombra e sentou-
se, pensando sobre o que estava acontecendo naquele final de semana. A
primeira coisa que veio à mente foi que tinha arriscado alto e não sabia,
ainda, qual o resultado da sua aposta. Poderia acontecer de nada mudar, que
Micaela não a procurasse fora de Noronha, mas ideia era bastante
questionável. Via e sentia o tanto que Micaela estava envolvida com ela, seu
cuidado em lhe dizer a verdade. Já fazia muitos anos que não fazia sexo
casual, mas se lembrava bem que nunca havia tido conversas sinceras,
naquelas situações, como tivera com Micaela.
Outro ponto, que também martelou na sua cabeça, foi o que ela própria
estava sentindo. Cada dia mais se via nutrindo um carinho gigante pela loira
no quarto. Se lembrava bem de como havia sido a primeira impressão que
tivera dela, impulsiva e mimada, fazendo com que recusasse a vaga. Depois a
garota perdida que se mostrou, um coração capaz de amar sem esperar nada
em troca, além de mordidas e lambidinhas dos animais do abrigo. A forma
como ela sempre mudava quando estavam juntas. Ainda era cedo, e tinha
consciência de que era cedo demais para tudo o que estava acontecendo, mas
sabia, em seu íntimo, que havia começado a desejá-la bem antes de Noronha,
mesmo que não quisesse admitir para si mesma. Sorriu ao se lembrar de um
ditado de que gostava bastante: “não preciso comer um pote inteiro de Jiló
para saber que não gosto de Jiló”. Tinha certeza que não precisava passar
meses com Micaela para saber que gostava dela, da paz que ela lhe trazia.
Por outro lado, também sabia que não era nada intenso como havia
sentido com Rebeca. No segundo encontro com a ruiva, tivera certeza que
queria aquela mulher pelo resto da sua vida. Sabia que com Micaela não
poderia durar. Tinha consciência de que a vida das duas eram muito
diferentes. Com trinta e cinco anos e uma filha ainda pequena, sabia que não
conseguiria acompanhar o ritmo de uma jovem de dezenove anos, ainda com
tantos caminhos para percorrer, caminhos pelos quais ela mesma já havia
passado. Talvez aquele final de semana fosse um ponto de intersecção entre
elas, talvez pudessem seguir caminhos diferentes em algum momento, mas
uma coisa era certa: estava adorando aqueles momentos com Micaela.
O lado prudente também apareceu para passear por seus pensamentos.
Tinha colocado tudo em risco, outra vez. A primeira vez tinha acontecido
com Rebeca, ao se envolver com a chefe do RH da empresa contratante.
Tiveram que deixar o romance escondido por seis meses, até sua
transferência para outro lugar. O envolvimento com Micaela era pior em uma
proporção que não conseguia nem mensurar. Ela era uma pessoa pública e
não queria, de forma alguma, ter sua vida e privacidade exposta na imprensa
como um produto a ser comprado, menos ainda Isabela. Segundo que um
escândalo acabaria com seu trabalho. Era um fato que Mário não a manteria
na empresa e teria que reestruturar sua vida profissional de outra maneira,
talvez até mesmo em uma nova profissão.
Os benefícios de trabalhar para Júlia também foi um ponto que ponderou.
Mesmo que ainda não fosse claro para ela, o que se passava na cabeça de
Júlia, sabia que tinha ganhado a bolsa por causa de um trabalho que,
provavelmente, não faria mais. Era uma consequência de uma escolha que
havia feito e isso, nem de longe, era bom. No momento de tesão com
Micaela, não pensou que a filha poderia ficar sem uma boa formação, mas
isso iria reparar, de qualquer forma: mesmo que ela não fosse para a escola de
Jaqueline, iria mudá-la para uma particular.
— Eh Hadassa! Parabéns! Voltou a ter vinte e quatro anos!
Com um suspiro profundo, Hadassa chegou à conclusão que, mesmo
todas as probabilidades do que poderia acontecer, tudo era apenas achismos.
Só teria certeza de algo quando chegasse de volta ao mundo real, porque ali,
naquela ilha, tinha a sensação de que tudo era uma fantasia. Já tinha dado o
primeiro passo, recuar não iria mudar em nada. O melhor que poderia fazer
era aproveitar o restante dos dias e, na segunda-feira, encarar o mundo de
frente.
A batida na porta tirou-a de devaneio. Entrou no quarto e enxergou
Micaela se mexendo na cama. Fechou o acesso do quarto principal, pegou a
carteira e seguiu para atender o funcionário que havia levado o café da
manhã. Depois do rapaz arrumar a mesa, se despediu ao dar uma gorjeta e
voltou para o quarto principal, vendo que a loira já estava se mexendo na
cama, claramente despertando. Tirou o lençol que cobria seu corpo e escalou
por suas pernas, beijando-a delicadamente. Micaela abriu um sorriso ao sentir
os toques no seu corpo.
— Hum! Que delícia! Nunca fui acordada com tantos beijos!
— Bom dia – sorriu Hadassa ao encarar seus olhos.
— Bom dia!
Micaela deu um leve beijo em seus lábios, e se espreguiçou,
languidamente, enquanto Hadassa apreciava a manha que ela fazia ao
acordar.
— Eu já pedi café para nós aqui. Já está servido.
— Hum! Estou com fome! Depois de todo o trabalho que me deu, muita
fome!
— Eu, né? Vamos?
Micaela a beijou outra vez e saiu nua da cama, andando em direção ao
banheiro. Hadassa ficou observando-a até que a porta fosse fechada e seguiu
para a mesa, onde o café estava disposto. Esperou que a loira voltasse e só
quando ela apareceu, também usando um roupão, é que comeram,
conversando sobre o que fariam naquele dia.
Naquele sábado, Micaela não atendeu e nem respondeu as mensagens das
amigas. Foram até o cais e embarcaram para um passeio por Ilha da Rata,
Morro Dois Irmãos e Praia da Conceição. Assistiram ao pôr do sol da
embarcação e retornaram para a pousada com o dia já escurecendo. Depois de
um demorado banho na hidro, seguiram para curtir a noite de Noronha em
um festival gastronômico.
No domingo, foram cedo para a praia do Boldró e voltaram para a
pousada já com o relógio marcando uma hora da tarde. Pediram almoço para
o quarto e se amaram, uma última vez, sem terem certeza de que aqueles
momentos se repetiriam.
— Eu preciso te falar uma coisa – começou Hadassa, acariciando o corpo
da jovem junto ao seu.
— Diga.
— Eu vou parar de ser sua segurança.
— Oi? – perguntou Micaela sentando na cama. – Por que?!
— Porque eu não posso ser sua segurança depois do que aconteceu aqui.
Eu pensei sobre isso desde ontem e a melhor coisa é colocar minha vaga à
disposição.
— Não faz isso, Hadassa! Como a gente vai ficar?
Hadassa sorriu para a jovem e acariciou seu rosto, antes de dar um beijo
em seus lábios.
— Esse é o problema. Se formos levar isso aqui para fora dessa ilha, eu
não quero que minha filha seja exposta por minha causa. É fato que não
vamos conseguir nos conter, se eu continuar a ficar com você o tempo todo.
Mesmo se não formos continuar, aconteceu e tem consequências.
— E você acha que se não estiver trabalhando comigo, ela corre menos
riscos?
— Ela vai correr de qualquer maneira, mas é bem menos. A questão
também é que não posso ter um envolvimento para quem estou prestando
serviços. É antiético, não posso mentir para os meus contratantes, que são
seus pais. A probabilidade de isso virar uma bola de neve é enorme. É
prejudicial, tanto pra você, quanto pra mim.
— Mas você não vai cortar contato comigo, não é?
— Não, não vou fazer isso.
— Bom, eu vou dar um jeito em tudo, não quero que saia mesmo do seu
trabalho.
— Acho que não tem muita solução para este caso.
— Tem sim. Confia em mim.
— De qualquer forma, eu vou contar o motivo da minha saída. Não vou
esconder isso. Não tenho nem mais idade para ficar fazendo as coisas
escondidas.
— Eu te entendo. Também não gosto, acho que isso que deixa meus pais
de cabelos em pé – riu descontraída e avançou, beijando a morena. – Vai dar
tudo certo.
Hadassa sorriu em resposta e enlaçou Micaela, virando-a na cama ao
mesmo tempo que tirava o lençol que separava seus corpos de ficarem
colados. Independente do que poderia acontecer, arrependimento era algo que
não passava por sua cabeça.

O voo estava marcado para as oito da noite e o grupo já estava reunido no


pequeno aeroporto quando chegaram. Micaela cumprimentou as amigas, ao
passo que Hadassa se juntou à Catarina e Kelly. Embarcaram depois de meia
hora e a viagem durou quase quatro horas. Quando finalmente pousaram,
ainda levaram mais meia hora para encontrarem Ismael que já as esperavam
no desembarque.
— Oi Ismael! – cumprimentou Micaela simpática. – Voltei! Mesmo sem
querer voltar!
— Aproveitou bem a viagem?
— Muito! Não tem ideia!
— Conseguiu acompanhar o pique dela, Hadassa?
— Tem que ter, não é? Trabalhando até uma hora dessas? – perguntou,
acomodando-se no banco do carona.
— Que nada! Estava em casa desde que viajaram. Hoje que Júlia pediu
para ir buscá-las.
A viagem até a casa foi rápida, dado o pouco trânsito do horário. Assim
que entraram na propriedade, Júlia saiu para recebê-las com um sorriso.
Hadassa a cumprimentou com um aceno, sem se aproximar. Micaela foi mais
efusiva, ao dar um beijo no rosto da mãe.
— Fizeram boa viagem?
— Foi ótima! – sorriu Micaela. – Pena que não posso ficar lá.
— Quanta empolgação com Noronha! Já pedi para prepararem uma
refeição pra vocês.
— Obrigada, Júlia, mas só quero dar duas palavrinhas com você e vou
para casa. Estou com saudade da minha pequena – anunciou Hadassa.
— Acredito. Vamos até o escritório.
Hadassa assentiu e se virou para Micaela, que puxava a mala para a
entrada da casa.
— Se não nos vermos mais hoje, boa noite, Mic.
— Vamos nos ver sim. Vou te esperar na sala.
A segurança anuiu e pegou a mochila, antes de seguir Júlia para dentro da
casa. Já no escritório, a atriz foi sentar-se em uma poltrona, enquanto mexia
na mochila.
— Micaela voltou animada! A viagem foi realmente boa, não é?
— Foi sim – concordou Hadassa lhe direcionando o envelope com o
dinheiro que havia recebido. – Aqui está a reserva que disponibilizou.
Micaela não aprontou nada que fizesse eu sair correndo.
— Graças a Deus! Pedi até para Mariana ficar de olho, mas só saiu uma
foto de vocês duas na festa da July.
— Sobre isso, quero uma reunião com você amanhã, pode ser? É um
assunto longo, que pode ser desgastante.
— Algum problema?
— Possivelmente.
— Não me deixa curiosa desde hoje, por favor!
— Eu vou deixar meu cargo à disposição amanhã, pedir para que Mário
me mude para a equipe novamente ou outro contratante. Não tenho mais
como trabalhar como segurança de Micaela.
— O que aconteceu? Preciso de uma explicação.
— Eu fiquei com Micaela em Noronha.
Capítulo 18
Júlia ficou olhando Hadassa, como se não tivesse escutado o que ela tinha
lhe falado. Se levantou e passou a mão no cabelo, enquanto sentia que havia
perdido o chão. Tornou a se virar para a segurança, que a observava,
enquanto esperava que digerisse a informação.
— Você e Micaela transaram, é isso?
Hadassa se limitou a assentir, assistindo Júlia andar de um lado para o
outro, claramente perdida com a informação. A atriz parou, rente à mesa do
escritório e apoiou as mãos, respirando fundo, antes de voltar a encará-la.
— Você já ficava com ela quando fiz aquilo?
— Não. Aconteceu em Noronha.
— Micaela fez isso de caso pensado. Ela me disse que forçaria uma
situação com você e...
— Não foi, Júlia. Ela articulou para que ficássemos no mesmo quarto,
mas o que aconteceu eu quis que acontecesse. Micaela não tem culpa alguma
nisso. Ambas quiseram.
Júlia manteve seus olhos na segurança enquanto recorria à sua carreira de
atuação, para manter o rosto impassível.
— Eu vou pedir para Mariana entrar em contato com Mário amanhã e
solicitar um novo segurança. Obrigada por seus serviços, Hadassa, boa noite.
— Boa noite, Júlia.
A atriz meneou a cabeça e assistiu Hadassa sair do escritório. Se virou
para a mesa e se abaixou sobre ela, apertando os olhos em uma vã tentativa
de controlar as lágrimas. Conhecia aquela sensação de perda, de derrota que
experimentava naquele momento: já tinha vivido outras três vezes, quando
havia se escondido atrás dos seus medos, mas diferente das outras, nenhuma
delas havia ficado com sua filha.
Na sala, Micaela estava sentada no sofá, mexendo no celular, quando
Hadassa apareceu. Sorriu em sua direção e deixou o aparelho de lado, para se
aproximar.
— E aí? Como foi?
— Vamos lá fora?
A jovem assentiu e saiu ao lado de Hadassa, indo para o local onde havia
deixado sua moto.
— Eu falei para Júlia que vou deixar o trabalho, que ficamos.
— Ela deve estar surtada, não é? Não sei como um médico ainda não
receitou algum calmante para ela.
— Sua mãe não é essa pessoa que imagina, Mic, muito pelo contrário, é
uma pessoa muito ponderada. Disse que ia deixar o cargo à disposição e ela
falou que Mariana ia verificar outro. Enfim, acho que ela não assimilou ainda
a informação que ficamos, talvez quando fizer isso, fale alguma coisa.
— Eu vou falar com ela.
— Faça isso, mas vá desarmada, tá bom? Não precisa vestir sua armadura
agora. Você pode não acreditar nisso, mas ela se preocupa mesmo com você.
— Um pouco duvidoso isso, mas vou conversar de boa com ela – sorriu
Micaela ao enlaçar o pescoço de Hadassa com os braços. – Nos vemos
amanhã?
— Provavelmente. Venho trazer as coisas, mas vou ficar com minha filha
à noite.
— Me manda mensagem quando estiver vindo?
— Mando – concordou ao dar uma olhada em volta, para se certificar de
que estavam sozinhas. Deu um beijo em seus lábios e se virou para pegar o
capacete preso na moto. – Até amanhã, Mic.
— Até!
A jovem ainda se adiantou para dar outro beijo nos lábios da segurança,
antes dela colocar o capacete e sair da propriedade. Andou a passos
preguiçosos de volta a casa e pegou a bolsa e o celular, subindo as escadas
para o quarto. Assim que entrou, enxergou a mãe, sentada sobre sua cama,
com o olhar perdido no espelho ao lado.
— Oi mãe – anunciou sua presença. – Acho que precisamos conversar.
— Você conseguiu o que queria, não é?
Micaela suspirou ao ver o olhar de raiva que a mãe lhe direcionava.
Deixou a bolsa e celular sobre a cama e puxou a cadeira da mesa de estudos
para a sua frente.
— Não mãe, não consegui. Olha só, eu sei que te falei um monte de coisa
para te provocar a respeito de Hadassa, mas eu gosto mesmo dela! Ela é
especial, sabe? Não é igual aos caras e garotas com quem já fiquei. Eu gosto
dela de verdade.
— Por que eu não consigo acreditar nisso? – perguntou Júlia sem
conseguir segurar uma lágrima. – Você sempre fez tudo de caso pensado!
Tudo!
— Nesse caso não é – respondeu Micaela se controlando para não alterar
a voz. – Desde que ela chegou aqui, eu... Eu a vi de uma maneira especial.
Aliás, eu sei exatamente quando isso aconteceu, foi no dia em que fui parar
no hospital com uma crise de alergia. Nós conversamos tanto, sem
julgamentos, sem pressão. Ela me enxergou de verdade.
— Ela já tinha ficado com você, antes de irem para Noronha? Como
naquele dia que vocês foram a algum lugar que ela não quis me falar onde era
– Júlia deu um sorriso descrente. – Agora faz sentido a mentira das duas e o
fato de ela ter recusado me dizer aonde foram. Era um motel, não é? A casa
dela, talvez?! Você conhece Ranellory?
— Que?! Mãe, para! Tudo aconteceu em Noronha. Acho que nós duas
estávamos guardando isso, sem conseguir revelar, mas aquele lugar! Aquele
nascer do sol! – suspirou Micaela indo sentar-se ao lado da mãe. – Eu estou
bem, mãe, gostando de alguém de verdade. Hadassa me faz bem. Consegue
ver isso?
— Você está apaixonada por ela?
— Não sei se é paixão, paixão. Nunca senti que me apaixonei de verdade
por alguém, não sei como é isso. Como é? Já que você é apaixonada pelo
meu pai até hoje.
Júlia baixou a guarda, tentando dar um sorriso em meio a uma lágrima,
que tratou de secar em seguida. Se levantou e andou lentamente pelo quarto,
enquanto Micaela esperava uma resposta.
— É a coisa mais intensa que pode sentir por alguém. Como se o mundo
passasse a girar ao redor daquela pessoa e nada mais importasse. É sublime.
Quando se torna amor, é mais mágico ainda. Não é algo possível de explicar.
— Tão linda a forma como ama meu pai – Micaela também se levantou,
indo pegar as mãos da mãe. – Eu estou sendo sincera dessa vez, de uma
forma que acho que nunca fui antes com você. Eu não sei se o que tenho
Hadassa vai dar em alguma coisa, não denominamos nada, mas eu quero
viver isso. Eu quero ficar com ela.
Júlia abraçou a filha com carinho, coisa que fazia anos que não acontecia.
Pela primeira vez, conseguia conversar com a filha, sem que ela viesse com
quatro pedras na mão. Sentia a verdade em sua voz, via verdade nos seus
olhos que brilhavam. Sabia que, naquele momento, não podia ser mulher e
sim, mãe. Como mãe sempre abdicaria de qualquer coisa pela sua filha, pois
jamais competiria com ela. Se ela estivesse bem, era o que importava. Deu
um beijo em seu rosto, e se afastou, encarando seus olhos. Sabia que aquele
era o momento “de tirar o time de campo”.
— Ela te faz bem, não é?
— Faz.
— Sua felicidade sempre vai ser mais importante que qualquer coisa
nesse mundo. Eu sempre vou escolher você ao invés de mim.
— Hadassa quer parar de trabalhar aqui, diz que não fica bem e umas
bobagens éticas. Eu quero ela como minha segurança.
— Eu converso com ela amanhã. Eu vou para Londres encontrar seu pai,
o quanto antes.
— Ué, mas ele não volta na semana que vem? Aliás, ele já está em
Londres?
— Amanhã ele sai da Síria e já vai pra lá. Eu estou precisando dele. Com
saudades dele.
— Sei bem! – riu Micaela ao abraçar a mãe novamente. – Obrigada mãe!
E desculpe pelo que falei dela para te provocar. Mordi minha língua.
Júlia deu um discreto sorriso e puxou sua cabeça, para depositar um beijo
na sua testa.
— Eu quero que seja feliz, ok?
— Tá bom. Agora vou tomar um banho, descansar um pouco.
— Vai sim.
Júlia se despediu da filha com outro beijo em seus cabelos e saiu do
quarto, indo para o próprio aposento. Sentou na beirada da cama e colocou a
mão na cabeça, enquanto apoiava os cotovelos nos joelhos. Conteve o
barulho do choro, mas deu vazão às lágrimas que estava segurando, até então.
Era um misto de sentimentos que não sabia explicar. Chorava por algo que
nunca aconteceu e nem aconteceria, mas principalmente porque, pela
primeira vez, conseguia enxergar a filha, conseguia ver sua verdade. Por mais
que lhe doesse, sabia e via que Hadassa, de fato, fazia bem a ela. E, como
mãe, só poderia deseja sua felicidade. Pegou o celular e mandou uma
mensagem para Mariana, para que ela providenciasse uma passagem, o
quanto antes para Londres.

Hadassa chegou em casa já madrugada. Entrou sem fazer muito barulho,


já que Ranellory e Isabela já estavam dormindo. Entrou no quarto da filha e
deu um beijo leve em seus cabelos, para não a acordar e seguiu até o da irmã,
que estava com a porta meio aberta e enxergou-a abraçada a Cristiano.
Seguiu para o quarto e colocou a mochila em cima da cama, sentando-se em
seguida. Passou as mãos no cabelo e se virou para ver o retrato de Rebeca, na
mesa de cabeceira. Não conseguiu conter o aperto que lhe atingiu e tirou o
calçado, pegando a foto da esposa em seguida, encostando-se contra a
cabeceira da cama. Passou as pontas dos dedos sobre seu rosto, enquanto uma
lágrima escorria pelo seu rosto.
— Se eu tivesse alguma escolha, era você que estaria aqui comigo,
ninguém mais, mas eu tenho que seguir a vida, não é? Eu sei que você iria
querer isso pra mim. Eu nunca vou amar alguém como eu te amo, não seria
capaz disso – sorriu ao secar a lágrima. – Você sempre será parte de mim, eu
sempre terei uma parte sua, literalmente, em Isabela. Estar com Micaela não
significa que eu te esqueci, tá bom? Significa que eu estou tentado, que estou
me dando uma nova chance. Você entende, não é?
Hadassa deitou na cama e colocou a foto de lado. Deu um profundo
suspiro, enquanto tentava fazer a mente não trabalhar tanto. Decidiu tomar
um banho depois de um tempo e estava a caminho do banheiro quando o
celular tocou com uma mensagem de Júlia.
“Está aí?”
Hadassa tornou a se sentar na cama e abriu o aplicativo.
“Oi Júlia. Estou acordada.”
“Posso ligar ou está muito tarde?”
Hadassa coçou o pescoço. Que fosse antes, decidiu.
“Pode.”
Não demorou um minuto para que o celular acusasse uma ligação.
— Oi Júlia.
— Oi Hadassa, desculpa ligar esse horário, mas é importante que seja
agora, amanhã eu tenho um dia bem corrido.
— Tudo bem.
— Eu conversei com Micaela, ela... Bom, ela está bem, feliz, você tem
feito muito bem a ela. Não quero que pare de trabalhar aqui. Também estou
indo para Londres amanhã à noite, não quero passar por um processo de
contratar outro segurança por agora, principalmente porque vou ficar longe e,
de qualquer forma, agora com vocês juntas... Você já vai passar bastante
tempo com ela. Só vou pedir que tomem cuidado com imprensa. Não quero
nada na mídia.
— Não é minha intenção me promover em cima de Micaela, Júlia. Eu
tenho uma filha de cinco anos e a pior coisa que pode acontecer é expor ela
na mídia.
— Não falei por mal, é que conheço como eles são e uma coisa pequena
pode virar uma bola de neve.
— Sobre a questão do trabalho, eu não acho que seria de bom tom
continuar com ela.
— É o melhor. Você é segurança dela, natural que sejam vistas juntas nos
mesmos lugares. Começariam a fazer especulações se... Enfim, acho que
entende.
— Olhando por esse lado sim, eu entendo.
— Amanhã pode vim mais tarde. Micaela não vai para a faculdade e não
precisa chegar cedo. Umas dez horas está bom.
— Você quer falar sobre o que está realmente lhe incomodando?
— Sobre o fato de eu ter beijado a namorada da minha filha? Acho
melhor não. Vamos esquecer isso e, se puder, não conte nada pra ela, por
favor.
— Nós não estamos namorando e pode ficar tranquila, ela não vai saber.
— Você tinha que ter me dito que estava gostando dela. Teria me
poupado essa vergonha.
— Eu não achei que faria aquilo, mesmo com os sinais que estava me
dando, eu... Você é uma mulher casada, Júlia! Mesmo que não tivesse
acontecido nada com Micaela, eu não poderia ficar com você porque não iria
me meter no casamento de alguém.
— Não precisa me falar nada, Hadassa, eu já entendi. Eu vou ficar com
meu marido, como você bem colocou, sou uma mulher casada, vou para
Londres encontrá-lo. Acho que te beijei por carência, ele está longe há muito
tempo, você é uma pessoa envolvente e tem razão: eu não deixaria Alberto, a
vida que temos, por ninguém. Eu o amo.
— Entendeu mesmo?
— Sim. Minha irmã me disse que Ranellory não levou os documentos de
Isabela para a escola. Até quando vai deixar minha neta perder aulas? –
perguntou tentando imprimir um clima leve para a conversa.
Hadassa não conteve o riso diante da fala de Júlia.
— Amanhã, antes de ir para o trabalho, eu passo lá.
— Ah Deus! Micaela tinha que se envolver justo com você?! E ainda me
dar a alcunha de avó? Não tenho nem roupa adequada para ser avó ainda.
— Nós vamos ficar bem, Júlia. E não precisa se preocupar com a alcunha
de avó. Não sei se o que tenho com Micaela vai dar certo.
— Por que acha que não?
— Está muito recente para isso, não acha?
— Acho. Bom, eu fiquei bem impactada com a notícia, mas vai passar.
Espero que você faça minha filha feliz. Como sogra, eu sou um pouco mais
chata.
— Eu espero que todas nós sejamos felizes. Você é uma pessoa
maravilhosa, Júlia, um ser humano incrível, merece toda a felicidade do
mundo.
— Você também é. Cuidem uma da outra e que aconteça o que tiver de
acontecer.
— Vai acontecer o que tiver de acontecer.
— Vai dormir, já é quase três da manhã. Depois nos falamos mais.
— Boa noite Júlia, um bom descanso.
— Pra você também.
Hadassa desligou a chamada e ainda ficou um tempo olhando para a tela
do aparelho, antes de se levantar e ir para o banheiro. Se despiu devagar,
enquanto pensava em Júlia e na conversa que haviam tido. Ergueu a cabeça
contra o jato de água, tentando limpar a própria mente, turbulenta.
Capítulo 19

A noite foi insone para a atriz. A todo momento se virava de um lado para
o outo, pensando no que tinha acontecido naquele final de semana. Se sentia
completamente mal por ter tido atração por Hadassa, por ter tomado a
iniciativa de demonstrar sua atração, quando, na verdade, a morena estava
afim de sua filha. O pior disso tudo era que teria que conviver com a morena
dentro da sua família, como namorada de Micaela.
Por um longo tempo também pensou em Micaela. Era inegável que
Hadassa estava fazendo bem a ela. Havia conseguido ter uma conversa séria
com a filha que não terminasse em discussão, já tinha dias que ela não
promovia nenhum escândalo na mídia. Conseguia ver, nitidamente em seus
olhos que ela estava apaixonada. Não havia restrições de sua parte que ela
saísse com uma mulher, nem poderia ter, mas era incomodo por saber que era
Hadassa.
O dia amanheceu sem que conseguisse pregar os olhos. Escutou o
discreto barulho dos funcionários chegando para o trabalho e ainda enrolou
na cama, por um longo tempo, antes de se levantar e ir tomar um banho.
Deixou a água quente correr pelo seu corpo, levando a noite não-dormida e
sua frustração para o ralo. Se vestiu lentamente, decidida a colocar uma Júlia
diferente no lugar. Não era mais a mesma da noite anterior ou a da semana
anterior. Estava escondendo aquela Júlia, para que uma nova surgisse.
Mariana interrompeu seu momento de reflexão ao entrar no quarto.
Estava terminando a maquiagem quando ela se aproximou.
— Bom dia, Júlia. O que aconteceu para ir para a Europa tão
repentinamente?
— Saudades do Alberto – sorriu para a assessora. – Eu sei que ele volta
na próxima semana, mas não quero mais esperar. Também quero conversar
algo com ele, longe de Micaela.
— Algum problema?
— Depende do ponto de vista. Micaela está namorando com Hadassa.
— O que? Como assim?!
— Bom, tanto ela quanto Hadassa dizem que não sabem ainda onde isso
vai dar, mas sabemos que pode durar um bom tempo.
— Como você está com isso? – perguntou Mariana, preocupada.
— Olha, Micaela nunca enganou que gosta de mulher também, não é?
Pessoas, como ela gosta de dizer. Ela se atrai por pessoas.
— Mas teve alguma discussão? Algo que...
— Não, não. Eu achei, a princípio, que ela estava fazendo isso como uma
forma de afronta, alguma maneira de tirar a guarda-costas, mas foi Hadassa
que me contou primeiro ontem, depois conversei com Micaela. Eu consegui
conversar com Micaela! Tem noção do que é isso?! – perguntou mantendo o
sorriso no rosto.
— Hadassa é bem mais velha que ela.
— O que não é problema algum. Alberto também é mais velho que eu.
Quinze anos mais velho, a diferença delas é de dezesseis anos.
— Como você acha que ele vai reagir com isso?
— Não sei. Realmente não sei, por isso que prefiro ir encontrá-lo em
Londres para conversar sobre isso longe delas. Pelo que conheço dele, não
fará objeções, mas é a primeira vez, de fato, que ela arruma um namoro sério.
— Mas você disse que elas falaram que não é sério.
— Pelo que entendi estão indo com cautela, algo completamente
compreensível também, mas espero mesmo que firmem. Micaela precisa de
alguém mais centrado e Hadassa faz bem a ela.
— Caramba! Isso é uma tremenda novidade!
— Não é?! – deu um risinho. – E ainda ganhei uma neta no processo!
Preciso que me arrume umas roupas mais adequadas para isso. Algumas que
pareça de vovó mesmo.
Mariana deu risada, ainda olhando para Júlia com desconfiança. Balançou
a cabeça em sentido positivo e desviou o assunto para a viagem, que havia
conseguido para aquela noite. A atriz demonstrava leveza e entusiasmo no
que estava falando, mas a conhecia como poucas pessoas. Porém se Júlia não
queria falar nada, não seria ela a tocar no assunto.
— O que você vai fazer hoje? Sua agenda está vazia.
— Tenta um atendimento completo com Rafael no salão dele. Veja se
pode me atender. Caso contrário, tente alguém do Janine. Vou passar na
minha irmã, para conversar com ela, depois venho arrumar minhas coisas.
Dez horas o voo, não é?
— O embarque. Decolagem é as onze.
— Perfeito.
Júlia terminou de se arrumar e pegou os óculos escuros, já colocando no
rosto. A bolsa já estava sobre uma poltrona e a acomodou no antebraço,
saindo do quarto em seguida. Desceu as escadas em direção a porta de saída,
com Mariana no seu encalço e saiu para a frente, onde seu carro já estava
esperando-a.
— Meu celular! – lembrou. Abriu a bolsa para ter certeza que havia
ficado no quarto. – Você pega pra mim, Mariana?
A assessora concordou e voltou para dentro da casa. Júlia fez menção de
embarcar, mas o portão abrindo, fez com que pausasse o ato. Enxergou
Hadassa entrando com a moto, indo para o lado da garagem. Ficou batucando
o teto do carro, deliberando se deveria ir até ela, mas antes que pudesse tomar
qualquer decisão, enxergou-a aparecendo na lateral da casa. Observou-a
através das lentes escuras dos óculos, e tentou não se focar no casaco de
couro aberto, que revelava a camiseta por baixo, colada no corpo. Era tão
errado, em níveis que nem conseguia mensurar. Escondeu seu desconforto
com um sorriso.
— Bom dia, Hadassa.
— Bom dia, Júlia.
— Bom, eu já estou de saída e... – Júlia titubeou ao olhar para o motorista
ao lado. – Vem aqui, um pouco.
Hadassa acompanhou a atriz para um canto na entrada principal. Júlia
tirou os óculos, para encarar a segurança.
— Agora você tem uma liberdade maior aqui, então, se quiser, pode ir no
quarto de Micaela, tá bom? Só não... é...
A segurança sorriu diante do embaraço da loira, ajeitou os cabelos soltos
com a mão esquerda, pensando se devia ou não interromper sua tentativa
frustrada de alertá-la.
— Eu não vou no quarto da Micaela, Júlia. Menos ainda pelo motivo que
está imaginando. Não iremos transformar sua casa em um motel.
— Sempre esqueço de como você é direta! – riu a atriz, voltando os olhos
para o chão. Tornou a encarar os olhos verdes e mordeu o lábio inferior, para
conter o riso de nervoso. – Obrigada por isso, tornar minha fala mais fácil.
— Vai viajar hoje?
— Vou. Meu voo sai às onze da noite.
Hadassa balançou a cabeça em sentido positivo, sem desviar os olhos de
Júlia que sustentava seu olhar. Tornou a ajeitar o cabelo num ato
desconcertado.
— Para de fazer isso! – resmungou Júlia baixinho.
— Não entendi.
— Para de arrumar o cabelo assim – repetiu em voz alta. – Eu preciso ir.
Provavelmente não te veja mais, então, fiquem bem aqui, tá bom.
— E você faça uma boa viagem. Se divirta por lá.
— Obrigada.
Júlia deu o primeiro passo para abraçar Hadassa, em uma despedida.
Encostou a cabeça em seu ombro, imprimindo força nos braços para um
abraço mais forte. A segurança correspondeu e deu um beijo nos seus
cabelos.
— Estamos lhe esperando, Júlia – Mariana se aproximou. Já tinha visto a
atriz com a segurança, mas achou de bom tom, interromper o momento das
duas.
— Já vou – respondeu a atriz ao se afastar do contato. Enxergou a
assistente tomar distância novamente e voltou a olhar para Hadassa. – Cuide
bem de Micaela. Literalmente é sua responsabilidade.
— Vou cuidar.
Júlia anuiu e saiu em direção ao carro, sob o olhar de Hadassa. A atriz
entrou no banco detrás e saíram da propriedade. A segurança coçou a cabeça
e seguiu para a área dos funcionários, seguir sua rotina e esperar Micaela
acordar.

Júlia colocou a cabeça contra o encosto do banco e policiou os


pensamentos. O arrepio na nuca, que havia sentido, segundos antes, havia se
tornado completamente inapropriado e descabido. Tecnicamente, Hadassa
havia se tornado sua nora e não podia mais pensar nela, como pensava antes.
Deu um suspiro audível e voltou os olhos para a paisagem, olhando os
prédios passar rapidamente. O rádio, conectado na playlist de Mariana,
começou a tocar Lenine, O Silêncio das Estrelas, e fechou os olhos, curtindo
a música, que parecia conversar com ela:

E assim, repetindo os mesmos erros, dói em mim


Ver que toda essa procura não tem fim
E o que é que eu procuro afinal?
Um sinal, uma porta pro infinito, o irreal
O que não pode ser dito, afinal

— Desliga o rádio, por favor – pediu em meio a um suspiro.


Mariana, imediatamente, desligou o aparelho e apenas trocou um olhar
com o motorista, enquanto Júlia tornava a observar o trânsito. Iria encontrar
Alberto no dia seguinte e aquela angustia, alojada no peito, iria embora.
Tinha convicção disso.
O dia de Júlia começou com uma ida até o escritório do seu empresário,
informar a viagem e o cancelamento dos compromissos daquela semana.
Usou do subterfúgio da saudade de Alberto, pois a última coisa que poderia
fazer, era dizer a verdade. De lá, seguiram para o salão, que já esperava a
chegada da atriz. Passou grande parte do dia sob os cuidados dos
profissionais e, por último, seguiu para o apartamento da irmã, que a recebeu
na porta. Deu um beijo no seu rosto e dispensou Mariana, para que pudesse
ter privacidade em sua conversa.
— Que viagem repentina é essa, Jú? – perguntou Jaqueline apontando o
sofá para que ela pudesse se sentar.
— Preciso conversar com Alberto com uma distância segura de Micaela.
— Pra você querer um oceano de distância deve ser algo grave –
comentou ao sentar-se ao seu lado. – O que aconteceu?
— Micaela está namorando. Quer dizer, saindo, conhecendo, sei lá. Ainda
não nomearam o que sentem.
— Mica namorando? Isso é novidade das grandes – riu Jaqueline. – Por
que está assim?
— Ela está com Hadassa.
Jaqueline escondeu o sorriso, encarando a irmã atentamente. Balançou a
cabeça em sentido negativo e se levantou, indo até o aparador com bebidas.
Pegou uma dose de vodca e serviu outra, entregando para Júlia.
— Fala alguma coisa, Jaque!
— O que eu tenho que falar? Está bem obvio que sua frustração não é
porque sua filha está com alguém e sim, esse alguém que está com ela.
— Hadassa. Ela tem um nome.
— Eu sabia! Sabia! Toda aquela bondade desmedida com a segurança!
Eu achei que tinha parado com isso, Júlia! O que queria, que ela se tornasse
mais uma das suas, é isso?!
— Sem julgamentos agora, Jaque! Eu não vim aqui para isso!
— Pelo amor de Deus, Júlia! Você tem quarenta e três anos! Vai
continuar agindo como uma adolescente até quando?!
— Ela é diferente.
— Diferente? Da mesma forma que a segunda foi diferente da primeira?
Ainda bem que Micaela está com Hadassa, seria muito podre, até pra você,
seduzir a namorada da própria filha.
— Eu sempre me esqueço que não dá para conversar com você. O que
você acha, Jaque? Que não tenho o mínimo de juízo para fazer algo do tipo?!
— Eu espero que tenha o mínimo de juízo para cair em si e ver que está
fazendo besteiras! Você sempre foi uma mulher ponderada, Júlia. Nessa
altura da sua vida ficar com fantasias adolescentes!
— É incrível que uma mulher como você, esclarecida, educadora, tenha
uma mente tão retrógrada! Ainda bem que sua escola é cuidada por pessoas
bem mais esclarecidas que você!
— Olha só, eu entendo essa questão de LGBTQIAYXZ, não sei o quê.
Todo dia inventam uma letra nova e nós temos que acompanhar, mas isso, e
eu tenho que entender disso, são pessoas que nasceram assim. Micaela é um
exemplo: a meu ver ela é pansexual. Ela gosta de pessoas e desde pequena
sempre deixou isso claro. Você não, você só cria fantasias na sua cabeça!
Você ama Alberto, pare de fazer isso com um cara que tem sido maravilhoso
com você desde sempre.
Júlia se calou e foi até o aparador servir outra dose de vodca. Virou em
um gole, antes de se virar para a irmã.
— Eu só vim te falar que estou indo para Londres – continuou. – Se
quiser que eu traga alguma coisa de lá, é só falar.
— Não quero nada, obrigada. Ficarei de olho em Micaela aqui.
— Eu volto na outra semana, junto com Alberto.
— Se cuida, Júlia. Para de fantasiar sobre coisas que só vão te deixar mal.
— Até mais, Jaque. Qualquer coisa é só me ligar.
Jaqueline se levantou para dar um abraço na irmã e um beijo carinhoso
em seu rosto.
— Eu sempre vou te apoiar em tudo, Júlia, mas nisso não. Você não
precisa disso.
A atriz concordou com um aceno e saiu do apartamento da irmã, indo
direto para o carro. Pediu para que o motorista a levasse diretamente para
casa, onde Mariana já a esperava. Assim que chegou, enxergou Hadassa
conversando com a filha, de mãos dadas, próximas ao local onde a moto
estava parada. Não se deu ao trabalho de ir cumprimentá-las e subiu direto
para o quarto, preparar suas malas de viagem. Mariana já havia separado
algumas peças e se entreteve ajudando-a a organizar tudo. Desviou sua
atenção dos afazeres quando escutou uma batida na porta.
— Oi mãe – falou Micaela ao colocar a cabeça na fresta.
— Oi Micaela, entra.
— Tudo pronto pra viagem? – perguntou animada, se aproximando da
cama onde as malas estavam abertas.
— Quase tudo.
— Tá levando aquele casaco preto de lã e botões dourados?
— Acho que não vou precisar dele.
— Claro que vai, mãe! Um casaco como aquele é peça coringa no frio
londrino! Onde ele está?
— No closet, mas já estou levando tantas roupas de frio, filha.
— O que você vai fazer com esse casaco jeans lá? Você, definitivamente,
perdeu a mão de como arrumar uma mala para o frio europeu. Ainda bem que
estou aqui para lhe salvar. Vamos lá: não use jeans, pelo amor de Deus! Tira
esse aqui, esse marrom também apaga você. Tem que ser algo mais elegante,
mas ao mesmo tempo vibrante. Aquele Tom Ford branco, cadê? Aquilo é
perfeito!
Júlia trocou um riso com Mariana e se limitou a dar ombros enquanto
Micaela trocava algumas peças de roupas de sua mala. Raramente ela se
empolgava em ajudá-la com coisas que não fosse do seu próprio interesse e
não fez objeção com aquele raro momento, pelo contrário, entrou na
empolgação da filha.
Já era nove da noite quando Júlia terminou de se arrumar. Mariana levou
as malas para baixo e aproveitou o momento de privacidade com Micaela.
— Quero que se comporte aqui, viu?!
— Ficarei comportada. Hadassa vai me manter na linha – brincou,
descontraída.
— Essa é a questão. Não vai fazer dessa casa uma festa, tá?
— Não vou. Até chamei ela para dormir aqui, mas disse que não. Bem
provável que eu vá dormir alguns dias na casa dela.
Júlia deu um sorriso, desconcertado, escondido em um abraço.
— Vá, mas tenha cuidado, ok?
— Boa viagem, mãe! Aproveite lá com meu pai.
— Eu vou sim.
Júlia ainda deu um beijo no cabelo da filha, antes de sair do quarto e
tomar a direção das escadas. Se despediu de Mariana e entrou no carro, que
saiu em seguida. Pegou o celular e colocou os fones de ouvido, acessando o
Spotify. A música escolhida foi Sister Golden Hair do America, e fechou os
olhos, deixando que a canção esvaziasse sua mente.
Capítulo 20
Londres estava com os termômetros baixos, marcando nove graus. Júlia
fechou o casaco e saiu empurrando sua mala para o desembarque. Já tinha
falado com Alberto e ele já tinha ido para o hotel que a emissora havia
reservado. Não havia dito que também estava na cidade e optou por fazer
uma surpresa. Andou até os táxis e embarcou em um, informando o endereço
do hotel. O que não tinha conseguido dormir no dia anterior, tinha dormido
no voo. Como sempre acontecia, ficava mais calma quando o marido estava
por perto e a certeza de que estariam juntos, foi crucial para que pudesse
descansar. A mente havia se desligado de Hadassa e Micaela. Primeiro
precisava cuidar de si mesma, depois enfrentaria o que estivesse por vir.
No hotel, um funcionário abriu a porta do carro e desceu, enquanto o
mesmo informava que ia pegar suas malas. Seguiu para a recepção e pediu o
número do quarto de Alberto, que foi informado, após a autorização do
jornalista. Júlia seguiu para o elevador e em poucos segundos estava no
corredor, enxergando o marido parado na porta do quarto, com um pijama e
um sorriso no rosto, esperando-a.
— Meu amor! Que surpresa boa! Por que não disse que vinha?
— Queria fazer uma surpresa – sorriu a atriz, dando um beijo nos seus
lábios e sentindo-se acolhida no seu abraço. – Tanto tempo, amor! Não
aguentei!
— Vem, deve estar cansada da viagem. Vou pedir um café da manhã para
nós. Suas malas?
— Obrigada. Daqui a pouco o rapaz traz. Depois tem que verificar a
reserva. Vou ficar esses dias com você aqui.
— Está tudo bem? – perguntou Alberto ajudando-a a tirar o casaco.
— Micaela.
— O que ela aprontou dessa vez? Deve ter sido algo grave para vim até
aqui.
— Não vim só por ela. Vim por você também – outra vez Júlia abraçou o
marido. – Mas sim, ela tem uma novidade.
— O que foi?
— Podemos falar disso daqui a pouco? Quero ficar com você. Já tem
tanto tempo!
— Claro – Alberto se afastou do contato ao ouvir uma batida na porta.
Júlia observou o marido receber sua bagagem e foi até a janela, olhar a
paisagem de Londres. Deu um sorriso enquanto admirava a cidade cinza e
chuvosa. Voltou os olhos para Alberto, que vinha em sua direção, e o abraçou
com força, buscando seus lábios em um beijo demorado, provocando-o e
instigando para deixá-lo excitado. Deixou-se ser conduzida para a cama, e
sentou na beirada, enquanto ele se abaixava para tirar seus sapatos. Ajudou
tirar a camiseta do seu pijama e se aninhou na cama com ele, entregando-se
ao momento de amor.
Júlia se acomodou contra o marido e acariciou seu peito, com a mão
espalmada, depositando leves beijos sobre sua pele. Alberto fazia o mesmo
com ela, tocando-a de maneira gentil, sempre cuidadoso, como a atriz bem se
lembrava. Apoiou-se em um braço e deu um beijo em seus lábios.
— O que está te incomodando? – perguntou Alberto ao acariciar o rosto
da esposa. – Está bem claro que está preocupada com algo.
— Micaela está namorando, ou algo do gênero – explicou ao apoiar o
queixo em seu ombro. – Voltou de Noronha com essa novidade.
— Quem é o rapaz?
— É uma mulher. A segurança dela, Hadassa.
Alberto se afastou, para encarar a esposa de frente.
— Uma mulher? – repetiu como se não tivesse entendido. – A mesma que
contratou para fazer a segurança dela?
— Sim.
— Como isso, Júlia? Não tem nem um mês que ela está trabalhando com
nossa filha e já está com ela? Uma oportunista, isso sim!
Júlia sentou, sem desviar os olhos do marido. A reação dele era o que
tinha esperado.
— Ela não é oportunista, Alberto. Micaela ficou se insinuando pra ela, se
conheço bem a filha que temos.
— Isso justifica o quê? Que posso ir para a cama com qualquer mulher
que se insinua pra mim? Ou você com qualquer cara que se insinue pra
você?!
— Não, claro que não – explicou em meio a um suspiro. – Hadassa não é
oportunista. Ela... Ela teve chance de ficar com alguém que poderia lhe dar
uma boa vida, de fato, mas não quis. Ela tem uma filha de cinco anos e me
disse que a última coisa que quer é que esse relacionamento com Micaela seja
exposto para não expor a filha. Essas atitudes não são de uma pessoa que
quer tirar vantagens.
— Muito rápido, Júlia! Que tipo de profissional é essa que se envolve tão
rápido com a pessoa que ela tem que proteger?!
— Foi muito rápido, sim, concordo, mas Micaela está diferente. Tem
semanas que ela não entra em nenhum escândalo, estou conseguindo
conversar com ela sem brigas. Nossa filha está bem, está gostando, de
verdade, dela.
— Que idade tem essa mulher?
— Trinta e cinco.
— Bem mais velha que Micaela, não é?
— Tá aí uma coisa que não podemos, nem de longe, julgar. Você tinha
trinta e sete anos, quando começamos a namorar e eu vinte e dois. Idade
nunca foi um problema entre nós e não venha me dizer que é diferente.
— É diferente, mas não vou dizer que é diferente – sorriu Alberto,
puxando-a para acomodá-la em seus braços. – É nossa filha, Júlia! Ela está na
idade de se divertir por aí, ficar com as pessoas que ela quiser. Não tem
problema se for homem ou mulher, mas que esteja na mesma onda de
curtição, entende? Não de entrar em um relacionamento denso com uma
pessoa mais velha.
— Eu prefiro mil vezes ela com Hadassa do que na onda de curtição que
estava. Não tem ideia de quanta dor de cabeça eu passei com ela!
— Você confia nessa mulher? Aceita esse relacionamento?
— Sim. Quando você a ver, vai enxergar como ela está bem, mais feliz
até. Confia em mim, é o melhor pra ela.
— Tudo bem. Eu vou verificar de perto, mas falar que fiquei contente,
não fiquei.
— Promete que não vai fazer nada para interferir?
— Prometo que vou ver com calma.
— Já é um começo – sorriu Júlia, descendo a mão para acariciar o pênis
sob o lençol. – Pronto pra outra? Ainda não matei a saudade.
— Você sempre reverte com isso, né? Vem aqui!
Os dias que Júlia ficou em Londres com Alberto passaram num piscar de
olhos. Enquanto o marido trabalhava no escritório da emissora, aproveitou
para curtir a cidade e, sempre que podiam, saiam juntos para aproveitarem o
tempo que tinham. O objetivo, procurado pela atriz, foi alcançado. Hadassa
havia saído da sua cabeça e estava relembrando, a cada momento, o porquê
de ser casada com Alberto há vinte e um anos. Ele, sempre gentil e
cuidadoso, se desdobrava para agradá-la, da mesma forma que ela sempre
fazia de tudo para que o marido ficasse satisfeito. Haviam casado por amor, e
sempre era aquele amor que a colocava de volta ao chão firme, quando
pensava em voar em fantasias infundadas. Alberto era seu esteio e Júlia tinha
certeza daquilo.

Hadassa despertou com o barulho do celular. Esticou a mão para desligá-


lo e tornou a enlaçar o corpo de Micaela, grudado no seu. Enfiou o rosto nos
seus cabelos, aspirando seu perfume floral e depositou um leve beijo no seu
ombro, antes de se levantar da cama e ir para o banheiro. Cinco minutos
depois, estava na cozinha, onde Ranellory já estava terminando de passar
café.
— Bom dia, Rane – desejou, ao chamar sua atenção.
— Bom dia, Hada. Micaela já acordou?
— Ainda não. Ela tem um sono bem pesado. Eu vou acordar Isabela,
arrumar ela para a escola.
— Tem dez minutos ainda. Toma um café comigo.
Hadassa concordou com um aceno. Sabia que não era um convite para um
café e sim para uma conversa.
— Pode começar – falou ao puxar uma banqueta e se sentar.
— Como você está? – perguntou ao colocar uma caneca na sua frente.
— Estou bem. Curtindo esse momento que estou vivendo – sorriu ao se
servir.
— Dá pra ver que anda mais leve mesmo. Vi que tirou as fotos de Rebeca
do seu quarto.
— Guardei. Eu não posso ficar com elas expostas, com Micaela vindo
dormir aqui. Acredito que seria bem estranho pra ela, pra mim.
— Com certeza seria. Está conseguindo esquecer ela?
— Eu nunca vou esquecer Rebeca, Rane. Ela... Ela foi a mulher da minha
vida. Não se esquece isso, passe o tempo que for. Micaela é a primeira
mulher com quem fico em dois anos. Eu gosto bastante dela e, por agora, isso
deve bastar.
— E pra ela? Se perguntou se isso basta para ela? Olha, eu não vou
mentir: estou adorando ter Micaela como minha cunhada! Ontem à noite,
quando estava tomando banho, ela me disse que vai me ensinar a fazer uma
make profissional, amo! Mas, acima de tudo, você sabe que tem que ter
responsabilidade emocional. Micaela gosta mesmo de você.
— Eu não vou fazer nada para machucá-la, Rane. Eu gosto de Micaela,
estou disposta a fazer dar certo.
— Isso é bom. Estava mesmo, com muita saudade de te ver assim!
Isabela está feliz. Ela disse que gosta da Júlia, e se a Júlia é mãe da Micaela,
ela gosta dela também.
— Isa está virando fanzinha da Júlia por sua causa, sabe disso, não é?
— Sei, estou ensinando minha sobrinha a ter bom gosto.
— Besta! Eu vou acordar Isa. Eu estou bem mesmo, viu?! Curtindo muito
o que está acontecendo. Fique tranquila.
Ranellory concordou com um aceno e viu a irmã se afastar em direção ao
quarto da filha. Voltou a atenção para o próprio café, refletindo sobre aquela
breve conversa. De fato, a irmã estava com outro clima de semanas antes.
Sentia ela mais leve e, pela primeira vez, desde a morte de Rebeca, percebia
que estava disposta a seguir a vida. Uma outra coisa que lhe afirmava isso,
fora sua atitude, no começo da semana, em tirar a foto de Rebeca de cima da
mesa de cabeceira. Poderia ser um gesto simples, mas sabia que aquela
atitude havia sido crucial para que fosse um início da superação da tragédia
que havia acontecido. Torcia por sua felicidade, como se fosse para si
mesma. Hadassa merecia encontrar o amor novamente.
No quarto de Isabela, Hadassa acordou a filha com vários beijinhos e a
levou para o banho. Arrumou-a com cuidado, e penteou sua densa cabeleira
ruiva, prendendo em um coque, exigência da nova escola. Levou-a para que
Ranellory desse café da manhã a ela, enquanto voltava ao próprio aposento,
para acordar Micaela.
— Bom dia – falou ao enfiar a cabeça no seu pescoço. – Já está quase na
hora de levar Isabela para a escola e você pra casa.
— Sério que já é segunda-feira? – resmungou Micaela, se mexendo na
cama. – Bom dia, delícia!
— Seus pais chegam agora de manhã, não é?
— Sim – respondeu ao se espreguiçar. – Lá pelas nove horas já estarão
em casa.
— Chegaremos antes disso. Vamos?
— Vamos.
Hadassa ficou observando Micaela levantar da cama e ajeitar o pijama,
antes de ir para o banheiro. Aproveitou para se trocar e estava terminando de
colocar o sapato quando ela retornou ao quarto. Enlaçou sua cintura e deu um
beijo demorado em seus lábios, antes de se afastar e encarar seus olhos.
— Vamos sair hoje à noite? – perguntou Micaela esperançosa ao acariciar
sua nuca. – Eu gosto de dormir aqui, mas prefiro os locais onde posso tirar
sua roupa.
— Hoje você vai ficar com seus pais. Eles acabaram de voltar de uma
viagem, seu pai principalmente, que passou bastante tempo fora.
— Vou, mas amanhã eu quero você, inteira!
— Eu também estou com saudade de você gemendo gostoso no meu
ouvido – concordou Hadassa. – A mãe de Rebeca quer que a neta passe mais
tempo com ela, faz tempo que ela não dorme por lá. É uma boa oportunidade.
— Maravilha!
Hadassa deu outro beijo demorado nos lábios de Micaela e foram
separadas por uma batida na porta. A filha entrou, com Ranellory logo atrás.
— Isa está pronta – anunciou. – Eu vou me arrumar também porque
marquei de encontrar a mãe do Cris às oito e meia da manhã no terminal. Me
dá uma carona até lá?
— Claro – sorriu Micaela. – Eu vou me trocar. Cinco minutos e estou
pronta. Me ajuda, pequena?! – sorriu ao se abaixar para dar um beijo estalado
no rosto de Isabela.
Hadassa informou que ia esperar na sala e deixou a filha sozinha com a
jovem. Pouco tempo depois, saíram em direção à escola, com Ranellory
acomodada no banco traseiro. Depois que a morena desceu, Micaela ficou, o
tempo todo, virada para trás, brincando com Isabela. Já na escola, Hadassa
desceu do carro e tirou a filha, levando-a até a entrada, onde uma funcionária
recebia os alunos, diariamente.
— Bom dia, Hadassa! – cumprimentou Jaqueline, ao se aproximar. –
Como você está?
— Bom dia, Jaqueline. Vou bem, obrigada. E você?
— Bem também. E essa princesinha aqui? – perguntou ao fazer carinho
em Isabela. – Está gostando na escola?
— É muito legal! – respondeu Isabela com um sorriso.
— Maravilha! Vai com a tia Nilce, ela vai te levar para a sua turma.
Hadassa se despediu da filha com um aceno e se virou para Jaqueline,
ainda ao seu lado.
— A professora dela me disse que é uma garota muito ágil para aprender
as coisas – falou Jaqueline, dando alguns passos para o lado para que a
funcionária não escutasse a conversa. – O material dela chega hoje, já vamos
deixar aqui na escola mesmo. Quando ela aparecer com alguma coisa
diferente na mochila, é por causa disso.
— Está certo, obrigada.
— Bom, Júlia me contou que você e Micaela estão namorando. Saiba que
fico muito feliz com a notícia. Micaela precisava mesmo de alguém mais
centrado, não esses rapazes sem juízo que ela saia por aí.
— Obrigada Jaqueline. Micaela e eu estamos na fase do “estamos nos
conhecendo melhor”. Ela é uma pessoa incrível!
— Sim, é. Júlia e o marido deram uma boa educação a ela. Andou um
pouco perdida, coisa normal para um adolescente. Se prepare que Isabela
também terá essa fase!
— Prefiro pensar que a rebeldia da adolescência dela será só não querer
sair do quarto e ler o dia inteiro – gracejou Hadassa. – Micaela está no carro,
me esperando. Quer falar com ela?
— Ah quero! Faz algum tempo que não vejo minha sobrinha!
Hadassa seguiu ao lado de Jaqueline até o local onde o carro estava
parado. Assim que viu a tia, Micaela desceu para cumprimentá-la com um
abraço e um beijo.
— Tia! Quanto tempo! Nem parece que moramos na mesma cidade!
— E tinha como te ver, Micaela? Principalmente uma hora dessa da
manhã?
— Não mesmo – sorriu a jovem.
— Sua mãe já me falou do relacionamento de vocês. Estou muito feliz
por isso. Espero que criem raízes bem sólidas.
— Obrigada, tia. Vai lá em casa, qualquer dia desses com o tio. Vou fazer
um jantar para apresentar Hadassa formalmente para a família.
— É só me falar o dia. Agora com seu pai de volta, as coisas ficam mais
tranquilas para sua mãe – concordou com um sorriso, encarando Hadassa,
que mantinha uma feição neutra. – Já viu, não é, Hadassa?! Não tem como
fugir mais!
— Não quero – sorriu de volta.
— Agora eu tenho que ir. Só vim resolver uma questão na escola e vou
para o Rio mais tarde. Resolver problemas da escola de lá também.
— Vamos nos falando! – prometeu Micaela.
Jaqueline se despediu das duas e ficou observando enquanto
embarcavam, para sair em seguida. Manteve o sorriso no rosto, mesmo
depois de terem sumido. Sem dúvidas aquilo era o melhor que poderia
acontecer.
Hadassa manteve sua atenção no trânsito e uma mão na de Micaela,
enquanto dirigia. Escutou-a falar sobre a faculdade e a vontade que tinha de
largar o curso. Já tinha ficado claro para ela antes, que a loira só estava
fazendo jornalismo por influência do pai.
— Você tem que estudar algo que você goste. Diferente da maioria da
população, que tem que trabalhar em qualquer coisa para sobreviver, você
pode escolher uma carreira que lhe traga prazer. Quando se faz o que gosta,
nunca se tornará algo chato.
— Acho que esse é o problema. Eu não sei o que me dá prazer, sabe?
— Isso é o que complica – sorriu Hadassa ao dar um beijo na sua mão.
— O que você faria, se estivesse no meu lugar?
— Com sua idade e sem filha? Eu iria viajar. Não esses lugares comuns
de turismo, mas entrar de cabeça em outras culturas, suas maneiras diferentes
de ver a vida. Nada de ficar em hotel caro, lugares próprios para agradar
turistas, mas aquele lugar onde você conhece o país de verdade, as pessoas
que habitam ali.
— Um mochilão pelo mundo?
— Sim. Acho que seria a forma mais empolgante de encontrar meu lugar
no mundo.
— É isso que preciso. Encontrar meu lugar no mundo. Não está no
jornalismo, tenho certeza disso.
— Porém, por mais que tenha certeza, você não pode sair do curso e
dormir até tarde. Se for pra sair, seria melhor já começar a fazer outra coisa.
Se se acomodar, não vai para lugar nenhum.
— Se eu fosse fazer um mochilão pelo mundo, você iria comigo?
— Eu tenho uma filha, responsabilidades com ela.
— Me esperaria?
— Sim. Desde que estivesse disposta a continuar comigo.
— Acho que eu mudaria de ideia?
— Com toda a certeza – sorriu Hadassa. – Quando você ver que o mundo
é maior do que aquilo que vê no seu dia a dia, começará a ressignificar
algumas coisas.
— Besta! Não te deixo, fique ciente!
— Não posso concordar em não me deixar. Tudo o que impede seu
crescimento tem que ser eliminado da sua vida. Fique ao lado de pessoas que
querem que você voe, não que fique ao lado delas. Se essa pessoa for capaz
de voar com você, conserve-a.
— Você vai voar comigo.
Hadassa apenas deu um sorriso e outra vez deu um beijo na mão de
Micaela. Estava vivendo o momento e o futuro era algo incerto, mas de uma
coisa tinha certeza: já tinha voado demais. Era o momento de permanecer no
ninho para ensinar Isabela a voar.
Capítulo 21
Júlia se ajeitou no banco do carro e alisou o tecido da saia, assim que ele
embicou na entrada da casa. Pegou a bolsa ao lado e acomodou-a no braço,
assim que pararam. Alberto, que ia na frente, desceu primeiro. Escutou seu
sonoro bom dia e a voz que respondeu, fez com que fechasse os olhos
rapidamente. Era Hadassa que estava fora, junto com Ismael. Ensaiou um
sorriso e desceu, assim que o marido abriu a porta.
— Bom dia Hadassa, Ismael.
— Bom dia.
— Bom dia, Júlia. Bem vinda de volta – falou Ismael, simpático.
Júlia agradeceu, mas os olhos estavam na segurança, que parecia
ligeiramente desconfortável com a presença de Alberto. Ismael foi ajudar seu
motorista a tirar a bagagem do carro, enquanto Alberto se aproximava da
segurança, com a mão esquerda enlaçada na cintura da atriz.
— Então você que é Hadassa – falou Alberto ao esticar a mão para um
cumprimento. – Temos que ter uma conversa, hoje ainda. Primeiro vou falar
com Micaela.
— Estarei à disposição para quando for o melhor momento, senhor.
— Alberto apenas, por favor.
— Claro.
— Não ligue para esse tom. Só está querendo lhe colocar medo – sorriu
Júlia. – E como foi a semana? Tudo tranquilo?
— Foi sim. Nenhum incidente.
— Ótimo. Eu... Eu vou conversar com ela também e...
— Mãe, pai! – exclamou Micaela aparecendo na porta. – Que bom que
vocês chegaram!
— Nossa, saudade de me ver?! – sorriu Alberto ao se afastar de Júlia para
abraçar Micaela. – Você parece mais radiante, mais linda do que me lembro!
— Obrigada pai. Tenho novidades!
— Eu sei que tem. Sua mãe já me contou...
Júlia ficou ao lado do marido e da filha, enquanto os dois continuavam a
trocar amenidades, mas os olhos estavam voltados para Hadassa, parada mais
afastada. Em alguns momentos os olhos da segurança eram direcionados a
ela, mas sempre desviavam em seguida. Suspirou fundo, lembrando-se de
como a viagem tinha sido boa para ela, de como a morena não havia
dominado seus pensamentos, mas bastou vê-la outra vez para sentir o coração
apertado de culpa por não estar curtindo a felicidade da filha como deveria.
— Eu vou deixá-los à vontade – anunciou Hadassa dando um passo para
trás. – Se precisarem de mim, estarei na área de serviço.
— Depois eu vou te encontrar – falou Alberto. – Agora preciso ter uma
conversa com essa mocinha aqui.
— Eu também vou – sorriu Micaela ao jogar um beijo de longe.
Hadassa anuiu com um discreto sorriso e saiu de perto da família. Júlia
ainda ficou olhando-a se afastar, por alguns segundos, antes de voltar a
atenção para o marido e filha que já entravam na casa. Seguiu-os para dentro
e viu quando se acomodaram no sofá. Tirou os óculos escuros e passou a mão
na cabeça, em meio a um suspiro.
— Eu vou deixar vocês conversando. Preciso de um banho urgente! – se
abaixou para dar um beijo em Alberto e outro nos cabelos da filha.
— Daqui a pouco te encontro no quarto – concordou Alberto.
Júlia concordou com um aceno e tomou a direção das escadas, indo para
o aposento. Deixou a bolsa sobre uma poltrona e caminhou até a janela-
balcão, olhando para o jardim do fundo, e Hadassa próxima à entrada da
cozinha, conversando com uma funcionária da casa. Se afastou da janela e
ergueu a cabeça, de olhos fechados, pedindo forças para conseguir esquecer
aquela atração que sentia pela segurança.

— Bom, já sabe do que se trata nossa conversa, não é? – perguntou


Alberto ao encarar a filha. – Que história é essa de estar namorando essa
mulher, Hadassa?
— Não estamos namorando, propriamente dito. Não existe um pedido
formal e, sinceramente, acho melhor assim. Não quero o peso de uma relação
formal. Estamos nos curtindo, nos conhecendo.
— Isso é uma opção sua ou dela?
— Das duas. Hadassa está saindo de um período de luto que foi muito
complicado. Já tem dois anos desde que a esposa dela morreu e ela não tinha
ficado com outra mulher, desde então.
— Você não acha que é muita responsabilidade para a sua idade? Sei que
ela também tem uma filha, desse relacionamento.
— Sim. Isabela, a coisinha mais linda desse mundo! Sabe pai, eu não
acho que seja muita responsabilidade ou pesado. As relações não precisam
ser pesadas, nós é que tornamos tudo complicado.
— Quem é você? O que você fez com minha filha? – brincou Alberto ao
fingir fazer um exame clinico.
— Para pai! – riu Micaela. – Ah você e a mãe, por exemplo. Nunca vi
vocês discutindo, brigando por nada. Nunca foi um peso e sim algo que vocês
curtem. Vocês são leves, não se cobram, não ficam grudados o tempo todo,
confiam um no outro. Eu tenho esse exemplo aqui, com vocês, de como ter
uma relação sadia, sem neurose de ciúmes ou posse.
— Sua mãe é minha melhor amiga, desde que a conheci. Mas é diferente,
Mica. Não estou falando de ciúmes ou posse, mas sim de ser uma relação
muito densa. Hadassa tem trinta e cinco anos, uma filha pequena. As
prioridades de vocês são diferentes. Você está na faculdade, se preparando
para o futuro e ela já tem uma profissão e uma filha pequena que requer
atenção. Quando eu conheci sua mãe, eu não tinha filho, era um cara livre.
Sua mãe também.
— O fato de ela ser mãe não é um problema, mesmo. Isabela é uma
criança linda! Esses dias que a mãe tava viajando, eu dormi na casa dela
alguns dias e eu me diverti tanto com Isa. A mãe também já conhece a
Isabela, por causa da escola, e também adora ela. É uma menina muito
esperta. Brinquei horrores com ela.
— Aqui mora outro problema: e se essa menina se apegar a você e
resolver terminar isso em algum momento?
— Não passa pela minha cabeça terminar com Hadassa. E, de qualquer
forma, não falamos pra ela que estamos juntas. Pra Isa somos apenas amigas.
Só vamos contar quando tivermos certeza de que vamos levar adiante.
— Gostei disso, de não apressar nada. Apesar que eu acho que vocês se
envolveram rápido demais.
— Quanto tempo levou para você se envolver com a mãe depois do
primeiro encontro de vocês?
— Espertinha! Três dias. Você conhece a história. Entrevistei ela em dia,
a revelação da teledramaturgia, trocamos telefones nos bastidores e no dia
seguinte marcamos um jantar.
— Pois é. Acho que quando tem que acontecer, não importa o tempo,
sabe? Pode ser rápido, pode demorar um ano, dois, três, não importa.
— Vamos ver onde isso vai dar, não é? É assim que estão levando e
concordo plenamente em terem calma. Estou contente por essa conversa. Sua
mãe me disse que estava mais fácil conversar com você, mas não imaginei
que fosse tanto.
— Vocês exageram demais!
Alberto puxou a filha para um abraço e deu um beijo carinhoso nos seus
cabelos.
— Está tudo bem da minha parte também, ok? Quero que seja feliz e,
pelo que estou vendo, ela te faz feliz, então que seja!
Micaela abraçou o pai e deu um beijo estalado no seu rosto. Agradeceu o
apoio que estava recebendo naquele momento e chamou para irem falar com
Hadassa, mas Alberto recusou, informando que também ia tomar um banho e
colocar uma roupa confortável. A jovem saiu para o local onde a morena
estava, a passos saltitantes. Assim que a viu, abraçou-a com força, dando um
beijo em seus lábios sem se preocupar com a funcionária próxima.
— Mic, conversamos sobre isso... – Hadassa fez menção de se afastar.
— Já está tudo certo por aqui. Não precisamos ter cautela na casa. –
Explicou sem soltá-la do abraço. – Oficialmente estamos... Juntas.
— Conversou com seu pai?
— Conversei. Ele disse que aprova.
— Não sei se fico feliz ou assustada – brincou Hadassa tomando a
iniciativa de dar outro beijo em seus lábios. – Mas aqui não é lugar de
ficarmos assim, durante meu período de trabalho.
— Tá bom. Não vou ficar forçando nada porque isso já está bem claro pra
mim. Eu vou subir, falar com algumas amigas.
— Contou alguma coisa para elas?
— Não, não vou falar. Elas são linguarudas demais. Lili me chamou para
ir em uma balada na quinta-feira. Posso confirmar com ela que vamos?
— Você sabe que não posso confirmar nada com antecedência, não é?
Não sei se Rane pode ficar com Isabela. Ela também tem os compromissos
dela. E tem outra também: não sei se tenho dinheiro para te acompanhar em
uma balada cara. Lembre-se que está saindo com uma assalariada.
— Nós sempre pegamos convites para entrar. De alguma coisa vale ser
filha de Júlia Albuquerque – Micaela sorriu despreocupada. – Se ela puder
ficar, será ótimo ter você comigo lá.
— Se não der para eu ir, vá você, não tem problema. Sabe disso, não é?
— Sei, mas quero você comigo.

