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SérieInvestigaçãoFilosófica

TextosSelecionadosde
Metafísica,
LinguagemeMente

RodrigoReisLastraCid
PedroMerlussi
(Organizadores)
TEXTOS SELECIONADOS DE
METAFÍSICA, LINGUAGEM E MENTE
SÉRIE INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

TEXTOS SELECIONADOS DE
METAFÍSICA, LINGUAGEM E MENTE

Rodrigo Reis Lastra Cid


Pedro Merlussi
(Organizadores)

Pelotas, 2020
REITORIA
Reitor: Pedro Rodrigues Curi Hallal
Vice-Reitor: Luís Isaías Centeno do Amaral
Chefe de Gabinete: Taís Ullrich Fonseca
Pró-Reitor de Graduação: Maria de Fátima Cóssio
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Flávio Fernando Demarco
Pró-Reitor de Extensão e Cultura: Francisca Ferreira Michelon
Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Otávio Martins Peres
Pró-Reitor Administrativo: Ricardo Hartlebem Peter
Pró-Reitor de Infraestrutura: Julio Carlos Balzano de Mattos
Pró-Reitor de Assuntos Estudantis: Mário Renato de Azevedo Jr.
Pró-Reitor de Gestão Pessoas: Sérgio Batista Christino

CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA DA UFPEL


Presidente do Conselho Editorial: João Luis Pereira Ourique
Representantes das Ciências Agronômicas: Guilherme Albuquerque de Oliveira Cavalcanti
Representantes da Área das Ciências Exatas e da Terra: Adelir José Strieder
Representantes da Área das Ciências Biológicas: Marla Piumbini Rocha
Representante da Área das Engenharias e Computação: Darci Alberto Gatto
Representantes da Área das Ciências da Saúde: Claiton Leoneti Lencina
Representante da Área das Ciências Sociais Aplicadas: Célia Helena Castro Gonsales
Representante da Área das Ciências Humanas: Charles Pereira Pennaforte
Representantes da Área das Linguagens e Artes: Josias Pereira da Silva

EDITORA DA UFPEL
Chefia: João Luis Pereira Ourique (Editor-chefe)
Seção de Pré-produção: Isabel Cochrane (Administrativo)
Seção de Produção: Gustavo Andrade (Administrativo)
Anelise Heidrich (Revisão)
Ingrid Fabiola Gonçalves (Diagramação)
Seção de Pós-produção: Madelon Schimmelpfennig Lopes (Administrativo)
Morgana Riva (Assessoria)
GRUPO DE PESQUISA INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA (UNIFAP/CNPq)

O Grupo de Pesquisa Investigação Filosófica (DPG/CNPq) foi constituído por pesquisadores


que se interessam pela investigação filosófica nas mais diversas áreas de interesse filosófico.
O grupo foi fundado em 2010, como grupo independente, e se oficializou como grupo de pes-
quisa da Universidade Federal do Amapá em 2019.

MEMBROS PERMANENTES DO GRUPO

Aluízio de Araújo Couto Júnior


Bruno Aislã Gonçalves dos Santos
Cesar Augusto Mathias de Alencar
Daniel Schiochett
Daniela Moura Soares
Everton Miguel Puhl Maciel
Guilherme da Costa Assunção Cecílio
Kherian Galvão Cesar Gracher
Luiz Helvécio Marques Segundo
Luiz Maurício Bentim da Rocha Menezes
Mayra Moreira da Costa
Paulo Roberto Moraes de Mendonça
Pedro Merlussi
Rafael César Pitt
Renata Ramos da Silva
Rodrigo Alexandre de Figueiredo
Rodrigo Reis Lastra Cid
Sagid Salles
Tiago Luís Teixeira de Oliveira

Mais informações no site: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/513418


Série Investigação Filosófica

A Série Investigação Filosófica, uma iniciativa do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Filosofia


do Departamento de Filosofia da UFPel e do Grupo de Pesquisa Investigação Filosófica
do Departamento de Filosofia da UNIFAP, sob o selo editorial do NEPFil online e da Editora
da Universidade Federal de Pelotas, tem por objetivo precípuo a publicação da tradução para
a língua portuguesa de textos selecionados a partir de diversas plataformas internacional-
mente reconhecidas, tal como a Stanford Encyclopedia of Philosophy (https://plato.stan-
ford.edu/), por exemplo. O objetivo geral da série é disponibilizar materiais bibliográficos rele-
vantes tanto para a utilização enquanto material didático quanto para a própria investigação
filosófica.

EDITORES DA SÉRIE
Rodrigo Reis Lastra Cid (GP-IF/UNIFAP)
Juliano Santos do Carmo (NEPFIL/UFPEL)

COMISSÃO TÉCNICA
Juliano Santos do Carmo (Diagramador/Capista)
Danilo Jose Ribeiro de Oliveira (Diagramador)
Bruno Borges Moura (Diagramador)

ORGANIZADORES DO VOLUME
Rodrigo Reis Lastra Cid (UNIFAP)
Pedro Merlussi (UNICAMP)

TRADUTORES
Bruno Borges Moura (UNIFAP)
Lucas Roisenberg Rodrigues (PUCRS)
Luiz Helvécio Marques Segundo (ABFR)
Marcelo Fischborn (IFF)
Marco Aurélio Alves (POSDEFIL / UFOP)

REVISORES
André Abath (UFMG)
Jerzy André Brzozowski (UFSC)
Pedro Merlussi (FAPESP)
Sérgio R. N. Miranda (UFOP)

Acesse o acervo completo em: https://wp.ufpel.edu.br/nepfil/serie-investigacao-filosofica/


© Série Investigação Filosófica, 2020

Universidade Federal de Pelotas


Departamento de Filosofia
Núcleo de Ensino e Pesquisa em Filosofia
Editora da Universidade Federal de Pelotas

Universidade Federal do Amapá


Departamento de Filosofia
Grupo de Pesquisa Investigação Filosófica

NEPFil online
Rua Alberto Rosa, 154 – CEP 96010-770 – Pelotas/RS

Os direitos autorais estão de acordo com a Política Editorial do NEPFil online. As revisões ortográficas
e gramaticais foram realizadas pelos tradutores e revisores. A autorização para a tradução dos verbetes
da Stanford Encyclopedia of Philosophy neste volume foi obtida pelo Grupo de Pesquisa Investigação
Filosófica.

Primeira publicação em 2020 por NEPFil online e Editora da UFPel.

Dados Internacionais de Catalogação


N123 Textos selecionados de metafísica, linguagem e mente.
[recurso eletrônico] Organizadores: Rodrigo Reis Lastra Cid; Pedro Merlussi – Pelotas:
NEPFIL Online, 2020.
192p. - (Série Investigação Filosófica).
Modo de acesso: Internet
<wp.ufpel.edu.br/nepfil>
ISBN: 978-65-86440-12-6

1. Metafísica. 2. Linguagem 3. Mente I. Cid, Rodrigo Reis Lastra. II. Merlussi, Pedro.
COD 100

Para maiores informações, por favor visite nosso site wp.ufpel.edu.br/nepfil


SUMÁRIO

Sobre a Série Investigação Filosófica 10

Introdução 11

(I) Condições Necessárias e Suficientes 14


Robin Smith

1. Filosofia e Condições 15
2. A Teoria Padrão: Funções de Verdade e Reciprocidade 16
3. Problemas para a Teoria Padrão 18
4. Inferências, Razões Para Pensar, e Razões Pelas Quais 21
5. Conclusão 29
Referências 30

(II) Referência 32
Eliot Michaelson & Marga Reimer

1. Introdução 33
2. Nomes Próprios 35
2.1. Teorias Descritivistas 36
2.2. Herdeiros Millianos 41
2.3. Nomes com Múltiplos Portadores 43
3. Indexicais 46
3.1. Indexicais Puros 47
3.2. Indexicais Impuros 51
4. Descrições Definidas 58
5. Modelos da Referência Linguística 64
6. Visões Negativas da Referência 67
Referências 70

(III) A Metafísica da Causação 75


Jonathan Schaffer

1. Relata 76
1.1. Imanência 79
1.2. Individuação 82
1.3. Aridade 87
1.3.1. Contrastividade 87
1.3.2. Relata Secundário 91
2. Relação 93
2.1. Conexão 97
2.1.1. Probabilidade, Processo e Problemas. 97
2.1.2. Híbridos, Primitivos e Eliminativos 104
2.2. Direção 109
2.3. Seleção 113
Referências 117

(IV) Consciência 127


Robert Van Gulick

1. História da Questão 128


2. Conceitos da Consciência 131
2.1. A Consciência da Criatura 131
2.2. A Consciência de Estados 133
2.3. Consciência como uma Entidade 135
3. Problema da Consciência 137
4. A Questão Descritiva: Quais são as Características da Consciência? 138
4.1. Dados de Primeira e de Terceira Pessoa 138
4.2. O Caráter Qualitativo 139
4.3. A Estrutura Fenomenal 141
4.4. Subjetividade 141
4.5. Organização Autoperspectivista 142
4.6. Unidade 143
4.7. Intencionalidade e Transparência 144
4.8. Fluxo Dinâmico 146
5. A Questão Explicativa: Como a Consciência Pode Existir? 147
5.1. A Diversidade de Projetos Explicativos 147
5.2. A Lacuna Explicativa 149
5.3. Explicação Reducionista e não-Reducionista 151
5.4. Expectativas de Sucesso Explicativo 153
6. A Questão Funcional: Por Que a Consciência Existe? 154
6.1. Estatuto Causal da Consciência 154
6.2. Controle Flexível 156
6.3. Coordenação Social 157
6.4. Representação Integrada 157
6.5. Acesso Informacional 159
6.6. Livre-Arbítrio 159
6.7. Motivação Intrínseca 160
6.8. Papéis Constitutivos e Contingentes 161
7. Teorias da Consciência 161
8. Teorias Metafísicas da Consciência 162
8.1. Teorias Dualistas 162
8.2. Teorias Fisicalistas 164
9. Teorias Específicas da Consciência 168
9.1. Teorias de Ordem Superior 168
9.2. Teorias Representacionalistas 171
9.3. Teorias Cognitivas 173
9.4. Teorias Neurais 175
9.5. Teorias Quânticas 176
9.6. Teorias Não-Físicas 178
10. Conclusão 179
Referências 179

Sobre tradutores e revisores 194


SOBRE A SÉRIE INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

A Série Investigação Filosófica é uma série de livros de traduções de


verbetes da Enciclopédia de Filosofia da Stanford (Stanford Encyclopedia of Phi-
losophy) e de outras plataformas reconhecidas, que intenciona servir tanto como
material didático para os professores das diferentes sub-áreas e níveis da
Filosofia quanto como material de estudo para a pesquisa e para concursos da
área. Nós, professores, sabemos o quão difícil é encontrar bom material em por-
tuguês para indicarmos. E há certa deficiência na graduação brasileira de
filosofia, principalmente em localizações menos favorecidas, com relação ao
conhecimento de outras línguas, como o inglês e o francês. Tentamos, então,
suprir essa deficiência, ao introduzirmos essas traduções ao público de língua
portuguesa, sem nenhuma finalidade comercial e meramente pela glória da
filosofia.
Essas traduções foram todas realizadas por filósofos ou por estudantes
de filosofia supervisionados e revisadas por especialistas na área. Todas as
traduções de verbetes da Stanford foram autorizadas pelo querido Prof. Dr. Ed-
ward Zalta, editor da Enciclopédia de Filosofia da Stanford; por isso o agradece-
mos imensamente. Sua disposição para ajudar brinda os países de língua por-
tuguesa com um material filosófico de excelência, que será para sempre disponi-
bilizado gratuitamente no site da Editora da Universidade Federal de Pelotas
(Uditora UFPel) e do NEPFIL/UFPel, dado o nosso maior princípio se fundar na
ideia de conhecimento livre e a nossa maior intenção ser o desenvolvimento da
filosofia em língua portuguesa e do seu ensino. Aproveitamos o ensejo para
agradecer também ao editor da Editora UFPel, na figura do Prof. Dr. Juliano do
Carmo, que apoiou nosso projeto desde o início. Agradecemos também a todos
os organizadores, tradutores e revisores, que participam de nosso projeto. Sem
sua dedicação voluntária, nosso trabalho não teria sido possível. Esperamos,
com o início desta coleção, abrir as portas para o crescimento desse projeto de
tradução e trabalharmos em conjunto pelo crescimento da filosofia em português.

Prof. Dr. Juliano Santos do Carmo


Prof. Dr. Rodrigo Reis Lastra Cid
Editores da Série Investigação Filosófica

11
Introdução

Um dos grandes desafios da era da informação consiste em filtrar in-


formações claras, rigorosas e atualizadas sobre tópicos importantes. O mesmo
vale para a filosofia. Como encontrar conteúdo filosófico confiável em meio a
milhares de artigos publicados diariamente na internet? Para ir ainda mais longe,
como encontrar uma introdução a algum tópico com uma lista de referências
bibliográficas atualizadas e que seja organizada por um especialista da área? Já
que você começou a ler este livro, é provável que tenha ouvido falar em algum
momento da Enciclopédia Stanford de Filosofia, disponível gratuitamente na in-
ternet desde 1995. A página da Stanford faz exatamente isso. Ela cobre in-
úmeros verbetes sobre quase tudo em filosofia, oferecendo informação confiável
sobre temas como feminismo, filosofia na América Latina, zumbis, metafísica e
milhares de outros tópicos. A sugestão típica aos profissionais da filosofia que
têm interesse em começar a estudar algum tópico, mas não sabem sequer por
onde começar, é procurar pelo verbete relevante da Stanford.

Infelizmente, o grande empecilho da página para o nosso contexto é


que todos os verbetes estão disponíveis apenas em inglês, algo que cria um ob-
stáculo a inúmeros estudantes e interessados que não dominam a língua. Neste
sentido, acreditamos que esta publicação preencha um hiato importante na
filosofia brasileira. Embora a filosofia no Brasil tenha se profissionalizado e ex-
pandido ao longo dos anos, há ainda lacunas em diversas áreas, e os verbetes
foram aqui selecionados cuidadosamente no intuito de preencher ao menos al-
gumas dessas lacunas. Este livro apresenta quatro verbetes cruciais para a
filosofia, aqui divididos em quatro capítulos: (1) condições necessárias e sufi-
cientes, (2) referência (3) causação e (4) consciência.

O primeiro capítulo discute a teoria padrão de condições necessárias e


suficientes, mencionando a sua importância para a filosofia em geral (seção 1),
incluindo relações com outros capítulos deste livro (por exemplo, os verbetes de
referência e causação). A importância para a filosofia geral se dá principalmente
pela relação entre a investigação sobre a natureza das coisas e a obtenção de
uma definição explícita dessa natureza. Assim, saber o que é uma definição e

12
quais os seus problemas possíveis é relevante para o trabalho do profissional da
filosofia. Em relação à causação, vale lembrar a influente teoria de J. L. Mackie.
De acordo com esta teoria, procura-se definir a noção de uma coisa causando
outra por meio da condição INUS (partes insuficientes, mas necessárias, de uma
condição que é ela própria não-necessária, mas suficiente para seus efeitos).

Já o tópico da referência (capítulo 2) é igualmente relevante. Houve um


tempo em que a filosofia analítica se preocupava majoritariamente com questões
sobre a linguagem, principalmente sobre tópicos da referência e do significado.
Embora isso tenha de fato mudado (principalmente em virtude da virada
metafísica das últimas décadas), é inegável que muitos debates contemporâneos
repousam em avanços sobre questões envolvendo referência: Se de fato referi-
mos, qual então o mecanismo da referência? Termos referenciais referem em
virtude de quê? Qual o significado de termos referenciais? Há um único mecan-
ismo de referência comum a todos os termos referenciais? O verbete investiga
essas questões ao abordar termos referenciais particulares como nomes
próprios, descrições definidas, indexicais e demonstrativos. A seção final ainda
discute o problema de saber se há de fato a relação de referência.

É claro que, como metafísicos, não poderíamos deixar de incluir um


verbete exclusivamente de metafísica: causação. Como teorizar sem causação?
É praticamente inconcebível pensar em diversas questões sem o conceito de
causa. Pense, por exemplo, nas noções de conhecimento, responsabilidade,
livre-arbítrio, percepção e, por incrível que pareça, referência. (A teoria causal da
referência, apresentada na seção 2.2 do segundo capítulo, naturalmente invoca
o conceito de causação). O verbete de causação é amplo o suficiente para apre-
sentar um bom panorama das discussões contemporâneas sobre o tema – es-
crito por Jonathan Schaffer, um dos principais especialistas em metafísica con-
temporânea e defensor da teoria de causação como contraste (ao contrário da
teoria padrão em que há apenas dois relata, a teoria de Schaffer estipula quatro
relata causais).

Finalmente, o capítulo sobre consciência aborda a questão central so-


bre a metafísica da mente, centralizando a discussão na natureza da consciência
e como ela se relaciona com outros aspectos (não-conscientes) da realidade.

13
Editamos este volume pela importância dos verbetes para a caixa de
ferramentas das filósofas e dos filósofos. Além disso, esses verbetes são cruciais
para áreas mais específicas da filosofia, como a metafísica do livre-arbítrio e das
leis da natureza. E a relação entre esses verbetes é cristalina. Em relação ao
livre-arbítrio, a intuição tradicional é a de que as noções de livre-arbítrio e con-
sciência estão profundamente relacionadas; tipicamente se pensa que a con-
sciência é uma condição necessária para o livre-arbítrio. O mesmo vale para
causação. O debate recente em torno do livre-arbítrio envolvendo os cenários de
Frankfurt são estruturalmente análogos aos casos de preempção causal, discuti-
dos na seção 2 do capítulo sobre metafísica da causação. Além disso, a teoria
contrafactual da causação lá discutida é amiúde utilizada em debates sobre a
incompatibilidade entre o livre-arbítrio e o determinismo. O capítulo sobre
causação está intimamente relacionado com o debate sobre a metafísica das leis
da natureza. Vale a pena notar que essas discussões serão abordadas em
edições futuras.

Esperamos que essas traduções possam ser úteis ao estudantes, pro-


fessores e pesquisadores da área da filosofia em geral.

Prof. Dr. Rodrigo Reis Lastra Cid


Prof. Dr. Pedro Merlussi
Organizadores do Volume “Textos Selecionados em Metafísica, Mente e
Linguagem”

14
(I) Condições Necessárias e Suficientes*

Autor: Andrew Brennan


Tradução: Luiz Helvécio Marques Segundo
Revisão: Sérgio R. N. Miranda & Pedro Merlussi

Uma ferramenta conveniente na busca de definições precisas é a


especificação de condições necessárias e/ou suficientes para a aplicação de um
termo, do uso de um conceito, ou da ocorrência de algum fenômeno ou evento.
Por exemplo, sem água e oxigênio não haveria vida humana; por isso, essas
coisas são condições necessárias para a existência dos seres humanos. Os
cockney, de acordo com a definição tradicional, são todos e apenas aqueles
nascidos em locais onde se pode ouvir os sinos da Igreja de St. Mary-le-Bow.
Assim, nascer numa área específica é uma condição simultaneamente
necessária e suficiente para ser um cockney.
Assim como outros conceitos fundamentais, os conceitos de condições
necessárias e suficientes não podem ser facilmente especificados em outros
termos. Este artigo mostra o quão esquiva é a busca por uma definição dos

* Tradução do verbete “Necessary and Sufficient Conditions” de Andrew Brennan publi-


cado pela Stanford Encyclopedia of Philosophy (Edição do Inverno de 2011), edição de
Edward N. Zalta, URL = https://plato.stanford.edu/archives/win2011/entries/necessary-
sufficient/. Publicado com a autorização do editor Prof. Dr. Edward Zalta. A tradução
deste verbete foi originalmente publicada em Investigação Filosófica: vol. 3, n. 2, artigo
digital 1, 2012. Disponível em: https://periodicos.unifap.br/index.php/investigacaofilosofi-
ca/ article/view/4866/2192.

The following is the translation of the entry on Necessary and Sufficient Conditions by
Andrew Brennan, in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows the
version of the entry in the SEP's archives at https://plato.stanford.edu/archives/spr2012/
entries/necessary-sufficient/.This translated version may differ from the current version of
the entry, which may have been updated since the time of this translation. The current
version is located at https://plato.stanford.edu/entries/necessary-sufficient/. We'd like to
thank the Editors of the Stanford Encyclopedia of Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward
Zalta, for granting permission to translate and publish this entry.

15
termos “necessário” e “suficiente”, indicando a existência de uma ambiguidade
sistemática nos conceitos de condições necessárias e suficientes. Também
mostra a conexão entre os enigmas sobre essa questão e as questões
problemáticas que giram em torno da palavra “se” e o seu uso em frases
condicionais.

1. Filosofia e Condições
Uma ambição da filosofia do século vinte foi analisar e refinar as
definições dos termos significativos – e os conceitos expressos por eles – na
esperança de lançar luz sobre problemas intrigantes como os da verdade,
moralidade, conhecimento e existência, que estão fora do alcance de uma
solução científica. Central a esse objetivo estava a especificação, pelo menos
em parte, de condições a serem satisfeitas para a aplicação correta dos termos,
ou sob as quais se poderia dizer que estão realmente presentes em certos
fenômenos. Ainda hoje, a única contribuição da filosofia aos estudos
interdisciplinares da consciência, da evolução da inteligência, do significado de
altruísmo, da natureza da obrigação moral, do escopo da justiça, do conceito de
dor, da teoria da percepção e assim por diante, repousa em sua capacidade de
fornecer altos graus de rigor e exatidão conceitual aos argumentos nessas áreas.
Se a memória é uma capacidade de localizar as nossas experiências e
testemunhos passados, então uma condição necessária para que Penélope se
lembre de que deu uma palestra é que ela tenha ocorrido no passado. Ao
contrário, Penélope se lembrar da palestra é suficiente para inferir que foi dada
no passado. Numa conhecida tentativa de usar a terminologia das condições
necessárias e suficientes para definir o que uma coisa tem de ser para ser causa
de outra, J. L. Mackie propôs que as causas são no mínimo condições INNS, isto
é, “partes Insuficientes embora Necessárias de uma condição que é em si Não-
necessária embora Suficiente” para os seus efeitos (Mackie, 1965). O que,
então, é uma condição necessária (ou suficiente)? Este artigo mostra que uma
precisão completa nessa questão é difícil. Embora a noção de condição
suficiente possa ser usada para definir o que é uma condição necessária (e vice-
versa), não há maneira clara de oferecer uma abordagem precisa e
compreensiva do significado do termo “condição necessária (ou suficiente)”. As
advertências de Wittgenstein contra a teorização e a super-generalização
prematuras, e o seu insight de que muitos termos cotidianos apanham famílias,
deveriam despertar cautela na espera de uma especificação completa e não
ambígua do que constitui uma condição necessária, ou uma condição suficiente.

16
2. A Teoria Padrão: Funções de Verdade e Reciprocidade
A porta da frente está fechada. A fim de abri-la (de uma maneira normal,
não violenta) e entrar em casa, tenho primeiro de usar a minha chave. Uma
condição necessária para se abrir a porta sem violência é, pois, usar a chave.
Portanto, parece ser verdade que:
i. Se eu abri a porta, usei a chave.
Podemos usar a interpretação verofuncional do “se” a fim de propor que
a consequente de qualquer condicional (em (i), a consequente é “Usei a chave”)
especifique uma condição necessária para a verdade da antecedente (em (i),
“Abri a porta”)? Muitos textos de lógica e pensamento crítico usam tal
abordagem, e por conveniência podemos chamá-la de “a teoria padrão” (veja
Blumberg, 1976, pp. 133-4; Hintikka e Backman, 1991, p. 328 para exemplos
dessa abordagem).
A teoria padrão faz uso do fato de que na lógica clássica, a função de
verdade “p⊃q” (“Se p, q”) é falsa somente quando p é verdadeira e q é falsa. A
relação entre “p” e “q”, nesse caso, é geralmente designada como implicação
material. Nessa abordagem de “se p, q”, se a condicional “p⊃q” é verdadeira, e p
é o caso, então q também é o caso; do mesmo modo, se q não for verdadeira,
então p também não pode ser verdadeira(se a condicional inteira for verdadeira).
Desse modo, a teoria padrão sustenta que quando a condicional “p⊃q” é
verdadeira, a verdade da consequente, “q”, é necessária para a verdade da
antecedente, “p”, e a verdade da antecedente é, por sua vez, suficiente para a
verdade da consequente. Essa relação entre condições necessárias e suficientes
satisfaz a equivalência formal entre a fórmula condicional e a sua contrapositiva
(“¬q⊃¬p” é a contrapositiva de “p⊃q”). Passando da conversa da verdade das
afirmações para falar de estados de coisas, podemos igualmente e de modo
correto dizer, de acordo com a teoria padrão, que usar a chave foi uma condição
necessária para abrir a porta.
Dada à teoria padrão, as condições necessárias e suficientes são
relações conversas, havendo um tipo de espelhamento ou reciprocidade entre as
duas: B ser uma condição necessária de A é equivalente a A ser uma condição
suficiente de B (e vice-versa). Assim, parece que qualquer frase condicional
verofuncional expressa uma condição tanto suficiente quanto necessária.
Suponha que se Nellie é um elefante, então tem uma tromba. Ser um elefante é
uma condição suficiente para ela ter uma tromba; ter uma tromba é por sua vez

17
uma condição necessária para Nellie ser um elefante. De fato, a afirmação sobre
a condição necessária é simplesmente outro modo de colocar a afirmação sobre
a condição suficiente, assim como a contrapositiva de uma fórmula é
logicamente equivalente à fórmula original.
É também possível usar “somente se” para identificar uma condição
necessária: podemos dizer que Jonas foi engolido por uma baleia somente se foi
engolido por um mamífero, pois se uma criatura não é um mamífero, não é uma
baleia. A teoria padrão geralmente sustenta que “Se p, q” e “p somente se q” são
modos equivalentes de expressar o “p⊃q” verofuncional. Equivalente a (i) acima,
de acordo com essa abordagem, é a frase “Abri a porta somente se usei a
chave” – uma maneira perfeitamente natural de indicar que o uso da chave era
necessário para abrir a porta.
A abordagem das condições necessárias e suficientes recém delineada
é particularmente conveniente para lidar com condições lógicas. Por exemplo, da
verdade de uma conjunção, pode-se inferir que cada uma de suas componentes
é verdadeira (se “p e q” é verdadeira, então “p” é verdadeira e “q” é verdadeira).
Suponha agora que é verdade que está chovendo e fazendo sol ao mesmo
tempo. Essa é uma condição suficiente para “está chovendo” ser verdadeira.
Que esteja chovendo é – ao contrário – uma condição necessária para ser
verdade que está chovendo e fazendo sol ao mesmo tempo. Uma abordagem
similar parece funcionar para contextos conceituais e definicionais. Assim, se o
conceito de memória for analisado como o conceito de uma faculdade de
localizar eventos ocorridos no passado, o fato de que um evento esteja agora no
passado é uma condição necessária para que eu me lembre dele no presente.
Se a água é quimicamente definida como um líquido constituído principalmente
de H2O, então se um copo contém água, ele contém principalmente H2O. O copo
conter H2O é uma condição necessária para que contenha água.
A despeito de seu apelo inicial, objeções à teoria padrão têm sido feita
por teóricos de várias perspectivas. De maneira sumária, as objeções repousam
na ideia de que o “se” em português nem sempre expressa um tipo uniforme de
condição. Se diferentes tipos de condições são expressas pela palavra “se”,
argumentam os objetores, então seria sensato descobri-los antes de se começar
a tentar formalizar e sistematizar os conceitos de necessário e suficiente. Ao
tentar mostrar que há uma ambiguidade contaminando as frases do português
introduzidas por “se”, os críticos têm se focado em duas doutrinas que
consideram erradas: em primeiro lugar, que há uma reciprocidade entre
condições necessárias e suficientes, e, em segundo, que “se p, q” e “p somente

18
se p” são modos equivalentes de dizer a mesma coisa.

