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100 anos de

vkhutemas:
mulheres, arte
e revolução
caderno sesunila n o04
foz do iguaçu
dezembro de 2020
ISSN 2675-5564
Imagem da capa
Artista Vera Gitsevich
Parque de cultura e lazer para o proletário
colagem, 1932

caderno sesunila
Publicação semestral da Seção Sindical do ANDES
Sindicato Nacional Docente na UNILA
ISSN 2675-5564

SESUNILA Gestão 2018-2020


Andréia Moassab presidenta
Clécio Mendes vice-presidente
Senilde Guanaes secretária
Patrícia Mechi secretária-adjunta
Gilcélia Cordeiro tesoureira
Juliane Larsen tesoureira-adjunta

Colaboraram nessa edição


Andréia Moassab, Celso Lima, Élen Schneider, Fran Rebelatto,
Mario Mariano, Neide Jallageas, Nina Tedesco e Tatiane Rebelatto

Projeto gráfico e diagramação


Maicon Rugeri

Organização
Andréia Moassab

Curadoria de arte
Maicon Rugeri e Andréia Moassab

SESUNILA - Seção Sindical do ANDES/SN na UNILA


Avenida José Maria de Brito, n° 1707, Anexo Alfa Coworking,
Jardim das Nações, Foz do Iguaçu/PR, CEP: 85.864-320
e-mail: sesunila@gmail.com / telefone: (45) 99833-1074
Todo o material escrito pode ser reproduzido para atividades sem fins lucrativos, mediante citação da fonte.
editorial
A quarta edição do Caderno SESUNILA registra o debate
proposto pela seção sindical em 2017 no evento comemorativo
“A Revolução Russa e as Mulheres”, realizado na Fundação
Cultural de Foz do Iguaçu. A atividade marcou os 100 anos
da revolução socialista com exibição de filmes, debates e
exposições. Em 2020, a publicação do caderno é também
uma singela contribuição da seção sindical para comemorar
os 100 anos dOS VKHUTEMAS (Ateliês Superiores de Arte e
Técnica), das mais importantes escolas de arte do século XX.
Os VKHUTEMAS eram as escolas de arquitetura e
artes da revolução russa. Com um programa pedagógico
inovador, elas inspiraram a famosa Bauhaus na Alemanha,
que recebeu diversos docentes oriundos dos VKHUTEMAS.
A modernidade ocidental “apagou” dos livros de arquitetura
a experiência da escola soviética, que urge ser devidamente
resgatada e estudada.
Para a exposição “As Mulheres nas Artes Gráficas”, a
SESUNILA trouxe a público cartazes concebido por mulheres,
importantes artistas gráficas na URSS, com a intenção de
problematizar a permanente ausência do reconhecimento do
trabalho das mulheres na história das mais diversas áreas
do conhecimento. Foi no sentido de provocar o debate e
reverter este quadro que a SESUNILA expôs os cartazes de
designers gráficas soviéticas. A curadoria dos trabalhos não
foi tarefa fácil, pois quase sempre os prenomes são ocultados,
dificultando a identificação das artistas mulheres.
Tivemos ainda a missão de traduzir,
direto do russo, os textos que acompanhavam
as imagens, para melhor contextualizar e
compreender a força das mensagens. Todos
os pôsteres selecionados tinham como tema
as mulheres na revolução e foram feitos já no
limiar do Realismo Socialista, quando se inicia
a polêmica política de estado para a estética.
Um ensaio visual com os pôsteres da exposição
fecham a quarta edição do Caderno SESUNILA.
Em paralelo aos pôsteres foi realizada a
exposição “Arquitetura da Revolução” que
contou com visita guiada de estudantes do
curso de Arquitetura e Urbanismo da UNILA,
apresentando as maquetes feitas para atividade
de ensino, em virtude dos 100 anos de Revolução
Russa, sob orientação da professora Andréia
Moassab. A pesquisa, num primeiro momento
buscou aprender com os arquitetos empenhados
em construir uma sociedade pautada pelo bem
comum. Ao expor os trabalhos, partilhamos um
raro material sobre projetos arquitetônicos tão
importantes, porém tão pouco documentados
e lembrados pelas escolas de arquitetura. A
exposição de maquetes e plantas teve a intenção
de cobrir um amplo leque de tipologias
habitacionais, levando a público cinco obras

Triângulos vermelhos em círculos, s/d


Lyubov Popova
construídas na URSS nos anos 20 e uma, nos anos
40, na Europa, com clara influência do debate
soviético: Gosstrakh (Moisei Ginzburg, 1926);
Narkomfin (Moisei Ginzburg, 1928); Casa Melnikov
(Konstantin Melnikov, 1929); Dom Kommuna (Ivan
Nikolaev, 1931) e Unité d’Habitation (Le Corbusier,
França, 1947). São todos projetos habitacionais
preocupados em apresentar soluções para as mais
diversas demandas do período, colaborando
para questionar a noção tradicional de família
e moradia.
No que tange à produção audiovisual, foram
escolhidos dois filmes de diretoras soviéticas
que cobriam períodos distintos da revolução. O
primeiro, “Queda da Dinastia dos Romanov” é
de 1927, dirigido por Esfir Shub, uma das poucas
diretoras mulheres a ser proeminente nos anos
1920. Sua obra dedicada ao documentário teve
impacto considerável no meio. Com mais de uma
dúzia de filmes, Shub ainda escreveu dois livros e
foi considerada uma grande mestra da montagem.
O outro filme foi “A Epopeia dos Anos de Fogo”,
de 1961, dirigido por Yuliya Solntseva. A cineasta
soviética foi a primeira mulher a ganhar um
prêmio de direção em qualquer dos principais
festivais de cinema europeu, tendo levado o prêmio
de melhor direção em Cannes, naquele ano.

Construção da força espacial, 1921


Lyubov Popova
Finalmente, na roda de conversa com o tema “100 Anos
da Revolução Russa: Mulheres, Arte e Resistência”, contamos
com Andréia Moassab, Marina Gouveia, Heloísa Gimenez e
Virgínia Flores, cada uma tratando de aspectos distintos
da revolução, a partir de suas áreas de conhecimento.
Para encerrar o ano de 2020 e marcar os 100 anos das
revolucionárias escolas de artes VKHUTEMAS, a SESUNILA faz
um registro daquele evento e amplia seu debate, contando
com a colaboração de professoras da base da SEUNILA, de
outras seções sindicais e externas ao sindicato docente,
contudo, parceiras das árduas trilhas da resistência no
debate sobre as artes na sua relação indiscernível com a
política.
No primeiro texto do dossier, Neide Jallageas e Celso
Lima abrem o caderno contando em breves linhas a história
e os desafios dos VKHUTMAS, pesquisa sobre a qual a autora
vem se dedicando já há muitos anos, cujo resultado merece
ser conferido no livro que escreveu com Celso Lima sobre a
revolucionária escola de artes soviética, publicado em 2020
pela Kinoruss Editora. A seguir, Tatiane Rebelatto no texto
“A arte gráfica revolucionária de Varvara Stepanova” nos
apresenta a obra da artista russa, importante colaboradora do
debate revolucionário nas artes, que acompanhou as profundas
mudanças provocadas pela revolução. Em 1921, Stepanova já
se dedicava às dimensões das artes diretamente vinculadas
ao desenvolvimento revolucionário da sociedade, a partir

Desenho para tecido, 1920


Lyubov Popova
da produção têxtil, concebendo roupas que pudessem
convergir estética e funcionalidade. Nesse sentido, foram
abolidas as distinções de gênero e classe das vestimentas, em
favor de uma roupa geométrica que libertasse o corpo.
Da veste do corpo para as vestes do espaço, Andréia
Moassab propõe uma incursão à arquitetura revolucionária
a partir dos principais debates encabeçados pelas mulheres
arquitetas. A autora afirma que revisitar a experiência
arquitetônica da Revolução Russa é tarefa fundamental
e urgente para nos auxiliar a imaginar e conceber a
arquitetura como um direito e não como mercadoria, a
terra e o solo rural ou urbano como bem comum e, portanto,
sujeitos a desenhos de paisagens muito distintos daqueles
produzidos para a aferição de mais-valia e apropriação
privada do trabalho socialmente necessário para a construção
do espaço em que vivemos. Já Nina Tedesco explicita os
motivos que a levaram a propor, em 2017, a mostra “Cinema
Soviético de Mulheres”, realizada pela ADUFF. Ela nos conta
que na indústria cinematográfica, estruturada naquela e
estruturante daquela sociedade revolucionária que passava
por profundas transformações, o complexo fenômeno das
mulheres na URSS se manifestou tanto atrás das câmeras,
posto que o país teve muitas diretoras em sua história,
quanto nas narrativas e personagens levadas às telas. Fato
que, lamentavelmente, ainda é pouco conhecido e debatido.
Num dossier que trata de mulheres e ensino na
revolução, não poderia faltar dois nomes cruciais: Alexandra
Kollontai, que organiza o Primeiro Congresso de Mulheres
Trabalhadoras de toda a Rússia e que mais tarde foi
Comissária do Povo para Assuntos do Bem-Estar Social, e
Nadejda Krupskaia, que foi deputada do Comissariado para
a Educação. Élen Schneider sugere uma retomada dos textos
de Kollontai, pois sua teoria revolucionária gesta esperança,
nos recordando que o sonho da revolução já foi uma
realidade concreta para as mulheres trabalhadoras, mães e
empobrecidas pelas crises sociais, políticas e econômicas em
algum lugar do mundo. Por sua vez, Fran Rebelatto e Mario
Mariano trazem para debate a contribuição fundamental
da pedagoga revolucionária Nadejda Krupskaia que há um
século debatia a educação na construção do socialismo. As
reflexões e ações de Krupskaia colocaram em movimento a
conexão entre o debate da política e da economia socialista,
em suas linhas mais gerais, com a vida cotidiana da classe
trabalhadora, os interesses das mulheres, a necessidade de
educar o povo e socializar toda riqueza material e todo o
conhecimento necessário para a construção de uma nova
sociedade. Conhecer e revisitar sua obra é tarefa atual para
quem defende a construção de uma Universidade Popular
que atenda aos interesses da classe trabalhadora.
Ao final do dossier apresentamos um ensaio visual
com os pôsteres das artistas incluídas na exposição de 2017:
Natalia Pinus (1901-1996), Nina Vatolina (1915-2002), Valentina
Kulagina (192-1987) e Vera Gitsevich (1897-1976). Mais uma vez
a SESUNILA segue contribuindo para o urgente debate sobre
arte e política, ou melhor, acerca da indissociabilidade da
política no fazer artístico e a importância seminal da disputa
de sensibilidades para a superação do patriarcado-racista-
capitalista.
sumário
VKhUTeMAS: ensino, arte e revolução
por Neide Jallageas e Celso Lima 14
A arte gráfica revolucionária
de Varvara Stepanova
por Tatiane Rebelatto 22
As mulheres e a arquitetura da revolução
por Andréia Moassab 36
Aproximações ao cinema soviético
feito por mulheres
por Nina Tedesco 68
Amor e revolução em Alexandra Kollontai
por Élen Schneider 78
A pedadogia revolucionária
de Nadejda Krupskaia
por Fran Rebelatto e Mario Mariano 92
As mulheres nas artes gráficas
curadoria de Andréia Moassab e Fran Rebelatto 98

Desenho para tecido, 1923


Lyubov Popova
dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

VkhUTEMAS:
ENSINO, ARTE
E REVOLUÇÃO1
Neide Jallageas
Celso Lima
Neide Jallageas é ensaísta, curadora, artista e docente, doutora em Comunicação e
Semiótica, pesquisa arte e cinema russos há mais de vinte anos. Em 2020 recebeu
o prêmio Biéli Slon da Guilda dos Historiadores e Críticos de Cinema da Federação
Russa. Celso Lima é artista plástico com longa pesquisa em pigmentos têxteis e
estamparia. Ambos foram curadores da exposição “VKHUTEMAS: Futuro em
Construção 1918-2018”, premiada pela APCA em 2018, e assinam juntos o livro
“VKHUTEMAS: desenho de uma revolução”, publicado em 2020 pela Kinoruss
Edições e Cultura.