Alberto entrou no quarto e não enxergou a esposa, porém o barulho do


chuveiro indicou que ela estava no banho. Foi até o banheiro e se encostou no
box, admirando o corpo nu da esposa embaixo da cascata do chuveiro. Júlia
estava distraída e não o viu de imediato. Se assustou quando virou e o
enxergou ali.
— Desculpa, Jujubinha – sorriu Alberto com a reação da atriz. – Não
queria te assustar.
— Me assustou mesmo! Acho que desacostumei de ter um espião no meu
banho! Vem me fazer companhia.
— Agora não, vou tomar depois de você. Conversei com Micaela. Ela
realmente está gostando de Hadassa, não é?
Júlia sorriu para o marido ao mesmo tempo em que passou a mão no
rosto, num ato inconsciente de ganhar tempo.
— Sim – respondeu por fim. – Percebeu que disse que falou com nossa
filha?
— Ela está bem diferente mesmo! Espero que não seja apenas
empolgação de começo de namoro, que continue a melhorar, criar um pouco
de juízo e se interessar mais por jornalismo.
— Esperamos que sim – concordou a atriz ao desligar o chuveiro. – Vou
tentar dormir um pouco. Não descansei nada durante o voo.
— Eu também preciso. Eu vou tomar um banho, vou descer para falar
com Hadassa. Estava pensando em fazer um jantar aqui, coisa bem intima,
pra ela trazer a filhinha dela. Também quero conhecer minha provável neta.
O que acha?
— Não é muito cedo? – perguntou Júlia, virando-se de costas. – Ela vai
achar que estamos pressionando para assumir alguma relação com Micaela.
— Acho que não, afinal, já tem mais de uma semana que ela fica com
Micaela. Além do mais, parece que estão bem resolvidas nessa questão de
“irem devagar” – falou fazendo sinal de aspas com as mãos. – Semana que
vem também eu tenho que ir para a emissora. Vou ficar uma semana no Rio.
Quero resolver isso o quanto antes.
Júlia suspirou fundo, antes de se virar para Alberto já embaixo do
chuveiro.
— Eu vou organizar tudo, se elas estiverem de acordo.
— Perfeito! Obrigado amor! E seus trabalhos? Como está?
— Estou esperando o resultado de um teste. Tem quase um mês que fiz e
ainda não deram resposta.
— Sobre o que é?
— Uma ativista dos direitos humanos que atua em uma comunidade do
Rio. A trama gira em torno da luta que ela trava contra as milícias e políticos
para proteger as famílias que moram na comunidade. É casada, tem uma filha
adolescente que acaba se envolvendo com um dos chefes do tráfico.
— Parece ser interessante.
— O que eu li do roteiro é muito bom. É uma personagem bem decidida,
forte, imponente.
— Tenho certeza que logo você terá uma resposta.
— Veremos. Eu vou deitar um pouco.
— Daqui a pouco me junto a você.
Júlia concordou com um aceno e seguiu para fora do banheiro. Vestiu-se
com uma confortável camisola e, antes de deitar, foi até a janela para
enxergar o jardim do fundo. No lugar onde tinha visto Hadassa
anteriormente, agora também estava Micaela, com os braços ao redor do seu
pescoço, enquanto ambas mantinham sorrisos nos rostos. Voltou para a cama
e abriu a gaveta da mesa de cabeceira e pegou um comprimido leve para
dormir.

Hadassa estava na frente da casa quando Alberto se aproximou. Tratou de


tirar os óculos escuros e encerrou sua conversa com Ismael, para dar toda
atenção ao pai de Micaela. Sabia que, independente de qualquer coisa, ele
estava agindo como pai, cuidando da sua filha.
— Podemos conversar lá dentro, Hadassa?
— Sim – concordou polidamente.
A segurança seguiu Alberto para o interior da propriedade e foram direto
para o escritório. O jornalista falou para sentar-se e escolheu a mesma
poltrona que sempre ocupava, quando ia falar com Júlia. Observou ele ir até o
aparador de bebidas e pegar uma dose de uísque.
— Aceita?
— Não, obrigada.
— Não bebe?
— Não bebo destilados.
— Acho que tem alguma outra coisa por aqui. Faz tempo que não volto
pra casa, não sei como minha Jujubinha manteve isso aqui.
Hadassa suprimiu a vontade de dar uma risada do nome carinhoso que
Alberto havia dado a Júlia. Conjecturou que daria algo menos criativo e mais
fofo que Jujubinha. Coçou a cabeça, para esconder o desconforto.
— Eu não bebo durante o trabalho. Obrigada Alberto.
— Bom, eu geralmente não faço interrogatórios com alguém que está
saindo com minha filha, aliás, eu nunca passei por isso porque você é a
primeira pessoa que eu vi que ela está mesmo envolvida – Hadassa
permaneceu em silêncio, esperando uma continuação. – Enfim, vou ser
direto. Eu me preocupo com o envolvimento de vocês. Micaela é dezesseis
anos mais nova que você. Ainda está na fase de fazer escolhas, cometer erros,
se encontrar, por assim dizer. Você é uma mulher já madura, experiente. Teve
um casamento longo, tem uma filha. O que você espera desse
relacionamento?
— Eu vou ser sincera com o senhor, da mesma...
— Por favor, você. Não me chame de senhor, sei que já estou quase nos
sessenta, mas não precisa esfregar isso na minha cara – gracejou o jornalista
na intenção de deixá-la mais confortável.
— Desculpe – riu Hadassa. – Serei sincera com você, da mesma forma
como fui com Júlia e Micaela: Ela é a primeira pessoa com quem fico depois
da morte de Rebeca. Eu não espero um relacionamento sério, promessas de
amor eterno e nem casamento. As coisas irão acontecer conforme tiver que
acontecer. Isso não significa que estou apenas passando um tempo com ela.
Eu quero que dê certo, mas prefiro agir com cautela, pelos mesmos motivos
que já mencionou. Micaela pode me trocar a qualquer momento. Ela é jovem,
tem uma personalidade livre, alegre. Tenho certeza que no momento em que
já não for bom pra ela, ela termina. Eu gosto dela muito, adoro a leveza e
alegria que ela traz pra minha vida, acredito que ela tenha visto em mim um
oposto, que gosta disso, mas que não vai pensar duas vezes em mudar de
rumo se não for bom pra ela.
— Você não está colocando grandes expectativas, então?
— Eu estou colocando, quero ficar com ela sim, mas eu tenho os dois pés
no chão para saber que Micaela é jovem, que eu tenho uma filha. Eu gosto de
pensar o seguinte: eu tenho raízes, Micaela tem asas. Enquanto ela quiser
ficar pousada aqui, eu vou adorar, mas nunca vou impedir ela se quiser voar.
— Bonito isso. Micaela gosta de você, eu percebi isso bem nítido na
conversa que tivemos. Só vou te pedir uma coisa: não apronte com ela. Eu
sou capaz de qualquer coisa, tanto por ela quanto por minha esposa. Percebi
que é uma pessoa bem direta, então se um dia resolver que não está bom pra
você, seja sincera com ela. É melhor um coração partido que uma galhada na
cabeça.
Hadassa se limitou a sorrir, lembrando-se do beijo que Júlia havia lhe
dado. Tratou de concordar, e Alberto prosseguiu.
— Júlia e Micaela já conhecem sua filha, só despejam elogios a ela. Eu
quero conhecê-la também, conhecer você melhor, então eu quero marcar um
jantar aqui em casa, até o final de semana. Se concordar, é claro.
— Micaela sabe desse convite?
— Ela ainda não, mas, com certeza, não fará objeções. Júlia já disse que
cuida de tudo.
— Se Micaela estiver de acordo, será um prazer.
— Ela estará – concordou Alberto, satisfeito.
Capítulo 22
A semana foi penosa para Júlia. A todo o momento via Micaela feliz,
querendo discutir cardápio e as poucas pessoas que convidariam para o jantar
que aconteceria na sexta-feira. Tentava mostrar empolgação com toda a
arrumação, mas sentia como se todo o peso do mundo estivesse em suas
costas. O fato de voltar a ver Hadassa com frequência não ajudava em nada.
Sua presença era como um imã e sempre se pegava procurando-a com os
olhos pelas janelas e portas. Por mais que tivesse ficado fora apenas uma
semana, parecia que ela estava ainda mais bonita, com um ar de mistério e ao
mesmo tempo mais radiante. Quando chegava a essas conclusões se odiava
por saber que era Micaela que estava provocando aquilo e não ela.
A presença de Alberto era um respiro de alivio no meio da pressão
solitária. Sempre recorria ao marido, ao amor e cuidado que possuíam, para
que Hadassa não fizesse moradia na sua cabeça. Durante os primeiros dias
havia falhado miseravelmente na missão, mas o ponto alto, que a fez rever
seus conceitos foi o fato de estar na cama com Alberto e pensar, por um
momento fugaz, como seria a segurança ali, tocando seu corpo com a mesma
intimidade que o marido possuía. Naquela noite, informou que ia tomar um
banho depois do sexo e deixou que a água do chuveiro levasse suas lágrimas
para o ralo, assim como a culpa de desejar a namorada de sua filha.
Na sexta pela manhã, Júlia acordou decidida a enterrar de vez aquele
sentimento que a estava perturbando. Depois de se arrumar, desceu para
tomar café com Alberto. Micaela já havia saído para a faculdade com
Hadassa e naquele momento, de manhã, tinha a liberdade que queria para
andar livremente pela própria casa.
— Bom dia, Júlia, Alberto! – cumprimentou Mariana ao entrar na
cozinha. – Eu tenho novidades, Júlia, me encontre no escritório depois.
— Eu já vou lá.
A atriz terminou de tomar café e orientou as funcionárias sobre a
arrumação da parte inferior naquele dia, já que iriam receber convidados.
Andou até o escritório e enxergou Mariana, sentada atrás da mesa, mexendo
no computador.
— É uma boa notícia, não é? – perguntou Júlia, desabando na poltrona.
— Sabe aquele teste que fez? Querem você! Já me mandaram o contrato,
a preparação que estão pedindo para a personagem. Você terá que pintar o
cabelo de ruivo. Isso não é um problema, é? E tem que ter sotaque carioca
bem acentuado.
— Claro que não! Ah graças a Deus! Não via a hora de chegar boas
notícias!
— Agora que aproveitou suas semanas de folga, hora de voltar a
trabalhar! Roberto me passou que uma agência entrou em contato. Querem
seu rosto para a propaganda de um novo veículo e ele também já liberou sua
agenda para os programas que aprovar participar. Vamos te impulsionar
nesses quatro meses antes de começar a gravação da novela. Essa
protagonista vai ser estrondosa!
— Preciso mesmo me concentrar no trabalho! Ficar fazendo jantar para a
namorada da minha filha não está na minha lista de prioridades. Deveria
estar, mas...
— O problema é Hadassa, não é?
Júlia se limitou a encarar a assessora e dar um suspiro alto. Tinha
consciência de que Mariana já sabia que estava atraída por Hadassa. Apenas
era discreta o suficiente para não se intrometer na sua vida pessoal.
— Já passou de outras vezes, não foi? Vai passar!
— Vai. Vai passar.
Mariana se levantou de onde estava e deu a volta na mesa, indo sentar-se
ao lado de Júlia. Pegou suas mãos e as apertou, delicadamente.
— Me desculpe por ser sincera, Júlia, mas você precisa se desprender
disso ou nunca será feliz.
— Eu sei que preciso, mas eu não consigo controlar...
— Você precisa se desprender de Alberto. Vocês dois são ótimos juntos,
se completam de maneira perfeita, como tenho acompanhado nos últimos
anos, se amam muito, cuidam um do outro, mas vocês possuem um amor
fraternal. Isso nunca vai mudar, mas você tem que começar a aceitar a sua
bissexualidade.
— Eu não tenho um amor fraternal com Alberto. Temos uma vida sexual
ativa que vai bem, obrigada.
— Júlia, olha pra mim. Você não precisa mentir pra mim. Eu sou sua
amiga, você sabe que isso nunca sairá de dentro dessa sala. Eu estou vendo
como você está abatida, tensa e isso só acontece quando Hadassa está aqui.
Da mesma forma como aconteceu com Verônica. Só que você começa atuar o
seu papel de mãe feliz e esposa amorosa que não está convencendo mais. Eu
tenho certeza, e aqui me perdoe a ousadia, que sua vida sexual não está lá
toda essa maravilha que está pintando. Aposto que nem sabe mais o que é um
orgasmo de ficar com as pernas bambas.
— Mariana! – repreendeu Júlia ao se levantar, com as faces ruborizando.
– Eu sou casada há vinte e um anos. É claro que as coisas mudam, mas não
muda o fato de eu me sentir satisfeita.
— Eu sou casada há quinze anos e Mauricio nunca me deixou esquecer o
que é um bom orgasmo. A questão não é tempo, Júlia, é tesão, desejo,
vontade de estar junto e transar umas três vezes seguidas... Paixão, sabe?!
— Alberto não aguenta três vezes seguidas – riu Júlia ao encolher os
ombros, como se estivesse se escondendo. – Jamais diga isso para ele. Eu
amo Alberto.
— Eu sei e não duvido disso. Só que amor tem várias formas. Eu amo
minha família, meu filho, meu marido, meus irmãos, meu cachorro, minhas
sobrinhas, meus amigos. Para cada um eu tenho um amor diferente e isso é
normal! Só que você precisa enxergar que você ama Alberto como um amigo
querido, que você sabe que sempre pode contar. Eu vi a forma carinhosa com
que se tratam, da mesma forma como eu trato Maicon, meu irmão. Eu já tinha
começado a reparar nisso, antes do Alberto ir para a Síria, mas agora, essa
semana está muito óbvio para alguém que conhece os dois como eu os
conheço. Você percebeu que não sente ciúmes dele? Ele não sente ciúmes de
você?
— Ciúmes nunca é bom para uma relação.
— Ciúmes exagerado, controlador, eu concordo. Eu falo daquele ciúme
que é normal, tipo você olhar com um tiquinho de desconfiança daquela
colega de trabalho nova, que nunca tinha visto antes. Das cenas que você
grava com outros atores. Uma coisa absolutamente normal. Alberto sabe que
Roberto sempre teve uma queda por você e por isso quase não tem contato
com seu empresário, mas nunca mencionou nada disso, não é? De você ter
continuado a trabalhar com ele.
— Não.
— Da mesma forma que, tenho certeza, você nunca se incomodou com
Denise Fraga e a cumplicidade que eles possuem. Aquela mulher é linda
demais, além de inteligente pra caramba! Eles sempre estão juntos, desde a
morte de Antônio.
— Acho que está falando besteiras.
— Talvez eu esteja, que tenha uma visão estranha sobre isso, mas talvez
essa confiança que vocês possuem não seja tão confiança assim, mas... Não
sei. Uma preocupação que eu não teria com Maicon, entende?
— Eu não tenho motivos para sentir nada disso em relação à Alberto. Eu
confio nele.
— E por que motivo tem de Hadassa? Ela é segurança da sua filha e
namorada dela.
— Eu não sinto ciúmes dela. Eu... – Júlia tornou a desabar na poltrona,
levando a mão ao rosto. – Isso é tão errado! Tão errado! Como eu posso me
interessar pela namorada da minha filha?! Consegue entender o tamanho do
absurdo que é isso?!
— Consigo. Eu, sinceramente, não faço ideia do que está passando, mas
uma coisa é fato: enquanto você ficar dentro desse “armário”, como dizem,
escondida atrás do casamento, você não vai se permitir a sentir algo mais
profundo, mais intenso novamente. Você tem quarenta e três anos, Júlia, é
jovem, linda, pode ter qualquer homem ou mulher que quiser, mas você tem
que se permitir primeiro. Você tem que saber exatamente o que quer para que
isso aconteça. Que não seja com Hadassa, mas que a próxima mulher que se
aproximar de você, você se permita, entende?
Júlia se encostou contra a poltrona e passou a mão na testa, enquanto
pensava nas palavras de Mariana. Era a primeira vez que ela era tão direta e
para ter chegado àquele ponto, teve certeza que estava muito escancarado.
Respirou fundo, para controlar as emoções, antes de se virar para a assessora.
— Vamos falar de trabalho. Como devo proceder?
Mariana ainda encarou a atriz, deixando transparecer sua frustração ao se
levantar e ir para detrás da mesa. Voltou a acessar seu e-mail e passaram a
hora seguinte discutindo sobre trabalho. A personagem que a atriz
interpretaria precisava de um laboratório e uma imersão no Rio para pegar o
sotaque e o “jeito” carioca. Júlia decidiu que era o que precisava naquele
momento: iria para o Rio de Janeiro e ficaria por lá, com Alberto, enquanto
fosse necessário. Pelas suas contas, entre laboratório e gravação, um ano.
Precisava mudar de ares e aquela era a oportunidade perfeita.

Os convidados para o jantar começaram a chegar às oito da noite. Júlia


estava no quarto, terminando de se arrumar, quando Alberto entrou para
apressá-la. Sorriu para o marido e pegou o colar que usaria naquela noite,
direcionando para que ele colocasse em seu pescoço.
— Você está linda, meu amor – disse Alberto ao enlaçar sua cintura por
trás. – Acho que não deveria chamar mais atenção que Micaela, mas está
maravilhosa!
— Acha que estou... Muito, para um jantar aqui? – perguntou
preocupada, virando para ficar de frente para o marido.
— Não. Você sempre é perfeita. Na medida certa.
Júlia sorriu em resposta e deu um beijo nos lábios de Alberto, antes de
voltar a se virar para o espelho. Conferiu a maquiagem leve e o vestido preto,
tubinho básico de alças. Tinha prendido o cabelo em um coque descontruído
e por último, o scarpin vermelho, dando o único toque de cor no visual.
Passou perfume e ainda se encarou no espelho por um segundo, e tomou a
direção da porta.
Na sala, a primeira coisa que enxergou foi Jaqueline conversando,
animadamente com Alberto. Ao seu lado estava seu cunhado, Alexandre, mas
os seus olhos foram puxados para a porta da frente, onde Hadassa entrava,
acompanhada de Ranellory, Isabela e Micaela. O sorriso se manteve intacto
no rosto, mas por dentro, sentiu suas entranhas virarem água por vê-la linda,
usando um terninho preto, com uma camiseta estampada aparecendo
parcialmente na abertura do blazer. Terminou de se aproximar da irmã e
cunhado, cumprimentando-os.
— Olá meninas! – continuou com os cumprimentos ao se virar para
Hadassa. – Sejam bem vindas!
— Mãe Júlia! – exclamou Isabela ao se soltar da mão da mãe e correr
para a atriz. – Você não foi mais me ver, mas eu continuo vendo suas coisas
na internet. A tia Rane me mostra tudo!
— Oi minha princesa! – Júlia pegou a menina no colo, em um abraço
apertado. – Está tão linda com esses cachinhos soltos! Eu também senti
saudade, mas tive que viajar. Me desculpe!
— Tá bom, eu sei que é ocupada. A mãe Hadassa disse isso.
Júlia continuou distraída com a menina no colo, enquanto os presentes se
cumprimentavam. Só voltou a colocá-la no chão quando Alberto falou para
se sentarem.
— Deixa eu te apresentar, esse aqui é meu marido, Alberto.
— Oi Isa!
Isabela olhou torto para Alberto e levou um dedo a boca, enquanto a outra
mãozinha estava no colo de Júlia.
— Cumprimente, Isa – pediu Hadassa acomodada em uma poltrona com
Micaela sentada ao seu lado.
— Mas se vocês são casados como minha mãe era com a mãe Rebeca,
como você vai ser minha mãe também?
— Ela não vai ser sua mãe, princesa – quem falou foi Ranellory. – Minha
culpa, eu que fiz uma montagem com ela, para a escolinha, e tirei uma foto de
Júlia de uma revista. Já tem tempo, mas ela ficou com isso na cabeça. Achei
até que tinha esquecido.
— Não tem problema – sorriu Júlia, antes de olhar rapidamente para
Hadassa. Voltou sua atenção para Isabela, fazendo carinho em seu rosto. – Eu
posso ser sua tia Júlia, o que acha? Você já me chamou assim antes.
— Seria mais legal se fosse minha mãe.
— Tias são mais legais que mães! Elas não ficam colocando regras!
— Tá bom.
— Agora fala oi pro tio Alberto.
— Oi – sorriu a garota, ainda segurando a perna de Júlia. – Eu te vi na
televisão também.
— Eu sou bem mais bonito aqui, não sou?
— Não.
Os presentes riram, e Alberto pegou Isabela, fazendo cócegas na sua
barriga, A interação de todos foi imediata e os anfitriões trataram de deixar
Hadassa e Ranellory à vontade. A grande estrela da noite foi Isabela, que foi
o centro de todas as atenções. Jaqueline observou a irmã e Hadassa, que
pareciam confortáveis, mas claramente evitavam se olhar. Por diversas vezes
tinha visto o olhar da segurança sobre Júlia, quando essa não estava olhando,
da mesma forma que a irmã fazia o mesmo. Decidiu que ficaria atenta às
duas, e mais próxima de Júlia para interferir, caso fosse necessário.
Quando o jantar foi servido, Hadassa se acomodou com a filha ao seu
lado e Júlia ficou encantada com a forma como ela cuidava da menina. O
sorriso que permeava seus lábios era sincero e a interação das duas confortou
seu coração, de maneira que não soube explicar. Era um carinho acima do
que geralmente dispensaria, algo que não se atrevia a colocar em palavras,
nem mesmo em sua cabeça.
Depois do jantar, voltaram para a sala, retomando a conversa. Hadassa
contou sobre o casamento que havia tido com Rebeca, a forma como ela
havia falecido e o longo tempo que ficou de luto. Para Alberto, a simpatia por
ela foi imediata: tinha certeza que Micaela tinha feito uma boa escolha.
O assunto seguinte foi uma competição de dança entre famosos na
televisão, que Júlia havia participado, cinco anos antes. Alberto elogiou a
esposa de todas as maneiras possíveis, deixando-a a ponto de se tímida. Foi
Micaela que colocou a cereja em cima do bolo.
— Hadassa também é uma pé de valsa!
— Olha, outras habilidades! – sorriu Jaqueline. – Mostra o seu gingado
pra nós.
— Ah, não. Não mesmo!
— Para, uma música só. Minha mãe fará seu par e pode confirmar o que
já sei.
— Micaela, não – pediu Júlia.
— Dançar com a sogra é importante – brincou Alberto. – Quero ver.
Júlia mordeu o lábio inferior, enquanto via Micaela pegar o celular e
acessar o sistema de som da casa. Se virou para Hadassa, com as faces
ruborizando.
— Temos que fazer isso, ou não vão nos deixar em paz.
— Eu não quero pisar no seu pé. Não mesmo!
— Você não vai pisar – decretou ao se levantar. – Vamos? – finalizou ao
esticar a mão.
Hadassa olhou para Micaela e Alberto que continuavam a instigar a
dança. Se levantou em meio a um suspiro, aceitando a mão estendida, e
foram para o lado da sala onde não havia móveis no meio. A música
escolhida por Micaela logo tomou conta do ambiente e olhou, desconcertada
para Júlia, que esperava uma atitude sua. Balançou a cabeça, rapidamente.
Antes de colocar uma mão em sua cintura e começar se mexer lentamente.
— Eu não sei dançar essa música. É o ritmo lento normal?
— Pode ser – concordou Júlia ao colocar a mão no seu ombro.
Júlia não conseguiu se desprender do olhar verde, enquanto as vozes das
outras pessoas se tornavam, aos poucos, borrões distantes. A música começou
a entrar na sua cabeça e prestou atenção na letra, enquanto percebia que
estavam cada vez mais próximas. Sorriu com pesar, quando entendeu a letra,
por completo.
— Conhece essa música? – perguntou ao encolher o braço e cortar o
restante da distância que as separavam.
— Já escutei antes.
— Conhece a tradução?
— Não.
— Eu vou traduzir algumas partes pra você – sorriu, tentando a todo
custo, controlar o bolo na garganta. – “Tem que ficar mais fácil, mais fácil de
alguma maneira, mas não hoje”.
Hadassa perscrutou o rosto da atriz, tão próximo ao seu, enxergando em
seus olhos o que ela estava tentando lhe dizer com a música. Júlia prosseguiu.
— “Finalmente desmoronamos e quebramos o coração um do outro. Se
formos começar um amor jovem, melhor começar agora.”
Hadassa sorriu em resposta, enquanto a fazia girar para ficar de costas
para as pessoas que as observavam.
— “E algo não acaba, enquanto não tiver acabado. Eu não quero esperar
por isso” – sorriu Júlia sem mais disfarçar seu olhar apaixonado. – “Isso tem
que se tonar mais fácil, de alguma forma, mas não hoje... Não hoje.” *
Júlia pressionou a cabeça contra o colo de Hadassa e levou a mão para o
olho, disfarçando uma lágrima. Sentiu o beijo que ela depositava em seu
cabelo e se afastou, com um sorriso e a mão ainda no rosto.
— Droga! – falou se afastando, de volta aos presentes. – Acho que caiu
um cílio no meu olho!
— Ah tava tão bonito! – Alberto se levantou para olhar o olho de Júlia
atentamente. – Não estou vendo, amor. Vai lavar no banheiro.
— Eu vou. Agora é a vez de Micaela, afinal, é por elas que estamos aqui.
E sim, Hadassa, você tem o jeito. Com licença.
Hadassa concordou sem falar nada e observou Júlia subir as escadas.
Sorriu para Micaela que tornava a colocar a música para repetir, dançando
com ela. Alberto pegou Isabela no colo e foi para o espaço, dançando e
brincando com a menina. A segurança controlou as feições com sucesso,
mas o coração, disparado dentro do peito, não teve controle.

* Imagine Dragons – Not today


Capítulo 23
Júlia entrou no quarto e bateu a porta, indo direto para o banheiro. Bateu
com a mão na bancada, com força, com raiva, frustrada por não ter
conseguido segurar suas emoções e reações. O barulho de alguém entrando
fez com que recobrasse a compostura, já que deduziu que era Alberto.
Relaxou o corpo quando viu Jaqueline aparecer no reflexo do espelho.
— Quer me dizer que palhaçada foi essa?
— Agora não, Jaque!
— Agora não?! Algumas pessoas podem não ter percebido lá embaixo,
mas eu te conheço o suficiente para saber que se aquela sala estivesse vazia
vocês terminariam aquela dança com um beijo! Você perdeu completamente
a noção, Júlia?! Ela é namorada da sua filha! Hadassa é namorada de
Micaela...
— Chega! – exclamou Júlia alterando o tom de voz. – Eu não preciso de
você buzinando coisas no meu ouvido! Engole esse seu preconceito de merda
que tem contra mim e para com isso! E se eu quiser ficar mesmo com uma
mulher?! O que você pode fazer?! É minha vida Jaqueline! Para de se
intrometer nela!
— Ah tudo certo então você ficar com a namorada da sua filha, não é?!
— Eu fiquei com ela, por acaso?! Eu cansei Jaque! Cansei das pessoas
me ditando o que eu devo fazer! Cansei de você fazer isso! Cansei da mãe
fazer isso! Cansei da vó fazer isso! A porcaria da vida é minha! Só minha e
de mais ninguém!
— Birrenta agora, é isso?
— Jaque, me faz um favor, vá à merda!
Jaqueline ainda encarou a atriz por alguns segundos, antes de balançar a
cabeça em sentido negativo.
— Se recomponha. Estamos te esperando lá na sala.
Júlia observou a irmã sair do banheiro e escutou a porta do quarto
batendo. Deu um suspiro profundo, antes de voltar a se encarar no espelho.
Tinha que ser forte. Tinha que fazer aquilo por Micaela.
O retorno para a sala aconteceu depois de alguns minutos. Sentou-se ao
lado de Alberto e se entrosou na conversa novamente, mas a tensão entre ela
e Hadassa não dissipou. Evitava olhar para ela, da mesma forma como sentia
que a segurança também evitava. Com muito custo aguentou a hora seguinte,
quando os convidados começaram a se despedir. Ainda forçou um sorriso,
quando Micaela informou que ia dormir na casa de Hadassa e que passariam
o final de semana juntas. A aparência impecável não revelava o furacão que
carregava por dentro.

O final de semana foi estranho para Hadassa. Por mais que tivesse
apreciado cada minuto da presença de Micaela, a imagem de Júlia, a forma
como ela a olhava enquanto dançavam, não saia da sua cabeça. Já havia
percebido que a atriz estava mesmo afim dela, mas evitava pensar naquilo,
afinal, havia escolhido ficar com Micaela e sabia que tinha feito certo.
Alberto era um cara bacana demais e não teria coragem de ter alguma coisa
com Júlia, enganando-o. Por outro lado, não podia negar que ela a tinha
tocado profundamente naqueles poucos minutos depois do jantar, naquele
instante em que pode ver tanta verdade em seus olhos.
No domingo, Micaela saiu da sua casa já era sete da noite. Segundo ela,
era o aniversário de Alexia na segunda-feira e elas sempre comemoravam de
virada. A jovem ainda a convidou para ir junto, mas Isabela estava febril e
não deixou a filha sozinha com Ranellory. Se encontrariam no dia seguinte,
quando fossem para a faculdade.
— Isa dormiu? – perguntou Ranellory ao parar na porta do quarto da
sobrinha.
— Dormiu – sussurrou Hadassa em resposta. – A febre baixou com o
remédio. Acho que o sorvete de ontem não fez bem.
— Provavelmente. Micaela já foi para a festinha das amigas?
— Já.
— Achei que ela ia ficar aqui.
— Ela disse que liga mais tarde.
— Não acha ruim dela sair assim?
— Claro que não. Ela pode ir para onde quiser, sabe que nunca fui de
controlar ninguém.
— Verdade. Tá bom – suspirou Rane. Fez menção de se afastar, mas
tornou a se encostar no batente da porta. – E Júlia?
— O que tem ela?
— A dança de vocês no jantar. Eu vi saindo faíscas das duas.
— Acho que ela está mesmo apaixonada por mim, mas não posso fazer
nada. Eu estou com Micaela, ela com Alberto, não tem chance nenhuma de
ficarmos juntas.
— Já cogitou isso?
— Já passou pela minha cabeça sim, não vou negar. Júlia é... Júlia.
— Tenha responsabilidade emocional, ok? Você não tem culpa quando
alguém lhe direciona sentimentos, mas é responsável por eles na sua forma de
conduzir. Mesmo que não queira ficar com ela, o que é altamente
compreensível, tente machucar o mínimo possível. Evite ficar de pegação
com Micaela na frente dela, deixe claro o que sente por ela sem ser rude e,
principalmente, não alimente nenhum tipo de esperança.
— Pode deixar! Minha mãezota de vinte e cinco anos! – sorriu Hadassa
ao se aproximar da irmã e dar um beijo em seu rosto. – Você vai fazer
alguma coisa hoje?
— Estava pensando em ir no Cris, se não for precisar de mim aqui.
— Vai sim. Isa vai dormir bastante, eu também vou descansar um pouco.
— Eu vou ligar pra ele vim me buscar. Se cuida, tá bom?
Hadassa balançou a cabeça em sentido positivo e seguiu para o próprio
quarto, para um banho. Depois de trocada, voltou para o quarto da filha, para
conferir se ela continuava dormindo e se a febre havia voltado. Deu um leve
beijo em seus cabelos e seguiu para a cozinha atrás de um copo de
achocolatado quente e recebeu Cristiano, que tinha ido buscar Ranellory.
Depois de se despedir dos dois, voltou para o próprio aposento e colocou a
caneca na mesa de cabeceira e abriu a gaveta do móvel, resgatando a foto de
Rebeca. Admirou a ruiva por um longo tempo, passando as pontas dos dedos,
delicadamente na fotografia.
— As coisas estão confusas por aqui, amor. O que eu faço?!
Hadassa se encostou contra a cabeceira da cama e bebeu do chocolate,
enquanto a mente trabalhava sem parar. Tinha certeza que jamais poderia
corresponder o que Júlia sentia por ela, por causas dos motivos que havia
listado sem parar na cabeça, tentando convencer a si mesma de que era
errado, principalmente por ela ser mãe de Micaela. Gostava da jovem, estava
disposta a ter algo sólido com ela. A coisa mais absurda que poderia lhe
acontecer era sentir algo por sua sogra, que não fosse fraternal.
No dia seguinte, ao chegar na casa da atriz, foi trocar de roupa e seguiu
para tomar café e esperar Micaela na frente da casa. Quem apareceu primeiro
foi Júlia, ao lado de Alberto, que já saia para o trabalho.
— Bom dia, Hadassa – cumprimentou o casal.
— Bom dia.
— Isa, como está? – perguntou a atriz. – Micaela disse que ela estava
febril ontem.
— Está melhor, obrigada. Hoje já está sem febre. Acho que foi um
sorvete que tomamos no sábado, deu uma inflamadinha na garganta dela.
— Sua irmã está com ela? Não é bom mandar para a escola desse jeito –
quem falou foi Alberto.
— Está sim. Vai ficar em casa hoje.
— Excelente – concordou o jornalista. – Qualquer coisa, tem o Fábio,
meu primo, que é pediatra. Ele atende em uma clínica perto daqui. Pode levar
ela lá e dizer que fui que pedi.
— Obrigada Alberto. Espero que não precise.
O jornalista anuiu e se virou para a esposa, despedindo-se. Entrou no
carro e saiu da propriedade, deixando Júlia e Hadassa sozinhas.
— Bom eu... – começou a atriz.
— Eu quero falar com você – pediu Hadassa. – Quando estiver
disponível, mais tarde.
— Micaela não vai para a faculdade hoje. Chegou em casa um pouco
tarde, então...
— Ela chegou quase de manhã – sorriu Hadassa. – Me mandou
mensagem.
— Eh, Micaela, né? Se quiser conversar agora é melhor porque eu vou
ficar bem ocupada hoje. À noite, Alberto e eu vamos para o Rio, tenho que
terminar de acertar um trabalho e já começar a fazer o laboratório, me
apresentar com o elenco e essas coisas.
— Quanto tempo vai ficar por lá?
— De dez a quatorze meses.
— Tudo isso? – espantou Hadassa.
— É o tempo de preparação e gravação. Ainda não recebi o cronograma,
mas basicamente será isso. Vou me mudar, temporariamente, para o Rio.
— Eu... ok. Boa sorte e que seja um trabalho incrível!
— Espero que sim. Vamos até a piscina, aí podemos conversar mais à
vontade. Ou então o escritório.
— Vamos para o escritório. É mais privado.
Júlia concordou, já sentindo o corpo ficar tenso, e caminhou para o
interior da casa. Assim que entrou no escritório, Hadassa fechou a porta e
caminhou para o meio da sala.
— O que aconteceu na sexta?
— Eu não quero falar sobre isso, Hadassa.
— Eu acho melhor termos essa conversa – insistiu a segurança. – Nós
tivemos algo ali.
— Nós não podemos ter algo em nada. Como você mesma me disse em
uma ocasião, eu sou casada e agora você está com minha filha. Eu só... Me
deixei levar pelo momento. Me desculpe por isso, garanto que não vai se
repetir.
— Eu não quero ser irresponsável com você, Júlia, jamais quis. Eu...
— Tanto não quis que ficou com minha filha, um dia ou dois, depois que
eu te beijei. Você poderia ter me dito primeiro que queria ficar com ela. Uma
mensagem, uma ligação já bastavam pra que eu não me sentisse tão mal
como fiquei!
Hadassa passou a mão no cabelo, suspirando fundo, enquanto via Júlia
andar até uma janela e olhar para fora, enquanto coçava o braço esquerdo.
— Me desculpa, Júlia. Eu agi errado com você, eu deveria...
— As coisas aconteceram como tinha que acontecer, só isso –
interrompeu Júlia. – Não sei também se faria alguma diferença, nada foi ao
acaso.
Hadassa se aproximou de Júlia, que ainda permanecia olhando para o
jardim.
— Me desculpe, Júlia. Eu não tive nenhuma noção de como lidar com
isso. Eu errei, não pensei em como isso poderia lhe machucar.
— Você não tem que se desculpar – falou Júlia se virando e topando com
Hadassa próxima a ela. – Eu que criei coisas na minha cabeça e que são
completamente infundadas.
— Nem tão infundadas – Hadassa ergueu a mão para acariciar seu rosto.
– Talvez impossíveis de acontecer.
Júlia balançou a cabeça e fez menção de se afastar, mas seu viu nos
braços de Hadassa, que a puxava de encontro a seu corpo em um abraço.
Enlaçou os braços apertando-a e sentindo seu perfume. Ergueu a cabeça o
suficiente para enxergar seus olhos verdes e podia jurar que via um brilho
especial nele.
Hadassa sustentou o olhar que Júlia lhe lançava. Não soube por quanto
tempo ficaram daquela maneira, apenas se olhando, mas soube o exato
momento em que decidiu dar um beijo delicado e demorado em seu rosto: era
apenas um segundo antes de perder a cabeça e cometer uma besteira.
— Não podemos ficar assim – sussurrou Júlia, roçando seu rosto na
segurança. – Eu tinha que estar nervosa por você estar assim com outra
mulher, já que namora minha filha.
— Deveria – concordou a segurança. – Eu deveria ter apenas um
sentimento de carinho por você. Estamos erradas.
— Muito erradas, mas essa tortura termina hoje. Eu vou pro Rio, vou
ficar muito tempo por lá. Vai passar.
— Eu vou sentir sua falta aqui.
Júlia sorriu e se afastou o suficiente para voltar a olhar para Hadassa.
Perscrutou seu rosto, enquanto ela fazia o mesmo e deu um sorriso,
abaixando os olhos para a boca da morena. As mãos que a seguravam deram
um aperto involuntário, correspondido com o avanço de Hadassa,
depositando um beijo sobre seus lábios, para se afastar em seguida.
— Me desculpe, eu...
— Schiii – pediu Júlia, colocando um dedo sobre seus lábios. – Não.
Júlia enfiou o rosto no seu pescoço e curtiu o momento em seus braços,
acariciando sua nuca. Deu um beijo na sua pele e se afastou novamente,
dando outro leve beijo sobre seus lábios, antes de conseguir se desprender do
seu abraço.
— Espero, no futuro, nos encontrarmos em melhor situação que hoje –
desejou a atriz, ao arrumar a roupa e cabelo. – Fiquem bem por aqui, faça
minha filha feliz, já será o suficiente pra mim.
— E o necessário?
— Eu vou descobrir por aí. Eu vou manter contato constante, volto
algumas vezes pra cá, e quero saber se me permite ter contato com Isabela.
Eu adoro aquela menina e não é por você. Ela que me conquistou
completamente.
— É claro. Sempre que quiser.
Júlia aquiesceu com um sorriso e saiu do escritório, deixando Hadassa
completamente confusa e perdida. Passou as duas mãos na cabeça, e olhou
para o teto, em um suspiro profundo.
— Sempre fazendo merda, Hadassa! Sempre fazendo merda!
Capítulo 24
Seis meses depois

Júlia se desvencilhou dos braços de Alberto e levantou da cama


lentamente, para não acordá-lo. Saiu do quarto a passos preguiçosos, seguiu
para a sala e parou na frente da grande janela de vidro, observando a praia,
pouco movimentada, e o mar à perder de vista. Se espreguiçou languidamente
e conferiu a hora: faltava duas horas para que se apresentasse no estúdio,
onde teria uma reunião com o elenco da novela que começaria a ser gravada
na semana seguinte. Voltou para o quarto e entrou em um banho demorado.
Se vestiu lentamente e, depois, se debruçou sobre Alberto, acordando-o com
um beijo em seu rosto.
— Eu vou tomar um café e já estou saindo, Beto, qualquer coisa você me
encontra no celular.
— Tá bom, amor. Que horas é agora?
— Sete e meia da manhã.
— Vou dormir mais um pouco. Só tenho que ir para a redação ao meio
dia.
— Dorme sim. Nos vemos à noite. Não esquece que Micaela pediu para
fazer a vídeo-chamada hoje.
— Até às dez já estarei de volta.
Júlia anuiu e deu um beijo em seus lábios, para sair da cama em seguida.
Pegou a bolsa sobre a poltrona e seguiu para a cozinha, onde o café já estava
servido.
No local, onde seria realizada a reunião de elenco, Júlia já encontrou
alguns de seus colegas e os cumprimentou entrando na conversa que estava
rolando. Depois de meia hora, e já com todos reunidos, incluindo os diretores
e roteiristas, começaram a passar as últimas orientações para as gravações. Já
haviam recebido o roteiro duas semanas antes, e tudo tinha que estar alinhado
para não correr atrasos no cronograma.
— Nós tivemos um problema. Letícia, que faria a delegada Lorena, não
vai participar da novela. Por causa do problema que está na mídia, ela
preferiu se preservar nesse momento. Verônica Schultz está chegando aqui,
teve um atraso por causa de um acidente. Ela vai fazer essa personagem...
Júlia parou de ouvir o que o diretor informava, enquanto a mente se
concentrava em Verônica. Um filme passou pela sua cabeça, desde a primeira
vez que tinha contracenado com ela, sete anos antes. Havia perdido contato
desde então, desde que ela fora morar em Portugal. O rosto se manteve
impassível, mas a mente se inquietou, com a informação de que a veria entrar
pela porta a qualquer momento.
A chegada de Verônica aconteceu já quase no final da reunião. Se
levantou junto com os colegas e se manteve mais afastada enquanto ela
cumprimentava todos. Sorriu na sua direção, quando ela se aproximou e deu
um abraço caloroso na colega de profissão.
— Uau, Júlia! – sorriu Verônica. – Esse ruivo caiu como uma luva em
você! Está linda!
— Obrigada. Quanto tempo, hein?!
— Bastante. Como você está? Ainda com o babaca do Alberto?
— Eu nunca vou me separar dele – sorriu Júlia. – E não vai começar a
implicar desde já! – completou dando um tom ameno de brincadeira.
— Não vou. Mas não se esqueceu da nossa música, não é? “Life is not
tried, it is merely survived, if standing outside the fire” *
— Eu prefiro me manter fora do fogo, sempre.
— Eu sempre soube. Bom, vamos ter tempo! Quem sabe eu consiga
corrigir isso em você agora. Ou talvez eu vá em Isadora Maranes, ela está
linda! Ela ainda está com aquela mulher que sequestrou ela?
— Acho que sim. Adotaram uma menina, ano passado – cochichou ao
olhar para a atriz sentada mais afastada. Ela faria antagonista na trama, e seria
sua irmã na ficção.
— Deixa quieto então. Cássia parece ser muito brava e já sabemos que é
meio barra pesada. Já Alberto é um mosca morta. Vai sobrar pra você
mesmo.
— Besta!
— Você gosta, eu sei – finalizou Verônica com uma piscadinha.
Júlia sorriu em resposta e voltaram a se concentrar no diretor. Depois de
meia hora foram dispensados, já com a agenda de gravações da semana
seguinte. A atriz teria gravação em quatro dias: sabia que seria uma rotina
puxada.
Ao sair da sala, Júlia se despediu dos presentes, incluindo Verônica, que
conversava com Isadora, e seguiu para fora, onde o motorista já a esperava.
Encostou-se contra o banco e ficou reflexiva por um tempo, com a mente
perdida no passado. Verônica tinha feito uma personagem secundária, na
novela em que haviam gravado juntas. A atração que sentiu pela morena
tinha sido intensa, mas nunca havia se permitido chegar aos finalmentes com
ela. Aliás, era uma coisa que tinha se permitido apenas uma vez na vida, ir
para a cama com outra mulher, e tinha sido na época da adolescência.
Júlia tratou de afastar a lembrança da sua cabeça e se concentrar no
presente. Verônica era uma atriz conceituada, que tinha ido para Portugal
para participar de uma novela por lá, mas acabou fixando moradia depois
disso. Não escondia sua bissexualidade da mídia e, por um longo tempo,
tinha namorado um jogador de futebol. Na época que trabalharam juntas,
Micaela tinha doze anos e cortou qualquer coisa que pudesse acontecer entre
elas, para não correr o risco de se expor e expor sua família. Era um dos
sentimentos que havia sufocado, da mesma forma como tivera que sufocar
com Hadassa.
Já no apartamento, Júlia retomou o roteiro, decorando as falas e a tarde
passou num piscar de olhos. Quando a noite começou a cair, conferiu a hora
no relógio, para ter certeza que Isabela já estava em casa. Nos últimos seis
meses, tinha mantido contato com a criança através de ligações de vídeo-
chamada e visitas esporádicas. Tinha consciência de que além de ver Isabela,
também fazia aquilo para ver Hadassa. O que antes era uma atração
impossível, começou a se transformar em um aperto no peito, um adeus
silencioso, por saber que jamais poderia ter algo com a segurança.
Júlia deixou o roteiro de lado, pegou o celular, de cima da mesa e discou
para Hadassa. Esperou dois toques até escutar sua voz do outro lado da linha.
— Oi Júlia.
— Oi Hadassa, tudo bem?
— Tudo bem sim, e com você?
— Tudo certo. Isabela já chegou da escola?
— Já sim. Mic está com ela na sala, estão montando um quebra-cabeças.
— Ah, Micaela está aí. Ela disse que vai me ligar mais tarde, quer uma
reunião comigo e com o pai. Sabe do que se trata?
— Sei, mas não posso lhe adiantar.
— Estou super curiosa! Me fala alguma coisa!
— Não posso – sorriu Hadassa. – Alberto já chegou?
— Ainda não. Vai sair da redação às oito da noite. Quando ele chegar, eu
aviso. Posso falar com Isa por vídeo?
— Claro. Me liga de volta. Vou levar o celular pra ela.
Júlia desligou a chamada, acendeu as luzes e foi para o sofá. Discou
novamente para Hadassa e ajeitou a blusa, antes da chamada ser atendida.
Sorriu para a tela e posicionou o telefone na frente do rosto, assim que
enxergou a segurança.
— Oi.
Hadassa estava prestes a entregar o telefone para a filha, mas pausou o
ato ao enxergar a atriz. Ficou olhando, travada para a tela, enquanto a
admirava, boquiaberta. Durante alguns segundos ficaram em silêncio, apenas
se olhando.
— Ruiva – falou, por fim.
— Mudei ontem, caracterização da minha personagem. As gravações
começam na próxima semana.
Hadassa apenas balançou a cabeça, sem conseguir pronunciar algo. Foi
Micaela que se aproximou, interrompendo seu momento de apreciação.
— Oi mãe! Uau! Ficou gata, hein?! – sorriu a jovem ao enxergar a atriz. –
Esse ruivo ficou lindo em você!
— Oi Mica. Como você está? – perguntou Júlia, forçando um sorriso. –
Acha que combinou comigo?
— Com certeza! Ficou perfeito!
— Está muito bem mesmo, Júlia – concordou Hadassa desconcertada. –
Eu... Eu estava indo tomar um banho. Vou deixar o telefone com elas.
Júlia concordou com um aceno e se despediu da morena. Micaela pegou o
celular e sentou-se no tapete, com Isabela em seu colo.
— Olha, Isa, minha mãe agora está ruiva igual a você!
— Tia Júlia! Seu cabelo está igual ao meu!
— Quase o mesmo tom, né? Como você está, minha lindinha?
— Eu to montando um quebra-cabeça enorme com a Mic. Você sabia que
ela e minha mãe estão namorando? Achei tão estranho!
— Vocês contaram pra ela? – perguntou Júlia olhando para a filha.
— Ela viu a gente se beijando dias atrás.
— Eh – concordou Isabela fazendo careta. – Um nojo!
— Por que achou estranho, Isa? Você não queria uma nova mãe? Agora
Mica pode ser essa mãe. Eu me torno sua avó.
— Não tem graça assim. A Mic também vai viajar por um tempão, aí não
dá para ser.
— Você vai viajar? – outra vez Júlia dirigiu a pergunta a filha. – Pra onde
você vai?
— Eu quero conversar isso com você e o pai depois.
— Você vai deixar ela viajar, tia? Minha mãe disse que vai fazer bem pra
ela. Deixa!
— Eu vou ver o que ela vai aprontar! Aí eu digo se deixo ou não – sorriu
Júlia.

Hadassa se encostou contra a porta do banheiro e passou a mão no cabelo,


desconcertada. Andou até a frente do espelho e encarou os próprios olhos
com a cabeça ainda na imagem de Júlia. Desde que ela tinha se mudado para
o Rio, tinha conseguido controlar bem a atração que sentia por ela, matava a
saudade quando a via entre as ligações para Isabela, mas conseguia ter
clareza de que o que tinha acontecido no passado, havia ficado para trás. Vê-
la daquela forma fez sua cabeça dar um giro, acordando, momentaneamente e
instantaneamente, o que tinha sentido no passado.
Quando Hadassa saiu do banheiro, Júlia ainda continuava na ligação com
Micaela e Isabela. Sentou na cama e ficou olhando para a parede, por um
longo tempo, antes de se levantar e seguir para a cozinha, para preparar o
jantar. Não estava disposta a ficar se controlando o tempo todo.
Uma hora depois, Júlia desligou o telefone e ficou rodando-o na mão,
olhando para o nada. Os pensamentos variavam entre o assunto da tal viagem
que Micaela queria tratar e a reação de Hadassa ao vê-la. Tinha certeza que
ela havia se lembrado de Rebeca e a primeira coisa que faria, depois de
terminar as gravações, seria voltar ao seu loiro natural.
Alberto chegou nove da noite. Jantou com o marido e contou o que sabia,
que Micaela iria viajar, mas estava fazendo mistério acerca do destino.
Conjecturou que ela queria ir para algum lugar com Hadassa e Isabela, para
firmarem o relacionamento, que, até então, nunca quiseram denominar. A
curiosidade de ambos foi saciada com a ligação, às dez da noite.
— Bom, Mica, qual a novidade dessa vez? – perguntou Alberto, sentado
ao lado de Júlia no sofá.
— Eu parei a faculdade de jornalismo.
— Oi? Como assim parou, Micaela? Há quanto tempo você não vai?
— Eu não gosto de jornalismo, pai. Você é o jornalista dessa casa, eu não
quero fazer isso. Tem um mês que parei de ir.
— Você está em casa já tem um mês? – perguntou Júlia ao coçar a testa.
— Não exatamente. Eu estava passando com uma psicóloga, tendo uma
orientação vocacional.
— Hum, você que teve essa ideia?
— Hadassa sugeriu e eu concordei. Foi a melhor coisa que fiz.
— Ok, e então?
— Eu quero fazer um intercâmbio. Eu verifiquei alguns cursos na França,
em Paris, e tem um que começa em duas semanas. Ainda tem vaga para me
inscrever.
— Vamos por partes – falou Alberto, atento. – Que curso você quer fazer
na França que é melhor que uma formação universitária?
— Eu quero fazer cosmetologia. Quero conhecer os princípios, saber se
de fato eu me encaixo na área. Se for realmente o que quero, aí ingresso em
um curso de engenharia química depois e me especializo em cosméticos.
— Ok, mas você não fala francês. Como você quer cursar na França?
— Pai, você sabe que isso não é um problema. Eu falo inglês fluente,
posso me virar bem. Sem contar que é uma ótima oportunidade de aprender
outro idioma.
— E você vai fazer curso de Francês também?
— Quero estudar essa possibilidade quando chegar lá.
— Uau! Isso é uma grande novidade – falou Júlia. – Está ciente de que é
uma grande mudança?
— Eu quero enfrentar esse desafio, mãe. Eu sei que é um grande passo,
mas eu posso me sair bem. Já vi republicas onde posso ficar perto do
Françoise Morice, que é a escola onde quero me inscrever, o curso de francês
também é perto da república. Toda a estrutura é muito boa. Meu plano é ficar
os três meses, depois, de acordo com o que eu avaliar, eu decido o futuro.
— Você já verificou tudo, então?
— Já. Já tenho tudo anotado, já conversei com eles, inclusive. O que eu
preciso mesmo é do investimento, se vocês podem arcar com esse custo
agora.
— Estamos falando de quanto? – perguntou Alberto.
— Não é barato, já adianto...
Júlia ficou olhando para a filha, pensativa, enquanto ela discutia os custos
com o pai. Micaela parecia de fato decidida a fazer essa mudança, já com
tudo planejado. Sabia que era uma característica forte na filha: quando queria
algo, já se programava com antecedência, e colocava tudo no papel. Era
sabido que ela fazia isso somente quando se tratava de viagens com as amigas
e festas, mas era bom ver que ela estava pensando em algo para o futuro,
mesmo que ainda fosse algo experimental. Lembrou-se automaticamente de
Verônica e da música que escutavam juntas: “Life is not tried, it is merely
survived, if standing outside the fire”. Micaela estava se colocando no fogo.
— E Hadassa? Como vão fazer? – escutou-se perguntar.
— Vamos manter o relacionamento à distância mesmo. Eu volto algumas
vezes para ver ela, vamos nos entendendo conforme o tempo.
Júlia balançou a cabeça em sentido positivo e se limitou a encarar a filha.
Se virou para Alberto, que também estava em silêncio, pensativo.
— E aí, amor? – perguntou Júlia ao tocar o braço do marido.
— Tem certeza que não quer continuar com o jornalismo, Mica?
— Eu não gosto de jornalismo, pai. Eu quero fazer algo que eu gosto.
Alberto sorriu ao encarar a filha e se virou para Júlia. Suspirou fundo,
antes de voltar a olhar para Micaela.
— Quando conversei com Hadassa, ela me disse que você tem asas e que
não te impediria de voar. Eu também não posso fazer isso – falou o jornalista
ao pegar a mão da esposa. – Nós vamos te apoiar no que precisar. Eu peço
para o gerente já fazer a conversão e transferir pra sua conta amanhã.
— Obrigada, pai! Obrigada, mãe! Eu sabia que podia contar com vocês!
Eu prometo que não vão se arrepender em me dar esse voto de confiança.
Júlia sorriu para a filha e sentiu-se confortada por sua alegria. Era isso
que sempre que havia desejado para Micaela, que ela crescesse e se
encontrasse. Era bem claro que ela estava dando seus primeiros passos para
isso.

* Standing outside the fire – Garth Books


Capítulo 25
Alberto desligou a ligação e se virou para Júlia, pensativa ao seu lado.
Deu um beijo delicado em seu rosto e um leve aperto em sua mão.
— Já tinha imaginado, alguma vez, escutar isso de Mica? Engenharia
química. Eu estou besta, só pelo fato dela ter tido essa ideia!
— Micaela adora essas coisas de cosméticos. Não duvido nada que ela se
dê bem, viu?! Ela sabe a formulação, de cor, de cada produto que usa no
rosto.
— Cosmetologia. Gostei mesmo! Espero que ela goste, que encare como
uma carreira. Tem muito mercado no campo da cosmética.
— Se eu bem conheço a filha que temos, a primeira coisa que ela vai
querer fazer é a própria linha de maquiagem.
— E por que não? Faz uma parceria de negócios com algum laboratório e
lança. Ela já tem um nome que pode transformar em uma marca.
— Micaela empresária e cosmetologista – riu Júlia. – Eu quero viver para
ver isso!
— Nunca pensei que esse namoro com Hadassa fosse trazer tantos
benefícios. Ela não protagoniza mais escândalos, está mais centrada,
pensando no futuro, criando juízo, como diria minha mãe.
— Sim. Eu também fiquei bem surpresa. Sabia que Hadassa seria uma
boa influência para ela, mas não imaginei que fosse tanto.
— Agora é esperar para que ela tenha maturidade de encarar um
relacionamento à distância. Essa parte pode não ser tão fácil.
— Acha que elas terminam? – perguntou Júlia, se aconchegando contra o
marido, que passou o braço por seu ombro.
— Acredito que não. Eu espero que não.
Júlia concordou com uma onomatopeia e deu um beijo no tórax de
Alberto, sobre a camisa. Não conseguiu não ficar pensativa sobre o assunto,
mas sabia que no fundo existia uma grande possibilidade de seguirem
caminhos diferentes, principalmente se Micaela resolvesse fazer a formação
no exterior. Resolveu mudar de assunto, para que não ficasse se sentindo a
pior mãe do mundo, no final da noite.