3. Problemas para a Teoria Padrão


Dadas duas frases verdadeiras quaisquer A e B, a condicional “Se A,
então B” é verdadeira. Por exemplo, dada a verdade de que o sol é feito de gás e
também de que os elefantes têm quatro patas, então a condicional verofuncional
“Se os elefantes têm quatro patas, então o sol é feito de gás” é também
verdadeira. No entanto, a natureza gasosa do sol normalmente não seria
considerada como uma condição conceitualmente, ou mesmo contingentemente,
necessária para a quadrupeidade dos elefantes. Na verdade, de acordo com a
teoria padrão, qualquer verdade será uma condição necessária para a verdade
de toda e qualquer afirmação, e qualquer falsidade será uma condição suficiente
para a verdade de qualquer afirmação que queiramos considerar.
Esses resultados estranhos não surgiriam nas lógicas não-clássicas em
que se exige que as premissas sejam relevantes para as conclusões delas
tiradas, e que as antecedentes das condicionais verdadeiras sejam do mesmo
modo relevantes para as consequentes. Mas mesmo nas versões das lógicas
relevantes que evitam alguns desses resultados estranhos, é difícil evitar todos
os chamados “paradoxos da implicação”. Por exemplo, uma contradição (uma
asserção da forma “p e não-p”) será uma condição suficiente para a verdade de
qualquer afirmação a menos que a semântica para a lógica em questão permita
a inclusão de mundos inconsistentes (para mais detalhes, veja o verbete lógica:
relevância, e para uma explicação da relevância em termos da ideia de “restrição
de significado” veja o capítulo 1 de Brady, 2006).
Essas estranhezas poderiam ser rejeitadas como meras anomalias não
fosse pelo fato de os autores terem identificado aparentemente diversos outros
problemas associados com as ideias de reciprocidade e equivalência
mencionadas no fim da seção anterior. De acordo com a teoria padrão, há um
tipo de reciprocidade entre as condições necessárias e suficientes, e as frases
“se p, q” podem ser sempre parafraseadas por frases “p somente se q”. No
entanto, como os autores da linguística observaram, nenhuma dessas
afirmações satisfaz ou a compreensão mais natural das condições necessárias
(e suficientes), ou do comportamento do “se” (e do “somente se”) no português.
Considere, por exemplo, o seguinte caso (tirado de McCawley, 1993, p. 317):
ii. Se você encostar em mim, gritarei.
No caso da porta, enquanto que usar a chave era necessário para abri-

19
la, nenhuma afirmação paralela parece funcionar para (ii): na leitura natural
dessa afirmação, o meu grito não é necessário para que você encoste em mim.
McCawley afirma que a oração subordinada introduzida por “se” no português
padrão fornece a condição – seja epistêmica, temporal ou causal – para a
verdade da oração principal. A interpretação natural de (ii) é que o meu grito
depende de você encostar em mim. Considerar o meu grito como uma condição
necessária para que você me toque parece inverter as dependências. Uma
questão similar surge quando se sustenta que (ii) acarreta que você me tocará
só se eu gritar.
Uma falha similar de reciprocidade ou espelhamento surge no caso do
exemplo da porta ((i) acima). Enquanto que abrir a portar dependeu,
temporalmente ou causalmente, de primeiro se usar a chave, seria errado pensar
que usar a chave dependeu, ou temporalmente ou causalmente, de abrir a porta.
Assim, que tipo de condição a antecedente expressa? Para deixar isso claro,
podemos considerar um par desconcertante de frases condicionais (uma
modificação de Sanford, 1989, pp. 175-6):
iii. Se Lambert aprender a tocar, comprarei para ele um violoncelo.
iv. Lambert aprende a tocar somente se eu comprar para ele um
violoncelo.
Note que essas duas afirmações não são equivalentes em significado,
muito embora os manuais tratem comumente “se p, q” apenas como outro modo
de dizer “p somente se q”. Ao passo que (iii) expressa uma condição na qual
compro um violoncelo para Lambert (presumivelmente ele aprende primeiro
usando um violoncelo emprestado, ou talvez alugado), (iv) expressa uma
condição necessária de Lambert aprendendo a tocar o instrumento primeiro
(pode haver outras também). Na verdade, se tomarmos as duas conjuntamente,
as afirmações deixam o pobre Lambert sem expectativas de ganhar o violoncelo
de mim. Se (iv) fosse equivalente a (iii), combinar as duas afirmações não
conduziria a tal impasse.
Mas como podemos formular (iii) em termos de “somente se”? Um
equivalente natural português é surpreendentemente difícil de formular. Talvez
fosse algo assim:
v. Lambert aprendeu a tocar violoncelo somente se comprei para ele um
violoncelo.
Onde o passado (“aprendeu”/ “comprei”) foi usado para tentar manter as
dependência em ordem. Contudo, (v) não está completamente correta, pois pode

20
ser lida como implicando que o sucesso de Lambert é dependente de eu ter
primeiro comprado o violoncelo para ele – algo que certamente não foi implicado
por (iii). Uma versão ainda melhor (embora não completamente satisfatória)
requer ajuste adicional, digamos:
vi. Lambert terá aprendido a tocar violoncelo somente se comprei para
ele um violoncelo.
Dessa vez, não é tão fácil interpretar (vi) como implicando que comprei
um violoncelo para Lambert antes dele ter aprendido a tocar. Essas mudanças
no tempo verbal conduziram alguns autores a argumentar que as condicionais
em português envolvem quantificação implícita no tempo (veja, por exemplo, von
Fintel, 1988). A avaliação dessa tese vai além do escopo do presente artigo (veja
a entrada sobre condicionais e a discussão detalhada em Bennett, 2003).
O que o argumento parece sugerir é que diferentes tipos de
dependência são expressas pelo uso da construção condicional: (iv) não é
equivalente a (iii) porque a condição necessária em (iii) (que compro um
violoncelo para Lambert) fornece aquilo que poderia ser chamado de uma razão
para pensar que Lambert aprendeu a tocar violoncelo. Em contraste, a mesma
condição –que compro um violoncelo para Lambert – parece cumprir uma função
diferente de acordo com (iv) (designadamente, que primeiro tenho de comprar
um violoncelo para ele antes dele aprender a tocar). Na seção seguinte, a
possibilidade de distinguir entre tipos diferentes de condições é discutida. Se
conseguirmos fazer tais distinções, então isso pode sugerir que há uma
ambiguidade sistemática nos conceitos de condição necessária (e suficiente).
A possibilidade da ambiguidade nesses conceitos levanta outro
problema para a teoria padrão. De acordo com ela – como von Wright apontou
(von Wright, 1974, p. 7) – as noções de condição necessária e condição
suficiente são interdefiníveis:
A é uma condição suficiente de B = df a falta de A é uma condição
necessária para a falta de B.
B é uma condição necessária de A = df a falta de B é uma condição
suficiente da falta de A.
A ambiguidade ameaçaria essa nítida interdefinibilidade. Na seção
seguinte, exploraremos se há algo com que se preocupar aqui. A possibilidade
de tal ambiguidade foi explorada no trabalho de Downing (1959; 1975) e Wilson
(1979), e tem sido levantada mais recentemente em Goldstein et al. (2005), cap.
6. Esses autores têm argumentado que em alguns contextos há uma falta de

21
reciprocidade entre as condições necessárias e suficientes interpretadas de certo
modo. Em outras situações, as condições se relacionam reciprocamente umas
às outras do modo exigido pela teoria padrão. Se essas críticas estiverem
corretas, e a ambiguidade estiver presente, então não há uma conclusão geral
que possa ser estabelecida sobre a reciprocidade, ou a falta dela, entre
condições necessárias e suficientes, mas ao invés, haverá uma necessidade de
distinguir o sentido da condição que está sendo invocada num contexto
particular. Sem a especificação do significado e do contexto, seria também
errado fazer a afirmação geral de que frases como “se p, q” são geralmente
parafraseáveis como “p somente se q”.

4. Inferências, Razões Para Pensar, e Razões Pelas Quais


As duas afirmações seguintes são equivalentes? (veja Wertheimer,
1968, pp. 3634):
vii. A ocorrência de uma batalha naval amanhã é uma condição
necessária e suficiente para a verdade, hoje, de “Haverá uma batalha
naval amanhã”.
viii. A verdade, hoje, de “Haverá uma batalha naval amanhã” é uma
condição necessária para a ocorrência de uma batalha naval amanhã.
Sanford argumenta que ao passo que (vii) é sensata, (viii) “inverte as
coisas” (Sanford, 1989, pp. 176-7). Ele escreve: “a asserção sobre a batalha, se
verdadeira, é verdadeira por causa da ocorrência da batalha. A batalha não
ocorre por causa da verdade da afirmação” (ibid.). O que ele provavelmente quer
dizer é que a ocorrência da batalha explica a verdade da afirmação, e não o
contrário. Com certeza, as pessoas às vezes comprometem-se apenas para
assegurar que aquilo que disseram torne-se verdadeiro; assim, há casos em que
a verdade da afirmação explica a ocorrência de um evento. Mas isso parece uma
interpretação pouco provável do caso da batalha naval.
Seja S a frase “Haverá uma batalha naval amanhã”. Se S é verdadeira
hoje, é correto inferir que uma batalha naval ocorrerá amanhã. Isto é, muito
embora a verdade da frase não explique a ocorrência da batalha, o fato dela ser
verdadeira permite a inferência da ocorrência do evento. Ascendendo ao modo
puramente formal (no sentido de Carnap), podemos resolver o problema
limitando explicitamente as relações das inferências àquelas que ocorrem entre
as frases ou outros itens que podem ter valores de verdade. É perfeitamente
adequado inferir da verdade de S hoje que alguma outra frase é verdadeira

22
amanhã, como, por exemplo, “há uma batalha naval hoje”. Uma vez que “há uma
batalha naval hoje” é verdadeira amanhã se e somente se houver uma batalha
naval amanhã, então podemos inferir que do fato de que S é verdadeira hoje,
que uma batalha naval ocorrerá amanhã.
Dessa observação, pareceria que há um hiato entre o que é verdadeiro
em relação às inferências, e o que é verdadeiro em relação às explicações. Há
um sentido (inferencial) em que a verdade de S é tanto uma condição necessária
quanto suficiente para a ocorrência da batalha naval. No entanto, há um sentido
(explicativo) em que a ocorrência da batalha naval é necessária e suficiente para
a verdade de S, mas não vice-versa. Pareceria então que nos casos como (vii) e
(viii) haveria inferências que correriam em ambas as direções, enquanto as
explicações correriam apenas para um lado. Interpretar (vii) como equivalente a
(viii) dependerá do sentido em que as noções de condições necessárias e
suficientes estão sendo empregadas.
É possível generalizar essa descoberta? Retornando ao próprio
exemplo, o fato de que usei a chave explica por que consegui abrir a porta. Que
abri a porta sem usar a força fornece base para se inferir que usei a chave. Eis
outro exemplo de McCawley:
ix. Se John vencer a corrida, comemoraremos.
A vitória de John é uma condição suficiente para que tenhamos uma
comemoração, e a sua vitória é a razão pela qual estaremos a comemorar. A
nossa comemoração, no entanto, certamente não é a razão pela qual ele vence
a corrida. Em que sentido, pois, a comemoração é uma condição necessária da
vitória de John? Novamente, há uma base para a inferência: nós não
comemorarmos é uma base para inferir que John não venceu a corrida. O uso do
tempo verbal é sensível à assimetria exposta na seção anterior. O modo natural
de se escrever a contrapositiva de (ix) não é “Se não comemoraremos, então
John não vence a corrida”, mas antes, algo como:
x. Se não comemoramos, John não venceu a corrida.
Ou
xi. Se não estamos comemorando, John não venceu a corrida.
Ou ainda
xii. Se não comemoramos, John não pode ter vencido a corrida.
A reciprocidade inferencial e não-reciprocidade explicativa, no caso das
condicionais, parece não ser diferente dos casos das equações lógicas e

23
matemáticas em geral. Por exemplo, a identidade clássica de Newton, f=ma,
pode ser reescrita nas formas equivalentes como m=f/a ou f/a=m. Do ponto de
vista algébrico, todas essas formas expressam a mesma coisa. Ora, suponhas
que força é a medida daquilo que leva uma partícula a um certo estado. Assim,
diríamos que ao passo que a força causa a aceleração, a razão f/a não causa ou
explica a massa, muito embora a determine (veja o Epílogo de Pearl, 2000 para
uma tentativa não-técnica de tratar a representação da intervenção causal pelas
notações algébricas).
Parece haver pelo menos três relações diferentes que podemos
distinguir em conexão com as afirmações condicionais, cada uma delas ligadas
às questões de necessidade e suficiência. A primeira é a relação de implicação
simbolizada pelo operador gancho, “⊃”, ou talvez por algum operador relevante
de implicação. Como já notado, esse operador capta algumas relações
ambiguidade. Por exemplo, vimos que da verdade de uma conjunção pode-se
inferir que cada uma das suas componentes é verdadeira (de “p e q” podemos
inferir que “p” é verdadeira e que “q” é verdadeira). O gancho, ou o operador
relevante de implicação, parece captar uma das relações encontradas no caso
da batalha naval, que se pode pensar como ocorrendo paradigmaticamente entre
portadores de verdade, embora se possa pensar, de modo mais solto, em termos
de estados de coisas. Por causa dessa relação conseguimos manter a tese da
reciprocidade da teoria padrão.
No entanto, duas relações extras estão geralmente contidas nas
reflexões sobre condições necessárias e suficientes. Para identificá-las,
considere as coisas diferentes que se pode querer dizer como:
xiii. Se Lambert esteve presente, foi um bom curso.
Um cenário em termos do qual (xiii) pode ser entendida é aquele no qual
Lambert é invariavelmente um colaborador ativo em qualquer curso que
participa. Além do mais, as suas contribuições são sempre boas, garantindo,
assim, satisfação para todos os que participaram do curso. Nesse caso, a
presença de Lambert foi a razão pela qual o curso o seminário foi bom. Um
cenário diferente descreve Lambert como alguém sendo quase que infalível para
encontrar cursos que vão ser bons, muito embora ele nem sempre seja ativo na
discussão. A presença de Lambert num curso, de acordo com esse relato,
fornece uma razão para pensar que o curso vai ser bom. Poderíamos dizer que
de acordo com o primeiro relato, o seminário é bom porque Lambert está nele.
No segundo caso, Lambert está nele porque o seminário é bom. Exemplos desse

24
tipo foram primeiro introduzidos em Wilson (1979) inspirados pelo trabalho de
Peter Downing (1959; 1975). Note que o gancho (como entendido na lógica
clássica) não capta a razão para pensar na relação, pois permite que qualquer
verdade seja inferida de qualquer outra afirmação.
As condições que expressam uma razão pela qual e as que expressam
uma razão para se pensar que podem lançar luz sobre algumas peculiaridades
encontradas anteriormente. Eu abrir a porta é uma razão para se pensar que
usei a chave, e não uma razão pela qual a usei. Ele aprender a tocar o
instrumento é a razão pela qual (no caso (iii)) comprarei um violoncelo, e eu
comprar um violoncelo para ele é (no mesmo caso) uma razão para se pensar
que – mas não uma razão pela qual – ele aprendeu a tocar o instrumento. A
nossa comemoração é uma razão para se pensar que John venceu a corrida no
caso (ix), mas não uma razão pela qual ele venceu.
Embora haja às vezes uma correlação entre as razões pelas quais, por
um lado, e as razões para se pensar, por outro, nenhuma generalização pode ser
feita seguramente (embora Wilson (1979) ofereça diversas sugestões sobre as
conexões entre essas noções). Se A é uma razão pela qual B ocorreu (e assim
talvez também uma razão para se pensar que B ocorreu), então a ocorrência de
B será às vezes uma razão para se pensar que A ocorreu – embora não uma
garantia. Se A não é nada além do que uma razão para se pensar que B
ocorreu, então B será às vezes uma razão para se pensar por que A ocorreu –
embora não uma garantia. Voltando ao nosso exemplo inicial, eu ter aberto a
porta sem violência foi uma razão para se pensar que usei a chave. Eu ter usado
a chave, no entanto, não foi apenas uma razão para se pensar que abri a porta,
mas uma das razões pelas quais consegui abrir a porta. O que é importante é
que a oração subordinada de uma condicional pode fazer quaisquer das três
coisas descritas na presente seção: (i) introduzir uma premissa cuja consequente
se segue do modo determinado por um operador como o gancho; (ii) expressar
uma razão pela qual aquilo que é expresso na consequente seja o caso; (iii)
expressar uma razão para se pensar que aquilo que é expresso pela
consequente é o caso (embora não expresse uma razão pela qual ela seja o
caso).
Em geral, se a explicação é direcional, pode não parecer surpreendente
que quando A explica B, não seja geralmente o caso que B, ou a sua negação,
seja por sua vez uma explicação de A (ou a sua negação). A vitória de John
explica a nossa comemoração, mas o fato de não comemorarmos não é
(normalmente) uma explicação plausível de ele não ter vencido. A presença de

25
Lambert pode explicar por que o curso teve grande sucesso, mas um curso
entediante não é – em qualquer conjunto normal de circunstâncias – uma razão
pela qual Lambert não está lá. Esse resultado coloca em causa o entendimento
comum de que se A é uma condição suficiente de B, tipicamente será o caso que
B é uma condição necessária para A, e a falsidade de B uma condição suficiente
para a falsidade de A.
A fim de reduzir a ameaça imposta pelo hiato entre as condições
inferenciais e explicativas, podem algumas condicionais serem entendidas em
termos de ambos os papeis? Por exemplo, não pode ser o caso que a presença
de Lambert no seminário seja tanto uma razão para se pensar que o seminário
será bom, e – como em nosso primeiro relato – também uma razão pela qual o
seminário será bom? É como se houvesse uma forma fraca de contraposição
que valesse nesse caso (essa sugestão é feita em Wilson (1979)): o curso não
ser bom fornece pelo menos uma razão para se pensar que Lambert não estava
presente. Ora, se essa forma fraca de contraposição se mantém, então as
condições necessárias e suficientes podem ser afinal consideradas como
conversas. Não é claro que a defesa da contraposição será bem sucedida. Pois
não há reciprocidade explicativa no caso dado, apenas uma reciprocidade entre
a alegação de que se A é uma razão para se pensar que B, então a ausência de
B é uma razão para se pensar que A também está ausente. Em outras palavras,
a forma supostamente “fraca” da contraposição não é na verdade um caso de
contraposição. De fato, no primeiro relato que oferecemos, foram a presença de
Lambert, as suas contribuições ativas, o seu forte bom humor, etc., os fatores
que explicam o sucesso dos cursos que ele participa. Nesse relato, não há
acarretamento da conversa – a ausência de Lambert de qualquer curso particular
não explicaria de maneira alguma ou forneceria razões pelas quais o curso não
foi bom.
Poder-se-ia tentar argumentar também que, a despeito da
direcionalidade das afirmações causais, há pelo menos uma forma fraca de
contraposição que vale para algumas condicionais causais. Num artigo recente
(Gomes, 2009), Gilberto Gomes propõe que quando se diz que "A" é uma
condição causalmente suficiente para "B", ou "B" uma condição causalmente
suficiente de "A", então alguma forma de reciprocidade entre os dois tipos de
condições se sustenta, e, por isso, alguma versão da contraposição será válida.
Voltando ao exemplo (ii), suponha que a interpretemos como expressando uma
condição causal – que ao encostar em mim você causaria o meu grito. Gomes
sugere que "A" denota uma causa suficiente de "B" desde que (1) "A" especifique

26
a ocorrência de um evento que causaria outro evento "B", e que faça isso (2)
estabelecendo uma condição cuja verdade é suficiente para inferir a verdade de
"B". Nesse caso, poderíamos sustentar ainda que "B", por sua vez, denota um
efeito necessário de "A", querendo dizer então que a verdade de "B" fornece uma
condição necessária para a verdade de "A" (Gomes, 2009, pp. 377-9). Se essa
proposta se sai melhor do que o apelo à contraposição fraca discutida acima é
algo a se pensar.
Mesmo que seja possível distinguir esses diferentes papeis que a
oração subordinada pode desempenhar (haverá outros também), não é sempre
fácil isolá-los em cada caso. O apelo às “razões pelas quais” e às “razões para
pensar” nos permite identificar aquilo que parece ser as ambiguidades no “se” e
na terminologia das condições necessárias e suficientes. Infelizmente, o próprio
conceito de explicação é demasiado vago para ser útil aqui, pois podemos
explicar um fenômeno citando uma razão para se pensar que tal fenômeno foi o
caso, ou citando uma razão pela qual tal fenômeno é o caso. Outros problemas
surgem quando consideramos leis matemáticas, físicas, ou outras leis que
podem estar envolvidas no uso de conceitos (um lócus classicus para essas
questões é Sellars (1948)). Por exemplo, a verdade de “esta figura é um
polígono” é suficiente para inferir “a soma dos ângulos externos desta figura é
360 graus”. De “a soma dos ângulos externos da figura não é 360 graus”
podemos inferir “a figura não é um polígono”. Essas inferências não são
logicamente triviais. Antes, dependem de definições geométricas e princípios
matemáticos, e, por isso, esse é um caso de condições matematicamente
necessárias e suficientes. Mas, ao dizer isso, abrimos caminho para se
reconhecer que os resultados matemáticos também nos dão pelo menos uma
razão para pensar o seguinte: porque uma figura é um polígono, os seus ângulos
externos somarão 360 graus. Podemos ainda ser capazes de pensar em
contextos que o fato de uma figura ser um polígono fornece uma razão pela qual
os seus ângulos externos somem 360 graus.
Um aspecto similar acontece com a teoria do conhecimento em que
geralmente se assume que se sei que p, então p é verdadeira. A verdade de p é
uma condição necessária para saber que p de acordo com tais abordagens. Ao
dizer isso, não excluímos as alegações mais fortes do que simplesmente dizer
que a verdade de p se segue do fato de que sabemos que p. Uma crença ser
verdadeira – por exemplo – pode ser (parte de) uma razão para se pensar que
essa crença constitui conhecimento. Outros casos envolvem inferências
permitidas pela física, pela biologia, e pelas ciências naturais – inferências que

27
envolverão condições causais ou nômicas. Novamente é preciso ter cuidado ao
determinar se é a relação da razão pela qual ou a da razão para acreditar que
está sendo estabelecida. O aumento da média de energia cinética de suas
moléculas não apenas implica que a temperatura de um gás está subindo, mas
também fornece uma razão pela qual a temperatura está aumentando. No
entanto, se a temperatura é apenas um modo de medir a energia cinética
molecular média, então uma mudança na temperatura será uma razão para se
pensar que a energia cinética média das moléculas mudou, e não uma razão
pela qual mudou.
Como mencionado no início do artigo, a especificação de condições
necessárias e suficientes tradicionalmente tem sido parte do trabalho dos
filósofos na análise dos termos, conceitos e fenômenos. As investigações
filosóficas do conhecimento, da verdade, da causalidade, da consciência, da
memória, da justiça, do altruísmo e de uma gama de outras questões não visam
estabelecer relações explicativas, mas, antes, identificar e desenvolver relações
conceituais (veja Jackson (1998) para uma abordagem detalhada da análise
conceitual). As análises filosóficas não oferecem geralmente condições que
fornecem razões pelas quais ou razões para acreditar que. Nem fornecem
definições de dicionários. Que Nellie seja um elefante não é uma (ou a) razão
pela qual ela é um animal, não mais do que uma figura que é um quadrado é
uma razão pela qual tem quatro lados. Antes, os elefantes são um tipo de animal,
e quadrados são um tipo de figuras de quatro lados. Especificar as condições
necessárias para a verdade da frase “esta figura é um quadrado” é especificar
várias condições, incluindo “esta figura tem quatro lados”, “esta figura é plana”, e
“esta figura é fechada”. Se quaisquer uma dessas condições for falsa, então a
frase “esta figura é um quadrado” é também falsa. Conversamente, a verdade de
“esta figura é um quadrado” é uma condição suficiente para a verdade de “esta
figura é fechada”. As relações inferenciais nesse caso são determinadas em
alguma medida – se bem que inadequadamente, como notado anteriormente –
por um operador como o gancho.
Considere agora o nosso exemplo anterior – o da memória. Penélope se
lembrar de algo – de acordo com a abordagem padrão da memória – significa
(dentre outras coisas) que a coisa lembrada esteve no passado, e que alguns
episódios prévios envolvendo Penélope desempenham um papel causal
apropriado na sua lembrança atual da coisa em questão. Seria um erro inferir do
papel causal de algum episódio passado na lembrança atual de Penélope que a
definição de memória envolve condições que sejam explicativas no sentido das

28
razões pelas quais. Penélope lembrar agora de algum evento não é uma razão
pela qual esse evento esteja no passado. Antes, os tratamentos filosóficos da
memória procuram por condições que são constituintes a priori da verdade de
frases como “Penélope se lembra de fazer X”. A exposição de tais condições não
explica Penélope estar agora se lembrando de coisas, mas, antes, fornece um
insight para saber se, e como, “lembrar” tem de ser definido. As condições que
expressam uma razão pela qual e as que expressam razão para pensar que não
desempenham um papel nessa parte do trabalho dos filósofos, o que vem a
calhar, dado que uma abordagem propriamente formalizada dessas duas
relações ainda espera por desenvolvimento.
Finalmente, dever-se-ia notar que nem todas as frases condicionais
visam primariamente oferecer condições necessárias e/ou suficientes. Um caso
comum envolve aquilo que poderíamos chamar de condicionais jocosas. Um
amigo de Lis se refere erroneamente à “Critica da Razão Pura de Platão” e Lis
observa, “Se Platão escreveu a Crítica da Razão Pura, então eu sou Aristóteles”.
Ao invés de especificar condições, Lis está empregando uma forma de redução
ao absurdo. Uma vez que é óbvio que ela não é Aristóteles, a sua piada convida
o interlocutor a inferir (por contraposição) que Platão não escreveu a Crítica da
Razão Pura.

5. Conclusão
Dados os papeis diferentes para o “se” já identificados, dificilmente
surpreende que as generalizações sobre as condições necessárias e/ou
suficientes são difíceis de formular. Suponha, por exemplo, que alguém tenta
expressar uma condição suficiente para um curso ser bom num contexto em que
o falante e todos os ouvintes compartilham o ponto de vista de que a presença
de Lambert é uma razão pela qual os cursos seriam bons. Nesse caso, poder-se-
ia dizer que a presença de Lambert é uma condição suficiente do curso ser bom
no sentido de que a sua presença é uma razão pela qual o curso é bom. Ora, há
um sentido similar em que a bondade do curso seja uma condição necessária da
presença de Lambert? A resposta negativa a essa pergunta já é evidente pela
discussão anterior. Se seguimos a proposta de von Wright mencionada
anteriormente, temos o seguinte resultado: o curso não ser bom é uma condição
suficiente de Lambert não estar presente. Mas isso não pode ser
adequadamente interpretado como uma condição suficiente de acordo com
qualquer sentido de uma razão pela qual. No máximo, o fato de o curso não ter
sido bom pode ser uma razão para se pensar que Lambert não estava lá. Assim,

29
em geral, como podemos dizer qual tipo de condição está sendo expressa na
oração subordinada de uma condicional? Como notado no caso da batalha
naval, quando reescrever no modo formal capta o sentido do que esta sendo
dito, e quando as formulações “se p, q” e “p somente se q” parecerem
idiomaticamente equivalentes, então uma interpretação inferencial será
adequada, as equivalências de von Wright se manterão, e a condicional material
poderá dar conta de tais casos.
Com já notamos, mesmo o uso inferencial do “se” não é sempre
associado primariamente com a tarefa de estabelecer condições necessárias e
suficientes. Essa observação, junto com os casos e as distinções introduzidas no
presente artigo, mostra a necessidade de se ter cuidado quando passamos das
condicionais da linguagem natural à sua análise em termos de condições
necessárias e suficientes, e também a necessidade de se ter cuidado ao
determinar as últimas condições por meio dos operadores lógicos.
Alternativamente, temos de reconhecer que há vários tipos de condicionais, e
vários tipos de condições. Assim, embora possamos às vezes usar – e usamos –
as afirmações condicionais para expressar condições necessárias e suficientes,
e possamos explicar as condições necessárias e suficientes pela análise de
alguns dos papeis do “se” nas condicionais da linguagem natural, isso não nos
dá tudo o que queremos. Em particular, não parece haver um esquema formal
para traduzir as condicionais usadas na linguagem natural em afirmações de um
tipo particular qualquer de condição ou vice-versa.

Referências
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Bennett, J., 2003. A Philosophical Guide to Conditionals, Oxford: Oxford
University Press.
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Downing, Peter, 1975 “Conditionals, Impossibilities and Material Implications”,
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Gomes, Gilberto, 2009. “Are Necessary and Sufficient Conditions Converse
Relations?”, Australasian Journal of Philosophy, 87: 375–87.
Goldstein, L., Brennan, A., Deutsch, M. and Lau, J., 2005. Logic: Key Concepts in

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Hintikka, J. and Bachman, J., 1991. What If …? Toward Excellence in Reasoning,
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Jackson, F., 1998. From Metaphysics to Ethics: A Defence of Conceptual
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Von Fintel, Kai, 1997. “Bare Plurals, Bare Conditionals and Only”, Journal of
Semantics, 14: 1–56.
Sellars, Wilfrid, 1948. “Concepts as involving laws and inconceivable without
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McCawley, James, 1993. Everything that Linguists have Always Wanted to Know
about Logic* (Subtitle: *But Were Ashamed to Ask), Chicago: Chicago University
Press.
Wertheimer, R., 1968. “Conditions”, Journal of Philosophy, 65: 355–64.
Von Wright, G. H., 1974. Causality and Determinism, New York: Columbia
University Press.
Wilson, Ian R., 1979. “Explanatory and Inferential Conditionals”, Philosophical
Studies, 35: 269–78.
Woods, M., Wiggins, D. and Edgington D. (eds.), 1997. Conditionals, Oxford:
Clarendon Press.

31
(II) Referência*

Autores: Eliot Michaelson & Marga Reimer


Tradução: Lucas Roisenberg Rodrigues
Revisão: Jerzy André Brzozowski & Pedro Merlussi

A referência é uma relação entre certos tipos de instâncias representa-


cionais e objetos1. Por exemplo, quando afirmo que “Barack Obama é um de-
mocrata”, uso um tipo particular de instância representacional – i.e., o nome
“Barack Obama” – o qual se refere a um indivíduo particular – i.e., Barack Oba-
ma. Enquanto nomes e outros termos referenciais dificilmente são os únicos

* Tradução do verbete "Reference" de Eliot Michaelson & Marga Reimer publicado pela
Stanford Encyclopedia of Philosophy (Edição da Primavera de 2019), edição de Edward
N. Zalta, URL = <https://plato.stanford.edu/archives/spr2019/entries/reference/>.
Publicado com a autorização do editor Prof. Dr. Edward Zalta.

The following is the translation of the entry on Reference by Eliot Michaelson & Marga
Reimer, in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows the version of
the entry in the SEP"s archives at https://plato.stanford.edu/archives/spr2019/
entries/reference/. This translated version may differ from the current version of the
entry, which may have been updated since the time of this translation. The current version
is located at https://plato.stanford.edu/entries/reference/. We'd like to thank the Editors of
the Stanford Encyclopedia of Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for granting
permission to translate and publish this entry.
1 O termo token foi aqui traduzido por "instância". De forma similar, traduzimos
representational token por "instância representacional". Salvo indicação em contrário,
"instância" será sempre a tradução do token. Token, como termo técnico em filosofia e
linguística, normalmente significa as instâncias concretas e particulares de um certo tipo.
Assim, por exemplo, na palavra "casa" existem quatro letras-instância, isto é, o tipo letra
é exemplificado ou instanciado quatro vezes. Todavia, se considerarmos tipos de
palavras, encontramos a ocorrência de apenas três letras-tipo: C, A e S. Se eu profiro a
sentença "a casa é apenas uma casa" temos duas instâncias do substantivo "casa" (aqui
considerado como tipo): a primeira instância correspondente ao primeiro proferimento, e
a segunda instância correspondente ao segundo proferimento. (Nota do tradutor).