Deve-se enfatizar a diferença entre instrução e educação.


Instrução é a transmissão de conhecimento pronto pelo
professor a seu aluno. A educação é um processo criativo.
Por toda a vida, a personalidade do indivíduo “se educa”,
amplia-se, é enriquecida, se fortalece e se aperfeiçoa.
— Anatóli Lunatchárski

Há exatos cem anos, em 1920, o nome Vkhutemas - Ateliês


Superiores de Arte e Técnica - anuncia uma das mais
importantes revoluções artísticas e pedagógicas já
ocorridas, com resultados visíveis até hoje na arte, no
design, na arquitetura e nos museus e galerias de arte
do mundo todo. A experiência teve origem na ampla

1
Texto adaptado da introdução do livro VKHUTEMAS, de autoria de Neide
Jallageas e Celso Lima, publicado em 2020 pela Kinoruss Edições e Cultura para
o Selo VKHUTEMAS.

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

reforma do ensino ocorrida na Rússia pós-revolucionária.


Tal reestruturação foi implementada pelo NARKOMPROS
(Comissariado do Povo para a Educação), órgão criado pelo
governo bolchevique imediatamente após a Revolução de
1917 e chefiado por Anatóli Lunatchárski, nomeado por Lênin.
As atribuições do Narkompros ultrapassavam
aquelas usuais de um Ministério de Estado burguês, pois ele
foi concebido como um agente de mudanças sociais. Nesse
sentido, objetivava-se que a educação tivesse como tarefa
principal substituir os métodos acadêmicos elitistas para
ampliar o seu foco e passar a atender a milhares de estudantes
do campo, das fábricas e dos quartéis: um projeto ambicioso e
que suscitou todo tipo de questionamentos e fortes embates.
Até aquele momento, não havia no mundo nenhum modelo
pedagógico que atendesse objetivos de tal envergadura.
Contudo, era isso que o líder da nascente União Soviética
tinha em mente para os cidadãos e cidadãs, de modo que, após
a Revolução, tem início um conjunto de reformas que atingiu
as desgastadas instituições e as velhas pedagogias em todos
os níveis de ensino. É quando emergem experimentações
radicais, que têm nos VKHUTEMAS uma iniciativa ímpar
para o ensino superior das artes e das técnicas.
A reorganização institucional do ensino de artes
e técnicas em Moscou, sob o comando de Lunatchárski,
compreendeu três fases com nomenclaturas e estruturas
distintas:
• 1918 SVOMAS (Ateliês Livres de Arte) substituem, logo
após a Revolução, duas instituições imperiais – a Academia
de Arte Industrial Strôganov e a Academia Imperial de Artes;

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

• 1920 VKHUTEMAS (Ateliês Superiores de Arte e Técnica),


acrônimo para Víschie Khudôjestvenno-Tekhnítcheskie
Masterskíe; na segunda fase da reorganização, os ateliês livres
foram consolidados em uma instituição de nível superior;
• 1927 VKHUTEIN (Instituto Superior de Arte e Técnica),
acrônimo para Víschi Khudôjestvenno-Tekhnítcheski Institut;
na terceira e última reforma, os VKHUTEMAS foram
transformados em uma instituição de caráter eminentemente
técnico, que foram, todavia, extintos em 1930.

Oficina da Faculdade de Pintura


VKHUTEMAS, s/d

A criação dos VKHUTEMAS objetivou formar uma


variedade de profissionais, entre artistas, arquitetos e
arquitetas oriundas da classe proletária, para desenvolver
uma nova cultura artística capaz de se integrar à crescente
produção industrial e ao desenvolvimento econômico e político
do país. Essa tarefa audaciosa e desafiadora dentro de um

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

regime recém-instaurado e ainda em processo de maturação


colocou em xeque os cânones sobre a linguagem da arte, do
desenho de objetos e da arquitetura, inclusive no interior
do próprio Partido Comunista, que não raro mobilizou
forças contrárias às propostas inovadoras do conjunto
dos e das artistas então denominados e denominadas
massivamente como “futuristas” ou “esquerdistas”.
Compreender tanto a criação quanto a extinção dos
VKHUTEMAS-VKHUTEIN requer que tomemos contato
com seu notável conjunto de pedagogias em suas múltiplas
dimensões: histórica, política, filosófica e cultural. Isso porque
os mestres e mestras que compuseram o corpo docente em
todo o seu percurso eram muito variados em relação às
suas ideias e posicionamentos frente aos desdobramentos
pós-Revolução. Os frequentes embates repercutiram no
funcionamento das faculdades, definiram os rumos do
desenvolvimento da escola e concorreram para sua extinção.
No livro “VKHUTEMAS: desenho de uma revolução”, a
dimensão histórica dos movimentos artísticos articulados com
os movimentos sociais e políticos a partir do século XVIII é
colocada em relevo, num esforço de explanar as raízes de uma
tradição de luta dos e das artistas pela emancipação social.
Tais dimensões política, filosófica e cultural daqueles treze
anos de experiência pedagógica são assinaladas como pontos
de referência para possibilitar reflexões interconectadas com
as pedagogias na arte, design e arquitetura.
O nascimento dos VKHUTEMAS está indelevelmente
vinculado à emergência de muitos movimentos artísticos,
numa proliferação de -ismos: Futurismo, Suprematismo,

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Construtivismo, Produtivismo, Racionalismo, Funcionalismo,


Realismo, Cèzannismo. Os variados -ismos aos quais se
vinculavam artistas, designers, arquitetos e arquitetas são
amiúde tomados como um todo indistinto, genericamente
denominado no Ocidente de vanguardas russas (ou, algumas
vezes, vanguardas soviéticas). Já na Rússia Soviética, eram
indiscriminadamente rotulados como “futuristas”. A escassez
de informações sobre as atividades desses grupos no Ocidente
foi inicialmente diminuída graças aos trabalhos de Alfred Barr,
nos Estados Unidos, e de Vittorio De Feo e Camila Gray na
Europa. Porém, em momentos distintos, a notável experiência
pedagógica dos Vkhutemas foi completamente suprimida
de suas publicações. O estudo mais completo e denso sobre
essa escola russa continua sendo o do pesquisador Selim
Khan-Magomiédov (1928-2011), um autor que se debruçou,
durante muitos anos, sobre cerca de 150 arquivos dispersos e
continua sendo uma matriz imprescindível para compreender
os VKHUTEMAS. Vale destacar, ainda, o trabalho da
australiana Sheila Fitzpatrick, pesquisadora que, em meados
do século XX, realizou minuciosa investigação dos arquivos
históricos da constituição do NARKOMPROS, concentrando-
se na figura sensível e generosa de seu Comissário, Anatóli
Lunatchárski. Para Fitzpatck “seria difícil ler os primeiros
documentos do Narkompros sem notar a emoção que
sentiam os membros fundadores do comissariado, em um
mundo que se buscava transformar para melhor”.

Ateliê Vera Mukhina, s/d


Autoria desconhecida
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Finalmente, no primeiro capítulo, o livro demonstra ser


crucial compreender, em termos de arte e ensino de arte, o
peso da tradição tsarista da Academia Imperial de Artes em
São Petersburgo, fundada no século XVIII e o impacto de
sua transformação a partir dos SVOMAS e o rico debate que
culminou na implantação dos VKHUTEMAS-VKHUTEIN.
Não foi uma trajetória homogênea, tampouco livre de
contradições. A constituição e funcionamento de cada uma
das faculdades resulta de opções metodológicas imersas
em tensões entre correntes conservadoras e de vanguarda,
além de apresentar os mestres e as mestras mais destacados e
destacadas, bem como as confluências e divergências entre
os projetos e objetivos revolucionários que definiram
tanto a produção quanto os rumos de cada uma das
áreas. Sem perder de vista os acontecimentos históricos e
os embates estéticos que atravessaram o desenvolvimento
de cada uma das faculdades é basilar tomar em conta o
envolvimento cotidiano das pessoas que tornaram realidade
muitas das transformações ocorridas.
A trajetória dos Vkhutemas não é um fenômeno
social que se desenvolveu autonomamente, pelo contrário,
é uma dedicação de homens e mulheres que pretenderam
revolucionar a arte e a vida. Conhecer mais a fundo o
seu processo e suas miríades nos coloca em contato com
numerosos documentos pouco examinados de vidas inteiras
dedicadas ao sonho de um mundo melhor. Trata-se de um
passo para a realização da urgente tarefa de resgatar essa
experiência invisível, porém de fundamental importância para
a compreensão da história da arte, do design e da arquitetura

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

contemporâneos, quiçá arejando o fazer artístico-político


em direção ao comum, em direção a possibilidades atuais
e concretas de imaginar um mundo em que a exploração
capitalista será um passado distante.

Para saber mais:


Livro Vkhutemas
leitura de capítulos pela autora: https://bit.ly/3vQSFWP
para adquirir: https://bit.ly/33recJx

Exposição Vkhutemas: o futuro em construção (1918-2018),


no SESC Pompeia: https://youtu.be/J_neKkpO-rg

Vista da Exposição VKHUTEMAS: o futuro em construção (1918-2018), 2018


Goma Oficina, SESC Pompeia

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

A ARTE GRÁFICA
REVOLUCIONÁRIA DE
VARVARA STEPANOVA
Tatiane Rebelatto
Doutoranda em artes visuais, pesquisadora em arte na Revolução Russa.

A linha

A linha forma uma forma,


Ela marca, demarca e atravessa,
Ela choca e rompe.

Ela se configura no tecido:


é a trama e o urdume – se cruzam e formam
Ela se configura no desenho:
é o ponto que forma a linha que forma a hachura
– se cruzam e formam.

É discreta e escancarada,
Está em todas as formas,
É fina, grossa, curva,
É forte e transparente,
É visível e invisível,

Não funciona sozinha, só funciona tramada.