Micaela seguiu ao encontro de Hadassa, que estava no quarto da filha,


colocando-a para dormir. Ainda ficou um tempo com as duas, antes de
anunciar que ia tomar um banho. Depois de meia hora, a morena entrou no
quarto, já encontrando-a sobre a cama, mexendo no celular.
— Tudo certo com seus pais?
— Tudo – respondeu Micaela ao deixar o telefone de lado. – Amanhã já
começo a dar entrada na papelada que preciso. Eu vou ter que providenciar o
visto de estudante, mas acho que consigo retirar na embaixada lá. Não sei
bem ainda como funciona.
— Vai dar tudo certo – sorriu Hadassa ao se acomodar na cama, ao seu
lado. – Estou torcendo muito por você, sabe isso, né?
— Eu sei. Eu quero muito que dê certo. Você vai me esperar, não vai?
— Vou, é claro que vou. Mas quero que se concentre nos seus estudos lá,
que se foque no que irá fazer, na descoberta do que quer fazer da sua vida.
Micaela balançou a cabeça em sentido positivo e se acomodou contra
Hadassa, buscando sua boca em um beijo lento e sensual. Se afastou para
encarar seus olhos verdes e acariciou seu rosto, lentamente.
— Eu queria te pedir uma coisa.
— O que foi?
— Eu vou ficar esses três meses fora, depois eu volto, mas não sei como
as coisas irão ficar. Minha mãe vai vim para se despedir de mim, é quase
certeza. Eu quero que você a leve no abrigo. Depois que ela conhecer lá, eu
vou pedir para ela continuar cuidando, mesmo que só financeiramente.
Hadassa balançou a cabeça em sentido positivo e depositou um beijo em
seus lábios.
— Tem outra coisa também – a jovem continuou. – Eu não quero deixar o
Floquinho lá, sem visitar ele por todo esse tempo. Também acho que ele
precisa de uma menina que vai amá-lo muito, da mesma forma como eu amo.
Você deixa eu dar ele para Isabela?
— Ela vai adorar ter um cachorrinho como ele, pode ter certeza!
— Obrigada! Eu sei que você e ela irão cuidar bem dele.
— Vamos sim. Rane também vai cuidar. Ela adora bichos.
— Eu estou com uma sensação tão estranha, sabia? Eu sei que volto logo,
que tudo vai continuar como está, melhor até, mas parece que estou me
arrumando aqui para seguir uma vida na França.
— De certa forma está. Não significa que vai mudar literalmente de casa
ou país, mas eu tenho certeza que depois desse curso, você vai voltar outra
pessoa, com uma visão de vida diferente.
— Seria tão bom se pudesse ir comigo!
— Essa é uma jornada que tem que fazer sozinha, mas pode ter certeza que
eu vou aplaudir de pé cada conquista sua!
Micaela sorriu em resposta e beijou Hadassa outra vez, deixando as
línguas se encontrarem em um bailar sensual. Se virou, fazendo com que ela
ficasse com as costas colada no colchão e montou em seu corpo, deixando as
mãos acariciá-la por inteiro.
— Eu vou voltar pra você, sabe disso, né? – perguntou rente aos seus
lábios.
— E eu estarei aqui, te esperando – respondeu Hadassa enfiando a mão
por baixo da camiseta do pijama que a loira usava, fazendo sair por sua
cabeça.
Micaela sorriu ao ver Hadassa sentar na cama, ainda colada em seu corpo
e mordeu um lábio, quando a boca alcançou os seios. Curtiu, com prazer, as
chupadas que ela dava em cada um deles, alternando de um para o outro. Deu
um sorriso quando foi virada na cama e a morena se esticou para pegar o
prendedor de cabelo na mesa de cabeceira, para descer pelo seu corpo em
seguida, terminando de desnudá-la. Sabia que ninguém poderia lhe
proporcionar o prazer que Hadassa lhe dava.
No dia seguinte, foram para a casa de Micaela, onde a jovem começou a
organizar a viagem para a França. Assim que o dinheiro entrou na conta, já
entrou em contato com a escola e mandou os documentos para reservar a
vaga. O passo seguinte foi comprar a passagem, que ficou marcada para o
domingo seguinte.
— Vamos pegar a Isa e ir no abrigo? – chamou Micaela quando o relógio
marcou duas da tarde. – A gente já passa em um petshop na ida pra sua casa,
pra comprar as coisinhas pra ele.
— Vamos. Já vou ligar para liberarem ela na escola.
Hadassa saiu ao lado de Micaela depois de alguns minutos e seguiram até
a escola, onde Isabela já as esperava junto com Jaqueline. A menina entrou
no carro, curiosa com o destino.
— Pra onde vamos? – perguntou, devidamente presa na cadeira elevada,
que haviam comprado para ela.
— Nós vamos buscar um presente pra você, se quiser – respondeu
Micaela ao se virar para trás. – Acho que vai gostar.
— O que é?
— Surpresa!
Hadassa sorriu para a filha, através do espelho retrovisor e seguiram o
caminho todo falando a respeito da surpresa que Isabela teria. Assim que
pararam na frente do abrigo, Micaela desceu e já se adiantou a abrir a porta
traseira e tirar Isabela do carro, segurando sua mãozinha. Juntas seguiram
para a entrada da ONG e Isabela soltou um gritinho empolgado quando viu a
quantidade de cachorros ali.
— Mãe! Olha, mãe! Tem um monte! Eu posso brincar com eles?
— Pode Mic? Não tem perigo de morder ela, não é?
— Você vem comigo aqui sempre. Sabe os que ficam soltos são bem
bonzinhos.
Hadassa concordou e se abaixou para acariciar um, guiando a mão de
Isabela para fazer o mesmo. A menina ficou encantada, brincando com o
cachorrinho por vários minutos, enquanto Micaela conversava com Paloma,
para fazer a adoção de Floquinho.
— Eu quero te mostrar um que é meu – falou Micaela se abaixando ao
lado de Isabela. – Ele é todo peludinho e fofinho!
— Você tem um?! Eu também quero um, mãe! Deixa, por favor! Por
favor!
— Vamos conhecer o da Mic primeiro?
Isabela concordou, não cabendo em si de felicidade por estar entre os
cachorros. Andaram até a casa principal da ONG e entraram. Logo Micaela
trouxe o cachorro nos braços e se abaixou do lado de Isabela, que eu um
gritinho de alegria ao pegá-lo no colo.
— Faz a entrega pra ela – falou Hadassa ao lado de Micaela.
— Tá. Isa, você sabe que vou viajar, não é? Eu preciso de alguém que
cuide do Floquinho pra mim. O que você acha de cuidar dele?
— Eu posso vim aqui sempre?! – arregalou os olhos em expectativa.
— Ele pode ser seu, se quiser. O que acha? Pode levar ele pra casa, ele
pode dormir do seu lado.
Isabela olhou incrédula para a mãe e começou a chorar, ainda abraçada
com o cachorrinho. Micaela sentou no chão para se juntar aos dois e Hadassa
fez o mesmo, beijando o cabelo de ambas.
— A gente vai ter mesmo ele em casa, mãe?
— Vai meu amor. Nós já vamos levar ele agora. Como se fala?
— Obrigado Mic! – falou a menina dando um abraço apertado na jovem.
– Obrigado mãe!
— De nada, meu amor. Só que oh, ele é sua responsabilidade. Tem que
cuidar dele, dar comida, aprender a pegar o cocô dele.
— Ele nunca conseguiu aprender a usar tapete higiênico. Um dos motivos
do meu pai ter trazido ele pra cá.
— Ele vai ficar bem cuidado lá em casa – garantiu Hadassa dando um
rápido beijo sobre seus lábios.
— Eu sei – Micaela sorriu em resposta, acariciando seu rosto.
Durante a hora seguinte, ainda permaneceram no abrigo, até que Isabela
pôde sair com o tão desejado cachorrinho no colo. Dentro do carro, ficou se
esticando para pegar ele, que insistia ir para a janela. Hadassa sorria para a
filha e Micaela, que parecia mais iluminada naquela tarde. Pegou sua mão e
deu um aperto, seguido de um beijo. Por mais que soubesse que a viagem era
temporária, sentia que aqueles momentos de tranquilidade e alegria que
passava ao seu lado estavam seriamente em risco. Era um pensamento que
tentava evitar, desde que ela tinha anunciado a vontade de fazer o
intercâmbio, mas sabia, desde o começo, que estavam num ponto de
interseção que terminaria em algum momento. Queria, do fundo do coração,
que não fosse o fim, ainda.
A tarde passou rápida, enquanto Isabela ficava indecisa no petshop sobre
a escolha da cama, coleira e brinquedo para Floquinho. Desde que haviam
saído do abrigo, a menina não se desgrudava do cachorro e Hadassa sabia que
a filha ficaria grudada com ele durante toda a semana. Naquela noite, Isabela
pediu para que a mãe ligasse para Júlia, pois queria mostrar seu novo
cachorro. A segurança concordou, com um leve sorriso no rosto.
Júlia estava terminando o banho quando escutou o telefone tocar. Mordeu
o lábio inferior ao ver a foto de Hadassa e Isabela. Saiu do box e pegou uma
toalha, para secar o rosto, atendendo em seguida.
— Oi Hadassa.
— Oi Júlia. Isa quer te mostrar uma coisa. É um bom momento?
— Eu estou saindo banho, me dá cinco minutos para ficar mais
apresentável, pode ser?
— Claro. Já te ligo.
Júlia desligou o telefone e o apoiou sobre a bancada do banheiro,
olhando-se no espelho por alguns segundos. Tirou o excesso de água e
prendeu o cabelo, fazendo um coque bem alinhado. O passo seguinte foi
colocar o roupão e tornou a se olhar no espelho, novamente, chegando à
conclusão que estava ótima.
No quarto, Júlia pegou o carregador do celular e conectou na tomada ao
lado de uma poltrona, acomodando-se em seguida. Abriu a câmera apenas
para conferir sua aparência mais uma vez, antes de retornar, já fazendo a
chamada de vídeo.
— Oi Júlia – sorriu Hadassa assim que a viu. – Desculpa te atrapalhar...
— Nem termina! Se Isa quer me mostrar alguma coisa, é prioridade –
respondeu simpática. – O que ela quer me mostrar?
— Eu já vou levar pra ela. Micaela está na sala com ela.
— Como você está com essa viagem da Mica?
— Feliz por ela, por essa oportunidade que ela terá, mas ao mesmo
tempo... Eh... – Hadassa se encostou contra a parede do corredor, sem
terminar de chegar na sala. – Quer a verdade?
— Tá muito escuro onde você está. Quero te ver melhor.
Hadassa concordou com um aceno e foi para o quarto, ligando a luz.
— Melhor?
— Melhor – sorriu Júlia. – Não tem problema me dizer que está sentindo
saudade dela desde já, que vai sentir falta e essas coisas.
— Você não?
— Ela é minha filha, obvio que sim. Mas é diferente.
— Quando você vai vim pra cá?
— Próximo final de semana. Depois começam as gravações. As primeiras
cenas são em estúdio, mas depois tenho que ir para Vitória gravar externas.
— Será bom te ver de novo.
— Eu... Três meses é pouco tempo, vai passar rápido.
— Seis meses está sendo uma eternidade.
— Não fala assim. Você sabe que... – Júlia deu um suspiro, olhando para
a morena na tela. – Eu sinto sua falta ainda. As gravações começam agora
então ainda tenho mais seis a oito meses pra não sentir mais.
— Espero que seja o suficiente para nós duas.
Júlia ainda ficou um tempo encarando Hadassa pela tela do telefone
celular, até escutar a porta do apartamento bater.
— Alberto chegou. Me leva para Isabela.
Hadassa apenas concordou com um aceno e saiu do quarto, em direção à
sala, onde Micaela e Isabela estavam no chão.
— Olha, filha, quem está aqui para ver seu presente!
— É a tia Júlia?
— É.
Isabela levantou de um pulo e foi para o sofá, onde Hadassa já tinha se
acomodado.
— Eu ganhei um cachorro da Mic! Ele é tão lindo, tia!
— Sério?! Que fofura! Me mostra ele!
— Espera um pouquinho.
Isabela voltou para o chão, para pegar o cachorro e Micaela sentou ao
lado de Hadassa, para falar com Júlia. Em segundos Isabela voltou, agarrada
com o cachorro, para o lado da mãe.
— Olha tia! O Floquinho é meu!
— Floquinho?! Ué, mas é o que era seu? – perguntou para Micaela.
— Sim. Eu cuidei dele esses anos. Agora como vou viajar, preciso de
uma princesa cuidando muito bem dele aqui.
— Ele não é lindo, tia? – perguntou Isabela esticando o cachorro para a
frente da câmera.
— Ele é lindo! Muito fofo! Você vai cuidar direitinho dele, não vai?
— Eu vou. Eu comprei uma caminha pra ele. Vai dormir no meu quarto.
E a ração vai ficar no meu quarto...
— No quarto não, amor, vai ficar aqui na sala – corrigiu Hadassa.
— Isso. Mas ele vai dormir comigo.
Hadassa ainda ficou um tempo acompanhando a interação da filha com
Júlia e depois com o casal, já que Alberto também apareceu na vídeo-
chamada. Informou que ia preparar o jantar e se despediu dos dois, indo para
a cozinha. O que mais martelava na sua cabeça, naquele momento, é que a
vinda de Júlia, no final de semana, poderia se tornar um dos seus últimos
encontros.
Capítulo 26
Júlia entrou na casa, com verdadeira nostalgia. Desde que tinha se
mudado para o Rio, tinha voltado ali só três vezes e, agora, na quarta vez,
estava indo para fechá-la. Seria por pouco tempo: acreditava que Micaela
voltaria com o findar dos três meses, mas ainda assim, tinha a sensação de
estar fechando uma porta ali, não apenas de forma literal.
— Oi mãe! – exclamou Micaela ao aparecer no topo da escada. – Chegou
mais cedo do que imaginado!
— Mariana conseguiu um voo de manhã – respondeu ao dar um abraço
carinhoso na filha. – Como você está?
— Empolgadíssima! Não vejo a hora de chegar em Paris!
— Isso é empolgação pelo curso?
— Estou bem animada, acho que será uma experiência incrível!
— Eu tenho certeza que será! Já arrumou tudo suas coisas?
— Já. Preparei duas malas, só com o essencial. Acredito que não vou ter
muito tempo para festas lá, então estou levando apenas o básico.
Júlia deixou a bolsa de lado e se sentou no sofá, puxando a filha para
sentar-se ao seu lado. Acariciou seu rosto lentamente, admirando o tanto que
ela havia crescido naqueles meses em que estivera longe. Pareciam anos de
separação.
— Estou orgulhosa de você! Quero que dê seu melhor lá, que esses três
meses possam ser transformadores, mais do que imagina!
— Obrigada, mãe!
— Hadassa não está trabalhando hoje?
— Ela foi na empresa. Como vou ficar fora, agora ela será realocada para
a equipe de segurança de lá, pelo menos o tempo que eu ficar longe, mas
mesmo quando voltar, ela disse que prefere se manter na equipe porque não
está fazendo nada aqui comigo, segundo suas palavras.
— Bom, de certa forma ela não está, não é? – sorriu Júlia. – Você não é
mais aquela garota impossível que precisava de alguém para se manter na
linha.
— Eh, mas fiquei assim depois dela, né? Acho que a sua ideia saiu um
pouco atravessada, porque era pra ser de um jeito e saiu de outro.
— Sim, mas não importa. O importante é que hoje estou diante de uma
mulher em busca do seu próprio caminho e eu tenho certeza que encontrará
ele.
— Eu espero que sim.
Júlia abraçou-a, carinhosamente e deu um beijo em seus cabelos, antes de
se afastar e pedir que ela lhe contasse tudo dos planos que havia feito.
Durante a hora seguinte, a atriz permaneceu conversando com a filha, se
inteirando do plano do que iria fazer lá e como faria para alcançá-lo durante a
viagem. Ouvia sua narrativa empolgada, cheia de energia e expectativa, feliz:
tinha certeza que Micaela encontraria, exatamente o que tinha ido buscar.
O relógio já marcava cinco horas da tarde, quando Hadassa apareceu com
Ranellory e Isabela. Tinham ido para se despedir de Micaela, que sairia para
o aeroporto às oito horas da noite. Assim que escutou sua voz, Júlia respirou
fundo, tentando controlar o coração disparado e o frio no estômago. Quando
sentiu que estava pronta para representar, é que entrou em cena, indo para a
sala. Entrou no espaço já enxergando Isabela no colo de Hadassa, que estava
mostrando algo a ela.
— Tia Júlia! – exclamou Isabela, se balançando para sair do colo da mãe.
— Oi princesa! – Júlia já se abaixou para receber seu abraço.
Hadassa ficou olhando, com um sorriso no rosto, enquanto Júlia dava um
abraço apertado em Isabela, para depois pegá-la no colo. A atriz ficou
enchendo-a de beijinhos e Isabela manteve os braços em volta do seu pescoço
soltando risadinhas. Júlia desviou a atenção da menina para Hadassa, que a
olhava com evidente admiração no olhar. Se aproximou da segurança, ainda
com Isabela no colo.
— Oi Hadassa.
— Oi Júlia! – Hadassa se aproximou, dando um beijo em seu rosto.
— Rane, querida! – Júlia se virou para a jovem parada mais afastada.
Hadassa ficou observando a atriz cumprimentar a irmã e voltar a brincar
com Isabela. Sorriu para Micaela que a abraçava e depositou um beijo rápido
em seus lábios, visto por Júlia, que desviou o olhar em seguida.
A hora seguinte passou tensa, enquanto Júlia e Hadassa tentavam passar
uma postura natural na conversa. Ranellory, mais atenta às duas, percebeu a
leve tensão no ar e como se evitam a entabular alguma conversa. Percebia
também que Micaela estava completamente alheia, feliz pela nova fase que se
iniciaria em sua vida. Chegou à conclusão de que teria que ter uma conversa
séria com Hadassa.
— Rane, vamos lá no quarto? – pediu Micaela ao se levantar e pegar a
mão de Isabela. – As coisas que eu te falei que ia te dar, já estão separadas, aí
se gostar de alguma coisa, pode ficar com elas.
— Está fazendo um desapego, Mica? – perguntou Júlia.
— Sim. Tem muita coisa que não uso mais. Tem até coisa nova que nem
tinha tirado etiqueta. O que ficar eu vou doar, mas primeiro minha cunhada
linda vai escolher o que quiser.
— Tá bom.
— Eu também quero conversar com você, Júlia, se for um bom momento
– pediu Hadassa.
A atriz desviou os olhos da filha para a segurança e balançou a cabeça em
sentido positivo.
— Vamos no escritório enquanto elas vão ver essas coisas. Quer vim
comigo, Isa? – perguntou numa tentativa de não ficar sozinha com Hadassa.
— Não. Eu vou ver maquiagem!
— Tá bom.
Micaela puxou Isabela pela mão, em direção às escadas. Ranellory trocou
um olhar com Hadassa, e depois olhou para Júlia, antes de seguir Micaela
para as escadas. Júlia ficou concentrada no grupo, até que tivessem sumido.
— Bom, vamos conversar – forçou um sorriso. – Pode ser aqui? Eu peço
um...
— Eu não vou te atacar no escritório, Júlia – interrompeu Hadassa.
— Queria ter essa certeza também – sorriu desconcertada. – Vamos.
Júlia se levantou e tomou a dianteira, indo para a porta que dava acesso
ao outro cômodo. Entrou no lugar e esperou Hadassa passar, indo se encostar
na mesa. Optou por uma poltrona mais afastada, e sentou-se esperando que
ela tomasse a iniciativa do diálogo.
— Você ficou linda de ruiva.
— Obrigada. Assim que terminar a novela, volto para o meu tom natural.
Hadassa balançou a cabeça em sentido positivo e puxou uma cadeira,
sentando-se próxima a ela.
— Eu fui na empresa hoje e a partir da próxima terça eu começo um
curso de reciclagem para voltar a atuar com a equipe.
— Micaela me disse que prefere não voltar a trabalhar aqui, quando ela
retornar.
— Sim. Não tem sentido mais Micaela ter segurança e tenho certeza que
também tem essa opinião. Guilherme trabalhou aqui só seis semanas.
— Sim. Não havia necessidade de mantê-lo, já que você e Micaela estão
juntas sempre.
— Sobre a escola da Isabela, eu falei com Jaqueline e ela me disse que é
uma bolsa de um ano, mas eu não vou continuar aqui, então...
— Desculpa te interromper, mas sobre Isabela, Alberto e eu conversamos
sobre as possibilidades do que poderia acontecer. Nós gostaríamos de
continuar custeando a permanência dela na escola. Não entenda que é algum
tipo de... sei lá, caridade, não é. É que nós gostamos demais dela, queremos
que ela tenha uma boa formação. Ela já está bem adaptada lá, o ano letivo
termina em três meses e alguns dias de dezembro, não acho que seria
interessante tirar ela de lá agora.
— Ela gosta bastante da escola, tem um ensino muito bom mesmo. Pra
mim está tudo bem, desde que isso não seja um problema pra você.
— Imagina, não é problema algum mesmo. Alberto e eu gostamos demais
dela, queremos que ela tenha o melhor ensino.
— Um problema para você, Júlia.
— Não será um problema pra mim. Será pra você?
— Não.
— Então é isso, não teremos problemas, até porque, quando Micaela
voltar, mesmo que não continue trabalhando aqui, vocês vão continuar a
namorar, então nada muda.
— Tudo bem.
— Era isso?
— Sim. Obrigada por manter a escola da Isabela. Ela te adora, sabe disso,
não é? – perguntou Hadassa se levantando.
— Sei, eu também sou apaixonada por ela. Vou pedir o número de celular
de Ranellory para continuar conversando com ela. Não sei como vai ficar seu
trabalho, então não quero correr o risco de perder o contato com ela.
— Geralmente meus horários ficam malucos quando estou na equipe.
— Imagino – Júlia também se levantou, ajeitando o cabelo. Encarou
Hadassa que a olhava, como se fosse a primeira vez que se vissem. – Não me
olha assim, não quero que fique lembrando de Rebeca em mim.
— Eu não estava me lembrando dela. Estou... Você está linda. Já te disse
isso? – perguntou com um risinho.
— Já.
Hadassa anuiu e tomou a direção da porta, mas se virou para Júlia, ainda
parada no mesmo lugar.
— Micaela me pediu para te levar ao lugar onde ela me levou logo que
comecei a trabalhar aqui. Ela disse que vai ficar até segunda-feira na cidade.
— Sim. Vão acabar com o mistério do passeio de vocês? – brincou Júlia.
— Só estava fazendo o que ela me pediu, mas sim, vamos acabar com
esse mistério.
— Estou curiosa!
— Amanhã termina.
Hadassa deu uma piscadinha e retomou a ida para a porta. Parou com a
mão direita na maçaneta, e respirou fundo, apoiando a mão esquerda na
madeira, na altura na cabeça. Fechou os olhos quando ouviu o barulho do
salto de Júlia indo na sua direção e o corpo ficou mais tenso, quando sentiu as
duas mãos apoiar na sua cintura e a cabeça nas suas costas. A mão da
maçaneta foi para a que estava apoiada em seu lado esquerdo, acariciando
lentamente.
— Eu...
— Schiii, não fala nada – pediu Júlia. – Estava com tanta saudade do seu
cheiro!
Hadassa apoiou a cabeça na porta, enquanto sentia as mãos de Júlia a
enlaçar por completo e o corpo grudar no seu. Se virou lentamente para
enxergar a atriz.
— Eu estou tentando controlar isso, Júlia.
— Você quer controlar?
Hadassa não respondeu. Deixou que seus braços a envolvessem e enfiou a
cabeça em seu pescoço, deixando seu nariz passear por toda extensão dele.
Juntas deram alguns passos para se afastar da porta e caminharam lentamente,
em direção ao sofá, ao passo que a segurança passou a dar leves beijos pela
pele da atriz. Foi o barulho da porta abrindo que impediu a continuação do
trajeto até a boca.
Ranellory ficou parada na porta, travada, enquanto olhava Júlia se afastar
rapidamente e a irmã olhar para ela completamente sem ação. Conseguia ver,
com clareza em seus olhos, que ela estava completamente perdida.
— Eu... eu vim te trazer seu celular, Hada, ficou na minha bolsa e está
tocando. Acho que é seu chefe.
— Obrigada.
— Eu bati na porta, mas vocês não ouviram e... Caralho! E se fosse
Micaela?!
— Rane...
— Não, sem essa de Rane! Porra, Hada! Desculpa, Júlia, eu... Eu acho
melhor ficar aqui! Que cabeça de merda é essa, Hadassa?! Puta que pariu,
viu?!
Júlia terminou de voltar a si e olhou para a jovem que ainda olhava para
as duas, incrédula.
— Já terminamos aqui. Eu vou subir para o meu quarto, preciso descansar
um pouco.
A segurança permaneceu inerte, enquanto Júlia saia pela porta,
rapidamente. Se afastou e passou a mão no cabelo, completamente
desconcertada.
— Olha só, Hada, aqui não é o lugar para eu te passar o puta sermão que
está merecendo, mas depois que Mic viajar essa noite, pode ter certeza que
vamos ter essa conversa. Eu vou subir para ficar com Micaela, para que ela
nem sonhe com o que aconteceu aqui. Não vai dar a maior decepção da vida
dela, uma hora antes de ela embarcar naquele avião!
Hadassa pegou o celular que Ranellory esticava na sua direção e a viu
bater em retirada. Apoiou os braços sobre a mesa e abaixou a cabeça, sem
saber o que pensar direito. Precisava tomar uma direção, mas a sensação que
tinha, era que havia chegado em um beco sem saída.
Depois de alguns minutos, Hadassa saiu da casa, indo para o jardim dos
fundos. Retornou a ligação de Mário, que informava que já tinha escalado ela
para um evento na noite seguinte. Mesmo que não estivesse com sua
formação em dia, seria importante que ela fosse, pois demandaria de toda a
equipe. Após a confirmação, sentou em uma espreguiçadeira e deixou a
mente vagar sem rumo. A principal coisa que sempre rodeava seus
pensamentos era que precisava tomar uma decisão, mas não sabia,
exatamente, para que ponto ir.
Meia hora depois, Micaela desceu com Ranellory e Isabela e tentou
manter a atenção concentrada nas três, sem deixar transparecer o turbilhão
que estava sua cabeça. Depois de um tempo, Micaela foi se arrumar para
saírem e Júlia desceu para se despedir da filha e, pela primeira vez, Hadassa
teve certeza de sua atuação, como se nada tivesse acontecido. Com quarenta
minutos, estavam no aeroporto e, depois de despachar as malas, acompanhou
a loira até o portão de embarque.
— Nós vamos nos falando, tá bom? – falou Micaela ao abraçá-la com
carinho. – Assim que chegar em Paris, eu mando uma mensagem.
— Vou ficar esperando. Se cuida lá, tá bom? Se concentre no que está
indo fazer e que seja tudo o que espera que seja.
— Também espero que sim. Eu vou sentir muito, muito sua falta!
— Eu também, linda! Tenha uma boa viagem!
Micaela agradeceu, beijou-a, demoradamente, e seguiu para a entrada de
acesso à área de embarque. Hadassa ficou observando enquanto ela entregava
a passagem e passaporte para conferência. A loira ainda se virou, uma última
vez na sua direção e acenou em despedida. Era um adeus, travestido de um
até breve.
Capítulo 27
Hadassa parou o carro na garagem e se encostou contra o encosto do
banco, fechando os olhos. A cabeça continuava em turbilhão, sem saber no
que pensar, no que fazer. Tinha consciência de que estava agindo de forma
completamente arbitrária ao que sempre tinha acreditado. Estava com
Micaela, pensava em Júlia, só que o pior de tudo isso era o peso de que ela
era a mãe da mulher com quem estava, com quem queria continuar a ficar.
A luz da garagem acendeu e Ranellory apareceu no corredor lateral,
olhando para a irmã ainda dentro do veículo. Hadassa suspirou fundo e pegou
a carteira no porta trecos e saiu em seguida.
— Por que veio com o carro da Mic pra cá?
— Amanhã eu tenho que levar a Júlia no abrigo, preferi também não ter
que ir lá na casa agora à noite, sem você e Micaela por perto.
— Nem vou falar nada! Aliás, eu vou sim! Mas não aqui, vamos entrar.
— Não vamos falar agora. Isabela ainda está acordada, não está?
— Eu levei ela pra casa da avó, depois que nos deixou aqui. Ela vai
dormir lá.
Hadassa revirou os olhos e travou o veículo, indo para dentro da casa.
Parou na sala e dispensou a carteira e a chave sobre a mesinha de centro,
junto com alguns lápis de colorir de Isabela. Seguiu para a cozinha, com
Ranellory atrás.
— Fala, Rane, eu sei que estou fazendo merda, o que mais?
— Desde quando você fica se pegando com Júlia? Você tem consciência
de que ela é sua sogra?!
— Eu não fico me pegando com Júlia. Eu... – Hadassa parou de falar ao
pegar um copo de água e beber lentamente, ainda sem olhar para a irmã. –
Ela mexe comigo, sempre mexeu, mas esse retorno dela, essa coisa que a
gente tem, ficou sem controle hoje.
— Você já ficou com ela? Já foi pra cama com ela?
— Não. Vamos lá pra sala.
Ranellory seguiu na frente e sentou no sofá, esperando Hadassa fazer o
mesmo.
— Quando eu comecei a trabalhar lá, Júlia sempre mexeu comigo, mas eu
achei que estava impressionada com ela, com toda a disponibilidade dela.
Você mesma me disse antes, que ela estava afim de mim, mas ela é... Ela é
inalcançável, sempre a vi dessa forma. Um dia antes de viajar para Noronha,
ela me deu um beijo, eu nem te contei, na época. Depois, em Noronha, eu
fiquei com Micaela. Eu gosto da Mic, eu me sinto bem com ela, ela me fez
sair daquele período de luto que não parecia ter fim.
— Eu sei bem como ela te mudou. Micaela é uma luz na sua vida. Mas
você já sentia algo por Júlia naquela época?
— Já, mas eu não sei denominar, sabe? Não é tesão descontrolado, não é
paixão. É uma coisa mais intensa, ela me deixa tensa só de ficar perto dela,
cada pedaço do meu corpo corresponde à presença dela, mas eu não poderia
ficar com ela. Júlia é casada, uma mulher completamente longe da minha
realidade!
— Você ficou com Micaela para fugir disso? Colocar uma barreira
completamente impossível de Júlia atravessar?
— Eu gosto da Mic, tudo com ela é leve, é gostoso. Não foi uma fuga,
talvez uma opção. Micaela era solteira, não tinha cobranças... Ela é luz, coisa
que não via em Júlia, não via luz em alguma coisa com ela, tudo era obscuro
demais. É obscuro demais.
— E depois?
— Quando contei pra ela que tinha ficado com Micaela, ela me disse que
eu deveria ter dito que estava gostando de Micaela, que ela não teria me
beijado, mas mesmo com os sinais que ela estava me dando, eu não poderia,
nunca, me intrometer no casamento de alguém, e ela disse que não vai se
separar de Alberto, que ama o marido. Eu não podia me tornar amante dela,
Rane.
— Não mesmo. Depois ela foi pra Londres, eu lembro que foi bem depois
que vocês voltaram de Noronha.
— Sim, ela foi encontrar Alberto. Eu fiquei... Eu segui, da mesma forma
que ela. Ela é feliz com Alberto, a gente vê os dois juntos, Micaela cansou de
me dizer que nem brigar eles brigam, que tem o maior exemplo de amor
verdadeiro dentro de casa! O que eu poderia fazer, Rane? – perguntou ao
desabar contra o encosto do sofá.
— Nessa altura do campeonato? Mais nada a respeito de Júlia. Mas vocês
não se agarraram hoje do nada. Quando foi a primeira vez?
— Aquela vez, no dia do jantar, quando dançamos, eu senti muita
verdade no que ela me mostrou naquele momento. Antes de ela ir para o Rio,
nós trocamos dois selinhos e pensei que tinha morrido ali. Mesmo quando
falava com ela por telefone, as poucas vezes que ela vinha, eu sentia uma
angustia por ela, por mim, pela situação, mas acreditei que estava mais
controlado. Agora... Bom, agora você viu. Tudo voltou à tona.
— E o que mudou agora? Por que isso agora?
— Porque mesmo depois desse tempo, ela não mudou o que me mostrava
lá trás. E tá mais intenso, sabe? Parece que a distância só fez aumentar o que
sinto por ela!
— Você tem que terminar com Micaela, Hada, não percebeu isso ainda?!
— Eu não quero terminar com ela, Rane, eu gosto dela!
— Gostar é uma coisa, Hadassa! Você ama a Júlia! E digo mais, você a
ama já tem sete meses! Será que não consegue perceber isso?! Aí você se
esconde na leveza que Micaela lhe traz, mas a real é que quem você ama, é
apaixonada, é a mãe dela, não ela!
— Não tem futuro pra gente, Rane! Nunca teve! – exclamou ao se
levantar. – Júlia é feliz no casamento dela, é mãe da Micaela! Mesmo se ela
se divorciar agora, como eu poderia terminar com Micaela para ficar com
ela?! É muita sacanagem com a Mic, entende?
— Você já está sacaneando ela! Olha ao seu redor, Hadassa! Você está
enganando ela, Júlia está enganando ela e Alberto! Olha só, você tem que
admitir que ama a Júlia, Júlia tem que admitir que também está apaixonada
ou ama você, sei lá! Ela não é feliz no casamento, Hada, se fosse, não estaria
de chamego com namorada da filha pelos cantos! Muito menos arrastaria isso
por sete meses! Porra! É tão complicado enxergar isso?!
— Eu não sei o que fazer, Rane! Eu não sei pra que lado ir, eu gosto da
Micaela, ao mesmo tempo Júlia me tira completamente do chão! Eu não sei!
É isso que quer ouvir?! Eu não sei!
— Eu sei o que você tem que fazer – respondeu ao se levantar e fazer
Hadassa para de andar de um lado para o outro. – Você tem que ficar sozinha.
Sem Micaela e sem Júlia, você tem que parar de enganar a Micaela, você tem
que parar de alimentar o que sente pela Júlia. Você tem que cuidar de você
primeiro, arrumar essa bagunça aí dentro. Depois disso, quando estiver com a
sua consciência e coração arrumado, você se permite gostar de alguém,
porque, sinceramente, não vai rolar de ficar nem com uma e nem com outra.
Você não ama Micaela, isso é fato! Deixe-a livre pra que ela possa encontrar
alguém que a ame de verdade. Você também não pode ficar com Júlia,
porque ela sempre será sua ex-sogra. Não se fica com ex-sogra!
— Eu fiz tudo errado, não é?
— Fez. Essa não é a Hadassa que eu conheço. Você é impulsiva, sempre
foi, mas você nunca foi tão irresponsável como está sendo agora! Você está
sendo irresponsável com Júlia, com Micaela, com você mesma. Para de agir
como uma adolescente, você é uma mulher que vai fazer trinta e seis anos, é
mãe, viveu um casamento longo e cheio de respeito e carinho! Você sempre
foi meu maior exemplo, Hadassa, mas agora... O que eu posso me espelhar
em você?
Ranellory se adiantou para a irmã, secando uma lágrima que escorria pelo
seu rosto. Abraçou-a apertado, sentindo que ela estava desmoronando. Se
afastou e deu um beijo em seu rosto, encarando seus olhos.
— Se arrume, minha irmã, arrume essa bagunça que está aqui – disse
colocando a mão sobre seu coração. – Quando estiver pronta, você arruma
outra mulher, porque você não pode ser responsável pelo rompimento de uma
relação de mãe e filha. Não se coloca no meio disso.
Hadassa balançou a cabeça em sentido positivo e tornou a abraçar
Ranellory apertado.
— Eu vou fazer isso, você vai ter orgulho de mim novamente.
— É o que eu espero. Fica bem, tá bom?! Você não está bem.
Hadassa soltou uma onomatopeia e abraçou Ranellory uma última vez,
depositando um beijo em seus cabelos. Saiu em direção ao quarto e se despiu
no automático, para entrar em um banho em seguida. Enquanto a água quente
escorria pelo seu corpo, foi tenho consciência do tamanho do problema onde
tinha se envolvido, da responsabilidade que tinha em relação à Júlia e
Micaela. Não podia, de forma alguma, causar um rompimento na relação que
elas possuíam, não podia carregar aquele estigma.
A noite passou insone para a segurança. A todo momento, a imagem de
Micaela e Júlia vinham à sua cabeça. Não podia tirar um A do que Ranellory
tinha lhe falado. A irmã estava coberta de razão quando dizia que estava
enfiando os pés pelas mãos. Mas ainda tinha uma última prova, uma última
tentação: passar a tarde com Júlia sem permitir que fizesse outra grande
besteira.

Júlia terminou de passar o batom e se olhou, demoradamente no espelho.


Ajeitou os cabelos, pegou um prendedor, prendendo-os parcialmente na nuca.
Puxou alguns fios na frente e levou para trás da orelha. Se levantou e analisou
o vestido na frente do espelho, desamassando as pequenas pregas com as
mãos. A última escolha foi uma sandália de salto alto. Saiu do quarto e
seguiu para a cozinha, onde os funcionários estavam reunidos.
Cumprimentou cada um, com um leve aperto no peito. Todos entrariam em
férias coletivas e somente uma parte retornaria a trabalhar na casa, quando
Micaela voltasse. Outra parte, somente quando ela própria terminasse de
gravar a novela.
Depois do café da manhã, Júlia foi para o escritório e sentou-se na mesma
poltrona que ocupara no dia anterior, revendo a cena de Hadassa ali, o modo
como haviam deixado transbordar o que sentiam, sendo interrompidas por
Ranellory. Tinha passado a noite inteira remoendo a cena e sempre terminava
agradecendo a jovem pela interrupção. Se não fosse por ela, teriam feito algo
que passaria o resto da vida sem conseguir se perdoar.
Quando o relógio marcou uma hora da tarde, escutou o barulho do portão
abrindo. O coração disparou dentro do peito, pois sabia que era Hadassa.
Ainda ficou um tempo, tentando colocar as emoções em ordem, até ouvir a
batida na porta do escritório.
— Pode entrar.
Hadassa abriu a porta e enxergou a atriz, que parecia concentrada na tela
do celular. Sorriu na sua direção, quando seus olhos se encontraram.
— Quando estiver pronta para ir, já estou por aqui.
— Vamos já – concordou Júlia. – Vou só pegar a minha bolsa e já
saímos.
— Coloque um sapato baixo. O terreno lá não é bom para andar de salto
alto.
— Está certo. Pode ser uma rasteirinha?
— Pode sim. Vou te esperar lá no carro.
Júlia concordou com um aceno e viu Hadassa sumir de suas vistas. Saiu
do estado de alerta e seguiu para o quarto, trocar o calçado e pegar a bolsa.
Aproveitou para reaplicar o perfume e saiu, depois de cinco minutos. Como
havia dito, Hadassa a esperava ao lado do carro.
— Bom, podemos ir. É longe?
— Não muito. Uns vinte minutos, depende do trânsito.
Júlia anuiu e entrou no carro, sentando-se no carona. Hadassa ocupou o
banco do motorista e em poucos segundos deixaram a propriedade.
— Bom, acho que agora você pode me dizer para onde vamos, não é?
Chega de mistério!
— Ainda não – sorriu Hadassa. – Micaela me fez prometer que você veria
com os próprios olhos.
— Eu estou começando a ficar assustada com tanto mistério – riu ao
ajeitar o fio do cabelo que havia escapado da orelha.
— Calma, logo você vai ver com os próprios olhos. Lhe garanto que a
surpresa vai valer a pena.
— Ok, não vou insistir. Como foi ontem com Ranellory?
— Ela jantou meu fígado – Hadassa sorriu desconfortável. – Infelizmente
não posso tirar a razão dela. Nós temos que falar sobre isso.
— Temos. Eu passei grande parte da noite pensando sobre o que
aconteceu, eu cometi um erro sem precedentes.
— Nós cometemos. Estou agindo com total irresponsabilidade. Como
Rane mesmo falou, e se fosse Micaela que tivesse aberto aquela porta? Eu
não quero ser responsável pelo abalo da relação de vocês.
— Imagina pra mim? A primeira pessoa com quem Micaela fica e eu,
mãe dela, agindo dessa forma?! É inconcebível! Concordo totalmente! Não
podemos mais fazer isso.
— Não vamos fazer. Foi um erro, passou.
— Isso, um erro. Passou.
Hadassa concordou com a cabeça e ficou olhando para a frente, durante
um longo tempo, enquanto Júlia também se concentrava na paisagem, pela
janela lateral. Quando o carro parou em um farol, a morena desviou sua
atenção para a atriz ao seu lado. Deu um risinho ao pegar sua mão.
— Não é tão simples assim, não é?
— Deveria ser – respondeu Júlia, correspondendo o carinho. – Eu não
deveria sentir algo por você, da mesma forma que sente por mim.
— Eu sinto, não deveria, mas o que sinto por você está longe de ser
fraternal.
— Mas eu não posso fazer isso com minha filha. Nós estamos traindo-a,
traindo a confiança que ela tem em nós. Eu vou voltar para o Rio amanhã,
vamos ficar distantes novamente, vou manter contato com Isabela através de
Ranellory. Tem que passar em algum momento, Hadassa!
— Eu vou terminar com Micaela.
— Não faz isso, por favor, não faz isso! Eu não quero ser o pivô da
separação de vocês!
— Júlia, eu... Eu não posso ficar com ela desejando estar com você! Eu
não posso ficar com alguém, quando na verdade, eu quero outra. Mesmo que
isso que temos não evolua pra nada, é bem provável que não, porque você já
me disse que quem você ama é Alberto, eu não posso enganar ela da forma
que estou enganando. Como eu vou ficar, em cada reunião de família, onde
ela vai estar do meu lado e eu vou ter que evitar de olhar para você? Eu não
consigo, eu prefiro terminar com ela.
— Eu estou te pedindo, como mãe, não termina com ela agora. Ela tem
que ficar concentrada nesse curso que ela vai fazer, ter a cabeça tranquila
para que isso aconteça. Por favor, como mãe, não termina com ela agora.
Espera ela voltar da viagem, aí vocês conversam, e se estiver decidida a
terminar, você termina, mas não agora!
— Júlia, eu...
— Pensa sobre isso! É a primeira vez que a vejo tão envolvida em algo
bom, algo para o futuro dela, não acabe com isso agora!
— Eu gosto demais dela, eu não quero fazer nada para comprometer o
que ela está fazendo, o curso e tudo mais.
— Então não faça. Eu vou sair de cena de novo, pode ser que até isso que
sente por mim passe e você consiga me enxergar como sua sogra, apenas sua
sogra.
— E se eu não conseguir?
— Aí você termina, mas quando ela terminar o curso.
— Eu vou esperar – suspirou Hadassa ao dar um leve aperto em sua mão.
– Por ela, para que ela não fique desmotivada lá.
— É o melhor – concordou Júlia ao dar um beijo na mão, ainda na sua. –
Nós vamos superar isso.
— Tentaremos – concordou Hadassa, sem convicção.
No restante do caminho até a ONG, foram falando de Isabela, enterrando
a conversa anterior, mas mantendo as mãos unidas a todo momento. Ambas
tentando mascarar a tensão dentro do veículo, a troca de olhares, escondidos
pelos óculos escuros que usavam. Tinham consciência de que era outra
tentativa de fuga.
Hadassa parou o carro na vaga costumeira, quando ia até o abrigo com
Micaela. Mandou mensagem para Paloma, para que ela fosse recebê-las e
logo a mulher apareceu no portão, sorrindo simpática.
— Oi Hadassa! Júlia! Que prazer te conhecer pessoalmente! Meu nome é
Paloma, entre, por favor.
— Obrigada – agradeceu a atriz, passando pelo portão, seguida de
Hadassa.
— E Mica, Hadassa?
— Viajou ontem. Falei com ela de manhã, já está na república onde ficará
durante os próximos três meses.
— Passa rápido, você vai ver...
Júlia parou de escutar a conversa que Hadassa entabulava com Paloma.
Prestou atenção em todo o espaço, os cachorros e rapidamente identificou
que se tratava de uma ONG. Se abaixou para acariciar um dos cães, e voltou
a ficar ereta, voltando-se para Hadassa.
— O que significa isso?
— Esse era o segredo supremo de Micaela. Ela que cuida daqui junto
com as amigas e doações que recebem pela ONG. Por isso que ela sempre
“queimava” todo o dinheiro que recebia por mês – explicou fazendo sinal de
aspas com as mãos. – Ela sempre fazia doações generosas pra cá.
— Verdade – concordou Paloma. – Se não fosse pela ajuda de Micaela e
as amigas, não conseguiríamos manter tantos animais como mantemos. A
ajuda dela era fundamental para continuar o trabalho e abrigar mais cachorros
de rua.
— Que coisa incrível! – sorriu Júlia, incrédula. – Jamais imaginaria que
ela fazia um trabalho social tão lindo como esse!
— É. Foi por isso que te disse, daquela vez, que ela tem um coração
generoso. Ela conheceu aqui depois que Alberto trouxe Floquinho pra cá.
Falei pra ela levar ele de volta para casa, mas ela disse que você não ia curtir
a ideia.
— Meu Deus! É claro que eu não faria objeção! Quando Alberto me falou
o que tinha feito, eu até discuti com ele, mas Micaela pareceu não se
importar... Eu...
— Ela não se importou porque sabia que aqui ele era bem cuidado. Bom,
agora ele é da Isa e ela ama aquele cachorro.
— O que a falta de comunicação com minha filha me fez fazer! Que
absurdo!
— Ela quer corrigir isso, por isso pediu para que eu lhe trouxesse aqui.
Com a viagem, ela sabe que vai gastar bastante lá, com cursos e moradia,
então ela queria que você visse o abrigo com seus próprios olhos para
continuar cuidando daqui, financeiramente.
— No que eu puder ajudar! Com toda a certeza!
— Eu vou ligar para ela. Ela pediu que avisasse.
Júlia concordou com a cabeça, sem conseguir controlar o sorriso, ao olhar
ao redor. Em poucos minutos, escutou a voz da filha, no telefone, onde
Hadassa havia ativado a função viva voz.
— Filha... Que coisa linda que você faz aqui no abrigo! Por que escondeu
isso de mim?
— Oi mãe, eu não falei nada porque era minha responsabilidade e não
queria que você e o pai interferissem, mas agora eu preciso da sua ajuda. Eu
não vou conseguir manter esses três meses, faz isso por mim? Não deixe
esses bichinhos sem amparo.
— Não vão ficar, meu amor. Pode ter certeza que não vão ficar!
— Obrigada mãe! Quem me ajuda aí é Alexia e Liliane. Se quiser falar
com elas, podem combinar as doações, da mesma forma como fazia. Se
quiser se inteirar do destino do dinheiro, Paloma pode lhe passar todas as
informações, notas.
— Imagina! Se você confia, eu confio. Simples assim.
Hadassa ficou observando a conversa entre mãe e filha durante vários
minutos. Depois de se despedirem, também falou alguns minutos com
Micaela, enquanto Júlia saia para um tour com Paloma, para conhecer o
abrigo. Desligou o celular e guardou no bolso, observando a, agora ruiva,
andar pelo espaço, cumprimentar os funcionários e voluntários. Os óculos
escuros tinham ido parar na cabeça, em forma de tiara e o sorriso estava
presente em seu rosto, enquanto falava com as pessoas. O cabelo acobreado,
parcialmente preso, tinha alguns fios dançando ao sabor o vento. Foi naquele
momento que lembrou das palavras de Ranellory: “você tem que admitir que
a ama”. Tinha medo, receio de admitir o que estava estampado em seus
olhos. Estava apaixonada por Júlia.
Depois de uma hora e meia, voltaram para o carro e tomaram o rumo da
casa. A conversa, durante a curta viagem, girou em torno do trabalho que
Micaela fazia com a ONG, como havia tido receio de envolver os pais e
acabar interferindo de maneira negativa na manutenção do lugar. Júlia estava
estarrecida. Jamais poderia supor que sua filha, mesmo antes de Hadassa, já
fizesse algo tão generoso como aquilo.
— Bom, está entregue – sorriu Hadassa depois de parar o carro na
propriedade da atriz.
— Obrigada por ter me levado lá. Foi muito importante pra mim.
— Imagina, não tem que agradecer.
Hadassa ainda ficou encarando a atriz por alguns segundos, antes de tirar
o cinto de segurança.
— Acho que é aqui que nos despedimos.
— Aqui não. Me acompanhe.
Hadassa concordou com um aceno e seguiu Júlia, que desceu do carro e
seguiu para a entrada da casa. Outra vez foram para o escritório e a atriz
fechou a porta, depois da sua passagem.
— Sobre o conversamos na ida, eu espero que entenda minha posição –
falou Júlia, depois de deixar a bolsa sobre uma poltrona.
— É claro que entendo, como concordo também. Vai doer, mas vai
passar.
— Vai. E vai doer também, mas é o melhor assim.
Hadassa anuiu e ficou encarando a atriz, que também não movia um
músculo sequer. A morena teve a nítida sensação de que o coração estava
batendo na garganta, impedindo a passagem de palavras que não podiam ser
pronunciadas naquele momento e nem em momento algum. Saiu da inercia
em que se encontrava e se adiantou, abraçando-a com carinho. As mãos de
Júlia a envolveram e sentiu o beijo carinhoso e demorado que ela depositava
em seu rosto.
— Eu não quero dizer adeus – Júlia balbuciou sem conseguir conter uma
lágrima. – Eu não consigo.
— Eu também não quero, mas é preciso.
Júlia concordou, balançando a cabeça em sentido positivo e se afastou
para encarar os olhos verdes, que estampavam a dor que estavam sentindo
naquele momento. Quando percebeu o avanço de Hadassa, apenas fechou os
olhos e separou os lábios, para receber o beijo. O primeiro foi um leve roçar
de lábios, mas o segundo ficou mais tempo, incendiando-a por dentro. Foi no
terceiro que perdeu completamente a razão, quando as línguas se encontraram
em um beijo intenso. As mãos foram para o pescoço de Hadassa, enquanto
sentia-se se desmanchar em seus braços. Como velhas conhecidas, as bocas
se exploraram com desejo, tirando-as completamente de órbita. Era único, um
momento que ficaria em suas memorias gravado em fogo. Era um sentimento
proibido, sendo colocado para fora apenas uma vez e, como tal, impossível de
ser controlado.
Hadassa se afastou e acariciou seu rosto lentamente, tentando gravar a
feição de Júlia naquele momento. Tornou a beijá-la outra vez, e se afastou,
quando teve a clara noção de que tinha que sair dali o mais rápido possível,
ou faria algo que jamais se perdoaria.
— Se cuida, tá bom? Eu vou te acompanhar pela internet e revistas.
Júlia concordou sem conseguir pronunciar nada. A garganta estava
travada, com o bolo que se formava e que se convertia em lágrimas, sendo
derramadas sem controle. Hadassa ainda deu um último beijo em sua boca,
antes de sair apressada do escritório, correndo da tentação que as rodeava. À
atriz, coube desabar em um sofá, colocando a dor que estava sentindo para
fora, em soluços altos. Aquele era o definitivo fim.
Hadassa pegou a moto e saiu da propriedade, guiando por algumas
quadras, antes de parar e tirar o capacete, debruçando-se sobre o tanque de
gasolina. Desde a morte de Rebeca, não havia mais chorado por alguma
mulher e fazia aquilo justamente pela pessoa que jamais poderia ter. Fora as
suas escolhas que as tinham levado até aquele momento e chorava por algo
que nunca teria, um sentimento que ela própria havia matado qualquer chance
de florescer.
Capítulo 28
Micaela entrou na sala do curso de francês e procurou por uma cadeira
que estivesse vazia. Grande parte dos alunos já tinham chegado e ela era uma
das últimas a entrar. Escolheu uma, já no fundo da sala e seguiu para ela. Se
acomodou, colocando a bolsa de lado e suspirou fundo, olhando ao redor.
Pode perceber que a turma era composta por pessoas de diferentes
nacionalidades, incluindo duas brasileiras, que sentavam mais à frente.
Decidiu que quando a aula terminasse, iria se apresentar a elas.
— Bom dia, turma – cumprimentou a professora, usando o inglês. – Hoje
temos uma aluna nova, Michaeli. É você?
— Bom dia – respondeu Micaela ao se levantar. – Sim. Mas meu nome é
Micaela – explicou lentamente. A professora repetiu outras duas vezes antes
de acertar a pronuncia.
— Se apresente pra nós, Micaela? De onde você é?
Antes que Micaela abrisse a boca para responder, a porta abriu e um
rapaz loiro, entrou, interrompendo sua apresentação. Ele pediu desculpas para
Sophie e sorriu na direção de Micaela, em um, também, silencioso
“desculpe”, indo sentar-se na cadeira ao seu lado.
— Continue – pediu Sophie.
— Sou brasileira. Acho que já vi duas compatriotas ali na frente – sorriu,
simpática ao apontar as garotas. – Vou fazer vinte anos. O que mais?
— Por enquanto é isso. Vamos nos conhecendo no decorrer do curso.
Ontem não tivemos muita coisa, foi mais a apresentação do pessoal, e como o
Andrew chegou atrasado, presumo que estava terminando a apresentação que
pedi em francês. Está pronto para apresentar para nós?
A sala voltou os olhos para o rapaz que estava tentando tirar o caderno de
dentro da bolsa de lona. Junto com o gesto, algumas folhas foram parar no
chão. Andrew claramente praguejou algo em uma língua que Micaela não
entendeu, enquanto desistia de arrumar as folhas.
— Em francês?
— Sim, por favor.
Micaela ficou observando o rapaz que tentava pronunciar as palavras em
francês, lendo a folha onde tinha feito suas anotações. A jovem não entendeu
quase nada do que ele estava dizendo, mas os olhos perscrutaram o corpo
robusto, trabalho em academia, revelado na camiseta mais colada no corpo. A
calça jeans, mais larga, parecia se adequar como uma luva para ele. Não
soube definir exatamente o que fora, mas algo em Andrew chamou sua
atenção.
— Obrigada, Andrew. Julliene?
Andrew voltou para o fundo da sala e sentou-se próximo a Micaela.
Voltou a atenção para as folhas que havia espalhado e terminou de juntá-las,
ajeitando-se na cadeira, em seguida.
— Oi – Micaela chamou sua atenção. – Eu sou Micaela. – Estendeu a
mão em um cumprimento.
— Andrew, mas já sabe disso, não é?
— Sei. Sophie disse que não passou muita coisa ontem, mas ela passou
algo, não foi?
— Só umas frases – respondeu ao pegar o caderno. – Aqui, foi para nos
prepararmos para essa outra apresentação hoje.
— Posso copiar?
Andrew concordou com a cabeça e esticou o caderno na direção da loira.
Micaela pegou e copiou, rapidamente, as poucas coisas anotadas. Depois de
devolver, agradeceu e ficou prestando atenção nos outros colegas de turma
que continuavam a se apresentar. Vez ou outra, os olhos voltavam,
furtivamente, para Andrew, com uma desconhecida curiosidade. Em uma
dessas olhadas, foi flagrada pelo colega.
— Algum problema? – perguntou Andrew, desconfortável pelo olhar
insistente de Micaela.
— Nada – a loira sentiu a face ruborizar. – Quer dizer, você tem um
sotaque diferente. De onde você é?
— Suécia.
Micaela anuiu e voltou a atenção para a professora, que iniciava outra
atividade. Controlou para não olhar mais para Andrew e quando a aula
acabou, percebeu que o colega foi o primeiro a sair da sala. Mordeu o lábio
inferior e deu ombros. Recolheu seus pertences e foi falar com as garotas que
tinha identificado como brasileiras.
— Oi meninas – cumprimentou, aliviada em poder voltar a usar o
português. – Micaela.
— Eu sou a Sabrina, essa é a Kelly. Seu rosto não me é estranho. Já te vi
em algum lugar?
— Talvez em alguma matéria de fofoca no Brasil – sorriu. – Minha mãe é
atriz.
— Júlia alguma coisa, não é?
— Isso. Júlia Albuquerque.
— Ah sabia! Provavelmente foi em alguma coisa de noticia mesmo!
— Bem-vinda à escola, Micaela – disse Kelly. – Intercâmbio?
— É. Vou fazer esse curso e um outro, de cosmetologia. Aprender
algumas coisas e ver se me encaixo na área.
— Isso é ótimo! Nós vamos tomar um café agora. Tem um tempinho para
ir com a gente?
— Claro. O próximo curso começa em três horas – sorriu.

Júlia entrou no apartamento e deixou a bolsa sobre o sofá, livrando-se do


salto alto em seguida. Andou pela sala, descalça, enquanto a mão passava
pelo pescoço, com a mente perdida na semana anterior. Desde a que tinha ido
à São Paulo, não havia tido mais notícia de Hadassa e a ausência das suas
ligações estavam causando um buraco, maior do que tinha imaginado, e que
não estava sendo suprido por ninguém. Alberto tinha notado sua desatenção,
até mesmo perguntando se estava com algum problema, mas jogou a culpa na
gravação da novela. Se antes conseguia uma boa atuação para mascarar suas
emoções, estava chegando ao ponto de não conseguir enganar nem a si
mesma diante de um espelho.
A porta do apartamento foi aberta e desviou sua atenção da paisagem à
frente. Se virou para enxergar Alberto, entrar, com a bolsa de trabalho
pendurada no ombro. Tinha ficado tão imersa em seus próprios pensamentos
que nem tinha visto a hora passar.
— Oi Beto, já?
— Já são oito e meia da noite. Saí um pouco mais cedo da redação –
respondeu e deu um beijo em seus lábios em seguida. – Tudo bem por aqui?
— Sim. Estava pensando no trabalho.
— Está tudo bem?
— Sim. Eu vou tomar um banho, estou cansada. As gravações foram
puxadas hoje.
— Que tal um banho na hidro? Abro aquele vinho português que você
gosta, te faço uma massagem relaxante. O que acha?
— Hoje não, estou com um princípio de dor de cabeça. Vou tomar um
banho rápido, jantar e deitar depois.
Alberto observou a esposa por alguns segundos, antes de dar um sorriso e
um beijo em sua testa.
— Tá bom. Vai tomar seu banho, já te encontro lá.
Júlia concordou e deu um rápido beijo em seus lábios, saindo da sala em
seguida. Alberto esperou que a atriz sumisse no corredor da área intima e
seguiu para a cozinha, atrás de Luciana, funcionária que trabalhava no
apartamento enquanto estavam no Rio.
— Boa noite, Lu! Cheiro está bom, hein?! – falou ao enxergar a mulher
rente ao fogão.
— Boa noite, Alberto. Daqui a pouco está pronto. Chegou mais cedo
hoje?
— Saí um pouco mais cedo da redação. O que teremos de jantar hoje?
— Júlia disse, de manhã, para fazer aquela carne de panela que gosta.
— O cheiro está maravilhoso! – disse ao se aproximar. – Eu quero te
fazer uma pergunta, faz tempo que Júlia chegou?
— Era umas cinco e meia, seis horas por aí. Hoje ela tinha gravação até
as quatro.
— Ela chegou e ficou na sala?
— Sim. Ficou encostada na poltrona, acho que estava vendo o pôr do sol,
mas depois eu não sei o que ela fez.
— Ela parece preocupada com algo.
— Deve ser por conta das gravações. Ela disse que foi bem intenso o
ritmo hoje.
— Provavelmente. Obrigado, Luciana. Daqui a pouco voltamos pra cá,
para jantar.
— Pode deixar.
Alberto saiu da cozinha, tomando a direção do quarto. Escutou o barulho
do chuveiro e tirou os sapatos e roupa, indo para o banheiro. Parou para
observar Júlia embaixo do jato de água por alguns segundos. Quando ela
desligou o misturador, se adiantou para a porta do box.
— Tem certeza que não quer me acompanhar no banho? – perguntou
malicioso.
— Vamos nos atrasar para o jantar e atrasar o trabalho de Luciana –
sorriu Júlia ao sair do box e se enrolar na toalha. – Não demora.
— Pode deixar.
Júlia pegou um roupão e vestiu, saindo do banheiro em seguida, sob o
olhar analítico de Alberto. Foi para a sala, atrás da bolsa para pegar o celular
e voltou para o quarto, sentando-se na cama. Resistiu por cinco minutos à
tentação de abrir a foto de Hadassa com Isabela, armazenada no telefone, mas
acabou, por fim, acessando seus arquivos. Olhou para a foto das duas por um
longo tempo e só fechou quando o barulho do chuveiro cessou. Foi para o
closet e vestiu um confortável pijama de algodão. Alberto apareceu depois de
alguns minutos e também se vestiu. Em seguida foram para a cozinha, e
tentou manter uma conversa amena com Luciana e Alberto enquanto os três
jantavam. Se despediram da funcionária depois de uma hora e voltaram para
o quarto.
— Júlia, eu quero conversar com você – pediu Alberto ao apontar a cama
para que ela pudesse se sentar.
— Agora?
— Seria bom se fosse agora.
Júlia anuiu e sentou-se. Alberto puxou um pufe do canto e sentou-se na
sua frente.
— Júlia eu te conheço há mais de vinte anos. Eu sou seu marido, mas sou
também seu melhor amigo. O que está acontecendo?
— Não é nada com o que se preocupar, Beto, só trabalho mesmo.
— Eu tenho cinquenta e nove anos, Júlia, eu sei perceber quando algo não
está certo. Você já gravou dúzias de coisas durante esses vinte e dois anos de
casamento. Você nunca ficou assim por causa de trabalho. Confia em mim,
me conta o que está acontecendo e, talvez, possamos resolver juntos.
Júlia encarou o marido ao mesmo tempo em que sentia que suas
entranhas estavam virando água. Desviou os olhos e baixou a cabeça, sendo
traída por sua própria atuação.
— É algo que eu te fiz? Algo que eu disse, que pode ter sido interpretado
errado? – insistiu ao tocar seu rosto. – Se você não me contar, eu não vou ter
como resolver, caso o problema seja eu.
— Não é você... É eu. Não é nada que... Esquece isso, Beto, é só cansaço,
talvez excesso de trabalho.
— Desde que Micaela viajou que está assim. Tenho percebido, esses dias,
que não voltou mais a mesma. O que está acontecendo?
— Você é o homem que mais amo nesse mundo, só confia nisso.
Alberto deu um sorriso de canto de boca e se afastou, coçando a barba.
Júlia levantou a cabeça, olhando primeiro para o teto, depois o marido. Não
conseguiu segurar a lágrima que escapou do olho direito.
— Alberto eu... Eu não...
— Eu vou facilitar algumas perguntas, afinal, é uma das minhas funções
como jornalista. Você está gostando de outra pessoa?
Júlia não teve forças para responder. Outra lágrima se juntou a primeira.
Estava se sentindo um monstro por machucar o homem que mais tinha
amado.
— Bom, o silêncio também é resposta, não é? Você me traiu com esse
homem quando foi para casa? Ou ele é alguém da novela? Algum ator, ou da
equipe.
— Eu não quero falar sobre isso, Alberto, por favor!
— Eu preciso, Júlia, eu preciso saber o que está acontecendo, se você está
apaixonada por outra pessoa, se já está saindo com esse cara!
— Eu... Não quero te machucar! Eu não quero te magoar! Você é o
homem mais incrível que conheço, melhor pai, melhor marido!
— Mas se não tiver amor e confiança, isso não adianta de nada. Eu sou
maduro o suficiente para te respeitar. O que eu não vou aceitar é que você, sei
lá, tenha um amante. Se for esse o caso, eu... Eu não sei bem o que vou fazer,
mas não vou perder a cabeça...
— Eu não tenho amante, Beto! Mas eu estou me sufocando!
— Se abre comigo, Júlia, por favor!
— Eu... eu... não faz isso comigo! – pediu, já entregue às lágrimas.
— Júlia, olha pra mim, por favor. O que está te sufocando? Eu estou te
sufocando?
Júlia balançou a cabeça em sentido negativo e se levantou, saindo da
frente de Alberto. Andou de um lado para o outro, tentando raciocinar. Sabia
que não podia enganar Alberto como estava enganando, chegando ao ponto
de que ele percebesse, tampouco queria magoá-lo com a verdade, mas por
mais que doesse, teria que ter aquela conversa.
— Eu estou gostando sim de outra pessoa – desabafou. – Mas olha, não
vai dar em nada, eu sei que não vai dar. Só me dá um tempo de arrumar isso e
tudo volta ao normal – pediu ao se abaixar na sua frente.
— Você vai o que? Esquecer que está apaixonada por outro homem?
— Eu não quero te perder, Alberto! Eu não posso ficar sem você!
— Mas não pode ter outro homem ao mesmo tempo, Júlia! – exclamou ao
se levantar. – Quem é ele?
Júlia outra vez balançou a cabeça em sentido negativo e se sentou na
cama, passando a mão no rosto.
— É uma mulher.
Foi a vez de Alberto parar de andar e olhar atento para Júlia, como se não
tivesse escutado a resposta.
— Uma mulher? Eu sei que já ficou com uma garota quando era
adolescente, mas achei que... Pensei que tinha passado.
— Eu também – respondeu, outra vez entregue as lágrimas.
Alberto passou a mãos nos cabelos grisalhos e se encostou contra a
parede do quarto, olhando para Júlia que tinha se deitado na cama e chorava
copiosamente. Pode perceber que ela estava muito abalada emocionalmente.
Lembrou-se de imediato de Isadora Maranes. Era a única lésbica que estava
trabalhando com Júlia, diretamente, que tinha conhecimento.
— É Isadora?
Júlia balançou a cabeça em sentido negativo e voltou a colocar o rosto
contra o colchão, tentando conter o choro. Alberto saiu do quarto e seguiu
para a sala, andando completamente perdido com aquela revelação. Desde
que tinha percebido a mudança de Júlia, várias coisas haviam passado por sua
cabeça, mas a última coisa que havia imaginado era que a esposa estivesse
apaixonada por uma mulher. Foi até o aparador e se serviu de uísque, mas
desistiu de beber, ao escutar os soluços da esposa vindo do quarto. Deixou a
bebida intacta e seguiu para a cozinha, atrás de um copo de água. Tomou,
lentamente, ainda com a mente entorpecida. Luciana apareceu no acesso da
cozinha, mas a dispensou com um aceno. Tornou a encher o copo e voltou
para o aposento.
— Toma um pouco, Jú, você precisa se acalmar – não sabia se o que
estava doendo mais era ver a esposa naquele estado de nervoso ou sua
revelação.
A atriz pegou o copo, trêmula, e deu um gole na água, devolvendo em
seguida.
— Me perdoa, Alberto, me perdoa.
O jornalista encarou a esposa por alguns segundos e voltou a se encostar
contra a parede do quarto, apenas observando Júlia. Muitas coisas passavam
por sua cabeça, mas sem conseguir colocar nada em ordem, fez a única
pergunta que repercutia sem parar:
— Você já sai com essa mulher?
— Não. Eu... Eu só dei um beijo nela, não passou disso.
— Eu te deixei faltar algo, Júlia? Eu não fui bom o suficiente pra você?
— O problema não é você, Alberto, você sempre foi um homem
maravilhoso – respondeu a atriz ao se levantar e ir tocar seu rosto, ainda
trêmula. – Eu que estou fazendo tudo errado! Mas olha, só me dá um tempo
de arrumar isso! Eu te prometo, prometo que não vou mais ver essa mulher,
que isso será esquecido! Eu só preciso de tempo para ajeitar isso!
— Eu não sei o que pensar sobre isso, Júlia! Se você estivesse saindo com
um homem, talvez eu soubesse melhor como conduzir isso, mas eu nem sei
como funciona essa questão! Micaela está com Hadassa, mas elas são mais
jovens que eu, de uma outra geração. Hadassa é assim, Micaela sempre
deixou claro que fica com quem quiser, mas isso, você... Nós somos casados
há vinte e dois anos, Júlia! Não se joga fora um tempo como esse, de uma
hora para outra, por causa de uma atração por outra mulher! Você nem é
lésbica!
— Eu não queria te magoar, a última coisa que queria era te machucar!
— Eu vou dormir no outro quarto – disse ao se afastar da atriz. – Alias,
ficar no outro quarto para pensar sobre isso porque dormir é a última coisa
que vou conseguir fazer!
— Alberto! Alberto!
O jornalista saiu do quarto, sem ceder aos chamados da atriz. Júlia
deixou-se cair no chão, lentamente, a abraçou as pernas, tentando conter a dor
que a dilacerava por dentro. Seu maior medo, naquele momento, era perder
Alberto por causa de uma ilusão da sua própria cabeça.
Alberto entrou no quarto de hospedes e trancou a porta, indo sentar-se na
beirada da cama. Apoiou a cabeça com as mãos e tentou raciocinar com
clareza, mas tudo estava confuso demais. Sabia que perder a cabeça ou fazer
acusações não iria adiantar de nada, a não ser magoar os dois ainda mais.
Precisava conversar com alguém sobre aquilo e o faria no dia seguinte.
Capítulo 29
Alberto chegou na redação, cumprimentou os colegas e seguiu para a
mesa. Deixou a bolsa em um canto, no chão, e apoiou os cotovelos no
descanso da cadeira, apoiando a cabeça no encosto. Tinha tido uma péssima
noite depois da revelação de Júlia. Tinha remoído cada fase do casamento e,
sem respostas, restou uma noite insone, conjecturando sobre a identidade da
mulher por quem Júlia estava apaixonada. Buscou na memória, momentos
em que pudesse ter desencadeado àquilo, mas não conseguia enxergar um
ponto exato. Poderia ter sido durante o tempo que havia estado na Síria,
poderia ser a mudança, a nova novela. Havia tantas possibilidades que
sempre acabava se culpando por não ter vistos os sinais, como ela estava
mais distante, como tudo lhe parecia normal, quando, na verdade, ela estava
atuando para que não percebesse nada.
O jornalista levantou da cadeira e seguiu até a sala de Denise, amiga de
longa data, a qual havia dado todo o suporte quando seu marido havia
falecido, três anos antes. Desde então haviam se tornado confidentes e ela
sempre o escutava quando tinha dúvidas de algo. Bateu na porta e escutou
sua voz autorizando sua entrada.
— Boa tarde, Denise – cumprimentou ao colocar a cabeça na fresta. – Eu
posso falar com você? Tem um tempo para um bate papo?
— Claro, está tudo bem, Alberto? – perguntou a morena, simpática. –
Algum problema com a matéria que te enviei?
— Nem vi ainda, desculpe. Eu tenho uma reunião com os apresentadores
daqui duas horas, mas prometo que vejo antes. Acho que meu assunto é
rápido.
— Ok, sente-se.
— Obrigado.
— No que eu posso te ajudar?
— É um assunto de ordem pessoal, preciso entender algumas coisas.
— Se estiver ao meu alcance.
— Você tem uma filha que gosta de mulher, não é?
— Sim, Monique é lésbica.
— Quando ela te contou, como foi pra você?
Denise sorriu e saiu detrás da mesa, indo sentar-se na cadeira ao lado do
jornalista.
— Micaela se assumiu lésbica?
— Não, quero dizer, Micaela está namorando com uma mulher sim, mas
não tenho problema com isso. Ela sempre deixou claro que gosta de pessoas,
sem se importar com gênero. O problema é outro.
— Certo. Bom, quando Monique me falou, eu fiquei um pouco chocada,
mas no fundo eu já sabia, ela sempre havia dado sinais, sempre teve o
jeitinho mais masculino mesmo. Achei até que fosse transgênero, mas ela
disse que não, que se sente bem no corpo feminino, é só um estilo. Uma
identidade, por assim dizer.
— Como você agiu?
— Eu tentei entender, conversar com ela. Não foi como se ela tivesse
passado num curso de medicina em uma federal, sabe? Eu tive que ter um
tempo para assimilar a informação, saber mais sobre o universo LGBT. Acho
que toda mãe, quando tem uma filha, ou filho, faz uma projeção de futuro
para eles, não é? Já pensa em netos, em casamento. Eu sou um pouco
antiquada – sorriu. – Se Micaela não é o problema, o que é? Algum sobrinho?
— Eu sei que é uma mulher muito discreta, mas quero reforçar o fato de
ser muito, muito, sigiloso.
— Pode confiar em mim.
— Júlia me disse que está apaixonada por outra mulher – suspirou. – Eu
não sei o que fazer! Eu fiquei tão sem ação, não soube nem o que falar, não
tive uma reação normal.
— Acredito que não tem como ter uma reação normal com isso, ninguém
tem controle sobre quem vai gostar. Ser honesto e saber conduzir isso é o que
vai contar mais. Você fez bem em não ter uma atitude babaca de acusações.
Ela já está com essa mulher?
— Não. Segundo ela, não podem ficar juntas, por isso ela só precisa de
um tempo para arrumar tudo e voltar a ser como era antes. Trocaram um
beijo. Eu não sei o que pensar ou fazer, por isso pensei que talvez pudesse me
elucidar um pouco isso. Você é uma mulher esclarecida, tem filhos adultos.
Se Antônio ainda estivesse vivo e lhe dissesse isso, como iria reagir?
— Eu ia chorar, ficar magoada, mas o que eu poderia fazer? Não sou um
homem, não poderia ser pra ele, o que ele procura, entende? Você é homem,
não pode dar o que Júlia procura.
— Acha que ela mudou? Tipo, virou lésbica?
— Ninguém vira, Alberto, a pessoa é. Pode ser que Júlia estava no
“armário”, como dizem, e está saindo agora. Quem pode te explicar melhor
sobre isso é Monique. Ela me deu uma aula quando me contou.
— Você acha que ela conversa comigo?
— Com toda a certeza. Hoje de manhã ela teve uma reunião com Bruna
Spagnatto, parece que será a fotógrafa oficial de Lumia durante a próxima
turnê, algo assim, não entendi muito bem. Se quiser posso ver com ela.
— Obrigado. Eu preciso entender isso, saber como agir com Júlia.
— Eu vou ligar para ela. Um minuto.
Denise levantou da cadeira e deu a volta na mesa, para pegar o celular
que estava acoplado ao carregador. Discou para a filha e em dois toques
escutou sua saudação jovial.
— Oi dona Denise! O que manda?
— Você já terminou sua reunião com Bruna?
— Já sim. Vou fazer uma sessão de fotos à noite só. Algum problema?
— Está livre para um café? Eu tenho um amigo que quer conversar com
você.
— Amigo, mãe?! Se for uma amiga eu vou – brincou.
— Não é uma brincadeira, Mone, é uma conversa séria.
— Ok, dona Denise. Quando e onde?
— Espera – pediu Denise ao tirar o telefone da orelha. – Quando é melhor
pra você, Alberto?
— Quando ela puder, desde que não vá atrapalhar nenhum compromisso
dela.
— Está disponível agora? – perguntou ao voltar o celular à orelha.
— Estou.
— Pode vim aqui? Te encontramos no café do prédio ao lado.
— Vou levar, mais ou menos, uma hora para chegar aí.
— Tudo bem, estamos te esperando. – Denise se despediu da filha e
sorriu para Alberto. – Se já quiser adiantar alguma coisa do trabalho, já faça,
daqui uma hora ela chega.

Alberto saiu acompanhado de Denise e seguiram a passos calmos até o


café, onde Monique os encontraria. Estava sentindo-se estranho com a
situação, mas se queria entender algo, teria que conversar com alguém que já
vivesse aquilo. Hadassa não era uma opção, pois poderia falar com Micaela e
acabar revelando a crise pela qual estavam passando no casamento.
A conversa dos dois jornalistas girou em torno do trabalho e o que estava
acontecendo na economia. Depois de alguns minutos, Monique se aproximou
da mesa, e Alberto se levantou para cumprimentar a mulher morena, que
usava um corte de cabelo que julgou muito moderno: as têmporas e a nuca
raspados, mantendo apenas o cabelo grande no topo da cabeça, preso em um
coque tipo samurai. Ela usava um jeans e camiseta, combinado com uma
jaqueta, dando um ar completamente moderno. Tirou os óculos escuros para
cumprimentar a mãe com um beijo no rosto.
— Oi Alberto, Monique – se apresentou ao se virar para o jornalista.
— É um prazer, Monique. Sente-se.
— Valeu. E aí, o que está pegando? – perguntou ao colocar o celular
sobre a mesa e encará-lo.
— Isso é jeito de falar, Monique!
— Trabalho eu sei que não é, senão teria falado comigo de outra forma no
telefone – esclareceu com um sorriso. – No que eu posso ajudar? – finalizou
olhando para Alberto novamente.
— Eu tenho uma pergunta, mas não quer pedir algo primeiro?
— É uma pergunta das grandes?
— Provavelmente – sorriu Alberto.
Monique concordou e pegou o cardápio, lendo rapidamente. Optou por
um suco de melancia. Se virou e acenou para a atendente que logo estava ao
seu lado. Fez o pedido e ficou acompanhando-a se afastar, com o olhar, antes
de voltar sua atenção para Alberto.
— Bom, vamos à pergunta de um milhão. Qual é?
— Uma mulher pode virar lésbica depois de adulta? Digo, muito adulta.
Com quarenta e três anos.
Monique arqueou uma sobrancelha e deu um sorriso, entortando a cabeça,
levemente.
— Acho que devia ter pedido algo mais forte – brincou para descontrair.
– A resposta é não, ninguém vira, ela é. E pode não ser lésbica, ela pode ser
bissexual e está gostando de uma mulher. Pode ser pansexual, que gosta de
pessoas, independente de gênero.
— Mesmo depois de um casamento longo, isso pode acontecer?
— Claro. É a mesma coisa se você, Alberto, se apaixonar por outra
mulher, mesmo depois de tantos anos casado com Júlia. São quantos anos
que estão juntos?
— Vinte e dois anos.
— Então, ela gostar de outra pessoa, pode acontecer, o amor vira
amizade, entra em comodismo e abre brechas, várias coisas. Mas a questão é
que Júlia está com outra mulher?
— Já deu pra perceber que é ela, né?
Monique apenas balançou a cabeça em sentido positivo.
— Não, ela disse que está gostando de outra mulher...
— Merda! Cheguei atrasada!
— Monique! – exclamou Denise.
— Brincadeira! Mas me conte, qual o problema?
— Esse é o problema, eu não sei o que fazer! – respondeu Alberto,
coçando a barba.
— Não tem muita coisa que você possa fazer. Aliás, não tem nada que
possa fazer. Se ela estiver disposta a ficar com essa mulher, você não pode
interferir em nada. Mas, assim, vocês não me chamaram para ser conselheira
amorosa, não é? Sou uma negação nessa parte. Se for para dar uns toques de
como chegar em outra mulher eu posso ajudar, modéstia à parte, nessa área
eu me saio bem.
— Não, não é isso – Alberto riu, desconcertado. – É que... eu queria
entender isso, de ela me falar isso agora.
— Ela já ficou com mulher antes?
Alberto segurou a resposta, quando viu a atendente se aproximar com o
pedido de Monique. A jovem deu espaço para que ela pudesse colocar a
bebida e deu um sorriso, colocando todo o charme no ato.
— Obrigada, linda.
Denise balançou a cabeça em sentido negativo e trocou um olhar com
Alberto, enquanto Monique se dedicava a apreciar a atendente que voltava
para o balcão. Ela também sorria na direção da jovem, que deu outra
piscadinha na sua direção, antes de voltar a se virar para a mesa.
— Acabou com seu momento cafajeste? – perguntou Denise contrariada.
— Desculpe! Não resisto! Sua resposta à minha pergunta – se virou para
Alberto.
— Sim, ela já ficou com mulher antes.
— Olha, agora falando sério. Eu não conheço Júlia, vejo só o que sai dela
na televisão e internet, e muito superficialmente. Eu vejo sempre uma mulher
que parece apresentar uma leveza e felicidade, com uma família bem
construída. Agora tudo isso pode ser só uma fachada. Ela mantém uma
aparência de família tradicional brasileira, mas agora o armário ficou
apertado demais. E vou te falar, ela não está só gostando dessa mulher não.
Pra chegar no ponto de te falar, sem nem ter transado com ela... Ela não
transou, né?
— Disse que não.
— Ela está amando mesmo. Muito provável que esse sentimento está
sufocando-a ao máximo.
Alberto balançou a cabeça em sentido positivo e deu um suspiro.
— Não seria só uma fase?
— Acredito que não. Não existe fases. Não acordo um dia e penso:
Humm quero uma ro... Um homem – controlou a tempo, lançando um rápido
olhar para a mãe. – É um desejo que ela sente, e que agora está mais forte. A
pior coisa do mundo é viver se escondendo, mascarando quem se é
realmente, independente que ela seja bissexual ou pan.
— Existe alguma coisa que eu poderia fazer? Sei lá.
— Cara, assim, você pode tentar conquistar ela de volta e tudo o mais,
mas, sendo bem sincera, se ela for uma sapinha enrustida, que é o que está
me soando, ela vai acabar gostando de outra mulher, ou outra. Não tem o que
você possa fazer, isso é ela. Ela gosta de ostra, simples.
— Monique!
— Você não ia gostar da outra palavra que veio a minha cabeça – sorriu a
jovem.
— Quero nem imaginar o que foi.
— É de se lambuzar também.
— Monique não seja desagradável!
— Enfim, como diria meu falecido pai: perdeu playboy. Ela pode sim
ficar com você, mas ela nunca será feliz se estiver negando, a si mesma, o
que seu corpo, mente e coração deseja. Tenho certeza que não vai querer uma
mulher infeliz e amargurada do seu lado, não é?
— Jamais. O que eu mais quero é a felicidade de Júlia.
— Eu tenho que ir, mas vou te dar um bom conselho – respondeu ao se
levantar e tirar a carteira do bolso.
— Imagina Monique, pode deixar, eu pago – pediu Alberto ao ver ela
pegar dinheiro.
Monique colocou a nota sobre a mesa, ignorando o pedido do jornalista.
— O meu conselho é: se dê um tempo, umas vinte e quatro horas, tá de
bom tamanho, depois faça a barba e convide uma jornalista viúva, morena,
gata, que gosta de jogar xadrez e beber dry martini para sair. Ela é
completamente hetero, posso lhe garantir!
— Monique!
— Uma boa tarde pra vocês!
Alberto não conteve um riso ao ver Monique se afastar da mesa. Voltou a
olhar para Denise, que tinha as faces avermelhadas.
— Impetuosa!
— Nem parece que tem trinta anos – suspirou Denise. – Mas entendeu o
que ela quis dizer, não é?
— Sim. Eu vou resolver isso.