32
tipos de instâncias representacionais capazes de referir (considere, por exemplo,
conceitos, mapas mentais e imagens), instâncias linguísticas como estas há
muito tempo estão no centro das investigações filosóficas sobre a natureza da
referência. Em conformidade com isto, este verbete se concentrará principal-
mente na referência linguística2 .
Assumindo que pelo menos algumas instâncias de expressões linguísti-
cas realmente referem, muitas questões interessantes surgem. Como, por exem-
plo, a referência linguística se relaciona com o ato de referir – algo que nós,
como falantes, fazemos com os termos referenciais? Como exatamente os ter-
mos referenciais vêm a referir? Ou seja, em virtude do quê eles referem ao que
referem? Existe uma resposta única a esta questão, um único mecanismo de
referência, ou diferentes respostas, dependendo do tipo de termo em questão? E
qual é exatamente a relação entre a referência e o significado?
As respostas a essas várias questões acabarão por se mostrar intima-
mente relacionadas; a tarefa deste verbete será traçar alguns dos principais gru-
pos de respostas.

1. Introdução
Utilizamos a linguagem para falar sobre o mundo. Muito do que dizemos
parece significativo; uma parte disto, presumivelmente, é até mesmo verdadeira.
Por exemplo, eu pareço estar dizendo algo verdadeiro quando, no contexto
apropriado, eu assertivamente profiro3:
1-Barack Obama é um democrata.
Como conseguimos realizar tais coisas? Como, por exemplo, eu consi-
go falar acerca de Barrack Obama, e assim dizer coisas verdadeiras e significati-
vas a respeito dele? Em uma palavra: como eu consigo me referir a Barack
Obama por meio do nome "Barack Obama"? Metaforicamente, nós parecemos
capazes de usar a linguagem para falar sobre mundo porque nossas palavras

2 Para mais sobre a referência dos estados mentais, consultar os verbetes sobre
representação mental, teorias causais do conteúdo mental, externalismo sobre conteúdo
mental, e as teorias teleológicas do conteúdo mental. Para mais sobre a referência de
imagens, consultar o verbete sobre a estética de Goodman.
3 No original, I assertively utter. O termo utter sempre será traduzido por "proferimento".
(Nota do tradutor).

33
são capazes de "engatar" nas coisas do mundo, coisas tais como Barack Oba-
ma. Nomes próprios – isto é, expressões como "Barack Obama" e "David
Cameron" – são amplamente consideradas como expressões referenciais para-
digmáticas. Embora possa parecer implausível a suposição de que todas as
palavras referem, que todas as palavras de alguma forma "engatam" em porções
da realidade, certas palavras provavelmente são do tipo referencial. Estas in-
cluem: nomes próprios, pronomes, indexicais, demonstrativos, termos para tipos
naturais, e muitos outros tipos de termos de propriedade. Descrições definidas
são outro, ainda que muito controverso, candidato. Aqui, nos concentraremos em
apenas um subconjunto destas – a saber, os frequentemente denominados ter-
mos referenciais "singulares". Estes são termos que, supondo que refiram, se
referem a objetos e indivíduos, em oposição a grupos ou propriedades. Ainda
que os termos referenciais singulares tenham sido submetidos a um intenso es-
crutínio filosófico nos últimos cem anos, ainda há muito o que discutir.
Este artigo se concentrará em cinco questões centrais relacionadas a
respeito da referência: (i) como a relação referencial, que ocorre entre as instân-
cias de uso4 e os objetos, relaciona-se com o ato de referir, algo que os falantes
fazem com esses termos? Em outras palavras, os termos se referem ao que eles
se referem em virtude de nós os usarmos com tal finalidade, ou nós usamos os
termos em virtude de eles já referirem previamente? (ii) Qual é o significado dos
termos referenciais? Eles são meramente referenciais, ou fazem algo mais? (iii)
Qual é o mecanismo da referência? Em outras palavras, em virtude do quê uma
instância de termo referencial conecta-se a um objeto particular/indivíduo? (iv)
Existe um único mecanismo de referência comum a todos os termos referenciais,
ou os diferentes tipos de termos engatam nos seus referentes em virtude de
diferentes tipos de coisas? E (v) em que medida, se é que isto acontece, pode a
referência depender de características relativamente privadas do falante5, tais
como suas intenções ou outros estados mentais?
Nosso objetivo aqui será mapear como as respostas a essas várias
questões naturalmente agrupam-se em distintas abordagens da referência,
abordagens essas que direcionam grande parte da teorização sobre certos ter-
mos ou frases referenciais. Para chegar lá, nós começaremos na seção 2 exami-

4 No original, token uses. (Nota do tradutor)


5Pronomes pessoais, tais como "ele" e "ela", salvo quando o contexto claramente indicar
o contrário, são empregados como termos de gênero-neutro. (Nota do tradutor)

34
nando as duas principais abordagens dos nomes próprios. Então, na seção 3,
nos voltaremos para os indexicais e demonstrativos, o que desafiará o pensa-
mento de que estas duas abordagens representam um conjunto exaustivo de
alternativas. A seção 4 se concentrará nas descrições definidas, o que servirá
para destacar a questão de como a relação referencial se relaciona com o ato
referencial – uma questão que serve para assinalar algumas deficiências poten-
ciais nos modelos anteriores da referência linguística. A seção 5 dará um passo
atrás para resumir os principais grupos de posições que desenvolvemos até o
momento. Finalmente, a seção 6 encerra examinando as razões para duvidar se
realmente existe alguma coisa tal como a relação referencial.
Por razões de claridade e brevidade, este verbete irá abster-se de se
aventurar profundamente em debates acerca do significado, forma sintática, ou
função dos diversos termos que nós iremos estudar. Ao invés disso, nos concen-
tramos em investigar no que pode ser dito, se é que algo pode ser dito, sobre a
referência linguística em geral. Para uma investigação mais detalhada das idioss-
incrasias destes vários termos, por favor consultar os verbetes sobre nomes,
descrições e indexicais. Recomendamos também a consulta aos verbetes sobre
tipos naturais.

2. Nomes Próprios
Os nomes próprios há muito tempo ocupam lugar central nos debates
sobre a referência linguística. Para os presentes propósitos, os trataremos como
aproximadamente co-extensivos com o que os falantes comuns (não-filosofica-
mente treinados) normalmente denominam de "nomes". Assim, expressões como
"Barack Obama", "Kyoto" e "Monte Kilimanjaro" contarão todos como nomes
próprios para os nossos propósitos. O que essas expressões têm em comum?
Em virtude do quê elas são uma classe genuína de expressões linguísticas? Ao
menos à primeira vista, estas parecem ser expressões sintaticamente simples
que se referem, ou ao menos pretendem referir, a objetos particulares ou individ-
uais. Assim, "Barack Obama" se refere a um homem particular, "Kyoto" se refere
a uma cidade particular e "Monte Kilimanjaro" se refere a uma montanha particu-
lar. E, mesmo que seja questionável se expressões como "Papai Noel" e "Sher-
lock Holmes" realmente se referem a alguma coisa, não há qualquer dúvida que,
ao menos, pretendem referir: a Papai Noel e Sherlock Homes, respectivamente.
Elas assim contam como nomes próprios para os presentes propósitos.

35
No que diz respeito aos nomes próprios, existem duas orientações bási-
cas que há muito tempo capturam a atenção dos filósofos: uma que concebe os
nomes próprios segundo o modelo das etiquetas, e outra que os concebe se-
gundo o modelo das descrições. Examinaremos brevemente estas duas visões,
juntamente com algumas complicações que surgem para cada. Então nos
voltaremos para um problema que surge para ambas: explicar como referência
funciona para nomes com mais de um portador.

2.1. Teorias Descritivistas


De acordo com as teorias descritivistas dos nomes próprios, um uso
particular de nome próprio refere quando o conteúdo descritivo, de alguma forma
associado ao uso, seleciona um objeto ou indivíduo. Em uma maneira comum de
desenvolver este tipo de concepção, associada a Gottlob Frege (1982) e
Bertrand Russell (1911), um conteúdo descritivo particular está ligado a um dado
uso de um nome porque o falante associa este conteúdo, em sua mente, ao
nome em questão. Para que o uso do nome venha a referir, este conteúdo des-
critivo precisa determinar um único referente para o nome. Assim, quando o
falante usa o nome "N" e, ao fazê-lo, se refere com sucesso a um objeto particu-
lar ou indivíduo x, este tipo de descritivista alega (i) que o falante deve pensar
em N como o (único) F e (ii) que x deve ser o (único) F. Em outras palavras, este
tipo descritivista "clássico" afirma que o sucesso referencial depende do falante
associar a cada nome em seu repertório algum conteúdo F que seleciona um
único objeto específico. Reciprocamente, quando os falantes não conseguem
associar uma descrição suficientemente precisa a um nome, este tipo de des-
critivismo prevê que a referência falhará.
Descritivistas clássicos, como Frege e Russell, estavam dispostos a
reconhecer que o conteúdo descritivo em questão pode variar – algumas vezes
de maneira bastante acentuada – de um falante para outro. De fato, segundo
Russell, esses conteúdos podem variar ao longo do tempo para um e mesmo
falante. Assim, embora eu possa associar o nome "Obama" ao conteúdo descriti-
vo o presidente anterior dos EUA, Michelle Obama pode associar o mesmo nome
ao conteúdo descritivo meu marido. Se Trump assumisse poderes ditatoriais,
meu conteúdo identificatório associado a Obama poderia mudar – talvez para
algo como o último presidente legítimo dos Estados Unidos. Se Barrack e
Michelle se divorciassem, o conteúdo identificatório para Michelle sem dúvida
também mudaria – talvez para meu ex-marido. Em todos esses casos, o indiví-
duo referido pelo nome é determinado (ou, como é frequentemente colocado,

36
"selecionado" ou "fixado") pelo conteúdo descritivo particular que o falante asso-
cia ao nome. Porque o conteúdo descritivo em questão é tipicamente caracteri-
zado por meio de uma descrição definida (uma expressão da forma o F), tais
teorias são frequentemente (ainda que de maneira um pouco enganadora)6 con-
hecidas como "teorias descritivistas" dos nomes próprios.
Para ter uma visão mais clara do apelo intuitivo do descritivismo, con-
sidere um caso no qual conhecemos dois indivíduos nomeados "David Cameron"
– um deles é um amigo em comum e nunca exerceu um cargo eletivo, enquanto
o outro é o ex-Primeiro Ministro do Reino Unido. Suponha agora que eu asserti-
vamente profira:
2-David Cameron cometeu um grave erro.
Se, por alguma razão, você está confuso sobre quem eu estou falando,
é natural que você pergunte “a qual David Cameron você se refere?” Eu posso
então responder “ao ex-Primeiro Ministro do Reino Unido”, e isto parece estar de
acordo com os fatos. Isto é, supondo ser esta a descrição que eu tinha em
mente, então parece que o meu proferimento de (2) é genuinamente sobre David
Cameron, o ex-Primeiro Ministro, e não sobre nosso amigo em comum, o não-
político. De forma semelhante, a verdade ou falsidade de (2) parece depender de
como as coisas são com o Primeiro ministro e não de como as coisas são com
nosso amigo homônimo.
Alguns outros aspectos do apelo do descritivismo se tornam evidentes
quando nós pareamos a tese acima considerada, uma tese acerca do quê de-
termina a referência, com outra tese que naturalmente a acompanha, a saber, a
tese de que os conteúdos descritivos associados com os usos dos nomes tam-
bém fornecem o significado das instâncias dos nomes. Em outros termos, nomes
próprios podem muito bem referir, mas talvez eles o façam apenas através dos
seus significados, os quais são mais semelhantes às descrições definidas. Ao
adotar essa tese, a descritivista tem explicações prontamente disponíveis para
um amplo conjunto de casos filosoficamente interessantes. Assim, considere:
3- Héspero é Fósforo
4- Papai Noel vive no Polo Norte.

6 Searle (1983) alega que construir o conteúdo determinante das referências como
linguisticamente especificável em todos os casos é interpretar mal a natureza de tal
conteúdo. Alguns conteúdos podem (por exemplo) ser baseados na percepção, mas não
linguisticamente especificáveis. Consultar também Frege (1892).

37
5- Fred acredita que Cícero, mas não Túlio, era romano.
(3) é verdadeira, mas não cognoscível a priori. Dito isso, se o significado
desses dois nomes é apenas a sua referência, nós não temos uma explicação
óbvia de por que (3) não é cognoscível a priori. Afinal de contas, a proposição (3)
torna-se uma instância da lei da auto-identidade – algo que muito plausivelmente
é cognoscível a priori. O descritivista sobre o significado, no entanto, pode dizer
que (3) afirma, na verdade, que duas descrições distintas são satisfeitas pelo
mesmo objeto. Diante das descrições que seriam relevantes para esse caso, isso
não é algo que, plausivelmente, possa ser cognoscível a priori. (4) apresenta um
tipo diferente de desafio: se o nome "Papai Noel" falha em referir, então como o
proferimento desta sentença pode contar como significativo? Em outras palavras,
acerca do quê é esta sentença? Novamente, o descritivista sobre significado tem
uma resposta fácil. (4) significa algo como: existe um único elfo barbudo e alegre
que vive no Polo Norte. Finalmente, alguém poderia preocupar-se com o fato de
que se "Cícero" e "Túlio" apenas referem, e se referem à mesma coisa, então é
difícil ver como Fred poderia acreditar algo acerca de um, mas não acreditar o
mesmo acerca do outro. Porém, se Fred associa cada nome a uma descrição
diferente, e se estas descrições são cruciais para o significado de (5), então o
problema simplesmente é dissolvido.
O desafio central à teoria descritivista é que parece haver razão para
suspeitar que nomes próprios não são semanticamente equivalentes às de-
scrições definidas. Saul Kripke, por exemplo, argumenta que nomes próprios
selecionam o mesmo objeto, ainda quando sob o escopo de termos modais tais
como "poderia", ao passo que descrições definidas tipicamente não o fazem.
Retomando nosso exemplo anterior de "David Cameron", e supondo que a de-
scrição que eu associo com Cameron é o ex-primeiro ministro que convocou o
referendo para o Brexit, parece que eu ainda posso verdadeiramente afirmar:
6-David Cameron poderia não ter convocado o Brexit.
Se o descritivismo está correto sobre o significado e a referência, entre-
tanto, então (6) deve ser equivalente a:
7- Poderia ter sido o caso que: o Primeiro Ministro Britânico que convo-
cou o referendo sobre o Brexit não convocou o referendo sobre o Brexit.Por cer-
to, (7) não é realmente uma alegação do português7 comum. Ainda assim, man-
tendo fixo o fato de que estamos falando de possibilidade metafísica, ao invés de

7 No original, ordinary english. (Nota do tradutor)

38
epistêmica, deveria ser suficientemente claro que () é falsa: se há alguém que
satisfaz a descrição "o Primeiro Ministro Britânico que convocou um referendo
sobre o Brexit" em qualquer situação possível que venhamos a considerar, então
esse mesmo indivíduo convocou um referendo para o Brexit nessa mesma situ-
ação possível.
Agora, em um português8 mais usual, existe uma maneira de entender
que considera a frase (6) como verdadeira: assumindo que estamos falando so-
bre o Primeiro Ministro que atualmente convocou o referendum, é claro que ele
poderia não ter convocado. Mas não é assim que tipicamente se presume que as
descrições definidas funcionam; ao contrário, normalmente se supõe que elas
são flexíveis, ou não-rígidas através do espaço de possibilidades, selecionando o
quer que as satisfaça em qualquer situação que venhamos a considerar. Assim,
se o descritivista se vale deste tipo de manobra defensiva, como alguns foram
tentados a fazer, então ele teria que motivar a alegação de que nomes não são
semanticamente equivalentes a descrições definidas per se, mas, ao contrário,
às suas versões "atualizadas" ou "rigidificadas"9 .
Este desafio pode ser evitado por um descritivista disposto a abandonar
a alegação que o significado de um nome próprio, em uma dada ocasião, é
equivalente a uma descrição definida. Neste caso, uma descrição associada vai
fixar a referência relativamente ao mundo atual, e então o referente é o que for
relevante para determinar a verdade de enunciados modais. Esta resposta, en-
tretanto, implica abandonar as boas explicações de (3)-(5) que o mais compro-
metido descritivista do significado estava disposto a fornecer. E ainda mais,
mesmo esta versão mínima do descritivismo irá encontrar um outro problema
levantado por Kripke, frequentemente denominado de problema "semântico".
Eis o problema: frequentemente, não associamos a um nome infor-
mação suficiente para selecionar qualquer indivíduo em particular. Mesmo assim,
parecemos capazes de usar este nome para nos referir a um indivíduo específi-
co. Kripke apresenta como exemplo o nome "Feynman". A maioria das pessoas,
alega Kripke, irão apenas conhecer Feynman como um físico; elas não saberão
nada, além do nome, que serviria para diferenciar Feynman de qualquer outro
físico do qual ouviram falar. O problema é que uma descrição indefinida como um

8 Vide nota anterior do tradutor. (Nota do tradutor)


9Para uma discussão extensa, consultar Soames (2002). Consultar também o verbete
sobre os designadores rígidos.

39
físico não será suficiente para selecionar qualquer indivíduo particular no mundo.
Mesmo um físico denominado "Feynman" tampouco funcionará, ao menos em
um mundo no qual dois físicos possuem o mesmo nome. Na melhor das hipóte-
ses, esse tipo de descrição irá selecionar um membro arbitrário de uma classe
de indivíduos, não um indivíduo determinado. Além disso, como Kripke aponta,
parece perfeitamente coerente para alguém que nada sabe a respeito de Feyn-
man, que apenas ouviu alguém usando o nome, dizer a si mesmo "eu me per-
gunto quem é Feynman", ou perguntar à seu amigo "Quem é Feynman?". Em
cada um destes casos, o natural a dizer é que o falante está usando o nome
"Feynman" para perguntar, a si mesmo ou aos outros, a respeito de Feynman.
Como ele pode fazê-lo, entretanto, parece muito difícil para o descritivista ex-
plicar – supondo (i) que ele quer manter a conexão entre as descrições associ-
adas e a informação disponível ao falante individual, e (ii) que ele não está dis-
posto a confiar em descrições como a quem quer que a pessoa de quem eu ouvi
este nome estava usando-o para se referir.
Antes de avançar para a alternativa milliana, é importante notar que
alguns descritivistas tentaram defender a teoria abandonando a conexão men-
cionada em (i). P.F. Strawson (1959), por exemplo, sugeriu que falantes podem
confiar nos outros quanto ao fornecimento do conteúdo descritivo relevante, o
conteúdo que serve para engatar um dado uso de um nome em um objeto ou
indivíduo no mundo. De fato, Strawson permite que grupos efetivamente utilizem
nomes para referir, desde que exista entre eles ao menos um conhecedor da
referência do nome, para quem o seguinte é verdadeiro: quando coletamos as
opiniões dos conhecedores da referência, uma multiplicidade de descrições que
eles associam ao nome relevante são verdadeiras de um único objeto. Com isso,
o descritivista consegue efetivamente lidar com o caso “Feynman” de Kripke,
mas o faz às custas da intuição. Por ora, o descritivista não apenas perdeu a sua
capacidade de explicar (3)-(5), como também correu o risco de fazer os falantes
não terem qualquer acesso especial à pessoa da qual eles estão falando quando
estão usando um nome. Se os falantes regularmente carecem de informação
suficiente para identificar o referente do seu próprio uso de um nome próprio,
então não fica claro por que estaríamos justificados em confiar neles para re-
sponder à questão “A respeito de qual N você está falando?”. Alguns podem es-
tar tentados a pagar este preço. Outros podem ser tentados a integrar partes do
descritivismo em suas teorias que, fora isso, são teorias anti-descritivistas. De
fato, esta última opinião tem se provado popular, e muito do que segue pode ser

40
visto como um estudo do desempenho desta estratégia com respeito aos difer-
entes tipos de termos referenciais.

2.2. Herdeiros Millianos


A principal alternativa à teoria descritivista dos nomes é tipicamente
denominada de "millianismo". Segundo esta visão, que remonta a John Stuart
Mill (1867), o significado de um nome é simplesmente o seu referente. Em sua
forma moderna, ela foi introduzida por Ruth Barcan Marcus (1961), que propôs
considerar os nomes próprios como "etiquetas". Dizer que o nome próprio é uma
etiqueta é, para Marcus, dizer que ele não possui nenhum significado linguístico
para além do seu referente. Nomes próprios, de acordo com este tipo de visão,
não referem por meio das descrições, as quais eles alegadamente substituem.
Ao contrário, eles referem diretamente, como as vezes é afirmado, aos seus por-
tadores. Consequências importantes desta teoria incluem, como assinala Mar-
cus, a consequência de que enunciados de identidade entre termos co-referenci-
ais são verdades necessárias – algo que, ainda que muito intuitivo, não é garan-
tido por muitas teorias descritivistas dos nomes próprios10. Outras consequências
importantes incluem a dissolução de enigmas envolvendo a substitutividade em
contextos modais (Marcus 1993).
É claro, dizer que nomes funcionam como etiquetas – ou que eles são
"diretamente referenciais" – não é fornecer uma teoria completa acerca dos
nomes. Isto vai exigir, ao menos, uma explicação do que faz um nome a etiqueta
particular que ele é. Em outras palavras, nós precisamos especificar o que,
senão a descrição associada, fixa a referência do nome em um contexto. Colo-
cando de maneira ligeiramente diferente, a alegação de que nomes funcionam
como etiquetas efetivamente nos fornece uma semântica dos nomes. O que nos
falta é uma metasemântica dos nomes, uma teoria que nos diga qual valor
semântico deve ser associado a cada nome, e o porquê.
A opção mais popular foi associar a semântica milliana a uma con-
cepção metasemântica, o que foi sugerido ao mesmo tempo por Peter Geach
(1969), Keith Donnelan (1970), e o previamente mencionado Kripke (1972). Tipi-
camente denominada de "teoria causal da referência", a ideia central desenvolvi-
da nestes trabalhos é que (o uso de) um nome se refere ao que estiver ligado a

10Para uma prova formal da necessidade da identidade na lógica modal quantificada,


consultar Marcus (1947).

41
ele da maneira apropriada – uma maneira que não requeira que os falantes as-
sociem qualquer conteúdo descritivo identificatório ao nome. A teoria causal é
geralmente apresentada com dois componentes: um que lida com a fixação da
referência, outro que lida com o empréstimo da referência. A referência, neste
tipo de visão, é inicialmente fixada por meio de um ato de nomeação ou batismo.
Em outras palavras, o usuário da linguagem dá o nome a um objeto, ao dizer
algo como “você será denominado "N"”. Supõe-se que no caso padrão aquele
que nomeia está presentemente percebendo o objeto no momento em que pro-
fere estas palavras. Assim, após o ato inicial de fixação da referência, o nome é
transmitido de falante para falante através de trocas comunicativas. Os falantes
são bem-sucedidos em referir a algo por meio do nome, segundo esta visão,
porque, subjacente aos usos do nome, estão ligações em uma cadeia causal que
se estende até o ato inicial de nomeação do objeto. Falantes subsequentes efeti-
vamente "tomam emprestada" a sua referência dos falantes anteriores da cadeia,
embora os devedores não precisem ser capazes de identificar qualquer um dos
credores dos quais dependem. Tudo o que se requer é que os devedores este-
jam apropriamente conectados aos seus credores através de cadeias de comu-
nicação, as cadeias de transferência de nomes.
Como Kripke aponta, complicações surgem devido ao fato de que nós
podemos aparentemente reutilizar nomes. Assim, eu posso ter encontrado com o
nome "Napoleão" através de uma cadeia de uso que se estende até o mais
famoso dos generais franceses. Depois de escutar o nome, eu posso agora de-
cidir nomear o meu gato, o qual gosta de inspecionar imperiosamente o domínio
do meu apartamento, de "Napoleão". Quando eu uso o nome desta maneira,
minhas intenções tornam claro, alega Kripke, que eu introduzi um novo nome, ou
ao menos o novo uso de um nome. Isto é assim, apesar de existir um sentido
muito real no qual eu herdei o nome de uma tradição histórica que remonta à
França do século 18. O resultado é este: nem todo tipo de conexão causal a um
uso anterior é igual, segundo o teórico causal. Algumas ajudam a fixar a referên-
cia, enquanto outras são irrelevantes. Embora seja bom possuir uma teoria com-
pleta que permita identificar quais são relevantes e quais não são, foi demon-

42
strado que é notavelmente difícil fornecer uma explicação adequada para essa
distinção11 .

2.3. Nomes com Múltiplos Portadores


Até agora, em geral procedemos como se os nomes fossem unívocos –
isto é, como se apenas uma pessoa ou coisa pudesse portar um único nome.
Porém, isto dificilmente parece correto. Como já vimos, parece que um nome
como "David Cameron" pode ser aplicado igualmente bem, tanto ao Primeiro
Ministro Britânico como a quaisquer pessoas cujos pais tivessem decidido de-
nominá-las assim, independente da política dos seus respectivos pais; similar-
mente, uma vez que eu tenha nomeado meu gato de "Napoleão", parece que o
nome "Napoleão" pode ser usado igualmente para falar tanto sobre o maior dos
generais franceses quanto, alternativamente, sobre meu gato. Descritivistas
clássicos não têm qualquer problema com a explicação disto, dado que, a cada
uso de um nome, sua referência essencialmente é fixada novamente por qual-
quer descrição que o falante tenha em mente. Em outras palavras, de acordo
com o descritivista, é por mero acaso que os usos dos nomes algumas vezes co-
referem. Isto pode parecer um preço muito alto a pagar. Por outro lado, uma vez
nos distanciado do descritivismo clássico, explicar como nomes podem referir a
diferentes indivíduos em circunstâncias distintas se torna muito mais desafiador.
Considere um descritivista do tipo strawsoniano, para quem o proferi-
mento do nome "N" se refere de acordo com a multiplicidade de crenças dos
conhecedores relevantes da referência. O que então faremos com nomes como
"David Cameron", o qual às vezes se refere ao ex Primeiro Ministro Britânico, e
outras ao nosso amigo comum? Não podemos simplesmente agregar toda a
informação relevante associada com esse nome, considerado em sua forma or-
tográfica ou fonológica, e então verificar quem a pluralidade destas crenças sele-
ciona. Pois isto nos permitiria apenas referir a um destes David Camerons, e isto
dificilmente parece correto. Parece, portanto, que uma descrivitista deste tipo
terá de pensar nos nomes de uma maneira mais refinada. Todavia, isto não será

11 Consultar Evans (1973, 1982) para diversos casos adicionais que se mostraram
vexatórios para o teórico causal mais comprometido. Evans também esboça uma
importante variação da teoria causal – a qual se concentra na causa da pluralidade de
crenças do falante, ao invés da aquisição do nome em si mesmo – e que supostamente
resolve a maioria destas preocupações. Para desenvolvimentos posteriores desta linha
geral de pensamento, consultar Dickie (2015).

43
fácil. Ela não pode simplesmente apelar novamente para a informação que o
conhecedor da referência tem disponível para a tarefa – pois nós podemos facil-
mente imaginar alguém que possui nomes para ambos os David Camerons em
seu vocabulário e, no entanto, carece de informação suficiente para distinguir um
do outro.
Questões semelhantes surgem para o milliano. Aqui, contudo, algumas
propostas concretas foram apresentadas. Por exemplo, David Kaplan (1990)
argumentou que, contrariamente às aparências, cada nome possui apenas uma
referência. De fato, Kaplan sugere que nós devemos pensar os nomes como
parcialmente individuados pelos seus referentes. Em outras palavras, de acordo
com Kaplan, alguém não pode simplesmente "identificar" qual nome foi utilizado
com base na sua forma fonológica ou ortográfica manifesta. Ao contrário, Kaplan
afirma que pode existir qualquer número de nomes, todos pronunciados e es-
critos como "David Cameron". Embora cada um destes nomes seja escrito e pro-
nunciado identicamente, cada um se refere a uma pessoa diferente. A questão
então se torna: o que determinada qual nome um falante usou em um dado con-
texto? Kaplan sugere que a resposta a esta questão tem relação com os estados
mentais da falante, e em particular a intenção da falante de falar a respeito deste
ou daquele indivíduo. Com efeito, Kaplan considera que escutar o nome produz
em nós uma marca mental, análogo mental de um nome linguístico, a qual se
refere diretamente a um indivíduo particular. Ao buscar a quem ou a que esta
marca se refere, nós passamos a conhecer as propriedades referenciais da
enunciação ou inscrição usada para expressar este fenômeno mental. Resumi-
damente, na teoria de Kaplan os nomes são, em primeiro lugar, um fenômeno
mental. Nós, é claro, usamos certos sinais gráficos e sons para externalizar as
marcas mentais, ou nomes mentais, que adquirimos uns dos outros no decurso
do tempo; nomes linguísticos, no sentido de alguma coisa que possui pro-
priedades referenciais, são tipos de usos de uma forma fonológica e ortográfica
particular para externalizar o uso de um nome e para referir em pensamento.
Entretanto, a teoria de Kaplan tem algumas consequências estranhas.
Por exemplo, que nunca duas pessoas realmente compartilham o nome – pois
um nome vem completo com suas características referenciais. Kaplan sugere
que as pessoas não compartilham os nomes, mas, ao contrário, algum aspecto
comum de como os seus nomes tendem a ser externalizados. Em outras
palavras, segundo Kaplan, compartilha-se um nome com alguém quando ambos
os nomes pertencem às mesmas classes fonológicas e ortográficas. Kaplan de-
nomina esses últimos de "nomes genéricos", em oposição aos "nomes

44
correntes", os quais, para ele, são os portadores de propriedades semânticas
como a referência.
Insatisfeitos com as propostas de Kaplan aqui apresentadas, outros
teóricos da referência direta adotaram respostas diferentes ao problema dos
nomes com múltiplos portadores. Por exemplo, Francois Recanati (1997) e
Michael Pelczar e Joe Rainsbury (1998) sugeriram que nomes devem ser trata-
dos segundo o modelo dos indexicais, um tipo de termo que logo discutiremos
em mais detalhes. Resumidamente, a sugestão é a seguinte: existe um e único
nome "David Cameron", mas o contexto torna claro a qual indivíduo um proferi-
mento particular deste nome se refere. Com efeito, esta proposta preserva algo
da teoria causal – ao permitir que batismos e transferências de nomes sejam o
tipo de coisa que determina o conjunto de possíveis referentes associados a um
nome em um período qualquer – enquanto apela a outra característica do con-
texto para realizar o trabalho de selecionar um indivíduo deste grupo. Um prob-
lema persistente é que, contrariamente aos indexicais como "eu" ou "aqui", não é
claro quais aspectos do contexto podem ajudar a fazer esta seleção. As coisas
pioram quando passamos a considerar contextos nos quais múltiplas pessoas
portadoras do mesmo nome estão todas presentes, e sobre todas elas se fala no
decurso de um único proferimento (e.g., “David era Primeiro Ministro, agora afas-
tado após um período de desgraça, enquanto David é um encanador
confiável”)12 . Uma possibilidade seria afirmar que nomes próprios funcionam
mais como os demonstrativos "isto" e "aquilo" do que como indexicais puros.
Alternativamente, alguém poderia afirmar que nomes próprios por eles mesmos
denotam apenas a propriedade de portar o nome relevante, mas que a referência
singular emerge quando os nomes próprios são suplementados com um deter-
minante como "aquele" ou "a" para formar um sintagma determinante, tal como
"aquele David" ou "a Michelle" (consultar Burge (1973) e Graaf Fara (2015), re-
spectivamente; consultar também os verbetes sobre nomes para mais sobre tais
visões "predicativistas"). Em linguagens como o inglês, por exemplo, estes de-
terminantes acabariam por ser predominantemente silenciosos. Ainda assim,
alguém poderia julgar que a existência de determinantes silenciosos é um bom
preço a pagar por uma estória coerente sobre a referência dos nomes (ou sin-
tagmas nominais definidos contendo nomes, como pode ser o caso) compatível

12 Consultar Rami (2014) para discussões úteis sobre estas questões e uma formulação
alternativa da visão indexical, desenvolvida para lidar com muitas destas questões.