Dizia Kandinsky: é ‘Varvara’, ‘Varvarismo’, ‘arte varvárico’

— Tatiane Rebelatto

Projeto para têxteis, 1924


Varvara Stepanova

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Varvara Stepanova foi uma


artista russa, muito engajada
nas vanguardas artísticas da
segunda década do século XX
e importante colaboradora do
debate revolucionário nas artes,
que acompanhou as profundas
mudanças provocadas pela
Revolução Russa. Em 1921
Stepanova já se dedicava às
dimensões das artes diretamente
vinculadas ao desenvolvimento
revolucionário da sociedade,
afastando-se dos debates
exclusivamente estéticos ou das
artes como “atividades do espírito”
– o que criou uma cisão nas vanguardas artísticas russas
naquele período. Foi na produção têxtil que Stepanova julgou
poder efetivamente contribuir no processo revolucionário,
concebendo roupas que pudessem convergir estética e
funcionalidade. Nesse sentido, foram abolidas as distinções
de gênero e classe das vestimentas, em favor de uma roupa
geométrica que libertasse o corpo. A ênfase no design
têxtil mudaria radicalmente com a substituição derradeira
das qualidades decorativas pela funcionalidade.
Nessa busca pela funcionalidade, a linha foi um dos
elementos visuais que se destacou e configurou a produção
artística de Stepanova. No caso do design têxtil, a linha
estava presente tanto na estrutura do tecido, em sua trama,
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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

quanto no desenho. No decorrer do percurso da artista


e a partir do seu pertencimento em diferentes grupos
artísticos, a linha foi sendo arranjada em experiências
que acionavam mais do que o olhar, envolvia também
o falar, ouvir e tocar. A linha também serviu para
configurar um desejo de ruptura com a arte burguesa
do passado. Seja no grafismo das estampas, de outras
produções têxteis ou nos cartazes da revolução, a
linha caracterizou as novas produções de artistas
vanguardistas, como Varvara, na construção de
uma sociedade socialista.
O neto e biógrafo de Stepanova, Alexander
Lavrentiev, a considerava uma artista multifacetada
e frenética. Foi uma mulher artista que conviveu com
uma formação tradicional, anterior à Revolução, pois
mesmo ingressando nas academias, as mulheres eram
limitadas a se dedicarem a determinadas expressões artísticas
Varvara Stepanova em vestido
desenhado por ela mesma, s/d

consideradas “inferiores” ou de pouco prestígio. Stepanova


esteve ativa até o fim de sua vida, à frente de vários projetos,
criou colagens, pinturas, xilogravuras, livros de poesias visuais
futuristas, elaborou cartazes e revistas, escreveu textos sobre
os princípios construtivistas e produtivistas e desenvolveu
distintos projetos para vestuário, área em que é referência até
os dias atuais. Ela também foi docente nos ateliês têxteis da
escola de artes VKHUTEMAS - Ateliês Superiores de Arte
e Técnica, que apesar da extrema importância, por conta da
Guerra Fria, é pouco divulgada e debatida no ocidente até os
dias de hoje. Stepánova atuou, ainda, como operária em uma
fábrica de impressão sobre tecido em Moscou.
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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Após frequentar a escola de Artes de Kazan, de


1910 a 1913, mudou-se para Moscou. Lá estudou pintura e
em paralelo trabalhou como costureira e secretária. Nesse
lugar conheceu Luibov Popova e Nadezhda Udaltsova.
Ao contrário dessas duas artistas, Stepanova, por ser uma
geração mais nova, participou dos experimentos futuristas
que antes de 1917 já ensaiavam uma mudança no fazer e
pensar as diferentes expressões artísticas. Juntando-se a esse
grupo produziu poesias visuais, ilustrações e livros.
Após a Revolução de 1917, Stepanova junto a outros e
outras artistas que aderiram à revolução comprometeram-se
em elaborar novas definições para as concepções de arte,
artista e ensino de artes, propondo uma interligação ente
o campo artístico e o processo revolucionário. Os e as
construtivistas entendiam-se como trabalhadores artísticos
ou ainda, como artistas construtores que deveriam criar
novos objetos para a vida cotidiana, novas experiências e
novas formas de comunicação. Nesse contexto foram criados

Esboço de roupas para treino esportivo, 1923


os VKHUTEMAS, onde Stepanova será docente. Ao mesmo
tempo, a artista atuará numa fábrica têxtil, garantindo a
necessária interlocução constante do ensino com o
processo produtivo.
Nas suas estampas para tecido, o grafismo, além de
contrastar com os florais das roupas tradicionais da época,
Varvara Stepanova

comunicava a nova estética das vanguardas e era exemplo da


importância que a linha e a simetria tinham nas criações dos
e das construtivistas. Os e as artistas desse grupo defendiam
um modo de fazer despersonificado, ou seja, por meio da linha
feita com instrumentos como o compasso e a régua, precisas

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

e técnicas, a subjetividade e a individualidade do ou da artista


não apareceriam, como era comum nas pinturas realistas.
A autoria individual ou centrada na figura do artista
gênio e no dom, bem como a obra como um objeto único,
não condiziam com a nova realidade artística soviética.
Para os e as construtivistas importava mais o processo de
produção de uma obra, a experimentação, análise formal e a
funcionalidade de um objeto, do que a autoria individual. Essas
experimentações visavam a formular uma noção de arte de
produção, a qual questionava a arte burguesa e desejava
superá-la. Naquele contexto revolucionário, a arte de
produção estava associada ao desejo de levar a arte para o
campo da técnica e fazer da técnica uma dimensão artística.
Através do vestuário geométrico, Varvara padronizou o
corpo e criou roupas que se pautavam na funcionalidade,
conforto e, especialmente, na indistinção de gênero e
de classe social. A linha teve um papel primordial para os
desafios enfrentados pelo novo vestuário, colaborando
para estabelecer uma outra ideia de corpo. Além disso,
esse elemento aparentemente tão singelo como a linha, foi

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

transposta para a produção de cartazes e para as performances


de agitação, configurando distintas maneiras de organização
dos espaços. A linha, portanto, foi um elemento da linguagem
visual que caracterizou o trabalho de diversos grupos do
período revolucionário e a poética de Stepanova, tanto no
sentido formal e composicional, quanto no sentido de romper
com ideias burgueses e elitistas.
Finalmente, embora alguns dos trabalhos de vestuário

Desenho têxtil em azul e laranja, 1924


da artista remetessem ou fossem influenciados por projetos
de vestuário da Europa Ocidental, suas criações em uniformes
e roupas de trabalho criaram modos de vestir, de consumir e
pensar o corpo, que não pretendiam obedecer a lógica da
moda Ocidental, regida pela novidade e pelo consumo para

Varvara Stepanova
a afirmação de posições sociais. Toda a obra de Stepanova é,
por conseguinte, o resultado de um processo onde a interação
de suas três atuações, artista-professora-operária, era
possível de ser pensada para o desenvolvimento de novas

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

definições do que era ser artista e seu modo de produção


em uma sociedade socialista. Sua casa, os ateliês dos
Vkhutemas e a fábrica de tecido se mesclavam, um tornava-
se a extensão do outro. Nessas trocas entre os espaços e o
acúmulo de experiências, que ocorreu através da participação
em distintos grupos artísticos, serviram para configurar
as práxis metodológicas e pedagógicas no ensino de artes
soviético. Ela, seus contemporâneos e contemporâneas
experimentaram e dedicaram-se na construção de modos
inéditos de ver e de produzir arte. Stepanova dizia que cada
artista naquele período poderia ter sua própria escola com
suas próprias ideias, pois todos os caminhos eram possíveis.
Varvara Stepanova faleceu em 1958, em Moscou, dois
anos após a perda de seu companheiro, o artista construtivista
Alexander Rodchenko. Juntos tiveram uma filha, Varvara
Rodchenko, que seguiu a carreira como artista visual até a
sua morte, em 2019.

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Pontos no círculo, azul-petróleo e laranja, 1923


Varvara Stepanova
Desenho têxtil, 1924 CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020
Varvara Stepanova

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Projeto para têxteis, 1924


Varvara Stepanova

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Desenho para tecido, 1924


Varvara Stepanova

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

AS MULHERES E A
ARQUITETURA DA
REVOLUÇÃO
Andréia Moassab - SESUNILA
Arquiteta e urbanista, doutora em comunicação e semiótica. Professora do ILATTI.

Nos últimos anos tenho me dedicado a uma sociologia das


ausências em arquitetura, buscando demonstrar que aquilo
que julgamos não existir em nossa área, isto é, a produção
arquitetônica de mulheres, de pessoas negras ou, no caso, a
produção arquitetônica das experiências revolucionárias,
é, na verdade, ativamente produzido como não-existente. A
produção da não-existência é por um lado um desperdício
da experiência e, por outro lado, extremamente limitante
para conceber espaços e arquiteturas não-hegemônicos,
sobretudo para além do naturalizado desenho capitalista
de mundo. Dito de outra forma, a invisibilidade da produção
arquitetônica das mulheres, das pessoas negras e das
práticas comunistas é algo constitutivo dos últimos séculos
na produção de conhecimento na área, que urge ser revista.

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Ao desprezar o que arquitetos não-brancos e


mulheres arquitetas vêm produzindo ou as experiências
não pautadas pelo capitalismo, está-se, por exemplo,
ignorando tecnologias e materiais construtivos
econômica, social e ambientalmente mais adaptados, como
ocorre na construção em terra largamente observada na
arquitetura quilombola ou no rigoroso estudo de materiais
feitos por Kostantin Miélnikov, em 1927, para a sua casa em
Moscou. Ainda, é ignorada toda a riqueza coletiva no uso
do espaço exterior doméstico observado nas comunidades
africanas, afro-latinas e ameríndias. Em muitos modos de
morar desconsiderados pela modernidade ocidental, o espaço
doméstico não está circunscrito entre paredes. Diversas
atividades cotidianas são feitas ao ar livre, como o preparo
e cozimento dos alimentos, muitas vezes numa relação
importante de troca intergeracional e comunitária, a
qual é eliminada ao inserir a cozinha no interior da casa e
fechá-la do contato social, forma própria de sociedades em
que o preparo dos alimentos é uma função servil e recai
sobre as mulheres, trabalhadoras domésticas ou donas de
casa. Similarmente, fazemos quase ou nenhuma menção
aos espaços de uso comunitário como o tatakuá guarani
ou a casa de farinha do nordeste brasileiro, os quais são
inviáveis quando o solo é retalhado como mercadoria.
De mesma maneira, a exiguidade do debate sobre a
experiência arquitetônica que acompanhou a Revolução
Russa tem nos impedido de imaginar e conceber a arquitetura
como um direito e não como mercadoria, a terra e o solo
rural ou urbano como bem comum e, portanto, sujeitos a

37
dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

desenhos de paisagens muito distintos daqueles produzidos


para a extração de mais-valia e apropriação privada do
trabalho socialmente necessário para a construção do
espaço em que vivemos. É importante ter em conta o ineditismo
daquela experiência revolucionária, que trazia como principal
desafio para a arquitetura conceber e materializar a proposta
comunal de vida socialista. Desenhar a moradia socialista
pressupunha debater a família nuclear heteronormativa e
patriarcal, tanto quanto a educação das crianças e a rotina
dos trabalhos domésticos. Se as crianças vão para internato
ou externato, se as cozinhas e lavanderias serão coletivas, se
uma moradia atende a casais, todas essas questões impactam
enormemente o espaço habitacional. Ao tensionar a noção
tradicional de família e moradia, a arquitetura soviética
demonstrou, na prática construtiva e espacial, possibilidades
múltiplas de organização familiar e social, alojamento
estudantil e moradia para trabalhadores e trabalhadoras.
A experiência soviética consolida definitivamente a
necessidade de equipamentos coletivos para desonerar
o trabalho doméstico, sobretudo das mulheres – com
inegável impacto nos projetos de moradia. As respostas
arquitetônicas exploram cozinhas e lavanderias coletivas,
creches, salas de estar e quartos de hóspedes comuns, entre
outros1.