Hadassa finalizou a série de musculação na academia e conferiu o relógio,


constatando que faltava meia hora para Isabela chegar da escola. Foi atrás da
sua mochila e saiu, em seguida, para pegar a moto no estacionamento. Depois
que Micaela tinha viajado e Júlia voltado para o Rio, tinha procurado formas
de distrair a mente e voltar a malhar tinha sido uma delas.
Já em casa, encontrou um recado de Ranellory, informando que tinha ido
resolver um problema para a mãe de Cristiano, mas que voltaria até as nove
da noite, horário em que ela começaria a se arrumar para ir trabalhar. Depois
do curso de reciclagem, estava trabalhando direto com a equipe, e tinha
voltado a atuar no período noturno, horário que nunca havia curtido muito,
mas que agora era quase uma tábua de salvação: evitava noites insones, onde
Júlia aparecia para perturbar seus pensamentos.
Isabela chegou depois de quinze minutos. Perguntou sobre o seu dia na
escola e a filha relatou, empolgada, todas as atividades que tinha feito. Deu
banho nela e a vestiu, para depois ir preparar um lanche. Comeram juntas,
sentadas no tapete da sala e ficou brincando com a menina, até que o relógio
marcou oito e meia da noite, e Ranellory chegou. Foi tomar um banho e se
arrumar para o trabalho: seria uma festa de casamento de alguém do alto
escalão.
— Estou indo, Rane, qualquer coisa você me encontra no celular.
— Tá bom. Eu quero te falar uma coisa, no próximo domingo, Cristiano e
eu queremos fazer um anuncio para a família. Será que consegue uma folga
para passar a tarde na casa da Cris?
— O que vocês irão fazer?
— Surpresa!
— Tá bom. Eu vou sim, pode marcar. Mesmo se trabalhar na noite do
sábado, eu aguento ficar um pouco acordada.
— Obrigada, Hada! Falou com Micaela hoje?
— Conversamos mais cedo por vídeo-chamada.
— E como é que vocês estão?
— Não sei. Tem pouco tempo que ela viajou, mas parece mais distante,
ou sei lá, eu que estou mais distante. Eu vou me resolver com ela, quando
terminar o curso.
— Vai terminar mesmo?
— Vou. Ela é uma pessoa incrível, mas eu não estou cem por cento com
ela. Não é justo que eu fique enganando-a. Vou seguir o que me disse, vou
me arrumar primeiro, depois eu penso em me relacionar com outra pessoa.
— Está certa, é a melhor coisa que pode fazer mesmo. Eu não sei como
vocês estão conversando, se estão até fazendo coisinhas virtuais, mas começa
a se afastar devagar, vai dando sinais aos poucos. Não deixe parecer que está
tudo bem para depois jogar a bomba no colo dela. Vai de uma maneira mais
sutil, se afastando aos poucos.
— Não estamos fazendo coisinhas virtuais – riu Hadassa. – Não sei fazer
isso. Eu pensei bastante esses últimos dias, depois de ficar com Júlia. Não
posso mesmo prender Micaela.
— Ainda não me conformo que tenha ficado com Júlia! Dá vontade de te
dar uns tapas só de lembrar!
— Ainda bem que não vai dar.
— Nem ousaria! Mas sério, se cuida, você precisa disso.
— Eu vou sim. Agora eu tenho que ir mesmo!
Hadassa se despediu da irmã e saiu da casa, indo para a garagem. Pegou a
moto e a guiou para fora, tomando o caminho do trabalho. Tinha dito uma
verdade a Ranellory: tinha pensado muito sobre o que tinha acontecido com
Júlia e havia chegado à conclusão de que sentia muita falta da atriz, mas
quase um alivio por Micaela estar longe naquele momento. E se aquele era o
cenário, não podia, de forma alguma, manter a jovem em um relacionamento
fadado ao fracasso.
Capítulo 30
Micaela estava distraída, lendo a apostila do curso, quando escutou o
barulho de alguém sentando-se ao seu lado. Levantou os olhos para enxergar
Andrew, que retirava o caderno da bolsa e ponderou, por alguns segundos, se
deveria tentar uma nova aproximação.
— Bom dia – desejou ao rapaz. Andrew se virou para a loira.
— Bom dia – respondeu com um meio sorriso. – Parece que hoje eu
consegui chegar no horário.
— Parece que sim – ela concordou, sorrindo. – Você chegou só ontem
atrasado, não é? Não tem muito com o que se preocupar. Eu não vim no
primeiro dia, acho que é mais grave.
— Provavelmente. Brasileira, não é? Conheço pouquíssimas coisas do
seu país. Neymar, Alisson, são jogadores de futebol.
— Acredito que sim – riu Micaela. – Só conheço Neymar. Não
acompanho futebol, menos ainda o europeu. Bom, você tem uma vantagem
sobre mim, eu não conheço absolutamente nada da Suécia. Se duvidar, nem a
posição geográfica. Me conta um pouco.
— Você conhece alguma coisa da Suécia sim, posso garantir isso. ABBA,
Roxette.
— Sim, conheço! – respondeu surpresa. – It must have been love, but it’s
over now… — cantarolou.
— Viu?! Disse que conhecia!
— Verdade. Que lugar da Suécia você é?
— Djursholm, mas vivo em Estocolmo.
— Quem sabe um dia eu conheço – sorriu Micaela ao ajeitar o cabelo.
Andrew e Micaela ficaram conversando, falando um ao outro sobre seu
próprio país. A conversa desviou para gostos musicais e a loira abriu o
Spotify para mostrar algumas músicas brasileiras. Só pararam de conversar
quando Sophie entrou em sala e começou a aula.
Naquele dia escolheram duplas para desenvolver uma atividade e Micaela
só levou a cadeira para mais perto de Andrew, sendo recepcionada pelo
sorriso do colega. As três horas passaram voando, enquanto estudavam e se
conheciam mais. Micaela soube que ele tinha vinte e sete anos, era formado
em arquitetura e tinha um escritório junto com um colega de faculdade.
Estava fazendo intercâmbio, durante o período de férias que tinha tirado, para
aprender mais do francês e de Paris, cidade pela qual nutria paixão. Segundo
ele, o plano era abrir um escritório na França também, assim o colega ficaria
em Estocolmo e ele em Paris.
A jovem relatou sua vontade de conhecer um pouco mais de si mesma e
do que queria fazer profissionalmente. Falou do curso de cosmetologia que
também fazia ali e sobre Hadassa, com quem tinha um relacionamento.
Andrew informou que tinha terminado um relacionamento, dias antes de ir
para o intercâmbio, pois, segundo suas palavras, havia divergências
inconciliáveis no relacionamento.
— Logo você encontra uma mulher que vai se adequar perfeitamente a
você. Não leve como uma segunda intenção, mas você é um homem lindo,
chama a atenção por onde passa, tenho certeza que não faltarão candidatas.
Andrew sorriu em resposta, subitamente tímido por suas palavras.
Guardou o material e ajeitou os curtos fios loiros, antes de se virar para
Micaela.
— Eu sempre almoço em um restaurante aqui perto, que é perto do
apartamento onde estou, quer almoçar comigo? É um convite de um possível
amigo, não tem segunda intenção de minha parte.
— Eu sei, até mesmo porque eu cortaria se percebesse uma segunda
intenção sua – sorriu Micaela. – Vamos sim. Eu como na rua também, a
republica onde estou é um pouco falha na questão da alimentação.
Micaela andou ao lado de Andrew até a frente da sala, cumprimentou as
novas colegas, rapidamente, e saiu com o rapaz. O restaurante que ele havia
indicado ficava a quatro quadras do curso e escolheram uma mesa, enquanto
a conversa continuava a fluir com facilidade entre os dois. O tempo passou
sem que Micaela percebesse, enquanto se via envolvida na narrativa de
Andrew sobre sua infância e os natais em família.
— Eu nunca fiquei tão decepcionado na minha vida! Eu estava louco pela
guitarra e me apareceram com uma boneca, que todas as minhas amiguinhas
queriam.
— Por que seus pais te deram uma boneca? – perguntou Micaela ao rir.
Andrew olhou para Micaela, perscrutando seu rosto enquanto ela
esperava uma resposta. Aproveitou o momento em que o garçom se
aproximou com a conta e pensou na resposta que daria.
— Meus pais são estranhos – respondeu, por fim. – Não te falei que meu
irmão ganhou um massageador?
— São estranhos mesmo! Eu tenho que ir ou vou me atrasar para o
próximo curso. Ainda tenho que passar na Republica pegar os outros
materiais.
— Ok. No domingo, eu estava pensando em ir em Versalhes. Caso não
tenha nada para fazer, e se estiver disposta a fazer turismo, seria legal ter uma
companhia.
— Vou adorar! Eu vou sim. Me passa seu telefone, assim marcamos
melhor. Anota aqui – pediu ao esticar o celular para que Andrew pudesse
gravar o número.
O rapaz pegou o aparelho e olhou, rapidamente, a foto que a loira tinha na
tela, junto com a namorada. Acessou os contatos e gravou o número,
devolvendo em seguida.
— Me manda um oi, assim já guardo seu número também.
— Pode deixar, vou mandar sim. Até amanhã, na aula!
— Hej då!
Micaela sorriu em resposta.
— O que significa isso?
— Tchau.
— Tchau – falou em português, seguida de uma piscadinha. – Te vejo
amanhã!
Andrew balançou a cabeça em sentido positivo e ficou observando a loira
se afastar para a calçada. Ela ainda se virou na sua direção, uma última vez e
acenou em despedida. Deu um discreto aceno e um suspiro, quando ela sumiu
do seu ponto de visão. Levantou e pegou a bolsa, tomando a direção do
apartamento. Estava contente com a aproximação de Micaela, apenas torcia
para que nada mudasse.

Júlia estava encostada contra o sofá, com a mente distante. A noite já


tinha caído por completo, enquanto passava as horas inerte, com a cabeça
completamente entorpecida pelos últimos acontecimentos. Naquele dia tinha
faltado à gravação, informando que estava com uma virose. A agenda
também tinha ajudado: gravaria somente algumas cenas com Isadora em
estúdio e pode ser reagendada para o dia seguinte, sem atrapalhar as outras
gravações que aconteceria.
Durante todo o dia, tinha vagado pela casa, sem rumo, ansiosa para ter
uma conversa com Alberto. Teria que arrumar aquela situação para que não
tomasse maiores dimensões e estava disposta a tudo para não perdê-lo.
Haviam se visto de manhã, somente o tempo dele entrar no quarto e pegar
uma roupa para ir trabalhar. Sabia que tinha magoado ele, ferido o único
homem que havia jurado nunca machucar. Estava disposta a passar o restante
de seus dias fazendo de tudo para compensá-lo.
O barulho do elevador já fez seu coração disparar. Se levantou e passou a
mão no vestido esperando que ele abrisse a porta.
— Oi Jú – cumprimentou Alberto ao ver a esposa parada no meio da sala.
— Oi Beto – falou ao se aproximar e o enlaçar em um abraço apertado.
Intentou dar um beijo em seus lábios, mas Alberto desviou, depositando um
beijo em seu rosto. – Ainda está muito bravo comigo, não é? – perguntou,
aflita.
— Luciana ainda está aqui?
— Eu dispensei ela hoje. Pedi para Mariana não me passar nada também.
Eu quero conversar com você, arrumar essa bagunça que fiz.
— Eu também quero. Deixa eu só chegar direito, tomar um banho e
conversamos.
— Está bem. Eu vou te esperar aqui.
Alberto concordou com um aceno e saiu em direção ao quarto. Júlia foi
até o aparador de bebidas e pegou uma dose de martini, para depois se sentar
no sofá novamente. Tomou um gole, devagar, pensando em tudo o que iria
falar a Alberto e o que estava disposta a fazer para não deixar que aquela
situação estremecesse o casamento de tantos anos. Depois de vinte minutos, o
jornalista retornou para a sala, já de pijama e também pegou uma bebida,
antes de ir se sentar, sob o olhar atento de Júlia.
— Alberto, eu sei que te magoei demais e não tem pedido de desculpas o
suficiente que eu possa te fazer – começou a atriz ao pegar a mão do marido.
– Eu quero que você saiba que estou disposta a qualquer coisa, a tudo, para
isso não interferir na nossa vida.
Alberto tomou outro gole da bebida e colocou o copo sobre a mesa de
centro, voltando a olhar para a atriz.
— Eu preciso de algumas respostas sinceras para saber se isso pode ser
remediado.
— Não faz isso, Alberto – pediu já sentindo os olhos ficarem úmidos. –
Eu sei que errei e estou disposta a arrumar isso...
— Hoje eu conversei com Denise e a filha dela, Monique, já falei dela pra
você, que era casada com Antônio.
— Sei, Denise Fraga.
— Isso. Monique é lésbica, bem no estilo de Hadassa, talvez um pouco
mais impetuosa que ela, mas ela me explicou algumas coisas para que eu
pudesse entender melhor essa situação. Não se preocupe porque são duas
pessoas extremamente discretas.
— O que conversaram?
— Além dessa mulher agora, e aquela que ficou quando era adolescente,
você já teve sentimentos por outras mulheres?
— Alberto... Pra que isso importa?
— Importa muito. Eu só estou pedindo sinceridade em suas respostas.
Quero que saiba que é seu amigo que está aqui, não seu marido.
Júlia não conteve a primeira lágrima. Apenas balançou a cabeça em
sentido positivo.
— Você já teve sentimentos por outras mulheres, além dessas duas? –
tornou a perguntar Alberto. – Já se envolveu com alguma delas, durante
nosso casamento?
Júlia outra vez balançou a cabeça em sentido positivo e baixou os olhos,
sem coragem de encarar Alberto. Secou o rosto e respirou fundo, tentando
controlar as emoções. Decidiu que se aquele era o momento de colocar tudo
em pratos limpos, o faria. Alberto merecia sua sinceridade.
— Eu já gostei de outras duas, além dessas, mas nunca tive nenhum
envolvimento. Quero dizer, eu já fiquei com Verônica, mas nunca passamos
de um beijo também.
— Verônica Schultz?
— Sim. Foi na época em que estávamos gravando Limite.
— Com quantas mulheres você já ficou enquanto estava casada comigo,
Júlia?
— Só essas duas! Eu te juro, nunca passou de beijos!
— Beijar outra pessoa não é uma coisa tão simples assim, Júlia – sorriu
Alberto também sem conter uma lágrima, ao chegar à conclusão de que
Monique estava certa. – Eu tenho certeza que não iria querer que eu te
dissesse que beijei outras mulheres.
— É diferente, Beto, é só uma... Eu não sei, uma atração sem cabimento!
— Não é diferente, Jú. Você já parou para se analisar, analisar a origem
dessas atrações? Você não está só atraída por essa mulher de agora, você está
se consumindo com isso. Eu nunca te vi no estado que te vi ontem. Isso é
amor, Júlia, não uma atração!
— Vai passar! Como passou das outras vezes! Não é amor, Beto, quem
eu amo é você! Não consegue entender isso?
— Eu não duvido que sente um carinho imenso por mim, afinal são
muitos anos juntos, sempre tivemos uma boa cumplicidade, mas amor, aquele
amor de marido e mulher, não é mais, Jú. Se fosse, não teria uma terceira
pessoa nessa conversa. Nem teríamos essa conversa.
— Eu sei que estou complicando as coisas com a forma como estou
agindo, mas é só questão de tempo...
— Tempo de você se esconder no armário de novo? – perguntou Alberto
ao pegar sua mão. – Júlia, você é lésbica? Bissexual? Tem uma outra palavra
que Monique usou, que não lembro, como a Micaela é, sabe? Que gosta de
pessoas, independente de gênero?
— Pansexual. Eu não... Não sou pan. Bissexual talvez, mas... Eu não
quero perder você Alberto, não quero perder a vida que temos! Sempre fomos
um pelo outro, não quero que isso mude!
— Independente do caminho que tomar, o que temos, nossa amizade não
vai mudar. O que eu não posso é ficar com você esperando o momento em
que vai se apaixonar por outra mulher, como está agora! Não é o fim do
mundo você se apaixonar por outra pessoa, mas sim o fim do nosso
mundinho particular. Como já te falei, tenho cinquenta e nove anos, tenho
maturidade o suficiente para entender que não posso te dar o que quer. O que
sempre importou pra mim é sua felicidade e se eu não posso mais te fazer
feliz, eu só posso te deixar livre para isso.
— Você me faz feliz, Beto! Sempre me fez, eu só... as coisas saíram um
pouco de ordem, mas eu posso arrumar tudo! – pediu Júlia cortando a pouca
distância que os separaram para se acomodar em seu colo. – Eu quero ficar
com você!
— Você não precisa ter medo, nem se preocupar comigo. Já sou bem
grandinho para saber que eu posso me refazer outra vez. O carinho que eu
sinto por você, não vai mudar. Você sabe que sempre poderá contar comigo
para tudo!
Júlia o abraçou com força, pressionando o rosto contra seu pescoço.
— Eu não estou preparada para isso!
— Eu vou aprender a te ver somente como minha amiga. Nossa família, o
que temos, não vai mudar, tá? Você sempre, sempre vai ser minha grande
amiga, a não ser que não queira isso.
— Eu não quero te tirar da minha vida! Eu não posso fazer isso!
— Eu não vou sair da sua vida, Júlia, só vamos ressignificar algumas
coisas. Olha pra mim – pediu Alberto ao pegar seu rosto com as mãos. –
Você é a coisa mais importante que aconteceu na minha vida. Você e Micaela
são minha família e isso nunca vai mudar. Só que eu não posso ficar com
você se escondendo do que realmente é, tentando camuflar seus sentimentos.
Eu não posso mais ir pra cama com você, me perguntando se está de fato
comigo ou se está imaginando alguma mulher no lugar! Eu sei que vou sentir
muito, já estou sentindo, mas, pelo amor que sinto por você, eu tenho que te
deixar livre.
Júlia caiu em um choro profundo em seus braços. O abraçou com força,
enquanto sentia o coração parar dentro do peito. Já havia cogitado terminar o
casamento antes, mas agora que lhe parecia real, não contava com o medo
que tomava conta de sua mente.
— Me perdoa!
— Não tenho o que te perdoar, Jú. Talvez eu que devesse ter visto os
sinais antes, mas não sabia nem que isso poderia acontecer. Eu quero que seja
feliz, eu também serei.
Júlia balançou a cabeça em sentido positivo, sem conseguir pronunciar
nada. Deu um meio sorriso e buscou a boca de Alberto em um beijo
demorado. Se afastou e colou a testa na dele, respirando fundo.
— Eu acho que esse é o momento em que você me pede o divórcio –
sorriu Alberto em meio às lágrimas.
Júlia balançou a cabeça em sentido negativo, ainda de olhos fechados. Se
afastou e saiu do colo de Alberto, levantando-se em seguida. Respirou fundo,
várias vezes, antes de ir para o aparador, atrás de uma bebida mais forte.
— Não precisamos tratar de nada agora. Eu... nós podemos dar um
tempo, pensar sobre isso com calma.
— Vamos fazer isso – concordou Alberto ao se levantar para abraçá-la. –
Vai dar tudo certo, tá bom? Você prefere que eu vá para um apart, como
prefere fazer isso?
— Seria muito egoísmo meu pedir para não sair daqui? – perguntou Júlia
ao apoiar a cabeça contra seu tórax. – Eu vou para o quarto de hospedes, não
precisa mudar nada.
— Você tem muita coisa para ser trocado de quarto – sorriu Alberto. – Eu
vou para o quarto de hospedes. Amanhã eu peço para Luciana mudar minhas
coisas pra lá.
— Isso pode não ser definitivo...
— Não vamos pensar nisso agora. É o tempo de pensarmos, avaliarmos
tudo isso que aconteceu. Todas as histórias, mesmo as mais bonitas têm um
final, Jú. A nossa também vai terminar com um felizes para sempre, apenas
não será juntos. Você sabe que sempre poderá contar comigo para tudo, não
é? Qualquer coisa, qualquer situação, onde estiver, é só me chamar. Eu
estarei pronto para te auxiliar no que precisar.
Júlia balançou a cabeça em sentido positivo, outra vez apertando-o em
seus braços.
— Trate de ficar bem. Eu nunca mais quero te ver como eu vi ontem.
Conversa com alguém esclarecido sobre isso também. Pode te ajudar
bastante, como me ajudou a entender que não sou, obviamente, uma mulher e
não posso te dar o que quer. Só evita de falar com Micaela e Hadassa. Não
quero que Micaela saiba ainda. Ela está bem animada com o curso.
— Não vou falar nada.
— Eu vou deitar um pouco. Fica bem.
Júlia outra vez anuiu e fechou os olhos ao receber um beijo na testa.
Alberto saiu da sala e a atriz voltou a ocupar o sofá, enquanto novas lágrimas
escorriam por seu rosto. Estava com medo do futuro sem Alberto como seu
marido, mas também estava com o coração apertado porque, por mais que se
divorciasse de Alberto, jamais teria Hadassa.
Capítulo 31
Júlia entrou no estúdio, onde estava montado o cenário em que gravaria
com Isadora e evitou os colegas, indo direto para a maquiagem. Mariana, ao
seu lado, não ousou questionar nada. A assessora sabia, por alto, que a amiga
e o marido tinham tido uma conversa difícil e precisava de espaço.
Confirmou isso quando ela se sentou para começar a maquiagem e as olheiras
profundas revelaram a noite mal dormida.
— Bom dia, meninas – cumprimentou Verônica ao entrar no camarim. –
Nossa Jú! Passou a noite em claro?
— Passei – Júlia sorriu. – Você tem gravação hoje?
— Sim. No cenário aqui do lado. Está tudo bem? Sua gravação não era
ontem?
— Ontem eu não estava muito bem ficou para hoje.
— O que aconteceu?
— Uma virose boba – desconversou ao enxergar Isadora também chegar
no camarim. – Bom dia minha irmãzinha! – brincou.
— Irmãzinha que vou fazer da tua vida um inferno! – devolveu Isadora ao
dar um beijo em seu rosto. – Como está, Verônica?
— Bem, e você?
— Bem, obrigada. O que aconteceu ontem, Júlia? Entraram em contato
comigo, dizendo que não poderia gravar.
— Uma virose boba. Alguns remédios e uma boa noite de sono
resolveram.
Verônica olhou demoradamente para Júlia enquanto ela entabulava uma
conversa com Isadora, mas não deixou passar a discrepância do que ela tinha
lhe falado. Sentou na cadeira indicada pela maquiadora e começou a ter seu
cabelo mexido, para a caracterização da personagem, mas não pode deixar de
notar que Júlia não estava bem. E para chegar ao ponto de faltar em uma
gravação, a coisa era bem séria.
Uma hora depois, Júlia e Isadora, já caracterizadas, saíram do camarim e
caminharam em direção ao cenário. Enquanto os últimos ajustes eram feitos,
passou o texto com Isadora e foram para as devidas marcações. O diretor
pediu silêncio e começaram a gravação, mas Júlia não estava concentrada
para o trabalho. Por várias vezes esqueceu o texto e Isadora, percebendo o
estado de espirito da colega, fez de tudo para ajudá-la em cena, fazendo
alguns improvisos. Somente depois de meia hora é que Júlia conseguiu pegar
o ritmo das tomadas e desenvolver o trabalho, desligando a mente dos
problemas pessoais.
Depois de seis horas, foram dispensados. Júlia voltou para o camarim
para trocar de roupa, mas optou por não tirar a maquiagem, visto que suas
olheiras ainda estavam bem camufladas. Mariana saiu para resolver um
problema com um contratante e Júlia iria do estúdio para casa. Seu plano foi
alterado quando enxergou Verônica conversando com algumas pessoas. Ela
se despediu do pessoal e seguiu na sua direção.
— Já terminou de gravar? – perguntou Júlia ao ver que ela não estava
mais caracterizada.
— Já. Terminei tem uma hora. Estava te esperando.
— Algum problema?
— Com certeza tem um problema, só não sei qual é, mas seja o que for,
eu estou aqui para te auxiliar.
— Obrigada Verônica, mas eu vou pra casa, preciso ficar sozinha.
— É exatamente quando diz que precisa ficar sozinha, é que precisa de
alguém. Eu te conheço um pouquinho, Júlia. Vamos para o meu apartamento.
Prometo que serei uma companhia agradável.
— Não duvido que seja, mas... – Júlia deu um suspiro, olhando para a
colega que esperava o termino de sua fala. – Acho que tem razão. Preciso de
uma companhia hoje.
— Vamos. Prometo que faço, eu mesma, um macarrão empapado para
comermos.
Júlia riu em resposta e saiu do estúdio acompanhada de Verônica.
Pegaram um carrinho até o estacionamento e entraram no carro da atriz,
saindo do centro de produções em seguida. Durante todo o caminho até seu
apartamento, Verônica manteve a conversa leve, falando bobagens apenas
para distrair Júlia. Assim que chegaram, dispensou os funcionários que
estavam presentes, para que a ruiva ficasse confortável em se abrir com ela.
— Pronto. Aceita uma bebida? Um vinho, talvez? Encontrei uns
maravilhosos no Porto e fiz um estoque antes de voltar.
— Tem uísque?
— Uau! A coisa é séria. Tenho, vou pegar.
Júlia agradeceu com uma onomatopeia e sentou no sofá, esperando o
retorno de Verônica. Mandou uma mensagem para Luciana, informando que
chegaria mais tarde e dispensou o celular sobre a mesa de centro, para tirar o
sapato em seguida. Prendeu o cabelo de qualquer jeito, deixando alguns fios
displicentes caírem ao redor da cabeça.
— Júlia, você não devia arrumar o cabelo assim – falou Verônica ao
aparecer com a bebida da atriz. – Você sabe que esse jeito despojado sempre
me deu um tesão danado no passado! Não mudou com o tempo, para que
fique ciente.
— Boba! – sorriu Júlia ao receber a bebida e dar um gole.
— O que está acontecendo, Júlia?
— Alberto terminou comigo.
— Oi? Como assim, mas por quê?
— Porque eu disse que estou apaixonada por outra pessoa.
Verônica fez uma cara de espanto genuína ao encarar a ruiva. Sentou na
mesinha de centro, de frente a atriz.
— Me explica o que aconteceu.
— Eu vim para o Rio, ela ficou, não consegui mais disfarçar o que sinto
por ela, Alberto me apertou e contei. Ele terminou comigo. Resumindo, foi
isso.
— Quero a versão estendida. Alberto foi cretino, te ofendeu de alguma
forma?
— Não, claro que não! Alberto é o homem mais incrível que conheço.
Nem levantar a voz ele não levantou. Eu contei na madrugada de ontem e o
que ele fez foi ir tentar entender com uma colega de trabalho. Ai ontem à
noite ele me disse que não pode mais ficar comigo.
— Que situação! Por que não me ligou? Teria ido ao seu encontro.
— Não tenho seu telefone mais. Também nem pensei nisso. Passei o dia
de ontem tentando arrumar uma forma de acertar meu casamento, mas não
posso também pedir que ele aceite ficar comigo, sabendo que estou gostando
de outra pessoa.
— É uma mulher também, não é?
Júlia apenas balançou a cabeça em sentido positivo, encarando os olhos
castanhos claros.
— Você não está com essa mulher, não é?
— Não. Eu não posso ficar com ela, não existe futuro para uma relação.
— Por que?
A atriz encarou a colega por poucos segundos, antes de decidir desabafar
por completo.
— Porque ela é namorada da minha filha.
Outra vez Verônica encarou Júlia, atônita.
— Me fala que você não ficou com ela em nenhum momento, por favor!
— Nos beijamos, sim. Eu sou a pior mãe do ano!
— Puta merda, Júlia! Que cilada! Que idade tem essa garota? Micaela
está com dezenove anos, não é? Já fez aniversário?
— Daqui duas semanas ela vai fazer vinte. Hadassa é mais velha que ela,
tem trinta e cinco anos.
— Ela gosta de você também ou ficou com você porque você... É você?
— Eu senti verdade nela, ela gosta de mim.
— E por que diabos ela está com Micaela? Ela conheceu Micaela
primeiro?
— Não. Eu contratei ela para ser segurança de Micaela, eu a conheci
antes, mas diferença de dias só. Ela me disse que não ficaria comigo, que não
se tornaria minha amante e ficou com Micaela.
— Júlia, que história! Eu vou pegar um uísque também pra conseguir
digerir ela. Espera.
Verônica se levantou e saiu da sala, indo para a cozinha atrás da garrafa
de uísque. Em minutos estava de volta a sala, topando com Júlia encostada
contra o seu sofá, com os pés apoiados no estofado.
— Ok, vamos pegar isso por partes – falou ao se servir e colocar mais
bebida no copo de Júlia. – Você ficou com ela antes dela começar a namorar
com Micaela?
— Dei um beijo só. Roubado – sorriu ao se lembrar da cena. – Depois
elas viajaram, ficaram juntas em Noronha, quando eu vim para o Rio,
começar a preparação da Francine, nós ficamos.
— Cama?
— Não.
— Que situação, Jú! Não queria estar na sua pele!
— Eu já me condenei tanto, por tudo! Como dizem hoje em dia, fui
talarica com a minha própria filha, traí meu marido, joguei meu casamento no
ralo. Eu só fiz besteiras!
— E eu achando que você gostava de mim – riu Verônica ao tomar outro
gole da bebida. – Amor é isso aí, tira tudo do lugar!
— Não, amor não é isso, Verônica. Amor não é destrutivo e a única coisa
que esse sentimento por Hadassa está me fazendo é mal. Estou machucando
as pessoas! Não quero nem imaginar qual seria a reação de Micaela se ela um
dia descobrisse isso!
— Júlia, você só está machucando as pessoas porque você insiste nesse
casamento com Alberto, nessa fachada hetero! Você não é hetero, nunca foi!
Você tem que aceitar isso! Você precisa entender que não tem problema
algum namorar com uma mulher e ser feliz com ela. Só que cega por essa
negação, que parece ser enraizada, não consegue perceber que isso só te
prejudica. Você não é feliz e não consegue fazer ninguém feliz.
— Eu não sei mais o que fazer! Eu amo Alberto, não quero ficar sem ele,
mas também não consigo controlar isso que sinto!
— Júlia, você não ama Alberto. Como amigo, talvez, um cara bacana, pai
da sua filha, mas não como homem. Você ama o companheirismo, as
conversas, a cumplicidade que devem ter, mas paixão, tesão, não.
— Mariana me disse a mesma coisa, meses atrás.
— Você tem quarenta e três anos, Júlia, não é mais uma mocinha jovem
que pode esperar o tempo passar para encontrar o amor. Se joga mulher, não
com a namorada da sua filha, obviamente, outra, mas se joga, vai ser feliz. Se
Alberto é esse cara digno de ser colocado em um pedestal como faz, ele
nunca vai cortar os laços que possui com você. Se ele fizer isso, é porque não
é tão bacana assim
— Tenho nem mais idade para mudar minha vida assim.
— Se você disser isso de novo, eu jogo esse uísque na sua cara! Qual é,
Júlia? Você está arrumando desculpas para não sair dessa gaiola é isso?
— Talvez. Eu gosto da minha vida! Eu gosto da minha rotina, da
segurança que Alberto me dá.
— E você acha justo pedir para ele ficar com você enquanto está
apaixonada por outra mulher?
— Não.
— E qual segurança que ele te dá? Você é independente, Júlia, tem uma
carreira de sucesso, uma das atrizes mais bem paga da tv atualmente. Ganha
com publicidade, tem um nome forte. Você é uma mulher forte, Júlia! Não
consegue ver o que construiu sozinha, com seu próprio trabalho e talento?
— Não é segurança financeira, obvio que não. Alberto me dá segurança
emocional. Com ele eu sei exatamente o que pode acontecer, sei que ele
sempre estará lá para me apoiar.
— Não tem surpresa nenhuma. E o que ele pode esperar de você?
Júlia balançou a cabeça em sentido negativo e deu um suspiro profundo.
De fato, Alberto não podia esperar muita coisa de sua parte. Sempre havia se
doado a ele pela metade, sugando o que ele tinha para lhe oferecer e
entregando metade de si mesma. Sempre havia julgado que Alberto passava a
maior parte do tempo trabalhando, mas se questionou no que mudaria, se ele
estivesse mais presente. A verdade é que o problema sempre havia sido ela
própria, não as pessoas que a cercavam.
— Nada – suspirou ao terminar de virar a bebida. – Nem segurança
emocional eu posso oferecer a ele.
— Não, não pode. Está na hora de sair desse casulo, Júlia. Você
consegue!
Júlia balançou a cabeça em sentido positivo e deu outro suspiro, ao tornar
a olhar para Verônica. Sabia que ela tinha razão. Precisava arrumar muitas
coisas em si mesma, e tinha que fazer aquilo sozinha.

Duas semanas depois.

Hadassa entrou no escritório de Mário e sentou na cadeira que ele


apontava, depois de cumprimentá-lo. Ele pegou a pasta de documentos em
cima da mesa e deu a volta, para sentar-se ao seu lado.
— Bom, Hadassa, eu te chamei aqui porque eu estive analisando o tanto
de tempo que possui trabalhando na empresa e seu histórico. Eu quero te
mudar de lugar, se estiver de acordo.
— Para onde?
— Para os clientes de alto valor. Como já teve um período de experiência
em segurança privada, quero te remanejar para o time da esposa do prefeito.
Cibele me disse, de manhã, que está grávida e não posso mantê-la na função
onde o risco é maior. Você terá um treinamento mais especifico, até mesmo
porque vai passar a portar arma sempre. Flávia, tem vários compromissos
oficiais, já foi ameaçada algumas vezes e agora, com a candidatura do
prefeito a reeleição, as coisas podem ficar bem piores. Salário é bem melhor,
mas a carga horária também é mais puxada.
Hadassa analisou a proposta apenas por um minuto.
— Quando começo o novo treinamento?
— Na próxima semana.
Hadassa passou os quinze minutos seguintes conversando com Mário a
respeito da nova função. Sabia que o trabalho exigiria dela muito mais que
antes e que a experiência como segurança privada, que havia tido com
Micaela, não contava de nada, visto que tinha acontecido de maneira atípica.
Era uma coisa que não poderia falar a Mário, mas iria se desdobrar para dar o
seu melhor.
Do escritório, Hadassa seguiu para casa, já encontrando Isabela e
Ranellory assistindo algum desenho na sala. Deu um beijo em ambas e seguiu
para o quarto, para um banho. Sentou na beira da cama e coçou a cabeça,
enquanto conferia se Micaela havia lhe mandado alguma mensagem. Em
Paris já era nove horas da noite e, pelos seus cálculos, ela já deveria estar na
república. Efetuou uma ligação, que foi diretamente para a caixa postal e
deixou uma mensagem, desejando boa noite. Desligou e tornou a olhar para a
tela do celular. Acessou o Google e jogou o nome de Júlia na pesquisa.
Várias imagens da atriz surgiram na tela, muitas das quais já havia decorado
cada detalhe. Mudou para a aba de notícias relacionadas a ela e abriu um
sorriso ao ver que a novela que ela protagonizaria já estava sendo anunciada,
com estreia para um mês.
Outra notícia também chamou a atenção de Hadassa e foi nessa em que se
concentrou mais. Um site de fofoca conjecturava que algo havia acontecido
entre Alberto e Júlia, já que os dois haviam sidos fotografados em situações
diferentes na mesma noite, no dia anterior. A atriz havia sido fotografada na
saída de um restaurante com Verônica Schultz e Alberto aparecia em um
momento íntimo e descontraído com Denise Fraga, enquanto jogavam xadrez
na casa da jornalista. A foto fora registrada por Monique Fraga e postada no
próprio Instagram da fotógrafa. A matéria, especulava um rompimento na
relação dos dois, mas não passava disso. Fechou a matéria e deitou de costas
na cama, olhando para o teto. Desde o dia em que Micaela viajara, um mês
antes, não tinha mais falado com Júlia e ela havia cumprido com sua palavra
de manter contato com Isabela através de Ranellory. A irmã também não
falava nada sobre ela e assim, somente matava a saudade da atriz, pelo que
via dela na internet. Outra vez a figura de Júlia começou a ficar distante em
sua cabeça, uma coisa indistinta, que começava a se desvanecer com o tempo.
— Hada, posso entrar? – chamou Ranellory da porta.
— Tá aberto – respondeu ao se sentar na cama.
— Sabe aquele almoço que íamos fazer na casa do Cris e não deu certo?
Nós pensamos em fazer um jantar amanhã. Acha que consegue ir?
— Até as nove e meia da noite, depois tenho que ir trabalhar.
— Tá ótimo. Vou marcar para as sete.
— Esse noivado sai ou não sai?
— Já sabe o que é, não é? – sorriu a jovem. – Sai. Amanhã, certeza!
— Eu quero falar uma coisa com você. Sei que vai precisar de dinheiro
para começar a construir sua vida e que o que te dou não é o suficiente para
toda a despesa que terão. Você quer que eu arrume alguém para ficar com
Isabela para que possa trabalhar fora?
— Acho que não precisa, né? Agora com você trabalhando mais a noite...
— Vou mudar de posição. Semana que vem começo outro treinamento de
segurança privada. Vou trabalhar para a mulher do prefeito. Meus horários
ficarão mais malucos ainda.
— Tudo bem. Mas pode ser alguém só pra receber ela da escola a tarde.
Algumas horas só até eu ou você chegar. Até porque também, eu preciso
arrumar um emprego primeiro.
— Faça isso.
— Você vai pra academia agora?
— Hoje não.
— O jantar está quase pronto. Já toma um banho.
— Já vou – anuiu Hadassa vendo a irmã tomar a direção da porta. – Eu
quero te fazer uma pergunta. Eu sei que conversa com Júlia sempre. Sabe se
aconteceu alguma coisa, se ela se separou?
— Não, ela não me disse nada. Por que?
— Tem uma fofoca na internet dizendo que ela separou, queria saber se é
verdade.
Ranellory sorriu para a irmã, enquanto mantinha a mão na maçaneta da
porta.
— Você anda vendo coisas da Júlia pela internet?
— Ando – responde Hadassa ao menear a cabeça.
— Eu não sei de nada. Ela não me disse nada. Por que não manda uma
mensagem pra ela? Afinal, ela é sua sogra.
— Não. É só uma curiosidade.
Hadassa ignorou o olhar analítico que a irmã lhe lançou, antes de sair do
quarto. Voltou a se deitar na cama, mas pegou o celular erguendo na altura
dos olhos. “Será que devo mandar uma mensagem?”
Capítulo 32
Júlia entrou no apartamento de Verônica aos risos, depois de uma
divertida noite em um restaurante e duas garrafas de vinho. Tirou o salto alto,
abandonando-o de qualquer jeito na sala e sentou-se em uma poltrona,
enxergando Verônica tirar o casaco que usava.
— Eu disse que seria uma boa sairmos – sorriu Verônica ao ir até o
aparador para pegar uma bebida. – Aposto que seria outra noite de choradeira
se não fizéssemos isso.
— Foi bom mesmo! Já fazia tempo que não tinha um momento
descontraído e divertido assim – anuiu Júlia. – Obrigada por me proporcionar
isso.
Verônica balançou a cabeça em sentido positivo, ainda encarando a atriz.
Desde que Júlia havia lhe confidenciado o termino do seu casamento,
semanas antes, tinham se tornado amigas próximas e o sentimento que nutria
pela ruiva, havia despertado outra vez. Sabia que não devia alimentar nada
em relação a ela, pois Júlia já tinha deixado mais que claro que estava
completamente apaixonada pela namorada da filha. Não trouxe à tona
questionamentos morais acerta da situação: apenas se predispôs em ser uma
boa ouvinte, mas sempre que havia uma brecha, insinuava, com alguma
brincadeira, que estava disponível para ela.
— Acho que preciso de um banho – falou ao deixar o copo de lado. –
Quer tomar um também?
— Preciso – sorriu Júlia. – Obrigada por ser essa pessoa maravilhosa que
está sendo!
— Agradeça fazendo uma strip-tease pra mim. E não vem falar que não
sabe dançar porque eu sei que teve aulas com um dos melhores professores
de dança do país.
— Não vou dizer que não sei dançar – sorriu Júlia. – Não está tocando a
música adequada para isso.
— Não seja por isso! Eu reviro o Spotify, Youtube, qualquer coisa! Qual o
nome da música?
— Besta! Eu vou tomar um banho também. Preciso relaxar um pouco.
— Já conhece o caminho do quarto de hospedes.
Júlia anuiu com um aceno e saiu da sala, carregando a bolsa em uma mão
e os sapatos em outra. Seguiu para o quarto com o qual já estava se
acostumando e deixou suas coisas sobre o recamier. Tirou a blusa devagar e
depois a calça. A cabeça estava concentrada nos últimos acontecimentos de
sua vida, de como Verônica a tinha ajudado naquele momento tão
complicado.
O celular vibrou com uma notificação, mas ignorou o chamado. Em
questão de segundos, outras cinco apareceram. Abriu uma das notificações
para ver que estavam marcando-a em uma foto de Monique Fraga no
Instagram. Abriu a foto e enxergou Alberto rindo, enquanto Denise
comemorava alguma coisa. A legenda da foto dizia apenas xeque-mate. Já
tinha dias que Alberto não lhe falava mais o que fazia e aonde ia, mas ver
uma foto dele, em um momento tão descontraído, fez seu coração acelerar.
Não era ciúme, era uma leve dor de perda, pois sabia que ele estava seguindo
com sua vida, da mesma forma como deveria fazer. Denise era uma mulher
linda, inteligente, bem sucedida. Se houvesse realmente alguma coisa entre
eles, como alguns comentários maldosos afirmavam, iria torcer para que
fossem felizes.
— Júlia – Verônica chamou do lado de fora do quarto.
— Entra.
— Oi – falou a atriz ao abrir a porta. – Está tudo bem?
— Já viu a foto, não é?
— Mariana acabou de me ligar e perguntou se você tinha visto e como
está.
— É estranho. Uma coisa é eu saber que ele vai seguir a vida, outra é ver
ele com Denise. Precisa ser com uma mulher tão inteligente como ela? A
criatura chefia todo um departamento de jornalismo. Me faz parecer um
patinho feio ao lado dela! Não podia ser uma novinha recém-saída da
universidade? Tem um monte de garotinhas assim que dariam tudo para ficar
com Alberto. Literalmente!
— Denise faz qualquer um parecer um patinho feio! Você já a viu falando
sobre economia? Eu não entendo metade do que aquela mulher fala! –
brincou Verônica. – Não sei nem o que é Selic!
— E uma época em que ela apresentava algo sobre política internacional?
Não lembro o nome do programa, mas ela falava cada coisa com uma
propriedade absurda! E ainda joga xadrez! Xadrez! E deu um xeque-mate em
Alberto! Eu não sei distinguir o valor de uma torre e um peão!
— Ela não é páreo para nenhuma mulher na face dessa terra.
— Não mesmo! – sorriu em meio a um suspiro. – Alberto sempre foi um
cara centrado, inteligente demais, seria estranho se ele estivesse com uma
mulher que não fosse à altura dele.
— Você não sabe se eles estão juntos – falou Verônica ao se sentar ao seu
lado. – Eles são bons amigos, já tinha me falado isso.
— Sempre foram, mas agora ele está solteiro, ela é viúva...
— Está com ciúmes?
— Não. Estranho, né? – sorriu Júlia ao se virar para Verônica. – Eu quero
que ele seja feliz, que encontre alguém que retribua à altura tudo o que ele
pode oferecer. Denise, com certeza, é essa mulher.
— Está tudo muito recente – observou a morena ao tirar uma mecha de
cabelo do rosto de Júlia. – Pode ser só um momento de jogatina, só isso.
— Pode ser. Se não for também, que seja incrível para eles.
— Sim. Acho que isso mais que prova que está na hora de você também
seguir adiante, não é?
— Sim. Eu vou seguir adiante. Não sei como vou fazer...
Júlia foi calada pelo beijo que Verônica depositou sobre seus lábios.
Ficou sem ação por alguns momentos, mas logo a mão foi para a sua cabeça,
ao mesmo tempo em que a puxava para mais perto de si. Os braços de
Verônica a envolveram e o beijo se tornou mais intenso, enquanto era deitada
na cama. A morena se afastou para fitar seus olhos.
— Seu beijo continua uma delícia!
— Você sabe que... Eu... Eu não posso te dar esperanças de algo real.
Eu... Hadassa ainda é muito presente.
— Eu sei. Que tal a gente esquecer do mundo essa noite? Só essa noite.
Júlia perscrutou o rosto de Verônica lentamente, enquanto sentia sua mão
acariciar sua coxa desnuda. Não podia mais ficar presa a fantasmas do
passado ou falsas ilusões. A morena sobre seu corpo era real, assim como
desejo que seu olhar expressava.
— Vamos esquecer de tudo essa noite – concordou ao buscar seus lábios
em um beijo.
Verônica acariciou todo o corpo sob o seu, enquanto as bocas
continuavam em uma intensa exploração. Por várias vezes havia imaginado
ter Júlia daquela forma, sem amarras ou medos e a sensação não era, nem de
perto, o que tinha idealizado. Devagar começou a se levantar, puxando para
que ela fizesse o mesmo. Entre passos incertos, seguiram para o seu próprio
quarto, e caíram na cama, ainda grudadas.
— Vem tomar um banho comigo? – convidou com os lábios ainda
grudados na pele de Júlia.
— Se for na hidro – a ruiva sorriu com malícia.
— Podemos começar por lá – concordou ao tirar seu sutiã deixando os
seios à mostra. Uma mão foi acariciá-los, mas se afastou para ajudar Júlia a
terminar de tirar sua camisa. Voltou a beijar os lábios, mas a boca desceu, em
seguida, para o colo e seios.
Júlia não conteve um gemido quando seu seio foi tomado pela boca
macia. A mão de Verônica foi para a calcinha, fazendo-a deslizar por suas
pernas. Ajudou a se livrar da pequena peça com os pés e novamente a morena
começou a se levantar, enquanto a puxava. As próprias mãos foram para o
fecho da calça que ela usava e fizeram uma curta trilha de roupas até o
banheiro. Verônica intentou se afastar para ir até a banheira, mas Júlia a
puxou de volta, guiando-a até o box. Soltou um gritinho quando a água
gelada bateu no corpo, mas o calor que a tomava fez com que esquecesse o
gelado em questão de segundos, enquanto a boca e mãos de Verônica a
acariciavam sem restrições. Soltou um gemido mais alto quando as caricias
foram para seu sexo em uma lenta e sensual masturbação. Se agarrou mais a
ela ao sentir dedos penetrá-la e gemeu em seu ouvido quando o ritmo se
tornou mais intenso. Curtiu a sensação prazerosa que a morena despertava em
seu corpo, mas sem conseguir se controlar por muito tempo, sentiu-se ficar
mole em seus braços, enquanto era guiada para um gozo.

Micaela entrou na sala, já procurando por Andrew com o olhar e o


enxergou no lugar costumeiro onde ficavam. Abriu um sorriso na sua direção
e seguiu para sua cadeira. Antes de sentar, se inclinou para depositar um beijo
em seu rosto, assustando o rapaz.
— O que foi?
— Ainda não me acostumei com esse jeito caloroso com que vocês,
brasileiros, cumprimentam.
— Devia! Já tem semanas que estudamos juntos e já fomos ao Louvre e
Versalhes, almoçamos juntos praticamente todos os dias.
— Sim, algum dia acostumo – sorriu sem graça. – Terminou de fazer os
exercícios? Os meus estão prontos.
— Fiz sim. Quero te falar uma coisa: no sábado é meu aniversário e vou
falar com kelly e Sabrina para irmos em algum Pub ou algo assim. Quero
muito que vá comigo.
— Eu vou sim.
— Hoje também tenho um descanso do outro curso. Topa fazer algo mais
tarde?
— O que?
— Não sei. Alguma coisa mais intima do que ficar andando entre turistas.
Algo só nós dois.
Andrew encarou a loira que esperava uma resposta com o sorriso
permanente no rosto. Já havia percebido que ela estava encantada com ele,
mas não poderia dar vazão a nada, sem antes terem uma conversa franca.
Queria adiar aquela conversa o máximo possível, mas já havia dispensado um
momento mais íntimo com Micaela antes, não poderia fazer aquilo
novamente.
— Vamos no meu apartamento? Posso fazer pipoca e assistimos um
filme. Prometo que não deixo queimar.
— No seu apartamento? – Micaela mordeu o lábio inferior. – Ok, mas
você sabe nós não vamos transar, não é?
— Sei – riu Andrew. – Isso é a coisa mais certa nesse momento. Eu quero
conversar algo com você.
— O que é?
— Quando estivermos no meu apartamento eu te falo.
— Tudo bem – respondeu Micaela com um suspiro. – Saiba que é muito
errado deixar uma pessoa curiosa!
Andrew sorriu em resposta e voltou a atenção para a professora que
acabava de entrar. Durante toda a manhã, Micaela tentou tirar alguma
informação de Andrew, acerca do misterioso assunto que ele queria tratar.
Algo que dizia que ele poderia se declarar a ela e havia uma dualidade em sua
mente. Gostaria muito de ouvir ele dizer que estava afim dela, mas, ao
mesmo tempo, sabia que tinha um relacionamento com Hadassa, e que devia
respeitar aquilo, mesmo que estivessem completamente distantes uma da
outra. Se ele realmente dissesse que estava gostando dela, teria que tomar
algumas decisões que não esperava fazer por telefone. Deu um discreto riso e
se recriminou por já estar armando todo um plano de ação por conjecturar
algo que nem poderia acontecer.
Como havia sido proposto, Micaela foi para o apartamento de Andrew
depois da aula. O rapaz indicou o sofá para que ela pudesse sentar e a loira
aproveitou o pouco momento em que ele foi até o quarto para dar uma volta
pelo lugar. Não era grande, mas trazia um ar de aconchego, com uma
decoração bem clean, combinando tons cinzentos e amadeirados. Um típico
espaço de um homem com bom gosto, deduziu.
Em questão de minutos, Andrew voltou para a sala e entregou um
cardápio para Micaela.
— Já quer escolher alguma coisa? Eles demoram meia hora para entregar,
mais ou menos.
— Pode ser. O que costuma pedir que é bom?
Andrew sentou-se ao lado de Micaela e apontou os pratos que sempre
pedia. Depois de dez minutos finalizaram o pedido com o restaurante e
Andrew colocou o telefone e o cardápio de lado, analisando a loira que
também fazia o mesmo com ele.
— Para de suspense, Drew! Não aguento isso! – bronqueou Micaela.
— Está certo. Eu não sei bem como começar esse assunto, geralmente é
mais fácil pra mim, até mesmo pelo local onde já estou inserido. Amigos,
família e pessoas próximas.
— Comece pelo começo – sorriu Micaela.
— Você é uma pessoa muito legal e que se tornou uma amiga aqui. Devo
dizer que é minha única amiga aqui. Não vim para Paris disposto a fazer
amizades.
— Percebi que seus amigos devem ser o entregador de comida e eu.
— Sim – sorriu Andrew. – Eu não quero perder sua amizade, pelo
contrário, eu quero levar para frente, além desse curso que estamos fazendo,
mas percebi que você gosta de mim mais que um amigo e para não correr o
risco de perder sua amizade, eu tenho que ser sincero com você.
Micaela assentiu com a cabeça, vendo todo o seu discurso ir embora.
— Você está me dando um fora? – perguntou com um riso. – Uau! Por
essa eu realmente não esperava!
— Não, não estou te dando um fora. Impossível qualquer homem não
querer uma mulher como você, mas eu respeito sua sexualidade.
— Eu fico com homens também. Eu não sou lésbica. Fico com quem eu
quiser. São as pessoas que me atraem, não o que elas carregam no meio das
pernas.
— Eu sei e acho maravilhoso que tenha uma cabeça aberta dessa forma.
Me facilita bastante.
— O que é então?
— Eu sou um homem transgênero.
Micaela olhou surpresa para Andrew. Jamais havia passado por sua
cabeça aquela possibilidade. Ficou por longos segundos observando-o,
tentando buscar algum traço feminino nele. Parou com a análise quando deu
por si que estava sendo uma tola.
— Uau! Se não me dissesse, jamais saberia! Quando você começou a
transição?
— Quando tinha dezessete anos.
— Ainda era bem novo!
— Sim. Desde criança nunca me sentia de acordo com o corpo que via no
espelho. Ainda tentei me adaptar à forma como era apresentado o mundo para
mim, mas nunca tinha visto sentido no que eu era. Eu olhava para o meu
corpo e odiava cada parte que enxergava dele. Aquele não era eu.
— Eu não tinha ninguém próximo que fosse trans para saber como é o
processo de transição. Pouco li a respeito também. Agora eu tenho você! –
sorriu a jovem. – Como é? Quero dizer, não quero parecer indelicada nem
nada disso, se eu falar alguma coisa que te incomode, me deixe saber, por
favor!
— Tudo bem pra você?
— Por que não estaria?
— Eu li a respeito do Brasil e ele figura na lista de países do ocidente que
é mais intolerante às questões transgêneros.
— Infelizmente o Brasil é muito atrasado nessa parte sim. Em todos os
níveis da comunidade LGBT – suspirou Micaela se adiantando para pegar a
mão de Andrew. – Mas eu não sou uma dessas pessoas. A única coisa que
vejo é um cara incrível e que achei que estava me dando um pé na bunda.
— Só se eu fosse louco!
— Você é um homem incrível, Andrew, divertido, carinhoso! Pode ter
certeza que absolutamente nada vai mudar entre nós – falou Micaela ao se
aproximar para abraçá-lo.
— Deixa isso entre nós, tá bom? O curso é apenas uma passagem na
minha vida. As pessoas de lá não precisam saber.
— Pode ficar tranquilo. Não vou contar a ninguém – afirmou ao se afastar
para enxergar seu rosto. Acariciou a barba cerrada lentamente, com as pontas
dos dedos, enquanto sentia Andrew puxá-la para seu colo. – Já que é o
momento de revelações, eu preciso fazer a minha. Eu achei, realmente, que
estava me dando um fora!
— Não vou fazer isso, mas só vou fazer qualquer coisa desde que você
tome a iniciativa. Não importa o tempo que eu tenha que esperar. Pode ser
também que não aconteça, mas... Quero pagar pra ver.
Micaela sorriu e envolveu as mãos pescoço de Andrew, ajeitando as
pernas no sofá para que ficasse melhor acomodada em seu colo. Deu um
beijo em seu rosto, do lado da boca e tornou a se afastar para encarar seus
olhos. Sorriu ao ver a ternura estampada nele, assim como devia estar em
seus próprios olhos. Foi a primeira vez que sentiu um aperto gostoso no peito,
as tais borboletas fazendo revoada em seu estômago. Foi a primeira vez que
entendeu o que era estar apaixonada.
Capítulo 33
Hadassa tirou o fone auricular depois de disparar o ultimo tiro contra o
alvo. O instrutor ao seu lado deu um sorriso positivo ao mesmo tempo em
que acionava o botão para trazer a folha para mais perto para se certificarem
do que já tinha visto a distância. Um tiro perfeito no tórax.
— Coração – falou Henrique ao tirar a folha do gancho. – Você manda
muito bem, Hadassa. Agora que irá frequentar aqui mais vezes, vai perceber
que só vai melhorar.
— Obrigada, Henrique. Terminamos por hoje, não é?
— Sim. Vou passar para Mário o que trabalhamos aqui, o desempenho
que teve no curso de segurança privada. Ele está bem ansioso que comece
logo.
— Amanhã já vou me apresentar na equipe de segurança da Flávia.
Minha colega teve uma complicação na gravidez, parece que é de risco,
precisa ser substituída imediatamente.
— Mário me falou, por isso pediu o treinamento atípico. Por mim já está
pronta.
— Obrigada Henrique! Nos vemos em breve!
Hadassa se despediu do homem e foi atrás da sua mochila e capacete e
saiu para o estacionamento atrás da moto. Montou e, antes que pudesse
suspender o apoio, o celular tocou. Pegou do bolso da mochila e enxergou
uma vídeo-chamada de Micaela.
— Oi linda – atendeu depois de tirar o capacete.
— Oi – sorriu a jovem. – Está na rua?
— Acabei de sair do treinamento. Como você está?
— Eu quero conversar com você... É um assunto delicado e... Quando
estiver em algum lugar tranquilo me liga? Vou ficar esperando sua chamada.
— Daqui ainda vou passar na empresa, depois na casa da Lucimara, para
pegar Isabela porque Ranellory saiu para procurar emprego hoje. Só vou ter
um tempo de privacidade mais tarde o que já pode ser madrugada aí pra você.
Já não quer falar? Está tranquilo aqui.
— Pode ser amanhã então, não quero...
— Amanhã eu já começo a trabalhar com a equipe de Flávia. O que é?
Você parece ansiosa – observou ao apoiar a mão esquerda no guidão.
— Tá. Bom, vamos lá – suspirou Micaela ao encarar Hadassa através da
tela. – Eu sei que eu deveria ter essa conversa pessoalmente, olho no olho,
mas eu não posso sair agora, no meio do curso e não quero fazer nada para te
magoar ou desrespeitar o que temos. Desculpa por ser assim.
Hadassa balançou a cabeça em sentido positivo, já deduzindo o que viria
a seguir. Se limitou a ficar em silêncio, esperando que Micaela concluísse.
— Eu... Eu acho que está na hora de denominarmos o que temos e depois
de algumas considerações, eu cheguei a um nome: amizade. Você é uma
pessoa maravilhosa, uma mulher incrível, mas... Eu... eu não...
— Você está terminando comigo – Hadassa ajudou.
— Eu não queria que fosse assim, mas as coisas mudaram aqui e eu... Eu
gosto muito de você, mas eu não posso continuar com um compromisso,
entende? Desculpa, acho que era pra ser mais fácil, mas nunca fiz isso antes.
— Você está indo bem – sorriu Hadassa ao coçar a cabeça. – Quando
começamos a ficar, eu já tinha uma ideia de que não poderia durar. Somos
pessoas diferentes, com realidades diferentes. Eu quis, de verdade, que desse
certo, mas acredito que seja o melhor para nós duas. Você sabe que não
estávamos bem.
— Verdade. Estávamos bem distantes nesse último mês. Não está brava
comigo, não é?
— Não – sorriu Hadassa. – Já tenho idade suficiente para encarar isso
com maturidade. Mas eu tenho uma pergunta, só uma.
— Ok, manda.
— Você já está com essa pessoa?
— Como assim? – perguntou Micaela com o coração disparado.
— Você disse que não quer desrespeitar o que tínhamos. Presumo que já
conheceu alguém.
— Sim. O nome dele é Andrew. Ele... Ele é um cara especial.
— Mesmo que eu esteja tranquila, não precisa elogiar ele pra mim. Há
um limite em relação a isso – brincou. – Você está feliz, Mic?
— Foge ao limite se eu disser que sim? – devolveu a brincadeira.
— Não. Eu quero seu melhor, só isso.
— Estou sim. Eu não fiquei com ele, tá? Só que o que eu estou sentindo é
intenso e não quero enterrar isso sem ter vivido. Não posso negar meus
sentimentos, jamais farei isso.
— Obrigada por não ter me colocado um adorno na cabeça – sorriu
Hadassa. – Foi muito bom enquanto durou, tudo o que posso lhe desejar é
que seja feliz com ele, que esse homem seja realmente o que espera.
— Obrigada. Foi bom mesmo, com toda a certeza você é uma pessoa da
qual guardarei boas lembranças. Mas olha, isso não é o fim da nossa amizade,
tá? Você é uma das pessoas que quero presente na minha vida e tenho certeza
que ainda teremos boas histórias no futuro. Adoro você, Isabela que tenho
paixão, Rane. Vocês fazem parte da minha vida.
— Você também das nossas. Se concentre nos seus estudos aí, não perca
o foco do que foi fazer aí.
— Pode deixar. Você se cuida, tá bom? Boa sorte no seu novo trabalho!
— Obrigada Mic. Até qualquer dia.
— Até.
Hadassa abaixou o telefone e ficou olhando a tela, que tinha se apagado
com o encerramento da vídeo-chamada. Apoiou os dois pés no chão e ficou
pensativa, por alguns minutos, no que tinha acabado de acontecer. Já havia
decidido que terminaria com Micaela quando ela retornasse ao Brasil, mas
não tinha passado pela cabeça que ela já estivesse com outra pessoa lá e que a
iniciativa do término partiria dela. Ponderou que tinha sido melhor pra ela,
uma vez que não precisaria mais fazer aquilo, mas pesou a forma fria e
distante com que tinham conversado. Era mais que uma prova que estavam
completamente desconectadas.
Depois de alguns minutos, Hadassa ligou a moto e tomou o caminho de
casa, ainda com a cabeça perdida em Micaela. Lembrava de tudo o que havia
acontecido entre elas, desde que havia a visto desde a primeira vez. Era um
filme e, como tal, chegava aos créditos finais. Tinha gostado, genuinamente,
de ficar com ela, mas a paixão, o amor, não havia chegado para ela como
esperava que acontecesse com o passar o tempo. A jovem era uma excelente
companhia, divertida, alegre, transparente e se davam bem na cama. Sempre
havia julgado que esses atributos seriam o suficiente para que conseguisse
desenrolar um romance com ela, mas a verdade, agora estampada em sua
cara, é tinha um carinho especial por ela, sempre lhe desejaria o melhor, mas
a paixão, essa havia ficado para outro membro da família, para Júlia,
justamente aquela que nunca poderia ter.
Já em casa, deixou a moto na garagem e seguiu a pé para a casa de
Lucimara, mãe de Rebeca, para pegar Isabela. Mesmo depois do falecimento
da esposa, mantinha bons laços com a família dela, e ficou por alguns
minutos conversando com a ex-sogra. Tinham chegado ao acordo que seria
ela que cuidaria de Isabela, caso os horários de Ranellory não batesse com os
seus, para receber a menina da escola. No período de férias, que já se
aproximava, ela também cuidaria da neta em tempo integral. Era bom para
ambas as partes: Isa ficaria mais tempo com a avó e ela ficaria descansada,
pois sabia que a filha estava em um lugar seguro.
— Já deixa sua mochila no quarto e banho! – anunciou assim que entrou
na sala de casa com Isabela.
— Ah mãe! Agora?! Agora não! Deixa eu ver o desenho primeiro!
— Não senhora! Depois você assiste. Sem fazer manha, hein?!
Isabela ainda reclamou por alguns minutos, mas logo obedeceu a mãe,
indo à contragosto para o quarto e depois banheiro. Hadassa conseguiu
desviar a mente de Micaela por algumas horas, enquanto cuidava da filha,
mas depois que ela jantou, a jovem voltou com força em sua cabeça,
enquanto tentava se concentrar em um desenho. Ranellory chegou tarde, pois
tinha passado para jantar na casa do noivo.
— Está tudo bem, Hada? – perguntou a jovem depois de perceber a
desatenção da irmã.
— Não muito – falou ao olhar para Isabela. – Ela terminou comigo.
— Micaela? – perguntou Ranellory apenas gesticulando com a boca.
Hadassa se limitou a assentir com a cabeça.
— Vou te mostrar os currículos que fiz hoje. Vem aqui no quarto.
Hadassa concordou com o pedido da irmã, conferiu Isabela, quietinha e
atenta a tela da televisão, e saiu da sala. Entrou no quarto e sentou-se sobre a
cama, com Ranellory fazendo o mesmo do seu lado.
— Como assim ela terminou com você?
— Terminou, Rane. Disse que conheceu um cara lá e está afim dele,
prefere ficar com ele.
— E como você está?
— Está estranho. É um termino de relacionamento, não tem como não se
sentir mal.
— Mas você já ia terminar com ela, não ia?
— Ia. Eu gosto da Mic, mas não se encaixou como deveria, ficou faltando
algo, não sei. De qualquer forma, é diferente quando a iniciativa parte da
outra pessoa. Sei lá, estranho.
— Vai ficar tudo bem – disse ao pegar sua mão. – Agora é hora de se
cuidar, cuidar desse coraçãozinho! Me promete que não vai atrás da Júlia?
Você não mandou aquela mensagem que falei pra mandar, não é?
— Não e não. Não tive coragem de mandar a mensagem. Ainda bem que
não mandei porque agora nem minha sogra ela é mais – riu sem graça. – Eu
não vou atrás da Júlia, não tenho lugar na vida dela. Nossas vidas são
diferentes.
— A questão nem é essa, mas entendo seu lado.
— Qual é a questão?
— Ela é Júlia, né? É casada, é sua ex-sogra. E sim, também tem uma vida
completamente diferente da nossa.
— Pois é. Ela continua falando com Isabela?
— Continua. Me mandou mensagem hoje perguntando se estava com ela,
mas falei que estava no Cris. Disse que liga amanhã.
— Talvez seja até bom começar a preparar Isabela para esse rompimento
com ela.
— Eu falo com ela, digo que nem sempre a Júlia pode ligar, que mudou
para outro estado. Ela já entende.
— Obrigada por fazer isso. Agora vou tomar um banho, amargar o fora
por essa noite e amanhã será um novo dia. Me dedicar a esse trabalho novo e
seguir adiante.
— Tenho certeza que fará isso muito bem.
Hadassa recebeu o abraço carinhoso da irmã e a viu sair do quarto. Pegou
o telefone e acessou uma foto de Micaela. Sorriu para a tela e suspirou fundo
com o leve aperto no peito. Como havia lhe dito, sempre desejaria o melhor à
jovem, que ela pudesse conquistar seu lugar no mundo, fosse com esse
homem ou qualquer outra pessoa. Micaela merecia a felicidade.

O táxi parou no endereço indicado e Micaela desceu apreensiva. Seguiu


para a portaria do prédio e olhou para o interfone e o número do apartamento
de Andrew. O coração estava disparado dentro do peito, uma sensação inédita
a ela. Apertou a campainha e esperou, por um minuto, até ouvir a voz do
rapaz.
— Oi Andrew. Micaela.
— Vou abrir pra você.
— Obrigada.
Andrew desligou o interfone e coçou a cabeça, rapidamente, antes de ir
para o quarto colocar uma calça e uma camisa. Estava curioso com a visita de
Micaela àquela hora da noite. Sabia que era, mais ou menos, o horário em
que ela estava saindo do curso de cosmetologia e não haviam se falado desde
a tarde. Desde que haviam tido a conversa em seu apartamento, haviam se
tornado mais íntimos, o que havia aumentado ainda mais o que sentia pela
jovem, mas que não expressava, por respeitar o fato dela ter uma namorada.
Aquela visita, naquela hora da noite, quebrava um padrão de comportamento
dela e abria brechas para conjecturas.
O barulho da campainha da porta tirou-o do devaneio e se adiantou para
abrir. Micaela entrou e o cumprimentou com seu, já familiar, beijo no rosto.
— Aconteceu alguma coisa? – perguntou ao ajudá-la a tirar o pesado
casaco de frio e indicar o sofá. – São nove e meia da noite.
— Eu sei que deveria avisar que vinha, mas preferi não. É um costume da
maioria dos brasileiros, aparecer sem avisar. Pode soar deselegante pra você,
mas preferi assim.
— Está tudo bem. É bom uma visita surpresa. Mas você teve um
propósito de fazer isso, não é?
— Tive – respondeu Micaela ao morder o lábio inferior. Encarou Andrew
por alguns segundos com apreensão e se levantou em seguida.
Andrew olhou curioso para Micaela, enquanto ela se posicionava na sua
frente. Sorriu quando ela tirou a blusa de lã, ficando apenas com a blusinha.
Se ajeitou no sofá quando ela se abaixou para tirar as botas, ainda com o
olhar fixo no seu. Coçou a cabeça e deu um discreto riso quando as mãos
foram para a calça, para abrir o cinto, o botão e zíper.
— Micaela... O que você está fazendo?
— Você me disse que só teria alguma atitude desde que eu tomasse a
iniciativa – respondeu ao se encaixar em seu colo. – Eu sou uma mulher
solteira agora.
— Você... Seu relacionamento...
— Não tem mais.
Andrew encarou os olhos azuis por alguns segundos, antes de encaixar a
mão em sua nuca, puxando-a para um beijo. Micaela envolveu as mãos no
seu pescoço, deixando-se levar pela forma intensa e ao mesmo tempo
carinhosa, com que ele a beijava. A sintonia dos lábios foi automática,
enquanto sentia-se se desmanchar em seus braços. Se afastou apenas para
tirar a blusa, permanecendo com o sutiã, e fez menção de tirar a camiseta de
Andrew que a interrompeu, se afastando para encarar seus olhos.
— Eu quero você demais, não tem ideia – falou ao acariciá-la. – Mas
temos que ter uma conversa antes, para que aconteça de uma maneira bacana
para nós dois.
— Ok – concordou Micaela ao depositar outro beijo em seus lábios. – Só
espero que não seja uma conversa longa porque estou com um tesão enorme!
O que é?
— Eu tenho algumas questões com meu corpo ainda. Ficar
completamente nu é uma delas.
— Eu procurei saber. Eu li matérias em que falavam da disforia. Isso não
é um problema pra mim, desde que não tenha problemas se eu ficar
completamente nua.
— Nenhum problema com isso – sorriu Andrew ao subir uma mão para o
seu seio. – Prefiro até. Eu já fiz a cirurgia dos seios, mas não a do sexo, que é
algo que eu não quero fazer. Porém eu não consigo me mostrar assim, leva
um tempo para que eu possa adquirir confiança em minha parceira e não
que...
— Está tudo bem, Andrew – falou Micaela ao colocar as duas mãos em
seu rosto, controlando o próprio tesão. – Talvez eu devesse ser mais delicada
com essa parte, fazer um ritual mais romântico, mas eu te quero tanto que
não... Não quero mais adiar. Eu já me segurei por muito tempo. Entenda uma
coisa: nós estamos na mesma sintonia. Eu sei exatamente como você é e eu
quero você exatamente como é. Eu vou ficar muito, muito agradecida que me
descontrua de tudo o que já vi até hoje, mas agora, nesse momento, eu só
quero você, fazer amor com você, saciar esse desejo que está me
consumindo!
— Você é muito especial, Micaela, é importante saber disso porque eu
também te quero muito e quero que seja especial – respondeu Andrew ao
tornar a beijá-la. Se afastou para fazer a camiseta sair por seus braços e a
abraçou, colando os lábios e peles, sentindo o calor contra o seu.
— É a minha primeira vez com um homem trans, então se eu fizer algo
que te desagrade, deixa eu saber. Me fale do que não gosta, de tocar você, por
exemplo. Eu quero que se sinta confortável comigo.
— Eu falo – concordou ao beijar seu pescoço.
Micaela correspondeu às caricias que se tornavam ousadas e começou a
soltar baixos gemidos quando os amassos se tornaram mais intensos. Andrew
se levantou e a fez ficar de pé, para tirar sua calça em seguida. A boca foi
para suas coxas, beijando sua pele e subiu para o sexo, mordiscando-a por
cima do tecido da calcinha. A continuação do trajeto foi sua barriga e depois
a protuberância dos seios, até alcançar sua boca novamente. A jovem tornou
a abraçá-lo, e sentiu suas mãos nas suas pernas, puxando-a para o seu colo.
As bocas continuaram sedentas, enquanto Andrew tomava a direção do
quarto.
Micaela sentiu o colchão em suas costas e a boca de Andrew descendo
por seu corpo, beijando-a de forma apaixonada. O sutiã que ainda usava foi
parar no chão, ao lado da cama e um gemido mais alto escapou dos seus
lábios, quanto os seios foram tomados entre beijos. As mãos foram para os
ombros largos e bem definidos de Andrew e ergueu a cabeça o suficiente para
enxergá-lo em uma descida pelo seu corpo. Teve certeza que, naquela noite,
havia encontrado o melhor ângulo dele.
Naquela noite, a jovem foi guiada a diversas emoções, todas inéditas. Não
era apenas o ato sexual em si, que julgou um dos melhores da sua vida, mas o
fato de que estar com Andrew ia além da pele, dos corpos suados. Era a
primeira vez que ia com alguém para a cama estando, de fato, apaixonada.
Sentia a mesma vibração vindo dele, o mesmo toque de carinho, cuidado,
amor; e a reciprocidade que experimentava era algo que não poderia colocar
em palavras. A ideia de ter encontrado o melhor ângulo de Andrew mudou
várias vezes: a primeira foi quando teve ele por cima de seu corpo,
penetrando-a de maneira tão gentil e precisa enquanto depositava beijos sobre
seu rosto. A segunda quando ela ficou por cima, e pode acariciar todo seu
tórax e observar o olhar de prazer que ele lhe lançava. A terceira quando
Andrew se sentou, encaixando-a no seu colo e pode ter a visão das suas
costas, suadas e avermelhadas das suas próprias unhas, no espelho no canto
do quarto. Desistiu de buscar seu melhor ângulo quando se aninhou em seus
braços, exausta, e encarou seus olhos, tão de perto, tão intensos, tão
verdadeiros e tão seus. Seria capaz de passar todos os dias de sua vida
descobrindo novos e melhores ângulos nele.
Micaela despertou com um despertador tocando em algum lugar do
quarto. Tentou se mexer, mas automaticamente sentiu o braço de Andrew em
sua cintura. O rapaz também se mexeu, acordando com o barulho.
Aproveitou para se encaixar mais nele, curtindo o calor do corpo
devidamente grudado no seu.
— Bom dia – murmurou em português ao sentir seus braços apertando-a
delicadamente e o beijo no pescoço.
— Você tem que falar em inglês – sussurrou Andrew.
— Desculpe! Nem percebi! – sorriu Micaela ao se virar para ficar de
frente a ele. – Bom dia!
— Bom dia – Andrew deu um beijo em seus lábios. – Está na hora de
irmos para o curso.
— Sim. Eu vou com você daqui. Já trouxe meus livros.
— Eu vou tomar um banho primeiro, depois você toma enquanto preparo
nosso café da manhã.
— Perfeito pra mim – sorriu a jovem.
Micaela deu outro beijo em Andrew e ficou observando-o sair da cama.
As costas ainda tinham algumas marcas das suas unhas e mordeu o lábio
inferior quando lembrou da onda de emoções que havia sentido em seus
braços por toda a noite. Assim que ele sumiu no banheiro, deitou-se na cama,
olhando para o teto, com a mente perdida. Estava conjeturando sobre o futuro
e o que fariam quando acabasse aquele último mês de curso. De uma coisa
tinha certeza: iria para onde Andrew fosse, desde que ele quisesse ficar com
ela.
Capítulo 34
Oito meses depois...