45
com a alegação de que dois indivíduos podem genuinamente compartilhar o
mesmo nome.
Como já deve estar claro, para melhor entender estas últimas propostas
devemos primeiro esclarecer como a referência supostamente funciona para
cada um destes diversos termos e frases: indexicais puros, indexicais impuros,
demonstrativos complexos e descrições definidas. Nas próximas seções, trabal-
haremos para preencher estas lacunas.

3. Indexicais
Vimos dois modelos básicos de como as palavras se referem às coisas.
No modelo descritivista, palavras referem por estarem associadas, de algum
modo, à descrição que isola um objeto particular como o referente. Versões
diferentes deste modelo resultam de maneiras diferentes de associar as de-
scrições relevantes aos usos particulares das palavras. No modelo causal, em
contraste, palavras são associadas com cadeias de uso que levam de volta a
algum ato original de nomeação ou batismo. O ato de nomeação ele mesmo
serve, então, para fechar a lacuna entre a palavra e o mundo. Embora ambos os
modelos tenham sido desenvolvidos com os nomes em mente, devemos nos
questionar: “pode algum deles servir para explicar a referência linguística em
geral? Isto é, pode algum dos modelos plausivelmente ser estendido para outros
termos referenciais, além dos nomes?”
Para responder a esta questão, e no final introduzir um terceiro modelo
distinto de referência linguística, agora nós voltamos para os indexicais. Isto é,
nós voltamos para termos como "eu", "você", "aqui", "agora", "ele", "ela", "isto" e
"aquilo". Logo veremos, não é nada claro que todos os indexicais referem da
mesma maneira. Em particular, uma distinção foi frequentemente feita entre os
denominados indexicais "puros" e "impuros", com diferentes teorias da referência
sendo propostas para cada. Os desafios que surgem na tentativa de explicar os
indexicais puros nos farão retornar a uma das questões com as quais
começamos: a saber, as palavras referem porque as usamos para referir, ou nós
as usamos para referir porque elas previamente já referem?

3.1. Indexicais Puros


O que são indexicais puros? Grosso modo, eles são expressões refer-
enciais que parecem co-variar com certos aspectos regulares do contexto nos
quais são usados. Aqui, "contexto" deve ser entendido como incorporando, inter

46
alia, um falante, ouvinte, tempo e lugar. Contrariamente ao que acontece com os
indexicais puros, se supõe que a referência de indexicais "impuros" seja mais
difícil de caracterizar em termos da seleção de uma propriedade do contexto,
distinta e repetível. Embora tanto a existência, como o significado desta distinção
sejam controversos (consultar o verbete sobre indexicais para discussões poste-
riores; consultar também Radulescu (2018)), exemplos de cada um destes tipos
tipicamente não são – caso a distinção se prove real e significativa. Exemplos
padrões de indexicais impuros incluem "eu", "aqui", "agora" e provavelmente
"você". A lista de indexicais impuros, por outro lado, geralmente inclui "este",
"aquilo", "ele", "ela" e "isto".
A abordagem tradicional dos indexicais, a qual remonta mais uma vez a
Frege e a Russell, afirma que a referência de tais expressões é fixada por algum
tipo de conteúdo descritivo associado pelo falante com a expressão. Esta de-
scrição fixadora da referência é o significado de um dado proferimento de uma
expressão. A motivação para tal visão é muito intuitiva. Indexicais certamente
parecem significar algo, e os seus significados presumivelmente têm algo a ver
com a forma pela qual essas expressões referem. Por exemplo, o significado de
"eu" é provavelmente o falante deste proferimento e se refere a este indivíduo; o
significado de "agora" é provavelmente o tempo deste proferimento e se refere a
este tempo. E assim por diante.
Uma objeção óbvia a esta visão é que a referência do termo "eu" não
parece sensível a nenhum tipo de conteúdo descritivo que um falante possa vir a
associar com o termo. Por exemplo, o fato de que eu poderia associar a de-
scrição o presidente anterior dos E.U.A ao termo "eu" não significa que eu pode-
ria de alguma forma ser bem sucedido em usar o termo "eu" para referir a Barack
Obama. Outro problema, discutido longamente em Kaplan (1989b), é que tomar
as descrições determinantes da referência como parte do que asserimos quando
usamos indexicais pode levar a previsões bastante estranhas. Considere o pro-
ferimento assertivo de:
8-Eu estou com fome.
Suponha, primeiro, que eu sou o falante. Eu profiro (8). Agora, suponha
que você é o falante. Você profere (8). Embora possa existir um sentido no qual
"dizemos a mesma coisa" – isto é, o sentido no qual proferimos a mesma sen-
tença-tipo – existe um sentido no qual nós claramente não dizemos a mesma
coisa. Nós também podemos colocar assim: afirmamos coisas muito diferentes.
E ainda assim, de acordo com o descritivismo clássico, nós dois afirmamos a

47
mesma coisa. A saber, afirmamos que o falante está com fome. Tudo o que
difere é o contexto no qual nós dois afirmamos isto.
Agora, para deixar claro, existem maneiras de modificar a teoria para
evitar ambas as objeções. Alguns, como Hans Reichenbach (1947), ou mais re-
centemente Manuel Garcia-Carpintero (1998) e John Perry (2001), argumen-
taram que indexicais são frequentemente "instância-reflexivos", o que significa o
seguinte: as descrições associadas aos termos deverão envolver referência ex-
plícita à própria instância de uso do termo. Assim, por exemplo, a descrição de
"eu" poderia ser: o falante desta própria instância de "eu". Uma vez que difer-
entes instâncias estarão envolvidas quando cada um de nós profere (8), nós não
mais estaremos afirmando a mesma coisa. Se nós acrescentarmos que, para
instâncias indexicais ao menos, as descrições relevantes não estão sob o cont-
role do falante, porém estão associados com termos particulares através das
regras da linguagem, então nós podemos evitar as objeções anteriores também.
Um tipo diferente de abordagem foi desenvolvida pelo aluno de Reichn-
bach, David Kaplan. Kaplan (1989b) tomou muitos dos mesmos elementos com
os quais Reichenbach trabalhava, mas os inseriu em uma abordagem de refer-
ência direta, na qual o significado de um indexical em um contexto – a sua con-
tribuição para o que é dito ou afirmado – é apenas um objeto. De acordo com
Kaplan, precisamos distinguir entre dois tipos de significado, os quais denominou
de "caráter" e "conteúdo". Conteúdo é basicamente o que até aqui denominamos
significado; é a contribuição do proferimento de um termo individual para o que é
dito ou afirmado pelo proferimento de uma sentença completa da qual é parte.
De acordo com as teorias da referência direta, o conteúdo é um objeto, o que,
por conseguinte, torna a verdade ou falsidade da afirmação dependente do obje-
to. Caráter, por outro lado, é mais semelhante a uma regra de uso; um caráter
nos diz, para um contexto qualquer, qual é o conteúdo de uma dada expressão.
Os nomes, como Kaplan pensa a respeito deles, possuem caracteres con-
stantes: em dois contextos arbitrariamente escolhidos, usos do mesmo nome
serão mapeados no mesmo referente (lembre que Kaplan pensa em nomes a
partir uma análise mais refinada, na qual eles nunca são partilhados). A regra
para qualquer nome "N" assim se torna: em qualquer contexto, retorne N como o
referente. O mesmo não pode ser dito para termos como "eu" e "aqui", os quais
Kaplan associa com regras como retorne o falante e retorne a localização da
qual parte o proferimento. Assim, em um contexto no qual eu estou falando no
bar do Foyle, proferimentos destes indexicais irão referir a mim e ao bar do

48
Foyle, respectivamente. Quando você está falando no American Bar, eles irão
referir a você e ao American Bar.
É importante ressaltar que os caracteres dos indexicais puros não são
sensíveis aos estados mentais dos falantes. Isto exclui qualquer possibilidade
que eu venha a usar "eu" para me referir a Barack Obama. Tampouco são o meu
e o seu proferimentos de (7) predicados ou afirmados da mesma coisa. Além
disso, conforme aponta Kaplan, esta visão nos permite produtivamente distinguir
entre necessidade "metafísica" e o que ele denomina de necessidade "lógica". A
sentença "eu estou aqui agora", alega Kaplan, representa a necessidade lógica:
em virtude do significado dos indexicais "eu", "aqui", e "agora", esta sentença
não pode ser proferida falsamente. Todavia, claramente não é necessário, em
um sentido metafísico qualquer, que uma falante particular esteja no lugar em
que ela está no momento do proferimento; ela poderia igual e facilmente estar
em algum outro lugar qualquer13 .
Agora temos à nossa disposição três modelos básicos da referência, da
metasemântica dos termos referenciais: o modelo descritivo, o modelo da cadeia
causal, e o modelo do caráter. Com o último desses em vista, podemos esclare-
cer um aspecto importante da teoria indexical dos nomes que foi discutida no fim
da última seção. Essencialmente, esta teoria propõe misturar os nossos segun-
dos e terceiros modelos. No lugar de nomes que contêm caracteres constantes,
como Kaplan afirmou, a proposta atribui a eles alguns caracteres mais interes-
santes. Por exemplo, nós podemos tentar estipular que o contexto, além de con-
ter um falante, lugar, tempo, etc., também deve incluir o mais saliente indivíduo
que porta o nome dado. Nomes, de acordo com esta ideia, sempre referem ao
mais saliente portador em um dado contexto. Uma vez que nomes não mais pos-
suem caracteres constantes, eles são mais como indexicais do que incialmente
pensávamos. Por outro lado, podemos preservar uma boa parte da teoria causal,

13 Uma literatura significativa floresceu a respeito desta alegação, centrada no que foi
denominado "o paradoxo da máquina que responde". Para uma revisão recente,
consultar Cohen e Michaelson (2013). Consultar também o verbete sobre indexicais para
discussões e referências adicionais.

49
ao recaracterizá-la como uma teoria acerca do que conta como portador de um
nome em um dado contexto14 .
Esta maneira de desenvolver a teoria indexical, todavia, não está isenta
de características negativas. Por exemplo, dificilmente é verdade que nós sem-
pre usamos nomes para referir ao mais saliente portador do nome em um dado
contexto, ainda mais quando passamos a considerar proferimentos de nomes
prefixados por sintagmas como "o outro" (p.ex, “O outro David não está aqui ain-
da, mas eu posso ouvi-lo a partir do corredor”). E ainda mais: existe razão para
suspeitar que este tipo de teoria indexical implica o abandono de uma das ale-
gadas vantagens da teoria causal: sua habilidade em explicar como con-
seguimos transmitir a capacidade de pensar sobre objetos meramente com base
na transmissão de nomes dos objetos de um falante para o outro. Uma vez que
nomes estão causalmente ancorados aos objetos que nomeiam, segundo a teo-
ria causal, adquirir um novo nome deveria ser suficiente para nos colocar em
contato causal com o objeto nomeado. De acordo com a teoria indexical dos
nomes, por outro lado, não transmitimos os nomes das coisas; ao contrário, nós
os usamos para referir ao portador mais saliente do nome em um dado contexto.
Talvez isto seja suficiente para transmitir o uso de um nome – carregado, por
assim dizer, com um referente – quando o ouvinte não possui previamente o uso
em seu repertório. Porém, se o ouvinte não acrescenta este uso ao seu re-
portório, então se torna difícil ver como o referente deste uso poderia contar
como o portador mais saliente do nome relevante neste contexto.

3.2. Indexicais Impuros


Em contraste com os indexicais impuros, a referência dos indexicais
impuros como "ele", "ela", e "isso" ou os "verdadeiros demonstrativos" como
"isto" e "aquilo" parece menos sujeita a uma análise em termos do caráter. Afinal
de contas, qual é a característica regular do contexto discursivo que qualquer um
destes termos poderia servir para selecionar? Uma opção seria dizer que instân-
cias de cada um destes termos simplesmente se referem ao demonstratum no
contexto. Porém, isto não apenas ameça nos forçar a dizer que todos estes ter-
mos efetivamente significam a mesma coisa – o que parece muito contraintuitivo

14No entanto, consultar Gray (2014, 2015) e Jeshion (2015) para uma razão para pensar
que tal explicação do portador do nome não será plenamente adequada. Também é
digno de nota que a necessidade de desenvolver uma explicação do portador do nome é
um desafio particularmente saliente para os predicativistas sobre nomes próprios.

50
– como agora também precisamos saber o que exatamente serve para fazer com
que algo seja o demonstratum em um determinado contexto. E o que faremos
quando diversos termos como estes, ou múltiplas instâncias do mesmo termo,
forem usados no período de um mesmo proferimento? Iremos realmente acredi-
tar que envolvem não apenas a função do demonstratum, mas também a função
do primeiro demonstratum, a função do segundo demonstratum, etc.?
Várias respostas possíveis surgem neste momento. Primeiro, podemos
tentar tirar vantagem do fato de que muitos destes termos são acompanhados
por gestos ostensivos. Talvez, conforme sugerem Kaplan (1978) e McGinn
(1981), sejam tais gestos que transformam tais objetos nos demonstrata dos
respectivos contextos – um por cada uso de um indexical impuro. Esta sugestão
também proporciona uma maneira natural de entender o que faz algo o primeiro
demonstratum em oposição ao segundo, e assim por diante. Por outro lado, esta
abordagem enfrenta uma objeção bastante séria: muitos usos perfeitamente ad-
equados de indexicais impuros e demonstrativos simplesmente não são acom-
panhados por qualquer tipo de gesto ostensivo. Esta observação leva a uma
segunda resposta possível, a qual é, de muitas maneiras, uma generalização da
primeira: talvez não seja o gesto ostensivo em si mesmo que faz um objeto o
demonstratum, mas aquilo que próprio gesto produz. Gestos, nós podemos dizer,
servem para salientar os objetos em um contexto. Então, talvez o importante seja
que um objeto é particularmente saliente em um contexto; talvez isto faça um
demonstratum, seja esta saliência o resultado direto de um gesto ostensivo ou
não.
Howard Wettstein (1984) desenvolve uma visão nesse sentido, e esse
mesmo tipo de visão foi mais recentemente elaborada e defendida por Allyson
Mount (2008). A ideia básica é que um termo como "ela" se refere a quem contar
como a mulher mais saliente no contexto. Regras semelhantes se aplicarão aos
outros indexicais impuros. Problemas começam a surgir, entretanto, quando con-
sideramos usos simples de "isto" ou "aquilo" – os quais não parecem conter
qualquer informação substancial sobre o termo sortal15 relevante. Embora possa
parecer suficientemente plausível que algum objeto contará como a mulher max-

15 No original, sortal. Um termo sortal caracteriza-se por ser contável. Termos não sortais
são termos tais como "água" ou "leite", pois não é comum falarmos "um leite" ou "uma
água". Existe uma extensão discussão na linguística a respeito da aplicação desta
distinção ao português, e se existem contextos nos quais termos como água ou leite
poderiam ser utilizados como sortais. (Nota do tradutor)

51
imamente saliente no contexto, é muito menos plausível que contextos conterão
algum objeto como maximamente saliente simpliciter, ou sem qualificação adi-
cional. O que poderia fazer um objeto maximamente saliente simpliciter? A sug-
estão natural seria: nossos interesses. Se algo fará um objeto maximamente
simpliciter, será presumivelmente o fato de que nós, enquanto agentes, trouxe-
mos certo conjunto de interesses à troca conversacional.
Dialeticamente, entretanto, esta sugestão é problemática. Por um lado,
os interesses do falante e do ouvinte podem facilmente divergir. Assim, pre-
cisamos conhecer qual interesse triunfa sobre o outro, se é que algum deles tri-
unfa, e quando eles não se alinham. Por outro lado, tudo o que podemos dizer é
que certo objeto é maximamente saliente em relação tanto ao contexto, quanto
ao agente particular – mas nunca relativamente ao contexto em si mesmo, sem
qualificações adicionais. Mount especifica que estamos interessados na sua sal-
iência mútua máxima. Porém, isto ameaça fazer com que muitos usos de indexi-
cais impuros não refiram, quando os interesses do falante e do ouvinte divergem.
Além disso, conforme Mount aponta, a visão implica que a referência falha em
quase qualquer circunstância na qual um ouvinte não esteja prestando atenção
ao proferimento do falante. Outras maneiras de tornar a teoria mais precisa en-
frentam dificuldades análogas, aparentemente dando muito controle ao falante
ou ao ouvinte.
Isto nos traz uma terceira possibilidade acerca de como os indexicais
impuros referem: talvez, como Kaplan (1989a) sugere, os usos-instâncias de
indexicais impuros, como os demonstrativos e usos dêiticos de pronomes, refi-
ram a quem ou a quê o falante tenha intenção de fazê-los referir. Kaplan vê aqui
alguma continuidade com a sua abordagem anterior baseada no apontar, uma
vez que ele considera que tais intenções (as quais ele denomina "intenções dire-
cionais") poderiam muito bem ser pensadas como um análogo interno de um
apontar externo. Ainda assim, a sugestão é mais duradoura que a anterior; nen-
hum gesto é necessário para a referência ser bem-sucedida de fato. Com efeito,
não apenas podemos agora explicar o uso de indexicais impuros sem qualquer
gesto ostensivo, como esse tipo de teoria intencionalista também pode permitir o
uso de indexicais impuros para se referir a objetos fisicamente ausentes no con-
texto – visto não haver impedimento para os falantes terem intenções dire-
cionadas a tais objetos. Uma vez que nós de fato usamos indexicais impuros
para referir a objetos físicos e temporalmente distantes, isso parece uma van-
tagem significativa sobre a teoria "intencionalista" da referência de Kaplan.

52
Nada disso quer dizer que a teoria de Kaplan foi universalmente aceita.
Muito pelo contrário, frequentemente se pensou que a teoria enfrenta um prob-
lema bastante sério. Notamos acima que os demonstrativos simples "isto" e
"aquilo" parecem bastante flexíveis em sua aplicação. Todavia, mesmo estes
termos não são infinitamente flexíveis. Presumidamente, você não pode apontar
direta e deliberadamente para uma imagem de David Cameron, proferir (9), e ser
bem-sucedido em referir à imagem de David Kaplan que você escondeu na
gaveta da sua escrivaninha justamente para tais ocasiões:
9-Esta é a imagem de um dos filósofos do século XX que mais gosta de
camisas floridas.
Este é um exemplo do que às vezes foi denominado de "problema
Humpty Dumpty"16 Basicamente, sempre que nós formos tentados a sugerir que
o significado ou a referência da instância de uso de algum termo particular de-
pende das intenções do falante, o seguinte tipo de problema inevitavelmente
surge: a menos que imponhamos algumas restrições sobre estas intenções, en-
tão obteremos resultados aparentemente absurdos, tais como o resultado de que
a instância de uso de "isto" em (9) realmente se refere à imagem de Kaplan que
você escondeu na gaveta da sua escrivaninha.Um caso levemente mais compli-
cado, surpreendente proposto anteriormente pelo próprio Kaplan (i.e. Kaplan,
1978), e utilizado para motivar a teoria do apontar, pode ser utilizado para
demonstrar o mesmo ponto. Kaplan pede para imaginarmos um cenário no qual
a falante está sentada em sua mesa, e a sua prezada imagem de Rudolf Carnap,
normalmente pendurada na parede atrás dela, foi trocada pela imagem de Spiro
Agnew. Não notando a troca, e pretendendo usar o termo "isto" para referir à
imagem de Carnap, a falante aponta para trás de si, diretamente para a imagem
de Agnew, e profere (10):
10-Esta é a imagem de um dos maiores filósofos do século XX.
Na maneira como Kaplan escreve, (10) não é falsa em virtude de uma
falha referencial. Ao contrário, é falsa em virtude da falante ter afirmado alguma
coisa falsa acerca da imagem atualmente pendurada, a imagem de Agnew. A
maioria dos filósofos se inclinou a concordar com isto (entretanto, consultar King
(2013) para uma exceção). É importante ressaltar que este caso é levemente

16 A terminologia foi introduzida na filosofia da linguagem por MacKay (1968). Trata-se de


uma alusão a alguns dos comentários memoráveis de Humpty Dumpty em Alice através
do espelho de Lewis Carroll, os quais se referem ao grau de controle que ele considera
ter sobre o significado das palavras que profere.

53
diferente do nosso (9), pois não parece totalmente implausível que ela pretenda
também utilizar o "esta" para se referir à imagem pendurada atrás dela, qualquer
que seja a imagem. Afinal, ela está de alguma forma confusa sobre qual imagem
é esta. Esta confusão pode, portanto, dar ao intencionalista um espaço adicional
de manobra.
Uma possibilidade para o intencionalista seria contestar os julgamentos
acima e aceitar a alegação de que as instâncias de uso de "isto" em (9) e (10) de
fato se referem às imagens de Kaplan e Carnap, respectivamente (consultar
Radulescu (no prelo) para uma resposta nesse sentido). No entanto, a maioria
dos intencionalistas não seguiu esse caminho. Em vez disso, eles tentaram re-
stringir a gama de intenções que contam como apropriadamente "referenciais",
ou tentaram impor certas limitações sobre quando as intenções dos falantes de
fato determinam a referência. Esta primeira estratégia geralmente procedeu
recorrendo a certas considerações extraídas da teoria do significado de Paul
Grice (1957). A segunda, ao contrário, tentou derivar as restrições relevantes a
partir dos significados permanentes ou das regras de uso dos indexicais impuros
e demonstrativos. Mais recentemente, alguns filósofos também tentaram combi-
nar estas duas abordagens.
A abordagem griceana da referência foi pela primeira vez claramente
articulada por Gail Stine (1978) – embora tenha sido mencionada pelo próprio
Grice e por Keith Donnellan (1968)17. A ideia básica é que os tipos de intenções
relevantes para fixar a referência dos indexicais impuros são, propriamente fa-
lando, intenções destinadas a chamar a atenção do ouvinte para identificar um
objeto particular como o referente. Acompanhando a teoria mais ampla do sig-
nificado de Grice, afirma-se que essas intenções são ainda mais complicadas do
que isso: elas não apenas visam fazer o ouvinte identificar algum objeto como
referente, mas também devem ser cumpridas, ao menos em parte, com base no
reconhecimento, por parte da ouvinte, de que é assim que ele (o ouvinte) deve
agir.
Após ter seguido a linha griceana até aqui, precisamos agora nos per-
guntar: pode a tese griceana acerca da complexidade das intenções referenciais
de alguma forma eliminar a ameaça de um colapso em direção a uma postura
estilo Humpty Dumpty? A resposta, segundo o griceano, é “sim”. Mais precisa-
mente, o griceano alegará que a falante carece de genuína intenção referencial

17 Este tipo de visão foi também desenvolvido e defendida por, entre outros, Schiffer
(1981) e Bach (1992).

54
em um caso como (9), pois ele não deveria ter a expectativa de que o seu ou-
vinte estará em posição de recuperar o referente visado por ele (o falante). Em
um caso como (10), entretanto, ele parece ter intenção de fazer a sua ouvinte
recuperar a imagem de Carnap como o referente. Então como o griceano está
em qualquer condição de ajudar aqui? Como Bach (1992) prestativamente es-
clarece, a abordagem griceana na verdade deveria funcionar da seguinte
maneira: embora genuinamente referenciais, a intenção do falante de se referir à
imagem de Carnap é realizada através da intenção de se referir à imagem atrás
dela, qualquer que seja a imagem. Essa última intenção deve ser reconhecida
diretamente, enquanto que a primeira pode apenas ser reconhecida indireta-
mente, mediante reconhecimento da segunda intenção, e (nos casos bons) a
partir do fato de que a imagem atrás do falante realmente é a imagem de Car-
nap. Então, uma maneira melhor de formular a tese griceana sobre a referência é
em termos de uma distinção primária/secundária, a qual reflete este tipo de as-
simetria: quando existe um conflito entre as intenções referenciais primárias e
secundárias, e ambas são genuinamente referenciais, é a primeira que fixa a
referência18.
Até aqui, tudo ótimo para o griceano. Porém, quão geral é a solução
para o problema de Humpty Dumpty? Pode ele, por exemplo, explicar um falante
que parece plenamente competente em uma linguagem como português, mas
que pensa falsamente que todos podem simplesmente adivinhar as suas in-
tenções diretamente? Em outras palavras, considerem um falante que acredita
que o seu ouvinte pode ler a sua mente, porém apenas no que diz respeito às
suas intenções referenciais, mas nada além disso, e apenas quando ele profere
um demonstrativo. A menos que excluamos tal falante como amplamente incom-
petente em falar português, parece que ele pode ter sucesso, segundo o
griceana, em fazer as instâncias de "isto" e "aquilo" se referirem ao quê ele quis-
er, em qualquer ocasião. Pois este falante pode pretender coerentemente que
seu ouvinte compreenda esse objeto como o referente do seu uso do demonstra-
tivo, parcialmente em virtude do reconhecimento desta intenção primária ela
mesmo, e independentemente de qual objeto for. Em outras palavras, supondo
algumas crenças suficientemente estranhas, o griceano prevê que o falante
realmente pode fazer o uso de "isso" em um proferimento como (9) para se

18Consultar também King (2013) por uma solução surpreendentemente similar. Para
uma discussão útil e críticas, consultar Speaks (2016, 2017), Unnsteinsson (no prelo), e
Radulescu (no prelo).

55
referir à sua imagem de David Kaplan – independentemente de alguém que não
seja um clarividente real ser capaz de reconhecer a referência. Assim, a estraté-
gia griceana para bloquear o colapso do intencionalismo em uma postura do tipo
Humpty Dumpty não seria completamente generalizada.
Parcialmente em resposta a problemas como esses, podemos pensar
que o tipo de resposta ao Problema de Humpty Dumpty não deve ser aumentar a
complexidade das relações referenciais em si mesmas, mas, ao contrário, limitar
como certos tipos de termos – inclusive os verdadeiros demonstrativos – podem
ser usados para referir. Marga Reimer (1991, 1992) oferece uma sugestão neste
sentido: quando usos dos demonstrativos "isto" e "aquilo" são acompanhados
por gestos ostensivos, então o referente deve estar na direção geral indicada
pelo gesto19. Quando não há gesto, então não existe tal restrição. Em outras
palavras, Reimer enfatiza novamente a conexão aparentemente especial entre
demonstrativos e gestos que os teóricos anteriores tentaram transformar em uma
teoria completa da referência demonstrativa. Desta vez, entretanto, Reimer sug-
ere que nós não usemos a conexão para gerar uma teoria completa da referên-
cia demonstrativa, mas, ao contrário, para impor algumas restrições sobre a teo-
ria intencionalista. Estas restrições, por sua vez, permitem a Reimer fazer pre-
visões intuitivamente corretas sobre (9) e (10): com respeito a (9), irá dizer que
não se pode ser bem sucedido em apontar para uma imagem e se referir a outra,
a menos que talvez a primeira seja uma fotografia da segunda; quanto a (10),
dirá que a falante pretende se referir a ambos, tanto à imagem atrás de si quanto
a Carnap, mas apenas uma dessas satisfaz a restrição associada ao gesto. As-
sim, apenas uma destas intenções está em posição de determinar a referência.
Para esclarecer, a posição de Reimer não é, de modo algum, incom-
patível com a teoria griceana das intenções referenciais. Pode-se, de fato,
aceitar que existem restrições substantivas sobre a referência derivadas dos
significados dos indexicais impuros, e também que intenções referenciais são
como os griceanos descrevem-nas. Bach (2017) recentemente aceitou a tese

19 Um tipo diferente de restrição sobre a referência demonstrativa foi desenvolvido em


Neale (2004), Stokke (2010), e King (2014). Prescindindo das várias diferenças entre
estas explicações, cada qual sustenta que o sucesso referencial requer que o referente
seja recuperável ou atualmente recuperado pelo ouvinte (ou por uma versão idealizada
do ouvinte). Entretanto, pouco detalhes foram fornecidos a respeito dos tipos de
idealizações previstas, que torna certas versões deste tipo de visão um tanto difíceis de
avaliar.