1
Alguns projetos seminais para o debate sobre moradia compuseram a exposição
“Arquitetura da Revolução” organizada em 2017 pela SESUNILA na Fundação
Cutural de Foz do Iguaçu, para marcar os cem anos da Revolução Russa.

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Lembremos que um dos programas arquitetônicos


centrais para a revolução foram os condensadores sociais,
expressão cunhada pelo arquiteto Mosei Ginzburg em seu
entendimento de uma arquitetura como instrumento social,
a qual implodia os usuais programas arquitetônicos de
antanho. Os condensadores sociais reuniam numa mesma
edificação diversas funções da vida pública e coletiva,
como foi experimentado no projeto do arquiteto para a
unidade habitacional Narkomfin, de 1928. O edifício reunia
distintas tipologias habitacionais e vários equipamentos
coletivos como lavanderia, cozinha e copa comunitárias,
berçário, biblioteca e zona de convívio com vestiário e
banheiro. Narkomfin será a base do projeto de Le Corbusier
para Marseille, realizado décadas mais tarde na França, muito
mais conhecido, debatido e estudado do que o projeto original
soviético. Também é um exemplo de condensador social, a Dom
Kommuna ou a Casa Comunal do Instituto Têxtil, projetada
por Ivan Nikolaev, em 1931. Num só equipamento, a Dom
Kommuna reunia escola, alojamento e fábrica, para atender
cerca de dois mil estudantes. Os clubes para os trabalhadores
e trabalhadoras foram igualmente relevantes na paisagem
construída soviética, tanto pelo desenho arquitetônico, como
do projeto para o Clube Zuév, de Ilia Gólossov, para citar
apenas este, como pelo ousado programa que incluía salas
de leitura e de dança, ateliês de pintura e escultura, teatro
ou espaço para esportes. Todas são experiências riquíssimas,
lamentavelmente pouco conhecidas e debatidas no ocidente.

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Vale ressaltar, ademais, que ao


visibilizar e creditar exclusivamente

Projeto para um cenário construtivista para uma tragédia, 1924


Alexandra Exter
a arquitetura feita por homens-
brancos-burgueses-urbanos está-se
supervalorizando, ao mesmo tempo,
a edificação e a atividade projetiva,
que é apenas uma das muitas atuações
profissionais em arquitetura e urbanismo.
De modo geral, as arquitetas mulheres se
destacam mais comumente por sua atuação
em planejamento urbano, paisagismo,
assessoria técnica, docência e crítica. Esta
clivagem de gênero por subárea profissional
é reveladora do sexismo na arquitetura.
No mundo capitalista, o sexismo que lhe
é estruturante acaba por impor menores
remunerações a estas subáreas em
comparação ao projeto arquitetônico, onde
há, destarte, uma dominação masculina,
melhores salários e maior reconhecimento
público. Ao contrário, a supervalorizacao
da edificação é própria de um mundo
mediado pela mercadoria, pois o objeto
arquitetônico falocentrado é uma síntese
da arquitetura-mercadoria, sendo por
isso mesmo tão valorizado e cultuado
no patriarcado - racista - capitalista
Pedro Arantes em seu livro “Arquitetura na
Era Digital-Financeira” nos fornece pistas

40
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

41
dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

valorosas sobre o fetiche da exuberância


formal decorrente de uma arquitetura
exclusiva e assinada por grandes arquitetos
“da moda”, cujo nome já é capaz de impregnar
valor a operações rentistas. A edificação-
falo garante, assim, a renda monopolista
intrínseca à forma arquitetônica única
e espetacular concebida por arquitetos
brancos burgueses urbanos do norte
global. Provavelmente seja este o motivo
de no mundo socialista soviético as
arquitetas mulheres se destacarem nas mais diversas áreas
de atuação profissional, inclusive em projeto de edificações,
coordenando a concepção e construção de edifícios públicos,
fábricas, usinas de energia, vilas e bairros inteiros na URSS.
As diversas práticas arquitetônicas e atuação
profissional distantes do objeto-falo-mercadoria são
ignoradas, desprezadas, subalternizadas ou sequer são
nomeadas. Resgatar a experiência das mulheres arquitetas
da revolução russa, portanto, é um ato de resistência,
ressignificação e inovação tanto para reinserir um debate
sobre produção de espaço não pautada pelo capital,
como para apontar possíveis caminhos criativos para a
arquitetura de nosso tempo. Realizar essa sociologia das
ausências, contudo, impõe enormes desafios, posto que é
extremamente difícil obter no ocidente informações sobre
arquitetura soviética, especialmente quando o tema é
atravessado pela subalternização das mulheres. Em outras

42
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

palavras: ainda que custoso, é mais fácil


conhecer Mosei Ginzburg, Konstantin
Miélnikov e Ivan Nikolaev do que as
arquitetas mulheres desse período.
Um dos casos mais emblemáticos desta
invisibilização é o da austríaca Margarete
Schütte-Lihotzky, responsável pela
revolucionária cozinha de Frankfurt, um
marco na história do espaço doméstico.
Foram construídas cerca de dez mil
cozinhas nos anos 1920, um fenômeno
da produção em série. Contudo, a cozinha foi apagada da
Solução de cor para um plano de parede, 1928
Vera Kolpakova

história da arquitetura ou, pior, creditada equivocadamente


a Ernst May, erro cometido inclusive por Leonardo Benévolo,
cujos livros são bibliografia básica em grande parte dos
cursos de arquitetura e urbanismo no Brasil. Margarete
Schütte-Lihotzky foi uma reputada arquiteta comunista
que começou sua trajetória na Alemanha de Weimar. Com
a ascensão do nazismo no país, ela emigrou para a União
Soviética, onde morou e trabalhou de 1930 até 1933 e
por este motivo foi incluída na nossa seleção, junto às
arquitetas Lydia Komarova, Liubov Zaliêsskaia e Tamara
Katsenelenbogen todas formadas pelos VKHUTEMAS, que a
despeito de complementarem 100 anos em 2020, ainda são
extremamente pouco conhecidos no ocidente e também junto
a Nina Vorotyntseva, egressa do Instituto de Engenheiros
Civis de Moscou.

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

LyDIA KOMAROVA 1902-2002


A arquiteta Lydia Komarova foi
das mais importantes arquitetas
do construtivismo russo. Egressa
dos VKHUTEMAS, ela é uma das
primeiras arquitetas do país, num
curso que até então só era acessível
aos homens. Durante seu percurso
acadêmico se aprofundou nas
principais correntes vanguardistas
do período, tendo se afiliado à OSA
[Sociedade de Arquitetos Contemporâneos], corrente do
debate soviético que mais se dedicou à defesa da coletivização
da vida familiar, em especial, na pesquisa sobre moradia e
na concepção dos “condensadores sociais”. Komarova foi
uma das editoras da Sovremiênnaia Arkhitektura [Revista
Arquitetura Moderna], publicada pela OSA.

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Trabalho de graduação: Sede para a III Internacional Comunista, 1929


Lydia Komarova

Um de seus projetos mais conhecidos no ocidente é o


edifício para a sede da III Internacional de Moscou, de 1929, um
complexo administrativo de grande porte, que apresentou
como trabalho de graduação. Audacioso e inovador, o
desenho em anéis circulares maciços e concêntricos que
compõem o edifício teria inspirado Frank Lloyd Wright em
seu projeto para o Museu Guggenheim, nos eua, em 1959. Este
projeto foi publicado em diversas revistas internacionais,
fazendo com que Komarova de alguma maneira viesse a ser
reconhecida no ocidente pelos seus desenhos expressivos.
Nesta fase vanguardista, ela também apresentou projeto para
o concurso do Palacio dos Soviets, em 1932, em colaboração
com I. Vainshtein e Y. Mushinksy.
45
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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Trabalho de graduação: Sede para a III Internacional Comunista, 1929


Lydia Komarova
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Infelizmente, muitos de seus projetos vanguardistas


não foram construídos. Com a ascensão de Stalín, os edifícios
passaram a ser majoritariamente no “estilo imperial”. Não
obstante, a arquiteta continuou trabalhando no país nas
décadas seguintes, com diversos projetos construídos,
entretanto, sem relação com o debate dos anos 1920. Em
1947, a arquiteta integrou o GIPROVUZ [Instituto Estatal
para Projeto das Instituições Superiores de Ensino], tendo se
especializado em edifícios para a Educação, com destaque
para seus projetos para o Instituto Politécnico de Karaganda,
Instituto de Mineração de Kemerovo e o edifício principal
do Instituto Tecnológico de Moscou. Em 1984, a arquiteta
foi reconhecida como “Arquiteta Honorífica da República
Socialista Soviética” e em 2002, o Museu Shchusev celebrou
o seu centésimo aniversário com uma exposição de sua obra,
na qual a arquiteta estava presente!

Universidade Técnica de Karaganda, 1947


Lydia Komarova

47
dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

LIUBOV ZALIÊSSKAIA 1906-1979


Liubov Zaliêsskaia foi uma importante
paisagista socialista egressa dos
VKHUTEMAS. Em seu projeto de
conclusão de curso, uma proposta para o
Parque da Cultura e Lazer, sob orientação

Plano geral do Parque da Cultura e Lazer, 1929


de Nikolai Ladovsky, já estavam
presentes os princípios norteadores de
sua trajetória profissional e acadêmica,
como o estímulo à experiência da
paisagem por meio de um sistema de
rotas e perspectivas. Em 1929, a arquiteta integrou a equipe
de desenho de parques públicos do Conselho Central de

Liubov Zaliêsskaia
Design e Gerenciamento, quando pode realizar o desenho
paisagístico para o Parque Górki – destinado à Cultura e
Lazer, objeto de sua graduação, que constitui desde então um
marco para os espaços públicos socialistas.

48
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Nos anos seguintes Zaliêsskaia se incorpora ao


escritório de projetos do Comissariado de Serviços Públicos,
onde projetou parques urbanos de várias cidades: Cheliábinsk,
Stalinogorsk (Novomoskovsk), Yegórievsk, Novgorod, Minsk
e Chardzhou (Türkmenabat). No mesmo período se juntou
à ASNOVA [Associação dos Novos Arquitetos] e participou
de vários concursos de arquitetura para edifícios públicos e
para o jardim botânico.