Júlia entrou no escritório do advogado acompanhada de Mariana. Deu um


abraço em Alberto, que já a esperava com seu próprio advogado. Aquele era
o momento pelo qual estivera temendo o tempo todo e agora que acontecia,
parecia ser a coisa mais sensata que estava fazendo em sua vida. A secretária
os guiou para a sala e sentaram-se para tratar do divórcio.
— Bom dia senhores – cumprimentou seu Guilherme, advogado de Júlia.
– Bom, acredito que não teremos surpresas nesse processo, não é?
— Não, nenhuma – respondeu Alberto ao sorrir para Júlia.
— Nenhuma – concordou a atriz.
— Eu trouxe a relação dos bens e a divisão que ambos acordaram – disse
Felipe, advogado de Alberto. – Estando tudo de acordo, só assinar e esperar a
averbação ser expedida.
— Eu vou ler. Alguma coisa que já quer pontuar, Júlia? – Guilherme
perguntou para sua cliente.
— Não. Eu conversei com Alberto ontem, tudo o que está no documento
foi acordado entre nós dois.
— Vocês casaram com comunhão de bens. Eu vou fazer a leitura e
conversamos sobre o que está aqui.
Júlia anuiu com a cabeça e ficou olhando para Alberto, enquanto esperava
o advogado terminar a leitura do termo de acordo do divórcio. Em sua cabeça
passavam as lembranças desde o dia em que havia contado a ele que estava
apaixonada por Hadassa. Fora oito meses antes, quando ainda estava fazendo
a gravação da novela. Havia pedido que o divórcio saísse depois desse
período, pois estaria de férias, o que foi acatado pelo ex-marido. Durante os
dois meses seguintes tinham dividido o mesmo apartamento no Rio, mas
depois Alberto havia alugado um outro apartamento para ele, e desde então
haviam firmado uma grande amizade. Tinham contado para Micaela quando
a jovem entrou em contato, informando que iria de Paris para Estocolmo. A
filha reagiu bem, incentivando os dois a buscarem seus próprios caminhos.
Tinha ficado com receio da sua reação, mas pode perceber, claramente, que
sua filha era outra pessoa. Foi naquele momento também que soube que ela e
Hadassa não estavam mais juntas e que a filha já estava namorando com
outro rapaz. Por conta da presença de Alberto, não pode expressar nenhuma
emoção, mas assim que ele fora embora, ligou para Hadassa, mas seu número
só dava caixa postal. Quando questionou Ranellory, a jovem tinha informado
que a irmã tinha perdido o celular e trocado de número. Perguntou qual fora a
reação de Hadassa com o termino do namoro e a resposta não foi a melhor:
segundo a jovem, a irmã tinha ficado mal por uma semana, mas seguiu
adiante e agora estava namorando uma mulher chamada Naiane. Júlia
agradeceu as informações e ainda conversou com Isabela por alguns minutos,
antes que a menina a dispensasse para ir brincar com Floquinho. Desistiu de
pedir o novo número de Hadassa com aquela informação. Ela já estava com
outra mulher e nem sequer tinha entrado em contato com ela para falar do
término com Micaela. Sabia que ela estava tomando uma decisão acertada e
cabia a ela fazer a mesma coisa. Foi a última vez que teve notícias de
Hadassa e a segurança se tornou uma lembrança, um momento em sua vida,
como outras que haviam ficado no passado.
Por outro lado, Verônica tinha se tornando uma companhia constante e
prazerosa. Ficavam sempre que podiam, no seu apartamento ou no dela, mas
não haviam dado um nome ao relacionamento. Como a morena costumava
dizer, era uma amizade com benefícios. A mente voltou para o presente
quando escutou seu nome sendo chamado.
— Oi, desculpa. O que disse?
— Está tudo bem, Jú? – perguntou Alberto.
— Está sim, estava distraída. O que foi Guilherme?
— Está de acordo em abrir mão da pensão?
— Sim. Não tem sentido Alberto me pagar qualquer coisa, eu ganho mais
que o suficiente para manter meu estilo de vida.
— Só que você vai passar a arcar sozinha com alguns custos como as
propriedades que ficou com você.
— Não tem problema quanto a isso. Já conversei com Alberto que não
vou mantê-las. Falei com Micaela também e ela está de acordo com a venda.
— Ok então. Está tudo certo de nossa parte – determinou Guilherme. –
Vamos proceder com a assinatura e...
Júlia outra vez se desligou quando passaram a tratar de questões jurídicas.
Tinha terminado de gravar a novela, dois dias antes e iria voltar para casa
naquela noite, lugar que havia perdido completamente o sentido para ela.
Micaela havia se mudado para Estocolmo, definitivamente, Alberto iria fixar
residência no Rio, junto com Denise, com quem pretendia se casar. Já tinha
seis meses que estavam juntos, mas só iriam oficializar a relação depois que
saísse o divórcio, assim poderiam confirmar na mídia o que já era sussurrado
pelos bastidores da televisão. Sentia que a vida de cada um tinha andado,
enquanto ela havia ficado parada em uma esquina qualquer. Já havia decidido
que depois que terminasse os compromissos com o fim da novela, iria sair em
uma viagem, passar algum tempo na Europa, talvez fixar residência por
algum tempo nos Estados Unidos. Precisava, urgentemente, de novos ares.
— Só assinar aqui, Júlia – apontou o advogado.
A atriz pegou a caneta que lhe era direcionada e assinou nos lugares
apontados. Estendeu a mão para Alberto, através da mesa, que foi
imediatamente recebida pelo jornalista. Deu um sorriso na sua direção e não
conteve uma lágrima solitária de rolar pelo rosto. Era o definitivo fim de uma
história de mais de vinte anos. Alberto levantou da cadeira e deu a volta na
mesa, puxando Júlia para um abraço.
— Está tudo bem? – perguntou ao se afastar para enxergar seu rosto.
— Sim. É só... Eu quero que você seja feliz, tá bom? Denise é uma
mulher de muita sorte, espero que ela saiba disso.
— Você também vai encontrar alguém especial, tenho certeza disso –
sorriu Aberto. – Nós vamos ficar bem.
Júlia anuiu e se virou para o advogado, perguntando se já tinham
terminado ali. Se despediu dos homens presentes e ainda deu um último beijo
no rosto de Alberto, antes de sair da sala e já encontrar Mariana a esperando.
Colocou os óculos escuros e tomou a direção do elevador, sendo seguida pela
sua assistente. Assim que estraram no carro, na garagem, delegou suas
funções naquele dia.
— Entra em contato com Júlia Almeida para que ela possa dar a notícia
do divórcio no site da revista. Já está tudo preparado para a viagem hoje?
Quero chegar em casa antes da meia noite.
— Chegará – afirmou Mariana. – Nosso voo ficou para as sete da noite.
— Ótimo. Já verifique um corretor imobiliário para ir fazer a avaliação da
casa essa semana. Não preciso mais dela. Já veja também um apartamento
menor, mas aconchegante para que eu possa me mudar para ele. Acho que o
mesmo corretor pode fazer as duas coisas.
— Acho que sim. Sua agenda de amanhã é uma entrevista de manhã,
depois tem a gravação do comercial do banco à tarde e à noite é o jantar
beneficente de Henriqueta. Se quiser, posso desmarcar esse último. Pode ser
um tumulto depois que a notícia do divórcio sair.
— Não precisa. Eu preciso ver gente, espairecer a cabeça. Veja também
alguns roteiros de viagem para a Europa. Vou primeiro para Estocolmo, para
ver Micaela, depois algum lugar mais ao sul, Grécia, Espanha ou Itália.
Preciso passar um tempo longe do Brasil.
— Eu vejo e te passo. Já tem uma data para ir?
— Quando encerra meus compromissos?
— Daqui vinte dias.
— Depois desse período. Já veja como está meu visto americano também.
Quero passar um tempo mais longo nos Estados Unidos. Bem provável que
ficarei morando um tempo em Miami.
— Está certo. Como você está?
— Um sentimento de vazio. Cada um seguiu sua vida. Alberto está com
Denise, Micaela com Andrew e eu fiquei no mesmo lugar, sem andar para
frente.
— E Verônica?
— Ela é especial, mas não é alguém que vai ficar, eu tenho consciência
disso. Ela disse que volta para Portugal em duas semanas.
— As coisas irão se arrumar para você também, Júlia. Só dar o tempo de
isso acontecer.
— Vai sim – concordou, sem entusiasmo.
A volta para casa aconteceu sem nenhum incidente. Assim que entrou na
enorme residência, cumprimentou os poucos funcionários que foram
chamados de volta, vez que por estar somente ela ali, não precisaria mais de
toda a equipe que tinha, um ano e meio antes. Subiu para o quarto e olhou
para o espaço imaculado, como se não tivesse passado tanto tempo longe
dali. Deu um sorriso triste ao constatar que até seu aposento havia parado no
tempo.

O relógio marcava seis horas da manhã quando Hadassa terminou de se


arrumar para o trabalho. Conferiu o cabelo preso em um rabo de cavalo,
perfeitamente alinhado e se adiantou para dar um leve beijo nos lábios da
mulher que observava, da cama, sua movimentação pelo quarto.
— Te encontro daqui a pouco – sorriu ao beijá-la novamente.
— Até daqui a pouco – assentiu a loira.
Hadassa saiu do apartamento e desceu até a garagem para pegar o carro,
que havia comprado meses antes. Deu partida e saiu para a rua, ainda sem
trânsito pesado, tomando a direção da casa do prefeito. Assim que parou o
veículo na sua vaga, desceu e se adiantou para cumprimentar os colegas que
já haviam chegado. A equipe de segurança era grande, visto que além do seu
próprio time, que trabalhava diretamente para Flávia, também tinham
seguranças do prefeito e de sua filha, Raíssa. Com meia hora, Jaime, o
prefeito, apareceu e os cumprimentou, já de saída para o gabinete. Uma hora
depois foi a vez de Flávia aparecer.
— Bom dia, meninos e meninas! – cumprimentou a mulher que não
aparentava seus cinquenta e nove anos. – Agora de manhã eu tenho uma
reunião com a secretária de educação, depois Bianca termina de passar minha
agenda. Alguém viu se ela já chegou?
— Não senhora – respondeu Hadassa polidamente.
— Bom, ela nos encontra lá. Podemos ir?
Hadassa assentiu com a cabeça e abriu a porta do carro para que ela
pudesse entrar. Do outro lado, outro segurança sentou-se no banco do carona
e Hadassa deu a volta no veículo entrando pela outra porta para sentar ao lado
de Flávia. O caminho até o local onde a reunião iria acontecer durou meia
hora. Assim que o carro parou na garagem, Hadassa desceu com Lucas, o
outro segurança, observando todo o espaço para que Flávia pudesse descer
em segurança. Com uma palavra de Lucas, a loira desceu, indo para o
elevador.
No saguão, Hadassa acompanhou, com pouca distância, Flávia
cumprimentar as pessoas com uma cordialidade inabalável. Era uma figura
pública exercendo sua diplomacia. Não havia uma pessoa, de faxineiros a
chefes de gabinetes, que a loira não era educada. Fora moldada, por anos,
para aquilo, para ganhar votos para o marido apenas sorrindo. Bianca chegou
depois de dez minutos e se adiantou para falar com a chefe. Depois de
alinhado as demandas do dia, se afastou para que ela pudesse dar início à
reunião.
— Olá Hadassa – falou baixinho ao parar ao lado da segurança. – Já faz
tanto tempo!
— Quase quatro horas. Tempo demais – respondeu Hadassa também
baixinho, sem deixar de prestar atenção no que estava acontecendo na sala e
nas pessoas presentes.
— Hoje tem um evento à noite, um jantar beneficente que Flávia tem que
ir para marcar presença. Ela quer apenas uma segurança com ela dentro do
salão. Posso marcar para você ir? Depois podemos ir para o meu apartamento
de novo.
— Estou à disposição de qualquer membro da prefeitura.
Bianca suprimiu um sorriso e permaneceu observando Flávia, enquanto
as horas corriam no relógio. Hadassa passou o dia acompanhando os
compromissos, mas sempre com discretas trocas de olhares com Bianca. A
jovem de vinte e oito anos era assessora de Flávia e haviam começado a ficar
uma semana antes. Já conhecia Bianca desde que havia começado a trabalhar
na equipe, mas ela era comprometida com uma mulher, que também
trabalhava no gabinete. Com o rompimento da relação que ela mantinha, a
aproximação das duas foi natural. Era a terceira vez que dormia no seu
apartamento e estava gostando, genuinamente, de ficar com ela.
Quando o relógio marcou quatro horas da tarde, Flávia voltou para casa e
Hadassa foi dispensada para que pudesse se arrumar para o evento da noite.
Assim que abriu a porta, Floquinho a recebeu, pulando em suas pernas e
depois de fazer um rápido carinho no cachorro, foi para a cozinha pegar um
copo de água. De volta a sala, sentou-se no sofá e ficou zapeando a televisão,
até dar a hora de ir pegar Isabela na casa da avó. Estava passando por um
programa de fofocas quando um nome chamou sua atenção. Parou, com o
coração disparado, e viu o nome de Júlia Albuquerque na tela exibido junto
com sua foto.
“A atriz confirmou em suas redes sociais a separação do jornalista
Alberto Caloni. Segundo sua assessora, o rompimento não é de hoje. Os dois
não moravam juntos mais, já tem um tempo, mas o divórcio foi assinado hoje
de manhã...”
Hadassa continuou assistindo a matéria, mas a mente já não estava mais
ali, viajou para o passado, na última vez que tinha visto Júlia pessoalmente,
na despedida. Já fazia quase um ano e desde aquele dia tinha lutado para
esquecê-la, o que conseguia fazer quando não escutava seu nome. Até mesmo
a novela que ela protagonizava não assistia. Tinha conseguido um bom
trabalho em se manter longe.
Hadassa desligou a televisão e foi para o quarto, tomar um banho. A
notícia que Júlia havia se divorciado ainda martelava na sua cabeça e tentou
afastar sua lembrança colocando Bianca no lugar, falhando miseravelmente
no intuito. A imagem de Júlia a acompanhou até o momento em que voltou
para a casa do prefeito, para fazer a segurança de Flávia naquela noite.
O local do jantar beneficente foi em restaurante conceituado da cidade.
Júlia desceu do carro na frente do local e logo os fotógrafos se viraram para
ela. Sorriu para as lentes e respondeu às perguntas de um repórter,
reafirmando que o rompimento com Alberto fora tranquilo e sem nenhum
mal-entendido. Agradeceu e entrou no restaurante, sendo recepcionada por
uma simpática hostess que a guiou até Henriqueta, sua anfitriã.
— Júlia, querida! Achei que nem viria hoje!
— Não tenho motivos para perder um evento como esse – sorriu em
resposta. – Está tudo muito bonito! Parabéns pela organização!
— Obrigada querida! Eu te coloquei na minha mesa, junto com algumas
pessoas bem influentes. Tenho certeza que se sentirá confortável.
— Obrigada!
— É aquela na frente do palco. Fique à vontade!
Júlia agradeceu e pegou um champanhe que um garçom lhe oferecia e
saiu para fazer a social, indo conversar com algumas pessoas conhecidas.
Mascarou suas feições, dando o seu melhor para ser uma companhia
agradável.
Hadassa desceu do carro e observou rapidamente ao redor, antes que
Flávia descesse. A primeira-dama seguiu direto para dentro do restaurante e
manteve distância enquanto ela cumprimentava os presentes. Ficou
observando o espaço e as pessoas que se aproximavam de sua chefe. Bianca,
que estava ao lado de Flávia, acenou para que ela se aproximasse.
— Qual o problema?
— Tem dois radicais da oposição presente – falou discretamente. – O
homem à sua direita, de gravata azul e a mulher de tailleur vermelho.
Hadassa rapidamente localizou as pessoas que Bianca apontava e se
manteve mais próxima de Flávia. Estava dando outra olhada pelo salão
quando a primeira-dama se aproximou de uma loira que estava de costas em
uma roda, e que captava a atenção dos presentes, interessados na sua
narrativa.
— Júlia Albuquerque! – falou em alto e bom tom, fazendo Hadassa
congelar. – Tanto tempo!
Júlia se virou para cumprimentar quem a chamava, mas as palavras
morreram na boca ao dar de cara com Hadassa mais afastada de Flávia.
Tentou falar algo, mas nada vinha em mente. Os olhos verdes também a
encaravam sem desviar, exibindo a surpresa de vê-la.
— Oi... Eu... Hadassa...
Capítulo 35
— Você já conhece minha segurança? – perguntou Flávia, mantendo o
sorriso no rosto e se virando para enxergar Hadassa.
— Conheço, eu... – balbuciou Júlia ao olhar para a segurança e depois
Flávia. Respirou fundo para se recompor da surpresa. – Conheço. Ela foi
segurança de minha filha, Micaela. Como vai Hadassa?
— Bem, senhora Júlia. E você?
— Bem... – respondeu ainda perdida nos olhos verdes. – Que rudeza a
minha, Flávia, me perdoe! – Júlia se virou para a primeira dama. – Como vai?
— Tudo bem, graças a Deus. Eu vi sua declaração de que se separou de
Alberto? Como deixou um homem como ele escapar?
— Ah, não estávamos mais na mesma sintonia – respondeu ao procurar
Hadassa com o olhar. – Ele também já está namorando com outra mulher,
possuem até planos de se casarem. É um grande amigo.
— É bom quando não termina em inimizade – falou Flávia também
virando o rosto para enxergar Hadassa rapidamente. – Vamos nos sentar um
pouco? Muitos compromissos hoje, estou com os pés inchados de ficar em
pé.
— Claro – sorriu Júlia.
A atriz se afastou ao lado de Flávia, mas ainda virou a cabeça para
enxergar Hadassa uma última vez. A morena também acompanhava seus
passos com o olhar até ser tirada do seu momento estático por Bianca.
— O que foi isso?
— Ah... Fazia muito tempo que não via Júlia. Desde que ela foi morar no
Rio.
— Essa troca de olhares não foi de alguém que acabou de reencontrar um
funcionário – respondeu Bianca ao se virar para Hadassa. – Você já teve algo
com ela?
— Não.
Bianca balançou a cabeça em sentido positivo e ainda analisou Hadassa
atentamente antes de se afastar para perto da mesa. A segurança fez a mesma
coisa, mas parou mais distante, em um canto do restaurante de onde tinha um
bom ângulo de visão da mesa, da sua contratante e, principalmente, de Júlia.
Se lembrava de quando ela havia lhe dito que assim que terminasse a novela
voltaria para o seu tom natural de cabelo e lhe parecia que ela estava mais
linda do que se lembrava. O sorriso permanente no rosto, a forma delicada
com que se movia. Por várias vezes a enxergou olhando na sua direção
também: era um olhar saudoso.
Júlia tentou manter a conversa com Flávia, mas respondia aleatoriamente
suas perguntas, não contribuindo com o diálogo. Olhar para Hadassa parecia
um imã: o terninho preto caindo como uma luva em seu corpo, a forma como
ela retribuía seu olhar. Tudo o que havia abjurado voltou com intensidade ao
revisitar os antigos desejos. Acreditava, piamente, que não voltariam a se
encontrar, e tê-la na sua frente gerava uma confusão de pensamentos. Não
tinha noção de que ela ainda fazia seu coração disparar na intensidade com
que batia dentro do peito.
— O que me diz, querida? – perguntou Flávia ao tocar seu braço, tirando-
a de seu devaneio.
— Desculpe! Não escutei. Eu preciso conversar uma coisa com Hadassa
– anunciou Júlia sem nem ter noção do que Flávia falara. – Posso roubá-la
por uns minutos?
— Claro. Estamos bem seguros aqui dentro – sorriu Flávia percebendo
que a atenção de Júlia estava toda em Hadassa.
— Obrigada.
Bianca observou Júlia se levantar e caminhar até Hadassa, enciumada
com aquele comportamento estranho das duas. Tinha quase certeza que ali
tinha muito mais coisas do que ser apenas um encontro casual de uma antiga
contratante e sua funcionária.
— Vamos conversar por um minuto? – pediu Júlia ao se aproximar da
segurança.
— Vamos, mas eu não posso sair daqui agora.
— Eu já falei com Flávia, é só por alguns minutos.
— Claro. Por aqui.
Hadassa indicou um corredor lateral e Júlia seguiu por ele, até dar em
uma porta de incêndio. A segurança abriu e logo estavam em um pequeno
jardim, que a atriz deduziu ser usado pelos funcionários do local.
— Eu fiquei com tanta...
— Só um minuto, Júlia – pediu Hadassa ao pegar o fone que estava em
sua orelha esquerda e acionar o comunicador. – Vou me desconectar por
alguns minutos, Lucas. Flávia está dentro do salão principal.
Após ouvir a confirmação do colega, Hadassa abriu o blazer do terno para
desligar o comunicador preso na cintura, encarando a atriz à sua frente. Não
se conteve e se adiantou para dar um abraço na loira.
— Quanto tempo!
— Nem me fala! – respondeu Júlia envolvendo-a com os braços. Beijou
seu rosto e pescoço, sentindo Hadassa fazer o mesmo – Eu senti tanto a sua
falta! Por que não entrou em contato comigo quando você e Micaela
terminaram?! Nesse tempo todo!
— Porque você ainda estava casada, também não podia terminar com
Micaela em um dia e ir correndo atrás de você no outro. Acreditei estava
casada até hoje à tarde, quando vi a notícia da separação na tv.
— Quando Micaela me ligou, falando que ia para Estocolmo, ela me
disse que não estavam mais juntas, tentei te ligar, mas Rane disse que seu
número tinha mudado, que já estava com Naiane, não quis parecer invasiva,
então...
— Que Naiane? – perguntou Hadassa confusa ao se afastar para enxergar
seus olhos.
— Sua namorada. Acho que foi esse o nome que Rane me passou. Pode
ser que seja Natali também, já tem meses.
— Não tenho namorada, Júlia. Eu não fiquei com ninguém depois que
Micaela terminou comigo. Não namorei com ninguém. Quer dizer, estou
ficando agora, mas começamos semana passada.
— Ranellory disse que estava com essa garota, optei por não pedir seu
novo número já que estava seguindo a vida. Não queria trazer algum tipo de
confusão para sua cabeça.
— Me conta essa história direito, de onde Ranellory tirou uma namorada
pra mim?!
— Depois, agora não – pediu Júlia voltando a abraçá-la. – Achei que
nunca mais ia te ver!
Hadassa optou por seguir o pedido de Júlia, mas guardou aquela
informação para que pudesse tirar a limpo depois. Apertou-a em seus braços,
se entorpecendo com o perfume que a inebriava. Tinha a nítida sensação de
que tinha sido transportada para um ano antes e não havia uma lacuna de
tempo tão grande as separando.
— Você voltou para casa ou está somente de visita?
— Voltei. Cheguei ontem à noite.
— Está sozinha?
— Sim.
— Está com alguém?
— Não. Vai em casa depois daqui, quando terminar seu trabalho. Eu
quero conversar com você com maior liberdade. Acho que algumas coisas
ficaram aberta entre nós.
— Eu vou – concordou Hadassa. – Depois que deixar Flávia em casa ou
amanhã cedo. Quando for melhor.
— Eu vou te esperar, ainda essa noite.
Júlia se afastou para encarar os olhos verdes e deu um sorriso na sua
direção. Deixou seu rosto roçar no da segurança e apoiou a testa contra a
dela, curtindo a sensação de ter seus braços envolvendo seu corpo outra vez.
Intentou dar um beijo em seus lábios, mas o barulho da porta sendo aberta fez
com que se afastasse de Hadassa rapidamente. Olhou para o funcionário que
tirava um cigarro do maço, sem nem notar a presença delas no canto.
— Eu tenho que voltar, mas eu vou te esperar em casa. Quando Flávia
sair, eu já saio também.
— Será o tempo de deixá-la.
Júlia assentiu com um sorriso e ainda encarou Hadassa por alguns
segundos antes de se afastar. Só então o funcionário do lugar se deu conta da
presença delas.
— Desculpe, achei que não tinha ninguém aqui.
— Está tudo bem – sorriu Júlia ao puxar a porta. – Obrigada pela
conversa, Hadassa.
A segurança anuiu e segurou a porta para a passagem de Júlia. Seguiu a
atriz de volta ao salão principal e tornou a ligar o comunicador, ao parar no
mesmo lugar de antes, conferindo que Flávia estava conversando com a
anfitriã do evento. Bianca estava perto dela, mas assim que Júlia se
aproximou da primeira-dama, ela se afastou indo em sua direção.
— Não é nada, não é?
— Apenas conversamos.
— Não é o que diz o perfume dela em sua roupa – respondeu ao se virar
para parar ao lado de Hadassa. Balançou a cabeça em sentido negativo ao ver
a pequena marca de batom perto da gola da sua camisa. – Ou essa marca de
batom no seu pescoço.
Hadassa fechou os olhos rapidamente, antes de levar a mão ao pescoço,
no lugar onde Júlia a havia beijado. Não se atreveu a perguntar a Bianca se a
mancha tinha saído.
— Desculpe, eu... Eu vou te falar o que acontece entre Júlia e eu, mas
aqui não é o lugar.
— Acho que nem precisa, não é?
— Eu não fiquei com ela. Mas eu tenho sim sentimentos por ela, estavam
adormecidos, mas...
— E você fala como se fosse a coisa mais natural do mundo!
— É inevitável. Algo sem controle.
— Eu não sou obrigada a ouvir isso! – bufou Bianca. – Nem invente de
aparecer na minha casa mais!
Hadassa suspirou fundo ao ver Bianca bater em retirada. A assessora foi
até Flávia e a puxou de lado rapidamente, informando que não estava
passando bem e que iria embora. A loira apenas perguntou se poderia fazer
algo para ajudar e a dispensou. Olhou para Júlia, parada mais à frente
conversando com uma amiga e pediu licença, indo falar com Hadassa.
— Bom, não preciso perguntar o que aconteceu porque está bem claro –
disse Flávia ao parar ao lado de Hadassa. – Me diz que eu vou ler em uma
fofoca amanhã que minha segurança transa com Júlia Albuquerque? Te dou
uma excelente bonificação se fizer isso acontecer!
— Desculpe, senhora, mas acredito que está equivocada.
— Sei. Estou só brincando! Porém Bianca ir embora enciumada, do jeito
que estava, me diz algumas coisas.
— Me desculpe por esse transtorno.
— Eu sei que vocês transam. Não precisa ficar constrangida. Eu sei
exatamente o que acontece dentro da minha equipe. Tire cinco minutos e vá
até o banheiro limpar essa mancha de batom.
Hadassa assentiu, sentindo o rosto queimar. Assim que Flávia se afastou,
tomou a direção do banheiro e parou na frente do espelho, procurando a
marca. Quase não percebeu ela, de tão pequena. Pegou um papel e umedeceu,
passando no pescoço em seguida. Apoiou as mãos na bancada de mármore e
respirou fundo. “Se controla, se controla”
O restante do jantar passou com uma Hadassa mais atenta a Júlia do que a
mulher que deveria proteger naquela noite. Por diversas vezes seus olhos se
cruzaram e pode ver um olhar ansioso para que o evento terminasse logo, ou
que Flávia já fosse embora. Era uma prece que ela também fazia, e que só foi
atendida depois da meia noite. Esperou que a primeira-dama se despedir da
maioria dos presentes e a acompanhou até o carro. Com meia hora já tinha
terminado seu trabalho naquela noite. Foi até o carro e o ligou, tomando a
direção da própria casa.
Assim que parou o carro na garagem, Floquinho começou a latir do
portão lateral e só parou quando deu uma bronca nele. A casa estava
silenciosa e tirou a arma e o coldre e levou para o próprio quarto, colocando
em cima do guarda-roupas, em um lugar onde Isabela não alcançaria. Tornou
a sair do quarto e seguiu direto para o aposento da irmã. Deu duas batidas na
porta, antes de testar a fechadura.
— Oi Hada, algum problema? – perguntou Ranellory sonolenta.
— Quem é Naiane?
— Quem?
— Naiane – repetiu ao acender a luz.
— Não sei, não conheço nenhuma Naiane. Por que?
— Eu também não conheço. Nunca conheci nenhuma Naiane. Eu
encontrei com Júlia hoje e ela me disse que falou para ela que eu estava
namorando com uma Naiane. O que foi isso, Rane?
— Você encontrou com Júlia? – perguntou Ranellory sentando na cama.
– Onde você encontrou com ela?
— Por que você disse pra ela que eu estava namorando quando ela ligou,
depois que Micaela terminou?
— Porque você precisava seguir adiante, porque nunca ia se livrar da
confusão que estava sentindo se ela não se afastasse da sua vida!
— Estou indo me encontrar com ela agora, mas amanhã nós vamos
conversar seriamente sobre isso!
— Hada, eu só fiz isso pelo seu bem! Ela é uma mulher casada, você
tinha acabado de terminar um relacionamento com a filha dela! Acorda!
— Você não tem o direito de interferir na minha vida dessa forma! Mas
eu não vou discutir isso agora. Amanhã nós conversamos!
— Você vai passar a noite fora?
— Eu vou encontrar Júlia agora.
— Amanhã eu tenho que sair cedo para o trabalho, não tenho como
colocar Isa pra ir pra escola.
— Não tem problema – respondeu Hadassa encarando a irmã. – Eu cuido
da minha filha.
Hadassa seguiu para o quarto de Isabela e pegou sua mochila do canto.
Abriu o guarda-roupa, pegou uma troca de roupas da filha e guardou.
Ranellory a observava da porta.
— O que está fazendo, Hadassa?!
— Vou levar Isabela para casa da Júlia comigo – respondeu ao pegar um
tênis e chinelo guardando também.
— Você perdeu o juízo?! Vai tirar sua filha da cama uma hora dessas só
para ir transar com uma mulher?!
— É você que perdeu a cabeça, Rane! Eu não quero mesmo entender isso
agora, mas amanhã nós vamos conversar! Na hora que te mandei mensagem,
de que ia dormir na Bianca estava tudo certo e agora você tem que sair cedo?!
Qual o seu problema com Júlia?
— É melhor conversarmos amanhã mesmo. Está transtornada! Deixa
Isabela dormindo, eu cuido dela!
— Não, minha filha vai comigo!
Hadassa não ouviu os apelos da irmã. Colocou a mochila nas costas e
ajeitou o cobertor em Isabela, pegando-a com cuidado para que não
acordasse. Levou-a para o carro e a acomodou deitada no banco traseiro. A
mochila foi para o banco da frente, junto com sua carteira. Antes de
embarcar, se virou para Ranellory, parada na entrada do corredor.
— É bom que pense em uma boa explicação para me dar amanhã.
— Espero que também tenha uma!
Hadassa não se deu ao trabalho de responder. Entrou no carro e saiu,
tomando a direção da casa de Júlia. Respirou fundo, controlando a raiva que
estava sentindo e a todo momento ia olhando para o banco detrás, conferindo
Isabela que continuava em um sono profundo. A filha tinha um sono pesado e
sabia que ela não acordaria com o movimento que estava fazendo. Também
tinha consciência de que o que estava fazendo era completamente incoerente,
mas não podia sucumbir a uma clara armação de Ranellory. Tentou entender,
de todas as maneiras, o que a irmã planejava com aquilo, mas deixou pra lá.
Não iria mais esquentar a cabeça naquele momento.
Na casa da atriz, a entrada do carro foi autorizada pelo segurança que
deduziu ser novo, pois não o conhecia. Guiou até a frente da residência e
desceu, já enxergando Júlia sair pela porta principal.
— Fiquei com uma pontinha de receio que não viesse – confessou a loira.
— Não me passou pela cabeça, nem um segundo não vim – sorriu
Hadassa de volta. – Trouxe um brinde também.
Júlia olhou curiosa para o carro que a segurança apontava e se aproximou,
para enxergar Isabela dormindo no banco traseiro.
— Isa! – sorriu.
— Eu tive que trazer ela. Sei que não é apropriado, mas eu tive um
problema com Rane, não podia deixar ela sozinha e não podia deixar de vim,
sem nem ao menos ter seu número de telefone.
— Fez bem. Tira ela do carro, vamos levar para o quarto que era de
Micaela.
Hadassa abriu a porta da frente e pegou a mochila, que Júlia segurou em
seguida. O passo seguinte foi tirar Isabela, e a acomodar no colo, levando
para dentro da casa. Tomou a direção das escadas e seguiu para o local, já
familiar, e esperou que Júlia tirasse a colcha que forrava a cama, para
acomodar Isabela em seguida.
— Como ela cresceu, Hadassa! – sussurrou. – Pela vídeo-chamada não
dava para ter ideia de que tinha sido tanto!
— Ela deu uma boa espichada! Vai puxar a altura de Rebeca.
— Ela era alta?
— Sim. Tinha um metro e oitenta e dois de altura.
— Bem alta! Vamos deixar essa luz aqui acesa, caso ela acorde, não se
assusta por estar em um lugar estranho – falou indo até a luminária ao lado da
cama.
— Tia Júlia – sussurrou Isabela se mexendo na cama.
— Oi princesa. Estou aqui.
Júlia se sentou ao lado da cama e acariciou seus cabelos, enquanto a
menina se virava para enxergá-la. Assim que seus olhos se cruzaram Isabela
abriu um sorriso.
— Estava com saudade!
— Eu também pequena, mas dorme de novo, ainda está de noite. Amanhã
vamos brincar bastante juntas!
— Tá bom.
Júlia se inclinou, depositando um beijo em seus cabelos e se levantou da
cama. Pegou a mão de Hadassa e a puxou para fora, apagando a luz do
quarto.
— Vou deixar a porta aberta. Se ela acordar dá pra escutar ela chamando.
Hadassa concordou com um aceno de cabeça e seguiu Júlia para o quarto
no final do corredor. Assim que entraram, a atriz fechou a porta e se virou,
topando com Hadassa praticamente grudada a ela.
— Acho que agora é o momento de termos a nossa conversa.
Capítulo 36
Júlia envolveu os braços no pescoço de Hadassa, encarando seus intensos
olhos verdes, que demonstravam todo o desejo que sentia. As mãos da
morena pousaram em sua cintura, puxando-a para grudar em seu corpo.
Automaticamente sentiu-se entrar em brasas, pelo que viria a seguir e buscou
sua boca em um beijo, há tanto tempo desejado. Os lábios se encontraram
famintos, ansiosos em matar as saudades que as consumiam. Não havia
restrições ou medos naquele momento: estavam livres das amarras que as
prendiam no passado e não havia motivos para não se entregarem de corpo e
alma ao momento. As línguas executavam uma coreografia precisa, já
conhecidas e antigas amantes, pertencentes uma a outra.
Hadassa apertou Júlia mais contra o seu corpo e as mãos foram descobrir
o fecho do vestido que ela usava. Encontrou-o na lateral e o baixou. Foi a
própria atriz que fez as alças descerem pelos braços, fazendo a parte de cima
do vestido cair para a cintura. Se afastaram, e Júlia desviou os olhos para o
corpo de Hadassa, tempo suficiente para que pudesse conferir onde estavam
os fechos de suas roupas. Voltou a encará-la, ao mesmo tempo em que tirava
o casaco do terno, sendo auxiliada por ela, fazendo com que a peça fosse para
o chão.
— Temos tempo para conversar depois – sussurrou Júlia ao começar a
desabotoar sua camisa.
— Com toda a certeza – concordou a morena.
Hadassa desabotoou as mangas, enquanto Júlia se dedicava aos botões
frontais. A segunda peça se juntou à primeira, e as mãos da segurança foram
para o amontoado que o vestido fazia na cintura da atriz. Fez ele deslizar por
suas pernas e pegou-a pelo bumbum, puxando-a para o seu colo. As bocas
voltaram a se encontrar no curto trajeto até a cama e a colocou sentada na
beirada. Se abaixou, beijando suas coxas e tirou as sandálias de seus pés. No
trajeto de volta, Júlia soltou seu cabelo e jogou o prendedor de lado,
encaixando as mãos em suas madeixas negras. A boca de Hadassa desceu
para o seu pescoço enquanto ia deitando Júlia delicadamente, ouvindo, com
prazer, seus baixos gemidos chegar até seus ouvidos.
— Tira essa calça – gemeu Júlia ao levar a mão para o cinto.
Hadassa esperou que ela o abrisse e se afastou para fazer a peça deslizar
por suas pernas, saindo junto com os sapatos. Tornou a escalar pelo corpo da
loira, dando beijos e chupões por onde sua boca passava. Se deteve nos seios
e a ergueu o suficiente para abrir o sutiã e o tirar. Admirou os seios por
poucos segundos, antes de deixar uma mão ir acariciar um, enquanto a boca
ocupava outro, chupando-o com desejo. Júlia outra vez enfiou as mãos nos
cabelos negros, gemendo em um tom mais alto enquanto provava a as
sensações que Hadassa despertava em seu corpo. Verônica havia lhe
proporcionado prazer, mas estar com a morena não era nada comparado ao
que sentia com Hadassa sobre seu corpo. A pele correspondia a cada toque,
cada beijo, cada chupada e cada mordida delicada que recebia. Estava
completamente ciente de cada estimulo que recebia, sendo correspondido de
forma automática.
Júlia ergueu a cabeça para enxergar Hadassa descendo pelo seu corpo, em
direção ao quadril. Sorriu quando ela se ergueu o suficiente para colocar a
cabeleira negra para trás. O sorriso foi interrompido pela mordida no lábio,
quando sentiu ela erguer seu corpo novamente para fazer a calcinha que
usava deslizar por suas pernas. A morena se ergueu por completo, ainda
acariciando sua coxa, olhando-a com clara admiração no olhar.
— Você é tão linda! – suspirou Hadassa. – Uau!
Foi naquele momento que Júlia teve certeza que ninguém a tinha olhado
com tanto desejo. Sorriu em resposta, em estado de êxtase pelo encantamento
que via Hadassa expressar em seus olhos. A morena tornou a se abaixar sobre
seu corpo, voltando a beijar suas coxas e se encaixando entre suas pernas.
Gemeu um tom mais alto quando sentiu dedos em seu sexo, acariciando-a,
estimulando-a. Hadassa ergueu a cabeça e olhou de um lado e de outro, e se
afastou para resgatar o prendedor de cabelo esquecido no canto da cama.
Depois de prender o cabelo, voltou a beijar sua pele e pegou suas pernas,
colocando-as sobre os ombros.
Júlia deixou a cabeça tombar para trás, e enroscou uma mão no edredom,
enquanto a outra variava entre a cabeça de Hadassa e a própria. Os gemidos
se tornaram incontroláveis ao sentir a boca que a tomava de maneira tão
intensa. As sensações e emoções passeavam por sua mente e corpo sem
controle, enquanto provava o melhor oral de sua vida. A boca, que variava de
delicada e exigente a faziam provar algo totalmente inédito, algo que não
sabia que poderia sentir. Sem nenhum controle sobre o próprio corpo,
começou a dar sinais do gozo iminente. Hadassa também percebeu que ela já
estava quase gozando e diminuiu a intensidade, para prová-la por mais
tempo. Prolongou pelo tempo que conseguiu, mas não tinha como controlar o
próprio desejo e logo tinha Júlia gozando em sua boca.
Hadassa ainda ficou chupando-a calmamente, antes de voltar para cima
de seu corpo, traçando uma trilha com a língua em direção à sua boca.
Beijou-a com desejo, sentindo-a corresponder na mesma intensidade.
Colocou o corpo de lado o suficiente para que sua mão tivesse espaço para
descer para o sexo. Se afastou e encarou os olhos azuis enquanto deixava um
dedo penetrá-la. Júlia gemeu, sem desviar o olhar. Voltou a beijá-la, e tornou
a encará-la quando introduziu um segundo dedo. A atriz começou a rebolar
em sua mão, e sorriu com a entrega absoluta da mulher em seus braços.
Intensificou os movimentos da mão, acompanhando o quadril que se mexia
em busca de prazer. As bocas voltaram a se encontrar e se afastou quando
sentiu que ela ia gozar novamente.
— Não faz isso – pediu Júlia em meio a um gemido, ao sentir Hadassa
tirar os dedos do seu corpo. – Eu estava quase gozando!
— Eu sei – respondeu ao beijá-la. – Vem aqui.
Júlia sorriu e acompanhou Hadassa que se sentava na cama e montou em
seu corpo, voltando a sentir os dedos preenchê-la. A morena fez com que se
levantasse o suficiente para alcançar seu seio e os chupões que recebia,
combinados com as arremetidas no sexo fez todo o seu corpo entrar em
êxtase. Ela própria se controlou, pois não estava disposta a parar de sentir a
onda de sensações que a tomava. Os gemidos tomaram conta do quarto ao
sentir-se completa. Na cabeça, não tinha outro pensamento que não fosse a
morena que a fazia ultrapassar os limites do seu corpo, do seu autocontrole e
de sua percepção de prazer. Completamente sem reservas, entregou-se ao
momento, e apertou sua cabeça contra seu seio, ao sentir o orgasmo que a
atingia. Hadassa pressionou os dedos, sentindo com prazer absoluto, Júlia
ficar mole em seus braços.
Por alguns minutos ficaram abraçadas, saboreando o momento que
haviam compartilhado. Os corações acelerados e corpos suados revelavam a
onda de emoções que as tinham tomado naquela noite. Júlia buscou os lábios
de Hadassa em um beijo longo, e juntas deitaram, aninhando-se nos braços
uma da outra.
— Estou completamente bamba! – sorriu Júlia ao encarar os olhos verdes.
– Minhas pernas estão moles!
— Você é uma delícia, Júlia. Gostosa demais!
— Podemos fazer essa noite durar até amanhã? – pediu ao rolar pra cima
de Hadassa.
— Com toda a certeza!
Júlia se abaixou para buscar sua boca em um beijo, ao mesmo tempo em
que as mãos faziam o top que a segurança ainda usava, sair pelos seus braços.
A última peça de roupa que teve sua atenção foi a boxer que fez descer pelas
suas pernas. Ficaram se curtindo por um tempo, até que, outra vez,
estivessem entregues ao prazer. Naquela noite, Júlia perdeu as contas de
quantas vezes fora levada ao ápice do prazer, sem palavras para descrever
cada sensação sentida. Era a primeira vez que ficou, verdadeiramente,
satisfeita na cama, que teve noção do que seu corpo era capaz de lhe
proporcionar, talvez pelo tempo que a desejava, ou pelo sentimento que
nutria pela morena em seus braços e que naquele momento teve medo de
denominar.
— Já está amanhecendo – sorriu ao olhar para a leve claridade que
passava entre as frestas das cortinas.
— Já. Nem precisamos dormir.
— Não mesmo! – concordou ao acariciar sua pele. – Você tem que ir
trabalhar hoje?
— É minha folga.
— Perfeito! Que tal passar o dia aqui? Vou adorar ter você e Isabela me
fazendo companhia.
— Não tem nenhum compromisso?
— Acho que nada que não possa ser reagendado. Eu tenho que ver com
Mariana mais tarde.
— Tudo bem – suspirou Hadassa ao dar um beijo em seus cabelos. – E
nós temos que conversar – riu.
— É. Quer dizer que Rane te arrumou uma namorada que nunca existiu?
— Foi por causa disso que discuti com ela antes de vim pra cá. Eu tinha
que ir tirar isso a limpo, antes de te encontrar para te dar uma explicação. Eu
ainda vou tentar entender isso que ela fez, mas não, nunca teve nenhuma
Naiane.
— Eu fiquei tão chateada quando ela me falou. Acreditei mesmo que já
tinha emendado um relacionamento do outro.
— Desde quando está separada?
— Uns sete a oito meses. Quando nos vimos, a última vez, eu conversei
com Alberto algumas semanas depois. Ele percebeu que eu já não estava
mais ali, sempre com a cabeça longe, distraída, entende? Acabei dizendo que
estava... Apaixonada por outra pessoa, falei que era uma mulher. Depois ele
disse que não poderia mais manter nosso casamento. Ele começou a sair
bastante com Denise, estão juntos desde então.
— Vocês esconderam isso muito bem da imprensa. Eu via tudo o que saia
a seu respeito e em nenhum momento foi mencionado que estavam
separados. Algumas especulações, mas nada confirmado.
— Aprendi a não deixar nada vazar.
— Foi antes da Micaela terminar comigo?
— Foi. Tanto que só contamos quando ela ligou, falando que iria com
Andrew para Estocolmo.
— Quanto tempo! – suspirou Hadassa. – Cada uma acreditando em uma
coisa diferente e nenhuma das duas estavam certas!
— Acredito que tudo aconteceu da forma como tinha que acontecer.
Ainda não sei o motivo, mas...
— É. Lembra que eu te falei, quando estávamos indo no abrigo, que ia
terminar com Micaela?
— Sim.
— Eu mantive essa ideia fixa, já era uma decisão tomada. Só mudou de
rumo porque ela conheceu esse homem, mas se não tivesse acontecido, eu
teria terminado com ela de qualquer forma. Quero que fique ciente que não
mudei de ideia em absolutamente nada do que te disse naquele dia.
— Eu acredito em você – sorriu Júlia acariciando-a com as pontas dos
dedos. – Nós temos que conversar sobre isso, mas, definitivamente, agora não
é o momento. Não se trata apenas da sua ex-namorada, entende?
— Entendo – sorriu Hadassa virando-a na cama para se posicionar sobre
seu corpo. – Acho melhor continuarmos com o outro assunto.
— Qual assunto? – Júlia mordeu o lábio inferior ao sentir a morena passar
a língua pela aureola do seio esquerdo.
— Aquele que sempre me responde gemendo.
Júlia deu um risinho, em meio a um baixo gemido ao mesmo tempo em
que acariciava o braço tatuado. Fechou os olhos, saboreando o toque da
morena que, outra vez, a incendiava. Tinha a nítida sensação que Hadassa
sabia exatamente onde eram seus pontos mais sensíveis, como se a
conhecesse como a palma de sua mão.
O dia já havia amanhecido por completo, quando pegaram no sono,
cansadas e satisfeitas. Os funcionários do dia já haviam chegado para suas
funções e Mariana foi a última a chegar, quase nove horas da manhã. Naquele
dia, Júlia tinha uma gravação para um programa na parte da tarde, mas no
período da manhã tinha que receber o avaliador da casa, que iria às dez da
manhã. Seguiu direto para o quarto da atriz e caminhou até a janela, abrindo a
cortina para que a luz da manhã pudesse entrar.
— Bom dia, Júlia! Espero que não esteja com ressaca do coquetel... –
Mariana parou de falar ao enxergar as duas mulheres na cama. – Desculpa,
Júlia! Desculpa, Verônica, não sabia que já tinha vindo do Rio...
— Mariana, não – pediu Júlia ao se sentar, tentando arrumar o cabelo e o
lençol.
Mariana percebeu seu erro assim que a morena se virou o pode ver o
rosto de Hadassa. Abriu e fechou a boca por duas vezes antes de tomar a
direção da porta e sair do quarto. Júlia se virou para a mulher ao seu lado,
com uma caretinha.
— Desculpa! Mariana sempre faz isso quando acha que estou sozinha e
eu não mandei mensagem para ela, então...
— Está tudo bem – Hadassa deu um meio sorriso para Júlia, analisando
seu rosto. – Até fui confundida com uma atriz.
Júlia mordeu o lábio inferior, se ajeitando para ficar de frente a ela.
— Eu ficava com Verônica, mas não tínhamos um relacionamento.
— Você não tem que me dar explicações, Júlia.
— Tenho, porque eu quero que isso aqui não dure só uma noite. Pra que
isso aconteça, eu tenho que te dar essa explicação.
— Está tudo bem, tá? Eu também tinha alguém até ontem.
— Você vai terminar com ela?
— Ela já terminou quando viu que você tinha beijado meu pescoço.
Júlia abriu os olhos surpresa.
— Você estava saindo com Flávia?
— O que? Não! Bianca, assessora dela.
— Ah, aquela moça loira que estava com ela? Bem que não a vi mais
depois no jantar, mas nem prestei atenção. Meus olhos eram seus.
— Também só fiz encenação de que estava trabalhando – sorriu Hadassa
ao puxá-la para um beijo. – Está tudo bem mesmo.
— Ok. Bom, já que já acordamos...
Júlia não terminou a fala. Ao fundo escutaram a voz de Isabela chamando
a mãe. Trocaram um riso e Hadassa levantou, indo atrás da boxer. A vestiu e
Júlia apareceu com um roupão para ela. A atriz também se enrolou em um e
saíram do quarto, enxergando a menina ruiva no meio do corredor, arrastando
o cobertor com uma mão e coçando os olhos com a outra.
— Bom dia, meu amor! – falou Hadassa chamando a atenção da filha.
— Onde a gente tá? Tia Júlia! Eu sonhei com você. Estava me dando boa
noite.
— Bom dia, princesa! – a atriz sorriu, vendo Hadassa pegar a filha no
colo. Se aproximou e ficou na ponta dos pés para dar um beijo em seu rosto.
– Você está na minha casa. Eu te dei boa noite mesmo ontem. É que não se
lembra.
— Como a gente veio parar aqui?
— Eu te trouxe. Agora vamos se arrumar, trocar essa roupa, pentear esse
cabelo...
— Ah mãe! Eu não quero ir pra escola! Deixa eu ficar com a tia Júlia!
— Você não vai pra escola, meu amor, mas tem que se arrumar. Escovar
os dentes para tirar esse bafinho!
— Eu vou pedir para as meninas prepararem um café da manhã super
especial, o que acha? – perguntou Júlia ao fazer cócegas na menina. – Depois
podemos fazer o que quiser!
— Você ainda tem a piscina aqui?
— Ainda tenho.
— A gente pode ir nela?
Júlia trocou um olhar com Hadassa, antes de responder.
— Podemos. Hoje o dia será seu! Dá ela aqui.
— Ela é pesada!
— Muito?
— Tenta.
Hadassa passou Isabela para Júlia, que logo a colocou no chão.
— Você é muito pesada! Mas uma moça de cinco anos já pode andar por
ai!
— Seis anos – corrigiu altiva.
— Seis anos? – repetiu fazendo cara de surpresa. – Já está muito grande
para ficar no colo. Vamos para o meu quarto, lá tem um monte de coisa para
se arrumar. Traz as coisas dela pra cá, Hadassa.
A segurança anuiu e Isabela saiu na frente, correndo em direção ao quarto
da atriz. Assim que ela entrou, correu para a cama, se jogando nela.
— Minha mãe dormiu aqui também? Aquele sapato é dela!
— É, eu dei um espaço na minha cama para ela não dormir no chão.
— Então agora você é minha mãe também?
— Ela ainda é sua fã mirim – sorriu Hadassa ao entrar no quarto e escutar
a pergunta de Isabela.
— Seria legal se fosse, não é?
— Eu ia gostar muito!
— E eu ia gostar muito, muito de ser sua mãe também – respondeu
sincera. – Agora vai se arrumar com a sua mãe. Eu vou descer para falar com
Mariana e pedir um café da manhã especial pra você. O que quer comer?
— Tem sucrilhos?
— Provavelmente não. Que tal uma salada de frutas?
Isabela fez cara de nojo, colocando a língua para fora.
— Eu como pão mesmo!
Júlia sorriu e ainda bagunçou o cabelo de Isabela, antes de sair do quarto
e tomar a direção das escadas. Encontrou Mariana sentada na poltrona da
sala, mexendo nos anéis dos dedos, apreensiva. Assim que a viu, a assessora
se levantou.
— Júlia, me desculpa! Eu nem podia imaginar que estava com alguém!
Ainda dei uma mancada chamando Hadassa de Verônica!
— Está tudo bem, Mariana. Eu não te avisei, não tinha como saber.
— Isso é. Me desculpe.
— Não tenho o que desculpar. Qual minha agenda hoje?
— O avaliador vem ver a casa daqui uma hora. Na parte da tarde tem
gravação no programa do Sérgio.
— Desmarque com Sérgio e cancele o avaliador. Hoje vou ficar em casa.
— Está certo. Algo mais?
— Não, só isso.
— Se acertou com ela? Escutei a voz de Isabela também. Ela está aqui?
— Sim e acho que sim. Depois eu te conto tudo. Pede pras meninas
arrumarem café da manhã pra gente e alguma coisa diferente para criança. Já
já descemos. Depois providencia um maiô ou biquíni para Isabela. Acho que
ela usa oito, pelo tamanho que está. Vou confirmar com Hadassa.
Mariana anuiu e saiu para fazer o solicitado. Júlia retornou para as
escadas e tomou a direção do quarto. Abriu a porta e entrou, enxergando
Isabela sentada sobre o recamier enquanto Hadassa penteava seus cabelos.
Sorriu com a cena, sentindo o coração se encher de carinho. Nunca seria tarde
para reconstruir outra família e queria aquela, mais que tudo.
Capítulo 37
Hadassa terminou de trocar a filha e a ajudou a escovar o dente no
banheiro de Júlia. Enquanto fazia isso, seus olhos sempre voltavam para a
atriz, que também se movimentava pelo espaço, se arrumando. Depois de
vestidas, desceram para a cozinha onde a morena cumprimentou os antigos
colegas, recebendo alguns olhares curiosos. Já tinha consciência de que
aquilo aconteceria e tentou levar com bom humor a confusão estampada em
seus rostos.
— Qual o tamanho que Isabela usa, Hadassa?
— Oito. Por que?
— Vou pedir para Mariana buscar um maiô ou biquini para que ela possa
entrar na piscina.
— Hoje ninguém tira ela da água – sorriu.
O café da manhã passou entre conversas amenas sobre o crescimento e
estudo de Isabela. Depois de terminada a refeição, foram para a sala e
Mariana saiu para fazer o solicitado. Com meia hora, Júlia e Isabela subiram
para se trocar, enquanto a segurança foi conversar com Nicéia. A cozinheira
foi discreta o suficiente para não perguntar o motivo da sua presença na casa,
mas concluiu que nem precisava. Estava estampado em seus olhos que ela
sabia que havia passado a noite com Júlia.
A atriz e a filha apareceram e seguiram para a piscina. Mariana teve o
cuidado de comprar boias para colocar nos bracinhos da criança e a morena
sentou-se em uma espreguiçadeira assistindo Júlia tirar o vestido leve,
revelando o biquini por baixo. Os olhos passearam com liberdade pelo seu
corpo, pelas curvas onde havia se perdido na noite anterior. Ficou encantada
observando a interação das duas na água, enquanto se divertiam. Não
conseguia entender como Júlia havia sido mais ausente na criação de
Micaela, ao ver o carinho que tinha com Isabela. Talvez fosse o fato de que
não tinha o amadurecimento que possuía, visto que quando ela teve a filha
era muito jovem, ou se havia percebido, de fato seu erro. Fato incontestável
era de que ela tratava Isabela com atenção e carinho, como uma verdadeira
mãe.
— Está tão pensativa em que? – perguntou Júlia ao se apoiar na beira da
piscina.
— Estava observando as duas – respondeu ao sorrir. – São lindas juntas.
— Tem certeza que não quer entrar na água?
— Absoluta.
Júlia anuiu e ainda ficou um tempo com Isabela, antes de levá-la para a
parte mais rasa da piscina e sair da água em seguida, sentando-se ao lado de
Hadassa. Tirou o excesso de água do cabelo enquanto era observada por ela.
— O que foi?
— Nada. Só admirando sua beleza.
Júlia sorriu desconcertada, sentindo as faces ficarem rubras.
— Obrigada. Você sabe que... Essa situação no geral é muito incomum.
Talvez esse não seja o melhor momento para conversar sobre isso, mas eu
preciso afastar um pensamento que ronda muito a minha mente.
— Claro – concordou Hadassa se ajeitando na espreguiçadeira para ficar
de frente a ela. – Se formos esperar um momento certo para termos uma
conversa, esse momento nunca chegará.
— Isso é um fato. Eu sei que escancaramos sentimentos num momento
onde eles não podiam aparecer, quando ainda estava com Micaela. Sei que o
que cultivamos não é só uma atração física, vai muito além disso, eu vi isso
nos seus olhos, eu enxergo isso toda vez que te olho. Mas também não posso
esquecer que você é ex-namorada da minha filha. Isso tem um peso.
— Eu sei. Eu não posso mudar o passado, isso é um fato. Eu gostei muito
da Micaela sim, mas a verdade é que, por mais que eu negasse e fugisse, eu
sou apaixonada por você.
— Eu quero te fazer uma pergunta que me tortura já tem um tempo.
Micaela foi uma opção para ficar perto de mim? Eu sei que não fica com
mulheres casadas, então ela foi uma segunda opção, dado o fato de que estava
com Alberto?
— Não. Eu gostava mesmo de Micaela, sinto um carinho imenso por ela.
Talvez eu possa ter confundido isso em algum momento, mas nunca foi uma
fuga. É obvio que se estivesse separada naquela época, talvez as coisas
poderiam ser diferentes.
— Talvez.
— Mas eu acredito que não. Minha mãe sempre me dizia que tudo tem
um propósito de acontecer e eu acredito nisso. Quando nos conhecemos, eu
ainda estava muito ligada em Rebeca, com dificuldades de seguir a vida.
Micaela foi um sopro de leveza, de alegria que me tirou daquele estado. Eu
não estava preparada para assumir nada denso, um relacionamento em que
investisse minhas fichas em algo duradouro. Ela me ofereceu aquilo naquele
momento, algo sem nome, sem compromisso. E era tudo o que eu poderia
oferecer a ela.
— Você também fez grande diferença na vida da Mica – respondeu Júlia.
– Micaela sempre foi aquela pessoa a quem se recusou a trabalhar no
primeiro dia – sorriu com a lembrança. – Algo em você fez ela mudar, fez ela
querer ter algo na vida, responsabilidades. Mesmo que ela já cuidasse do
abrigo, ela precisava de um empurrão na própria vida e fez isso. Se não fosse
você, ela não teria ido para a França, não estaria em Estocolmo agora,
trabalhando como secretária de um escritório de arquitetura e se recusando a
receber minha ajuda financeira. Eu não posso tirar esse mérito seu. Sem você
isso não teria acontecido.
— Nós nos ajudamos de forma mútua.
— Sim. Me ajudou também. O fato de eu ter quase me sufocado com o
que sentia por você fez com que eu me enxergasse. Não vou mentir que foi
Alberto que tomou a iniciativa, mas se não fosse você, eu ainda estaria
mantendo um casamento por simples medo de me arriscar novamente e,
nesse processo, estaria arrastando Alberto, cobrando dele coisas que nem
mesmo eu estava fazendo, como presença e preocupação no relacionamento.
Quando assinei o divórcio, eu senti por estar colocando um fim, mas foi o
medo de perder meu amigo, não um homem que eu amava.
— Micaela sempre ressaltava que vocês eram um casal modelo, que nem
brigavam. Agora eu entendo que eram grandes amigos e grandes amigos não
brigam. Tentam se entender, se colocar no lugar um do outro.
— Era exatamente isso. Nós tentávamos nos entender. Nunca senti
ciúmes dele.
— Entendo. Mas o que eu sentia por Micaela, a forma como a via, isso
ficou no passado, mesmo antes de começar a me relacionar com Bianca.

— Eu acredito. Só que nós vamos ter que conversar com ela. Obvio que
não posso falar que já estava afim de você antes, mas temos que falar que
estamos nos envolvendo. Isso é, se quiser continuar a sair comigo.
— Obvio que quero! Seria maluca se não quisesse. Eu quero levar isso
adiante, eu não sei exatamente como ficaremos, se vamos deslanchar em
alguma coisa, mas eu quero muito que faça parte da minha vida. Das nossas
vidas – falou ao apontar Isabela, entretida em brincar na água.
— Eu quero muito!
Júlia esticou a mão, que prontamente aceita por Hadassa. Deu um leve
aperto, transmitindo confiança com suas palavras.
— Júlia Albuquerque saindo com uma assalariada – brincou Hadassa. –
Dá conta?
— Pra sua sorte, eu não sou uma caça-níquel! – devolveu a brincadeira.
— Acho que eu que serei taxada como tal.
— Vai não. Você é uma mulher incrível, eu sei o seu valor e é isso que
importa.
Hadassa sorriu, com vontade de puxar Júlia para um beijo, mas ainda não
era o momento certo de falar a Isabela que estavam juntas. Nicéia apareceu,
perguntando sobre o almoço e viu uma oportunidade de ficar um tempo a sós
com a atriz. Pediu que ela ficasse de olho na filha e puxou a loira em direção
ao escritório. Assim que a porta foi fechada, mãos e bocas se procuraram
ávidas.
— Esse escritório já viu tanta coisa nossa – sorriu Júlia, com os lábios
contra a pele da segurança.
— E como viu! Mas eu quero fazer algo que sempre achei que ia acabar
fazendo no passado.
— O que?
Hadassa não respondeu, pegou Júlia pelas pernas, acomodando-a em seu
colo e a guiou para a mesa. Fez ela se sentar sobre a madeira e afastou os
itens sobre ela, ao mesmo tempo em que recebia um sorrisinho malicioso de
Júlia.
— Saiba que já imaginei a mesma coisa!
Júlia abriu as pernas para que Hadassa voltasse a se acomodar no meio
delas e soltou um baixo gemido, ao ver a boca da morena beijar seu colo,
enquanto a mão direita afastava a parte superior do biquini. Mordeu o pulso
quando sentiu o seio ser tomado pelas intensas chupadas. O corpo se
incendiou automaticamente ao sentir a mão que a acariciava por inteira, indo
parar no sexo, sobre o tecido da calcinha do biquini. Arqueou mais o corpo,
dando espaço para os dedos que afastaram a lateral da peça, alcançando seu
sexo em uma masturbação deliciosamente lenta e provocante. Quando não
estava mais aguentando a tortura, pediu que Hadassa a fizesse gozar o que foi
prontamente atendido pela morena. Outra vez sentiu-se desfalecer em seus
braços, enquanto era levada ao ápice do prazer.
Depois do momento no escritório, subiram para o quarto onde Júlia
tomou um banho rápido, com Hadassa acompanhando todos os seus
movimentos. Trocaram beijos apaixonados enquanto ela se vestia e desceram,
atrás de Isabela, com sorrisos bobos no rosto. Conseguiram tirar a menina da
piscina com custo e foram almoçar. Depois da refeição, seguiram para a sala
de tevê. Isabela deitou em uma chaise long e escolheu um filme de animação.
Júlia e Hadassa ficaram trocando discretas carícias, até perceberem que a
menina havia caído no sono, cansada da manhã na piscina. A elas, sobrou
uma tarde de namoro no sofá, enquanto a animação rolava na tela, sem
prestarem atenção.
Quando a tarde caiu, Isabela acordou e Júlia teve a oportunidade de curtir
mais da criança, antes que Hadassa anunciasse que iriam embora.
— Ah, não vão não! Fiquem para o jantar ao menos! – pediu Júlia.
— No final de semana eu trago ela de volta, mas agora eu tenho que leva-
la pra casa, aliás, pra casa da avó porque vou conversar com Ranellory.
Amanhã ela tem aula. Não posso deixá-la perder mais um dia.
— Está certo. Mas você volta antes, não volta?
— Volto. Se não tiver nenhum compromisso amanhã à noite, eu venho.
— Meu compromisso é você – sorriu a atriz. – Estarei te esperando!
Hadassa anuiu e deu um beijo demorado em seu rosto ao lado da boca. A
atriz se despediu de Isabela e, com um leve aperto a viu ir embora. Ao
retornar para dentro, olhou o espaço novamente vazio e silencioso, sem as
risadas de Isabela trazendo vida para o lugar. Era um fato que aquela noite
fora decisiva pra ressignificar algumas coisas em sua vida.
Júlia subiu para o quarto e deitou sobre a cama, repleta de lembranças
luxuriosas. Abraçou o travesseiro que Hadassa tinha usado, sentindo seu
cheiro impregnado nele. Estava quase pegando no sono quando a funcionária
bateu na porta.
— Eu já vou descer para o jantar. Obrigada.
— Não é isso, Júlia. Quero dizer está quase pronto, mas é que sua irmã
está aqui. Posso falar para ela subir?
— Não precisa, obrigada. Eu já vou descer.
Júlia desamassou o vestido com uma mão e tomou a direção da porta e,
depois, escadas. No meio do lance já enxergou Jaqueline, conversando
animadamente com sua funcionária, exercendo a simpatia que tão bem
apresentava aos outros.
— Se divorcia, volta para casa e nem se dá ao trabalho de ligar para sua
irmã? Você já foi mais atenciosa, Jú!
— Me desculpe, Jaque. Cheguei tem duas noites, ontem foi o jantar
beneficente de Henriqueta. Hoje que vou conseguir ter uma noite de sono.
— Podemos conversar?
— Claro – anuiu indicando a porta do escritório. Assim que entrou, deu
um leve sorriso pela lembrança recente. – Como tem passado, Jaque?
— Preocupada com você – respondeu ao ocupar uma poltrona. – Há
quanto tempo está separada de Alberto?
— Desde o começo da gravação da novela. Pedi que a formalização fosse
agora, depois do trabalho porque vou tirar umas pequenas férias.
— Por que terminou com ele, Jú?
— Ele terminou comigo.
— Por que?
— Já vai começar, Jaque?
— Só quero entender isso.
— Eu falei a ele que estava apaixonada por outra pessoa. Ele terminou
comigo.
— Conseguiu mesmo jogar seu casamento no ralo por causa de uma
paixão boba por Hadassa, não é? – perguntou ao jogar um verde.
— Não é uma paixão boba, Jaque! Eu sou completamente louca por
aquela mulher há mais de um ano! Eu estou feliz! Será que isso não basta pra
você?!
— Você se acertou com ela? – tornou a questionar ao receber maduro.
— Ela passou a noite aqui, conversamos sobre isso. É o que queremos.
Jaqueline balançou a cabeça em sentido negativo em meio a um sorriso.
— O que Micaela e Alberto acham disso?
— Eu vou conversar com eles ainda. Nenhum dos dois sabe que estou
com Hadassa. Fica feliz por mim, Jaque, só dessa vez! Eu estou feliz.
— Eu jamais vou apoiar isso – determinou ao se levantar. – Espero que
valha a pena.
Júlia soltou um suspiro audível ao ver a irmã sair do escritório. Passou a
mão no cabelo e seguiu para o quarto, atrás do celular. Automaticamente
esqueceu a breve e tensa conversa com Jaqueline ao enxergar uma mensagem
de Hadassa.
“Já chegamos. Rane vai passar a noite na casa de Cristiano, tenho que
conversar com ela amanhã, mas vou te encontrar do mesmo jeito. Já estou
com saudades.”
Júlia sorriu e mandou uma mensagem de resposta, que automaticamente
foi respondida pela segurança. Durante boa parte da noite ficaram namorando
através de mensagens e se despediram, quando o relógio já ia marcar uma da
manhã. A atriz sabia que dali vinte e quatro horas, estariam juntas
novamente.
Hadassa seguiu o ritual de se arrumar pela manhã, antes de acordar
Isabela e arrumá-la para a escola. Deu o café para a filha e pegou seus
pertences pessoais para o trabalho. A menina também colocou a mochila nas
costas a contragosto e saiu ao lado da mãe para a garagem. Floquinho saiu na
frente e começou a latir, histericamente, para o que Hadassa presumiu ser
algum bicho. Quando alcançou a entrada lateral da casa, enxergou alguns
repórteres na frente da garagem.
— Você que é Maya Hadassa? Você pode dar uma declaração sobre seu
romance com Júlia Albuquerque?
Capítulo 38
Em Estocolmo o frio cortante fazia os transeuntes se esconderem em seus
pesados casacos de frio. Micaela se encolheu mais, tremendo de frio. Tinha
saído do escritório para resolver um problema e andava apressada para chegar
logo no quentinho. O telefone vibrou com uma mensagem, mas como já
estava chegando no prédio, deixou para ver depois. A sequência de toques a
fez deduzir que se tratava de notificações. Assim que chegou ao seu destino
final, tirou o aparelho do bolso e enxergou notificações do Instagram. Subiu
para o primeiro andar, onde ficava sua mesa, e deixou a pasta de papéis de
lado. Tirou as luvas e o pesado casaco, antes de resgatar o celular novamente.
— Deu tudo certo, amor? – perguntou Andrew em Sueco. Já tinha dois
meses que ele se comunicava com ela apenas no idioma local, para que
pudesse aprender a língua com mais rapidez.
— Sim. Amanhã já estarão prontos – respondeu se adiantando para dar
um beijo em seus lábios.
Voltou sua atenção para o aparelho e viu que todas as notificações eram
de brasileiros marcando-a em alguma coisa. Conferiu mentalmente o fuso
horário: no Brasil ainda era sete horas da manhã. Deduziu que era algo que
merecia sua atenção.
Micaela sentiu o sangue fugir do seu rosto ao ver uma foto da mãe, ao
lado de outra de Hadassa. A legenda apontava que a segurança era o pivô da
separação dos pais.
— Algum problema? – perguntou Andrew atento ao seu rosto.
— Desculpa, tem que ser em inglês agora – respondeu ao virar o celular
para o rapaz. – Olha, essa postagem diz que minha mãe e minha ex estão
juntas!
— Bom, sua mãe é jovem, bonita. É estranho, mas não teria problema,
teria?
— Minha mãe assinou o divórcio com meu pai tem dois, três dias. Ela
não se envolveu com Hadassa nesse meio tempo. Meus pais estão separados
antes de eu terminar com ela.
Andrew ficou pensativo por alguns segundos, antes de entender aonde a
namorada queria chegar.
— Elas não fariam isso com você.
— Eu vou ler a matéria.
Micaela sentou-se em uma cadeira e acessou sites de fofocas brasileiros.
Achou a matéria completa, sobre o relacionamento das duas.
“...A atriz de quarenta e quatro anos assinou o divórcio com Alberto
Caloni na última segunda-feira, mas o relacionamento, mantido com a
guarda-costas da primeira-dama, Flávia Bittencourt, já acontece desde que a
mesma trabalhou para Júlia, como segurança particular de sua filha, Micaela
Albuquerque. Segundo fontes, Maya Hadassa namorava com Micaela quando
as duas começaram a se envolver...”
Micaela deixou o telefone cair sobre o colo e levou as mãos à boca,
sendo tomada por uma tremedeira. Andrew automaticamente se abaixou na
sua frente, passando as mãos pelos seus braços, tentando passar algum
conforto. Abraçou-a quando viu as lágrimas rolar pelo seu rosto.
— Elas não podem ter feito isso comigo! Não podem!
Andrew pegou o telefone da namorada e ativou o tradutor para Sueco.
Leu rapidamente a matéria e ficou sem saber o que falar naquele momento.
— E se for só fofoca sem sentido? Você mesma me disse, várias vezes,
que tinha saído em algumas dessas, tiradas sem contexto.
Micaela encarou o namorado por alguns segundos, antes de pegar o
telefone de volta e tentar ligar para a mãe. O telefone automaticamente caiu
na caixa postal. Tentou o de Mariana e a mesma coisa aconteceu. O de
Hadassa também não completava ligação. Chegou à conclusão de deviam ter
desligados os aparelhos por causa do tanto de ligação que estavam recebendo
naquele momento. Tentou o número do pai e em seguida o de Denise.
— Oi Denise! Micaela.
— Ah Mica! Como você está minha querida?!
— Eu não sei o que pensar, Denise. Meu pai está com você?
— Está aqui, vou passar para ele.
— Obrigada!
Micaela encarou Andrew pelos segundos em que esperou Alberto atender
a chamada. Assim que estou a voz do pai, as lágrimas retornaram aos seus
olhos.
— Pai! Pai elas não fizeram isso que está sendo noticiado, não é?
— Eu fiquei sabendo agora, Mica, também li na internet. Eu nunca soube
o nome ou o rosto da mulher por quem sua mãe estava apaixonada.
— Você já sabia que ela estava gostando de uma mulher? Vocês se
separaram por causa disso, não é?
Alberto meneou a cabeça, relutante em falar a verdade, mas a filha
merecia saber por ele, não pela mídia.
— Sim, foi por causa disso sim. Só nunca soube antes quem era.
— Minha mãe traiu você com Hadassa?
— Não se tortura com isso, princesa, você tem uma nova vida com
Andrew.
— Traiu, pai?
— Ela me disse que foi... Foi só um beijo, que não poderia ficar com essa
mulher, que nada daria certo entre elas. Agora entendo o motivo! Mas olha,
Micaela, não deixe se abalar por isso. Já tem tempo que você e Hadassa
terminaram, está feliz com Andrew agora, não é? Tenta deixar isso pra lá.
Você está longe de tudo isso agora!
— Minha mãe ficou com minha namorada quando ainda estava com ela!
Como eu posso deixar um absurdo desses pra lá, pai? Se Hadassa tivesse me
traído com qualquer pessoa, qualquer mulher nesse mundo, até mesmo
minhas amigas, eu não ligaria, mas eu não posso deixar pra lá ela ter ficado
com minha mãe! Como eu vou olhar pra minha mãe agora?! Não é uma
simples traição, entende?
— O que planeja fazer?
— Me manda dinheiro? Eu vou voltar para o Brasil porque eu preciso
tirar isso a limpo, cara a cara com elas.