56
griceana, por exemplo. Pois parece que pode-se previnir o colapso no problema
de Humpty Dumpty simplesmente aceitando a existência de restrições sobre a
referência convencionalmente associadas aos indexicais impuros; assim não
seria mais necessário que a tese griceana tenha aplicação no escopo das in-
tenções referenciais. Ainda assim, é perfeitamente razoável pensar que existem
muito mais razões teóricas gerais para preferir a combinação destas duas teorias
em detrimento de uma abordagem centrada na restrição, tal como a de Reimer.

4. Descrições Definidas
Em contraste com os tipos de termos que consideramos até agora, a
questão fundamental a respeito das descrições definidas – expressões com-
plexas como "o biscoito" e "a loja de conveniência" – não é como elas referem,
mas se elas referem.
Meinong (1904) e Frege (1892) pensavam que sim, essas expressões
referem. Isto gerou um problema para eles, entretanto, pois o material descritivo
manifesto encontrado na descrição definida é tipicamente insuficiente para identi-
ficar um único objeto como o referente. Para Frege, ao menos, existia uma
solução bastante óbvia: tratar o material descritivo manifesto como apenas uma
parte do sentido da descrição definida, permitindo a adição de mais material por
qualquer descrição mais completa que o falante venha a ter em mente. Con-
frontado com este mesmo conjunto de questões, Russell (1905) tomou a direção
oposta: ele postulou que as descrições simplesmente não referem. Em vez disso,
ele ofereceu um procedimento de tradução da forma "o A é B", cujo significado
ele postulou como o seguinte: existe um e apenas um A, e este A é também B20.
Esta disputa se torna mais interessante quando se considera que Rus-
sel e Frege concordavam que nomes devem ser entendidos, em algum sentido,
como similares às descrições definidas. Agora estamos em uma posição melhor
para ver as diferenças entre eles, apesar desta concordância superficial. Para

20Outro desafio, que a concepção russelliana tentou evitar, tem relação com descrições
que, intuitivamente, se referem a objetos não existentes. Descrições como "o filho de
Deus" ou "o protagonista da trilogia Broken Earth" não parecem referir a objetos reais,
mas dificilmente são sem sentido. O russelliano pode facilmente acomodar isto mediante
o procedimento da tradução, enquanto o referencialista terá que contar uma estória
adicional a respeito de como estas contam como significativas. Note que um problema
análogo, o problema dos nomes vazios, também surge para os millianos. Para mais
sobre estas questões, consultar o verbete sobre objetos não existentes.

57
Frege, essa alegação de forma alguma impedia que os nomes fossem disposi-
tivos genuínos de referência. Para Russell, impedia. Para Frege, a contribuição
de um nome para a verdade ou falsidade de uma sentença era (contextos inten-
sionais à parte) o seu referente. Para Russell, era a descrição associada.
Por que supor que descrições definidas não referem? Afinal de contas,
nós certamente parecemos usá-las para falar sobre objetos particulares; quando
eu digo “eu quero o barco à direta daquele outro”, eu pareço expressar o desejo
de possuir um barco determinado, não expressando, de alguma forma complica-
da, o desejo de ter algum barco qualquer. Além disso, podemos substituir de-
scrições definidas por nomes e indexicais na maior parte dos contextos linguísti-
cos. Pode parecer razoável, ainda que seja ingênua, a afirmação que se nomes
e indexicais referem, então as instâncias de descrições definidas também o
fazem. Não faltou a Russell, entretanto, motivação para sua alegação de que
descrições definidas não referem. Considere proferimentos assertivos das
seguintes sentenças:
11-O rei da França é calvo.
12-O autor de Middlemarch é o terceiro filho de Robert e Christiana
Evans.
(11) possui significado, e certamente não é verdadeira. Russell consid-
era que ela é evidentemente falsa, embora isso seja controverso (consultar
Strawson (1950) e, mais recentemente, Von Fintel (2004)). Independentemente
disso, se alguém pensa que descrições definidas são dispositivos de referência,
então não está claro como alguém poderia estar justificado ao afirmar que frases
como (10) são significativas. Afinal de contas, a descrição claramente não refere.
Quanto a (12), o problema que o referencialista enfrenta é diferente: uma vez
que ambas as descrições deveriam referir ao mesmo indivíduo, Mary Ann Evans
(ou "George Eliot"), é obscuro o motivo pelo qual (12) não deveria ser
cognoscível a priori. Assim como acontece com enunciados de identidade envol-
vendo nomes co-referenciais, esta parece ser apenas uma exemplificação da lei
da auto-identidade.
Note-se que a teoria de Russell, em contraste com teorias que postular-
iam que as descrições definidas referem, não tem qualquer dificuldade em ex-
plicar tudo isto. (11) apenas faz uma alegação sobre existir um e apenas um rei
da França, uma alegação que é significativa e claramente falsa. (12), por outro
lado, faz uma alegação sobre o único indivíduo a satisfazer um certo conjunto de

58
propriedades, e afirma que este também é o único a satisfazer outro conjunto de
propriedades. Isto dificilmente deveria contar como algo cognoscível a priori.
Mesmo assim, ainda existem razões para questionar a alegação de
Russell de que descrições definidas não referem. Por exemplo, como Strawson
(1950) apontou, muitos proferimentos assertivos envolvendo descrições definidas
parecem verdadeiros mesmo quando a descrição definida não é satisfeita por um
único objeto. Assim, considere:
13-A mesa está coberta por livros.
Proferida assertivamente em um contexto no qual existe uma única
mesa com muitos livros empilhados, (13) pareceria verdadeira. Todavia, Russell
previu que o oposto aconteceria, desde que exista ao menos uma mesa adi-
cional em algum lugar do universo. A alternativa de Strawson foi alegar que exis-
tem usos referenciais genuínos das descrições definidas. Usadas desta maneira,
descrições definidas, assim como os nomes e os indexicais, contribuirão com um
objeto ou indivíduo para o conteúdo asserido pela sentença – desde que este
objeto satisfaça o material descritivo relevante. Caso isso não aconteça, tais in-
stâncias ainda contarão como significativas em virtude de estarem associadas a
regras uso coerentes, mas não conseguirão referir. Isso, Strawson alega, signifi-
ca que as sentenças assertivas das quais são uma parte falharão em ser ver-
dadeiras ou falsas. A categoria contrastante aqui é a categoria de uso atributivo
de uma descrição definida, a qual supõe-se funcionar mais ou menos como Rus-
sell sugeriu.
Keith Donnellan (1966) foi ainda mais longe do que Strawson, alegando
que descrições definidas podem ser usadas para referir, mesmo quando o pre-
sumido referente não satisfaz o material descritivo explícito na descrição. No seu
provavelmente mais famoso exemplo, Donnellan pede que consideremos o pro-
ferimento seguinte:
14-Quem é o homem segurando o martini?
Suponha que, quando você profere (14), nós dois estamos olhando para
o homem que parece estar bebendo o martini, mas que ele está de fato bebendo
água. Da maneira como Donnellan descreve, isso é irrelevante; a descrição-in-
stância "o homem bebendo o martini" pode referir ao homem em nosso campo
visual, independentemente de ele estar de fato bebendo martini. O que importa,
de acordo com Donnellan, é que você tenha este homem "em mente" quando
usa a descrição relevante, que você está usando a descrição com este homem
como alvo.

59
Alguém poderia suspeitar, como Alfred MacKay (1968), que isto significa
que Donnellan está vulnerável à acusação de fornecer uma visão de tipo Humpty
Dumpty para as descrições definidas – na qual não há restrições substanciais
sobre as possibilidades de referência das instâncias de descrições. Curiosa-
mente, Donnellan (1968) respondeu apelando para teoria griceana do significa-
do, levantado assim a possibilidade de que o que ele queria dizer com "ter em
mente" era algo similar à noção de Grice de ter uma intenção referencial. Como
vimos acima, entretanto, existe razão para pensar que mesmo este tipo de
manobra não será suficiente para previnir, de uma maneira completamente geral,
o colapso do intencionalismo no problema de Humpty Dumpty. Portanto, ainda
existe razão para temer que a disposição de Donnellan, de abandonar o material
descritivo explícito como uma restrição ao sucesso referencial, talvez vá longe
demais.
E a respeito das intuições por trás do exemplo de Donnellan? Pois,
mesmo se nós rejeitarmos a sua alegação de que uma descrição como "o F"
pode ser usada para referir a algo que não é um F, ainda assim parece como se
a comunicação fosse possível em um caso como (14). Isto é, eu deveria ser ca-
paz de saber sobre quem você está falando, independentemente de eu saber
que este homem está bebendo água, ao invés de martini. Kripke (1977) sugeriu
que a maneira de lidar com casos como estes é enxergar o tipo de referência
envolvida como meramente pragmática, tendo eficácia comunicativa ao invés do
tipo estrito de direcionalidade ao objeto21 relevante para determinar a verdade ou
falsidade em um contexto. De acordo com Kripke, não existe necessidade de
postular que descrições definidas alguma vez referem; muito pelo contrário, nós
podemos dissolver as suas aparentes propriedades referenciais notando que,
mesmo se elas não referirem, falantes tipicamente terão alvos em sua mente aos
quais recorrer. Enquanto formos razoavelmente bons em recuperar estes alvos,
podemos usá-los para direcionar os pensamentos uns dos outros a objetos par-
ticulares, sem necessidade de postular que instâncias de uso destas expressões
conseguem se conectar a estes objetos e indivíduos. Em outras palavras, somos
livres para aceitar a teoria russelliana das descrições, suplementada por esta
alegação de que descrições são frequentemente usadas para direcionar a
atenção do ouvinte ao "referente do falante", como Kripke denominou, o qual ele
julgava ser o análogo referencial do "significado do falante" griceano (ou, grosso
modo, o que falante está tentando transmitir ao ouvinte, literalmente ou não).

21 No original, aboutness. (N. do T.)

60
Kripke parece pensar que a referência linguística – ou o que denomina
"referência semântica" – precisa funcionar exclusivamente por meio de uma con-
venção. Os seus exemplos paradigmáticos são os nomes, os quais ele toma
como associados com uma convenção, no sentido de que as suas referências
são fixadas através de um apelo às cadeias causais. Alternativamente, ele pode-
ria ter apontado para a abordagem baseada no caráter para os indexicais im-
puros, defendida por Kaplan, uma visão que depende igualmente de convenções
para estabelecer a referência. Como vimos acima, entretanto, plausivelmente
existem limites a esse tipo de abordagem: uma abordagem convencionalista à
referência dos indexicais impuros, tais como demonstrativos e pronomes, não se
mostrou tão promissora. De forma similar, quando passamos a levar a sério o
problema dos nomes com múltiplos portadores, menos claro se torna que algo
tão simples como uma convenção linguística pode fixar a referência dos nomes.
Pelo contrário, em ambos os casos, parece que será tentador apelar para fatos
sobre o falante para fixar a referência linguística. Porém, se isso é aceitável, a
defesa das descrições definidas como não referenciais começa a parecer muito
mais fraca.
Se, diferentemente de Kripke, nós começamos com a ideia de que a
referência linguística é, na sua raiz, o resultado de um ato, de algo que nós
fazemos, ao invés de algo que as palavras elas mesmas fazem, então de-
scrições definidas começam a parecer mais como os casos normais e os indexi-
cais como os casos desviantes. Esta é, de fato, uma ideia antiga, que remonta a
Susan Stebbing (1943) e ao trabalho do último Ludwig Wittgenstein (1958), e que
já vimos presente nas ideias, ideias de Grice, Strawson e Donnellan22 . A pre-
ocupação permanente, é claro, é que, sem algumas restrições sobre o sucesso
referencial dos termos, divorciaremos a teoria da referência das nossas intuições
e de qualquer função em uma teoria geral da comunicação. Porém, se aceitar-
mos certos limites sobre o sucesso referencial – a serem impostos pela reflexivi-
dade griceana, restrições convencionadas ou ambas – estas preocupações plau-
sivelmente podem ser evitadas. E, de fato, no que diz respeito às descrições
definidas, a argumentação em defesa de restrições convencionais sobre o
sucesso referencial, como Strawson acreditava haver, pode parecer particular-
mente atraente.

22Consultar Devitt (1997) e Reimer (1998) para uma aplicação destas ideias ao presente
contexto. Para críticas, consultar Schoubye (2011).

61
Mais recentemente, um tipo diferente de desafio emergiu para quem
alega que instâncias de descrições definidas algumas vezes referem: a saber, a
diferença em significado que normalmente supõe-se distinguir as descrições dos
seus similares indefinidos (isto é, descrições como "um filósofo" em oposição a
"o filósofo") foi ela mesmo questionada. Duas razões principais foram fornecidas
para rejeitar a diferença de significado entre estes dois tipos de frases. Primeiro,
determinar exatamente como esta distinção deve ser feita tem se mostrado uma
tarefa notavelmente difícil; cada aspecto da análise original de Russell, por ex-
emplo, foi subsequentemente colocada em dúvida. Segundo, muitas linguagens
não possuem algo como a distinção definido/indefinido. Isto levanta a possibili-
dade que esta distinção é uma característica do significado muito menos signi-
ficativa, e menos bem definida, mesmo em uma linguagem como o inglês, do que
normalmente é suposto ser o caso (consultar Ludlow e Segal (2004); consultar
também Abbott (2008) para contra-argumentos, e o verbete sobre descrições
para uma discussão mais extensa, com referências adicionais).
Como a rejeição da distinção de definido/indefinido afetaria o debate se
instâncias de descrições definidas referem? Bem, se fosse claro que descrições
indefinidas não podem se referir, e se estas fossem equivalentes semânticos das
descrições definidas, então teríamos razões adicionais para pensar que de-
scrições definidas não podem ser usadas para referir também. Por outro lado,
alguns argumentaram que descrições indefinidas podem referir, ainda que estes
argumentos sejam muito controversos (consultar Chastain (1975) e Fodor e Sag
(1982); novamente consultar o verbete sobre descrições para discussões e
referências adicionais). Mesmo se fôssemos rejeitar tal visão, defensores da teo-
ria unitária ainda tipicamente concederiam que existe uma diferença pragmática,
marcada pelo uso de "o" em oposição a "um". Assim, para o defensor mais firme
da referência das instâncias de descrições definidas, estaria disponível o argu-
mento de que tais marcadores pragmáticos podem desempenhar uma função
significativa na regulação do uso referencial das descrições – apesar destes
marcadores não estarem refletidos no significado do que é dito ou asserido. Ob-
viamente, nada disto vai ser resolvido aqui.

5. Modelos da Referência Linguística


Observando como os filósofos tentaram explicar as propriedades refer-
enciais de vários tipos de termos linguísticos, efetivamente apresentamos quatro
maneiras distintas de conceber como termos referenciais podem referir a objetos

62
particulares e individuais no mundo. Em outras palavras, apresentamos quatro
modelos para a metasemântica dos termos referenciais:
1. No modelo descritivista, as palavras referem por estarem associadas
a um conteúdo descritivo específico, o qual serve para identificar um objeto par-
ticular ou individual como o referente.
2. No modelo causal, as palavras referem por estarem associadas à
cadeias de uso, as quais levam de volta a um uso inicial ou "batismo" do refer-
ente.
3. No modelo do caráter, as palavras referem em virtude de estarem
associadas a regras regulares da referência. Regras paradigmáticas deste tipo
aludirão a elementos reiteráveis do contexto, identificando quais destes elemen-
tos é o referente para cada tipo de termo.
4. No modelo intencionalista, as palavras referem em virtude de serem
usadas, intencionalmente, para referir a objetos particulares. Em outras termos,
as palavras referem em virtude de serem proferidas como parte de um ato inten-
cional complexo, o qual, de alguma forma, visa objetos particulares ou individu-
ais.
Como já deveria estar claro, estes quatro modelos não são estritamente
excludentes uns dos outros. Alguém poderia, por exemplo, pensar no des-
critivismo clássico – o qual apela para os estados mentais para associar a de-
scrição particular com uma instância referencial do termo – como uma versão
particular do intencionalismo. Presumidamente, falantes manifestarão apenas o
tipo certo de estado mental quando estão intencionalmente usando um termo
referencial para referir. Da mesma forma, alguém poderia conceber a teoria
causal como um caso especial da teoria do caráter: nos casos de termos como
nomes, a regra invariável de uso associada com um nome particular deve ser
explicada em termos de uma cadeia de usos que leva de volta a um objeto ou
indivíduo específico. De fato, se alguém está disposto a permitir que os carac-
teres de certos tipos de termos, como os demonstrativos, aludam às intenções
referenciais do falante, então os teóricos do caráter podem aceitar um certo tipo
de intencionalismo também. Ao fazer isto, entretanto, não fica claro o que sobra
do modelo original do caráter, com a sua dependência de aspectos publicamente
identificáveis do contexto como motores principais das regras de referência.
São dignas de nota algumas divisões claras entre estas opiniões.
Primeiro, existe uma divisão entre as visões segundo as quais os termos refer-
enciais por si mesmos referem, e assim podemos usá-los para referir porque eles

63
previamente já referem, e visões segundo as quais somos nós que referimos, e
as instâncias linguísticas de referência seguem apenas derivativamente. A teoria
causal e certas versões não-clássicas do descritivismo são instâncias paradig-
máticas do primeiro tipo de visão, ao passo que o modelo intencionalista é uma
instânca paradigmática do último – juntamente com descritivismo clássico de
Frege e Russell. Devido à sua inerente flexibilidade, o modelo do caráter é mais
difícil de localizar neste espectro. As regras de Kaplan para os verdadeiros index-
icais parecem atravessar esta divisão: instâncias indexicais adquirem a sua
referência porque são proferidas em um contexto particular, presumidamente de
maneira intencional. Mas elas adquirem a referência sem ter qualquer relação
com o estado mental do falante. As coisas se tornam ainda mais complicadas
quando estendemos a teoria do caráter da seguinte forma: os caracteres dos
demonstrativos são dependentes da intenção, ao passo que os caracteres dos
nomes são constantes e independentes do contexto. Neste caso, a teoria do
caráter começa a parecer pluralista; alguns termos referenciais adquirem a sua
referência em virtude de nós os usarmos para referir, enquanto usamos outros
para referir em virtude deles previamente já referirem.
Uma segunda divisão importante diz respeito à extensão da dependên-
cia que a referência pode ter em relação a aspectos potencialmente idiossincráti-
cos e relativamente inacessíveis do estado mental do falante. Como vimos aci-
ma, os descritivistas clássicos e os intencionalistas permitem uma forte de-
pendência em relação aos estados mentais dos falantes, e isso pode levar a al-
gumas previsões estranhas acerca da referência. Griceanos, e teóricos da re-
strição como Reimer, forneceram maneiras de tentar minimizar estes resultados.
Porém, alguém também poderia temer que permitir que a referência dependa do
estado mental do falante prejudica a nossa habilidade de explicar como nós us-
amos termos referenciais para transmitir nossos pensamentos direcionados a
objetos – em outras palavras, para nos comunicarmos. No modelo causal, por
exemplo, literalmente fornecemos modos de pensar sobre o mesmo objeto medi-
ante a transmissão de um nome. Isto torna a explicação da comunicação bas-
tante simples, supondo, é claro, que estejamos consistentemente aptos a recon-
hecer qual nome foi proferido em uma dada ocasião. O problema de nomes com
múltiplos portadores significa que isso pode não ser trivial; mas pelo menos a
recompensa parece significativa. Alternativamente, de acordo com a teoria ka-
planiana dos verdadeiros indexicais, nós podemos explicar a nossa habilidade de
coordenar nosso pensamento sobre lugares particulares, tempos, e indivíduos
em virtude do fato de que o lugar, tempo, e lugar do proferimento são são tipica-

64
mente conhecimentos públicos, igualmente disponíveis a cada membro da con-
versação. A questão é se tal análise está disponível para termos como os indexi-
cais impuros.
Em terceiro lugar, finalmente, existe uma divisão importante entre mode-
los de referência que são expansivos, em oposição aos restritos. Em suas for-
mas mais amplas, tanto o intencionalismo como o descritivismo são expansivos;
eles pretendem ser aplicados igualmente bem a qualquer termo referencial. O
modelo causal é um modelo restrito da referência; ele pretendeu apenas ser
aplicado à referência dos nomes. Uma vez mais, mostra-se difícil de encontrar o
lugar do modelo de caráter; o quanto ele é restrito ou amplo dependerá de quan-
to estamos dispostos a nos desviar em nossa teorização a partir do caso para-
digmático dos verdadeiros indexicais. As teorias expansivas cumprem a promes-
sa de fornecer uma explicação substantiva da relação referencial. Isto é, as teo-
rias expansivas podem alegar que a razão pela qual as instâncias de uso dos
termos referenciais desempenham certo tipo de função na explicação da verdade
ou falsidade de um proferimento é que certo tipo de relação substantiva obtém
entre esta instância de uso e alguns objetos no mundo. Teóricos estritos, ao con-
trário, terão que permitir diferentes tipos de relações que sirvam para fixar a
referência de distintos tipos de termos referenciais, e até mesmo talvez difer-
entes usos do mesmo termo. Assim, eles terão de dizer que o que unifica os ter-
mos referenciais não é que, quando são bem-sucedidos em referir, ocorre um
tipo particular de relação entre a instância de uso e algum objeto ou indivíduo,
mas sim que eles cumprem algum papel funcional particular na determinação
das condições de verdade ou conteúdo assertivo do proferimento. Em outras
palavras, por trás do debate sobre qual modelo adotar está uma questão muito
maior, e ainda não resolvida: quais são as nossas ambições explicativas, ao pro-
por uma teoria da referência em primeiro lugar?

6. Visões Negativas da Referência


Até aqui, este artigo tratou do que pode-se denominar visões "positivas"
da referência. Assume-se que a referência, construída como uma relação entre
partes da linguagem e partes da realidade, é uma relação genuína, substantiva,
digna de escrutínio filosófico – ou talvez uma família de tais relações. Expli-
cações são então oferecidas a respeito do que constitui esta ligação. Alguns filó-
sofos tentaram desenvolver a partir desta ligação conclusões mais substantivas
a respeito da natureza do conhecimento e da realidade (consultar, em particular,
Putnam (1981); consultar também o verbete sobre ceticismo e externalismo). No

65
entanto, nem todos os filósofos estão tão convencidos a respeito da significação
teórica da referência, ou mesmo da tese de que existe uma relação, ou uma
família de relações substantivas, a serem explicadas. Para terminar, discutiremos
brevemente várias visões "negativas" da referência.
W.V.O. Quine é provavelmente o mais famoso cético a respeito da
referência. Em Quine (1960), ele argumentou que a referência é inerentemente
indeterminada ou "inescrutável". Com isso, Quine quis dizer que não existe
matéria de fato a respeito da referência de nossas palavras. Isto não quer dizer
que nossas palavras se referem a algo, mas que não somos capazes determinar
o que é este algo. Pelo contrário, simplesmente não existe tal coisa que seja
“aquilo que é referido por nossas palavras”. Mesmo assim, Quine não vai tão
longe a ponto de dizer que nossas palavras não referem em sentido algum. A
sua visão é de que faz sentido falar da referência apenas de forma relativa a
algum propósito que podemos ter ao atribuirmos referência a essas palavras. O
argumento de Quine para a tese da inescrutabilidade envolve uma aplicação da
tese de que teorias empíricas são subdeterminadas pelas suas evidências de
apoio. Pois para qualquer corpo de evidência que podemos ter sobre os falantes
de uma dada linguagem, sempre haverá um certo número de teorias competido-
ras a respeito da referência dos falantes. Tais teorias serão empiricamente
equivalentes, igualmente consistentes com os dados empíricos. Uma teoria
poderia dizer que, na linguagem em questão, "gavagai" se refere a coelhos; uma
outra que se refere a partes não destacadas de coelhos; uma terceira poderia
dizer que se refere a intervalos de tempo de coelhos. Pode-se aplicar a visão de
Quine sobre a subdeterminação aplicada ao próprio idioma da falante. O resulta-
do é que a evidência disponível não torna mais obrigatória para o falante a con-
clusão de que por "coelho" ele quer dizer coelhos do que a conclusão de que por
"coelhos" ela quer dizer partes não destacadas de coelhos ou intervalos de tem-
po de coelhos. Se um outro falante a observasse utilizando a palavra "coelho", a
evidência que ela proporciona dará tratamento igual a todas as três teorias, as-
sim como a muitas outras. Assim, de acordo com Quine, para qualquer corpo de
evidência empírica dado, haverá inúmeras teorias competidoras a respeito de
qual é a referência das palavras. E não haverá maneira de resolver a disputa
entre estas teorias baseando-se em princípios23.
Um problema relacionado e muito debatido é o problema da multiplici-
dade, levantado por Peter Unger (1980) e Geach (1980). Basicamente, a ideia é

23 Consultar o verbete sobre Quine para discussões adicionais.

66
que para muitos, provavelmente maioria, dos objetos físicos existe um número
de candidatos igualmente convincentes para os seus limites, e assim para a sua
constituição física. Nos termos com os quais lidamos aqui, há vários candidatos
igualmente convincentes para ser o referente de um termo referencial singular,
como "isto", quando este termo está sendo usado para alvejar o objeto físico.
Sem alguma forma de selecionar algum destes como de alguma forma privilegia-
dos, podemos perguntar se devemos realmente pensar em tais termos como
referenciais – a menos, é claro, que estejamos felizes em aceitar que termos
referenciais aparentemente singulares de fato referem a conjuntos de objetos,
objetos vagos, ou assemelhados24 .
As visões instrumentalistas de Davidson sobre a referência são ainda
mais radicais. Davidson (1984) alega que a referência é uma noção teoricamente
vazia: ela é de absolutamente nenhum uso em uma teoria semântica, ou uma
teoria do significado estrito e literal. A sua base para endossar esta posição é sua
convicção de que nenhuma explicação substantiva da referência é possível. O
problema é que quaisquer explanações deste tipo deveriam ser dadas em ter-
mos não-linguísticos, mas nenhuma explicação deste tipo é possível, alega
Davidson. Como Davidson coloca: se o nome "Kilimanjaro" se refere a Kiliman-
jaro, então sem dúvida existe alguma relação entre os falantes do inglês (ou
swahili), a palavra, e a montanha. Mas é inconcebível que alguém seja capaz de
explicar esta relação sem primeiro explicar a função das palavras nas sentenças;
e se isto é assim, não existe possibilidade de explicar a referência diretamente
em termos não-linguísticos. Entretanto, isto não significa que não há esperança
para a semântica. Muito pelo contrário, na visão de Davidson, uma teoria da ver-
dade para uma linguagem é ao mesmo tempo uma teoria do significado para tal
linguagem. O ponto aqui é que uma não tem lugar para a noção da referência
per se em uma teoria davidsoniana do significado; ao contrário, ela assimila para
dentro de uma teoria da verdade linguística o que podemos estar tentados a de-
nominar de "referência". Isto poderia, entretanto, ser compatível com os tipos de
abordagens pluralistas da referência que examinamos acima.
Similares em espírito à visão de Davidson são as teorias deflacionistas
da referência – que não devem ser confundidas com deflacionismo sobre ver-
dade, embora sejam frequentemente motivadas pelo desejo de endossar esta
última teoria. Deflacionistas sobre verdade tipicamente alegam que asserir que

24Consultar também Lewis (1993) para uma discussão clássica acerca destes assuntos,
e o verbete sobre o problema dos múltiplos para elaboração posterior destas opções.

67
um enunciado é verdadeiro é o mesmo que asserir o enunciado ele mesmo. De-
flacionários sobre referência, por outro lado, alegam que não existe na noção de
referência nada além do que é capturado por exemplificações de esquemas
como: "a" se refere a a. Tal esquema gera alegações como de que "Frege" se
refere a Frege, que podem parecer perfeitamente plausíveis até considerarmos o
problema dos nomes com múltiplos portadores ou os indexicais, tanto puros
como impuros. Em tais casos, o deflacionista poderia então optar por um esque-
ma um pouco mais complicando, incorporando a noção de uso de um termo. Mas
então precisamos perguntar o que é significado por "uso" nestas circunstâncias,
e uma vez que comecemos a responder este tipo de questão se torna crescen-
temente nebuloso se uma abordagem verdadeiramente deflacionista pode de
fato ser preservada25 .
Apesar das inúmeras preocupações que motivam essas visões "negati-
vas" da referência, preocupações que muito poderiam fazer-nos rever a ideia de
que existe alguma relação que merecer se denominada de "referência", a na-
tureza da relação entre linguagem e realidade permanece um dos tópicos mais
mencionados e vigorosamente debatidos da filosofia da linguagem. O que resta
a ser visto é se, e em que medida, este trabalho pode provar ser útil para o en-
tendimento de uma noção mais ampla de referência, ou de uma noção mais am-
pla da relação entre instâncias representacionais e o mundo à nossa volta, a
qual é igualmente acolhida tanto pela estética, ética e filosofia da mente como
pela filosofia da linguagem.

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25Para explicações deflacionárias da referência ver, por exemplo, Brandom (1994),


Horwich (1998), e Field (2001).

68
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72
(III) A Metafísica da Causação*

Autor: Jonathan Schaffer


Tradução: Bruno Borges & Rodrigo Cid
Revisão: Pedro Merlussi

Como deve ser um mundo para que ele tenha relações causais?
Quando a bola branca encaçapa a bola nove no canto, em virtude de que isso é
um caso de causação?
Questões sobre a metafísica da causação podem ser utilmente divididas
em questões sobre os relata causais e questões sobre a relação causal.
Questões sobre os relata causais incluem as questões de (1.1) se eles estão no
espaço-tempo (imanência), (1.2) o quão refinados são (individuação) e (1.3)
quantos existem (aridade). Questões sobre a relação causal incluem as
questões sobre (2.1) como as sequências causalmente relacionadas e
causalmente não relacionadas diferem (conexão), (2.2) como as sequências
relacionadas como da causa para o efeito diferem daquelas relacionadas como
do efeito para causa ou daquelas como efeitos conjuntos de uma causa comum
(direção), e (2.3) como todas as sequências envolvendo causas diferem
daquelas que envolvem meras condições de fundo (seleção).