Plano geral do Parque da Cultura e Lazer em Novgorod, 1935


Liubov Zaliêsskaia

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

A partir de 1939 Zaliêsskaia


leciona no Instituto de Arquitetura
de Moscou disciplinas como história
dos jardins e parques, desenho da
paisagem, desenho arquitetônico e
urbanismo. Durante a II Guerra Mundial,
a arquiteta atua profissionalmente nas
repúblicas soviéticas da Ásia Central,
desenvolvendo paisagismo e casas
comunais. Essa experiência foi objeto
de sua tese de doutorado que resultou
no livro “Reverdecimento das Cidades
de Ásia Central”, publicado em 1949.
Sua conferência “Paisagismo da
Capital”, de 1952, é um marco no debate
de questões ecológicas em centros
urbanos, a partir da discussão
acerca da implantação de parques
e reservas arborizadas nas cidades.
A partir destas reflexões, a arquiteta
publica o livro “Esvedear as Cidades”,
em parceria com Vera Aleksándrova,
em 1957, até hoje referência no
paisagismo urbano. No final dos anos
1960, Liubov Zaliêsskaia colabora
na criação do Departamento de
Arquitetura da Paisagem do Instituto
de Arquitetura de Moscou, que dirigiu
até o final de sua vida, em 1979.

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Projeto para habitações e escritórios, VKHUTEMAS, 1926


Liubov Zaliêsskaia

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Projeto para teatro, 1932


Liubov Zaliêsskaia e equipe

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

NINA VOROTYNTSEVA 1900-1930


Nina Vorotyntseva, egressa do Instituto
de Engenheiros Civis de Moscou, foi uma
arquiteta pioneira na busca de novos
modelos espaciais – da moradia à fábrica
– em resposta à realidade socialista.
Recém-formada, a arquiteta colaborou
com a fundação da OSA [Sociedade de
Arquitetos Contemporâneos] em 1925,
tendo apresentado trabalhos para a I
Exposição de Arquitetura Moderna de
Moscou, organizada em 1927 pela revista. Nesse período, a
arquiteta também realizou diversas pesquisas sobre
habitação, que iriam embasar o desenvolvimento
dos “condensadores sociais”. A partir desse trabalho
investigativo precursor, Vorotyntseva participou, com
a arquiteta Raisa Pollyak, do concurso para propostas
de moradia comunal, as dom-kommuna, de 1926. O
debate da arquiteta junto à OSA foi fundamental para
mostrar as distintas possibilidades de organização
do espaço doméstico de uma sociedade comunista,
considerando as variáveis econômicas, coletivas,
zonas comunais e facilidade de construção, além,
evidentemente, de mostrar a importância de se investir
em pesquisas na área.
Em paralelo a seu interesse pela habitação, a
arquiteta trabalhou em novos modelos para edifícios
industriais nos escritórios do Stromstroy, ligados
54
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

ao Conselho Econômico Supremo da URSS. Junto a V.


Vladimirov e com a consultoria de L. Vesnin, Vorotyntseva
foi responsável pelo projeto da fábrica de cimento de
Kaspi, construída em 1929. Nesse mesmo ano realizou um de
seus trabalhos mais significativos, o Instituto de Medicina
Experimental Veterinária de Moscou, em colaboração com V.
Vladimirov. Em 1930, a revista Sovremiênnaia Arkhitektura
anunciou sua morte prematura. Com apenas seis anos de vida
profissional, sua contribuição para os debates fundantes da
arquitetura voltada para a construção da sociedade socialista
soviética é inegável e pungente.

Instituto de Medicina Veterinaria em Moscou, 1929


Nina Vorotyntseva

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Proposta para Concurso Amistoso1


de habitações comunais, 1926
Nina Vorotyntseva e Raisa Pollyak

1
Adaptado de: D. MOVILLA; C. ESPEGEL. “Hacia la nueva sociedad comunista:
la casa de transición del Narkomfin...”. N9 “Hábitat y habitar”. Noviembre 2013.
Universidad de Sevilla. ISSN 2171–6897 / ISSNe 2173–1616 DOI: http://dx.doi.
org/10.12795/ppa.2013.i9.02

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Concurso para a nova cidade de Magnitogorsk, 1930


Moisei Okhitovich, Mikhail Barshch, Nikolai Sokolov,
Viacheslav Vladimirov, Nina Vorotyntseva

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

TAMARA KATSENELENBOGEN 1894-1976


Tamara Katsenelenbogen
estudou na primeira
instituição superior para a
educação técnica de mulheres
do Império Russo, o Instituto
Politécnico de Mulheres de São
Petersburgo, tendo se graduado
em arquitetura em 1916,
uma das primeiras mulheres
arquitetas da Rússia. Todavia,
as profundas transformações
sociais e tecnológicas
daqueles anos a motivaram
a regressar aos estudos em
1919, concluindo uma segunda
graduação em arquitetura em 1923, pelo VKHUTEMAS de
Petrogrado. Recém-formada, Katsenelenbogen integrou a
equipe do arquiteto Grigori Simonov, tendo colaborado na
conceitualização e construção experimental de alguns dos
primeiros Zhilmassive - projetos de urbanização massiva –
no contexto de reconstrução da periferia de Leningrado,
junto à projetos-piloto para moradias de baixo custo
para a classe trabalhadora. O escritório de Leningrado do
STROIKOM (Comité para a Construção Estatal) selecionou
seus projetos-piloto para serem executados, atendendo a
quase 2 mil pessoas em regime comunal de moradia.

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Conjunto habitacional Kondratievsky, foto em vermelho à esquerda em 1940, foto à


direita em 2020 (foto deYuri Aleksandrov) e foto abaixo em 2015 (foto de Victor M.)

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Merecem destaques ain-


da seus projetos habitacionais
dos zhilmassive de Bateninsky
e do Bolchevique, e a Casa dos
Profissionais, concluída em
1937. A partir da década de
1930 muitos de seus projetos,
à semelhança do ocorrido com
Lydia Komarova, passam a ado-
tar uma linguagem neoclássica,
atendendo à nova política de
estado para a estética.
60
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Conjunto habitacional Kondratievsky, acima e ao lado, sem data


Autoria desconhecida

Casa dos profissionais, sem data


Autoria desconhecida

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

MARGARETTE SCHÜTTE-LIHOTZKY
1897-2000

A austríaca Margarette Schütte-


Lihotzky foi a primeira arquiteta mulher
em seu país. Em seu aniversário de 100
anos confessou aos e às presentes que em
“1916 ninguém teria concebido a ideia de
uma mulher ser responsável por construir
uma casa, nem mesmo eu”. Desde a
graduação, Schütte-Lihotzky já ganhava
prêmios por seus projetos e demonstrava
profundo respeito pelo modo de
vida das pessoas; a proximidade com os trabalhadores e
trabalhadoras pobres a fez dedicar sua vida profissional
a projetar para as massas. A arquiteta participou e foi
responsável por vários projetos de habitação de interesse

Projeto para unidade habitacional na URSS, 1934


social logo após a I Guerra Mundial, sendo especialmente

Margarete Schütte-Lihotzky e Hans Schimdt


conhecida por conceber a “cozinha de Frankfurt”, nos anos
1920, projeto muitas vezes erroneamente creditado a Ernst
May, como já mencionamos.

62
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Curta-metragem de Paul Wolff


A cozinha de Frankfurt, 1927
A cozinha de Frankfurt, num estreito espaço de 1,9
x 3,4 metros, foi a primeira cozinha planejada do mundo,
desenvolvida com base no taylorismo para aumentar a
eficiência dos movimentos para o preparo da comida,
diminuindo o esforço necessário para a tarefa. Desenhada
para aproveitar ao máximo o espaço limitado disponível nos
apartamentos dos trabalhadores e trabalhadoras da década
de 1920, o modelo foi implantado em mais de 10 mil unidades
habitacionais na Alemanha e seus princípios são observados
no planejamento das cozinhas domésticas até os dias de hoje.
Mais tarde a arquiteta afirmaria que “estava convencida
de que a independência econômica e a autorrealização das
mulheres seriam um bem comum, e que, portanto, uma maior
racionalização do trabalho doméstico era um imperativo”.
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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Ao contrário de muitos arquitetos con-


temporâneos a seu início de carreira, os quais
basicamente atendiam às elites, Schütte-
-Lihotzky optou por defender uma arquite-
tura social, com o objetivo de melhorar as
condições de vida da classe trabalhadora.
Comunista e ativista antifascista, a arquiteta
se juntou à “Brigada May” na União Soviéti-
ca, única mulher numa equipe de quase vinte
profissionais. A brigada chegou a planejar de-
zenas de cidades no interior da URSS. Após a
experiência soviética, a arquiteta comunista
trabalhou na Turquia, de 1938 a 1941, onde fez
projetos para escolas infantis em acordo
com o método Montessori. Ela esteve presa
durante a II Guerra, de 1941 a 1945, quando
foi surpreendida pela Gestapo numa missão
secreta na Áustria, como mensageira da resis-
Reprodução da cozinha de Frankfurt, 1927

tência.
Logo depois da guerra, Schütte-Lihotzky
teve dificuldades de trabalho em seu país
natal, apesar da necessidade de reconstrução,
Margarete Schütte-Lihotzky

por conta de suas ligações comunistas.


Entre as décadas de 1950 a 1970 a arquiteta
prestou consultoria à Cuba, China e RDA.
Apenas no final dos anos 1970 seu trabalho
foi reconhecido na Áustria, primeiro como
ativista e depois, nos anos 1980/1990, como
arquiteta. Ela atuou ainda como urbanista

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

e planejadora, com ampla


participação nos CIAM –
Congresso Internacional
de Arquitetura Moderna e
foi militante da Federação
de Mulheres Democráticas
da Áustria. Mantendo
suas convicções políticas
até o fim de sua vida, em
1985 a arquiteta publicou
o livro ““Erinnerungen
aus dem Widerstand, das Casas 61 e 62, Werkbundsiedlung Viena, 1932
Foto de Martin Gerlach
kämpferische Leben einer
Architektin von 1938-1945”
(Memórias da resistência,
a luta da vida de uma
arquiteta de 1938-1945),
sobre sua experiência junto
à resistência e durante
sua prisão nos campos de
concentração nazistas. Jardim de infância no 1 em Novokuznetsk,
URSS, 1932

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

De modo sintético apresentamos


estas cinco arquitetas, com a intenção de
instigar a curiosidade e vontade no leitor
e leitora para melhor conhecerem as
arquitetas e a arquitetura da revolução. É
cada vez mais urgente retomarmos nossa
capacidade de conceber um mundo fora
dos auspícios do patriarcado-racista-
capitalista, missão para qual o resgate
das mulheres arquitetas da revolução e
todo o rico debate subjacente é fulcral.
É hora de ficarmos com a arquitetura e
com a revolução!

Para saber mais:


Livro Vkhutemas
de Neide Jallageas e Celso Lima

The Charnel House


Alojamento para https://thecharnelhouse.org
mulheres solteiras, 1928

Un día, una arquitecta


https://undiaunaarquitecta2.wordpress.com

In_visibilidad de las mujeres en la


arquitectura
https://www.facebook.com/
InVisibilidadDeLaMujerEnLaArquitectura

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

68
APROXIMAÇÕES AO
CINEMA SOVIÉTICO
FEITO POR MULHERES
Nina Tedesco - ADUFF
Doutora em Comunicação. Professora do Departamento de Cinema e Vídeo e do
Programa de Pós- Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal
Fluminense.