Alberto passou a mão no cabelo grisalho e baixou o celular, depois de


falar com a filha. Automaticamente sentiu os braços de Denise envolvendo
seu corpo e o beijo carinhoso que ela depositou em seu tórax. Suspirou fundo,
ao mesmo tempo em que acariciava seu braço.
— Você sabe que não posso deixar isso pra lá, não é? Você conhece a
história, desde que te procurei naquele dia.
— Eu entendo, claro que entendo, Alberto. Faça o que tiver que fazer. Se
precisar de qualquer coisa, qualquer coisa, só me dizer.
— Obrigado amor. Eu preciso conversar com Júlia, Micaela vai ver se
consegue algum voo pra essa noite. Eu ainda não acredito que Júlia foi capaz
de fazer isso com nossa própria filha!
— Vá com a cabeça tranquila, mesmo que seja algo quase impossível
nesse momento. Você mesmo me disse o tanto que ela estava mal naquela
época. Tenho quase certeza que Júlia já se martirizou muito por esse
sentimento.
— Eu vou tentar me acalmar. Eu vou subir, fazer uma mala de viagem.
Eu... Eu vou ter que me ausentar da redação por uns dois dias...
— Não se preocupe, eu entendo perfeitamente. Eu dou um jeito por lá. Já
sobe, daqui a pouco eu te encontro lá para te ajudar.
Denise ficou olhando Alberto se afastar para a escada do apartamento e se
virou para Monique que estava quieta, apenas prestando atenção na conversa.
A fotografa deu ombros, e deixou o celular sobre a mesa.
— O que você acha disso, Mone?
— Que Hadassa passou mel no corpo! Vou tentar encontrar com ela e
pegar um pouco! Júlia e Micaela Albuquerque? Mãe e filha?! Minha ídola,
cara!
— Monique!
— Ah mãe! Eu não sei o que falar sobre isso! Não consigo nem imaginar
esse cenário! Pensa: se eu estivesse com algum cara, Deus-me-livre, e você se
apaixonasse por ele?
— Não consigo nem imaginar isso!
— Pois é! Não dá nem para ter ideia do quanto Júlia deve estar abalada!
Ela ama essa mulher tem tempo! E a bicha da Hadassa é de presença, viu?!
Você viu a foto dela?
— Não prestei atenção.
Monique resgatou o celular de cima da mesa e desbloqueou a tela para
esticar para Denise em seguida. A jornalista pegou primeiro os óculos sobre a
mesa e, depois, o aparelho. Enxergou na tela a mulher morena, de porte
impressionante, vestida num terno preto e usando óculos escuros, enquanto
seguia Flávia Bittencourt, de quem era guarda-costas.
— Ela é impressionante mesmo.
— Impressionante? Essa mulher tem cara de quem faz outra falar umas
três línguas diferentes entre quatro paredes!
— Monique, eu não preciso dessas informações, me poupe!
— Pena que nunca saberá o que é isso! Vai cuidar do meu futuro
padrasto. Eu vou verificar se a obra do meu apartamento sai ou não sai.
Qualquer coisa me liga.
Denise anuiu e viu a filha se levantar e sair do seu campo de visão.
Rumou para as escadas, atrás de Alberto. Tinha que passar todo o conforto e
segurança que ele precisava naquele momento.

Hadassa ficou travada por alguns segundos, enquanto algumas câmeras


tiravam fotos e a filmavam. Só saiu do seu estado de paralisia quando sentiu a
mão de Isabela na sua. Automaticamente se virou, escondendo a filha com o
corpo e a guiou para dentro de casa novamente. Levou a mão na cabeça,
tentando entender o que exatamente estava acontecendo, mas os latidos
estridentes de Floquinho estavam irritantes.
— Não é pra sair tá, meu amor!
Isabela concordou com um aceno e correu para a janela, para ver as
pessoas do lado de fora, através do vidro. Hadassa saiu da sala e seguiu até o
portão. Se limitou a pegar Floquinho e retornou para dentro da casa, fechando
a porta para que ele não saísse. Não falou nada, mas o obvio tinha
acontecido: alguém tinha falado para a imprensa sobre seu romance com
Júlia.
— Sai da janela, meu bem – pediu ao tirar a filha e fechar a cortina.
— Por que estavam tirando fotos nossas, mãe?
— Eu vou descobrir agora, meu amor. Vai assistir desenho. Hoje você
não vai para a escola de novo.
— Oba!
Hadassa sorriu para a filha, mas a mente estava em turbilhão. Pegou o
celular do bolso e notou a quantidade anormal de ligações que estava
recebendo. Ignorou e acessou a internet, encontrando fofocas que revelavam
o relacionamento com Júlia, desde que ainda estava com Micaela. Passou a
mão no rosto com um princípio de desespero, ao ver a confusão e exposição
que tinha sido armada. O celular tocou novamente e enxergou a foto de
Bianca na chamada.
— Oi – atendeu sem entusiasmo.
— Primeira coisa: você é uma imbecil e idiota. Ainda estou muito puta
com você!
— Escolheu o momento perfeito para isso!
— Segunda coisa: por que ainda está atendendo celular? Desliga essa
merda! Eu estou chegando na sua casa daqui quinze minutos. Não fale com
ninguém da imprensa, sob hipótese alguma. Nós vamos conversar, eu vou
entender isso, te dar um tapa e te assessorar para sair dessa crise.

Júlia foi desperta por Mariana, que mantinha a feição preocupada ao


encará-la.
— Qual o problema, Mariana?
— A imprensa já sabe sobre Hadassa – a assessora foi direta. – De tudo.
— Como assim, de tudo? – perguntou a atriz ao se sentar, com alguns
alertas ligados.
— Que estão juntas, que estão apaixonadas desde quando ela era
namorada da Micaela, que ficou com ela nesse período... Tudo.
Júlia automaticamente sentiu o corpo ficar anestesiado. Pegou o Ipad que
Mariana lhe direcionava e leu, superficialmente, a matéria onde seu
relacionamento, nem bem firmado com Hadassa, era exposto. A matéria
continha detalhes que poucas pessoas sabiam, como o fato da segurança e a
filha terem sido namoradas, de terem ficado no passado.
— Micaela não pode ler isso! Não é justo que ela saiba dessa forma! Eu
preciso falar com minha filha – decretou ao ir atrás do celular. Descobriu-o
ao lado do seu travesseiro, desligado. Tinha deixado ele ali, depois de falar
com Hadassa e esquecido de carregar. – Droga! Seu celular?
— Eu deixei o meu desligado também. Desde às cinco da manhã, quando
a primeira matéria subiu, que não paro de receber ligações de jornalistas. O
que eu faço, Júlia? Qual conduta devo adotar?
— Eu não sei – respondeu já com lágrimas rolando pelo seu rosto. – Eu
preciso falar com Micaela, com Hadassa! Ela não é uma pessoa pública, não
faz a mínima ideia de como lidar com tudo isso. Tenta falar com ela, por
favor!
— Ok. Vamos nos manter em silêncio, tenta falar com as pessoas mais
próximas, veja como está toda a situação. Conforme for, damos um
comunicado, uma entrevista, o que for melhor.
Júlia assentiu com um aceno e tombou na cama, com medo do que estava
por vir. Sabia o quanto a imprensa podia ser sensacionalista, mas naquele
caso, estavam noticiando nada mais que a verdade: de fato havia ficado com
Hadassa quando ela ainda namorava com sua filha. Todas as coisas horríveis
que estavam falando a seu respeito tinham fundamento. Tinha cometido um
ato que não conseguia denominar, tamanho o absurdo. Sentia mais pela filha:
não tinha tido nem tempo de conversar com ela, para que pudesse ter uma
conversa esclarecedora, sem todo aquele circo.
A mente começou a buscar possibilidades de quem poderia ter vazado
aquela informação. Somente poucas pessoas sabiam que tinha ficado com
Hadassa enquanto ela ainda estava com Micaela: Alberto era uma dessas
pessoas, mas o ex-marido jamais faria aquilo, conhecia sua índole. Verônica
também sabia que tinha ficado com Hadassa, mas ela não sabia que haviam
ficado juntas no dia anterior, da mesma forma que Alberto também não sabia.
Sua resposta veio junto com o anuncio de Mariana de que Jaqueline estava
ali. Viu a irmã entrar em seu quarto e seus olhos crisparam de raiva.
— Foi você, não é?! Você que fez tudo isso para me separar da Hadassa!
— Pode nos deixar a sós, por favor, Mariana? – pediu Jaqueline. –
Obrigada.
Jaqueline acompanhou a saída da assessora e foi até a porta, para fechá-la.
Se virou para Júlia, que a observava com raiva, enquanto lágrimas rolavam
pelo seu rosto. Novas ofensas foram proferidas pela atriz, mas a educadora
preferiu não rebater: se ela precisava de alguém para descontar a raiva
naquele momento, decidiu que faria aquele papel.
— Eu não fiz nada, Júlia – respondeu quando a irmã se calou. – Era um
fato de algo dessa magnitude não seria guardada por muito tempo.
— Você era uma das poucas pessoas que sabia disso! Que sabia dos
detalhes!
— Uma das, falou bem. Mais pessoas sabiam disso.
— Por que fez isso, Jaque?! – perguntou já sem forças, entregue a uma
nova onda de choro. – Que mal eu fiz pra você pra fazer isso?! Micaela nunca
vai me perdoar, nunca!
— Eu vou ser bem sincera e espero não ter que responder isso de novo.
Eu jamais falaria sobre essa pouca vergonha com a imprensa porque tenho
verdadeiro asco do que fez. Pra mim, essa história ficaria sempre embaixo do
tapete. Eu jamais teria coragem de procurar um repórter para falar uma coisa
tão absurda como essa.
— O que está fazendo aqui, Jaque?
— Por mais que eu seja contra o estilo de vida que quer levar, eu ainda
sou sua irmã mais velha. Eu sei que esse momento será muito, muito difícil
pra você. Estou aqui como sua irmã, para ficar à sua disposição para o que
precisar. Se quiser desmentir tudo isso, eu apoio, eu confirmo com você em
alguma entrevista. Podemos enterrar tudo isso com um sorriso e acabou.
— Vai embora, Jaqueline, vai embora, por favor!
— Pensa sobre isso. Podemos desmentir tudo. Tenho certeza que Alberto
concordará com qualquer coisa que quiser fazer.
— Sai daqui! – gritou ao jogar um travesseiro na sua direção.
Jaqueline balançou a cabeça em sentido negativo e saiu do quarto. A Júlia
restou se jogar sobre os lençóis, colocando o medo que estava sentindo,
naquele momento, para fora em soluços altos. Tinha feito tudo errado.
Mariana voltou a ficar junto a atriz durante parte da manhã, até que ela se
acalmasse. Júlia se afastou para fora da cama e parou no banheiro, olhando-se
no espelho de frente ao toucador. Voltou os olhos para a pia de porcelanato e
enxergou a escova de dentes de Isabela, que havia ficado ali para o uso da
menina, quando ela voltasse no fim de semana. Passou as mãos no rosto e
respirou fundo, tonando a encarar-se.
— Se recomponha! – ordenou a si mesma. – Se recomponha e arrume
essa bagunça!

Longe dali o homem olhava abismado para a tela do computador. Se


levantou nervoso, andando de um lado para o outro, com a mente trabalhando
em disparada, conectando coisas irreais. Parou na frente do grande poster de
Júlia Albuquerque, que mantinha no quarto, todo dedicado a ela e mirou os
intensos olhos azuis.
— Você não pode fazer isso, meu amor. Eu podia aceitar Alberto, mas
não uma mulher, essa mulher!
Uma mão foi para a cabeça, enrolando uma mecha em um dedo para
arrancar em seguida. Olhou para o tufo de cabelos em sua mão e tornou a
mirar a foto da atriz.
— É isso, eu preciso te libertar. Esse mundo já está muito perverso para
uma deusa como você!
Capítulo 39
Hadassa baixou o telefone, frustrada, por não conseguir falar com Júlia.
Olhou para a filha, ainda entretida com o desenho na televisão e se encostou
contra o sofá, respirando fundo. O barulho do portão sendo aberto fez com
que se fosse até a janela em alerta, mas relaxou ao enxergar Ranellory entrar
no quintal. Em questão de segundos a irmã apareceu na porta.
— Hadassa que loucura é essa?! Seu nome e de Júlia estão no top trends
do Twitter! Mais de trinta mil tweets! Vim correndo, assim que vi a notícia!
— Não sei o que isso quer dizer, mas já viu que vazaram tudo para a
imprensa sobre minha relação com Júlia! Eu nem consegui sair de casa hoje!
— Eu vi que tem alguns fotógrafos aí na frente, acho que repórter
também. Era isso que eu temia, você ser exposta dessa maneira por estar com
Júlia. Sabe quem fez isso?
— Não tenho a mínima ideia! Provavelmente alguém que quer lucrar em
cima disso ou me separar de vez dela. Você não faria isso, não é?
— Eu vou fingir que nem escutei essa última pergunta absurda porque eu
sei que está nervosa! – respondeu Ranellory encarando a irmã. – E Isabela?
— Ela nem sabe o que está acontecendo. Só está feliz por não ir para a
escola novamente. Eu ainda não engoli aquela história absurda que inventou
para Júlia de eu ter uma namorada. Isso aqui é muito mais grave que uma
simples mentira!
— Eu já disse porque eu fiz aquilo! Eu queria te proteger porque eu vi a
bagunça que você estava! Se Júlia voltasse, toda cheia de atenção, ia acabar
se tornando amante dela! Não percebeu isso?!
— Júlia já estava separada quando Micaela terminou! Isso você não
sabia, sabia?
Ranellory encarou a irmã, atônita.
— Não... Não sabia. Quando ela separou?
— Poucos dias depois que ficamos.
— Ela não queria apenas te usar... Ela...
— Ela me ama, Rane, da mesma forma como eu amo aquela mulher! Eu
sei que vai dizer que é estranho porque ela é minha ex-sogra, blá blá blá. Eu
conheço esse roteiro, mas não posso mudar o passado, só que agora eu tenho
uma oportunidade de um futuro com ela! Ou tinha! Nem sei mais, depois
disso tudo!
— Eu não sabia, Hada, me perdoa! Eu não sabia! Eu só queria te
proteger!
— Eu também não sabia até dois dias atrás, mas se eu tivesse conversado
com ela naquela época, eu saberia! Enfim, isso agora também já foi, ficar te
acusando não vai mudar nada, mas nunca mais, nunca mais na sua vida, se
meta na minha dessa forma.
— Me desculpe, eu não quis te causar nenhum mal, eu...
Ranellory se calou quando escutou o barulho da campainha. Hadassa se
levantou e foi até a janela para enxergar Bianca.
— É a Bia. Abre pra mim?
— O que ela está fazendo aqui?
— Vai me orientar com isso tudo.
Ranellory concordou com um aceno e levantou, indo fazer o solicitado.
Hadassa foi até a filha, apenas para se certificar de que ela ainda estava
entretida com o desenho e a descobriu dormindo. Estava ajeitando-a para
uma posição mais confortável quando a assessora entrou.
— Eu não vou nem falar a vontade que eu tenho de...
— Schiii – pediu Hadassa ao se virar e apontar Isabela.
— De te dar um tapa! – terminou sussurrando. – Ah Isabela! Mais linda
que nas fotos que me mostrou!
— Obrigada.
— Vamos conversar sobre essa bagunça!
Hadassa anuiu e seguiu com a assessora para a cozinha. Começou a
preparar um café, enquanto Bianca ocupou um lugar à mesa, deixando o
celular de lado.
— Bom, eu preciso dos fatos.
— Já está tudo aí, eu fiquei com Júlia, depois daquele evento de terça-
feira, passei o dia com ela ontem e hoje está aí, tudo estampado pra quem
quiser ver.
— Filha da puta! Ok. E antes? Como foi o antes?
— Eu comecei a trabalhar para Júlia, como segurança de Micaela. Eu me
envolvi com Micaela, mas Júlia sempre me tirou de eixo. Antes de ela ir para
o Rio, escancaramos sentimentos uma pela outra, mas não tinha como dar
certo naquela ocasião. Acabamos nos separando por meses, mais de um ano,
entre a mudança dela e seu retorno. Nós ficamos quando ela veio visitar a
Micaela para se despedir, quando Mic foi fazer o curso em Paris. Desde então
não tinha tido mais notícias dela, a não ser o que saia na imprensa, até terça-
feira, quando dei de cara com ela no evento.
— Quem sabia de todos esses detalhes?
— Da minha parte só Ranellory. Não sei se ela contou para alguém que
ficamos. Não tinha como ninguém saber daquele beijo!
— Vamos nos ater ao que saiu nas matérias, que o envolvimento de vocês
aconteceu naquela época. Em nenhum momento foi mencionado um detalhe
mais íntimo como beijo. Quem sabia que as duas andavam de conversinhas?
— Ranellory, Mariana, que é assessora de Júlia. Alberto sabia que ela
estava apaixonada por uma mulher, mas pelo que entendi ele não sabia que
era eu... Não sei, pode ter mais pessoas.
— Com toda a certeza tem. Nós precisamos saber quem falou, para
encontrar essa fonte e fechar. Já lhe adianto que é alguém do alto escalão.
Quem fez a primeira divulgação disso foi Fernando Almeida. Ele é um
fofoqueiro de mão cheia, mas ele só publica o que tem certeza. Alguém que
tenha acesso a esse cara, logo já te garanto que isso vazou pelo lado da Júlia.
— O que eu posso fazer?
— Tem que tirar Isabela dessa casa, levar ela para um lugar onde a
imprensa não tenha acesso a ela.
— A casa da avó, mãe da Rebeca. Lucimara sempre fica com ela, quando
eu ou Rane não podemos.
— Ótimo! Ainda bem que trocou sua moto no carro. Já podemos colocar
ela no carro dentro da garagem mesmo, sem contato com o pessoal lá fora. Já
conseguiu falar com Júlia?
— Não. Os telefones dela estão desligados.
— É importante que consiga esse contato. Eu preciso saber exatamente o
que você e ela farão, o que está sendo alinhado pela assessoria dela, para
alinhar com qualquer coisa que você falar...

Isabela acordou com o barulho do desenho que era reproduzido na


televisão. Sentou, olhou ao redor e não enxergou a mãe ou a tia. Pegou o
cobertor, que carinhosamente chamava de cheirinho, e saiu atrás dos adultos.
Enxergou a mãe, a tia e uma mulher que não conhecia na cozinha e deu meia
volta, indo atrás de Floquinho. Abriu a porta da sala e seguiu para a garagem,
tentando encontrá-lo. Uma mulher bem vestida se aproximou do portão, ao
ver a menina sonolenta e seu cobertor.
— Oi pequena – sorriu simpática. – Meu nome é Paula. Você quem é?
— Isabela.
— Que nome lindo, Isabela! Você toda é muito lindinha!
— Eu sei. Sou linda igual minha mãe Rebeca.
— Sua outra mãe, né? Sua mãe dois é a Maya Hadassa?
— É, mas ela não gosta do Maya. É só Hadassa!
— Eu também tenho dois nomes. É Ana Paula, mas eu gosto só do Paula.
— Por que vocês tiraram fotos nossas quando estava indo para a escola?
— Por causa daquela atriz, Júlia Albuquerque. Conhece?
— É a tia Júlia! Ela é muito legal! Ontem eu passei o dia na casa dela,
brinquei na piscina. Sabia que ela tem uma piscina enorme?
— Eu imagino que sim! Deve ser muito legal né?
— Muito! Depois a gente viu desenho. Já assistiu Valente?
— É muito bom! Meus preferidos são os gêmeos!
— Eu gosto da Mérida.
— Por que você gosta dela?
— Porque eu sou parecida com ela — Isabela fez uma pausa para sorrir
para a câmera que mirou para ela, arrancando um risinho da repórter. –
Também porque ela faz tudo o que ela quer. Ela é forte, guerreira! Eu sou
como ela!
— Estou vendo! E você gosta muito da tia Júlia?
Isabela não respondeu de pronto. Fez uma nova pose para outras duas
câmeras que se juntaram a primeira.
— A tia Júlia é muito legal. Você viu o Floquinho?
— Não vi, meu amor. É o seu cachorrinho?
— É. A Mic me deu ele, quando ela foi embora.
— A Micaela, filha da tia Júlia?
— É. Ela namorava com minha mãe Hadassa, mas aí ela foi estudar fora.
— E sua mãe está namorando com quem agora?
— Ela não fala, mas eu acho que ela tá namorando com a tia Júlia – falou
baixando a voz, em tom confidencial. – Elas dormiram no mesmo quarto e na
casa da tia Júlia tem um monte de quartos que eu vi...

Hadassa deu um suspiro, depois de narrar pela segunda vez, e com


detalhes, tudo o que tinha acontecido entre Júlia e ela no passado. Se
levantou, já esgotada, e foi para a sala, conferir se Isabela continuava
dormindo. Sentiu o corpo congelar quando viu o sofá vazio e a porta aberta.
Correu para a janela constatar o obvio, a filha estava na garagem, fazendo mil
e uma poses para os fotógrafos que estavam ali.
— Merda! – exclamou em alto e bom tom.
Bianca levantou apressada, para ver o que se passava e automaticamente
viu Hadassa saindo. Seguiu atrás da segurança para a garagem e se dirigiu ao
pequeno aglomerado no portão, enquanto a morena pegava a filha no colo e
retornava para dentro.
— Se alguma foto de Isabela ir parar na mídia, vocês serão processados!
Vocês não possuem autorização para publicar imagens de um menor de
idade, sem o consentimento do responsável!
— É claro. É uma menina adorável! Meu nome é Paula, você é?
— Bianca Costa. Sou assessora de Hadassa. Se qualquer imagem de
Isabela sair, já podem acionar os advogados!
Bianca não esperou resposta. Deu as costas e voltou para dentro, onde
Hadassa conversava com a filha. Não estava brava com ela, nem tinha como
ficar brava em uma situação como aquela.
— O que eu disse sobre não sair, meu amor?!
— Eu tava procurando o Floquinho. Aí eles tiraram um monte de fotos!
— Você é uma amostrada, mocinha! Por que quis tirar foto? A moça
pediu?
— Não. O moço que começou a tirar, aí eu arrumei o cabelo para não
ficar feia.
— Não tem como você ficar feia, te garanto isso, mas agora, você não
pode tirar essas fotos, tá bom? – explicou Bianca. – Depois a sua mãe
contrata um fotografo e poderá tirar muitas fotos!
— Posso mesmo, mãe?
— Pode, princesa. Vai brincar no seu quarto agora, vai. Floquinho está
deitado na sua cama.
Isabela levantou de um pulo e correu para o quarto. Hadassa trocou um
olhar com Bianca e se jogou no sofá. Não fazia a menor ideia do que fazer
naquele momento. Olhou para Ranellory, encostada no batente da porta,
também pensativa. Estava expondo todas de forma negativa para o Brasil
inteiro, principalmente a filha, a pessoa que mais queria proteger no mundo.
Os pensamentos foram desviados para a irmã e o seu celular que tocava.
Observou-a atender a chamada.
— Oi Mariana... Aqui está um caos... Ela está sim, vou passar pra ela.
— Mariana, assessora de Júlia? – perguntou Bianca.
— Isso.
— Deixa eu falar com ela rapidinho. Oi Mariana, meu nome é Bianca
Costa, sou assessora de Flávia Bittencourt e estou assessorando Hadassa
nesse momento. Você pode ligar no meu telefone? Eu quero saber qual o
posicionamento de vocês, para que possamos alinhar uma estratégia daqui
também, anota ai... Obrigada!
Bianca repassou o telefone para Hadassa que conversou rapidamente com
a assessora enquanto rumava para o quarto. Assim que fechou a porta do
aposento, escutou a voz de Júlia do outro lado. Foi como um bálsamo naquele
momento.
— Oi linda!
— Oi meu anjo! Como você está? Como as coisas estão por aí?
— Completamente malucas! Nunca imaginei que ser exposta na mídia era
isso. Nem consegui sair de casa para trabalhar!
— Nem tem como você trabalhar nesse momento! E Isabela?
— Acabou de me aprontar uma! Estava conversando com Bianca e me
distraí com ela por poucos minutos e a encontro na garagem, fazendo poses
para o pessoal que está fazendo plantão na frente da minha casa.
— Meu Deus, Hadassa! – riu Júlia. – Já está se familiarizando com as
câmeras!
— Já. Eu vou levar ela pra casa da avó daqui a pouco, assim ela fica
longe disso tudo.
— É o melhor. Bianca está aí com você, não é?
— Sim, ela me xingou um bocado e veio me auxiliar.
— É bom que tenha alguém agora. Eu liguei justamente para isso, para
saber como estava e indicar alguém para ficar com você, mas vejo que não
precisa – disse tentando, ao máximo, reduzir o tom enciumado, que não
passou desapercebido pela segurança.
— Ela é assessora de Flávia, é boa no que faz. Não pense, nem por um
minuto, que é por outra coisa que não seja profissional.
— Espero que ela veja dessa maneira também.
— O importante é que eu veja, não é? – sorriu Hadassa. – Depois do que
eu já falei pra ela sobre nós, do que aconteceu naquele evento, Bianca não vai
mais me ver com outros olhos, pode ter certeza.
— Tá bom. O que você não precisa agora é que eu tenha um ataque de
ciúmes.
— Gostei de saber que tem ciúmes. Significa que se importa.
— Não deixei claro isso ainda? Durante todos esses meses?
— Deixou. É um tanto surreal ainda.
— Boba!
— E como você está?
— Péssima! Estou tentando falar com Micaela, mas ela não me atende.
Alberto está vindo pra cá, estou me torturando ao imaginar qual será a reação
dos dois.
— Acha que seria de bom tom eu ir até aí?
— Depende do que vamos fazer. Se está disposta a assumir nosso
relacionamento, se quer enfrentar isso comigo. Eu sei que era pra ser uma
coisa natural, mas as circunstancias mudaram bastante.
— Eu vou ficar do seu lado, linda. O que decidir fazer, eu vou concordar
e te apoiar. Só tenho que proteger Isabela disso tudo. Não quero ela exposta
na mídia.
— Faremos isso. Vem pra cá. Estou precisando do seu conforto nesse
momento.
— Só vou deixar Isa com a avó e vou. Agora de manhã, Lucimara está na
fisioterapia, mas assim que ela voltar, eu já deixo Isabela na casa dela e vou.
— Estou te esperando!
Júlia ainda ficou por mais uma hora com Hadassa no telefone, enquanto
Mariana e Bianca tomavam a decisão de se manterem em silêncio naquele
dia. Somente depois que Hadassa e Júlia conversassem pessoalmente, é que
alinhariam as declarações que fariam ao público. Quando a atriz desligou a
chamada, já se sentia mais revigorada.
— Bom, sem contato com imprensa hoje – sorriu Júlia. – Eu vou subir
para o meu quarto, quando Alberto chegar, me avise – pediu à Mariana.
— Pode deixar.

Alberto chegou na antiga casa já ia dar duas horas da tarde. Observou


alguns colegas de imprensa do lado de fora da propriedade e coçou a cabeça,
ao mesmo tempo em soltava um suspiro profundo. Não era apenas uma
fofoca de que Júlia estava com uma mulher: era a ex namorada da própria
filha, com quem tivera um envolvimento enquanto ainda estavam juntas.
Conhecia bem como funcionava a imprensa sensacionalista para saber que
aquilo era um prato cheio.
Assim que desceu na frente da entrada principal, Mariana apareceu para
recepcioná-lo e juntos foram para a sala, enquanto a assessora relatava os
últimos acontecimentos. Se despediu do jornalista quando Júlia apareceu nas
escadas.
— Oi Alberto.
— O que foi isso, Júlia?
— Alguém vazou o que eu estava tentando arrumar de forma mais amena
o possível.
— Hadassa? Você ficou com ela aqui, enquanto ela estava namorando
com nossa filha?
— Eu não preciso de acusações nesse momento, Alberto!
— Me desculpe! – recuou. – Como você está?
— Péssima! Não era para ser dessa maneira, eu queria ter tido tempo de
sentar com você e Micaela, junto com Hadassa para explicar tudo, ser
honesta, mas não tivemos tempo. Nos encontramos só ontem e hoje já veio
tudo isso à tona!
— Me explica isso direito.
Antes que Júlia abrisse a boca para responder, Mariana entrou na sala.
— Desculpa interromper, Júlia, chegou esse pacote pra você. Vou deixar
no escritório.
— Verifica o que é pra mim? Estarei no quarto com Alberto.
A assessora concordou com um aceno e tomou a direção do escritório. A
atriz e o jornalista tomaram a direção das escadas, mas antes que pudessem
alcançar o quarto, se assustaram com a explosão vindo de baixo. Se abaixou,
olhando aterrorizada para Alberto e tornaram a voltar para o piso inferior. As
coisas começaram a passar em câmera lenta, enquanto via os funcionários
correndo para o escritório e o segurança retornando, ensanguentado, ao
mesmo tempo em que falava ao celular. Encarou, aterrorizada, Alberto, que
também a olhava com pavor nos olhos.
Capítulo 40
Júlia continuou atônita, olhando a movimentação da escada, sem
conseguir descer ou falar qualquer coisa. Outro segurança se aproximou e
começou a conversar com Alberto, mas a mente, dopada, não conseguiu
processar nada. Viu Nicéia chorando, sem conseguir se aproximar do
escritório, sendo amparada por Camila, e Henrique, o mesmo segurança que
ostentava manchas de sangue, correu de volta ao escritório com uma caixa
que não conseguiu identificar.
— Júlia! Olha pra mim, Júlia!
— Era pra mim – conseguiu balbuciar ao encontrar os olhos de Alberto,
focados nos seus, meio embaçados por causa das lágrimas. – Era pra mim,
Alberto!
Alberto abraçou a atriz, que claramente estava em estado de choque, e
tentou puxá-la para cima novamente, mas tendo um momento de lucidez,
Júlia se desviou dos seus braços e terminou de descer as escadas, tomando a
direção do escritório. Antes que pudesse alcançar seu objetivo, foi impedida
por Igor, outro segurança da propriedade.
— Melhor não, Júlia. Nós já chamamos a ambulância, a polícia, vai ficar
tudo bem.
— Mariana... Mariana está...
— Ela está com pulsação ainda. Henrique está mantendo-a como pode.
Agora o melhor é não se aproximar para não ficar ainda mais impressionada e
acabar atrapalhando o trabalho dele – o segurança foi objetivo.
— Jú, vem comigo, eu vou te dar um calmante, você precisa se acalmar!
— O pacote era pra mim, era eu quem deveria estar naquele chão,
Alberto!
— Vamos subir.
Com muito custo, Alberto conseguiu levar Júlia para o andar superior. A
atriz andava de um lado para o outro, desesperada, e só parou quando Alberto
conseguiu fazer com que ela tomasse um comprimido. Na sequência,
escutaram o barulho de sirenes se aproximando da casa. Alberto desceu para
receber os profissionais, orientando que Júlia permanecesse no quarto.
No piso inferior, o jornalista acompanhou de longe a equipe de resgate
que trabalhava nos primeiros socorros aplicados em Mariana. Não conseguiu
ver exatamente o estado em que ela estava, pois quando saiu na maca, estava
envolta em uma manta térmica de alumínio, mas pode ver algumas
queimaduras em seu rosto. Balançou a cabeça em sentido negativo, enquanto
via a casa cheia de policiais.
— Alberto Caloni, meu nome é Clarice Lisboa, sou investigadora da
polícia civil, podemos falar por alguns minutos?
— É claro. No que eu puder ajudar.
— Você saber me dizer exatamente o que aconteceu aqui?
— Sim, eu cheguei do Rio, pouco antes do atentado. Júlia, minha ex-
esposa, me recebeu e Mariana, assessora dela, informou que tinha chegado
um pacote pra ela. Júlia pediu que ela verificasse e subimos para o quarto,
para conversar sobre os últimos acontecimentos, mas antes que pudéssemos
falar qualquer coisa, ouvimos a explosão.
— Acredita que isso pode ter a ver com a notícia de que Júlia está
envolvida com Maya Hadassa, ex-namorada da filha de vocês?
— Provavelmente. A notícia deve ter ativado algum gatilho em algum fã
obcecado por ela, algo do gênero. Não é coincidência.
— Você tinha conhecimento de que Júlia tinha algum fã obcecado que
chegasse ao ponto de tentar machucá-la?
— Os normais da internet, alguns que deliravam bastante, mandavam
mensagens e mais mensagens, mas nunca algo nesse porte.
— Júlia, onde está?
— Eu dei um calmante para ela, estava muito agitada.
— Eu quero verificar a gravação da câmera de segurança para identificar
quem fez essa entrega. Podemos acessar o sistema da casa? A perícia também
irá trabalhar na coleta de evidências. Conhecendo o artefato, temos algumas
respostas.
— Pode verificar o que for necessário. Esperamos uma resposta, o quanto
antes, desse triste episódio. Passei meses no meio de conflitos, na Síria, e
explode uma bomba dentro de casa!
— Não se preocupe, Alberto, estaremos empenhados em resolver isso.
Quando for apropriado, gostaria de falar com Júlia.
— Está certo.
— Oriento também que saiam dessa casa. Claramente se tornou um alvo e
não temos um perfil de quem está por detrás disso. Se tiverem uma casa mais
afastada, uma chácara ou apartamento seria ótimo.
— Levarei Júlia para uma chácara que possuímos. Poucas vezes vamos
lá. É certeza que ninguém conhece. Só me diga quando posso fazer isso e já
vamos imediatamente.
— Perfeito. Me passe o endereço e irei conversar com vocês lá, assim que
surgir novidades no andamento. Já podem ir de imediato. Uma viatura
acompanhará vocês.
— Pela sua experiência, acha que é um caso difícil?
— Acredito que não. Se a câmera de segurança nos der a placa do carro,
podemos fazer o rastreio pela central de monitoramento de tráfego. Melhor
ainda se tivermos um rosto.
— Obrigado pela cooperação da civil nesse momento. Vou deixar meu
telefone pessoal com você, qualquer coisa, me avise.
A investigadora ainda trocou algumas palavras com Alberto, antes de se
afastar para falar com Igor, que a levaria até o computador usado pelos
seguranças no monitoramento da propriedade. Alberto tornou a subir as
escadas e encontrou Júlia sentada no chão, encostada no recamier, enquanto
chorava, com o celular na mão. Se abaixou do seu lado e tirou o aparelho da
sua mão, antes de abraçá-la.
— Vai ficar tudo bem, ok? Nós temos que ir para a chácara. Não é seguro
que permaneça aqui.
— Eu preciso falar com Hadassa, ela estava vindo pra cá. Eu preciso falar
com ela.
— Hadassa vai ter que esperar alguns minutos. A prioridade é te colocar
em segurança. Ela também é treinada, vai conseguir identificar alguma coisa,
caso isso chegue até ela. Depois vocês conversam.
Júlia anuiu e ainda ficou alguns minutos chorando no ombro de Alberto,
antes de reunir forças e se levantar, para arrumar uma pequena bolsa com
seus itens principais. Desceu as escadas, depois de uma hora, e ainda
conversou com a investigadora Clarice por alguns minutos, antes de ser
conduzida para fora, onde um carro já a esperava. Os seguranças tomaram a
direção e banco carona, enquanto se acomodou no banco detrás com Alberto.
O veículo rumou para a saída e enxergou a quantidade de repórteres e
câmeras presentes. Uma viatura acionou o giroflex e começou a fazer sua
escolta, enquanto via a casa ficando para trás. Tinha a sensação de que o
pesadelo tinha acabado de começar.

Hadassa prendeu o cinto de segurança em Isabela, no banco detrás do


veículo, ignorando os chamados de dois repórteres. Iria deixar Isabela com a
avó, depois Ranellory na casa de Cristiano e só então seguiria para a casa de
Júlia. Bianca, ao seu lado, parecia preocupada.
— A ligação para o telefone de Mariana não está completando –
reclamou ao abrir a porta do carro.
— Do caminho você tenta – respondeu ao abrir a porta do motorista.
Paula, ao celular, automaticamente se aproximou do portão.
— Hadassa! Júlia Albuquerque sofreu um atentado!
A segurança travou, com a mão ainda na porta, e olhou para a repórter.
Bianca desceu do outro lado, com a feição desconfiada. Percebeu que outros
atenderam telefones também, confirmando que algo devia ter acontecido. Se
aproximou da mulher, ao mesmo tempo em que Hadassa.
— O que aconteceu?
— Meu colega. que está fazendo plantão na casa da atriz. disse que
minutos antes teve uma explosão na casa, tem movimentação de pessoas.
Carros de polícia e ambulância acabaram de chegar.
Bianca pegou o celular para checar a informação, enquanto Hadassa
sumia pelo corredor lateral, retornando à casa com o celular na orelha.
Quando voltou para a garagem, estava usando um casaco e a assessora
deduziu que ela tinha ido pegar a arma. No celular, um amigo relacionado a
mídias, confirmou a informação.
— Aconteceu algo na casa dela mesmo. Não faço ideia ainda do que é,
mas vamos descobrir!
— Eu estou tentando todos os telefones, mas ninguém atende – respondeu
a morena, nervosa. – Mudança de plano, Rane. Fica aqui com Isabela, pede
pro Cris vim pegar vocês. Eu vou direto para a casa da Júlia.
— Eu vou acompanhar por aqui! Cuidado, Hada!
— Vai para o banco do carona – mandou Bianca ao ver Hadassa ir para a
porta do motorista.
— Eu estou bem para dirigir, Bia.
— Não, não está. Não quero sofrer nenhum acidente até lá, nem que você
acumule umas vinte multas nesse percurso.
Hadassa deu um suspiro e, derrotada, foi para o banco do carona. Bianca
assumiu a direção e em poucos minutos já estavam a caminho da casa de
Júlia. A todo momento, Hadassa tentava um contato com ela, mas não
conseguiu falar com ninguém. As notícias começaram a aparecer nos sites,
deixando a segurança ainda mais preocupada e aflita. Sentiu o coração na
boca quando chegaram a propriedade e viu a quantidade de carros de polícia
no local. Deixou a arma escondida embaixo do banco e desceu apressada,
sem nem ouvir Bianca que falava alguma coisa e correu para falar com Igor,
que estava na frente da casa.
— Onde Júlia está? – perguntou ao se aproximar. – Como ela está?
— Entra, Hadassa – pediu o segurança ao ver as equipes de reportagem
começarem a filmar a morena.
— Ela está aqui? Me diga que nada aconteceu com ela, por favor! –
insistiu ao acompanhá-lo.
— Ela está bem. O pacote explodiu com Mariana.
— Meu Deus! Como ela está?
— Foi levada para o hospital. Não está nada bem, mas ela vai conseguir
sair dessa.
— E Júlia?
— Ela estava no andar de cima, não aconteceu nada com ela. Por
precaução, a investigadora pediu para ela sair da casa. O pacote foi
direcionado a ela, era pra ela.
Hadassa ia abrir a boca para pedir o local onde Júlia tinha sido levada,
mas foi interrompida pela mulher morena que se aproximou e se apresentou
como responsável da ação policial na casa.
— Onde Júlia está, Clarice?
— Você é Maya Hadassa, certo? Eu posso te assegurar que ela está
segura, está bem. Você notou algo diferente, quando esteve aqui na última
vez?
— Não. Eu passei a noite de antes de ontem, pra ontem e o dia com ela.
Minha filha estava conosco, elas brincaram na piscina, assistimos filmes. Um
dia normal. Não recebeu visitas, nem telefonemas.
— Ela mencionou com você se alguém a estava ameaçando?
— Não.
— Sabe de alguém que pode ter ficado zangado com a notícia do
relacionamento de vocês?
— Não. Algumas conjecturas apenas. Pode ter sido um fã que ficou
transtornado. Algum homofóbico. Por Júlia ser uma pessoa pública, existem
algumas possibilidades, até mesmo quem abriu para a imprensa sobre nosso
relacionamento.
— E quem foi?
— Não faço a mínima ideia. Acordei com essa notícia de manhã, ainda
nem tinha encontrado com Júlia pessoalmente.
— Ok. Para segurança dela, Júlia foi levada a um local desconhecido.
Preferimos manter assim até saber quem fez esse atentado. É bom também
que fique em um local seguro. Não sabemos quem está por detrás disso.
— Eu preciso falar com ela! Eu preciso ouvir dela que está bem!
— Você vai conversar com ela, mas nesse momento é importante que se
mantenha em segurança também. Me passe seu número de telefone, entrarei
em contato.
Hadassa suspirou, resignada, sabendo que a investigadora não lhe diria o
lugar onde Júlia fora levada. Se limitou a passar o seu telefone, sentindo-se
impotente diante da situação. Estava tomando o caminho da rua, quando viu
Jaqueline entrando na propriedade.
— Oi Jaqueline! Você conseguiu falar com Júlia?
— Não. Que loucura tudo isso, Hadassa! – exclamou a mulher ao passar a
mão na cabeça. – Eu vim falar com ela de manhã, mas ela não estava com
muito bom humor, dada as circunstancias, se é que me entende, mas isso?!
Minha irmã sofrendo um atentado?!
— Eu preciso ver ela. A investigadora disse que ela foi levada para algum
lugar seguro. Você tem ideia de onde ela pode ter ido?
— Não é melhor ficar mais afastada agora? Com tudo isso, essa super
exposição, Júlia sendo atacada... Você tem a princesa da Isabela para proteger
disso tudo!
— Isabela está segura. Eu não vou deixar Júlia nesse momento e eu vou
encontrá-la. Só me facilitaria se me dissesse onde ela está, assim não fico as
horas seguintes procurando por ela.
— É de bom tom que fique mais afastada nesse momento, Hadassa, eu...
— Eu não vou desistir de encontrá-la, Jaqueline. Ninguém vai me fazer
mudar de ideia.
Jaqueline encarou Hadassa por alguns segundos, duelando com uma
decisão. Não tinha ideia do quão determinada a segurança poderia ser, ou o
que poderia fazer para conseguir chegar até Júlia. O melhor era cuidar
daquilo com precaução: não poderia correr o risco de outro escândalo.
— Alberto está com ela. Acho que foram para a chácara, é o único lugar
que eu conheço que eles possuem e que quase ninguém sabe. Vou fazer uma
ligação.
Hadassa concordou com um aceno, assistindo a mulher levar o celular à
orelha. Em poucos minutos já tinha a confirmação que queria.
— Ela está indo para a chácara mesmo. Alberto também acha que é bom
que você esteja com ela. Nesse momento ela está dormindo, teve que tomar
calmante para conseguir ficar menos agitada.
— Qual o endereço?
— Eu vou com você. Eu preciso ver minha irmã.
Hadassa anuiu e juntas tomaram a direção da rua. Bianca mudou para o
banco do carona, enquanto a segurança tomava a direção, depois de voltar a
arma para a cintura. O carro de Jaqueline saiu depois de alguns segundos e
começou a acompanhá-lo. Durante todo o trajeto foi aflita, pensando em
como Júlia estava naquele momento.
O local onde Júlia possuía a chácara ficava bem afastado da cidade, num
terreno de pouco acesso, ladeado por mata. Jaqueline se identificou para o
primeiro segurança e Hadassa fez o mesmo, observando também a viatura
policial. Seguiram até parar na frente da casa, onde Alberto já as esperava.
— Oi Alberto!
— Oi Hadassa. Quanto tempo e que circunstancias de um encontro, não
é?
— O pior cenário, mas conversamos sobre isso depois. Onde Júlia está?
— Lá dentro.
Hadassa fez menção de entrar, mas Júlia apareceu na porta, correndo para
abraçá-la. Apertou-a em seus braços, ao mesmo tempo em que beijava seu
rosto e cabelo, aliviada por vê-la bem. Podia sentir o alivio na atriz também,
que retribuía seus carinhos.
— Eu fiquei com tanto medo! Eu achei que nem iria mais te encontrar! –
desabafou a atriz.
— Eu jamais te deixaria em um momento como esse! Nunca!
— Obrigada por estar aqui. Eu precisava tanto desse abraço, não tem
ideia!
— Eu queria já ter lhe dado, mas eu não consegui chegar antes. Me
desculpe por isso!
— Está tudo bem. O importante é que está aqui. Quem te trouxe?
— Jaqueline.
— Jaque? – perguntou a atriz desviando os olhos da morena para
enxergar a irmã. – Obrigada, Jaque.
— O que eu não faço por você, minha irmã!
Júlia captou o tom sarcástico que passou desapercebido pelas outras
pessoas presentes. Resolveu ignorá-lo e voltou a encarar Hadassa, que tinha
os olhos cheios de carinho e preocupação. Deu um beijo demorado em seus
lábios, e tornou a abraçá-la com força.
— Eu fiquei com medo de que se afastasse por conta disso tudo, para
proteger Isabela.
— Isabela está bem protegida. Nem eu sei onde ela está agora – sorriu. –
Eu te amo, Júlia, independente do que vier pela frente, nós vamos enfrentar
juntas.
— Eu também te amo! Tanto, tanto! Faremos isso juntas!
Júlia tornou a dar outro beijo nos lábios de Hadassa e apertou-a em seus
braços mais uma vez. Tinha certeza que poderiam enfrentar qualquer coisa
juntas.
Capítulo 41
Júlia se afastou de Hadassa, com uma feição mais leve e uma postura
mais segura. Virou-se para Alberto, Bianca e Jaqueline que conversavam
mais afastados, para dar privacidade ao casal.
— Vamos entrar? Acho que precisamos esclarecer algumas coisas.
— Obviamente se trata de um assunto familiar – se manifestou Bianca. –
Eu vou esperar aqui fora.
— Bianca, não é? Acredito que já sabe o que aconteceu com Mariana.
— Infelizmente sim. Estou na torcida para sua plena recuperação.
— Você pode me ajudar com algumas coisas? Eu pago pelos seus
serviços. Preciso de alguém para me ajudar com o contato com meu
empresário, mídias, está tudo bem complicado pra mim no momento.
— O que eu puder fazer por você.
— Então vamos entrar. Você precisa conhecer a história toda também
para ficar a par dos fatos, quando forem parar na imprensa.
— Ok – anuiu a assessora.
Júlia fez um leve carinho na mão de Hadassa e a puxou para dentro de
casa. Se acomodaram no sofá e Alberto foi até o aparador de bebidas,
servindo algumas doses. Hadassa agradeceu, mas não aceitou e o mesmo
aconteceu com Bianca. Somente Jaqueline e Júlia que aceitaram os copos.
— Bom, agora com Hadassa aqui podemos passar a limpo toda essa
história, desde o começo. Não espero que vocês entendam, mas a verdade é
que o que aconteceu entre Hadassa e eu no passado foi algo que não
conseguimos controlar, por mais que tentássemos.
— Aquele beijo que você me falou, quando aconteceu? – questionou
Alberto.
— No dia seguinte da viagem da Micaela. Quando fui no abrigo para
conhecer o trabalho que ela fazia lá.
— Mas não foi do nada, não é?
— Não – quem respondeu foi Hadassa. – Eu já gostava de Júlia bem antes
disso
— E estava com Micaela?
— Sim. Eu também gostava de Micaela. Sei que é confuso, mas toda a
atenção que Júlia me dispensava, eu via e queria ver apenas como uma
pessoa muito simpática com seus funcionários. Ao mesmo tempo, Micaela
me encantava. Eu só vi, de fato, um real interesse em Júlia quando...
Quando...
— Está tudo bem – incentivou a atriz quando ela titubeou. – Quando elas
foram para Noronha. Um dia antes delas viajarem, eu sai com Hadassa para
ver a escola de Isabela e acabei forçando um beijo que não foi correspondido
por ela.
— Então o que me disse antes foi o segundo.
— Foi só um selinho, Alberto. Foi uma besteira que eu fiz. Hadassa havia
me deixado claro que não ficava com mulheres casadas e seus motivos. Eu
insisti de tola.
Alberto levantou e coçou a nuca, pensativo. Júlia se calou para que ele
tivesse tempo de digerir a informação.
— Quando você começou a se apaixonar por ela, Júlia?
— Quando eu a vi. Eu ainda tentei controlar o sentia ao vê-la, mas era
uma coisa que já não tinha mais como ser controlado. Eu tentei fazer com que
fosse diferente, mas não foi.
— Por isso que você foi me encontrar em Londres?
— Quando elas voltaram com a novidade de que estavam juntas, eu tive
que fugir. Eu não podia deixar que Micaela visse que eu estava
completamente abalada pelo relacionamento dela.
— E você, Hadassa?
— Quando Júlia e eu conversamos, depois do beijo que ela me deu, eu
disse que não ficava com mulher casada, eu vi o casamento dos meus pais ser
destruído por causa de uma traição. Júlia me disse que tinha errado, que ela te
amava. Me disse isso, não só uma, mas várias vezes. Quando voltamos de
Noronha, voltamos a conversar, eu disse que ia parar de trabalhar para
Micaela, mas ela reafirmou que estava indo te encontrar, que... enfim,
reafirmou o que já tinha me dito antes.
— Que me amava? – sorriu Alberto. – Eu teria te dado o divórcio antes,
Júlia – completou ao se virar para a atriz. – Eu jamais quis que ficasse ao meu
lado infeliz, amando outra pessoa, vivendo uma mentira! Você sabia de tudo
isso, Jaque?
— Não conhecia os detalhes, mas já tinha percebido, desde a primeira vez
quando vi Júlia e Hadassa juntas que tinha algo a mais. Eu fui contra, falei a
ela, mas Júlia...
— Você é contra até hoje, Jaque, me espanta que você tenha trazido
Hadassa até mim – desabafou Júlia.
— Eu prometi à nossa mãe que ia te proteger de tudo! Ela sabia que...
tinha suas inclinações, uma mãe sempre sabe! Eu prometi a ela que não ia
deixar você acabar com tudo o que tinha construído por causa de uma paixão!
— Eu não vou nem discutir com você agora – suspirou Júlia. – Nós
vamos conversar sobre o seu preconceito depois.
Hadassa olhou espantada para Jaqueline e depois para Júlia. Não havia
lhe passado pela cabeça que Jaqueline era preconceituosa, mas como a atriz
já havia cortado o assunto, resolveu guardar aquele tópico para ser tirado a
limpo depois.
— Bom, depois disso teve aquele jantar – continuou Júlia. – Depois, na
segunda, antes de irmos para o Rio, nós ficamos novamente.
Alberto abriu os braços, balançando a cabeça em sentido negativo.
— Quando vocês foram pra cama?
— Já te disse que não tivemos nada além disso enquanto estávamos
casados.
— Até então era um beijo, já são três.
— Nós nos despedimos no escritório, foi um... Beijo leve, por assim
dizer.
— Outro selinho?
— Esses detalhes importam, Beto? Te garanto que não fomos para cama
antes da noite de terça. Depois nós fomos para o Rio, fiz o laboratório, achei
que ia passar com a distância, mas toda vez que falava com ela no telefone,
eu sentia o coração disparar, eu sabia que o sentimento ainda estava ali. Aí
Micaela viajou, essa parte você já conhece, voltei completamente
desestabilizada para o Rio. Você já sabe o resto.
Alberto ficou olhando para as duas mulheres, que mantinham as mãos
unidas e olhares ansiosos. Andou de um lado para o outro, enquanto
processava toda a informação que tinha recebido, chegando à conclusão de
que Monique sempre esteve certa: Júlia já amava Hadassa bem antes do que
ele poderia supor. Respirou fundo, tornando a olhar para as duas.
— Como eu te disse, se tivesse me pedido o divórcio antes, eu teria te
dado. Nada disso teria acontecido.
— Eu tive meus próprios medos, Beto, eu tive meus receios, coisas que
escutei durante toda a vida. Eu não... Eu não tive coragem de assumir o que
eu sentia.
— Eu percebi. Agora você terá que se explicar para Micaela. As duas
terão que dar muitas explicações a ela. Ela está vindo pra cá. Ela e Andrew.
— Conversaremos com ela, seremos sinceras, da mesma forma como
fomos com você agora. Se ela não entender, eu vou tentar recuperar o amor
dela o resto da minha vida, mas eu não vou mais abrir mão da minha
felicidade.
— Ela vai entender – ajudou Hadassa. – Como sempre falei, Micaela tem
um coração muito generoso. Tenho certeza de que ela não irá guardar
mágoas.
— Vamos ver. Eu preciso ir para algum lugar agora. Eu preciso digerir
isso direito, Hadassa está aqui, agora, se cuidem.
— Como você vai fazer para ir embora?
— Eu vou pedir para...
— Nem termina – Jaqueline se levantou. – Eu vou voltar pra casa, eu te
levo.
— Obrigado. Amanhã eu venho, quando Micaela chegar.
Júlia anuiu e observou Alberto sair da sala, completamente desnorteado.
Hadassa também se levantou e deu um beijo em seus cabelos, transmitindo
confiança. Em poucos minutos o jornalista apareceu e se aproximou da ex-
mulher.
— Eu sempre, sempre vou torcer pelo seu melhor, tá bom? Você sabe que
pode sempre contar comigo pra tudo, qualquer coisa.
— Obrigada, Alberto.
— Eu só preciso digerir esses adornos extras, mas vai ficar tudo bem
entre nós.
— Eu espero que sim. Eu gosto muito de você, me desculpe por tudo.
Alberto balançou a cabeça em sentido negativo e puxou Júlia para um
abraço. Se virou para Hadassa, que assistia a cena mais afastada.
— Cuida bem dela, tá bom? Sua responsabilidade.
— Eu vou fazer o meu melhor.
Alberto assentiu e saiu da casa. Jaqueline apenas acenou na direção das
duas e também tomou o rumo da porta. Em poucos minutos escutaram o
barulho do veículo se afastando sobre o cascalho da entrada. Júlia se virou
para Hadassa com um sorriso e depois para Bianca, que ainda esperava
alguma solicitação da atriz.
— Bom, Bianca, eu sei que você e Hadassa estavam juntas quanto eu
voltei, então... eu quero saber se tem algum problema em me prestar esse
serviço nessas circunstâncias.
— Não tem problema, Júlia. A transa nem foi das melhores. Agora a
bucha é sua, você que segure – sorriu. Hadassa se limitou a rir e dar ombros.
– Eu só tenho que falar com Flávia, que ficarei prestando essa assistência por
uns cinco dias, até que encontre uma outra assessora, enquanto Mariana se
recupera.
— E ela vai se recuperar, com fé em Deus – suspirou a atriz. – Converse
com Flávia, depois eu te passo algumas demandas.
— Pode deixar.
Bianca se afastou do casal e saiu para a varanda, para efetuar a ligação
para sua empregadora. Escutou três toques até que a voz de Flávia entrasse na
linha.
— Oi Bianca.
— Boa tarde, Flávia. Eu vou ficar mais uns quatro dias prestando serviços
para Júlia e Hadassa. Júlia me pediu que a auxilie em algumas coisas, agora
que Mariana sofreu o atentado. Acredito que já tenha visto, não é?
— Sim. Nem imaginei que poderia dar nisso tudo! Mas enfim, eu vou
fazer uma declaração às cinco horas, e esse atentado acabou com o meu
discurso. Fique o tempo que precisar com elas. Já tem alguma novidade?
— Não – respondeu Bianca pensativa. – Elas estão longe, já que Júlia
virou um alvo. Estão seguras.
— Isso é importante. Diga a Hadassa que desejo boa sorte. Logo tudo isso
passa. Eu vou me assegurar disso.
— Passarei o recado. Obrigada por sua compreensão, Flávia.
— Imagina querida! Se surgir alguma coisa quente por aí, me avise, ok?
— Sim, senhora.
Bianca desligou o celular e ficou olhando as arvores por alguns minutos,
pensando na breve conversa com Flávia. Retornou para dentro da sala e Júlia
passou alguns números importantes para contato naquele momento. Se
ajeitou na mesa da cozinha, enquanto as duas foram para o quarto, para que a
atriz pudesse descansar. Se concentrou no trabalho, mas a mente não se
desconectou de Flávia, e do que ela havia lhe dito.
Júlia se acomodou na cama, apoiando a cabeça contra o ombro de
Hadassa, curtindo seus carinhos e seu cuidado. Conversaram sobre a recente
conversa com Alberto e o que fariam dali em diante e decidiram que quando
as coisas se acalmassem, fariam uma declaração juntas. A segurança teve o
cuidado de desviar qualquer assunto relacionado ao atentado, para que a atriz
pudesse descansar sua mente. Júlia estava quase dormindo quando escutou
uma batida na porta.
— Entra – autorizou Hadassa ao se sentar na cama.
— Oi, desculpa incomodar, mas eu quero que vocês vejam uma coisa –
disse Bianca com o celular na mão.
— Ok – concordou Júlia ao se sentar também.
A assessora seguiu até as duas e juntas viram Flávia, enquanto fazia uma
declaração para a imprensa.
“Esse lamentável incidente que aconteceu, relacionado à minha
segurança, Maya Hadassa e a atriz Júlia Albuquerque não passará impune. Já
pedimos a total colaboração para que os fatos sejam esclarecidos em breve.
Lamento muito que esse incidente tenha afetado uma colaboradora minha.
Hadassa continua afastada de suas funções...”
Júlia franziu o cenho sem entender o porquê da declaração de Flávia,
assim como a necessidade de se colocar no meio de um problema que não era
dela. Foi Hadassa que soltou o telefone sobre a cama, com um suspiro
profundo.
— Foi ela? – perguntou a segurança.
— Ainda não tenho certeza, mas na hora que eu liguei pra ela para falar
que ia permanecer com vocês por mais alguns dias, ela disse que “não
imaginava que daria nisso tudo” – falou fazendo sinal de aspas com as mãos.
— Espera, Flávia que falou para a imprensa que estou com Hadassa? Por
que ela faria isso? – questionou Júlia.
— Para fazer uma projeção nacional da imagem dela, já que um
escândalo relacionado ao seu nome é de nível nacional.
— Mas ela não sabia que estávamos juntas antes.
— Júlia, desculpa a sinceridade, mas qualquer um que viu vocês duas
juntas naquele jantar, soube na hora que a história é antiga. Eu vi na primeira
troca de olhares de vocês. Uma especulação, que você poderia muito bem
desmentir depois, vira uma bola de neve rapidamente. Ela me disse que já
tinha um discurso pronto e que teve que mudar por causa do atentado. Como
ela já tinha um discurso pronto antes?
— Tem sentido se ela trabalhou com especulação – respondeu Hadassa
pensativa. – No dia do evento, ela falou comigo que me daria uma
bonificação se lesse uma fofoca de que eu estava com Júlia. Disse que era
brincadeira, mas eu senti uma certa maldade na fala dela.
— Você trabalha com Flávia tem meses – continuou Bianca. – Você sabe
como ela consegue colocar as coisas a favor dela.
— Como vamos ter certeza de que foi ela?
— Eu já tinha dito para Hadassa que foi alguém do alto escalão que fez a
divulgação disso. Quem fez a primeira matéria foi Fernando Almeida,
acredito que conheça a credibilidade dele nesse meio.
— Sim, ele só divulga coisas de fontes confiáveis.
— Uma primeira-dama é uma fonte confiável. Eu tenho como descobrir
isso, mas estarei colocando meu emprego em risco.
— Como faria isso?
— Eu ligo pra ele e digo que Flávia quer saber como anda os acessos e
repercussão. Ele sabe que sou assistente dela.
— Certo. Mas ainda assim, tem outros detalhes que não tinha como ela
saber, tipo que Hadassa e Micaela namoraram. Não saiu em lugar nenhum.
— Isso pode ser um ponto.
— Tinha como ela saber, Júlia – respondeu Hadassa ao se levantar. –
Micaela é amiga de Alexia, andava com Raíssa também algumas vezes. Era
só ela perguntar a qualquer uma das duas.
— Filha da puta! – exclamou Júlia, levando a mão à boca em seguida. –
Desculpe! Não acredito que Flávia fez isso! E está usando disso para se
promover! Mas sim, Micaela é muito amiga de Alexia, sobrinha de Flávia,
obvio que ela sabia do seu envolvimento com ela.
— Não havia necessidade de ela fazer uma declaração dessa. Hadassa
trabalha para uma empresa contrata pela prefeitura para prestar serviços, não
era uma funcionária direta.
— Você consegue confirmar isso pra mim?
— Consigo.
— Eu vou te recompensar por isso. Também continuará trabalhando
comigo, enquanto Mariana não puder voltar, depois nós nos acertamos o
futuro.
Bianca anuiu e resgatou o celular de cima da cama. Acessou a agenda e
buscou o telefone de Fernando. Colocou para discar para o jornalista e
acionou o viva-voz para que Júlia e Hadassa pudessem escutar a ligação.
Assim que escutou seu alô, já acionou o programava para gravar a conversa.
— Oi Fernando! Bianca Costa, tudo bem?
— Oi Bianca.
— Flávia me pediu para verificar como anda a repercussão da notícia de
Júlia Albuquerque e Maya Hadassa.
— Está indo bem! Ainda forte os comentários nas redes sociais, Twitter
principalmente. A matéria que fiz continua com bastantes compartilhamentos.
Estou esperando o discurso de hoje para fazer a nova matéria.
— Ela teve que mudar por causa do atentado – respondeu Bianca em
alerta ao ver Júlia se levantar e andar de um lado para o outro.
— Isso foi uma merda, né? Vi que a assessora de Júlia se machucou.
— Com certeza! Mas eu acho que ela vai ficar bem. Daqui a pouco você
receberá o discurso por escrito. Obrigada pelas informações, Fernando!
— Sempre às ordens! Fala a Flávia que estou esperando outra quente!
— Pode deixar!
Bianca desligou o telefone e olhou para a atriz que estava vermelha,
indicando a raiva que estava sentindo naquele momento. Ficou calada, apenas
observando, enquanto Hadassa a abraçava.
— Ela quase matou uma funcionária minha apenas para tirar proveito
disso! Eu vou fazer essa mulher pagar por isso! Ela não vai ficar impune!
— Pelo menos já temos o nome de um dos nossos inimigos.
— Um nome já temos – concordou Júlia. Se virou para a assessora parada
mais afastada. – Ligue para Narcisa e peça para ela arrumar uma coletiva para
amanhã à noite. Eu vou falar com a imprensa, depois de conversar com
Micaela.
Capítulo 42
Micaela saiu pelo desembarque, ao lado do namorado, e procurou por
algum conhecido. Enxergou seu nome e o de Andrew em uma plaquinha e
seguiu para o homem que a segurava.
— Bom dia – cumprimentou.
— Bom dia, Micaela, Andrew. Sejam bem-vindos. Meu nome é Carlos,
fui contratado por seu pai, para levá-los até ele.
— Por que ele não veio?
— Não é um bom momento para exposição. Acredito que tenha visto as
últimas notícias.
— Na verdade não. Não acessei a internet desde que saí de Estocolmo,
queria chegar com a mente tranquila aqui. O que aconteceu, além do que já
aconteceu?
— Eu sugiro que a gente já saia daqui, antes que seja reconhecida, por
sua própria segurança.
Micaela concordou com a cabeça, olhando ao redor. Sabia que o homem
estava atrasado, pois já tinha visto algumas câmeras de celular viradas na sua
direção. Explicou, rapidamente a Andrew, e saiu acompanhando o homem.
Antes que pudesse alcançar a saída, ligou para o pai, confirmando sua
chegada e o nome do rapaz que fora contratado para pegá-la no aeroporto.
Mais segura com as confirmações de seu progenitor, seguiu para o
estacionamento e em pouco tempo embarcaram, rumo ao local onde o pai
estava hospedado.
O caminho até o prédio, em um bairro nobre da cidade, levou vinte
minutos. Andrew ajudou Carlos a tirar as malas e ficou abismado quando um
grupo de imprensa cercou Micaela, tirando fotos suas e perguntando coisas
que ele não entendeu. A namorada rapidamente entrou, guiada por outro
homem e entrou em seguida, encontrando-a já protegida dentro do prédio.
— Você é uma celebridade aqui – disse ao deixar as malas de lado. –
Pensei que sua mãe fosse.
— Meus pais são. Meu pai é jornalista, aparece bastante na tevê e minha
mãe é atriz. Eu era só uma patricinha. Tinha até esquecido como essas coisas
podem ser irritantes! – respondeu a jovem. Abriu um sorriso quando viu
Alberto sair do elevador. – Pai!
Alberto deu um abraço apertado na filha e um beijo demorado em seu
rosto. Já fazia muito tempo desde que ele a tinha visto pessoalmente, mais de
um ano, e estava com genuína saudade. Deu um beijo demorado em seu
rosto, antes de se afastar e se virar para Andrew.
— Meu nome é Alberto – falou em inglês, esticando a mão para um
cumprimento. – Seja bem-vindo, Andrew, é um prazer conhecê-lo.
— O prazer é meu, senhor. Obrigado por me receber em sua casa.
— Não precisamos de tantas formalidades – sorriu. – Vamos subir.
Alberto pegou a mala de Micaela e rumaram para o elevador. Em
segundos já estavam subindo para o apartamento.
— De quem é aqui, pai?
— Do irmão da Denise. Ele está viajando e me permitiu ficar aqui por
esses dias.
— E essa bagunça toda que a mãe aprontou?
— Você não sabe da última, não é?
— Além da principal, de ela estar com Hadassa, ainda tem mais?
— Sim. Sua mãe foi vítima de um ataque de algum fã ou hater, não sei
ainda. A polícia está investigando.
— Como assim, pai?! Mas ela está bem?!
— Está, está sim. Foi enviado um pacote para ela, mas quem abriu foi
Mariana. Teve uma explosão, segundo a investigadora Clarice, só não foi
fatal porque ela teve tempo de jogar no chão, antes que explodisse em sua
mão. Mas, ainda assim, ela foi bem atingida.
— Caramba! Onde a mãe está?
— Na chácara com Hadassa. Estive com ela ontem, conversei com as
duas. Quando for encontrá-la, vá desarmada, tá bom? Sua mãe já está
enfrentando muita coisa para ter que lidar com sua raiva ainda.
— Eu pensei em tantas acusações para fazer, mas a verdade é que
conversando com Andrew, durante nossa vinda pra cá, eu vi que acusá-la não
vai adiantar de nada. Eu quero entender isso, como foram capazes de me
enganar dessa maneira. Fato que minha relação com elas não será mais a
mesma, não tem como recuperar depois do que eu vi, ainda mais pela
imprensa. Nem tiveram a decência de me ligar.
— Eu não vou adiantar nada, mas elas podem te explicar tudo isso, se
estiver disposta a ouvi-las. Eu estou te pedindo essa chance, escute-as.
— Ai pai! – suspirou Micaela. – Eu vou escutar, mas não vai ser fácil, te
garanto isso. Quando podemos ir pra lá?
— Não quer descansar um pouco?
— Já estou me atormentando com isso tem dois dias. Quanto antes puder
tirar a limpo é melhor.
— Ok, se alimentem então, troquem de roupa. Eu pedi para já deixarem
algo pronto pra vocês. Jaqueline irá conosco, já vou ligar para que ela venha.
— Tá bom. Obrigada, pai. E como está sua vida? Quero conhecer Denise,
agora como minha madrasta.
— Você vai. Vai conhecer também Monique. Mone é uma figura, não
tem freios na língua. Tenho certeza que irão se entender.
— Depois de finalizar isso aqui, eu vou para o Rio com você.
— Está certo. E a vida em Estocolmo? Como ela tem se saído Andrew?
— Micaela é ótima. Tem se adaptado bem à cidade, ao clima.
— Sofri um pouco no inverno, viu?! Não estava acostumada com as
temperaturas tão baixas!
— No próximo estará mais adaptada. É só uma questão de tempo.
Micaela anuiu e ainda continuou conversando com o pai e Andrew sobre
Estocolmo e a vida na Europa. Depois de meia hora foram para o quarto, se
arrumar para almoçar e sair. Tinha esperado por muitas horas pela conversa
que estava prestes a ter.