* Tradução do verbete "The Metaphysics of Causation" de Jonathan Schaffer publicado


pela Stanford Encyclopedia of Philosophy (Edição do Outono de 2016), edição de
Edward N. Zalta, URL = https://plato.stanford.edu/archives/fall2016/entries/causation-
metaphysics/. Publicado com a autorização do editor Prof. Dr. Edward Zalta.

The following is the translation of the entry on "The Metaphysics of Causation" by


Jonathan Schaffer, in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows the
version of the entry in the SEP's archives at https://plato.stanford.edu/archives/
fall2016/entries/causation-metaphysics/. This translated version may differ from the
current version of the entry, which may have been updated since the time of this
translation. The current version is located at https://plato.stanford.edu/entries/causation-
metaphysics/. We'd like to thank the Editors of the Stanford Encyclopedia of Philosophy,
mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to translate and publish this entry.

73
Os filósofos, é claro, têm discordado sobre todas essas questões. A
seguir, examinarei alguns dos principais argumentos da literatura.

1. Relata
Questão: O que são relata causais? Quando a bola branca encaçapa a
bola nove, quais são os termos dessa relação causal? Uma abordagem dos
relata causais deve revelar que tipo de coisa eles são, quantos deles existem e
qual o papel de cada um. Em suma, deve revelar sua categoria, número e
função.
Opções: A visão padrão dos relata causais é que eles são da categoria
de evento e que seu número é dois, nos papeis de causa e efeito. Assim, na
visão padrão, quando a bola branca atinge a bola nove na caçapa do canto, se
diz que é um (efetivo) evento e1 da bola branca atingindo na bola nove, e um
(efetivo, distinto) evento e2 da bola nove caindo na caçapa do canto, desse modo
e1 é causa e e2 efeito. Em suma, a visão padrão sustenta que os relata causais
são um par de eventos.
A visão padrão, claro, tem sido contestada em todos os aspectos.
Quanto à categoria, enquanto a visão padrão apresenta os relata causais como
eventos (Davidson 1980a e 1980b, Kim 1973, Lewis 1986b), também se
encontra apoio considerável para pensá-los como fatos (Bennett 1988, Mellor
1995), e suporte ocasional para outras entidades como características (Dretske
1977), tropos (Keith Campbell 1990), estados de coisas (Armstrong 1997),
situações (Menzies 1989a) e aspectos (Paul 2000). As alianças são ainda mais
complicadas, por desentendimentos sobre o que são eventos, fatos e essas
outras criaturas.
Quanto ao número e ao papel, enquanto a visão padrão numera os
relata causais em dois (Davidson 1980b, Mackie 1965, Lewis 1986a), encontra-
se algum suporte para visões contrastivas, com três e até quatro relata
(Hitchcock 1996, Woodward 2003, Maslen 2004, Schaffer 2005, Menzies 2007,
Northcott 2008, Weslake forthcoming), com o termo(s) adicional desempenhando
os papeis de alternativa causal e/ou diferença efectual. Também se encontra
algum suporte para os relata adicionais de um tipo diferente, incluindo
descrições (Anscombe 1975, McDermott 1995), modelos (Menzies 2004,
Halpern e Pearl 2005, Hitchcock 2007a) e / ou estados padrão (Menzies 2004,
McGrath 2005, Hall 2007, Hitchcock 2007a, Halpern 2008). (A seguir, reservarei
“o relata” para eventos ou fatos, ou tudo mais, e usarei “relata secundários”

74
quando desejar falar da perspectiva das descrições, dos modelos ou dos
padrões como relata adicionais. Isto é puramente por conveniência expositiva.)
Categoria: O que é a categoria de relata causal? Que tipo de coisa são
eles? Uma abordagem da categoria dos relata deve, primeiro, determinar quais
características diferenciam os eventos dos fatos e dos outros, e, em seguida,
identificar quais características os relata devem ter.
Na prática, existem duas principais características diferenciadoras que
são invocadas. A primeira é a imanência. Os eventos e os outros são geralmente
considerados imanentes, enquanto os fatos são geralmente considerados
transcendentes. Isto é, o evento de Brutus esfaqueando César é algo concreto
que ocorre em uma localização particular no espaço-tempo (o Senado, nos idos
de março), enquanto o fato de Brutus ter esfaqueado César é algo abstrato e
não situado no espaço-tempo. Surge então a questão de saber se a causação
requer relata imanentes ou transcendentes.
O segundo principal diferenciador que é invocado é a individuação. Por
vezes (embora nem sempre) os eventos são considerados relativamente
grosseiros, enquanto que os fatos e os outros são considerados relativamente
refinados. Por exemplo, o evento de John dizer "olá" pode ser considerado o
mesmo que o de John dizendo "olá" em voz alta, enquanto o fato de John dizer
"olá" é diferente do fato de que John diz "olá" em voz alta. Surge então a questão
de saber se a causação requer relata grosseiros ou refinados.
Felizmente, questões sobre a verdadeira metafísica de eventos, de
fatos e de outros candidatos podem ser adiadas aqui, e as questões sobre a
imanência e a individuação dos relata causais podem ser tratadas diretamente.
Assim, a questão da categoria dos relata pode, na prática, ser utilmente
substituída por duas questões: se os relata são imanentes (Seção 1.1), e o quão
refinado eles são individuados (Seção 1.2).
Número e papel: Qual é o número e o papel dos relata causais?
Quantos relata causais existem, e que tipo de trabalho eles fazem? Uma
abordagem do número e do papel dos relata deve primeiro formular
determinantes gerais da aridade das relações, e então aplicar esses
determinantes à causação.
A visão de que existem dois relata é amplamente assumida, mas
raramente defendida. Três principais alternativas foram exploradas envolvendo
contraste. A primeira dessas alternativas, inspirada no trabalho de Van Fraassen
(1980) sobre explicação contrastiva, toma as relações causais como incluindo

75
uma diferença efectual. Nesta visão causal, as relações têm a forma: c causa e
ao invés de e *. A segunda alternativa principal, baseada em Hitchcock (1993,
1995a, 1996), trabalha com causação probabilística, toma as relações causais
como incluindo uma alternativa causal. Nisto, relações causais têm a forma: c ao
invés de c * causa e. A terceira alternativa principal, defendida por Schaffer
(2005), inclui tanto uma alternativa causal quanto uma diferença efectual e,
assim, numera o relata em quatro, produzindo a forma: c ao invés de c * causa e
ao invés de e *. Surge então a questão de saber se contrastes (por causa e / ou
efeito) ajudam a resolver problemas e paradoxos (Seção 1.3).
Três alternativas principais foram exploradas, postulando relata
secundários. A primeira delas, inspirada na afirmação de Anscombe (1975) de
que a causação é uma relação intensional, toma a causação como sendo
relativa às descrições dos relata primários. Nessa visão, as relações causais têm
a forma: c causa e relativo à D, onde D é um par ordenado de descrições (para c
e para e). A segunda dessas alternativas, resultante especialmente do trabalho
de Pearl (2000) sobre modelagem causal, trata a causação como relativa a certo
tipo de representação matemática. Sob esse ponto de vista, as relações causais
têm a forma: c causa e relativo a M, onde M é um modelo causal adequado da
situação. A terceira dessas alternativas, que tem raízes no tratamento da
causação com leis de Hart e Honore (1985), trata a causação como relativa a
estados-padrão, que codificam os estados que são considerados “normais” e
“naturais”, em oposição aos estados desviantes. A versão mais simples dessa
visão tem a forma: c causa e relativo a N, onde N é um par ordenado de
resultados naturais (referentes a c e e). Essas visões são todas compatíveis.
Pode-se, por exemplo, sustentar que as relações causais têm a forma: c causa e
relativo a D, M e N. (De fato, uma área de pesquisa ativa diz respeito à
combinação da modelagem causal com os padrões: veja Blanchard e Schaffer
(no prelo) para uma crítica. Em seguida, surge a questão de saber se é
necessário algum relata secundário, ou se todos eles constituem uma perda
objetável de objetividade, ou um afastamento objetável da suposta “óbvia
binariedade” da causação (Seção 1.3).
Pressuposições: Tanto a disputa sobre a categoria quanto sobre os
números e o papel dos relata causais envolvem pressupostos de singularidade.
Quanto à categoria, a disputa pressupõe que exista uma categoria única de
entidade a partir da qual todos os relata causais devem ser traçados. Contudo,
pode-se argumentar que a linguagem comum permite que a relação seja descrita
em formas de eventos (imperfeita nominal), de fatos (perfeita nominal) e outras

76
(Mackie 1974, Vendler 1984, Bennett 1988). Por que não tomar a linguagem
comum em sua expressão ordinária, e deixar mil relata florescerem?
Quanto ao número e ao papel, a disputa pressupõe que há um único
número que é a aridade. No entanto, pode-se argumentar, novamente, que a
linguagem comum permite atribuições causais com e sem alternativas causais
ou diferenças efetivas (Hitchcock, 1996). Por que não tomar a linguagem comum
em sua expressão, e tomar a causação como multigrau?
Existem dois argumentos principais em defesa da singularidade, o
primeiro é o de evitar a ambiguidade (Menzies, 1989a). Se houvesse quatro
opções para dois relata, poderia parecer que haveria 24=16 relações
"causais" (ou mais se houvesse mais opções e / ou relata e / ou aridade). Dito
isso, não está claro por que não poderia haver uma única relação causal
(univocamente denotada por “causação”) que permitisse diferentes tipos de
relação. A relação de identidade, por exemplo, pode relacionar itens de qualquer
categoria ontológica.
O segundo argumento para a singularidade é que ela impede uma
harmonia misteriosa (Mellor, 1995). Se houvesse uma pluralidade de causas de
eventos e causas de fatos e afins, alguma harmonia metafísica seria necessária
entre eles, pois certamente eles não poderiam entrar em conflito. Isto é, parece
que o evento de uma bola branca atingindo a bola nove e o fato de a bola branca
ter atingido a bola nove devem ter efeitos comparáveis. Mas sem uma única
relação causal subjacente única, parece não haver nada que mantenha esses
efeitos alinhados. Dito isso, talvez uma pluralidade de relações causais pudesse
ser harmonizadas, desde que (i) uma fosse fundamental e as outras derivadas,
ou (ii) todas fossem derivadas de uma base não causal comum, como as
regularidades entre os eventos.

1.1. Imanência
Questão: Os relata causais são imanentes ou transcendentes? Ou seja,
são eles concretos e localizados no espaço-tempo, ou abstratos e não-espaço-
temporais?
Esta questão está ligada à questão da categoria. Se os relatas são
transcendentes, então são fatos. Se eles são imanentes, então são eventos ou
um dos outros candidatos, como recursos, tropos ou situações.
Na prática, encontramos dois argumentos principais sobre a questão da
imanência. Primeiro, há o argumento de empurrar, que sustenta que os relata

77
devem ser imanentes para empurrarem as coisas. Em segundo lugar, há o
argumento das ausências, que sustenta que os relata devem ser transcendentes
para que as ausências possam figurar em relações causais.
Empurrar: O principal argumento para a imanência é que apenas
entidades imanentes podem interagir. Esse argumento é bem resumido por um
de seus oponentes, Bennett: “Algumas pessoas objetaram que os fatos não são
o tipo de item que podem causar coisa alguma. Um fato é uma proposição
verdadeira (dizem eles); não é algo no mundo, mas sim algo sobre o mundo, o
que torna categoricamente errado o papel de puxar, enfiar, torcer e
dobrar” (1988, p. 22; ver também Hausman 1998). De acordo com o argumento
de empurrar, apenas entidades espaço-temporais concretas podem ser causas e
efeitos.
Há duas respostas principais ao argumento de empurrar, o primeiro é
encontrar entidades imanentes substitutas. Esses substitutos imanentes servem
como empurradores e relacionam-se com os fatos causais, embora ainda sejam
distintos deles. Bennett, na continuação imediata da citação acima, recruta
objetos para tal propósito: “Isso se baseia na suposição errônea de que as
declarações causais devem relatar relações entre coisas que empurram e
forçam. Admito que os fatos não podem se comportar como uma cotovelada nas
costa, mas sabemos quais itens desempenham esse papel - a saber, os
cotovelos. Em nosso mundo, o empurrar, o enfiar e o forçar são feitos pelas
coisas - partículas elementares e agregados delas - e não por qualquer relata da
relação causal. ”(1988, p. 22) Mellor (1995) oferece uma resposta semelhante,
sugerindo facta (os veridadores imanentes para os fatos) como a base imanente
da causação de fatos.
A segunda resposta ao argumento de empurrar é acusar que ele
repousa sobre uma concepção ingênua (pré-humiana) de causação exigindo
algum tipo de impulso metafísico ou “oomph”. Se a relação causal é uma mera
questão de regularidade, por que as regularidades não podem se manter entre
os fatos?
Ausência: O principal argumento para a transcendência é que as
ausências podem estar envolvidas em relações causais. As ausências são
consideradas entidades transcendentes. Eles nada são, não ocorrem e, portanto,
não estão no mundo. Assim, Mellor diz: “Pois o "C" e o "E" em um verdadeiro "E
porque C" causal não precisa afirmar a existência de particulares. Eles podem
negar isso... Eles são afirmações existenciais negativas, feitas verdadeiras pela
não-existência de tais particulares,... ”(1995, p. 132) Aqui Mellor está

78
argumentando que, no caso em que o escalador Don não morre, porque ele não
cai, o não caindo e não morrendo de Don estão causalmente relacionados, sem
que haja qualquer evento ou outras entidades imanentes para relacionarmos.
Há duas respostas principais ao argumento da ausência, a primeira é
negar que as ausências possam ser causais. Nesse sentido, Armstrong afirma:
“Omissões e semelhantes não fazem parte da verdadeira força motriz da
natureza. Toda situação causal se desenvolve como resultado da presença de
fatores positivos sozinhos.” (1999, p. 177; ver também Beebee 2004a e Moore
2009) O teórico que nega a causação da ausência pode acrescentar algum
codicilo conciliatório no sentido de que as ausências se mantêm em relações
com formato causal. Assim, Dowe (2000, 2001) desenvolve uma abordagem de
substituto da causação (causação*) para explicar nossas intuições de que as
ausências podem ser genuinamente causais.
A segunda resposta ao argumento da ausência é negar que as
ausências são transcendentes. Uma maneira de fazer isso seria aceitar a
existência de propriedades negativas e pensar em ausências como eventos nos
quais um objeto instancia uma propriedade negativa. Assim, a instanciação de
Don, a não-queda em t0, pode ser contada como um evento imanente, e uma
causa do evento ainda mais imanente de sua instanciação do não-morrer em t1.
Uma segunda maneira de negar que as ausências são transcendentes seria
considerar as declarações de ausência meramente como uma maneira de
descrever ocorrências, como Hart e Honore recomendam: “O correto aqui é
perceber que declarações negativas como "ele não puxou o sinal" são formas de
descrever o mundo, assim como asserções afirmativas, mas descrevem-no em
contraste, e não por comparação, como afirmações afirmativas fazem. ”(1985, p.
38) Assim, Don não caindo em t0 pode ser identificado como se agarrando à
rocha em t0 e Don não morrendo em t1 pode ser identificado com sua
sobrevivência em t1, cujos eventos são de fato relacionados de modo causal.

1.2. Individuação
Questão: Como os relata causais são individuados? Isto é, se r1 e r2
são relata causais, quais são as condições que determinam se r1 = r2?
Esta questão está relacionada com a questão da categoria. Se os relata
são grosseiros, então são eventos de certo tipo. Se são refinados, então são
fatos, ou um dos outros candidatos, como recursos, tropos, situações ou então
eventos de outro tipo.

79
Combinando as considerações sobre a imanência e a individuação,
pode-se, como uma primeira aproximação, distinguir um quadrado de possíveis
visões subjacentes à disputa sobre categoria:

Grosseiros Refinados

Imanente Davidson Kim, Lewis,


Dretske, etc.

Transcendente [Vazio] Bennett, Mel-


lor

No quadrante superior direito, encontram-se, ao lado de teóricos de


eventos refinados como Kim e Lewis, virtualmente todos aqueles que optaram
por uma terceira via, incluindo Dretske, Campbell, Armstrong, Menzies e Paul. De
fato, quase todos os teóricos que rejeitaram tanto eventos quanto fatos o fizeram
porque consideram que os relata devem ser imanentes e, portanto, não são
fatos, porém também devem ser refinados e, portanto, não são eventos.
Mas o quadrado é apenas uma primeira aproximação muito grosseira,
porque a granularidade realmente vem em graus. Assim, em uma segunda
aproximação, poder-se-ia pensar a granularidade em um continuum, a partir da
grosseira visão de Davidson (1980c) na qual os relata causais são individuados
por suas causas e efeitos, ao moderado refinamento da visão de Kim (1976)
segundo a qual os relata causais são individuados por suas triplas <objetos,
propriedade, tempo> associadas, até ao extremo refinamento de Bennett (1988),
no qual os relata causais são individuados tão refinadamente quanto
proposições.

80
O continuum de Davidson-Kim-Bennett ainda é apenas uma
aproximação, porque realmente existem outros pontos ocupados ao longo de um
continuum mais amplo. Quão refinado são, de fato, os eventos de Kim, isso
depende de o quão finamente as propriedades são individuadas. Se as
propriedades são tomadas em um sentido abundante (individuadas tão
finamente quanto predicados, ou pelo menos tão finamente quanto predicados
necessariamente coextensivos) então os eventos kimianos são relativamente
refinados, ao passo que, se as propriedades são tomadas em um sentido
esparso (individuadas pelas juntas da natureza”) então o grão é mais grosso. O
quão refinado os fatos de Bennett são, depende de quão finamente as
proposições são individuadas. Se proposições são tomadas como Frege as
concebe, então os fatos de Bennett são excepcionalmente refinados; enquanto
que, se proposições são tomadas como Russell as concebe, então os fatos de
Bennett são comparáveis em granularidade aos eventos de Kim com
propriedades abundantes. Além disso, a visão de Davidson é superada em
grossura pela visão de Quine (1985; aceita por Davidson, 1985) de que os relata
causais são individualizados pela região do espaço-tempo. Embora até a
variante fregeana da visão de Bennett seja superada em refinamento pela visão
de Dretske (1977) na qual até as diferenças focais (como entre Mary beijando
John e Mary beijando John) acarretam diferenças no relata. Colocar isso em
conjunto produz a seguinte imagem:
Individuação: Grosseiros → Refinados

Outras discriminações ao longo da dimensão de granularidade são,


evidentemente, possíveis.
Na prática, encontramos três argumentos principais sobre a questão da
individuação. Em primeiro lugar, há o argumento das diferenças causais, que
sustenta que o relata deve ser refinado, de modo a marcar diferenças na relação
causal. Em segundo lugar, há o argumento da transitividade, que sustenta que o

81
relata deve ser refinado, para preservar a transitividade. Terceiro, há o
argumento da metodologia, que sustenta que o relata deve ser grosseiro por
razões gerais de elegância teórica.
Diferenças causais: O primeiro argumento para o refinamento é que
diferenças refinadas podem marcar diferenças causais. Para dar um exemplo
discutido por Davidson, faz sentido dizer: "O colapso foi causado, não pelo fato
de que o parafuso cedeu, mas pelo fato de ele ter cedido de forma tão repentina
e inesperada" (1980b, p. 161; veja também Kim 1976). Isso sugere que o
ferrolho se partindo e o ferrolho se partindo de repente devem diferir como relata
causal. Ou para citar um exemplo de Lewis (1986b), John dizendo “olá” deve
diferir de John dizendo “olá” em voz alta, já que apenas o primeiro faz com que
Fred cumprimente John de volta, e apenas o segundo é causado pelo estado de
tensão de John. De acordo com o argumento das diferenças causais, o relata
deve ser refinado sob pena de misturar relata causais conflitantes.
Existem três principais respostas ao argumento das diferenças causais,
a primeira é que “causa” é ambígua entre causação e explicação. Diz-se que o
argumento das diferenças causais apenas introduz diferenças explicativas
(Davidson 1980b e 1980d, Strawson 1985). Davidson integra essa resposta a
uma abordagem geral de causação e da explicação, na qual a causação é uma
relação extensional que se mantém entre os eventos grosseiros, enquanto a
explicação é uma relação intencional que se mantém entre os eventos
grosseiros sob uma descrição. Assim, o estado de tensão de John faz com que
John esteja dizendo “olá”, mas a relação explicativa só se aplica quando o “olá” é
descrito em termos de seu volume. Nosso juízo de que o estado de tensão de
John não "causa" John dizendo o "olá" deve ser rejeitado, por estar ligado ao
idioma das explicações.
A segunda resposta ao argumento das diferenças causais é que “…
causa…” é um contexto intensional (Anscombe 1975, Achinstein 1975 e 1983,
McDermott 1995). Contextos intencionais não licenciam a substituição de termos
co-referenciais a salva veritate. Assim, John dizendo "olá" pode se referir ao
mesmo evento que John está dizendo "olá" em voz alta, mas substituir a única
descrição pelo outro ainda pode mudar o valor de verdade da afirmação causal.
Se isso é o caso, diferentes descrições do mesmo relata podem induzir
diferenças causais.
A terceira resposta ao argumento das diferenças causais é que ele
extrapola. Parece exigir um refinamento além do que muitos de seus
proponentes previram. Para dar um exemplo de Achinstein (1983), pode ser

82
verdade que “a cicuta bebida por Sócrates ao anoitecer causou sua morte”, mas
é falso que “a cicuta bebida por Sócrates ao crepúsculo causou sua morte”. Se
assim for, o argumento das diferenças causais implica que a cicuta bebida por
Sócrates ao anoitecer e a cicuta bebida por Sócrates ao crepúsculo devem diferir
como relata causais. Se esse for o caso, então o argumento das diferenças
causais requer, em última análise, um extremo refinamento da visão dretskiana,
que alguns podem considerar como em reductio.
Transitividade: O segundo principal argumento para o refinamento é
que ele preserva a transitividade. Para adaptar um exemplo de Woodward (1984;
ver também Ehring 1997, Paul 2000), suponha que Tom coloque sal de potássio
na lareira (c), e então Dick lança um fósforo, o que resulta em um fogo púrpura
brilhante na lareira (d), que então se espalha e incendeia Harry (e). O teórico não
refinado parece estar comprometido com a seguinte quebra de transitividade:
Tom colocando sal de potássio na lareira faz com que haja um fogo púrpura
brilhante: c causa d; há um fogo roxo aceso na lareira que causa a imolação de
Harry: d causa e; mas Tom colocando sal de potássio na lareira não causa a
imolação de Harry: c não causa e. O teórico refinado pode distinguir d1: o fogo
tornando-se roxo na região r, de d2: o fogo ardendo em r. Agora, c causa d1 (não
d2), d2 causa e (não d1), e assim a inferência transitiva de c causando e seria
bloqueada.
Existem duas respostas principais para o argumento da transitividade, a
primeira é de fato aceitar a consequência. Isto é, pode-se aceitar que c cause e:
Tom colocando sais de potássio na lareira realmente causa a imolação de Harry.
Nossas intuições contrárias podem ser rejeitadas, como apresentadas acima, ao
misturarmos os idiomas causais e explicativos. Ou nossas intuições em contrário
podem ser rejeitadas em bases pragmáticas. Como observa Lewis, em um
contexto relacionado, estamos propensos a “misturar questões sobre o que é
geralmente apropriado com questões sobre o que causou o que”, embora: “todo
historiador sabe que as ações geralmente têm consequências não intencionadas
e indesejadas”. (2000, pp. 194-5)
A segunda resposta ao argumento da transitividade é negar que a
causação é transitiva. Parece haver falhas de transitividade que não podem ser
resolvidas com refinamento. Para pegar um exemplo de Hall (2000, veja também
Hitchcock 2001), suponha que um pedregulho comece a descer a colina em
direção à cabeça do caminhante (c), o que faz com que o caminhante pule (d), e
isso faz com que o caminhante sobreviva (e). Parece que c causa d e que d
causa e, no entanto, não parece que c causa e ou que dividir d em diferentes

83
características, ou aspectos, ou algo semelhante vai ajudar. Se assim for, a
transitividade é perdida de qualquer maneira.
Metodologia: O principal argumento para a visão não refinada é que
esta é metodologicamente preferível. Quine (1985, p. 167) atribui às concepções
refinadas dos relata a postulação de entidades não familiares e pobremente
individualizadas, e recomenda a individuação extremamente não refinada
(espaço-temporal) como justificar em princípios e familiar aos compromissos
ontológicos. E Davidson (1985) considera a visão de Quine como "mais pura" e
"melhor" do que a sua própria visão anterior (1980b).
Há duas respostas principais para o argumento da metodologia, a
primeira é que algumas das concepções refinadas são perfeitamente justificadas
em princípios. Para Kim (1976) concepção refinada de eventos como instanciada
de propriedade, por exemplo, oferece um critério preciso para a individuação, a
saber:
(∀x)(∀y) (Se x e y são eventos, então x = y sse [objeto(x) = objeto(y) &
propriedade(x) = propriedade(y) & tempo(x) = tempo(y)]).
(A generalização para as relações n-árias é direta.) E as entidades
invocadas (objetos, propriedades e tempos) devem ser perfeitamente familiares
para todos, menos para o nominalista mais severo. De fato, o próprio Quine
admite não apenas que a concepção refinada de Kim é perfeitamente baseada
em princípios, mas até mesmo que ela “ainda poderia ser acomodada na
ontologia que tenho aceitado” (1985, p. 167).
A segunda resposta ao argumento da metodologia é que não está claro
que essas indecências na individuação ou que a multiplicação de entidades deva
contar muito. Quanto à individuação, aceitamos objetos físicos sem princípios
claros de individuação, então por que avaliar eventos (ou qualquer que seja o
relata) a partir de um padrão mais rigoroso? Quanto à multiplicação, se alguém
tem uma visão refinada e redutora (como a visão de Lewis 1986b de eventos
como classes transmundiais de regiões), então não há nenhuma multiplicação
em sua ontologia básica, já que todos os componentes já existem. E se alguém
tiver uma visão refinada e não-redutora, a multiplicação resultante ainda pode
ser irrepreensível. O verdadeiro pecado metodológico é multiplicar entidades
sem necessidade, portanto, se houver necessidade de uma individuação
refinada (como os argumentos das diferenças causais e/ou da transitividade
podem fornecer), então a postulação de tais entidades é metodologicamente
pura.

84
1.3. Aridade
Questão: Qual é o número e o papel dos relata causais? Isto é, quantos
há, e que tipo de trabalho cada um executa? Esta questão pode ser utilmente
dividida em sub-questões, como a de saber se devemos postular contrastes
(seção 1.3.1), e se devemos postular qualquer relata secundários, como
descrições, modelos ou padrões (seção 1.3.2).