Em agosto de 2017, a ADUFF lançou o edital “Ciclo 100 Anos


da Revolução Russa”. Ao invés de promover uma atividade
própria sobre este “marco do protagonismo dos trabalhadores
na construção de uma sociedade sem exploração e
verdadeiramente igualitária e livre”, a seção sindical preferiu
convidar “todos e todas docentes da Universidade Federal
Fluminense a realizarem atividades como palestras, debates,
exposições, exibições de filmes entre outras que tenham
como tema a Revolução Russa e as múltiplas questões por ela
suscitadas”. Entre as atividades selecionadas no edital estava
a mostra Cinema Soviético de Mulheres, proposta por mim.

Esfir Shib, 1932


Autoria desconhecida

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Vale destacar que, em seus primeiros anos, a


Revolução Russa representou um enorme avanço na luta
pela emancipação das mulheres. O país revolucionário foi
primeiro do mundo a garantir o aborto legal e gratuito, a
facilitar o divórcio, a reconhecer outras formas de união para
além do casamento formal e os direitos dos filhos ilegítimos,
entre outras conquistas, como apontou Alexandra Kollontai
em seus textos de 1918 e 1921, reunidos livro “Nova Mulher
e a Moral Sexual”, publicado no Brasil em 2011. Com a
ascensão de Stálin, boa parte das leis que garantiam as
condições de desenvolvimento das mulheres foi alterada ou
revogada. Ainda assim, as mulheres da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas tiveram, ao longo de suas décadas
de existência, acessos pouco comuns a direitos, mesmo nos
países ocidentais considerados mais “avançados”.
Na indústria cinematográfica, estruturada naquela e
estruturante daquela sociedade que passava por profundas
transformações, o complexo fenômeno das mulheres na
URSS se manifestou tanto atrás das câmeras, posto que
o país teve muitas diretoras em sua história, quanto nas
narrativas e personagens levadas às telas. Foi pensando
nisso que propusemos ao edital da ADUFF a mostra Cinema
Soviético de Mulheres, realizada na Faculdade de Direito da
UFF, entre os dias 28 a 30 de novembro de 2017. Diante
das muitas possibilidades de curadoria que se apresentavam,
optamos por construir um panorama, certamente incompleto,
mas muito representativo, sobre as cineastas da URSS e o
que foram capazes de fazer.

70
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Para abrir a mostra, escolhemos o filme “Queda


da Dinastia dos Romanov” (1927), de Esfir Shub. Neste
documentário, fica evidente porque Shub é figura fundamental
para a montagem cinematográfica e para o chamado cinema
de compilação, e precisa ser mais estudada e reconhecida
do que foi até agora. Em nossa segunda sessão, exibimos “A
Aldeia do Pecado” (1927), de Olga Preobrajiénskaia. Neste
longa-metragem de ficção, esta pioneira russa, que iniciou
sua carreira mesmo antes da Revolução de Outubro, mostra
a violência de gênero recorrente na Rússia do início do
século XX e também a emergência d’A Nova Mulher soviética.
Da década de 1920, damos um salto para nos
encontrarmos com “A Epopeia dos Anos de Fogo” (1961), de
Iúliia Solntseva, primeiro filme de cineasta mulher a receber
a Palma de Ouro de Melhor Direção no Festival de Cannes.
Muito associada à trajetória de seu marido, o realizador
Aleksandr Dovjenko, Solntseva também demonstrou
importantes características próprias, as quais ainda carecem
de visibilidade. Dos mesmos anos 1960, programamos “Três
Álamos na Rua Pliuchtchikha” (1968), de Tatiana Lióznova.
Suas personagens, que explicitavam as contradições de ser
mulher na URSS, levaram milhões de pessoas às salas de
cinema. O filme teve uma bilheteria de mais 26 milhões
de expectadores e expectadoras. Para encerrar a mostra,
optamos por “Síndrome Astênica” (1990), de Kira Morátova,
uma realizadora experimental e muito censurada, que passou
por diversas fases em sua longeva carreira. É provavelmente
a única diretora soviética que teve uma retrospectiva no
Brasil, no Indie Festival de 2015.

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Ao longo do evento, ficou evidente para


as participantes que era mais do que necessária
uma publicação que tentasse materializar o que
foram aquelas tardes e noites de espectatorialidade
e debates1. Como resultado, organizamos o livro
“Cinema Soviético de Mulheres”, que finalmente será
publicado neste ano de 2021, com capítulos escritos
principalmente por pesquisadoras mulheres: “A
revolução será feminista ou não será: o legado marxista
para a emancipação das mulheres”, de Ana Carolina
Brandão Vazquez; “Entre a antiga e a Nova Mulher:
uma análise de As babas de Riazan”, de Thaiz Senna;
“Esfir Shub: editando el sentido de la revolución”, de
Pablo Fontana; “Mulheres, projeto não realizado de
Esfir Shub”, de minha autoria; “Lares opressores e
mulheres no cinema de Tatiana Lióznova”, de Camila
Vieira da Silva; “A terra prometida”, de Juliana
Costa; “Diretora interrompida: a radicalidade lírica
de Larissa Chepítko”, de Paula Vaz de Almeida; “A
mulher soviética no pós-guerra: uma análise de Asas,
de Debora Kaizer; e “A arte desnecessária de Kira
Murátova”, de Ekaterina Vólkova Américo”.

Queda da Dinastia dos Romanov, 1927


Esfir Shub

1
Agradecemos muito às nossas debatedoras, fundamentais para que
conseguíssemos não apenas exibir filmes, mas também refletir de
forma qualificada sobre eles: Ana Carolina Brandão Vazquez, Camila
Vieira da Silva, Fran Rebelatto, Juliana Costa, Liziane Correia, Taiani
Mendes, Samantha Brasil, Thaiz Senna e Vanessa Teixeira de Oliveira.

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Tatiana Lióznova durante as filmagens de


“17 momentos da primavera”, 1973 Foto: RIA Novosti
Um dos principais debates que propomos no livro
é a impossibilidade de pensar o cinema soviético quando se
fica limitado aos seus nomes consagrados – os quais, como
em quase todos os cânones, são apenas de homens. Não é
mais aceitável seguir ignorando Olga Preobrajiénskaia,
Esfir Shub, Tatiana Lióznova, Iúliia Solntseva, Larissa
Chepítko, Kira Murátova e tantas outras. A importância
das diretoras da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
foi reconhecida pelo público, pela crítica e pelos festivais
há várias décadas, e a influência de suas obras é visível na
produção contemporânea de diversos países que integraram
a URSS. Outro aspecto que nos orientou foi a necessidade
de articular, a cada capítulo, indústria cinematográfica,
questões de gênero e sociedade. Não acreditamos que em
uma publicação com o tema cinema soviético de mulheres

74
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

algum destes aspectos possa ser pensado separadamente.


E, no que tange à sociedade soviética, fizemos uma análise
rigorosa das fontes utilizadas para escapar tanto das visões
acríticas quanto das demonizadoras de um grande número
de autores e autoras.
Foram muitas as questões pessoais e políticas as
quais impediram que o livro fosse lançado antes. No entanto,
acreditamos que seus nove capítulos serão uma grande
contribuição para o público brasileiro compreender melhor as
questões de gênero na URSS, a partir das mulheres de cinema.
Tais questões sem dúvida alguma trazem particularidades por
pertencerem a uma sociedade que viveu uma revolução como
a de 1917. Ao mesmo tempo, há nelas certa universalidade
que permite pensar sobre realidades vividas por mulheres
em todo mundo ainda hoje.
Kira Muratóva na filmagem de
“Mudança de Destino, 1985 Foto: Royzman

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

A Aldeia do Pecado, 1927


Olga Preobrajiénskaia

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Alexandra Kollontai fala na tribuna da


2ª Conferência Internacional de Mulheres, 1921
RIA Novosti

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AMOR E REVOLUÇÃO
EM ALEXANDRA
KOLLONTAI
Élen Schneider - sesunila
Doutora em sociologia. Docente do ILAESP.

Mesmo transcorridos cento e três anos da Revolução


Russa, de 1917, Alexandra Kollontai, em russo, Алекса́ндра
Миха́йловна Коллонта́й, segue sendo uma inspiração de
ciência e coragem para revolucionar a vida e a realidade. Sua
teoria revolucionária gesta esperança, nos recordando que o
sonho da revolução já foi uma realidade concreta para as
mulheres trabalhadoras, mães e empobrecidas pelas crises
sociais, políticas e econômicas em algum lugar do mundo.
Apesar das contradições encontradas nos textos de Alexandra
Kollontai, devido ao seu contexto histórico, seus escritos e
práticas ainda são vanguarda. Assente numa vida de luta, ela
escrevia para o futuro. Como uma das principais ideólogas da
Revolução Russa, Kollontai enfrentou duramente a noção
burguesa e patriarcal de amor, problematizou a livre
sexualidade das mulheres e alocou as relações afetivas,
de reprodução e criação no centro da consolidação da
revolução, um fator que dá ainda mais sentido para trazer
seus escritos ao presente, sobretudo a partir da obra “A Nova
Mulher e a Moral Sexual”, publicado em 1918.

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Consciência de classe, sensibilidade à superexploração


de trabalhadoras e trabalhadores, à fome e à guerra que
acometia o seu povo e vários outros países, são alguns dos
elementos vividos que levaram Kollontai a ser comunista e
seguir construindo a organização de mulheres trabalhadoras
livres, na Rússia. Em março de 1917, ao retornar do exílio
imposto pelo regime czarista, ela encontra um cenário
revolucionário e de forte organização das mulheres
trabalhadoras, como as greves das trabalhadoras em
fevereiro, que certamente foi um disparador da Revolução
de Outubro, juntamente com a decisiva marcha de oito
de março, na qual as mulheres reclamavam apoio dos
operários e soldados para a luta. Sabemos que as mulheres
não eram nem 30% das trabalhadoras até 1905. No entanto,
em 1917, elas já eram praticamente a metade das pessoas
trabalhadoras.
Durante o período inicial da consolidação da revolução,
Kollontai ocupou a função de Comissária do Povo ao Bem-
Estar Social, sendo uma das dezessete principais lideranças
do país, junto à presidência de Lênin. Os sentimentos,
as relações sociais de camaradagem e a socialização do
trabalho doméstico e da maternidade, foram seus temas
centrais em “nova moral sexual” e “o amor camaradagem”.
Seus ideais revolucionaram as vidas de muitas mulheres. A
Rússia foi o primeiro país do mundo, em 1920, a legalizar o
aborto em todas as circunstâncias e de forma gratuita1,
em decreto escrito por Kollontai; assim como o direito ao
divórcio, a criação de lavanderias e restaurantes públicos e
comunitários, creches, igualdade no código trabalhista, entre

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

outras revoluções que instigavam a mudança, em médio


prazo, da cultura campesina/patriarcal e das concepções
de família burguesa. Ela defendia transformar o trabalho
doméstico em trabalho social, uma atividade essencial para
a sociedade russa.
Naquele momento e contexto da Revolução Russa,
Kollontai recobrou o sentido das mulheres como seres
coletivos, como sujeitas comunitárias e como dirigentes.
Nessa acepção, as revolucionárias russas fizeram importante
enfrentamento ao feminismo burguês, que mundialmente
estava reivindicando questões individuais e de manutenção
da burguesia, pautado pelo sufrágio e pela igualdade no poder
(dos homens), sem sequer tocar no trabalho doméstico
e nos fardos da reprodução social e da maternidade
desassistida. Era violenta a postura das mulheres burguesas
que seguiam empenhando-se pela representatividade no
poder, enquanto a maioria da população aguentava a fome e
sobrevivia à miséria e ao desemprego massivo.
O aporte de Alexandra Kolontai para a revolução
Russa vai mostrar que a reprodução da “vida cotidiana”, “vida
privada”, ou “vida pessoal” tem a ver com a luta de classes
e quais relações teriam as alianças afetivas da família, as
relações amorosas, a moral sexual, com a luta revolucionária.