O homem olhou, outra vez, para o mapa que tinha baixado da região onde
Júlia possuía a chácara. Tirou os óculos e colocou sobre o papel, esfregando
os olhos em seguida. Girou a cadeira para enxergar o quarto e todas as fotos
de Júlia que tinha espalhado pelo local, para que pudesse gravá-la em sua
mente. Depois de alguns minutos de contemplação, voltou os olhos para a
escrivaninha e a arma sobre ela, ao lado do mapa. Já que sua primeira entrega
tinha dado errado, iria se certificar que a segunda seria entregue em mãos.
Sabia que Júlia tinha que ser liberta, havia escutado sua voz em seus sonhos,
pedindo que a livrasse do peso que carregava.
— Eu estou chegando, meu amor, em breve – sussurrou para si mesmo ao
enrolar uma mecha de cabelo no dedo.

Hadassa acordou primeiro que Júlia. Ficou por alguns minutos


observando-a dormir, fazendo leves carinhos em seu corpo nu, escondido sob
o edredom. Levantou devagar para não a acordar e seguiu em direção ao
banheiro e, depois, a sala. Bianca já estava de pé, mexendo em alguma coisa
no celular e computador, simultaneamente.
— Bom dia, Bia.
— Bom dia, Hadassa. Júlia conseguiu dormir bem?
— Conseguiu. Está dormindo ainda.
— O café de vocês já está pronto, quando quiser que sirva é só falar.
— Eu vou comer com ela. Vou pegar só um café mesmo agora.
— Falei com Mário, você está afastada por tempo indeterminado do
trabalho. Até que se arrume tudo isso, ele não vai te colocar em nenhum
outro local ou equipe.
— Espero que passe logo, não posso ficar muito tempo parada. Não tenho
fundos para isso.
— Sério, Hadassa?
— Eu tenho contas a pagar, uma filha que precisa de várias coisas e pede
outras cada vez mais. Preciso de dinheiro para isso e só consigo trabalhando.
— Você sabe que vai ter que mudar muita coisa na sua vida, né? Júlia
tem outra vida, diferente da nossa, meros mortais assalariados.
— Você está sugerindo que eu fique vivendo às custas de Júlia?
— Não. Estou dizendo que agora tudo será diferente. Mas se fosse o caso
também, acredito que Júlia não faria objeção.
— Não vou nem me dar ao trabalho de responder. Tranquilo pra você?
— Está sim, sem problemas.
— Eu vou me trocar, ligar para Ranellory e fazer um reconhecimento da
chácara. Se Júlia acordar antes de eu voltar, manda uma mensagem no meu
celular.
— Pode deixar.
Hadassa saiu da sala e seguiu o roteiro que havia informado. Conversou
rapidamente com a irmã, se certificando de que Isabela estava bem. Segundo
suas palavras, não tinha mandado a menina para a escola novamente e iria
levá-la para a casa da avó, antes de ir para o trabalho. Agradeceu sua ajuda e
relatou, rapidamente o que tinha acontecido com Mariana e Júlia. A jovem
também ficou horrorizada ao saber que tinha sido Flávia que tinha contado
sobre o relacionamento da irmã para a imprensa. Se despediram e Hadassa
colocou a arma no coldre, preso no cinto da calça e saiu para conhecer o
terreno.
A chácara que Júlia possuía não era muito grande, mas tinha uma
estrutura e um terro amplo, sem elevações. Conversou com os seguranças que
estavam presentes e os policiais que ainda estavam fazendo a segurança da
atriz. Andou por todo o espaço, para se certificar da segurança do local que
haviam lhe dito. Retornou para a casa, depois de uma hora, quando Bianca
informou que Júlia já tinha acordado.
— Bom dia, linda – cumprimentou ao vê-la com Bianca.
— Bom dia! Ainda não tomou café, não é?
— Estava te esperando.
— Vamos? Temos que conversar sobre algumas coisas. Alberto ligou
para Bianca agora a pouco. Micaela já está com ele. Ela e Andrew. Vão vim
depois do almoço.
— Certo. Acho que agora esse é um dos pontos principais.
— Sim.
Hadassa anuiu e guardou a arma no quarto, antes de seguir Júlia para a
sala de jantar, onde o café estava servido.
— Pedi para as meninas colocarem aqui, para termos mais privacidade –
explicou a atriz. – Você sabe que essa conversa com Micaela pode ser difícil.
Ela mudou muito quando... Com você, mas eu não sei como ela vai agir
agora, se vai voltar a ser a mesma Micaela de antes. Se isso acontecer, pode
esperar todo o tipo de acusações que imaginar.
— E não podemos tirar a razão dela. Eu agi errado com ela, da mesma
forma que você. Temos que nos explicar, ouvir o que ela tem para nos dizer e
torcer para que o resultado seja positivo.
— Sim. Mas como já falei ontem para Alberto, torno a repetir para você,
não vou abrir mão de você por qualquer coisa que ela venha falar. Micaela já
é uma mulher, está até morando fora do país. Ela sabe se cuidar de si mesma.
Entenderia se Isabela, por exemplo, tivesse algum impedimento. Ela ainda
precisa de você, e eu entendo que o amor de mãe sempre vem em primeiro
lugar quando se é criança. Eu já abri mão de muita coisa pela Micaela.
— Eu fico muito feliz em ouvir isso. Essa segurança que me passa é
fundamental. É a primeira vez que estou amando alguém depois de Rebeca,
estou realmente disposta a ficar com você, enfrentar qualquer coisa com
você.
— E não serão poucas coisas – sorriu Júlia. – Mas nós vamos conseguir.
— Vamos sim.
Hadassa se inclinou. Dando um beijo demorado nos lábios de Júlia, antes
de encará-la e ver a verdade de suas palavras estampadas em seus olhos
apaixonados.

Micaela chegou na chácara apreensiva. Estava se preparando para aquela


conversa desde que tinha saído de Estocolmo e, naquele momento, quando
estava prestes a encontrar com a mãe e a ex-namorada, não sabia exatamente
como agir. Andrew sentiu seu nervosismo e segurou sua mão, tentando passar
algum conforto. Sorriu para o namorado, mas não conseguia relaxar. Não
sabia se conseguira relaxar em algum momento enquanto estivesse com elas.
O carro da tia parou na frente da casa e a primeira pessoa que viu sair foi
a mãe. Encarou-a por poucos segundos, sem tomar iniciativa de se aproximar.
Na sequência, Hadassa também saiu pela porta. Deu um suspiro profundo e
trocou um olhar com Andrew, antes de ter coragem de chegar perto.
— Quem diria, hein dona Júlia? Estampando um escândalo em nível
nacional. O mundo não gira, capota.
— Eu tenho que te dar muitas explicações, não vou me negar a isso. Nós
não vamos nos negar – respondeu voltando os olhos para Hadassa.
— Não mesmo. Oi Mic.
— Oi Hadassa... Eu não sei nem por onde começar, de verdade.
— Comece apresentando Andrew – sugeriu Júlia.
— Sim. Esse é Andrew, meu namorado. Minha mãe, Júlia, minha ex,
agora madrasta, Hadassa – apresentou em inglês.
— É um prazer conhecê-lo Andrew – cumprimentou Júlia ao esticar a
mão. – Seja bem-vindo.
— Obrigado, senhora. Como vai, Hadassa – finalizou esticando a mão
para a segurança.
— Ela não fala inglês – esclareceu Micaela. – Nossa conversa também
tem que ser em português, depois eu te falo o que conversamos.
— Não tem problema.
— Oi Jaque, Alberto – cumprimentou Júlia olhando para os dois mais
atrás. – Vamos entrar.
A atriz seguiu na frente e Micaela seguiu a mãe para dentro, sendo
acompanhada do restante das pessoas. Parou no meio da sala e olhou ao
redor, se recordando as lembranças que tinha dali, dos momentos em que
havia passado com pais naquela chácara. Viu um por um se acomodar e ficou
olhando para a mãe, sentada na poltrona, e Hadassa acomodada no braço do
móvel. Andou de um lado para o outro, enquanto o silêncio caia entre os
presentes. Todos estavam esperando uma iniciativa dela.
— Então quer dizer que vocês duas me chifraram?
— Não de forma leviana como está colocando – respondeu Júlia.
— E existe uma forma não-leviana de trair alguém?
— Nós erramos com você, Mica, e eu não sei se a explicação que eu vou
te dar pode ser suficiente para entender o que aconteceu, mas o fato é que eu
me apaixonei por Hadassa, antes mesmo que ficassem juntas.
— Oi?
— Bom, acho que esse assunto é algo para tratar entre vocês – falou
Jaqueline se levantando. – Vou dar uma volta com Andrew e Bianca pela
chácara, qualquer coisa, vocês nos chamem.
— Vai, depois eu te chamo – concordou Alberto.
Micaela esperou que todos saíssem e só depois voltou a olhar para a mãe
e Hadassa. Colocou as mãos nos bolsos traseiros da calça jeans, encarando as
duas.
— Você já estava apaixonada por Hadassa, antes mesmo de eu ficar com
ela? Vocês já tinham algo desde o começo?
— Não, filha. Eu me apaixonei por ela, eu tentei controlar o que sentia,
mas não consegui. Neguei o que estava sentindo com todas as forças, mas a
verdade é que não tinha mais como ser controlado.
— Eu fiquei com você porque realmente gostava de Mic. Você é incrível,
leve, alegre. Tudo o que te falei no passado, quando estávamos juntas, era
verdade. Gosto de você ainda, lógico que de uma forma diferente, mas você
era exatamente o que eu queria naquele momento.
— Mas já gostava dela também?
— Júlia me desconcertava, mas só vim entender mesmo o que sentia por
ela, quando viajou. Foi quando ficamos mesmo.
— Vocês ficaram antes disso – sinalizou Alberto.
— Ficamos – concordou Júlia. – Quando me mudei para o Rio, para
iniciar o laboratório. Eu não precisava me mudar para o Rio para fazer essa
novela. Durante as gravações sim, mas eu optei por fazer o laboratório no Rio
porque seria uma tortura ver vocês juntas. O que nós queremos falar com
você, Mica, é que nós erramos muito, e nada justifica o que fizemos, mas eu
te garanto, nós íamos ter essa conversa mesmo que nada tivesse ido parar na
imprensa. Como tive essa conversa com seu pai.
— Na ocasião você não falou para ele quem era a mulher, não é?
— Não tinha porque falar. Eu acreditava que nunca ficaria com Hadassa.
Tanto quando você terminou, eu fui atrás dela, mas houve um impedimento
que já foi esclarecido. Ficamos meses sem nenhum contato, até que eu a
encontrasse na terça, foi quando...
— Foi a primeira vez que passei uma noite com ela – ajudou Hadassa. –
Se você não tivesse terminado comigo, eu teria terminado com você. Estava
esperando você voltar do curso para isso.
— Só que nunca me diria o motivo do termino, não é?
— Somente se eu ficasse com Júlia. Não havia a necessidade de abalar a
relação de vocês com algo que não poderia dar em nada. Nossa intenção não
foi mentir ou te enganar. Nós tentamos te proteger, negando o que estávamos
sentindo, fugindo, ignorando sentimentos, mas isso é uma coisa que não se
controla. Eu nunca vou conseguir te pedir desculpas o suficiente por isso,
mas eu sei a pessoa generosa que é, eu tenho certeza que vai pensar a respeito
do nosso pedido de perdão.
Micaela se calou, encarando a mãe e Hadassa. Não conteve uma lágrima
de rolar pelo rosto. Não era de raiva, era uma lágrima de mágoa, de algo que
poderia ter sido poupado, caso tivessem tido a decência de serem sinceras
desde o começo.
— Eu pensei em tanta coisa para falar pra vocês. Eu pensei em várias
acusações, em xingamentos e como ficaria tão emputecida que não daria nem
a chance de se explicarem. Um telefonema de qualquer uma das duas já teria
sido o suficiente!
— E nós íamos fazer isso – afirmou Hadassa vendo Júlia secar uma
lágrima. – Tanto que na quarta-feira, nós conversamos sobre essa conversa
que teríamos com você. Teria que ser por telefone, por uma vídeo-chamada,
já que eu não poderia ir para Estocolmo e não poderia ficar escondendo isso
de você até que pudesse ir, o que demoraria meses. Nós não tivemos tempo,
porque Flávia Bittencourt já soltou tudo na imprensa antes que pudesse fazer
qualquer coisa.
— A mãe da Rai?
— Sim.
— Vocês já sabem quem soltou? – perguntou Alberto, que até então se
mantivera apenas observando.
— Sim, foi Flávia. Queria se promover em cima do meu nome. Ela deu
até uma declaração ontem, bancando a compreensiva com a situação e
lamentando os fatos. Estou esperando meu advogado para entrar com um
processo contra ela, ver o que pode ser feito por conta disso. Bianca já entrou
em contato com ele.
— E você confia em Bianca? – perguntou o jornalista preocupado. – Ela é
assessora dela.
— Foi ela que descobriu e contou para nós – esclareceu Hadassa. –
Bianca é uma pessoa de boa índole.
— Dá pra gente voltar para o meu drama de chifruda? – perguntou
Micaela.
Júlia sorriu para a filha e se levantou, indo pegar sua mão.
— Me perdoa? Eu nunca quis ser essa pessoa sacana com você. Eu tentei
fugir, tentei negar, mas não consegui. Se conseguir, me perdoe algum dia.
— Nossa relação nunca foi das melhores, não é? Vai demorar para
conseguir enxergar isso com naturalidade, se eu conseguir algum dia. Você
podia ter me dito antes, Hadassa poderia ter terminado comigo antes. Tudo
poderia ser diferente...
Hadassa estava escutando o que Micaela estava falando, mas a sua
atenção foi desviada para o espelho do aparador, apontado para a porta, onde
viu Jaqueline entrar com as mãos nas costas e um homem atrás. Saiu do lugar
onde estava e se abaixou atrás dos móveis, se esgueirando para o corredor
que levava aos quartos. As vozes nervosas se tornaram altas, enquanto
escutava o homem pedir para todos virarem para a parede. Pegou a arma que
havia guardado, conferiu o pente e destravou. Tirou o calçado e voltou, pé
ante pé para a sala, sem fazer barulho.
— Onde ela está? Eu sei que ela está aqui! Ela tem que pagar pelo que fez
a você, minha rainha. Se não fosse por ela, não teria feito tudo isso, não é?!
— O Andrew, tia, onde está o Andrew? – Micaela perguntava em meio ao
choro.
— Larga isso, nós podemos conversar – pedia Júlia. – Eu não sei quem
você é, mas nós podemos...
Hadassa analisou suas opções, enquanto via os presentes sob a mira da
arma do homem, que claramente estava fora de si. Só tinha uma chance de
conseguir controlar aquela situação para que ninguém saísse machucado.
Capítulo 43
— Mateus, você não precisa fazer isso! – pediu Jaqueline em meio às
lágrimas. – Nós podemos conversar, como sempre fizemos lá na escola. Não
precisa machucar ninguém!
— Eu não posso mais adiar, eu tenho que libertar Júlia, ela me pediu! – se
virou para a atriz, e ela pode ver a loucura estampada em seus olhos. – Eu vi
você me pedindo! Eu sei que precisa disso!
— Eu não preciso de nada disso! Olha só, vamos conversar, por favor!
Minha filha está aqui, ninguém precisa sair machucado!
— Eu tentei te mandar um presente ontem, mas não foi você quem
recebeu...
— Deixa minha filha sair! Micaela não tem nada a ver com isso! Eu
posso te ajudar...
— Onde está ela? É Hadassa quem te corrompeu! Eu vou eliminar ela
também!
Hadassa olhou para o corredor e a janela ao final dele. Cogitou em sair
pela janela, para buscar apoio, mas dado o estado do homem na sala, não
poderia arriscar a vida dos que estavam ali, principalmente de Júlia, que era o
alvo. Respirou fundo e saiu detrás da parede que mantinha sua proteção, com
a arma em punho, apontada para o homem transtornado que falava coisas
desconexas.
— Abaixa a arma, Mateus – pediu revelando sua presença. – Você estava
perguntando por mim, não é? Estou aqui, agora abaixa a arma!
— Você! Você é culpada disso! Foi você que fez tudo isso!
— Nós podemos conversar sobre o que eu fiz, mas eu preciso que abaixe
a arma para que ninguém saia machucado! Você não precisa fazer nada disso.
Eu abaixo minha arma se abaixar a sua.
— Você fez toda essa bagunça na vida da minha rainha! Eu vou consertar
isso, só que eu tenho que garantir que ela vai primeiro. Você será a próxima!
O que aconteceu em seguida passou em câmera lenta para Júlia. Mateus
virando a arma em sua direção, o grito que se ouviu dar ao mesmo tempo de
Jaqueline que se jogava na sua frente. Outros dois tiros ecoando pela sala
como sons saídos do inferno. Ficou travada quando tudo o que restou foram
os choros, seu e de Micaela. Ainda anestesiada, viu Hadassa se aproximar do
homem, que dava pequenos espasmos e afastar a arma de sua mão, antes de ir
em sua direção.
— Olha pra mim, meu amor, você está machucada? – chamou a
segurança ao tocar seu rosto.
Júlia balançou a cabeça em sentido negativo e olhou para Jaqueline no
chão, com uma mancha de sangue na blusa. O homem estava mais afastado,
caído em meio a poça de sangue que começava a se formar ao seu redor.
— Não olha, meu amor, está tudo bem agora – pediu enquanto a abraçava
com o braço esquerdo, mantendo o direito, que ainda segurava a arma, ao
lado do corpo.
— Minha filha! – falou Júlia se desviando de Hadassa para ir abraçar
Micaela que também estava em choque. – Você está bem?
— Andrew! Eu quero saber do Andrew!
Júlia desviou a atenção de Micaela para a irmã no chão, que fazia uma
careta de dor com a mão sobre o abdômen, ao mesmo tempo em que era
amparada por Alberto. Outras pessoas entraram em cena, os policias que
estavam do lado de fora e os seguranças da casa que haviam sido atraídos
pelo barulho dos tiros.
— Precisa chamar uma ambulância – pediu Hadassa ao entregar sua arma
para um dos policiais. – Jaqueline foi atingida!
— Andrew! Eu preciso saber do Andrew! – pediu Micaela outra vez.
— Onde ele abordou vocês, Jaqueline? Bianca está com Andrew? –
perguntou Hadassa ao se abaixar ao lado de Júlia.
— Está! Estão aqui na parte detrás da casa.
Hadassa automaticamente se levantou, mas foi impedida de seguir adiante
por Igor.
— Hadassa, respira fundo. Você está muito acelerada. Tira Júlia daqui,
vão lá pra dentro. Eu cuido aqui, tudo está sob controle.
A segurança anuiu, conseguindo enxergar toda a situação pela primeira
vez. Na sequência Andrew entrou ao lado de Bianca e Micaela correu para
ele, abraçando-o com força. Voltou os olhos para Júlia, que segurava a mão
de Jaqueline.
— Eu não sabia que ele era assim. Me desculpe, Jú, jamais quis te colocar
em perigo! – ouviu-a dizer.
— Está tudo em Jaque. Fica quietinha, daqui a pouco a ambulância chega
– pediu a atriz.
Hadassa se abaixou ao lado de Júlia novamente e tentou levá-la para o
quarto, mas a atriz se recusou sair do lado da irmã. Se afastou das duas para
conversar com o policial sobre sua ação dentro da casa e como havia
intervindo, resultando na morte do suspeito. Em todos os anos que havia
trabalho como segurança, em nenhum momento teve que atirar em alguém e,
conforme a adrenalina baixou em seu corpo, teve a real visão da situação.
Fora por pouco que Júlia não tinha sido atingida.
Em menos de meia hora a casa estava cheia de policiais. Jaqueline foi
removida por uma unidade médica e a investigadora Clarice chegou,
assumindo o controle da situação. Júlia se virou atrás de Hadassa, que estava
conversando com a investigadora.
— Eu vou precisar que prestes esclarecimentos na delegacia sobre o que
aconteceu aqui – ouviu a investigadora falar.
— Ela agiu em legitima defesa de todos que estavam aqui – interferiu
antes que Hadassa pudesse responder. – Por que ela tem que ir até uma
delegacia?
— Nós vamos pegar o depoimento de todos, os peritos irão analisar o
local, mas houve um homicídio, é preciso que seja aberto inquérito. Os
depoimentos e a perícia vão excluir a ilicitude de Hadassa.
— É procedimento, amor, vai ficar tudo bem – ajudou a segurança.
— Eu não aguento mais esse pesadelo! – respondeu a atriz ao abraçá-la.
Hadassa ainda trocou algumas palavras com Clarice e foi para o quarto
com Júlia. Fez a loira se sentar na cama e se abaixou na sua frente, apoiando
a cabeça em seu colo, ao mesmo tempo em que acariciava suas coxas.
— Eu não sei o que teria feito se algo tivesse lhe acontecido. Eu não
suportaria passar por tudo de novo – disse ao se render às lágrimas pela
primeira vez.
— Acabou – respondeu Júlia se inclinando para beijar seus cabelos. –
Graças a Deus isso acabou!
Hadassa balançou a cabeça em sentido positivo e ergueu o rosto para
enxergar os olhos azuis. Deu um beijo demorado em seus lábios, aliviada por
ter aquele momento com a atriz. O que tinha lhe dito era verdade: não iria
aguentar se perdesse Júlia da mesma forma como havia perdido Rebeca.
A porta foi aberta e Micaela olhou demoradamente para a mãe e Hadassa
que se afastaram com o barulho que havia feito. Balançou a cabeça em
sentido negativo, antes de terminar de entrar no aposento.
— Eu estou indo com o pai para o apartamento onde ele está. O que você
vai fazer daqui? – perguntou para a mãe.
— Eu vou pra casa. Não posso mais continuar aqui depois do que
aconteceu.
— Nós vamos nos encontrar ainda. Eu vou pensar em toda essa loucura,
incluindo vocês duas no pacote, depois nos falamos.
— Nós precisamos terminar de conversar a respeito de Hadassa e eu, mas
depois. Hoje precisamos nos cuidar.
— Sim. Depois continuamos.
Júlia se adiantou para dar um beijo na filha e Hadassa se despediu com
um aceno à distância. Ainda permaneceram na chácara por mais uma hora,
antes que fossem liberadas para voltarem para casa. Pediu que Bianca
desmarcasse a coletiva e outra vez a imprensa se mobilizou para noticiar
informações a respeito do novo atentado sofrido por Júlia Albuquerque. O
fato de Hadassa ter evitado o pior foi massivamente explorado, confirmando
que, de fato, o relacionamento, noticiado antes, existia.
O trabalho da polícia e pericia já tinha sido finalizado na propriedade da
atriz e foram recepcionadas pelos funcionários. Júlia percebeu alguns
membros a mais na sua equipe de segurança e os cumprimentou, antes de ir
para o quarto com Hadassa.
— Eu preciso ir ver minha filha – anunciou a segurança assim que
entraram no quarto. – Eu preciso dar um abraço nela, depois do que
passamos.
— É claro. Se não achar perigoso, traz ela pra cá? Estou com tantas
saudades daquela pequena!
— Você não está mais em perigo, amor. O que aconteceu foram atos de
um cara que estava completamente fora de si. Acabou, tá bom?
— Estou torcendo por isso. Esses dois dias foram os piores da minha
vida. Nunca passei tanta tensão em tão pouco tempo! Dois atentados contra
minha vida em menos de quarenta e oito horas!
— Não era pra menos. Mas agora já foi. Vamos tornar esses dias
melhores.
— Vamos – concordou Júlia ao abraçá-la. – Obrigada por tudo. Eu te
amo.
— Também te amo – sorriu Hadassa ao apertá-la em seus braços e buscar
sua boca para um beijo. – Agora descansa um pouco. Sobre Isabela, você não
acha melhor ter um tempo para descansar?
— Ela vai me ajudar a descansar. Preciso de um pouco da pureza da
alegria de uma criança.
— Ok. Eu vou buscar ela. Volto em duas horas.
— Tá bom.
Hadassa ainda curtiu um tempo com Júlia, antes de descer para a sala e
depois o carro. Saiu da propriedade, já se acostumando com os repórteres e
câmeras, e seguiu para a casa de Lucimara. Entrou rapidamente para
encontrar a filha com um celular na mão, distraída com algum joguinho.
— Vem aqui um pouco, Hadassa – pediu Lucimara.
A morena anuiu e seguiu atrás da senhora que ainda tinha alguns
vestígios do ruivo, que agora a neta ostentava.
— Que loucura é essa toda em que está metida?
— Eu estou com Júlia. Nós queríamos que isso fosse falado de forma
mais natural possível, só que fomos jogadas em acontecimentos em cima de
acontecimentos, desde ontem. Agora que as coisas se ajeitaram.
— Tem até uma foto da Isabela na internet.
— Capaz que sim. Ontem ela até tava dando uma entrevista sem que eu
nem percebesse.
— Rane me contou – sorriu a mulher. – Acho que ela gosta mesmo disso.
Me disse que vai ser igual a tia Júlia.
Hadassa anuiu, com um sorriso e se encostou contra o balcão da cozinha.
— Eu espero que dê tudo certo entre vocês. Já estava mais que na hora de
se arrumar na vida novamente. Minha Beca sempre será presente nas nossas
memórias, mas a vida continua, não é?
— Continua – afirmou Hadassa sem conseguir segurar uma lágrima.
Sabia o tanto que Lucimara havia sofrido com a perda de Rebeca. – Nós
sempre vamos ter uma parte dela em Isabela.
— Vamos sim. Se um dia for possível, me apresente Júlia. Vou gostar
muito de conhecer ela pessoalmente. Isabela falou dela hoje o dia todo.
— Ela adora Júlia. Júlia também é apaixonada nela. Vou levar ela pra
casa dela agora. Passaremos a noite lá.
— Tá bom – Lucimara falou, mirando o chão enquanto mexia as mãos
junto ao corpo.
— Você parece preocupada, Luci. Algum problema? – observou Hadassa.
— É que... Se você ficar mesmo com Júlia, o que torço muito para que
aconteça, já que gosta dela, eu estou um pouco preocupada de acabar me
afastando de Isa. Eu não quero mesmo, nunca, perder o contato com minha
netinha.
— Isso jamais vai acontecer, Luci. Nem precisa se preocupar com isso!
Você sempre será a única avó na vida dela. Olha, eu estou te prometendo que,
independente de onde a vida me levar ou levar Isabela, você sempre estará
conosco – falou pegando em suas mãos. – Ela nunca vai se afastar de você.
— Me promete que quando vocês se enfiarem no meio das celebridades,
o que provavelmente vai acontecer, vocês não vão esquecer dessa senhora
aqui?
— Prometo. Você sempre fará parte das nossas vidas. Você faz parte da
minha família.
Lucimara anuiu e deu um abraço em Hadassa, antes de voltarem para a
sala. Isabela se despediu da avó e seguiu com a mãe para fora e logo
seguiram o caminho de casa, onde a morena apenas fez uma bolsa com
algumas peças de roupas. Pediu que Isabela esvaziasse os potes de comida e
água de Floquinho e levasse para o carro. Junto com a bolsa, colocou também
um pacote de ração. Em seguida ligou para Ranellory informando que ia
passar a noite com Júlia e colocou a coleira no cachorro, indo para o veículo
com a filha. Acomodou os dois no banco traseiro e em pouco tempo estavam
a caminho da casa da atriz.
— Onde nós vamos, mãe? – perguntou Isabela ao fazer carinhos em
Floquinho, acomodado em seu colo.
— Nós vamos passar a noite na casa da Júlia – informou olhando para a
filha através do espelho retrovisor.
— Jura?!
— Juro! Gostou?
— Eu gostei! Amanhã nós vamos brincar na piscina de novo?
— Não sei meu amor. Amanhã a Júlia e eu temos que resolver algumas
coisas. Não sei se vai dar tempo.
— Tá bom. Mãe, você tá mesmo namorando com a tia Júlia?
— O que você acha da ideia?
— Eu ia gostar muito dela ser minha mãe. Ai a Mic é minha irmã.
— Você pode perguntar para Júlia quando chegarmos lá.
— Eu vou perguntar.
Hadassa sorriu e voltou sua atenção para o trânsito. Em pouco tempo já
estava parando o carro na entrada principal da propriedade.
Júlia desceu assim que escutou o barulho de carro. Abriu um sorriso
quando viu Isabela entrar na sala segurando a coleira de Floquinho e se
abaixou para receber seu abraço. Deu um beijo demorado em seu rosto,
acariciando seus cabelos.
— Oi Isa! Parece que já faz tanto tempo! Estava com saudade!
— Eu não senti muito não. A gente se viu ontem.
— É verdade! É que fiz um monte de coisas, aí parece que passou muito
tempo!
— Eu quero te fazer uma pergunta.
— Faça.
— Você e minha mãe estão namorando mesmo?
Júlia olhou desconcertada para Hadassa, que estava parada ao seu lado,
com um sorriso no rosto. Tornou a olhar para Isabela, que esperava uma
resposta.
— O que você acha da ideia?
— Minha mãe fez a mesma pergunta. Eu acho que seria muito legal! Eu
acho que estão namorando sim!
— Você me aceita como namorada da sua mãe?
— Aceito, mas o Floquinho pode vim com a gente, né?
— Pode! Claro que pode! – respondeu Júlia ao fazer carinho no cachorro.
– Floquinho faz parte dessa família.
— Oba! Eu vou colocar a água e a comida dele porque eu tive que tirar
para vim pra cá. Ele está com fome.
— Vai lá na cozinha, a Nicéia te dá dois potes – orientou a atriz.
— Eu coloquei os dele no carro. Vou pegar.
Isabela soltou a coleira de Floquinho e saiu correndo para a porta. Júlia
ficou sorrindo para a menina, até que ela saísse do seu ponto de visão.
— Só você e Isabela para me fazer sorrir hoje. Obrigada por isso! – falou
ao enlaçar seu pescoço com os braços.
— Sempre estarei à sua disposição.
Hadassa buscou os lábios de Júlia em um beijo, encaixando a mão na sua
nuca. Foram separadas pelo barulho de patas no chão e a interjeição que
Isabela soltou ao vê-las.
— Eca!
— O que foi meu bem? – perguntou Júlia ao se afastar de Hadassa.
— Não sei porque pra namorar precisa ficar com a boca grudada na outra.
Eu nunca quero namorar assim!
— Eu também quero que nunca namore assim – riu Hadassa. – Vai me
poupar muitos cabelos brancos!
— Você vai deixar sua mãe grisalha – respondeu Júlia. – Vamos
mocinha, vamos colocar água para o Floquinho!
Hadassa observou Júlia se afastar com Isabela e Floquinho e deu um
suspiro, seguindo-as de longe. O sorriso no rosto das duas reconfortou seu
coração. Pela primeira vez teve a clara noção da família que fariam.
Capítulo 44
Hadassa acordou com a tímida claridade que invadia o ambiente. Passou
a mão no rosto lentamente, sentindo o peso da cabeça de Júlia apoiada contra
seu ombro. Se mexeu devagar para conseguir livrar o braço e não acordar a
loira. A atriz se mexeu com seu movimento e se virou para o outro lado da
cama, retornando para o sono profundo. Hadassa aproveitou para se sentar na
cama e massagear o braço dolorido, onde Júlia havia dormido, e levantou
devagar, indo até a porta, para sair do quarto.
A segurança se espreguiçou no corredor, enquanto ia até o aposento onde
a filha tinha passado a noite. Abriu a porta e a enxergou largada na cama,
com o cobertor já quase no chão. Se adiantou para ajeitá-lo e abriu um pouco
da cortina para que a claridade da manhã pudesse entrar. Deu um beijo em
sua testa, antes de sair, indo para as escadas, até o andar inferior, ainda de
pijama.
Na casa a movimentação ainda era tímida. Os funcionários estavam
chegando para o trabalho e se recordou, com um sorriso saudoso, que aquele
também era o horário que costumava chegar na casa da atriz. Lhe parecia que
tinha sido em outra vida, com outras pessoas. O cheiro do café, sendo feito
por Nicéia, guiou-a até a cozinha.
— Bom dia, Nicéia – cumprimentou ao mesmo tempo em que anunciava
sua presença.
— Bom dia, Hadassa.
A segurança respondeu também os cumprimentos dos seguranças que
estavam ali, como Cristina, nova funcionária contratada com o retorno de
Júlia para a manutenção da casa. Sentiu uma leve mudança de postura em
todos.
— Deseja que o café já seja servido? Estou terminando de preparar.
— Júlia ainda está dormindo, Isabela também – explicou ao se sentar à
mesa. – Eu vou ficar só no café mesmo, por enquanto.
— Eu vou pegar pra você – se prontificou Cristina.
— Não precisa – respondeu ao vê-la se levantar. – Eu pego.
A mulher assentiu e voltou a ocupar seu lugar, enquanto a segurança via a
conversa morrer na mesa. Sabia que aquele silêncio matinal era atípico.
— O que foi, gente?
— Ai, Hadassa, vou ser sincera – respondeu Nicéia ao abandonar uma
colher sobre a pia. – Agora eu não sei mais como te tratar. Antes você era
como a gente, mesmo quando estava namorando com Micaela, mas agora
você está com Júlia, né? Está em todos os lugares na tevê, virou patroa. Não
sei se vai mudar com a gente.
Hadassa riu com as palavras de Nicéia. Entendia que podia ser uma
mudança para eles, mas nada havia mudado para ela e tratou de deixar aquilo
claro.
— O fato de eu estar com Júlia não muda nada. Continua a mesma coisa
de antes.
— Não é a mesma coisa de antes – reagiu Igor. – A gente não pode mais
falar da vida alheia com você por perto.
— Talvez isso seja um ponto – concordou ao rir. – É sério mesmo, nada
mudou, ok?
Hadassa assistiu as pessoas concordarem e se levantou para pegar uma
caneca e café, em seguida. Voltou a ocupar o lugar na mesa, enquanto via que
a conversa estava retornando ao ponto de onde havia parado.
— Você sabe quem é o cara que atacou Júlia? – perguntou Nicéia
também se sentando. – No jornal disse que era ex-funcionário da escola de
Jaqueline.
— Eu não conversei ainda com a investigadora que está cuidando do
caso, mas lá na chácara deu para perceber que Jaqueline o conhecia mesmo.
Ela que falou o nome dele, pediu para ele ficar calmo. Infelizmente ele
resolveu que tinha que atacar Júlia.
— Ainda bem que estava lá para evitar – comentou Cristina. – Mas o
lugar estava cheio de segurança, né? Como ele entrou?
Hadassa não respondeu. Se virou para Igor, esperando que ele lhe desse
aquela resposta.
— Ele entrou por trás, pela área de mata. Quando o segurança viu,
Jaqueline interferiu, dizendo que o conhecia, que o levaria embora. Foi um
erro de quem estava fazendo a cobertura daquela área. Mesmo que Jaqueline
tenha dito que o conhecia, não podiam ter deixado ele sair de vista.
— Só ela pode dar uma resposta concreta do que aconteceu – suspirou
Hadassa. – Eu tenho que me apresentar na delegacia às nove da manhã.
— Vai dar problema pra você, por ter atirado nele? – perguntou Nicéia.
— Não. Agi em legitima defesa, tenho os testemunhos a meu favor e a
perícia pode confirmar que atirei depois do primeiro disparo. Só que pesa,
né? Eu matei uma pessoa. Fiquei parte da noite pensando nisso, na família
dele. Tem o outro lado.
— Você fez o que tinha que fazer para proteger todos naquela casa.
Imagina se não estivesse com sua arma lá?
— Quero nem imaginar!
Hadassa ainda ficou durante meia hora conversando com os colegas,
antes de retornar para o andar superior. Deu outra olhada na filha e seguiu
para o quarto de Júlia. Puxou a ponta do edredom e se enfiou embaixo dele,
indo grudar seu corpo na atriz.
Júlia despertou com os carinhos e beijos que recebia no ombro e pescoço.
Abriu um sorriso, antes de abrir os olhos e se aconchegou mais contra
Hadassa. Acariciou o braço que passou por sua cintura, antes de virar para
encontrar os olhos verdes.
— Bom dia, amor – sussurrou ao acariciar seu rosto.
— Bom dia, linda – Hadassa depositou um beijo em seus lábios. – Já é
sete e meia da manhã, temos que ir para a delegacia às oito e quarenta.
— Daqui a pouco – suspirou ao encaixar o rosto no pescoço de Hadassa.
– Isabela ainda está dormindo?
— Sim. Eu ainda tenho que levar ela na casa da avó, antes de ir para a
delegacia.
— Deixa ela aqui. Eu peço para as meninas cuidarem dela.
— Não vamos sobrecarregá-las?
— Não. Também é melhor que não fique rodando muito por aí.
Principalmente nesse primeiro momento – outra vez a atriz suspirou. – Não
quero sair daqui!
— Bem que poderíamos passar toda a manhã assim. Seu corpo
devidamente grudado no meu.
Júlia levantou os olhos para enxergar o rosto de Hadassa. Mordeu o lábio
inferior quando sentiu a mão passear por sua coxa e subir para o quadril,
acariciando seu bumbum. Se adiantou, dando um beijo em seus lábios, já
sentindo a excitação tomar conta do seu corpo. As mãos de Hadassa subiram
sua camisola, para depois baixar a calcinha que usava, ainda encarando seus
olhos. Encaixou o rosto em seu pescoço, depositando leves beijos, e abriu a
perna para que ela pudesse encaixar a mão em seu sexo, em uma lenta
masturbação.
— Bom dia, Júlia – sorriu Hadassa ao sentir a umidade em sua mão.
— E que bom dia! – gemeu a atriz contra sua pele. – Tem certeza que
temos que sair às oito e quarenta mesmo?
— Acho que podemos chegar uns vinte minutos atrasadas – sussurrou
Hadassa ao deixar um dedo penetrá-la.

Já era nove e meia da manhã quando Júlia e Hadassa chegaram à


delegacia onde iriam prestar depoimentos. Micaela e Alberto seriam ouvidos
na parte da tarde, assim como Andrew e Bianca. Segundo informações
passadas pela assessora, Jaqueline já tinha prestado seu depoimento no
próprio hospital.
A movimentação de repórteres na frente do DP deixou Hadassa tensa,
mas conseguiu passar uma postura mais segura, ao ter Júlia do seu lado. A
atriz, já acostumada com as câmeras, se desviou de todas, sendo auxiliada por
Bianca e um policial. Outros dois fizeram a escolta da segurança até o interior
da delegacia.
Dentro do espaço, Hadassa foi guiada para a sala do delegado e Júlia
seguiu com Clarice para outro lugar. Durante a hora seguinte, a segurança
narrou, com riqueza de detalhes, tudo o que tinha acontecido no dia anterior,
na chácara. Quando finalizou seu depoimento, ficou esperando por alguns
minutos, até que Júlia retornasse com Clarice.
— Já acabamos por aqui? – perguntou Hadassa.
— Sim, já está tudo bem esclarecido, só pegar o depoimento de Micaela e
Alberto, mas o caso está bem claro.
— Já possuem informações de quem era Mateus?
— Fizemos uma busca no seu apartamento, ao que tudo indica era um fã
aficionado por Júlia. A notícia do namoro de vocês acabou despertando um
gatilho nele.
— Jaqueline o conhecia?
— Ele foi funcionário da escola, trabalhava na manutenção. Sempre
haviam conversado, principalmente sobre Júlia, já que ele dizia ser fã.
— Era uma forma dele ficar mais próximo dela.
— É o que estamos deduzindo. A perícia já entregou o relatório da
balística, sua arma está liberada, só temos que assinar uma papelada ali. Foi
constatado que os tiros que deu não era para ser fatal, mas como teve
movimento do corpo, acabou atingindo em uma região vital.
— Ele estava atirando em Júlia, quando disparei.
— Sim, foi o que foi constatado. Entrarei em contato quando o caso for
finalizado, o que de nossa parte já se encerra até amanhã. Farei uma coletiva
no início da noite, depois de já ter falado com o restante das testemunhas,
para elucidar todo o caso na imprensa.
— Obrigada por sua cooperação, Clarice. Já podemos ir?
— Já sim, estão dispensadas.
Hadassa agradeceu e seguiu a investigadora para pegar sua arma. Alguns
documentos foram estendidos na sua direção, para que assinasse para a saída
da arma. Pegou a bolsa de Júlia e guardou dentro, tendo o cuidado de segurá-
la enquanto eram guiadas para o carro que já as esperava. Outra vez evitaram
as câmeras e seguiram direto para o hospital, onde Jaqueline estava internada.
No local, Hadassa optou por esperar do lado de fora do quarto, sem se
desgrudar da bolsa de Júlia. A atriz entrou e se adiantou para a cama, onde a
irmã estava recebendo cuidados de uma enfermeira. Cumprimentou o
cunhado, antes de dar um beijo no rosto de Jaqueline.
— Como você está? – perguntou ao puxar uma cadeira para a beirada da
cama.
— Um pouco dolorida por causa da cirurgia de retirada da bala, mas nada
comparado ao que aconteceu ontem.
— Tudo foi uma loucura!
— Nem me fala! Jamais imaginei que Mateus pudesse fazer aquilo! Não
parecia mesmo ser uma pessoa tão transtornada quando conversávamos.
— Ele trabalhava na escola, não é?
— Sim, foi funcionário por dois anos lá. Saiu porque pediu demissão,
nem mandamos ele embora porque tinha um om trabalho, se dava bem com
as crianças. Olha o perigo!
— Mas você falava a meu respeito pra ele?
— Sim. Ele nunca demonstrou ser uma pessoa completamente fora de si
antes. Conversávamos normalmente, ele dizia ser seu fã, fazia perguntas a seu
respeito, mas nada assim, que despertasse a atenção. Tanto que quando eu vi
ele na chácara ontem, eu nem imaginei que pudesse acabar, da forma como
acabou.
— Você que colocou ele pra dentro?
— Não. Ele veio da parte detrás, ali onde tem a mata, sabe? Conversamos
um pouco, ele disse que só estava preocupado com você e queria ver, mesmo
de longe, que estava tudo bem. O segurança se aproximou, mas eu o
dispensei, disse que estava comigo. Até então, na minha cabeça, ele era só
um fã preocupado. Depois que o segurança se afastou é que ele mostrou a
arma e pediu para Bianca prender Andrew com a abraçadeira. Foi quando ele
mostrou quem era, realmente. Eu permiti que aquele maluco chegasse perto
de você. Quero nem imaginar o que teria acontecido se... se Hadassa não
tivesse agido.
— Também não, mas não fique se culpando. Você não tinha como saber
que a intenção dele era me matar. Apesar de já ter recebido uma bomba no
dia anterior, não tinha como saber que tinha sido ele.
— Eu devia ter imaginado. Eu já sabia que ele era seu fã, é obvio que era
estranho demais ele se aproximar da casa daquela maneira. Eu devia ter
deduzido.
— Não se martirize com isso. Acabou tudo bem.
— Ainda bem que sim.
— Ainda bem que Hadassa anda armada – sorriu Júlia ao pegar sua mão.
– Por mais que você me tire do sério muitas vezes, obrigada pelo que fez por
mim. Você arriscou sua vida para me defender.
— Eu sou sua irmã, Júlia, eu sempre vou te proteger, mesmo quando pra
você eu soe inconveniente.
— E muito! Mas uma hora você vai se acostumar com a ideia de que
estou com Hadassa.
— Não é um bom momento para falarmos sobre isso.
— Não mesmo – suspirou a atriz. – Precisa de alguma coisa? Eu vejo o
que pode ser providenciado aqui.
— Está tudo bem. Obrigada por ter vindo.
— Não me agradeça, fique boa logo. Apesar de nossas diferenças, você é
minha irmã e isso nunca vai mudar. Eu quero ver você bem.
Jaqueline balançou a cabeça em sentido positivo e ainda ficou
conversando com Júlia por mais meia hora, sobre Mateus e o ocorrido na
chácara, antes que a atriz se despedisse. No corredor, não encontrou Hadassa
no lugar onde havia ficado, mas o segurança logo indicou a sala mais
reservada onde ela estava sentada. Juntas saíram do hospital, tomando a
direção da casa da atriz, outra vez.
— Agora tenho que resgatar as meninas de Isabela – sorriu Hadassa ao
descer ao lado de Júlia. – Aposto que já cansou todas elas.
— Não duvido – concordou a loira. – Se ela está com a mesma disposição
de antes...
Júlia parou a frase no meio, ao escutar o barulho da piscina e risos.
— Pronto, já pegou elas para irem para a piscina!
Hadassa seguiu para os fundos, acompanhada de Júlia, mas logo viram
que Cristina e Nicéia estavam na cozinha, preparando o almoço. A segurança
adiantou os passos, preocupada de que a filha estivesse sozinha na água.
Assim que entraram no jardim dos fundos, enxergaram, além de Isabela,
Micaela e Andrew dentro da piscina.
— Micaela, que surpresa! – exclamou a atriz, ao chamar a atenção da
filha.
— Oi mãe! Demoraram para voltar! Oi Hadassa!
— Passei no hospital para ver sua tia também. O que está fazendo aqui?
— No momento? Brincando com minha irmãzinha na piscina.
Capítulo 45
Micaela abaixou o vidro traseiro do carro, cumprimentou o segurança da
casa da mãe e esperou por poucos segundos antes que sua entrada e de
Andrew fosse autorizada. Desembarcou do veículo na frente da entrada
principal e logo Igor apareceu para recepcioná-la.
— Bom dia, Micaela, Andrew. Sua mãe não está no momento. Ela saiu
para prestar depoimento junto com Hadassa.
— Hadassa passou a noite aqui?
— Sim, senhora.
Micaela balançou a cabeça em sentido positivo e agradeceu a informação.
Explicou para Andrew rapidamente e decidiram esperar a chegada de Júlia na
própria casa. Já havia conversado, tanto com o pai, quanto o namorado, de
que precisava ter um último contato com a mãe e Hadassa para que pudessem
ir embora. Iria para o Rio de Janeiro, junto com o pai, depois que prestasse
depoimento e somente na semana seguinte retornariam para Estocolmo, pois
não podiam se ausentar por muito tempo do trabalho. Também não estava
com muito entusiasmo de passar mais tempo com a mãe e a ex-namorada.
Ainda estava magoada, mas depois dos últimos acontecimentos, havia
decidido que somente iria embora, deixaria o tempo passar e, talvez, o perdão
pudesse chegar em algum momento futuro.
Nicéia apareceu para chamá-los para um lanche e Micaela segurou na
mão de Andrew, tomando a direção da cozinha. Antes que pudessem sair da
sala, escutou a voz de Isabela vinda da escada.
— Mic! – gritou a menina entusiasmada.
Micaela se virou para ver a pequena ruivinha que corria na sua direção.
Se abaixou para receber o abraço carinhoso que ela lhe dava, ao mesmo
tempo em que segurava um cobertor.
— Eu estava com saudade!
— Eu também, minha linda! – respondeu ao acariciar seus cabelos. –
Como você cresceu, hein?!
— Claro, agora já tenho seis anos!
— Já está muito grande! Esse é o Andrew, meu namorado.
— Oi Endru – cumprimentou a menina sem tirar a mãozinha do ombro de
Micaela.
— É Andrew – repetiu a loira ao corrigir sua pronuncia. – Ele não fala
português, só inglês.
— Ah, eu sei falar inglês também. Aprendi na escola – sorriu Isabela. –
Hi Endru – repetiu em inglês.
— Ela não vai falar seu nome certo – riu Micaela para Andrew. – Cadê
nossas mães?
— Eu não sei. Eu acordei agora e não tem ninguém no quarto. Nem no
quarto da mãe Júlia.
Micaela sorriu desconfortável para Isabela, ao mesmo tempo em que se
levantou, ainda segurando sua mãozinha.
— Já chama ela de mãe?
— Já. Ontem a gente deu comida para o Floquinho, aí ela disse que tudo
bem eu chamar ela de mãe também – respondeu Isabela pensativa. – Agora
você é minha irmã?! – perguntou empolgada.
— Uma irmã mais velha e mais chata!
— Eu sempre quis ter uma irmã. Você pode mesmo ser minha irmã?
— Posso. Devo, na verdade. Não tem muito mais jeito agora.
— Bom... Como minha irmã, você não pode brigar comigo, mas eu tenho
que te falar: estou usando seu quarto!
Micaela deu uma sonora risada, antes de se abaixar e apertar Isabela.
— Você pode ficar com ele, pode mudar da forma como quiser. Agora é
seu! Você disse que deram comida para o Floquinho, onde ele está?
— Aqui fora – respondeu a menina puxando-a pela mão. – A mãe disse
que não podia deixar ele dormir no quarto porque tem o carpete, e ele ia fazer
cocô nele. Ele ficou aqui no quartinho dos fundos.
Micaela explicou para Andrew, parte do diálogo com Isabela e saíram
atrás do cachorro. Como ela havia dito, Floquinho estava dentro da edícula,
fechado apenas com uma grade pequena. A loira se abaixou para pegá-lo no
colo e ficou tentando se desviar das lambidas excitadas que ele tentava dar
em seu rosto. Sentaram no gramado e ficaram brincando com o cachorro por
longos minutos, até que Nicéia aparecesse informando que Isabela tinha que
tomar café da manhã. Micaela acompanhou a menina a todo o momento,
matando as saudades que sentira dela e de Floquinho. Andrew permaneceu
do seu lado, genuinamente feliz por ver que a namorada estava feliz, pela
primeira vez, desde que tinham chegado ao Brasil.
Depois do café da manhã, Isabela chamou Micaela para irem para a
piscina. A loira pediu que Cristina fosse comprar roupa de banho para ela e
Andrew e enquanto esperavam seu retorno, ficaram na sala, sentados no
tapete, fazendo carinhos em Floquinho.
— O que você acha das nossas mães namorando? – perguntou Micaela
para Isabela.
— Eu acho muito legal! Eu gosto da mãe Júlia e minha mãe também
gosta dela. É o que precisa para ficarem juntas, né?
— De certa forma.
— Sabe, minha mãe Hadassa tinha ficado muito triste com a morte da
mãe Rebeca. Eu já vi ela chorando por causa disso. Aí ela começou a
namorar com você e parou de chorar, mas depois que você foi embora pra
ficar com o Endru, ela ficou triste de novo. Dava pra perceber. Quando a
gente brincou na piscina com a mãe Júlia, eu vi que ela ficou feliz de novo.
Ela tava rindo.
— Você não achou nem um pouco estranho elas estarem juntas?
— Não. Estranho é gostar e não estar junto.
Micaela concordou com um aceno e fez carinho na densa cabeleira ruiva
de Isabela, pensativa acerca da sua resposta simplória, mas certeira. Se elas,
de fato, se gostavam, ela não poderia interferir de alguma forma. Como o pai
havia lhe dito: estava feliz com Andrew, com uma nova vida em Estocolmo
que cada vez mais adorava: remoer o passado não mudaria o presente e,
menos ainda, o futuro.
Desviou a atenção de seus pensamentos quando Cristina retornou com o
motorista e entregou a sacola com sua encomenda. Agradeceu a funcionária e
subiu para seu antigo quarto, com Andrew e Isabela para que pudessem se
trocar. Com meia hora já estavam se divertindo na piscina.
A chegada da mãe aconteceu depois de quarenta minutos. Olhou para
Hadassa, parada ao seu lado na beirada da piscina, segurando sua bolsa, e
balançou a cabeça em sentido negativo. “Pior que elas ficam bem juntas”,
suspirou, guardando para si o pensamento.
— Agora nós somos irmãs, não é? Tenho que fazer meu papel de irmã
mais velha.
— Oi Mic.
— Oi Hadassa. Como a tia está?
— Se recuperando. Fez uma cirurgia hoje, mas logo fica bem – respondeu
Júlia afastando alguns passos. Observou Andrew também sair da piscina,
depois de levar Isabela para a parte mais rasa. – Achei que estaria na casa de
seu pai hoje.
— Eu queria falar com vocês antes de ir prestar o depoimento. Vou com
ele para o Rio, encontrar Denise e Monique, fazer um pouco de turismo com
Andrew antes de voltar para a Suécia.
— Está certo. Vamos entrar?
Hadassa assentiu e seguiu até a filha, puxando-a para dar um beijo em seu
rosto. Informou que iria subir rapidamente, mas que já estaria de volta. Júlia
balançou a cabeça em sentido positivo, e a observou entrar na casa. Voltou
sua atenção para Andrew o cumprimentando.
— Parece que já estão bem adaptadas – comentou Micaela ao secar o
cabelo com uma toalha. – Isabela já me disse que perdi meu quarto, que
agora é dela.
— Ela tem dormido nele – sorriu Júlia ao olhar para a criança. – É uma
menina adorável!
— Eu sei. Isa é fantástica.
Micaela ficou em silêncio por alguns momentos, vendo Floquinho correr
ao redor da piscina. Andrew que resolveu interferir para que a namorada
pudesse expor o que ele tinha certeza que ela estava sentindo.
— Eu não vou ficar por perto, vou brincar com Isabela – explicou o loiro.
– Fala pra sua mãe tudo o que me disse que iria falar – aconselhou ao se virar
para Micaela. – Tenho certeza que ela vai gostar de ouvir.
Júlia olhou curiosa para o rapaz que voltava para piscina e Isabela
nadando em direção a ele, batendo os pezinhos na água. Se virou para
Micaela, que mantinha os olhos no namorado.
— Eu sei que te devo muitas explicações, Mica. Hadassa e eu faremos
isso.
Micaela abaixou a cabeça e fitou os pés descalços, onde uma pequena
poça de água havia se formado. Se acomodou em uma cadeira, apontando
para que a mãe fizesse o mesmo.
— Eu não quero voltar no ponto onde você e Hadassa ficaram antes,
quando ela ainda estava comigo. Tem uma coisa que Andrew me falou essa
noite e que é uma verdade; existe um limite para saber uma informação.
Passar desse limite é sobrecarregar as informações e não é bom. Eu não quero
saber detalhes, não quero saber onde e como aconteceu. O quando pra mim já
foi suficiente.
Júlia assentiu e encarou a filha, pensando em como prosseguir. Hadassa
voltou a aparecer e se juntou a elas. Tirou os óculos escuros, colocando-os
sobre a mesinha de vidro.
— Vocês iam falar comigo quando? – perguntou Micaela, agora olhando
para as duas.
— Nesse final de semana mesmo – respondeu Hadassa. – Iria vim pra cá,
depois que saísse do serviço à noite, iriamos esperar o horário do amanhecer
onde está morando e ligaríamos. Era o melhor horário por ser manhã lá,
madrugada aqui e Isabela estaria dormindo.
— E como pretendiam iniciar esse assunto comigo?
— Que nos envolvemos – respondeu Júlia. – Não iria falar que já tinha
sido de antes. Algumas verdades servem apenas para machucar e essa seria
uma delas. Eu... Nós queríamos te poupar dessa dor.
— Você pensou em mim em algum momento, desde que começou a
gostar de Hadassa?
— Pensei. O que mais fiz foi te colocar em primeiro lugar. Eu fui para o
Rio, sufoquei o que estava sentindo dentro de mim. Eu tentei, de todas as
formas, esquecer Hadassa, mas quanto mais eu tentava, mais me via
apaixonada. Quando você foi para a França, que fomos no abrigo, ela me
disse que iria terminar com você e eu pedi que não fizesse aquilo. Queria que
concluísse seu curso com tranquilidade.
— E você, Hadassa?
— Quando me dei conta que de fato amava Júlia, minha primeira atitude
foi decidir que terminaria o que tínhamos quando voltasse do curso. Como já
lhe disse antes, Júlia mexia comigo, mas não conseguia enxergar uma mínima
possibilidade que fosse, com ela.
— Eu fui o escape.
— Não. Você foi exatamente o que precisava, o que precisávamos, tanto
pra mim, quanto pra você quanto para Júlia. Nós precisávamos daquilo,
naquele momento, para que cada uma pudesse sair da sua zona de conforto
para encarar seus próprios medos.
Micaela voltou os olhos para a água, enxergando Andrew erguer Isabela,
fazendo ela pular de volta na piscina.
— Eu não vou falar que sou a pessoa mais feliz do mundo com o
relacionamento de vocês. Na verdade, não gostaria que estivessem juntas
porque é muito bizarro saber que minha ex-namorada está transando com a
minha mãe, mas não vou bancar a sem noção me fazendo de vítima. Daqui a
pouco vou prestar o depoimento e se eu e meu pai já estivermos liberados,
vamos para o Rio.
— Acha que vai conseguir me perdoar algum dia?
— Não sei, mãe. Vamos dar tempo ao tempo.
Júlia trocou um olhar com Hadassa e tornou a olhar para a filha que
mantinha os olhos no namorado. Pensou em falar algo mais, mas o silêncio
estava falando por elas naquele momento.
— E você e Andrew? – Hadassa perguntou. – Como vocês estão?
— Bem. Ele é um cara sensacional.
— Você tem se protegido para não ficar grávida, filha? – perguntou Júlia.
– Vocês dois são jovens...
— Sério, mãe? – cortou Micaela. – Vem querer dar uma de mãe agora?
Nessa altura do campeonato?
— Não seja grossa, Micaela! Estou apenas preocupada!
— Não precisa ficar preocupada! Andrew e eu teremos filhos quando for
o momento de termos filhos. Já conversamos sobre isso.
— Sua mãe se preocupa com você, Mic.
Micaela suspirou fundo, antes de olhar para Hadassa e depois Júlia.
— Ele não pode me engravidar – respondeu, somente.
— Algum problema? Ele não pode ter filhos?
— Andrew é um homem trans, mãe. Nós temos vontade de ter filhos sim,
quando isso acontecer, eu informo que vocês serão vovós.
Hadassa deu um sorriso e se levantou, esticando a mão para Micaela. A
jovem a segurou e se levantou também, se rendendo ao seu abraço.
— Você é uma mulher muito especial, Micaela, já te disse isso inúmeras
vezes. Você é inteligente, bem humorada, tem um coração extremamente
generoso. Eu sei que está toda bravinha agora, mas também sei que vai
passar. Eu te conheço o suficiente para saber disso.
Micaela revirou os olhos, suprimindo um sorriso. Se afastou para encarar
Hadassa.
— É foda quando a madrasta nos conhece tão bem – riu. – Eu vou ficar
bem. Vou ficar bem, viu dona Júlia, se preocupa agora com sua outra filha,
uma criança ainda que vai precisar muito da sua presença. Não faça com ela a
mesma coisa que fez comigo, seja uma mãe presente e não entregue a ela o
peso de ser sua filha.
Júlia acenou com a cabeça, também indo abraçar Micaela. Deu um beijo
demorado em seus cabelos, antes de afastar para enxergar seus olhos.
— Me perdoe, por tudo!
— Tudo vai ficar bem, mãe. Agora eu tenho que ir. Tenho que me
apresentar na delegacia em uma hora – falou se virando para a piscina para
chamar Andrew.
— Não fica para almoçar com a gente?
— Muito cedo para isso ainda. Quem sabe um dia.
Júlia assentiu e viu Andrew sair da água, junto com Isabela. A menina se
enrolou na toalha oferecida por Hadassa e o rapaz também se secou em outra,
antes de entrarem e subirem as escadas. A morena levou a filha para o seu
quarto e deu um rápido banho na criança, antes de trocá-la. Em meia hora, a
segurança voltou para a sala e Micaela também desceu com Andrew, já
arrumados para irem.
— Bom, nos vemos por aí. Ainda vou ficar mais uma semana no Brasil,
antes de ir embora. Quero apresentar um pouco do Rio para Andrew.
— Agora está complicado para eu sair, mas se der, voltem para um jantar
– pediu Júlia.
— Vamos deixar isso mais pra frente. Agora ainda é muito recente.
Tchau minha irmãzinha linda! – se despediu ao se abaixar na frente de
Isabela. – Cuida bem daquele quarto, viu?!
— Eu vou cuidar! Não demora muito não de voltar.
— Não vou demorar, princesa! Oh, cuida bem das nossas mães, viu?!
Não deixa elas fazerem besteiras!
— Pode deixar!
Micaela se levantou e ainda encarou a mãe e Hadassa por alguns
segundos, antes de balançar a cabeça em sentido positivo.
— Se cuidem, tá bom?
Júlia abraçou Micaela, sem conseguir conter as lágrimas. Se despediu da
filha com um beijo em seu rosto e se despediu também de Andrew. Seguiu-os
para fora, onde um carro já os esperava e assistiu saírem da propriedade.
Desviou os olhos da saída quando sentiu o beijo carinhoso de Hadassa em
seus cabelos.
— Tudo vai dar certo.
— Eu acredito nisso agora – sorriu ao secar as lágrimas. – Bom, vamos
almoçar! Já está tarde!
— Mãe Júlia, sabe no que eu estava pensando – falou Isabela ao pegar
sua mão, enquanto iam para a cozinha. – Eu quero ser como você, quando
crescer. Você pode me ensinar como é ser atriz, né? Quero fazer um monte de
novelas igual ao que fez!
— Olha, eu posso te ensinar um monte de coisas sim! – concordou Júlia
ao trocar um sorriso com Hadassa. – Mas você sabia que para ser atriz é
preciso disciplina? Você tem que obedecer a um monte de coisas que outras
pessoas passam.
— Eu obedeço! Sabia que eu até sei chorar? Quando a tia Rane não deixa
eu fazer as coisas, eu finjo que choro, ai ela deixa. Quer ver?
Júlia não teve tempo de dizer sim, Isabela se soltou de sua mão e adiantou
uns passos para frente, parando no meio das duas e fazendo cara de choro. A
atriz ficou encantada ao ver duas tímidas lágrimas rolar pelo rosto de Isabela.
— Ela chora mesmo! Sai até lágrimas! – exclamou boquiaberta.
— Provavelmente tem um sucesso nas mãos! – riu Hadassa ao passar a
mão pela cintura de Júlia. Era bem provável que teria que se acostumar a ter
duas estrelas em sua vida.
Capítulo 46
Micaela terminou de prestar seu depoimento às seis horas da tarde. O pai
e Andrew já tinham sido ouvidos e esperavam por ela, para que pudessem ir
embora. A investigadora entregou o depoimento para que pudesse assinar e a
dispensou, informando que se precisasse de maiores informações iria
procurá-la. Micaela sabia que aquilo não aconteceria: o caso já estava
praticamente encerrado e, com certeza, depois do depoimento dos três, seria
finalizado.
A loira saiu da sala e foi ter com o pai e o namorado. Segurou a mão de
Andrew, enquanto ele se levantava.
— Já estamos liberados? – perguntou Alberto para a investigadora.
— Já estão sim. Se quiser, pode pedir para o carro entrar no
estacionamento da delegacia, assim não precisam enfrentar a imprensa mais
uma vez.
— Será melhor. Eu vou ligar...
— Não, pai – pediu Micaela ao tocar seu braço com a mão livre. – Eu
quero falar com eles.
— Pra quê, Mica?
— Eu preciso fazer isso. Confia em mim?
Alberto deu ombros e Micaela explicou para Andrew, rapidamente, que ia
falar com a imprensa. Juntos, os três saíram do DP, sendo acompanhados por
dois policiais e Clarice, que faziam a segurança do trio.
Micaela parou na calçada do prédio, onde as câmeras e repórteres
estavam e ajeitou os cabelos, enquanto era bombardeada de perguntas que ela
nem estava escutando. Respirou fundo e quando se sentiu pronta, se virou
para a repórter que estava mais próxima a ela.
— Eu vou fazer uma declaração, talvez responda uma pergunta ou duas,
mas não vou repetir as mesmas coisas que falarei na declaração.
A repórter concordou e Micaela encarou a câmera à sua frente.
— Estamos gravando – informou o operador.
— Tudo o que aconteceu recentemente com minha mãe foi um terrível
pesadelo para toda a família. Passamos por um momento difícil, com dois
atentados seguidos contra sua vida. Infelizmente o último eu estava presente
e posso afirmar que foi um dos piores, senão o pior momento da minha vida.
A investigadora Clarice pode passar as informações para vocês com maior
propriedade a respeito desse episódio, por isso não vou entrar detalhes da
ação ocorrida – Micaela se virou para a investigadora que confirmou com um
aceno de cabeça. – O que eu quero falar com vocês foi o motivo que
culminou tudo isso, que fez disparar o gatilho dos ataques: o envolvimento
dela com Hadassa, minha ex segurança. Minha mãe é uma mulher solteira,
jovem, linda e tem todo o direito de refazer a vida dela como ela bem
entender, com quem ela bem entender. Me foi mostrado que quem fez a
primeira divulgação dessa fofoca foi Fernando Almeida. Conhecemos seu
trabalho e não estou aqui para questioná-lo como profissional, mas sim a
fonte dele, que sabemos quem foi, que passou essa informação a ele. Hadassa
foi minha segurança mesmo, um ano e pouco atrás, passamos muito tempo
juntas sim, roubei uns beijinhos dela, confesso, – riu – mas nunca tivemos um
envolvimento. Eu sei que pra vocês é um prato cheio a história da mãe que
roubou a namorada da filha. Quem não curte um dramalhão desse, né? Mas
não foi o que aconteceu. Quando fiquei com Hadassa, minha mãe estava
casada, e muito bem casada, com esse cara incrível aqui do meu lado. Elas
não estavam juntas, nunca tiveram nada mais que um relacionamento
profissional. Eu me mudei para a Europa, para a França primeiro, onde
conheci Andrew e agora Estocolmo, onde fixei residência com ele há oito
meses. Nesse meio tempo, Hadassa e minha mãe começaram a trocar
mensagens, ligações, conversaram comigo sobre o que estava acontecendo
entre elas e, como já sabia que ela e meu pai haviam se separado, apoiei
completamente que se relacionassem. Hadassa é uma pessoa extremamente
especial e cativante...