1.3.1. Contrastividade
Quanto aos contrastes, encontramos quatro principais argumentos.
Primeiro, há o argumento da forma superficial, que sustenta que os relata
causais devem ser dois, para se adequar à forma superficial de enunciados tais
como "o curto-circuito causou o fogo". Segundo, há o argumento da
determinação, que sustenta que o os relata causais devem ser quatro, para que
as relações causais sejam bem definidas. Terceiro e quarto, há os argumentos
da imanência revisitada e da individuação revisitada, que sustentam que os
relata causais devem ser quatro, para resolvermos os problemas sobre
ausências e diferenças causais, revisados acima (Seções 1.1 e 1.2,
respectivamente).
Todos os argumentos a serem considerados aqui exigem dois ou quatro
relata (não três). De fato, pode-se argumentar contra visões contrastivas de três
relações, que elas impedem as cadeias causais. Em uma cadeia causal, o efeito
no primeiro elo serve como causa no segundo. Para que isso seja possível,
causa e efeito devem ser formalmente permutáveis: a mesma estrutura deve
flanquear os dois lados da relação. Suponha que o primeiro dominó derrube o
segundo, que então derruba o terceiro. O teórico binário pode dizer que c: a
queda do primeiro dominó causa d: a derrubada do segundo; e que d, por sua
vez, causa e: a derrubada do terceiro dominó. O teórico quaternário pode dizer
que c em vez de c *: o primeiro dominó que permanece em pé causa d em vez
de d *: o segundo dominó permanece em pé; e que d, em vez de d *, causa e
não e *: o terceiro dominó permanece em pé. Mas se houvesse contrastes em
apenas um lado da relação, então essas cadeias não poderiam ser construídas.
As ligações não coincidiriam.
Forma Superficial: O principal argumento para a binariedade é que ela
é revelada pela forma superficial das asserções causais. As reivindicações
causais como "o curto-circuito causou o incêndio" não fazem referência explícita

85
a quaisquer contrastes. Tais alegações podem ser proferidas do nada (na
posição inicial do discurso) e, portanto, também não requerem nenhum ajuste
prévio de contraste ou fixação de pressupostos. Esta é, presumivelmente, a raiz
da ideia de que a causação é “obviamente binária”. De fato, esse tipo de
consideração é mais proeminente em Davidson (1980b), que busca a forma
lógica de enunciados de superfície binária. Da mesma forma, Davidson rejeita
essa noção próxima de relevância causal porque “Não há espaço para um
conceito de "causa" que faria da causalidade uma relação entre três ou quatro
entidades e não entre duas.” (1993, p. 6)
Existem três respostas principais ao argumento da forma superficial. A
primeira é que formas superficiais contrastivas também existem. Por exemplo,
também encontramos alegações de que “Pam jogando uma pedra em vez de
uma pedrinha causou o estilhaço da janela”, de que “Pam jogando a pedra para
a janela se estilhaçar em vez de trincar”, e até a combinação “Pam estaria
jogando a pedra ao invés da pedrinha, causou a janela se estilhaçando em vez
de trincar.” Assim, a forma superficial pode parecer equivocada (Hitchcock,
1996).
A segunda resposta ao argumento da forma superficial é que esta pode
ser uma expressão reduzida de uma forma lógica mais complexa. Por exemplo,
"Ann prefere chocolate" pode ser usado como uma expressão reduzida da
proposição de que Ann prefere chocolate ao invés de baunilha. Aqui o contraste
não precisa ser explicitamente articulado, ou mesmo explicitado anteriormente
na conversa. Pode-se realizar asserções de preferência como superfície binaria
do nada. Então, assim como as reivindicações de preferência podem parecer ter
uma forma lógica contrastiva sob sua superfície binária, as alegações causais
também podem ser consideradas sob essa luz. De qualquer forma, como a
história da semântica demonstrou, seria tolamente ingênuo pensar que a
linguagem comum exibe sua forma lógica em sua superfície. Nesse sentido,
Schaffer (2012) diagnostica uma série de dependências contextuais no discurso
causal como sendo devidas à contrastividade implícita.
A terceira resposta principal está no revisionismo. Mesmo que provemos
que a forma lógica das atribuições causais seja binária, a forma lógica não deve
ter a última palavra na metafísica, pois ela pode predicar uma propriedade que
temos uma razão teórica para rejeitar. Por exemplo, “A rocha está se movendo”
pode parecer predicar a propriedade do movimento absoluto, mas os físicos
descobriram que não existe tal coisa. Assim como asserções de movimento
apenas fazem sentido metafísico quando relativizadas a um referencial inercial,

86
pode-se pensar que as afirmações causais só fazem sentido metafísico quando
relativizadas a contrastes.
Determinação: O primeiro argumento principal para a quaternicidade é
que as relações causais binárias são mal definidas. Suponha que Jane fume
moderadamente e desenvolva câncer de pulmão. O fumo moderado de Jane
causa câncer de pulmão? Hitchcock diz que não há uma resposta determinada a
menos que se fixe a alternativa causal: “A solução para este enigma é negar que
exista algo como a relevância causal do tabagismo moderado para o câncer de
pulmão… Em relação ao tabagismo pesado, é uma causa negativa de (previne)
câncer de pulmão; Em relação à abstinência, o tabagismo moderado é uma
causa positiva de (causa) câncer de pulmão... Relações de relevância causal
positiva ou negativa apenas se mantêm em relação a alternativas
específicas.” (1996, p. 402) Um caso paralelo poderia ser construído para a
necessidade de dar conta da diferença efectual. Suponha que Pablo esteja
escolhendo entre tinta azul, vermelha e verde para sua tela. Será que Pablo
escolhendo a tinta azul em vez da vermelha, causa a tela fica azul? Aqui se pode
dizer que ainda não há uma resposta determinada. Pablo, ao escolher a tinta
azul em vez da vermelha, faz com que a tela seja azul em vez de vermelha, mas
não faz com que a tela seja azul em vez de verde. Assim, pode-se concluir que
os contrastes são necessários tanto para causa quanto para efeito, a fim de que
as afirmações causais tenham valores de verdade determinados.
A principal resposta ao argumento da determinação é que as relações
causais binárias são bem definidas, afinal. Essa resposta deve tomar a forma de
aplicar uma abordagem binária da causação a casos problemáticos, como os
casos de fumar e de pintar, e simplesmente avaliar ser valor de verdade, seja ele
qual for. Por exemplo, alguém poderia pensar que uma abordagem direta
contrafactual da causação, em que checarmos se e ainda teria ocorrido, caso c
não tivesse ocorrido, simplesmente acarreta que o fumar de Jane causa câncer
de pulmão, e que Pablo ao escolher tinta azul, faz a tela ficar azul, ponto final.
Imanência Revisitada: O segundo principal argumento para a
abordagem quaternária consiste em revisitar a imanência e sustentar que
argumentos adicionais tentam reconciliar a imanência com a causação por
ausência (Schaffer, 2005). A reconciliação é tentada através de reivindicações de
ausência como configuração para contraste das ocorrências associada. Por
exemplo, “o jardineiro não molhar as flores fez com que as flores murchassem”
deve ser interpretado como: o que o jardineiro fez na realidade (isto é, o evento
efetivo de assistir televisão) em vez de regar as flores (o evento não-efetivo que

87
é a ocorrência associada) fez com que as flores murchassem em vez de
desabrocharem. E essa afirmação pode muito bem ser verdadeira. Dessa forma,
todos os quatro relata podem ser tratados como entidades imanentes, e as
alegações causais de ausência podem ainda assim ser verdadeiras. Desta
forma, a ausência de causação não requer nenhuma provisão especial (o que,
como Dowe (2000) explica, não é o caso para qualquer teoria binária).
A principal resposta ao argumento de revisitar a imanência é que a
imanência não precisa ser revisitada. Nenhuma reconciliação de ausências e
imanência é necessária e, portanto, nenhum argumento adicional é necessário.
Essa resposta pode tomar a forma de negar a imanência (isto é, abraçar fatos),
negar que as ausências são causais ou sustentar que existem ausências
imanentes (Seção 1.1).
Individuação revisitada: O terceiro principal argumento para a
abordagem quartenária revisita a individuação e sustenta que os lugares para
argumentos adicionais domam o argumento das diferenças causais (Schaffer,
2005). A preocupação é que o argumento das diferenças causais extrapola, ao
exigir que Sócrates beber cicuta ao anoitecer e Sócrates beber cicuta ao
anoitecer sejam diferentes como relata causais. A domesticação é tentada
através do tratamento das diferenças focais como diferenças contrastantes.
Assim, “Sócrates beber cicuta ao anoitecer” deve ser interpretada como c:
Sócrates beber cicuta ao anoitecer, em vez de c *: Sócrates beber vinho ao
anoitecer (ou alguma alternativa contextualmente saliente à ingestão de cicuta);
enquanto "Sócrates beber cicuta ao anoitecer” deve ser interpretado como c:
Sócrates beber cicuta ao anoitecer, em vez de c *: Sócrates beber cicuta ao
alvorecer (ou alguma alternativa contextualmente saliente a ocorrer ao
entardecer). E esses diferentes contrastes podem induzir a diferentes efeitos.
Desta forma, diferenças focais podem produzir diferenças causais, sem ter
quaisquer implicações para a individuação, muito menos para o extremo
refinamento da visão dretskiana.
A principal resposta ao argumento da individuação revisitada é que a
individuação não precisa ser revisitada. Não é necessário domar o argumento
das diferenças causais e, portanto, nenhum lugar para o argumento adicional é
necessário. Essa resposta pode tomar a forma de manter a distinção
davidsoniana entre causação e explicação causal, de permitir que a causação
seja uma relação intencional, ou de simplesmente aceitar a visão dretskiana da
relação (Seção 1.2).

88
1.3.2. Relata Secundário
Quanto ao relata secundário, encontramos três argumentos principais.
Primeiro, há o argumento da objetividade, o qual sustenta que quaisquer
relativizações de relações causais como descrições, modelos ou padrões são
incompatíveis com a objetividade da causação. Em segundo lugar, há o
argumento do sucesso das técnicas de modelagem causal, que sustenta que a
causação deve ser relativa a um modelo, de modo que as técnicas de
modelagem possam ser exploradas. Terceiro, argumentou-se que a relatividade
padrão fornece a melhor explicação para as nossas intuições em vários casos
problemáticos. (O argumento da forma superficial (Seção 1.3.1) também pode
servir como um quarto argumento contra qualquer relata secundário.)
Objetividade: Deixando de lado questões linguísticas da forma
superficial, o principal argumento contra descrições, modelos e / ou padrões
como relata secundário é que incluí-los comprometeria a objetividade da
causação. Quando a bola branca encaçapa a bola nove, pode parecer que existe
uma causa objetiva no mundo. Como escolhemos descrever os eventos,
modelar a situação ou rotular determinados resultados como "padrão" ou
"desviante" parece ir além do ponto. Por exemplo, se um modelo M é usado no
qual sua interação aparece como não-causal, pode-se inferir, não que a
interação não seja causal em relação a M, mas sim que o próprio M é um
modelo ruim dos fatos causais dependentes de modelo.
Existem duas respostas principais (relacionadas) ao argumento da
objetividade, a primeira das quais é aceitar a consequência e negar que a
causação é objetiva. Tal resposta pode ser parcialmente encorajada pelo
pensamento de que a causação parece abandonar a física fundamental (2.1.2).
A segunda resposta é sustentar que ainda existe objetividade em uma ampla
gama de noções associadas. Assim, Hitchcock invoca a noção de estrutura
causal particular, para aquilo que os modelos causais representam e sugere que
“podemos permitir que os julgamentos da causação particular sejam infectados
por critérios pragmáticos sem abandonar a objetividade da causação em geral:
A objetividade pode ser retida no nível de estrutura causal simbólica” (2007a, p.
504).
Modelagem Causal: Talvez o argumento principal para a relatividade
do modelo comece com o sucesso das técnicas de modelagem causal, como
desenvolvido em Spirtes, Glymour e Scheines (1993), Pearl (2000) e Halpern e
Pearl (2005), inter alia. Essas técnicas forneceram algoritmos de trabalho para a
descoberta causal e renderam elegantes abordagens para as relações causais

89
tipo-nível. É apenas prudente, começa o argumento, buscar uma explicação da
causação (real, simbólica) usando tais técnicas. De fato, pode bem parecer
retrógrado fazer o contrário. Mas, dado que modelos diferentes produzem
veredictos causais diferentes e dado que não existe uma noção única de modelo
canônico para uma dada situação (pelo menos nenhuma ainda desenvolvida).
Pode parecer que a única opção remanescente é relativizar as relações causais
aos modelos (Halpern e Pearl 2005, p. 85)
Há pelo menos três respostas ao argumento da modelagem causal a
ser consideradas. Primeiro, pode-se evidenciar um ceticismo quanto à
modelagem causal. A modelagem causal certamente fornece uma excelente
abordagem da epistemologia causal, mas não é óbvio que se deva extrair
conclusões metafísicas disso. Segundo, pode-se tentar definir a noção de um
modelo canônico. Terceiro, pode-se fornecer uma explicação da causação
envolvendo a quantificação existencial sobre modelos (Hitchcock, 2001) ou
mesmo a quantificação universal, de modo a utilizar técnicas de modelagem sem
pagar qualquer preço adicional na objetividade.
Casos problemáticos: Talvez o principal argumento pela descrição e
pela relatividade padrão, que também se apresenta como um argumento pela
relatividade do modelo é a utilidade de tal relata adicional na resolução de casos
problemáticos. Esse estilo de argumento abrange uma ampla variedade de
asserções. Apenas para citar alguns exemplos, McDermott (1995) insere a
descrição relativa em uma abordagem geral da causação que goza de uma
quantidade razoável de sucesso. McGrath (2005) sugeriu que nossas intuições
sobre quais ausências são causas podem vir a ativar expectativas quanto ao que
é normal. Hall (2007) mostrou que certos casos causalmente diferentes podem
levar a modelos causais isomórficos, de modo que técnicas de modelagem
possam exigir algo como uma distinção padrão / desviante para discernir esses
casos. Hitchcock (2007a) usa modelos com estados padrão atribuídos para
definir a noção de rede causal autocontida, que ele coloca para trabalhar na
abordagem de muitos dos casos mais difíceis na literatura. (Veja Halpern e
Hitchcock 2010 bem como Blanchard e Schaffer, para futuros debates sobre a
necessidade de uma distinção padrão / desviante dentro da modelagem causal.)
É difícil dizer muito mais sobre esses argumentos em geral, sem investigar todos
os detalhes. Obviamente, considerações adicionais sobre esses argumentos
dependem de considerações detalhadas sobre como as teorias em questão se
relacionam com suas rivais, e também sobre o delicado equilíbrio de se a
solução ofertada vale o preço da relatividade adicional.

90
2. Relação
Questão: o que é a relação causal? Quando a bola branca encaçapa a
bola nove, qual é a base para esse elo causal? Uma abordagem adequada da
relação causal deve revelar por onde as linhas causais correm, que direção às
setas causais apontam e se alguma coisa distingue as causas das meras
condições de fundo. Em suma, deve revelar a base para a conexão, direção e
seleção.
Modelo de rede: A relação causal é tipicamente entendida com
referência ao que Steward (1997; veja também Beebee 2004) chama de “o
modelo de rede”. O modelo de rede tem dois componentes principais. Primeiro,
retrata a relação causal como um segmento direcionado e os relata causais
como nódulos. Em segundo lugar, o modelo de rede retrata a história como uma
vasta rede causal. No modelo de rede, dadas algumas suposições realistas, a
história causal de e forma uma vasta árvore invertida (embora uma que, de
modo ultimo vai se reduzindo até o big bang):

Uma abordagem da conexão é uma abordagem dos segmentos; uma


abordagem de direção é uma abordagem das setas. A seleção no modelo de
rede consistiria em destacar certos nódulos:

O modelo de rede sem seleção é implementado, por exemplo, nos


diagramas de neurônios popularizados por Lewis. Nos diagramas de neurônios,

91
os círculos representam duplamente os neurônios que disparam e os eventos
que ocorrem, e as setas representam duplamente as sinapses que estimulam e
a causação que se dá.
O modelo de rede sem seleção também é implementado nos gráficos
acíclicos direcionados usados, na modelagem causal, para visualizar
parcialmente os modelos (Spirtes, Glymour e Scheines 1993; Pearl 2000). Em
gráficos acíclicos direcionados, os nódulos representam duplamente variáveis
com uma gama de valores e ocorrências com uma variedade de alternativas, e
as ligações duplamente representam a determinação funcional através das
equações estruturais e da paternidade causal. (Para maiores explicações sobre
a modelagem causal, veja a entrada: causação: probabilística.)
(Os diagramas de neurônios e os gráficos acíclicos dirigidos são
implementações diferentes do modelo de rede. Os neurônios representam
eventos que podem ocorrer ou não: eles são de dois valores. Os nódulos
representam variável que podem levar dois, três ou mesmo um contínuo de
valores. Sinapses representam uma causação atual. Ligações representam
linhas de possíveis influências causais, e não implicam qualquer causação real
entre os valores reais de suas variáveis. Veja Hitchcock 2007b para
comparações e razões para favorecer a abordagem da modelagem causal.)
Conexão: Qual é a base metafisica para a conexão causal? Ou seja,
qual é a diferença entre sequências causalmente relacionadas e causalmente
não relacionadas?
A questão sobre a conexão ocupa a maior parte da vasta literatura
sobre causação. Encontram-se análises de causação em termos de subsunção
nomológica (Davidson 1980d, Kim 1973, Horwich 1987, Armstrong 1999),
correlação estatística (Good 1961 e 1962, Suppes 1970, Spirtes, Glymour e
Scheines 1993, Kvart 1997 e 2004, Pearl 2000, Hitchcock 2001), dependência
contrafactual (Lewis 1986a e 2000, Swain 1978, Menzies 1989b, McDermott
1995 e 2002, Ganeri, Noordhof e Ramachandran 1996, Yablo 2002, Sartorio
2005), manipulação binária agencial (Collingwood 1940, Gasking 1955, von
Wright 1975, Price e Menzies 1993, Woodward 2003), mudança contígua
(Ducasse 1926), fluxo de energia (Fair 1979, Castaneda 1984), processos físicos
(Russell 1948, Salmon 1984 e 1998, Dowe 1992 e 2000 ) e transferência de
propriedade (Aronson 1971, Ehring 1997, Kistler 1998). Também se encontram
visões hibridas com relação a alguns dos itens acima (Fair 1979, Dowe 2000,
Paul 2000, Schaffer 2001, Hall 2004, Beebee 2004b), juntamente com
primitivismo (Anscombe 1975, Tooley 1987 e 2004, Carroll 1994, Menzies 1996)

92
e até mesmo o eliminativismo (Russell 1992, Quine 1966).
Felizmente, os detalhes dessas muitas e variadas abordagens podem
ser adiados aqui, já que tendem a ser variações de dois temas básicos. Na
prática, as abordagens nomológicas, estatísticas, contrafactuais e agenciais
tendem a convergir no caso indeterminístico. Todos entendem conexão em
termos de probabilidade: causar é tornar mais provável. As abordagens da
mudança, da energia, do processo e da transferência convergem no tratamento
da conexão em termos de processo: causar é uma produção física. Assim, uma
grande parte da controvérsia sobre a conexão pode, na prática, ser reduzida à
questão de saber se a conexão é uma questão de probabilidade ou de processo
(Seção 2.1).
Direção: Qual é a base metafísica para a direção causal? Ou seja, qual
é a diferença entre sequências relacionadas da causa para efeito e aquelas
relacionadas do efeito para causa ou do efeito para efeito conjunto de uma
causa comum?
A visão padrão sobre a direção da causação é que ela se reduz à
direção do tempo: as causas ocorrem antes de seus efeitos (Hume 1975, Kant
1965, Beauchamp e Rosenberg 1981). A visão temporal caiu em desgraça
ultimamente, e várias alternativas foram sugeridas, por exemplo, que a direção
causal é a direção de bifurcação (Reichenbach 1956, Horwich 1987, Papineau
1993, Dowe 2000), sobredeterminação (Lewis 1979). , independência (Hausman
1998) e manipulação (Von Wright 1975, Price 1991 e 1996, Woodward 2003).
Nessas visões alternativas, a coincidência das ordens temporais e causais é
meramente uma característica contingente do mundo atual, ou pelo menos uma
característica típica de nossa apreensão dele. Então surge a questão de saber
se a direção causal é a direção temporal, ou alguma outra coisa (Seção 2.2).
Seleção: Qual é a base metafísica para a seleção causal? Isto é, qual é
a diferença entre sequências de causa e efeitos envolvendo causas reais e
aquelas envolvendo meras condições de fundo?
A visão padrão com relação à seleção é que não há base objetiva para
a seleção: a seleção é orientada por interesse, pragmática e não sistemática
(Mill 1846, Lewis 1986a, Mackie 1974). Essa visão sem base objetiva é
ocasionalmente desafiada, e alternativas têm sido sugeridas como suficiente
versus necessário (Ducasse 1926) e anormal versus normal (Hart e Honore
1985). Surge, então, a questão sobre saber se existe alguma diferença objetiva
entre “condições desencadeadoras” e “meras condições de fundo” (Seção 2.3).

93
Pressuposições: A disputa sobre a conexão causal envolve uma
pressuposição de singularidade; tem que haver uma relação metafísica única de
conectividade causal para que haja uma questão sobre a natureza dessa
relação. No entanto, pode-se argumentar que a linguagem comum permite uma
série de noções causais irredutíveis, como “raspar”, “empurrar”, “molhar”,
“carregar”, “comer”, etc. (Anscombe, 1975, p. 68) Por que não usar a linguagem
comum do modo como ela se apresenta e adotar uma forma de pluralismo
causal em que a "causa" é vista como um agrupamento meramente nominal de
relações metafisicamente diversas?
Pode-se defender a singularidade argumentando que raspar, empurrar,
molhar e os outros têm uma unidade real (mais do que nominal). Eles têm
implicações estatísticas, contrafactuais, preditivas, explicativas e morais comuns.
Ou pode-se defender a singularidade como um ideal teórico. Mesmo que o
nosso conceito real de causação seja, em última análise, o que Skyrms (1984)
chama de “amontoado amável” de princípios (veja também Sober, 1985 e Hall,
2004), isso pode ser considerado um apelo à revisão conceitual. Por que
chafurdar na desordem, em vez de arrumar tudo?

2.1. Conexão
Questão: Qual é a base para a conexão causal? É uma questão de
probabilidade, processo ou algum híbrido disso? A conexão causal é primitiva e
irredutível? Ou a noção como um todo seria apenas um mito popular?
As visões sobre probabilidade e sobre processo aparecem sujeitas a
vários problemas sistemáticos, incluindo os problemas de preempção e do
fracasso para visões probabilísticas, e desconexão e má conexão para visões
processuais (Seção 2.1.1). Esses problemas forçam os pontos de vista a evoluir
e podem ser vistos como motivadores das alternativas híbridas, primitivista e
eliminativista (Seção 2.1.2).

2.1.1. Probabilidade, Processo e Problemas.


Preempção: Um caso problemático para a visão probabilística, no qual
a ideia raiz de causação é a de tornar mais provável, é o caso da preempção
(Good 1961 e 1962, Lewis 1986a, Menzies 1989b, Collins, Hall e Paul 2004,
Paul and Hall 2013 inter alia). Suponha que Pam e Bob mirem um tijolo em uma
janela. Pam joga e quebra a janela, enquanto Bob se contém ao ver Pam em
ação. Parece que o arremesso de Pam causou a quebra da janela - o tijolo dela

94
é o que quebra o vidro. Mas não é necessário que o arremesso de Pam aumente
a probabilidade da quebra - se Bob é um vândalo mais eficiente, então o lance
de Pam poderia até mesmo tornar menos provável a quebra. Assim, parece que
o aumento de probabilidade não é necessário para a causação.
Esse tipo de preempção pode ser representado pelo seguinte diagrama
de neurônio (Paul e Hall2013):

Um círculo preenchido representa duplamente um disparo de neurônio e


um evento ocorrendo. A linha com uma seta circular representa duplamente uma
conexão inibitória e uma prevenção.
Os teóricos da probabilidade têm respondido à preempção com três
estratégias principais, das quais a primeira é fatorar os intermediários (Lewis
1986a, Menzies 1989, Eells 1991, Ramachandran 1997, Kvart 1997, Noordhof
1999, Pearl 2000, Yablo 2002). Esta abordagem olha para o curso dos eventos
intermediários ou das evoluções de probabilidade, para encontrar algum sentido
no qual a causa preventiva é de fato um criador de probabilidade. Por exemplo,
se alguém mantiver fixo o fato de que Bob contém seu arremesso, então pode
parecer que o arremesso de Pam se torna um arremesso de probabilidade afinal.
A segunda resposta que os teóricos da probabilidade oferecem à preempção é
exigir precisão (Rosen 1978, Lewis 1986a, Paul 2000, Coady 2004). Essa
abordagem analisa a maneira e o tempo exato dos eventos envolvidos para
tentar encontrar diferenças devido à causa preventiva. Por exemplo, se
considerarmos a maneira e o tempo exato de quebra da janela, pode parecer
que o lançamento de Pam foi um aumento de probabilidade o tempo todo. A
terceira resposta é considerar a estrutura intrínseca (Lewis 1986a, Menzies
1996, Hall 2004). Essa abordagem procura a estrutura intrínseca do processo
preemptivo, para tentar encontrar algum sentido no qual o processo preemptivo -
mesmo que não envolva o aumento de probabilidade - é pelo menos
intrinsecamente correto para o aumento de probabilidades.

95
Não está claro o quão longe essas três estratégias se vão. Existe uma
vasta literatura sobre preempção envolvendo uma variedade estonteante de
contra-exemplos variados e análises revisadas. Veja Paul e Hall para um
excelente guia sobre “tais exemplos grosseiros” (2013, p. 5). É justo dizer que
atualmente nenhuma abordagem disponível é capaz de lidar com todos os
casos.
Para um caso particularmente difícil, tem sido argumentado que pode
haver preempção sem intermediários para fatorar, sem diferenças sobre as quais
precisamos de uma melhor precisão ou sem falha intrínseca na preempção da
copia de segurança, em casos de trunfo (Schaffer 2000a, Lewis 2000). Suponha
que as leis da magia digam que o primeiro feitiço lançado em um determinado
dia corresponde ao encantamento lançado à meia-noite. Merlin lança um feitiço
(o primeiro naquele dia) para transformar o príncipe em um sapo, Morgana lança
um feitiço (o segundo naquele dia) para transformar o príncipe em um sapo, e à
meia-noite o príncipe se transforma em um sapo. Parece que o feitiço de Merlin
fez com que o príncipe se transformasse em um sapo - seu feitiço foi o primeiro
lançado naquele dia, e é isso que as leis da magia identificam como a caracterís-
tica relevante. Apenas o feitiço de Merlin satisfaz as condições antecedentes da
lei imaginada. Mas não é necessário que o feitiço de Merlin tenha aumentado a
probabilidade da transformação - se Morgana é a feiticeira mais confiável, então
a chance de transformação teria sido maior se Merlin deixasse o trabalho para
Morgana. Não é necessário que haja algum evento intermediário na história - a
magia também pode funcionar diretamente. E não parece ser o caso de que
haveria diferenças no que aconteceu ao príncipe se Merlin tivesse deixado para
Morgana. E, finalmente, não parece haver nenhuma diferença na “aptidão in-
trínseca” entre o feitiço de Merlin e Morgana. De fato, a única diferença relevante
entre esses feitiços parece ser a questão extrínseca de qual foi lançado primeiro.
Esse tipo de superação por preempção pode ser representado pelo
seguinte diagrama de neurônio (Paul e Hall 2013):

96
Aqui nós supomos que os neurônios podem disparar em várias cores
(representando várias magias possíveis), e que pela lei, quando um neurônio
recebe múltiplos estímulos, ele dispara na cor que combina com a do maior
neurônio (que representa o primeiro feitiço naquele dia) o estimulando.
Uma terceira resposta que alguns teóricos da probabilidade têm
defendido é de fato aceitar a consequência. Aqui, pode-se afirmar que o efeito
ocorreu não por causa, mas apesar do preemptor (Eells, 1991, Mellor, 1995). Ou
pode-se afirmar que, pelo menos em certos casos, a “preempção do backup” é,
na verdade, uma causa que sobredetermina. Por exemplo, Hitchcock (2011)
argumenta que uma abordagem contrastiva da causação permite capturar
grande parte da assimetria intuitiva dos casos de trunfo, enquanto continua
contando o evento superado (a magia de Morgana) como uma causa
sobredeterminante do resultado (o príncipe se tornar um sapo).
Fracasso: Um segundo caso problemático para a visão da
probabilidade é o fracasso. Suponha que Pam e Fred apontam um tijolo para
uma janela. Pam arremessa e quebra a janela, enquanto Fred simplesmente se
afasta, se abaixa ou é impedido por Pam. Parece que a pontaria de Fred não fez
a janela se quebrar – pois o tijolo de Fred nunca tocou no vidro. Mas poderia ser
o caso de que a pontaria de Fred aumentasse a probabilidade da quebra da
janela - se houvesse alguma chance diferente de zero de que Fred fosse bem-
sucedido e alguma chance igual a não 1 de que Pam tivesse sucesso, então a
pontaria de Fred poderia muito bem ter colocado a janela em um perigo maior.
Portanto, parece que o aumento de probabilidade não é suficiente para a
causação
A versão de fracasso em que Fred é preemptor pode, é claro, ser
representada pelo diagrama dos neurônios do corte inicial acima, com Fred
substituindo Bob.
Os teóricos da probabilidade reagiram ao fracasso com as mesmas
estratégias que para a preempção, a saber, fatorando intermediários, exigindo
precisão ou olhando para a aptidão intrínseca (Menzies, 1989b, Hitchcock, 2004,
Kvart, 2004). Por exemplo, se alguém mantiver fixo o fato de que Fred
arremessa bem, então pode parecer que o lançamento de Fred não é um
aumentador de probabilidade, afinal. Ou, se considerarmos o tempo e a maneira
exata de quebra da janela, pode parecer que o arremesso de Fred não foi um
aumentador de probabilidade afinal de contas. Ou, se observarmos o caráter
intrínseco do processo de Fred, pode parecer que esse processo não estava
intrinsecamente apto a causar a quebra da janela.