1
Entretanto, em 1936 a Rússia liderada por Stalin, volta a criminalizar o aborto
e devolver para o centro da política a defesa da família, nos moldes semelhantes
à família burguesa. Este é também o ano de morte simbólica de Alexandra
Kollontai, que permaneceu praticamente exilada em carreira diplomática até a
sua morte, em 1952. Sob o comando de Stalin nove ex-Comissários do povo
foram executados em 1937-1938. Apenas três comissários do povo, da formação
com a presidência de Lênin, permaneceram vivos após 1938. É somente em
1954 que o aborto volta a ser descriminalizado e ainda enfrenta questionamentos
ortodoxos e conservadores.

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Nova Moral Sexual


e Amor Camaradagem

Até 1921, a Rússia ainda tinha um patriarcado campesino


que influenciava consideravelmente a sociedade. Por este
motivo, as relações patriarcais/capitalistas de exploração
ainda não estavam tão arraigadas como as conhecemos
hoje, evidenciadas no mito do amor materno, ou instinto
materno, na família burguesa autocentrada ou na exploração
no trabalho patriarcal e racista. Com as crises desde 1915,
as famílias russas estavam rompendo-se, e o capitalismo
começava a deteriorar as relações afetivas. Nesse contexto e
no pós-revolução, Alexandra Kollontai pondera: por que não
criar uma sociedade na qual a unidade não seja familiar,
mas sim comunal?
Dessa forma, em “Nova Mulher e a Moral Sexual”,
Kollontai enfrentou a ideologia burguesa, calcada na
solidão moral, no individualismo, na concorrência e no
egoísmo. Especificamente no seu texto “O amor e a nova
moral” a teórica marxista explicitou como a moral sexual
contemporânea está destinada à posse e à escravização das
mulheres ao matrimônio, fundamentado em conceitos da
hipocrisia burguesa: a indissolubilidade, as leis ou a moral
do casamento para a vida toda; e a propriedade, a posse
absoluta de um dos cônjuges pelo outro. Apesar do discurso
corrente valorizar as escolhas individuais na vida privada,
a autora demonstra que a dupla moral burguesa consistia
em negar às mulheres, os privilégios sexuais individuais dos
homens, já que a sociedade burguesa não podia considerar
82
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

as mulheres como independentes da célula da família. Isto


é, se um homem intelectual burguês, cientista ou político, se
apaixona e até casa com a sua cozinheira, a sua personalidade
não era questionada pela sociedade. No caso de uma mulher
fazer o mesmo, “nossa hipócrita sociedade burguesa julgará
sua escolha da seguinte forma: até onde desceu essa mulher?”
Alexandra Kollontai demonstra como o amor adquiriu
diferentes concepções hegemônicas e funções políticas
no decorrer da história, já que deixou de ser um instinto
biológico de reprodução e passou a corresponder a uma
“pressão monstruosa das relações econômicas e sociais”.
Assim também se criam ideais de relações sexuais e famílias,
como por exemplo, a família artesã da idade média, que era
uma unidade de produção, regida não pelo amor, mas pelo
trabalho. O amor começa a aparecer com a moral burguesa,
quando a família se torna uma “unidade de consumo e guardiã
do capital acumulado”, ou seja, tirava-se proveito do amor
como um meio de consolidar laços familiares.
O amor no capitalismo é o da posse absoluta,
não somente do corpo, mas da alma, das vontades e dos
desejos do outro ou da outra. Para Kollontai, os homens
daquele tempo eram formados pela prostituição e estavam
acostumados a submeter com carícias forçadas, sem
“nem sequer tenta[r] compreender a múltipla atividade
a que se entrega a mulher amada durante o ato sexual”.
O amor verdadeiro, considerado por ela saudável e
engrandecedor, chocava-se com o mundo individualista.
Kollontai entendia que num contexto em que prevalece a
moral da propriedade individual, é difícil que o amor livre

83
dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

seja suficientemente forte para ajudar aquela sociedade a sair


da crise da moral sexual a qual enfrentava. A colaboração,
essencial na sociedade feudal e da sua economia comunal, foi
ultrapassada pelo princípio da concorrência da propriedade
privada. A humanidade teria ficado perdida, durante vários
séculos, entre os dois códigos sexuais e apenas uma parte da
população teria experimentado a crise sexual. O campesinato
da Rússia teria vivenciado a crise sexual somente de forma
indireta, pois ficou aferrado aos códigos morais tradicionais
e burgueses.
Por essa razão, Kollontai refutou as relações sexuais
de união livre naquele então, já que “o homem atual não tem
tempo de amar”, pois a união livre demandaria demasiado
tempo, sendo complicada naquele ambiente de tamanha
exploração, no qual as pessoas trabalhavam onze a doze
horas por dia. Nas palavras de Kollontai: “nossa sociedade,
fundada sobre o princípio da concorrência, sobre a luta, cada
vez mais dura e implacável, pela subsistência, para conquistar
um pedaço de pão, um salário ou um ofício, não deixa lugar
ao culto do amor”. Entretanto, “a tentativa dos intelectuais
burgueses de substituir o matrimônio indissolúvel pelos
laços mais livres, mais facilmente desligáveis [...] atinge as
bases da estabilidade social da burguesia”, que são a família
monogâmica baseada no conceito de propriedade.

Soldados do Exército Vermelho dão beijo fraternal camarada pós derrota do


nazismo, ao fim da Segunda Guerra Mundial, imagem de Stalin ao fundo, 1945
Autoria desconhecida

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Já na classe operária, a maior liberdade na união, era


para Kollontai totalmente compatível com as suas tarefas
históricas fundamentais e até derivariam dessas tarefas. Um
membro da sociedade proletária deveria atuar em greves,
participar em todo momento possível da luta e em tarefas
comunitárias e públicas.
Essa conduta implicaria em relações livres e de solidariedade,
sem que as mulheres estivessem presas aos compromissos
da família de modelo burguês, responsáveis pela reprodução
social. A revolução da moral sexual consistia em acumular
potencial de enfrentamento à crise moral, para combater,
nas relações proletárias, o egocentrismo extremado, a
ideia de propriedade das pessoas entre si e o conceito da
desigualdade entre os sexos no aspecto psicofisiológico.
O amor revolucionário seria nutrido pela revolução da
moral sexual e das relações afetivas e familiares. O amor
camaradagem seria a consequência de uma reeducação das
relações afetivas, criando uma psicologia voltada ao público
e ao coletivo, o que exigiria certo acúmulo e também a
direção das mulheres, como coletividade, na construção da
nova moral sexual. Igualmente, tal amor compunha a ideia
de solidariedade para além de um conjunto de interesses,
como “laços sentimentais e espirituais estabelecidos entre
os membros da mesma coletividade trabalhadora”, levando a
sociedade a desenvolver uma capacidade para o potencial do
amor. “A ideologia proletária procura educar e reforçar em cada
um dos membros da classe operária sentimentos de simpatia
diante dos sofrimentos, das necessidades dos seus camaradas
de classe” e daí derivaria a capacidade de amar.

86
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Sob esta perspectiva, necessariamente haveria a


desaparição da família nos moldes patriarcais e burgueses.
O amor materno e filial como era dado, também deveria
desaparecer. As comunidades seriam a unidade social.
Kollontai sabia que haveria muito temor nessa revolução, em
especial por parte das mulheres, medo da violência dos homens,
ou da violência e possível desamparo que sofreriam seus filhos
e filhas.

A transformação do trabalho
doméstico e de cuidados
em trabalho social

O ideal do amor da classe operária estaria baseado na


colaboração no trabalho. Kollontai percebeu, nesse momento
histórico de crise e revolução, que o trabalho doméstico, como
a maternagem, paternagem, a alimentação, higienização,
cuidados de saúde etc, é trabalho social, com atividades que
ampliam o entendimento da prática de reprodução social.
Portanto, este não é um trabalho somente biológico ou de
atividades cotidianas nas quais a divisão sexual e desigual do
trabalho imperam sobre as mulheres. Pelo contrário, constitui-
se em tarefas físicas, emocionais e mentais, necessárias para
a manutenção da vida social. Essa manutenção da vida social
seria organizada através das comunidades, e não somente
pelas mulheres.
87
dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

A revolução significaria, consequentemente, perder


o privilégio da propriedade privada das mulheres: do tempo
delas, das jornadas de trabalho delas, da decisão sobre seu
tipo de trabalho, suas tarefas sociais, sua sexualidade...
Atualmente, a manutenção da força do trabalho é feita de
forma não paga (ou mal remunerada) e não valorizada social
e economicamente e continua sendo realizado massivamente
pelas mulheres, a medir pelo aumento destas no trabalho
informal, precarizado e flexibilizado. No capitalismo colonial
e/ou dependente na América Latina, temos visto agravarem-
se as desigualdades através do racismo e das relações sociais
ainda patriarcais.
Mesmo com a socialização do trabalho doméstico,
através das várias políticas iniciadas na Rússia, as tarefas
da casa de uma família proletária seguiam sendo realizadas
por mulheres nos serviços públicos. Essa contradição
demonstrou que a mudança não poderia vir de um quadro
capitalista com bases patriarcais, criado pelos homens.
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a Rússia capitalista/
patriarcal/campesina se dissolvia, esperava-se que as relações
que eram definidas pelos homens esposos, pais, estadistas
ou patrões também se dissipassem, com a extinção desses
papéis sociais. Desse ideal de nova moral sexual, somente
tivemos oportunidade de conhecer os germens, as sementes,
prontamente arrancadas daquela terra.

“Abaixo a escravidão da cozinha! Dê-me um novo estilo de vida”, 1929


Cartaz de Grigóri Shegal
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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

A quem e a qual sistema o ‘amor’ serve?

Frente aos paradoxos dos dias de hoje, que


retroalimentam as relações sociais, a moral e a vida com
os parâmetros patriarcais-capitalistas-racistas-coloniais/
dependentes, permanecem as memórias de batalhas, lutas,
teorias revolucionárias e práticas de vida que ensaiaram e
até implementaram a liberação das mulheres. A mulher russa
“sexualmente emancipada”, combatente contra os mecanismos
de opressão da luta de classes, sexos e sexualidades, é
extraordinária. Sua teoria revolucionária é indispensável. Com
ela, seguimos perguntando: como as relações que entendemos
ser de amor, são também impactantes nas relações da luta de
classes, de reprodução das opressões, na política e na divisão
sexual, racial e social do trabalho? A quem e a qual sistema
o ‘nosso amor’ serve? A resposta geralmente é duríssima de
ser sentida e dita. Nas palavras de Alexandra Kollontai:

é imperdoável uma atitude de indiferença de uma das tarefas


essenciais da classe trabalhadora. É inexplicável e injustificável
que o vital problema sexual seja relegado, hipocritamente, ao
arquivo das questões puramente privadas.