— Ela está mentindo – sussurrou Júlia ao olhar para o televisor da sala de


tevê. Bianca havia chamado a atriz e Hadassa para que vissem a declaração
que Micaela estava dando ao vivo em um jornal.
— Ela está fazendo isso para te proteger – sorriu Hadassa ao encarar a
loira na tela que transparecia naturalidade ao falar. – É a forma dela de dizer
que está tudo bem.
Júlia sentou-se no sofá e continuou prestando atenção na filha, na tela do
televisor.
“— O que quero deixar claro é que, por mais que seja uma boa história, e
eu adoraria ler sobre uma fofoca dessa também, não é verdadeira. Em todo
momento elas foram completamente transparentes comigo, coisa que nem
precisavam, uma vez que eu só fiquei com Hadassa. Uma pessoa não se torna
dona de alguém por causa de uns beijos, não é mesmo?
— Não ficou se questionando se elas não tinham algo enquanto ainda
estava com Hadassa? – perguntou um repórter.
— Não. Como eu disse, eu dei uns beijos em Hadassa, não é como se
tivéssemos tido algum tipo de compromisso. Se eu vou pra uma balada, beijo
um cara e no dia seguinte fico com outro, isso é traição? Não. E, pelo
contrário, elas começaram a conversar bem depois de eu ter ido morar na
França. Não existiu nada disso que estão pintando na mídia.
— E Hadassa foi o motivo da separação de seus pais?
— Não. Meus pais se separaram porque, apesar de se gostarem e
cuidarem um do outro, se tornaram bons amigos. Isso nunca vai mudar entre
eles, mas como me disseram, tanto um quanto outro, acharam por bem
procurarem seus próprios caminhos. E aqui também devo acrescentar que, da
mesma forma como estou feliz pela minha mãe estar com Hadassa, também
estou feliz por meu pai, que está com Denise. Era isso que eu tinha a falar a
vocês, desmentir esse absurdo todo que estão publicando por aí. Obrigada
pelo tempo dos senhores.
— Alberto, alguma coisa a declarar?
— Creio que minha filha já explicou tudo o que eu e Júlia pretendíamos
fazer, mas que foi interrompido por conta dos ataques sofridos. Tudo não
passou de uma informação equivocada de uma fonte que não conhece de fato
o que aconteceu, mas nós já estamos tomando providências, dentro da lei,
para que ela pague por isso. Obrigado.”
Júlia continuou atônita, olhando Micaela e Alberto que recuavam alguns
passos do aglomerado de pessoas e os policiais que começaram abrir caminho
até o carro. Ainda tentaram mais algumas declarações, mas ambos recusaram
polidamente, embarcando em seguida. A imagem foi cortada para a repórter,
que dava continuidade na reportagem.
— Ainda não acredito que Micaela fez isso! Ela... Ela e Alberto!
— Ela pode não admitir, sempre tentar manter a pose dela de menina
rebelde, mas a verdade é que Micaela é essa que viu agora, que é capaz de se
colocar na linha de frente para proteger quem ela ama.
Júlia balançou a cabeça em sentido positivo, sem conter uma lágrima
emocionada de rolar pelo rosto. Hadassa se abaixou na sua frente e pegou
suas mãos, antes de beijá-la.
— Parece que vai tudo se encaixar – sorriu Júlia ao acariciar seu rosto. –
Tudo ficou tão do avesso dois dias atrás. Cheguei até a acreditar que nunca
poderíamos ficar juntas!
— Eu te falei que estaria ao seu lado, independente do que viesse, não
falei? – disse Hadassa ao se sentar ao lado de Júlia, puxando-a,
carinhosamente, para se encostar contra ela. Bianca saiu da sala,
discretamente, dando privacidade ao casal.
— Falou. Ainda é meio surreal que isso está acontecendo de fato, sabia?
Vamos subir? Eu deixei meu celular no quarto. Preciso falar com Micaela.
Hadassa assentiu e seguiu para o segundo piso com Júlia. Passou pelo
quarto que Isabela usava para ver Cristina terminando de ajeitá-la na cama.
— Ela dormiu enquanto assistia desenho – informou a funcionária. – Eu a
coloquei na cama, mas ela ainda não comeu nada depois do almoço.
— Quando ela acordar eu dou jantar pra ela. Obrigada Cristina –
agradeceu Hadassa.
A segurança seguiu caminho até o quarto da atriz e já a encontrou no
celular. Deu um beijo delicado em seus cabelos e se afastou, indo até o
banheiro. Despiu-se devagar e entrou em uma ducha.
— Oi filha – sorriu Júlia ao escutar a voz de Micaela. – Eu não sei bem o
que te falar nesse momento. Eu vi sua entrevista, obrigada por isso.
— Você não tem que me agradecer. Tem que concordar com tudo o que
falei pra que eu não passe como mentirosa em rede nacional. Já basta ter
ganhando uns chifres de vocês.
— Mica, eu...
— Está tudo bem, mãe, mesmo. Eu fiz o que tinha que ser feito nesse
momento e nada mais crível do que eu falando que não aconteceu nada disso.
Espero que tomem providências quanto a Flávia.
— Eu vou tomar sim, fique tranquila quanto a isso. Amanhã mesmo já
vou atrás dela.
— Eu estou chegando no apartamento do pai agora, depois a gente se fala
mais.
— Tá bom, filha. Se cuida, viu? Te amo.
— Até mais, mãe.
Júlia desligou o telefone e seguiu para o banheiro, atrás de Hadassa.
Parou ao enxergá-la dentro do box, o vidro embaçado que revelava seu corpo
sensualmente. Mordeu o lábio inferior ao sentir todo o corpo reagir àquela
visão e tirou as roupas, rapidamente, indo para a porta.
— Achei que ia só ficar me olhando – sorriu Hadassa.
A atriz balançou a cabeça em sentido negativo e deu um sorrisinho, ao
mesmo tempo em que uma mão alcançou a pele da segurança. Acariciou-a e
sentiu seus braços em seu corpo e o beijo sobre seus lábios. Correspondeu
enquanto deixava suas próprias carícias tornarem-se mais intensas. Gemeu no
ouvido de Hadassa quando sentiu a mão em seu sexo, em uma lenta
masturbação e ergueu uma perna, para que ela tivesse espaço em sua
exploração. As bocas voltaram a se unir, e sentiu a mão se desviar do sexo,
indo para o bumbum e coxas em apertos e carícias que a incendiaram cada
vez mais. Sorriu quando Hadassa tirou-a do rumo do jato de água e a
encostou contra a parede. Colou a testa no revestimento e apoiou as mãos,
enquanto a boca da morena começou a explorar seu pescoço, descendo para
as costas. Se empinou mais, para ficar encaixada nela, mas a segurança se
prostrou de joelhos, deixando a boca explorar todo seu bumbum. Os gemidos
se tornaram altos, reagindo às sensações que eram despertadas em seu corpo.
Mordeu o lábio inferior quando foi virada de frente e Hadassa apoiou sua
perna em seu ombro, para que voltar a explorá-la com a boca. Segurou os
cabelos negros e molhados com uma mão enquanto era tomada em um oral.
Fechou os olhos e tentou controlar a altura dos gemidos, mas quanto mais era
conduzida pela língua experiente, mais ia perdendo o duelo com o seu senso
de horário. Sem conseguir se segurar por muito tempo, entregou-se a um
gozo.
Hadassa voltou a escalar o corpo de Júlia, provando toda a sua pele e
encontrou seus lábios, beijando-a demoradamente. Se afastou e abriu o box,
apenas para pegar uma toalha e secou o rosto, antes de beijá-la novamente.
— Vamos pra cama – chamou ao passar a toalha por suas pernas.
Júlia concordou e, em poucos segundos, estavam de volta ao aposento.
Hadassa fez com que deitasse sobre o edredom e saiu da cama apenas para ir
trancar a porta do quarto.
— Ninguém entra sem bater – informou Júlia ao ver seus movimentos.
— Entra. Agora você tem que se acostumar que tem uma criança de seis
anos dormindo no quarto ao lado.
— Verdade – sorriu Júlia ao puxar Hadassa pra cima do seu corpo
novamente. – E ainda bem que ela está dormindo, não é? Também tenho que
me acostumar que temos que aproveitar os momentos de sono dela.
— Com toda a certeza! Pelo menos nos dias em que ela vier pra cá.
Júlia tornou a beijá-la, sentindo o corpo se reacender com as caricias em
sua pele. Tinha quase certeza que ainda teria que aproveitar muitos momentos
de sono e se policiar quanto a voltar a trancar a porta do quarto, pois queria,
mais que tudo, a presença das duas constantemente em sua vida.
O relógio já marcava nove da noite quando se aninhou nos braços de
Hadassa, satisfeita e cansada. Acariciou seu corpo lentamente, com as pontas
dos dedos e ficou curtindo, em silêncio, aquele momento pós-sexo. Em pouco
tempo, sentiu que as caricias de Hadassa pararam e ergueu os olhos para
enxergá-la adormecida. Se ajeitou na cama, devagar, e ficou admirando-a por
vários minutos, sentindo todos seus poros transpirar amor por ela. Saiu da
cama e vestiu um roupão, para sair do quarto em seguida.
No quarto ao lado, encontrou Isabela ainda dormindo. Acariciou seu rosto
lentamente e ajeitou o cobertor sobre ela, depositando um beijo em seus
cabelos. Também ficou apreciando a menina e a nova chance que a vida
estava lhe dando por muitos minutos, antes de sair, indo para as escadas e o
piso inferior. Na cozinha encontrou Bianca e a funcionária da noite, em uma
conversa animada.
— Achei que já tinha ido embora – falou para a jovem loira, ao se atentar
ao horário.
— Fiquei aqui, não sei se vai precisar de mim para mais alguma coisa.
— Não precisava mesmo ter me esperado. Qualquer coisa lhe passava por
telefone. Bom, mas já que está aqui, vamos conversar no escritório.
Bianca concordou com um aceno e saiu atrás da atriz. Entrou no cômodo,
depois dela, sentou-se em uma cadeira e já pegou o celular, para anotar
qualquer demanda que Júlia lhe passasse.
— Eu quero, primeiro, a confirmação de que permanecerá como minha
assistente enquanto Mariana não voltar.
— Já lhe dei essa confirmação, Júlia. Aliás, estou contando com isso
porque Flávia já sabe que passei pra vocês a informação de que foi ela que
falou com Fernando.
— Como ela sabe?
— Fernando entrou em contato com ela depois da declaração de Micaela.
Falou meu nome, ela ligou dois mais dois e me ligou. Confirmei que o que
Micaela disse é verdade.
— Obrigada por isso. Aqui vai meu primeiro pedido: me envie aquela
gravação que fez da conversa com Fernando. Lhe garanto que não vai ser
divulgado nada, mas preciso dela para confrontá-la.
— Claro. Já envio para o seu número.
— Entra em contato com meu empresário e desmarque todos os meus
compromissos públicos. Somente na festa de encerramento da novela, que eu
acho que acontecerá na próxima sexta, se não me engano, que vou. Já
providencia um convite de acompanhante pra mim, ou coloque o nome de
Hadassa na lista, não sei como vai funcionar.
— Eu vejo isso e já faço para você. Você não vai dar nenhuma
declaração?
— Vou subir um post no Instagram, vou escrever ele essa noite, passo
para você conferir e já posto. Será a única coisa que vou fazer a esse respeito.
Não quero ficar fomentando isso por muito tempo.
— Está certo. Algo mais?
— Floquinho está onde?
— Preso na edícula.
— Amanhã, quando vier, venha um pouco mais tarde, lá pelas dez horas.
Antes passe em um petshop e compre uma daquelas caminhas acolchoadas
para colocar no quarto de Isabela. E contrate um adestrador. Esse cachorro
tem que aprender a usar tapete higiênico.
— Pode deixar – riu Bianca ao tomar nota. – O que mais?
— Por hoje só. Peça para meu motorista te levar embora e informe que
ele também está dispensado. Amanhã ele pode chegar ao meio dia. Só vou
sair à tarde.
— Onde você vai?
— Encontrar Flávia. Falar algumas verdades pra ela.
Capítulo 47
Hadassa despertou com um movimento na cama. Júlia também se afastou
da morena, enquanto um terceiro corpo exigia passagem. Abriu um sorriso
assim que viu Isabela, enfiando-se entre as duas, em busca de espaço. A
segurança também se afastou, sorrindo para a filha.
— Tô com fome, mãe – resmungou a menina. – Mãe Júlia, a gente já
pode tomar café?
— Acho que pode, meu amor – a atriz respondeu, ainda sonolenta.
Conferiu o relógio que marcava sete horas da manhã. – Não quer dormir
mais? São sete horas da manhã.
— Eu tô sem sono.
— Quando ela dorme cedo, acorda cedo assim – falou Hadassa ao se
sentar na cama e arrumar a camiseta do pijama. – Cadê o bom dia?
— Bom dia, mãe. Bom dia, mãe Júlia.
— Bom dia, princesa! – respondeu a segurança ao fazer carinhos em seus
cabelos. – Bom dia, amor – se dirigiu a Júlia, depositando um leve beijo
sobre seus lábios. – Vou cuidar dessa criaturinha ou ela não vai deixar você
descansar. Dorme mais um pouco. Você dormiu bem pouco.
— Mais tarde eu descanso mais. Vou pedir para já prepararem nosso café.
Hadassa anuiu e a beijou novamente, antes de sair da cama e pegar a mão
de Isabela, puxando-a para o outro quarto. Júlia se encostou contra o
travesseiro, com um sorriso permeando seus lábios. Desde o dia anterior,
depois da declaração de Micaela, tinha a sensação de que estava sempre com
um sorriso permeando seus lábios. Sabia que sua felicidade estava estampada
em seu rosto.
Júlia também se levantou se seguiu para o banheiro. Tomou um rápido
banho, notando discretas marcas em seu corpo. Saiu para o closet, colocou
uma roupa confortável e logo enxergou Isabela e Hadassa entrando no quarto
novamente. A menina já estava trocada e Hadassa a fez sentar-se no recamier,
antes de ir atrás dela.
— Vou pegar sua escova de cabelo, Jú, aquela maior, para pentear o
cabelo de Isabela.
— Ela está na primeira gaveta do toucador, do lado direito – informou a
atriz. – Tem um creme de cabelo, que eu acho ótimo, que pode ajudar a
desembaraçar e ajuda a dar forma nos cachinhos dela.
Júlia seguiu para o banheiro atrás de Hadassa e abriu o armário
espelhado, atrás do creme que havia mencionado. Entregou para a morena,
seguido de um beijo em seus lábios e a seguiu de volta ao quarto,
completamente inebriada por aquele simples dialogo, mas que para ela
denotava o nível de intimidade e familiaridade que estavam construindo.
As três desceram para o café da manhã depois de meia hora. Isabela
passou direto pela cozinha e seguiu para fora, até a edícula, atrás de
Floquinho. Depois de soltar o cachorro, ainda correu com ele por alguns
minutos pelo gramado, antes de voltar para a cozinha, onde Júlia e Hadassa já
estavam acomodadas à mesa.
— Vai lavar essa mão antes de comer – falou Hadassa ao ver a filha
entrar ao lado do cachorro. – E deixa Floquinho lá fora.
Júlia esperou que Isabela já tivesse sumido pela porta, em direção ao
lavabo, para falar com Hadassa.
— Eu pedi para Bianca contratar um adestrador para Floquinho hoje.
Vamos fazer a adaptação dele para que possa ficar dentro de casa. Pode
deixar ela com o cachorrinho dela andar tranquilamente pela casa.
— Tem certeza?
— Absoluta.
Hadassa sorriu para Júlia e logo viram Isabela retornar para a cozinha,
segurando Floquinho com as duas mãos.
— Já lavei a mão. Só vou colocar ele lá fora – informou a menina.
Hadassa balançou a cabeça em sentido negativo ao mesmo tempo em que
ria. Foi Júlia que se levantou e a fez soltar o cachorro no chão, antes de a
levar para o lavabo novamente.
— O que vai fazer hoje, amor? – perguntou Júlia ao se servir de café.
— Vou levar Isabela na casa da avó, tenho que passar na empresa, ver
como vai ficar minha situação porque sumi tem alguns dias, tenho que
conversar com Ranellory e passar na escola de Isabela, pra ver como ficou
esses dias que ela perdeu aula. Vou voltar a mandá-la a partir de amanhã.
— É bom que ela não fique perdendo aulas.
— Mas eu não quero voltar pra escola! É tão bom ficar aqui! – reagiu a
menina.
— Você me disse que quer ser atriz, não é? – perguntou Júlia. – Pra isso
precisa ir para a escola, precisa estudar. Lembra que te falei que precisa
estudar muito?
Isabela bufou, antes de tomar um gole do achocolatado enquanto
claramente pensava sobre o assunto.
— Tá bom. Só por isso.
Hadassa suprimiu um riso, ao encarar Júlia.
— E o que você vai fazer hoje?
— Vou visitar Mariana. Ela saiu da UTI ontem à tarde, vou ver Jaqueline.
Também quero ir falar com Flávia. O que ela fez foi inadmissível!
— Tem certeza que quer fazer isso? Ela já passou por mentirosa por
causa da declaração de Micaela. Ir atrás dela não vai apenas gerar o que ela
quer, que é se promover em cima do seu nome?
— Não foi apenas uma fofoca sem sentido sobre minha vida. Expôs você,
Isabela, mas, principalmente, causou um abalo com Micaela que eu queria de
toda forma evitar. Ela nos colocou uma contra a outra.
— Por esse lado eu entendo seu posicionamento. Quer que eu vá com
você?
— Não. Não quero te expor mais, mas também porque é algo que eu
tenho que fazer sozinha.
Hadassa concordou com um aceno e voltaram a se concentrar no café da
manhã. Conversaram sobre os últimos acontecimentos com os funcionários e
quando o relógio marcou nove da manhã, Hadassa informou que iria embora
para resolver seus assuntos.
— Que horas vocês voltam?
— Não quer descansar hoje? Passar a noite sozinha? – perguntou Hadassa
intimamente rezando para que a resposta fosse não.
— Você tem algum compromisso? Ou prefere ficar em casa? – tornou
Júlia.
— Não. Estou só pensando em você mesmo.
— Voltem. Eu quero vocês duas aqui.
Hadassa anuiu e beijou Júlia, demoradamente, antes de ir atrás de Isabela,
que estava pegando os potes de água e ração de Floquinho.
— Pode deixar aí, meu amor. Voltaremos a noite.
— Não vamos levar o Floquinho?
— Não. Ele vai ficar aqui enquanto vamos resolver algumas coisas, pegar
roupa em casa, depois voltamos.
— Tá bom.
Hadassa assistiu a filha conversar com o cachorro, enquanto retornavam
para casa. Ao passar pela cozinha, a menina parou para falar com Cristina.
— A gente vai sair, mas o Floquinho vai ficar. Você cuida dele, por
favor? Tem que dar comida no meio do dia e não pode deixar o pote sem
água. Ele bebe muita água!
— Pode deixar! Eu vou cuidar muito bem dele! – sorriu Cristina ao pegar
o cachorro que Isabela lhe direcionava.
Hadassa pegou a mão da filha e voltaram para a sala, onde Júlia estava.
Depois de uma breve despedida, saíram para a frente da casa, onde seu carro
já estava estacionado. Embarcaram e saíram em direção à própria casa.
Hadassa estacionou o carro na garagem, notando que já não tinha
ninguém da imprensa ali. Tirou Isabela do banco traseiro, que logo correu
para a sala. Ranellory se abaixou para dar um abraço na sobrinha e, logo
depois, enxergou Hadassa entrar.
— Achei que já tinham se mudado. Levou até Floquinho embora – disse,
magoada.
— Eu precisava estar com Júlia nesse momento. Foram dois dias bem
intensos!
— Eu vi a entrevista da Micaela. Por que ela mentiu daquele jeito?
— Para proteger a mãe. Está tudo bem por aqui?
— Está sim. Dormi no Cris esses últimos dois dias.
Hadassa anuiu e deixou a chave sobre a mesa de centro da sala. Ranellory
ainda a encarava, sem dizer nada.
— Olha só, Rane, eu sei que é contra meu relacionamento com Júlia, já
deixou isso bem claro, mas agora, oficialmente, estamos juntas. Me desculpe
pouco ter falado com você esses dias, mas desde que ela voltou foi um
acontecimento atrás do outro. Hoje que vou conseguir ir falar com Mário, ver
a escola de Isabela...
— Não custava você ter me dado um telefonema, né?! Eu sei que estava
tudo confuso, mas você saiu daqui com a informação de um ataque! Depois,
quando chego em casa no dia seguinte, você não aparece, Lucimara me diz
que levou Isabela pra casa da Júlia! Porra, Hada! Eu sou sua irmã!
— Me desculpe, mesmo por isso, mas já estava tudo confuso demais para
ainda ter você me criticando por estar ao lado dela.
— Eu sei que errei, Hada, mas eu não estou contra vocês! Eu estava com
medo de toda a bagunça que estava no passado, mas se as duas estão livres
agora, tudo bem vocês ficarem juntas! O que eu não queria era que você se
sujeitasse a se tornar amante dela!
— Que seria uma decisão minha. E se eu quisesse? Você não pode
interferir na minha vida dessa forma, Rane, na vida de ninguém. Você é uma
irmã maravilhosa, me deu conselhos ótimos, mas você não pode moldar
minha vida com o que você acha certo ou errado, tá bom? Nossa família é só
nós duas, nós temos que ficar unidas, apoiando uma a outra como sempre foi.
— Tá bom. Me desculpe.
— Está tudo bem – sorriu Hadassa ao puxá-la para um abraço. – Eu não
vou passar a noite aqui, novamente. Eu vou só pegar umas roupas minhas e
de Isabela, deixar ela na avó e depois vou resolver minhas coisas. Volto para
pegar ela e vamos para a casa de Júlia, novamente.
— Já vi que estão de mudança mesmo – sorriu Rane. – Vai ficar tudo
bem.
— Você vai ficar bem aqui?
— Vou. Vou pedir para o Cris dormir aqui comigo. Vem buscar Isabela
quando terminar seus compromissos, hoje eu estou de folga, eu fico com ela.
— Tá bom. Mas leva ela um pouco na casa de Lucimara. Ela também está
pensando que Isabela vai se afastar.
— Pode deixar.
Hadassa deu um beijo no cabelo da irmã e seguiu para o quarto, para
separar algumas roupas. Sentou na beira da cama e pegou a foto de Rebeca da
gaveta da mesa de cabeceira. Sorriu para a ruiva na fotografia e acariciou
com as pontas os dedos. Baixou o porta-retrato e olhou ao redor: tinha
passado todo seu período de luto dentro daquelas paredes, tinha chorado
noites a fio por Rebeca ali dentro. Dentro daquelas paredes também tinha se
permitido sair do automático com Micaela. Estava escrevendo outra história
naquele momento.
— Oi linda! Eu estou com Júlia. Tenho certeza que iria gostar muito dela.
Sei que você já a viu na televisão, mas pessoalmente ela é muito, muito
gentil, generosa. Uma pessoa extraordinária. Ela adora nossa filha, trata
Isabela como filha dela também. Disse que vai ajudá-la a ser atriz, já que Isa
também quer ser atriz. Eu tenho certeza que algum dia vai assistir, de
camarote, nossa menina brilhando na tevê...

Júlia saiu de casa uma hora da tarde. Depois da saída de Hadassa e


Isabela, tinha retornado para o quarto, com a nova sensação de que a casa
ficava vazia sem elas presentes, Foi até o quarto que agora era de Isabela e
pensou em todas as alterações necessárias para fazer nele, para que a ruivinha
sentisse, de fato, que aquele era seu espaço. O nome de uma arquiteta veio à
cabeça automaticamente. Entraria em contato com ela no dia seguinte e
marcaria uma visita para o final de semana. Queria Isabela presente, para que
ela pudesse falar o que queria no seu novo quarto.
Já era uma hora da tarde quando saiu de casa em direção ao hospital onde
Mariana estava internada. Assim que viu sua assessora, abriu um sorriso, sem
conseguir conter uma lágrima de emoção. Ela estava se recuperando bem,
mas ainda ficaria alguns dias para tratar dos ferimentos. Júlia assegurou a ela
e seu marido que arcaria com todos os custos, incluindo os estéticos, que ela
precisaria.
A parada seguinte foi no hospital onde sua irmã estava. Ali não se
demorou muito. Conversou rapidamente com ela e o cunhado, antes de sair e
ir para a parada mais importante daquele dia: o gabinete de Flávia
Bittencourt.
O lugar estava cheio de pessoas e sua presença inesperada chamou a
atenção dos olhares dos presentes. Igor, que estava acompanhando-a para
fazer sua segurança, se adiantou para saber do paradeiro da primeira-dama.
— Ela está no gabinete. Terceiro andar.
Júlia seguiu para o local indicado e saíram na recepção do gabinete.
Olhou ao redor, por poucos minutos, até ver a placa da sala de Flávia.
— Boa tarde, Júlia Albuquerque. Deseja falar com a primeira-dama?
— Eu sei o caminho da sala, obrigada.
Júlia seguiu caminho, sem olhar para trás, mas percebendo que Igor fazia
alguns gestos com as mãos, para os seguranças presentes. A secretária seguiu
atrás, tentando impedi-la de entrar sem ser anunciada. A atriz testou a
maçaneta e logo estava cara a cara com a primeira-dama, que parecia
surpresa.
— Está tudo bem, Patrícia. Obrigada – falou Flávia encarando Júlia que
se sentava na cadeira à frente de sua mesa. Também dispensou os seguranças
que estavam na porta. – Posso lhe servir alguma coisa?
— Pode. A verdade. Por que fez isso?
— Eu não sei do que está falando, minha querida. Você me pegou
completamente desprevenida.
Júlia anuiu e pegou o celular da bolsa, acessando a gravação que Bianca
havia feito. Flávia escutou quieta, sem mover um único musculo do rosto.
Assim que terminou a gravação, Júlia repetiu sua pergunta.
— Por que fez isso?
— Obviamente Fernando está muito equivocado! Vou tomar medidas
imediatas contra esse absurdo, pode ter certeza! Eu vou...
— Para, Flávia! Eu sei que foi você! Alexia ou Raissa deve ter falado pra
você que Micaela e Hadassa realmente tiveram algo no passado! Você tem
ideia do tamanho do estrago que fez na minha vida?! Até dois atentados eu
sofri por causa disso!
— Júlia eu sei que está muito abalada por causa das coisas que foram
divulgadas e os atentados sofridos, mas...
— Eu vou te falar o que vai acontecer: quando os partidos confirmarem
quem estarão concorrendo à prefeitura nas eleições do próximo ano, pode ter
certeza que vou escolher um com quem me simpatizo e darei todo meu apoio
a ele ou ela abertamente. E se prepara porque o processo virá. Fernando vai
me confirmar que foi você quem passou as informações, porque ele não vai
queimar a própria reputação por você e pode ter certeza que no momento em
que confirmar seu nome, o advogado estará do lado dele para redigir o
processo.
— Júlia sejamos razoáveis, eu...
— Eu estou sendo muito razoável, porque a minha real vontade é de
enfiar a mão na sua cara, mas não vou me rebaixar ao seu nível. Passar bem,
Flávia.
Júlia saiu do gabinete, sem dar chance de uma resposta para Flávia. Igor
tornou a acompanhá-la até o carro e assim que se sentou no banco detrás, o
celular tocou. Identificou o número de Bianca.
— Oi Bianca.
— Oi Júlia. Clarice quer falar com você. Está vindo pra casa?
— Sim. Já acabei meu último compromisso. Ela está aí?
— Sim.
— Chego em vinte minutos.
Júlia relaxou de encontro ao banco e ficou o caminho conjecturando o
que Clarice queria falar com ela. Provavelmente era algo sobre o fechamento
do inquérito, sabia que apenas um telefonema seria o suficiente para encerrar
aquele terrível episódio. Assim que chegou em casa. Desembarcou na frente
da entrada principal e entrou na sala, já enxergando a investigadora.
— Oi Clarice, me desculpe por deixá-la esperando.
— Não tem problema. Podemos conversar?
— Claro, vamos até o escritório. Já estão fazendo o fechamento do
inquérito?
— Surgiu uma coisa nova.
— O que? – perguntou Júlia ao dar passagem para a investigadora.
— Temos uma suspeita de como Mateus teve liberdade de andar pela
chácara, apoiado por Jaqueline.
Júlia franziu o cenho e abriu a porta do escritório. Assim que se
acomodaram em poltronas, foi direto ao ponto.
— Qual a suspeita? Ele era funcionário da escola da minha irmã, não é?
Eles se conheciam.
— Acredito que tenha sido bem mais que isso. Fizemos toda a perícia do
apartamento onde ele vivia e encontramos essas fotos – falou ao entregar para
Júlia. – Jaqueline e Mateus tinham ou tiveram um relacionamento amoroso.
Capítulo 48
Júlia olhou para a foto que Clarice havia lhe direcionado e viu a irmã
deitada em uma cama, coberta apenas por um lençol e sorrindo para a
câmera. Passou para a foto seguinte onde enxergou ela ao lado do homem
que havia tentado tirar sua vida por duas vezes. Automaticamente sentiu
vertigem e mal estar por olhar para o rosto dele novamente. Levou a mão à
boca, ao mesmo tempo em que baixava as fotografias para o colo.
— Vocês... Vocês já falaram com minha irmã? – perguntou quase num
sussurro.
— Você não tinha conhecimento disso, não é?
— Jamais me passou pela cabeça que Jaqueline tivesse um amante. Ela
sempre é tão ligada em moral e toda essa coisa! Seria a última pessoa que
imaginaria com um relacionamento fora do casamento!
— Nós não falamos com ela ainda – respondeu Clarice ao pegar as fotos
de novo. – Há um inquérito aberto sobre Mateus, o nome dela será incluído,
nós temos que investigar se ele fez tudo isso sozinho ou se teve ajuda de
alguém próximo.
— Jaqueline sempre foi uma preconceituosa, estranhamente é comigo que
ela é homofóbica, mas não acredito que ela seria capaz de fazer alguma coisa,
atentando contra minha vida. Eu não posso acreditar nisso.
— Poderia ser um motivo. Agora você está com Hadassa.
Júlia encarou Clarice e baixou os olhos para as mãos. Permaneceu com o
olhar baixo, por vários segundos, antes de se voltar para a investigadora.
— Poderia.
— Eu vou para o hospital agora, vamos proceder com a investigação.
Ligo pra você assim que falar com ela.
— Por favor! Vou ficar esperando seu contato, não importa a hora.
Clarice assentiu e se despediu da atriz. Júlia acompanhou-a até a porta e
voltou para a sala, onde Bianca estava esperando-a. Apenas acenou, pedindo
um tempo sozinha e tomou a direção das escadas, tentando processar o que
estava sentindo naquele momento. Estava completamente anestesiada pelo
que tinha sido apresentado a ela. Era simplesmente impensável que a irmã
tivesse um amante e, menos ainda, que maquinasse junto com ele para fazer
algo contra ela. Pegou o celular e discou para Hadassa.
Hadassa entrou na empresa, que por tanto tempo trabalhava, e notou os
olhares que chegavam até ela e os cumprimentos dos colegas. Percebeu uma
clara mudança na postura de todos, como se fossem completos
desconhecidos. Alguns soltaram piadinhas, que respondeu com bom humor,
mas claramente o tratamento direcionado a ela era diferente. Não precisou
esperar para falar com Mário: rapidamente foi encaminhada até a sua sala.
— Uau! Maya Hadassa! Que merda foi essa em que se envolveu?
— Oi Mário – sorriu ao esticar a mão para um cumprimento. – Minha
vida virou de cabeça para baixo!
— Eu acredito que sim. Até aqui veio um repórter querendo fazer uma
reportagem sobre o seu trabalho. Não dei, claro. Não posso falar dos meus
funcionários, mas fiquei com vontade – assumiu com uma risada sonora.
— Obrigada por isso. Já estou muito exposta na mídia.
— E ainda me lembro quando Mariana me ligou pedindo que a
convencesse de trabalhar para Júlia depois de você dizer um não. Fez um
trabalho bem feito! Tanto a mãe como a filha!
Hadassa se limitou a olhá-lo, sem responder a sua gracinha. Se acomodou
na cadeira, retomando o motivo da sua ida até o escritório.
— Eu vim te pedir para sair da equipe da prefeitura. Posso voltar atuar
com a equipe ou outro lugar onde possa me designar. Só não quero continuar
com Flávia.
— Hadassa... Bom quanto a isso, vou ser transparente com você: não
posso mantê-la no quadro. Acho que a ficha não caiu pra você ainda,
obviamente que não. Você é uma celebridade agora. As pessoas irão se
aproximar de você e não poderá mais desenvolver um bom trabalho. Imagina
se eu te colocar para a segurança de alguma festa hoje, por exemplo? Você
teria repórteres e pessoas te rodeando. Sua realidade agora é outra.
— Você está me mandando embora? – Hadassa foi direta.
— O que eu posso fazer por você é o seguinte: eu posso te suspender por
três meses, claro que sem o salário porque eu não posso pagar você parada e
outra pessoa no seu lugar. Depois desse tempo, vamos avaliar como vai ficar,
te coloco na equipe para sentir como será a reação das pessoas, aí podemos
pensar sobre ir para algum cliente como segurança privada.
Hadassa balançou a cabeça em sentido positivo, pensando sobre o que lhe
era proposto. De fato, não conseguia ir para lugar algum sem que não fosse
notada e até que as notícias esfriassem poderia durar alguns dias.
— São necessários três meses de afastamento?
— Se a situação mudar depois de um tempo, eu te chamo, mas eu
conheço como funciona isso, tenho amigos famosos e uma vez que se torna
alvo da imprensa, pode voltar a ser por qualquer motivo. Você está
namorando com Júlia Albuquerque. Isso tem um peso. E um preço.
A segurança outra vez meneou a cabeça, tendo real noção do quanto seria
atingida com tudo o que estava acontecendo. Ia falar mais alguma coisa, mas
o celular começou a tocar. Pediu desculpas e o tirou do bolso, para enxergar
uma ligação de Júlia.
— É Júlia. Vou só mandar uma mensagem pra ela, rápido, falando que
estou conversando com você.
Mário acenou enquanto a morena digitava a mensagem, depois de
dispensar a ligação. Ficou segurando o aparelho e voltou a encarar o chefe.
— É a única coisa que pode fazer, não é?
— Sim. Eu quero que você veja por outro ângulo a situação: Júlia
participa de muita coisa, festas, eventos, sempre que sai é clicada na rua, é
ativa nas redes sociais. Você, como namorada dela, vai acabar aparecendo
também. Eu ainda estou abrindo uma exceção porque trabalha conosco há
muitos anos, mas... – Mário parou de falar ao ser interrompido pelo toque do
telefone de Hadassa novamente. – Fala com ela.
— Desculpe – pediu Hadassa ao olhar para a tela.
A mensagem de Júlia a deixou alarmada. “Assim que terminar aí, venha
pra casa. Preciso de você.” Hadassa se levantou e discou para a namorada,
indo até um canto da sala.
— O que foi linda? – perguntou assim que escutou a voz da atriz.
— Clarice esteve aqui, me mostrou umas fotos. Jaqueline era amante de
Mateus!
— Eu estou indo. Chego em meia hora.
— Desculpa te atrapalhar, termina de fazer o que está fazendo, depois
venha. Ela saiu daqui e foi para o hospital para conversar com Jaqueline. Eu
não quero estar sozinha quando ela ligar para me informar do resultado dessa
conversa, mas ainda tem um tempo, eu...
— Amor, eu estou indo – cortou Hadassa com delicadeza, porém firme. –
Em meia hora já estarei com você. Já estou finalizando aqui.
— Obrigada linda.
— Eu te amo. Logo chego.
Hadassa se despediu de Júlia e tornou a olhar para Mário, que estava
fingindo prestar atenção no computador e não na conversa da funcionária. A
morena se aproximou da mesa, mas não voltou a ocupar a cadeira.
— Acho que é isso, não é? Eu entendi os pontos que me passou. Fico
afastada pelos três meses, vamos ver como tudo fica depois.
— É o melhor. Eu vou mandar o rh fazer o papel...
— Depois eu volto para acertar isso, agora eu preciso ir. Obrigada pelo
seu tempo, Mário, e me desculpe por sair apressada.
O homem apenas acenou, enquanto assistia a mulher sair da sua sala. Se
encostou contra a cadeira e deu um meio sorriso. “Ocupada como uma
celebridade” pensou.
Hadassa chegou na casa de Júlia, antes do que tinha falado. Assim que
entrou, enxergou Bianca na sala, que lhe informou que Júlia a esperava no
quarto. A morena subiu apressada, e deu uma rápida batida na porta antes de
entrar.
— Oi meu amor!
— Oi linda! Me desculpe te tirar do seu compromisso, mas eu...
— Nem precisa terminar – Hadassa cortou ao abraçá-la carinhosamente. –
Já estava finalizando com Mário. Como você está?
— Péssima! Ainda não acredito que Jaqueline foi capaz disso! Eu não
quero nem imaginar qual vai ser minha reação ao descobrir que ela teve
alguma coisa a ver com esses ataques!
— É o pior cenário, mas vamos torcer para que ela tenha sido enganada
também. Ela pode ter sido usada, Mateus achou que era um meio para chegar
até você.
— É uma situação ruim, mas espero que sim.
Hadassa ficou no quarto com Júlia, conversando sobre a descoberta
recente por mais meia hora. A atriz ficou mais calma, sem conjecturar qual
decisão tomaria, uma vez que não tinha conhecimento da verdade. Tornaram
a ficarem apreensivas quando Júlia identificou uma chamada de Clarice no
celular.
— Oi Clarice. Não me poupe de nada, ok?
— Não farei isso, Júlia – afirmou a investigadora. – Sua irmã confirmou o
relacionamento que existiu, até um ano antes. Mateus saiu da escola por
causa do fim desse relacionamento, fizeram um acordo de gaveta, por isso
que foi ele quem pediu demissão.
— Jogando a própria sujeira embaixo do tapete – suspirou a atriz.
— Na chácara, quando ele se aproximou, já existia uma cumplicidade
entre os dois, maior que um simples ex-funcionário, por isso que ela não
permitiu que os seguranças tirassem ele de lá. Em resumo, houve um
relacionamento dos dois, ela nega, veementemente qualquer relação com o
ocorrido, não existe nenhuma evidência, de fato, que ela tenha alguma
participação. O palpite é que ele ficou com ela para ficar próximo a você.
— Isso já me alivia em partes.
— Nós vamos proceder com a parte burocrática do inquérito, mas para
nós já é um caso bem esclarecido. Todavia ficaremos de olho: caso apareça
qualquer coisa, lhe informaremos.
— Obrigada Clarice.
Júlia desligou o celular e o jogou sobre a cama. Se adiantou para a
poltrona, onde Hadassa estava sentada e observando sua movimentação.
Sentou-se sobre seu colo e deu um beijo em seus lábios, para depois encostar
a testa contra a sua.
— Acabou. Esse pesadelo, enfim acabou!
— Você vai falar com Jaqueline a respeito disso? – perguntou a
segurança ao fazer carinho em sua perna, por cima do tecido da saia.
— Não tenho nada o que falar. Se bem conheço Jaqueline, ela sabe que
foi usada e confrontá-la agora é a mesma coisa que chutar cachorro morto.
Não quero mais contato por um bom tempo. Ela também não vai me
procurar, tenho certeza. Não são todos os irmãos que se dão bem, não é? Sou
uma parte dessa parcela e ficar afastada é a melhor solução. Quero ficar em
paz para poder curtir com você. Preciso disso.
— Iremos!
— E como ficou lá na empresa?
— Você namora uma desempregada – sorriu Hadassa.
— Imaginei que isso aconteceria, depois de tudo o que saiu. Você não
pode mais se expor por aí, tentando fazer segurança de alguém sendo que é o
próprio alvo.
— Foi o que Mário me disse.
— Está disposta a ficar comigo mesmo desempregada? – sorriu Júlia ao
acariciar seu rosto.
— Claro que sim. Eu tenho minhas economias, vendo o carro. Dá pra me
virar por três meses, que é o prazo de afastamento que peguei. Depois Mário
vai avaliar se eu posso voltar para a equipe.
— Ou você pode fazer outra coisa. Eu espero que dinheiro não seja um
problema entre nós. Você sabe que... eu posso nos manter com tranquilidade
por algum tempo. Mas eu sinceramente acho que pode aproveitar desses três
meses e começar a aprender a como ser mãe de uma estrela, gerenciamento
de carreira. Se Isabela, de fato, for seguir uma vida artística, ela precisará da
sua presença sempre. Ela não pode entrar em um set sem que esteja presente
ou um responsável legal.
— Eu não... Sabe qual o meu medo, de verdade? Eu não quero explorar
Isabela ou passar essa impressão de que estou explorando ela, sabe?
— Você viu a empolgação dela. É o que ela quer fazer. Como uma boa
mãe, ou melhor, como boas mães, iremos ajudá-la a conquistar o que ela
quer. Não se preocupe com isso. A justiça também monitora de perto.
— Vamos conversar sobre isso com ela. Aliás, tenho que ir buscá-la na
casa da avó. Vamos? Ou quer ficar descansando?
— Vamos. Eu preciso sair um pouco dessa casa. Só temos que ir com
seguranças.
— Iremos.
Hadassa beijou Júlia, demoradamente, antes de se afastar para enxergar
seus olhos. Tinha a impressão e estar vivendo um sonho, admirando um
horizonte que cada vez estava mais próximo. Custava a acreditar que aquela
mulher, linda, estava mesmo sentada sobre seu colo, dizendo que a amava.
Naquele fim de tarde, Júlia conheceu Lucimara. A senhora ficou se
desdobrando para agradar a atriz e fez questão de mostrar uma foto de
Rebeca a ela. Pediu que ela a mantivesse acesa nas memórias de Isabela. Júlia
confirmou que sim: Isabela estava ganhando uma nova mãe, mas jamais seria
uma substituta de Rebeca.
De volta à casa, sentaram com Isabela, para conversarem a respeito do
evidente interesse na carreira artística que a menina vinha demonstrando.
Hadassa viu um brilho especial nos olhos da filha ao confirmar que sim,
completamente empolgada. Balançou a cabeça, em sentido positivo, enquanto
sorria. Júlia tinha razão: teria que aprender a como ser mãe de uma estrela e
apoiá-la para que conseguisse realizar seus sonhos.
Durante os dias seguintes, Júlia começou a ensinar Isabela, coisas que ela
tinha aprendido ainda jovem. Falou a Hadassa para matriculá-la em um curso
de teatro e começar a trabalhar a imagem da menina para ser apresentada ao
público. Nem teriam que se esforçar muito: Isabela tinha uma simpatia
natural, que arrancava sorrisos de qualquer pessoa e tinha um dom nato para
atrair olhares a si. Sem dúvida, ela seria uma grande estrela de sua geração, se
seguisse na carreira artística.
Hadassa estava nervosa. Naquela noite aconteceria a festa de
encerramento da novela, da qual Júlia fazia parte. As notícias sobre as duas já
estavam esfriando na mídia, mas ainda tinha bastante coisa publicada e uma
aparição em público, desenterraria as informações, massivamente divulgadas,
dias antes. A casa da namorada estava cheia de profissionais que as
preparavam para a festa e estava tensa, com pessoas mexendo nas suas unhas,
cabelo, rosto. Júlia já acostumada, estava à vontade: aquele era seu mundo.
— Uau amor! – exclamou Júlia depois que foi liberada. – Você está
linda!
Hadassa se levantou da cadeira e parou na frente de um espelho,
conferindo o trabalho dos profissionais. De fato, estava muito mais
sofisticada e elegante. Diferente do que tinha imaginado, estava à vontade
com aquela mudança, contente até. A princípio achou que estivesse fazendo
por Júlia, mas ao se ver daquela forma, chegou à conclusão de que queria
aquilo. Estava se sentindo confortável e confiante para acompanhar a
namorada.
— Ficou bom, né? – sorriu para a loira através do espelho. – Até
namoraria comigo.
— Desculpe, mas ela já está comprometida – Júlia enlaçou sua cintura. –
Seremos o casal mais lindo daquela festa.
— Com a sua presença do meu lado, sem dúvida alguma! Você está
maravilhosa!
Júlia sorriu e deu um leve beijo nos lábios de Hadassa, antes de se afastar
para se trocarem de roupas. Em duas horas saíram ao local onde a festa estava
sendo promovida e assim que o carro parou na frente da entrada, se virou
para a morena e segurou sua mão.
— Pronta para entrar em definitivo no meu mundo?
— Mais que pronta. Estarei do seu lado sempre.
Quando a porta foi aberta, as câmeras se viraram para as duas. Hadassa
apoiou a mão nas costas de Júlia e posaram para algumas fotos, como haviam
ensaiado em casa. Depois de alguns minutos se afastou alguns passos, para
que Júlia se mostrasse para as câmeras, em toda sua plenitude. Hadassa sabia
que era a pessoa mais sortuda do mundo.
Capítulo 49
1 ano depois.

Todo o cenário parecia um caos. Carros pegando fogo, pessoas


ostentando machucados e queimaduras. A rua estava fechada e Hadassa
olhou para os prédios, onde várias pessoas se debruçavam sobre as janelas
para assistir o desenrolar da ação. A morena foi tirada do seu momento de
apreciação ao escutar a voz do diretor de cena.
— Isabela vai ficar parada nessa marcação aqui – informou o homem de
aproximadamente sessenta anos, mostrando os quadros no chão. – Com o
ângulo da câmera, conseguimos colocar ela como se estivesse mais próxima
do fogo. O carro de onde ela vai sair é aquele. Esse vidro são placas de
açúcar derretido e quebrado. Ela não corre nenhum risco.
Hadassa meneou com a cabeça em sentido positivo, analisando tudo o
que lhe era passado. O local onde Isabela seria filmada era distante o
suficiente dos carros que estavam incendiados, e que eram supervisionados
pelo corpo de bombeiros. A segunda inspeção mais minuciosa foi do “vidro”,
onde ela apoiaria as mãos e os joelhos.
— Está tudo certo. Quando quiser.
O diretor concordou e Hadassa voltou para o camarim improvisado, onde
a filha estava. Parou na entrada vendo-a sentada em uma cadeira, com os
olhos fechados e Júlia à sua frente fazendo o mesmo, ao repetir alguns
exercícios de respiração que haviam feito em casa. Isabela já estava
caracterizada para a personagem com machucados que a teriam deixado
aflita, se não tivesse assistido todo o trabalho de duas horas dos profissionais
de maquiagem.
— Vamos começar – anunciou uma jovem.
Júlia abriu os olhos primeiro e sorriu para Isabela. A menina pulou da
cadeira e uma figurinista se aproximou, ajeitando suas roupas. Saíram para o
grande cenário montado em uma das avenidas do Rio de Janeiro.
— Lembre-se, querida, qualquer coisa estamos aqui. É só vim até nós,
não precisa ficar com medo de nada – falou Júlia ao passar as mãos pelo
cabelo de Isabela.
— Tá bom, mãe – sorriu a menina.
— Boa sorte, minha princesa – desejou Hadassa.
— É merda, mãe! Não se fala boa sorte.
Hadassa abriu os braços, ao mesmo tempo em que olhou para Júlia. A
namorada apenas deu ombros e Isabela se afastou junto com o diretor, que
explicava a cena para a menina junto com a assistente de direção.
— Merda – desejou Hadassa baixinho.
— Ela vai se sair bem, amor – falou Júlia ao seu lado ao pegar sua mão. –
Vamos ver daqui, dá um melhor ângulo.
Hadassa anuiu e seguiu a atriz para o local que ela indicava, atrás das
câmeras, para observarem o desenrolar da gravação pela tela do diretor. Vinte
minutos depois tudo estava pronto e começaram a rodar. A morena colocou
as mãos no bolso da calça e ficou observando a filha que fazia sua primeira
atuação de tamanho expressivo.
Já fazia dez meses que Isabela frequentava um curso de teatro e era um
fato que a filha tinha se encontrado na vida artística. Adorava estar na frente
de uma câmera e fazia isso com uma naturalidade nata. Não sabia a quem ela
tinha puxado. Não gostava de fotografias, Rebeca tirava fotos, mas não tinha
sido a maior entusiasta para se expor na frente de uma. Lhe parecia que a
menina era, de fato, filha da atriz ao seu lado, que também mantinha um
sorriso fixo no rosto, enquanto Isabela repetia a cena. Se fossem mãe e filha
consanguíneas, tinha certeza que não seriam tão parecidas.
— Corta!
Isabela correu de volta às mães com um sorriso no rosto. O diretor a
chamou para ver a gravação e a menina se sentou na cadeira indicada,
colocando o fone de ouvido. Hadassa se limitou a tirar o celular do bolso
traseiro da calça e tirar uma foto da filha, como uma boa mãe coruja, para
mandar para a avó e a tia.
A gravação levou quatro horas, entre caracterização e filmagens. Quando
Isabela ficou livre, seguiram para o apartamento de Denise e Alberto, que
gentilmente, estavam abrigando-as, enquanto Isabela gravava seu primeiro
trabalho para o cinema.
— Como foi a gravação? – perguntou Denise ao recebê-las na porta.
— Foi excelente! – Júlia tomou a dianteira, empolgada. – Essa menina, de
fato, tem muito talento. A cena que ela gravou, a forma como ela passou
realidade no momento, incrível!
— Uma mãe coruja! – sorriu Denise. – Já pedi para deixarem uma
refeição pronta pra vocês. Fiquem à vontade, por favor. Eu tenho que ir para
a redação daqui a pouco, Alberto chega lá pelas nove da noite, eu volto só
quando terminar o jornal das dez. Mas qualquer coisa que precisarem, só
falar com Nádia.
— Obrigada Denise – agradeceu Hadassa. – Vou cuidar dessa menina
para que ela descanse um pouco, depois ela precisa fazer uma atividade da
escola. Podemos usar o computador?
— Claro. A senha do computador do escritório é meu nome, bem simples.
— E como está Monique? – perguntou Júlia.
— Amando Estocolmo. Ela e Micaela se deram muito bem. Parece
mesmo que são irmãs de sangue. Lamentou por não estar no Brasil enquanto
estão aqui, mas em breve vamos nos encontrar.
— Sim. Empolgada com o casamento? – perguntou Júlia seguindo sua
anfitriã para a sala.
— Não é minha primeira vez, mas já faz tanto tempo que até parece que é
– sorriu a jornalista. – Já tem um ano e sete meses que Alberto e eu moramos
juntos, mas... é...
— Está tudo bem – encorajou Júlia ao pegar sua mão, notando seu
desconforto.
— Você é a ex-mulher dele. É incomum essa situação.
— Eu acredito que sim, mas meu maior desejo é que Alberto seja feliz.
Eu estou vendo como meu amigo está bem e, já comprovado, você é a mulher
perfeita para estar com ele. As relações não precisam terminar em brigas.
— Você está certa. Estou me sentindo uma adolescente! – confessou
Denise com um sorriso. – Só consegui reservar o local que quero para daqui
quatro meses, mas tem tanta coisa para fazer nesse meio tempo! Tenho que
deixar tudo encaminhado na redação para nossa viagem de lua de mel, a
decoração, convidados! A única coisa com que não vou me preocupar é a
fotografia. Tenho uma excelente fotógrafa como filha.
— Eu conheço o trabalho de Monique. De fato, é muito bom!
Júlia ainda ficou um tempo conversando com Denise acerca dos
preparativos do casamento da jornalista e do ex-marido. Haviam adiado a
data do casório, pois Alberto tinha sido escalado como correspondente no
oriente outra vez. Com o seu retorno, podiam, enfim, juntar-se em
matrimonio. Júlia estava feliz. A vida de todos caminhava para frente.
Depois da saída da jornalista, foi encontrar Hadassa no quarto que
ocupavam, terminando de ajeitar Isabela. A menina deitou para descansar,
pois a gravação havia começado cedo. Quando ela pegou no sono, puxou a
morena para a cama, onde também puderam descansar por algumas horas.

No dia seguinte, após as gravações de Isabela, voltaram para casa. Bianca


já tinha arrumado tudo o que precisavam para que a pequena ficasse
confortável, pedido feito tanto por Júlia quanto Hadassa. Era o primeiro longa
que a menina gravava e estavam tomando cuidado para que não tivesse um
impacto negativo na sua rotina de estudos.
— Floquinho! – exclamou Isabela assim que entrou na sala e enxergou o
cachorro que a esperava, ansioso, ao pular em suas pernas. – Eu também senti
sua falta!
Hadassa permitiu que a filha curtisse um pouco do bichinho e subiu para
o quarto, levando as bolsas, sua e de Júlia. Deixou-as em um canto, no closet,
e voltou para o aposento, enxergando a namorada rente a um espelho, tirando
os brincos da orelha. Deixou que suas mãos envolvessem sua cintura e deu
um beijo em seu pescoço.
— Obrigada por todo o apoio que deu, a indicação do primeiro teste que
culminou nisso tudo. Foi fundamental para Isabela, sabe disso, não é?
— Eu sei. E não precisa me agradecer. Eu sempre vou fazer de tudo para
que ela cresça na profissão. Você a viu em cena: ela nasceu pra isso.
— Sim, por isso que pedi para Bianca confirmar o teste na novela. Se ela
passar, as filmagens começam só daqui cinco meses. Ela já estará com oito
anos, as gravações serão aqui mesmo e não precisará viajar. E já terá um
longa no currículo.
— Isso é bom. Novela é cansativo, mas pra ela não será muito. A rotina é
bem mais maleável que a minha, por exemplo.
— Vai fazer o teste também?
— Vou. Não serei parte do mesmo núcleo de Isabela, caso ela e eu passe,
mas ainda assim estarei presente. O comercial dela já saiu?
— Vão mandar o material amanhã. Eu tenho que falar com a gerente do
banco amanhã também, para saber da conta poupança dela. Tenho que tirar o
dinheiro da minha conta e transferir pra dela.
— Mas não faz de tudo. Deixa uma parte para ela, pras coisas que ela
quiser.
— Ela quer um conjunto de maquiagem de uma youtuber que ela está
assistindo. Eu posso com isso?!
— Tem nem idade para ficar se maquiando – riu Júlia ao encostar a
cabeça contra o ombro de Hadassa, encarando-a através do espelho. – Está se
saindo muito bem como agente dela.
— Quem diria! – concordou Hadassa com um riso. – Tá aí uma coisa que
não me imaginava fazer com trinta e oito anos.
— Eu, com quarenta e cinco, não esperava voltar a ser mãe de uma atriz
de oito anos. As surpresas da vida!
— E ainda teremos outras, pode ter certeza!
— Provavelmente sim. Agora eu quero um banho com você, descansar
naquela cama esse começo de noite... – falou Júlia, girando nos braços da
morena para dar um beijo em seus lábios.
Uma batida na porta interrompeu o momento do casal. Júlia autorizou a
entrada, e logo enxergaram Bianca.
— Uma visita para você, Júlia.
— Quem é?
— Surpresa – sorriu a assessora.
Júlia franziu o cenho e trocou um olhar com Hadassa, antes de sair do
quarto. Desceu as escadas, curiosa acerca da visita e abriu um imenso sorriso,
ao ver Mariana parada rente a porta do escritório.
— Mari! – exclamou alegre, indo dar um abraço apertado. – Como você
está? Chegou quando dos Estados Unidos?
— Ontem. Não quis avisar. Achei que era melhor a surpresa.
— Coisa boa ter você aqui! Acabou o tratamento?
— Acabou, graças a Deus! Olha: só ficou essa cicatriz aqui.
— Que maravilha! Ainda bem que deu tudo certo!
— Eu vim te agradecer por tudo o que fez por mim nesse ano que passou.
Não sei nem se vou ter como te pagar algum dia.
— Você não tem que me pagar nada! Só me diz que voltará a trabalhar
comigo.
— Se minha vaga ainda estiver à disposição.
— Está sim. Preciso dar um descanso à Bianca porque ela segurou a barra
todo esse tempo. Quando ela voltar de férias, ficará trabalhando com Hadassa
e Isabela.
— Obrigada!
— Me conte, quero saber tudo o que fez no seu tempo em Houston.
Amanhã você conversa sobre trabalho com Bianca, ela lhe passa minha
agenda e outras coisas que estão rolando no momento.

Hadassa seguiu para o quarto da filha, onde ela ainda brincava com
Floquinho, em cima do tapete felpudo. Pediu que ela fosse para o banho e
depois fizesse o dever da escola. Por conta das gravações, a nova escola onde
estudava tinha lhe passado as atividades para que ela não ficasse atrasada na
matéria. Depois de alguns minutos de reclamação, a menina obedeceu a mãe
e Hadassa voltou para o próprio aposento. Estava se despindo para o banho
quando escutou o telefone tocar em um canto do quarto.
— Oi Rane.
— Já está de volta?
— Já sim, chegamos agora à tarde.
— Como foi a gravação do filme?
— Isabela se saiu super bem. Tiveram que refazer algumas cenas, mas ela
tirou de letra.
— Quando será as próximas gravações?
— Daqui treze dias. Serão mais dois dias.
— Quero ver ele pronto, nossa pequena na televisão. Vai ser tão lindo!
— Vai sim – concordou a morena ao se sentar no recamier. – Algum
problema?
— Sim e não. Quero conversar algo com você, mas não é um problema.
— O que foi?
— Cristiano foi transferido para Santa Catarina. Daqui quinze dias ele já
começa a trabalhar lá e vamos entregar a casa. Nesse final de semana nós
vamos pra lá, para ver alguns apartamentos para alugar. Vou me desfazer de
quase tudo aqui, não vou levar mudança.
— Bem rápido.
— Sim, trabalho, né? Você quer alguma coisa que ficou aqui?
— Não. Pode se desfazer de tudo. Precisa de dinheiro para recomeçar lá?
Eu posso te transferir...
— Ah nem precisa terminar. Não vou precisar não. A empresa está
facilitando algumas coisas pra ele e já temos muita coisa encaminhada.
— Está certo. Se precisar de qualquer coisa, sabe que pode contar
comigo, não é?
— Eu sei.
Hadassa ainda ficou conversando com a irmã durante longos minutos,
antes de desligar e ir para o banho. Se enrolou em apenas um roupão e foi
para o quarto da filha, para descobri-la dormindo sobre o caderno com um
vídeo rodando no notebook à sua frente. Fechou o aparelho e recolheu o
caderno, ajeitando-a na cama. Seguiu para o próprio quarto e se deitou,
esperando por Júlia.
Com meia hora, a atriz entrou no quarto e trancou a porta, enxergando a
namorada sobre a cama, concentrada em alguns papéis. Abriu um sorriso
quando ela baixou as folhas para enxergá-la.
— Tudo bem, amor?
— Tudo. Mariana está de volta.
— Coisa boa! Ela está bem?
— Cem por cento recuperada – respondeu a atriz ao subir na cama. – Eu
vi que Isabela já está dormindo.
— Daqui a pouco tenho que acordar ela para o jantar – observou Hadassa
ao deixar as folhas de lado.
— Nem precisa de tanta pressa assim, não é? – perguntou Júlia ao escalar
a cama, montando em seu corpo. As mãos foram para a amarra do roupão,
abrindo-o para exibir a parte superior da morena e acariciar seus seios. –
Vamos deixar a menina descansar, ela precisa.
— Com toda a certeza. Ela acordou cedo demais – Hadassa concordou
com um sorriso malicioso, ao passar as mãos pelas pernas de Júlia, subindo
seu vestido para que as coxas ficassem desnudas. – Não precisamos de pressa
nenhuma.
Júlia beijou Hadassa demoradamente, se livrando próprio vestido e
deixando a boca escorregar para o seu pescoço. Deu um gritinho em meio a
um sorriso quando a morena virou-a na cama e afastou os cabelos que caiam
sobre seu rosto para enxergá-la por completo. Os olhos da atriz brilhavam
como no mesmo dia em que havia passado a primeira noite com ela, da
mesma forma como seus próprios olhos deviam estar brilhando.
Júlia estava quase pegando no sono, exausta, abraçada a Hadassa, quando
escutou o celular vibrar com uma mensagem. Se desvencilhou do corpo da
namorada para pegar o aparelho. Resolveu ler a mensagem, quando viu que
era de Micaela. A mensagem fez com que ficasse travada por alguns
segundos. Hadassa se sentou, em alerta.
— O que foi, amor?
Júlia apenas virou o celular para ela, onde viu uma foto de um par de
sapatinhos de bebê e a legenda abaixo:
“Parabéns vovós”.
Epílogo
A festa de casamento estava sendo realizada em uma propriedade luxuosa
em Trancoso, na Bahia. Os noivos, Alberto Caloni e Denise Fraga, dois
nomes de peso do jornalismo brasileiro, recebiam convidados ilustres, que
eram servidos com champanhe e pratos refinados. Monique Fraga,
responsável pela fotografia, circulava entre os presentes, capturando bons
momentos, não apenas dos noivos, mas também das celebridades presentes.
Estava com sua câmera voltada para Júlia Albuquerque e Maya Hadassa com
sua prole quando a mulher apareceu a primeira vez. Ela estava trabalhando
com a equipe de buffet e se perguntou como ainda não tinha visto-a antes. Se
adiantou para a mesa da atriz, onde a jovem colocava algumas taças sobre
uma bandeja. Ajeitou o foco da câmera e tirou uma foto de seu rosto
concentrado no trabalho.
— Uau! Essa foto ficou linda! – exclamou Monique ao olhar para a
pequena tela, conferindo seu trabalho.
A funcionária fez menção de se afastar, imaginando que Monique estava
falando com Júlia e Hadassa. A fotografa se adiantou para segurar seu braço.
— Não quer ver sua foto? – perguntou, com um sorriso conquistador. –
Você é a morena mais linda dessa festa.
A jovem observou Monique por alguns segundos: sabia quem era
Monique Fraga. Conhecia cada um dos presentes ali, por acompanhar suas
vidas por meio de revistas e internet. Porém, mesmo que estivesse
trabalhando e perto de pessoas que fora instruída, diretamente pela chefe, de
não conversar mais que o necessário, a fotografa tinha cometido um deslize
que jamais perdoava. Tratou de corrigi-la.
— Então deve estar falando de outra pessoa. Eu sou preta, não morena.
Monique deu um sorriso de canto de boca, resolvida a não perder aquele
primeiro contato.
— Me perdoe. Deixa-me corrigir: você é a preta mais linda dessa festa.
— Se quiser alguma bebida, é só me chamar pelo meu nome, Yanka.
Com licença.
Júlia não conseguiu conter o riso ao ver a funcionária do local se afastar,
enquanto Monique continuava a observá-la.
— Acho melhor cantar em outro lugar – brincou a atriz.
Monique se virou para a mesa, enxergando Júlia bebericando um
coquetel.
— Já fiquei completamente apaixonada por ela. Não posso evitar – riu. –
Cadê Micaela? Ela não disse que já chegou em Porto Seguro?
— Chegou, mas teve algum problema com o carro. Daqui a pouco ela já
estará aqui.
— Eu falei pra ela vim ontem, pra evitar esses transtornos. Alberto não
vai casar com minha mãe enquanto ela não tiver chego.
— Logo ela estará aqui.
— Eu espero que sim. Preciso desencalhar minha mãe. Vou circular. Boa
festa pra vocês!
Júlia sorriu ao mesmo tempo em que assistia Monique se afastar, indo
para o mesmo lugar onde Yanka servia outra mesa. Apenas balançou a
cabeça em sentido negativo e volveu os olhos para a Hadassa.
— Espero que Micaela não se atrase muito. Só falta ela para começarem a
cerimônia.
— Como você mesma disse; daqui a pouco ela estará aqui.
Júlia assentiu e ficou olhando ao redor, para os convidados, até enxergar
Denise e Alberto. Isabela se levantou primeiro, indo para a roda onde
estavam as crianças. Hadassa e ela seguiram até os noivos. Elogiou a
organização do evento e estavam trocando amenidades quando, finalmente,
Micaela e Andrew apareceram. Júlia se virou para a filha, notando algumas
pequenas mudanças nela: ainda mantinha a mesma aparência de três anos
antes, mas estava mais radiante e o motivo estava claro na discreta barriga
que ela ostentava por baixo do vestido de chiffon.
— Filha! – Júlia a abraçou, feliz por reencontrá-la. – Demoraram!
— O carro que estava nos trazendo quebrou no meio caminho –
respondeu a jovem correspondendo o abraço da mãe. – Como vai, Hadassa?
— Bem, obrigada. Você está linda! Deixa eu ver sua barriga.
Micaela se afastou poucos centímetros e exibiu a barriga. Hadassa passou
a mão por ela, sendo acompanhada por Júlia em seu gesto.
— Quem diria! Você vai ter um filho!
— Sim, e é menino mesmo. Fiz a ultrassom essa semana, antes de viajar.
Parabéns vovós!
— Oficialmente agora sou vovó – sorriu Júlia. – Apesar de achar você
nova demais para ter um filho agora. Você tem vinte e três anos!
— Quase sua idade quando me teve. Grande diferença!
— Os tempos são outros.
— Fica feliz por mim, mãe, já é o suficiente.
— É claro que estou feliz, Mica. Sua felicidade sempre foi mais
importante pra mim que qualquer outra coisa nesse mundo.
— Você está radiante, minha princesa – Alberto falou ao apoiar a mão no
braço da filha. – Esperava o dia que me desse a felicidade de ser avô e é
maravilhoso que isso aconteça perto do meu casamento.
— Concordo com Alberto – sorriu Denise. – Por Monique creio que
nunca teria essa felicidade. Vou adorar ter um neto para poder mimar junto
com Júlia.
— Ah, iremos! Com toda certeza será muito mimado! Três avós e um avô
coruja, além da família de Andrew? Essa criança será um nojo de mimada! –
riu Júlia.
— Nem pense que vocês quatro irão estragar meu filho! Ele só vai falar
sueco, para não correr riscos!
— A conversa está ótima, mas podemos continuar depois – interferiu
Denise. – Vamos? Agora já estão todos aqui.
— Vamos – concordou Alberto. – Já encontramos vocês.
Júlia observou o casal se afastar e deu outro abraço demorado na filha. A
jovem seguiu com Andrew para o local onde aconteceria o casamento e
Hadassa foi atrás da filha para a celebração. Logo as três estavam ocupando
seus lugares.
A cerimônia, realizada por um juiz de paz foi simples. A emoção ficou
por conta do discurso apaixonado que Denise fez para Alberto e também das
palavras carregadas de ternura, ditas pelo jornalista para a nova esposa. Júlia
se emocionou com aquele momento: tinha vivido mais de vinte anos com um
homem maravilhoso, que agora firmava a constituição de uma nova família.
Não podia estar mais feliz por ele: Alberto merecia toda a felicidade que o
mundo pudesse lhe dar.
A festa se estendeu pela tarde. Júlia e Hadassa circularam pelas rodas de
amigos e conhecidos, conversando amenidades. Isabela corria solta pelo
espaço, mas volta e meia estava por perto de Micaela, passando a mão na sua
barriga e sorrindo feliz: iria ser tia. Não sabia bem o que aquilo significava,
mas Micaela havia dito que ela iria amar o sobrinho. Se não fosse um menino
chato, iria gostar muito dele.
Júlia olhou ao redor, à procura de Hadassa e a enxergou, elegante em um
conjunto cinza claro, próxima a mureta do pátio, observando o sol que se
punha no mar enquanto bebericava um champanhe. Ficou observando a
namorada por um tempo, fascinada pelo quadro perfeito que aquela imagem
dava. Monique, atenta, enxergou o olhar de Júlia e parou ao seu lado,
capturando o momento.
— Depois eu te mando.
— Obrigada.
Júlia desviou os olhos rapidamente, apenas para ver Monique se
afastando, antes de se aproximar de Hadassa e passar as mãos por sua cintura
e apoiar o queixo em seu ombro.
— Lindo, não é?
— Incrível!
— Pensando em que?
— Em como cheguei em um casamento em Trancoso com você do meu
lado – sorriu a morena, virando-se para enlaçar Júlia. – Em como jamais
imaginei que isso um dia poderia acontecer, enquanto assistia suas novelas
com Rebeca.
— Eu nunca imaginei que estaria no casamento de Alberto como
convidada e não a noiva. São as voltas que a vida dá.
— É. A família crescendo – suspirou Hadassa ao enxergar Micaela e
Isabela mais distantes, junto com Andrew e Monique, que tirava foto dos três.
– Nós temos uma família linda.
— Temos. Uns aqui, outros ali, mas temos uma família linda – Júlia
acompanhou o suspiro. – Espero que isso nunca mude.
— Não vai mudar. Só temos que saber cuidar dela para que sempre
permaneça assim.
— Eu te amo tanto – Júlia se virou para encarar Hadassa. – Eu sempre,
sempre vou te amar.
— Eu também, minha linda. Obrigada por me mostrar o amor outra vez.
Júlia sorriu em resposta e buscou a boca de Hadassa para um beijo
demorado. Se afastaram quando escutaram um pigarro perto delas.
— Argh! Não quero ver minhas mães se pegando assim – brincou
Micaela descontraída. – É estranho. Vamos tirar uma foto.
Júlia sorriu em resposta, enquanto via Alberto e Denise se aproximarem.
Monique entregou sua câmera para um dos seus assistentes e se juntou ao
grupo. Júlia observou o sorriso de todos: Micaela e Andrew, Denise e
Alberto, Monique e Isabela, Hadassa e ela própria. Sem dúvida alguma,
aquele era o seu final feliz perfeito.

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