Para saber mais:

Livro A nova Mulher e a Moral Sexual


de Alexandra Kolontai

“Mulheres: sua educação é uma garantia de emancipação”, 1920


Cartaz de Natalia Iznar

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

A PEDADOGIA
REVOLUCIONÁRIA DE
Nadejda KRUPSKAIA
Fran Rebelatto - sesUNILa
Mario Mariano - ADUFVJM
Fran Rebelatto é doutoranda em cinema. Professora do ILAACH. Mario Mariano é
licenciado em Ciências Biológicas, mestre em Educação. Professor da Universidade
Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Ambos são militantes do Movimento
por uma Universidade Popular no ANDES.

A defesa de uma Universidade Popular que atenda aos


interesses da classe trabalhadora deve se caracterizar
como uma dimensão da tarefa mais geral de superação do
capitalismo. Nesse sentido, deve significar a defesa de um
projeto de universidade anticapitalista, antipatriarcal,
antirracista e antilgbtfóbico. Só à classe trabalhadora,
com sua rica história de enfrentamento contra as formas
de exploração e opressão do capitalismo, importa a
transformação radical de toda a vida social, o que
implica pensar e transformar também a educação e por
consequência, também a universidade.

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Cabe resgatar nesse curto espaço textual a contribuição


fundamental da pedagoga e revolucionária bolchevique
Nadejda Krupskaia (1869-1939), que há um século debatia
a educação na construção do socialismo. Krupskaia fez
parte da vitoriosa Revolução Russa de 1917, que significou
a materialização do poder e dos interesses da classe
trabalhadora naquele lado do planeta e impregnou
processos similares por todo os cantos do globo, inclusive,
a Revolução Russa teria forte influência nos eventos que
culminaram na Reforma de Córdoba, em 1918, na Argentina.
Os ventos soviéticos também teriam impactado as reflexões
sobre educação, do comunista cubano Julio Antonio Mella,
na década seguinte, a partir da contribuição de Nadejda
Krupskaia.
A pedagoga, dirigente do partido Bolchevique,
se incubiu, dentre os diversos desafios enfrentados na
construção do Estado Proletário Soviético, de transformar
radicalmente a educação da classe trabalhadora naquele
país. No Brasil, seu pensamento pode ser conferido no livro
“A construção da pedagogia socialista” e no prefácio à edição
russa do livro “Escola Comuna”, publicados em 2017 e em
2013, respectivamente, ambos pela editora Expressão Popular.
As reflexões e ações de Krupskaia colocaram em movimento
a conexão entre o debate da política e da economia socialista,
em suas linhas mais gerais, com a vida cotidiana da classe
trabalhadora, os interesses das mulheres, a necessidade de
educar o povo e socializar toda riqueza material e todo
conhecimento necessário para a construção de uma nova
sociedade. Mesmo não tratando diretamente da universidade,

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

Krupskaia defende que a formação das professoras


e professores esteja profundamente ligada ao exame
científico e crítico da realidade social, da educação como
parte da sociabilidade humana, do desenvolvimento do ser
humano desde a mais tenra idade, suas formas de aprender e o
que melhor se produziu na experiência humana de ensinar: “A
escola deve ajudar a criar e fortalecer a nova juventude, deve
formar os lutadores por um futuro melhor, os criadores dele”.
Ainda antes dos processos revolucionários, Krupskaia escreveu
o texto “Deve-se ensinar “coisas de mulher” aos meninos?” no
qual aponta a inequidade de gênero nos afazeres domésticos
e a sua relação com a educação, defendendo uma escola livre
de preconceitos. Mais do que isso, ela afirma ao final:
desejo de ser útil, de realizar bem a função que lhe foi atribuída, o
entusiasmo pelo trabalho farão com que o menino logo se esqueça
do seu desdém pelas “coisas de mulher”. É claro que seria ridículo
esperar grandes consequências de se ensinar “coisas de mulher”
aos meninos, mas trata-se de um daqueles detalhes que compõem
o espirito geral da escola e aos quais é preciso atentar.

Em diversos outros escritos, Krupskaia segue


debatendo sobre as mulheres e sobre a maternidade,
enfatizando a importância de uma educação voltada para a
emancipação da mulher e em prol de condições de igualdade
com os homens. Neste sentido, a pedagoga advogou para que
o Estado protegesse a gravidez, a maternidade, o parto e o
puerpério, com a criação de creches e jardins da infância, bem
como, junto a demais companheiras, defendia a legalização
do aborto e o amplo uso de contraceptivos.
Nadejda Krupskaia integrou o Comissariado do Povo de
Instrução Pública, tendo colaborado com Anatóli Lunatcharski
no desenvolvimento do novo sistema educacional soviético.
94
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Ela acreditava ser preciso destruir a antiga escola e criar uma


outra que fosse capaz de responder às exigências do sistema
socialista nascente, assegurando a continuidade do ensino do
básico ao superior, sempre gratuito e aberto à totalidade da
população. A pedagoga teve um papel central nos esforços
governamentais para a eliminação do analfabetismo.
Durante os primeiros anos da revolução, Krupskaia
produziu dezenas de publicações. Um de seus textos mais
marcantes nesse período foi “Educação Pública e Democracia”,
de 1917, no qual reitera que
enquanto a organização do ensino permanece nas mãos da
burguesia, o trabalho escolar será uma arma dirigida contra os
interesses da classe trabalhadora. Somente a classe trabalhadora
pode converter o trabalho na escola ‘num instrumento para a
transformação da sociedade contemporânea.

Ao longo de toda a sua vida Nadejda Krupskaia


trabalhou na implantação e desenvolvimento da educação
marxista, tendo publicado inúmeros textos, participado
ativamente de diversos órgãos do governo e recebido
vários prêmios, até o final de sua vida, aos 70 anos. Cabe
destacar que a revolucionária russa defendia uma educação
internacionalista, capaz de ligar os e as jovens da classe
trabalhadora de todo o mundo, desafio esse tão bem expresso,
por exemplo, na Escola Latino-Americana de Medicina
em Cuba, que forma jovens de todo o mundo e que, na
conjuntura atual, são parte dos médicos e médicas formadas
na ilha socialista a combaterem a COVID-19 em diferentes
países.
Acreditamos que hoje, a defesa da Universidade Popular
deve ser feita como parte desse longo caminho das lutas

95
dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

revolucionárias, reunindo tudo aquilo que aprendemos


com Nadejda Krupskaia e outros pensadores, pensadoras
e tantas outras fontes de enfrentamento à exploração
capitalista. Seguindo essa trilha o Movimento por uma
Universidade Popular, que também atua no ANDES/SN,
organiza trabalhadoras, trabalhadores e estudantes das
instituições de ensino superior no Brasil, em articulação
com a luta mais ampla pela construção de outro projeto
societário, por um projeto de universidade em que a
formação e a produção de conhecimento respondam
aos desafios da construção da emancipação humana.
No ANDES/SN, o Movimento Por uma Universidade
Popular pode ser conhecido por meio das páginas no
Youtube, Facebook onde são divulgados os debates
organizados a partir de quatro pilares: Movimento
Docente; Universidades: Crises e perspectivas, teoria
social e conjuntura em debate, Especificamente sobre a
colaboração de Nadejda Krupskaia, vale a pena resgatar o
programa transmitido em 28 de maio de 2020.
Importante destacar, por fim, que o movimento
também faz parte da construção de outras entidades de
ensino, por meio do Movimento Por Uma Escola Popular
no Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação
Básica, Profissional e Tecnológica (MEP no SINASEFE),
e por meio da Rede Tecnológica Federal de Extensão
Popular (RETEP), que reúne professores/as dos institutos
federais brasileiros. Todas essas frentes têm como objetivo
a construção de uma Educação Popular que atenda aos
interesses urgentes da classe trabalhadora brasileira.

96
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Nadejda Krupskaia em discurso durante a guerra civil russa, 1920


Autoria desconhecida

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AS MULHERES NAS
ARTES GRÁFICAS
curadoria
Andréia Moassab - SESUNILA
Fran Rebelatto - SESUNILA

Fechamos a quarta edição do Caderno SESUNILA, 100 Anos


de Vkhutemas: Mulheres, Arte e Revolução com os pôsteres
da exposição realizada no final de 2017 na Fundação
Cultural de Foz do Iguaçu. Na ocasião, a SESUNILA levou
a público cartazes concebido por mulheres, importantes
artistas gráficas na URSS, com a intenção de problematizar
a permanente ausência do reconhecimento do trabalho
das mulheres na história das mais diversas áreas do
conhecimento. De um modo geral, muito pouco se debate
sobre a produção artística soviética dos anos 1920 e início
da década seguinte, não obstante os VKHUTEMAS terem sido
das maiores escolas de arte e arquitetura na Europa, na
época. Somada à pouca pesquisa sobre arte soviética no
período, em parte decorrente da divisão do mundo com a
Guerra Fria, há um total desconhecimento da colaboração
de mulheres designers, arquitetas e artistas para pensar o
98
mundo revolucionário socialista. Muitas delas, inclusive,
egressas dos VKHUTEMAS um dos temas centrais desse
dossier temático. A invisibilidade da produção das mulheres
é um fato no sistema de valoração nas artes visuais,
profundamente androcêntrico, eurocêntrico e racista, no qual
apenas muito recentemente algum esforço tem sido envidado
para visibilizar o trabalho das revolucionárias da imagem na
União Soviética de então.
Foi no sentido de provocar o debate e reverter este
quadro que a SESUNILA expôs os cartazes de Natalia Pinus
(1901-1996), Nina Vatolina (1915-2002), Valentina Kulagina (1902-
1987) e Vera Gitsevich (1897-1976). Todos eles traziam temas
relacionados às mulheres na revolução, já no limiar do
Realismo Socialista, quando se inicia a polêmica política de
estado para a estética.

99
exposição a revolução russa e as mulheres, 2017
dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

106
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

107
PARA SABER MAIS
SOBRE A
REVOLUÇÃO RUSSA
NAS SEÇÕES SINDICAIS
DO ANDES/SN

Dez Dias que Abalaram o Mundo


Entrevista feita pela ADUFF com Luiz Fernando Lobo,
diretor da peça de mesmo nome, que celebrou o centenário
da Revolução Russa
https://bit.ly/3gyI8Ly

Os 100 anos da revolução russa


O programa Ponto de Pauta, da SEDUFSM entrevista o
historiador Luiz Dario Teixeira
https://bit.ly/3sNPZqW

108
N ad e j d a K r u p skai a e a c o nstru ção de
u ma U niv e r sid ade Po pu lar
Programa de estréia do canal do Movimento por uma Universidade Popular no ANDES/SN, no
qual são apresentadas as diversas influências e inspirações históricas para a construção da
Universidade Popular hoje, como Nadejda Krupskaia, a Reforma de Córdoba, José Mariátegui, Julio
Mella, entre outros e outras

https://youtu.be/7zpJz0ZtBtA

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Celular e WhatsApp
(45) 99833-1074

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