97
Não está claro até que ponto essas três estratégias se estendem.
Poder-se-ia pensar que pode haver fracassos sem intermediários para fatorar,
sem diferenças a fim de ser mais preciso ou sem deficiência intrinsecamente
fracassada de não-causa, em casos de sobreposições (Schaffer, 2000b).
Suponha que Merlin lance um feitiço com uma chance de .5 de transformar o rei
e o príncipe em sapos; Morgana lança um feitiço com uma chance independente
de .5 de transformar o príncipe e a rainha em sapos; o rei e o príncipe, mas não
a rainha transformam-se em sapos. Parece que o feitiço de Morgana não fez
com que o príncipe se transformasse em sapo - o fato da rainha não ter sido
afetada mostra que o feitiço de Morgana fracassou. Mas é o caso que o feitiço
de Morgana aumentou a probabilidade do príncipe se transformar em um sapo.
Além disso, não é necessário que haja algum evento intermediário na história (a
magia também pode funcionar diretamente). Não é necessário que haja
diferenças no que aconteceria ao príncipe, se o feitiço de Morgana tivesse sido
adotado em vez do feitiço de Merlin. E não parece ser o caso que o feitiço de
Morgana fosse intrinsecamente defeituoso de qualquer forma (na verdade, é
apenas a circunstância externa da rainha não ser afetada que revela que o
feitiço de Morgana fracassou).
Esse tipo de caso sobreposto pode ser representado pelo seguinte dia-
grama de neurônio:

Aqui um arco com um número representa um efeito conjuntivo com


certa probabilidade.
Casos de preempção e fracasso juntos podem ser tomados para
mostrar que o aumento de probabilidade (embora interpretado e refinado) é
sistematicamente incapaz de prover condições necessárias ou suficientes para a
causação. Além disso, esses casos podem sugerir que a conexão é uma
questão de processos (sejam eles físicos ou mágicos) ao invés de
probabilidades. A causa preventiva e o efeito são ligados por um processo,

98
enquanto a não causa e o efeito não são - basta olhar para os diagramas. Como
Armstrong escreve: “Onde há uma seta em um diagrama mostrando que um
neurônio faz com que outro neurônio seja disparado, ou seja, incapaz de
disparar, considere que aqui existe uma relação binária genuína de dois termos
de causação singular entre a causa e efeito. Onde não há tal seta, negue que
haja tal relação. Esta é a porta aberta” (2004, p. 446).
Mas a visão processual enfrenta casos problemáticos.
Desconexão: Um caso problemático para a visão processual, no qual a
ideia raiz da causação é a conexão física, é a desconexão (Ehring 1984,
Schaffer 2000c, Lewis 2004, Hall 2004). Suponha que Pam catapulte seu tijolo
pela janela em vez de jogá-lo. Então, parece que Pam catapultando o tijolo
causa a janela quebrada - pode realmente importar aqui se Pam catapulta o tijolo
ou o joga? Não precisa haver nenhum processo conectando Pam soltando a
alavanca e o vôo do tijolo através da janela - nenhum fluxo de momento de
energia relevante, faixa de transmissão de marca ou tropo persistente conecta
eles. Em vez disso, o que está acontecendo aqui é que a catapulta engatilhada
significa impedir que a catapulta lance, e o fato de Pam liberar a alavanca
significa impedir que o mecanismo seja impedido de lancar - a catapulta é então
liberada. O processo de lançamento é puramente interno à catapulta.
Esse tipo de caso de desconexão pode ser representado pelo seguinte
diagrama de neurônio:

A principal resposta feita às desconexões é negar que elas sejam gen-


uinamente causais. Nesse sentido, Aronson diz: “Considere um peso preso a
uma mola tensa. Em um determinado momento, a presilha que mantém a mola
esticada é liberada e o peso imediatamente começa a acelerar. Pode-se ficar
tentado a dizer que a liberação do mecanismo foi à causa da aceleração do
peso. Em caso afirmativo, então o que significa a liberação do mecanismo para o
peso? Nada, é claro.” (1971, p. 425; ver também Dowe 2001, Hall 2004) De fato,

99
uma vez que as desconexões envolvem a prevenção de pretensos preventores,
e como a prevenção parece envolver ausências, pode-se rejeitar a causação por
desconexão. Pela razão geral de que não há causação de ausência (Moore
2009). Por exemplo, pode-se negar que qualquer conexão causal possa ocorrer
através da ausência do mecanismo.
Má conexão: Um segundo caso problemático para a visão de processo
é uma má conexão (Hitchcock 1995b, Dowe 2000, Schaffer 2001). Suponha que
Pam aremessa seu tijolo na janela, enquanto o inocente Tom assiste
consternado, ou borrife tinta roxa no ar através do qual o tijolo de Pam passa.
Então parece que a observação de Tom ou a pulverização de tinta não causam a
quebra da janela. Mas há um processo que liga a observação de Tom ou a
pulverização de tinta à ruptura. Quando Tom assiste, haverá fótons ligando-o à
quebra. Quando Tom borrifar tinta no tijolo, haverá uma faixa de tinta roxa da lata
de spray no tijolo até a janela. (As más conexões podem ser subdivididas em
micro-conexões, que são de magnitude inadequada, como os fótons e as
pseudo-conexões, que são do tipo incorreto, como a pintura.)Encontramos duas
principais respostas para as conexões inadequadas na literatura, a primeira é de
fato encarar as consequências. No caso da conexão entre os fótons da
observação de Tom e a quebra da janela (e micro-conexões em geral), isso pode
ser considerado como causação de proporções tão insignificantes que é
compreensível que possamos negligenciá-la. Nossas intuições em contrário
também podem ser descartadas, no estilo de Davidson, como confundir idiomas
causais e explicativos.
A segunda resposta principal encontrada para as conexões
inadequadas é refinar os processos envolvidos. No caso da conexão entre a
pulverização de tinta de Tom à quebra da janela, a linha de persistência da tinta
e a linha do tijolo que voa pela janela podem ser consideradas distintas e
meramente coincidentes (Dowe, 2000). Desta forma, pode-se negar que existe
um processo genuíno conectando a não-causa de conexão inadequada ao
efeito.
Casos de desconexão e má conexão juntos podem ser tomados para
mostrar que a conexão entre processos (embora interpretada e refinada) é
sistematicamente incapaz de fornecer condições necessárias ou suficientes para
a causação. Além disso, esses casos podem sugerir que a conexão é antes uma
questão de probabilidades do que de processos. Enquanto a causa
desconectadas (como a liberação da catapulta por Pam) e o efeito estão ligados
por probabilidade, a não causa de má conexão (como Tom observando ou

100
pintando com spray) e o efeito não está. Então, o teórico da probabilidade pode
reivindicar vingança. Mas também é possível extrair a moral mais ampla de que
as visões de probabilidade e processos são, na melhor das hipóteses, aspectos
de um quadro maior. Isso pode inspirar a busca por uma visão híbrida.

2.1.2. Híbridos, Primitivos e Eliminativos


Híbridos: Dada a plausibilidade intuitiva das visões de probabilidade e
processo, e os problemas sistemáticos que cada um encontra, alguns teóricos
recentes buscaram uma reconciliação. As visões híbridas visam sintetizar as
visões de probabilidade e processo, capturando o que está intuitivamente correto
sobre ambas as ideias enquanto resolvem seus casos problemáticos.
As visões híbridas mais óbvias simplesmente combinam ou
desarticulam as visões de probabilidade e processo, ou postulam uma
ambiguidade entre as noções (Hall, 2004). Com relação aos quatro casos
problemáticos acima, pode parecer pouco promissor. Requerer que ambos, a
probabilidade e o processo, resolvam os fracassos e as más conexões (Salmon
1997), uma vez que o primeiro não envolve nenhum processo de ligação e o
segundo não envolve nenhum aumento de probabilidade. Mas, pela mesma
razão, não resolverá as preempções e desconexões, uma vez que o primeiro
não envolve o aumento de probabilidade e o segundo não envolve conexões
entre processos. (O teórico conjuntivo pode ainda se valer de uma das respostas
acima para a preempção e as desconexões). Da mesma forma, pode parecer
ingênuo requerer que a probabilidade ou o processo resolva as preempções e
desconexões, mas não os fracassos e as más conexões. (O teórico disjuntivo
ainda pode se beneficiar de uma das respostas acima para esses problemas.
As visões híbridas mais sofisticadas tentam integrar as noções de
probabilidade e de processo, e não apenas unir ou separar as mesmas. Assim,
Fair (1979), em última análise, passa de uma visão de fluxo de energia para uma
visão que entende a conexão em termos de contrafactuais sobre o fluxo de
energia. E Schaffer (2001) sugere uma generalização dessa abordagem, na qual
a conexão causal é entendida em termos de probabilidade dos processos. Esse
tipo de visão híbrida pode parecer resolver todos os casos de problemáticas
acima. Enquanto a causa preventiva e a causa desconexa aumentam a
probabilidade do processo que produz o efeito, a não causa fracassada e a não
causa mal conectada não aumentam.
No entanto esse tipo de visão híbrida tem dificuldades com casos

101
problemáticos “hibridizados”, como os apresentados a seguir (Schaffer, 2001).
Suponha que Pam arremesse um tijolo na parede vidro de um aquário,
impedindo Bob de fazer o mesmo. O aquário estilhaçado causa a imersão do
carpete, impedindo que o vidro impeça a água de derramar. Este é um caso de
preempção inserido em um caso de desconexão. Parece que o arremesso de
Pam causou a imersão do tapete - o tijolo dela é o que quebrou o aquário. Mas
não é necessário que o arremesso de Pam aumente a probabilidade do
processo de produzir a imersão - se Bob for um vândalo mais eficiente, então o
lance de Pam poderia até mesmo diminuir a chance do processo de
derramamento, por preempção de Bob. E também pode ser que a mira de Bob
tenha aumentado a probabilidade do processo que produziu a imersão - a mira
de Bob poderia ter aumentado a chance do processo de derramamento, ao
ameaçar o aquário.
(Tal caso também cria problemas para a visão de “dois conceitos” do
estilo Hall, uma vez que o lance de Pam acaba por não satisfazer nenhum dos
dois conceitos de causação relatados por Hall.) Esse tipo de caso de de-
sconexão preventiva pode ser representado pelo seguinte diagrama dos
neurônios:

A literatura atual sobre causação está agora repleta de casos híbridos


complexos, incluindo casos de preempção preemptiva (McDermott 1995, Collins
2000), desconexões dentro de cadeias maiores (Hall 2004) e uma variedade de
variações de preempção desviantes (Paul e Hall 2013). Nenhuma abordagem
conhecida de causação - híbrida ou não – dá conta de todos esses casos.
Portanto, não está claro o que as abordagens híbridas ganham no final.
Primitivismo: Os problemas encontrados pelas tentativas de analisar a

102
conexão causal fornecem um dos argumentos principais para o primitivismo.
Parece haver um padrão de falha, que pode sugerir que a causação é
simplesmente não analisável.
O segundo argumento principal para o primitivismo é que a causação é
central demais para ser reduzida. As abordagens de probabilidade e processo (e
por extensão, híbridos) são inevitavelmente circulares, porque as noções de
probabilidade e de processo não podem ser entendidas sem referência à
causação. Quanto à probabilidade, pode-se pensar que cada uma das versões
nomológica, estatística, contrafactual e agencial da teoria abrigam noções
causais. A relação causal poderia ser necessária para distinguir leis reais de
generalizações acidentais (Armstrong 1997), para distinguir quais condições de
fundo devem ser mantidas fixas na avaliação estatística das quais podem variar
(Cartwright 1983), para distinguir quais condições de fundo podem ser mantidas
fixas em suposições contrafactuais e quais podem variar (Kvart 1986), e para
compreender a noção de intervenção agencial (Hausman 1998). Quanto ao
processo, pode-se pensar que um processo nada mais é do que uma sequência
causal; nas palavras de Sayre: “O processo causal, por mais contínuo que seja,
é constituído de eventos individuais relacionados a outros em um nexo causal…
É em virtude das relações entre os membros da série causal que somos capazes
de fazer as inferências pelas quais os processos causais são caracterizados.
”(1977, p. 206)
De fato, o primitivista poderia acrescentar que a noção de evento (ou
qualquer que sejam os relata causais que tomemos) não pode ser entendida
sem referência à causação, porque as próprias propriedades são individuadas
por seus papeis causais (Shoemaker 1980 e 1998, Ellis 1999). Como Carroll
observa a esse respeito, "com relação ao nosso aparato conceitual total, a
causação está no centro do centro". (1994, p. 118) Assim, poderíamos pensar
que a análise é impossível, porque não temos conceitos mais básicos.
Como um terceiro argumento principal para o primitivismo, tem sido
argumentado que existem mundos que diferem de forma puramente causal
(Armstrong 1983, Tooley 1987 e Carroll 1994). Suponha que seja uma lei da
magia que os feitiços lançados por Merlin e Morgana tenham uma chance de .5
de transformar o príncipe em sapo à meia-noite e que o príncipe se transforma
em sapo à meia-noite. Então, pode ser intuído que existam três possibilidades
distintas: uma em que apenas o feitiço de Merlin causou a transformação, um
segundo no qual apenas o feitiço de Morgana o fez, e um terceiro em que ambos
o fizeram. Essas possibilidades apresentam as mesmas leis e padrões de

103
eventos. Assim, alguém pode alegar intuir que a causação é ontologicamente
fundamental.
Mas há também três argumentos principais contra o primitivismo, o
primeiro remonta a Hume e sustenta que o primitivismo entra em conflito com a
existência do conhecimento causal. Afinal, pode-se argumentar (em uma veia
humiana) que tudo o que podemos observar são sequências de eventos; assim
sendo, nunca poderíamos conhecer quaisquer fatos sobre a conexão causal, se
a conexão é algo acima e além de tais sequências. A isto, o primitivista poderia
responder, ou que as conexões primitivas podem ser diretamente observadas,
pelo menos em certos casos favoráveis, tais como o desejo ou a pressão sobre
o corpo (Anscombe 1975, Strawson 1985, Fales 1990, Armstrong 1997); ou que
as conexões primitivas podem ser inferidas teoricamente por meio de uma
inferência da melhor explicação (Tooley, 1987).O segundo argumento principal
contra o primitivismo é que a causação primitiva é um tipo assustador de
modalidade primitiva. Na medida em que as relações causais supostamente são
conexões necessárias na natureza, e na medida em que geralmente
favorecemos a redução do modal à ocorrência, teremos uma razão geral para
resistir a qualquer primitivismo causal.
O terceiro argumento principal contra o primitivismo é que ele leva ao
eliminativismo. Pois se as opções são causação irredutível ou nenhuma, deve-se
perguntar se "nenhuma" pode ser a melhor escolha. Pois, se a ciência fornece o
critério para quais entidades contingentes básicas devemos reconhecer então
que a questão que deveria surgir é se alguém poderia fazer ciência sem
qualquer primitivismo causal que seja. Pode-se concluir que nossa noção
popular de causação deve ser reduzida ou enfrentar o eliminativismo.
Eliminativismo: A visão final sobre a conexão causal a ser considerada
é a visão eliminativista, conforme proclamada por Russell: “A lei da causação… é
uma relíquia de uma era passada, sobrevivendo, como a monarquia, somente
porque erroneamente se supõe que não cause dano algum. (1992, p. 193) O
eliminativista vê o conceito causal como uma projeção ingênua da agência sobre
o mundo, a ser superada em um esquema científico sofisticado.
O principal argumento para o eliminativismo é que a ciência não precisa
de causa. A noção de causação é vista como uma relíquia cientificamente
retrógrada da metafísica da Idade da Pedra. Como Russell afirma: “Nos
movimentos dos corpos que se gravitam mutuamente, não há nada que possa
ser chamado de causa e nada que possa ser chamado de efeito; existe apenas
uma fórmula.” (1992, p. 202, ver também Quine 1966) Diz-se que as equações

104
diferenciais da física sofisticada não deixam espaço para causas, ou pelo menos
não precisam delas.
O argumento de Russell pode ser eficaz contra um tratamento
primitivista da causação, mas o redutivista pode responder que a causação
ainda se reduz a entidades cientificamente respeitáveis. A esse respeito,
"evento", "lei", "causa" e "explicação" estão no mesmo barco. Esses termos
nômicos servem para permitir uma compreensão sistemática da ciência; eles
não aparecem nas equações. A partir dessa perspectiva, o argumento de Russell
pode parecer semelhante à afirmação tola de que a matemática eliminou a
variável, porque o termo "variável" não aparece nas equações!
A principal objeção ao eliminativismo é que a causação é central demais
para ser eliminada. A causação, segundo vários filósofos contemporâneos é
necessária para a análise de conceitos metafísicos como persistência, conceitos
científicos como explicação e disposição, conceitos epistêmicos como percepção
e garantia, conceitos éticos como ação e responsabilidade, conceitos mentais
como papel funcional e conteúdo conceitual e conceitos linguísticos como
referência. O eliminativismo não é apenas injustificado; mas também
catastrófico. Assim, pode parecer que os argumentos contra o primitivismo e
contra o eliminativismo trazem de volta uma abordagem reducionista da
causação e, portanto, levam de volta à probabilidade, ao processo, e aos seus
descendentes.
Embora talvez exista algum meio termo entre a tarefa sem esperança
da análise conceitual, por um lado, há o desastre conceitual do primitivismo/
eliminativismo. E por outro não se deve confundir as perspectivas de análise
conceitual com as perspectivas de redução ontológica. Pode bem ser que o
nosso conceito de causação - algo na mente - não seja definível através de
outros conceitos (de um modo que contaria como uma análise conceitual
informativa). Contudo, também pode ser que a relação causal - uma entidade
fora do mundo - não seja um constituinte fundamental da realidade. Essa
posição intermediária pretenderia explicar tanto as falhas das análises
conceituais quanto o desaparecimento da causação da física fundamental. (Veja
Schaffer 2007, pp. 872-873, para mais alguma discussão.)

2.2. Direção
Questão: Qual é a base para a direção causal? É uma questão de
direção temporal, ou algo mais como a direção da bifurcação, a direção da

105
sobredeterminação, a direção da independência ou a direção da manipulação?
O direcionamento causal é um assunto primitivo e irredutível? É o
direcionamento causal apenas um mito popular, ou talvez uma projeção de
nossa experiência como agentes humanos em um mundo não direcionado?
Na prática, encontramos seis principais argumentos sobre a questão de
se devemos identificar direção causal com direção temporal. Primeiro, há o
argumento de fraudar, que sustenta que a ordem causal deve ser a ordem
temporal, ou então o efeito pode ocorrer, mas a causa é evitada. Segundo, o
argumento da viagem no tempo, que sustenta que a ordem causal não deve ser
a ordem temporal, devido à possibilidade de viagem no tempo. Terceiro, o
argumento da causação simultânea, que sustenta que a ordem causal não deve
ser a ordem temporal devido à possibilidade de a causa e o efeito serem
simultâneos. Quarto, o argumento dos efeitos conjuntos, que sustenta que não
ajudará analisar a ordem causal como ordem temporal, porque há casos de
efeitos conjuntos nos quais há uma conexão temporalmente ordenada sem
causação. Quinto, o argumento da física, que sustenta que a ordem causal não
deve ser a ordem temporal por causa de várias hipóteses físicas que envolvem a
causação reversa. E sexto, o argumento da teoria causal do tempo, que sustenta
que a ordem causal é a ordem temporal, mas apenas porque a ordem temporal
deve ser analisada em termos da ordem causal, e não vice-versa.
Fraudar: O argumento principal para a ordem causal ser a ordem
temporal é o argumento de fraudar (Black, 1956). O argumento é explicado por
Mackie, com referência a uma hipótese causal retroativa de que um desenho
feito por um suposto clarividente na segunda-feira poderia ser causado por um
padrão feito na terça-feira: “Mas em todas as ocasiões, depois de feito o
desenho, é possível que alguém ou algo intervenha para que o padrão
correspondente não seja produzido. Consequentemente, não pode em nenhuma
ocasião, ser o padrão responsável pelos detalhes do desenho: a hipótese de
precognição deve ser falsa, mesmo para aquelas ocasiões em que o dispositivo
não é parado, quando o padrão é realmente produzido e acaba sendo
exatamente como o desenho.” (1974, p. 178) Assim, a causação temporalmente
reversa é considerada impossível.
Existem duas respostas para o argumento de fraudar. A primeira
apresentada por Dummett(1964), consiste em observar que o argumento só se
aplica a casos em que a intervenção humana é possível. O que há para evitar a
causação reversa quando a intervenção humana é descartada?
A segunda resposta é que o argumento envolve uma mistura incoerente

106
de determinismo e indeterminismo. Se o mundo é determinista, então a
intervenção fraudulenta é impossível, pois já será dado que a causa posterior
ocorrerá. Se o mundo é indeterminista, então a intervenção fraudulenta é
possível, mas não mais problemática, pois o caso reduzir-se-á àquele em que o
evento anterior (por exemplo, o desenho do clarividente) é uma erupção
indeterminista sem causa.
Viagem no tempo: O primeiro argumento principal contra a ordem
causal ser a ordem temporal é que a causação temporalmente reversa é
possível em casos como a viagem no tempo. Parece metafisicamente possível
que um viajante do tempo entre em uma máquina do tempo no tempo t1, fazendo
com que ela saia da máquina do tempo mais cedo t0. De fato, isso parece ser
possível em termos nomológicos, já que Gödel provou que há soluções para as
equações de campo de Einstein que permitem percursos em looping: “Ao fazer
uma viagem de ida e volta em um foguete é possível viajar [nos mundos
governados pelas equações de campo de Einstein] para qualquer região do
passado, presente e futuro e vice-versa, exatamente como é possível, em outros
mundos, viajar para partes distantes do espaço. ”(1949, p. 560)
Existem três respostas para o argumento da viagem no tempo. A
primeira resposta é que a viagem no tempo é incoerente. Uma variedade de
incoerências pode ser alegada aqui, incluindo a incoerência de mudar o que já
está fixo (causando o passado), de ser capaz e incapaz de matar os próprios
ancestrais, ou de gerar um ciclo causal e, portanto, uma relação reflexiva de
“auto -causação ”, ou de gerar atribuições de probabilidade inconsistentes
(Mellor 1995). A prova de Gödel pode ser descartada como um mero artefato
matemático, não refletindo qualquer situação possível.
A segunda resposta ao argumento da viagem no tempo é que a viagem
no tempo ainda pode ocorrer através de etapas causais localmente futuras. De
fato, é exatamente isso que acontece nos casos nomologicamente possíveis
descobertos por Gödel; O espaço-tempo é estruturado topologicamente de tal
maneira que uma série de etapas de avanço local produz um caminho
globalmente inverso. Isso é compatível com a ordem causal, sendo a ordem
temporal, pelo menos em cada etapa particular. Pode ser que tanto a ordem
causal quanto a ordem temporal possam deixar de possuir orientação global.
A terceira resposta ao argumento da viagem no tempo é que qualquer
caso alegado de viagem no tempo está aberto para redescrição. Ao invés de o
viajante do tempo entrar na máquina em t1 e sair em t0, a mesma situação pode
ser redescrita em termos da criação espontânea em t0 de um indivíduo, e o

107
desaparecimento espontâneo em t1 de outro, com correlações meramente
coincidentes entre seus vários estados mentais e físicos.
Causação Simultânea: O segundo principal argumento contra a ordem
causal ser a ordem temporal, é que a causação simultânea é possível. De fato,
pode parecer que a causação simultânea ocorre no mundo real, por exemplo,
quando uma bola de ferro comprime uma almofada (Kant, 1965, Taylor, 1966,
Brand, 1980).
A principal resposta ao argumento da causação simultânea é que os
casos que parecem exemplificá-lo são mal descritos (Mellor, 1995). A bola de
ferro leva tempo para bater na almofada e, em geral, todos os corpos demoram a
comunicar seus movimentos. Não há corpos perfeitamente rígidos, pelo menos
em qualquer mundo nomologicamente possível. Sem o suporte intuitivo deste
tipo de caso, o argumento da causação simultânea pode ser acusado de
cometer petição de princípio. Neste ponto, questões metodológicas sobre a
relevância de casos concebíveis, mas fisicamente impossíveis, podem surgir.
Física: O terceiro principal argumento contra a ordem causal ser a
ordem temporal é o argumento da física. Físicos do século passado entretiveram
uma variedade de teorias que postulavam a causação retrógrada, incluindo a
teoria de radiação de Wheeler-Feynman, a teoria dos táquions de Feynman e
sua teoria dos pósitrons como elétrons voltando no tempo, a explicação do
“aperto de mão quântico” de Beauregard e da violação das desigualdades de
Bell. Embora nenhuma dessas teorias tenha muito crédito hoje, elas eram
hipóteses físicas sérias que pareciam estabelecer que elas ao menos poderiam
ter sido verdadeiras (Horwich 1987, Dowe 2000).
Há duas respostas principais ao argumento da física, o primeiro é
dispensar essas teorias. Talvez essas teorias sejam todas falsas ou mesmo
sutilmente incoerentes. Aqui, a possibilidade de redescrição posterior aludida
com a viagem no tempo é saliente, na medida em que o defensor da ordem
temporal pode sustentar que a redescrição antecipada é sempre possível, e
sempre preferível.
A segunda resposta ao argumento da física é que ele extrapola. Pode
não haver uma abordagem coerente da ordem causal compatível com todas
essas teorias. Em particular, o modelo causal retrógrado da violação das
desigualdades de Bell postula uma seta causal para trás que, ao que parece,
não é nem o pedaço de uma bifurcação em direção ao passado, muito menos
um sobredeterminador especial do futuro, nem um manipulador para manipular o

108
passado. Assim, o argumento da física pode culminar em um geral tu quoque.
Um tipo diferente de argumento da física não olha para as teorias que
apontam para a causação reversa, mas sim para a falta de quaisquer
assimetrias relevantes (temporais ou não) na física avançada. A partir disso
infere-se que a própria realidade pode ser temporalmente simétrica e que
qualquer sentido de direção para as relações causais se deve a uma projeção de
nossa experiência como agentes (Price, 1996 e 2007). Alternativamente, pode-
se argumentar que a física fornece uma direção real - talvez através da
"Hipótese do Passado" de Albert (Albert 2000, Loewer 2007, Kutach 2007) - mas
uma que está apenas contingentemente conectada à direção do tempo.
Efeitos Conjuntos: O terceiro argumento principal contra a ordem
causal ser a ordem temporal é o problema dos efeitos conjuntos (Lewis, 1986a).
Suponha que a queda na pressão atmosférica em t0 cause tanto a queda no
barômetro em t1 quanto a tempestade em t2. Então a queda no barômetro e a
tempestade são causalmente conectadas e temporalmente ordenadas, mas isso
não é causação, e sim um caso de efeitos conjuntos de uma causa comum.
Este caso pode ser representado pelo seguinte diagrama de neurônios:

Aqui, a ordem da esquerda para a direita representa a ordem temporal.


Há duas respostas para o argumento dos efeitos conjuntos, a primeira
é adicionar alguns outros testes para uma estrutura de efeito conjunto, como o
teste de triagem (Reichenbach 1956, Suppes 1970, inter alia). A direção causal é
então tomada como a direção temporal não triada.
A segunda resposta é restringir a visão da ordem temporal aos casos de
conexão direta. Como o diagrama dos neurônios sugere, os efeitos conjuntos
são apenas indiretamente conectados, através de sua causa comum (Horwich,
1987). Se for possível identificar as conexões diretas e aplicar a ordem temporal
apenas a elas, teríamos uma seta desde a queda da pressão atmosférica até a
queda no barômetro, bem como a tempestade, mas não há nenhuma seta do
barômetro à tempestade. Isso corresponderia ao diagrama.

109
Teoria Causal do Tempo: um argumento final a ser considerado é o
argumento de que a ordem temporal deve ser analisada em termos da ordem
causal, e não vice-versa (Kant, 1965, Reichenbach, 1956, Mellor, 1981). Esse
argumento corta para os dois lados, no sentido de que implica que a ordem
causal é a ordem temporal (contra os argumentos da viagem no tempo,
causação simultânea e física), e no sentido em que implica que a ordem causal
não pode ser baseada na ordem temporal sob a influência da circularidade.
A principal resposta ao argumento da teoria causal do tempo é,
obviamente, rejeitar a teoria causal do tempo. A direção temporal terá que ser
entendida em outros termos, talvez em termos de assimetrias físicas intrínsecas,
tais como as envolvida com a entropia ou com a decadência do kaon neutro, ou
talvez simplesmente tomada como primitiva (Maudlin 2007). Embora na medida
em que se toma a direção como primitivo, existe a tentação de colocar este
primitivo em ação o máximo possível, incluindo a compreensão da direção
causal.

2.3. Seleção
Questão: Qual é a base para a seleção causal? A distinção entre
causas reais e meras condições de fundo é apenas um assunto arbitrário e não
sistemático? Ou existe uma base metafísica para seleção, relacionada à
suficiência versus necessidade, a anormalidade versus normalidade ou a
qualquer outra coisa?
(Deve-se notar que a seleção está amplamente associada à ideia de
“causa”. Talvez isso seja um erro. Muitas vezes selecionamos múltiplas causas
que agem juntas. Por exemplo, em um caso de causação conjunta, quando os
quatro carregadores carregam o piano coletivamente pelas escadas, seria
natural selecionar os esforços de cada indivíduo como uma causa real do piano
atingir o segundo andar (selecionando quatro causas reais), enquanto, rebaixam-
se vários fatores, da presença da escadaria até o status das condições de fundo.
"A causa", relativa a um determinado contexto, simplesmente se refere a algo
como a causa mais saliente no contexto, assim como "o cachorro" se refere a
algo como o cão mais saliente no contexto; isso tudo é uma questão sobre o que
o "o" significa e nada tem a ver com a causação, ou com os cachorros nesses
casos.)
Na prática, podemos encontrar quatro principais argumentos sobre a
questão da seleção. Primeiro, o argumento do capricho, que sustenta que nossa

110
prática real de seleção é muito caprichosa para ter qualquer base real. Segundo,
o argumento da previsibilidade, que sustenta que nossa prática real de seleção é
previsível demais para não ter uma base real. Terceiro, o argumento da
inseparabilidade, que sustenta que não temos nenhum conceito de causação
que subtraia a seleção. E quarto, o argumento da aridade revisitada, que alega
que os dados adicionais podem reconciliar os três argumentos anteriores.
Capricho: O principal argumento para a visão sem base é o argumento
de Mill do capricho: “Nada pode mostrar melhor a ausência de qualquer base
científica para a distinção entre a causa de um fenômeno e suas condições, do
que a maneira caprichosa em que nós selecionamos dentre as condições
aquelas que nós escolhemos para denominarmos a causa” (1846, p. 198). O
argumento de Mill ganhou o campo, e é ecoado por autores contemporâneos
como Lewis: “Às vezes escolhemos uma entre todas as causas de algum evento
e chamamos de " a" causa, como se não houvesse outras. Ou destacamos
algumas como "causas", chamando o resto de meros "fatores causais" ou
"condições causais"... Podemos selecionar as causas anormais ou
extraordinárias, ou aquelas sob controle humano, ou aquelas que consideramos
boas ou más, ou apenas aquelas que queremos falar. Não tenho nada a dizer
sobre esses princípios de discriminação injusta.” (1986, p. 162) Assim, a seleção
é geralmente descartada como infundada, e os teóricos procuram isolar alguma
concepção igualitária pré-selecionada de causação.
Previsibilidade: O argumento principal contra a visão sem base
sustenta que nossas seleções são muito previsíveis para não ter base. Este
ponto foi feito por Hart e Honore, que escrevem: “Na maioria dos casos em que
um incêndio aconteceu, o advogado, o historiador, e o homem comum se
recusaria a dizer que a causa de o fogo era a presença de oxigênio, embora
nenhum fogo tivesse ocorrido sem ele: eles reservariam o título de causa para
algo da ordem de um curto-circuito, a queda de um cigarro aceso ou um raio...
Ao fazer essa distinção, Está claro que nossa escolha, embora seja responsiva
ao contexto variável das ocasiões particulares, não é arbitrária ou aleatória.
”(1985, p. 11)
Mas o que poderia ser essa distinção entre causas e condições?
Ducasse sustenta que é entre causas suficientes e condições necessárias:
“Como uma questão de uso estabelecido, "causa" é contrastada com "condição"
de uma maneira útil e claramente declarada: A causa de um fenômeno é uma
mudança em suas circunstâncias antecedentes que foi suficiente para fazê-lo
ocorrer. Uma condição de um fenômeno, por outro lado, é uma mudança, ou

111
mais frequentemente um estado, de suas circunstâncias antecedentes, o que era
necessário para que ocorresse quando aconteceu.” (1969, p. 19) Mas é difícil
enxergar como isso captura nossa seleção do curto-circuito sobre a presença de
oxigênio, pois cada fator parece necessário, mas não suficiente.
Hart e Honore sustentam que situações anormais e ações livres são
causas, enquanto situações normais e fatores não-agenciais são condições: “Ao
distinguir causas e condições, dois contrastes são de fundamental importância.
Estes são os contrastes entre o que é anormal e o que é normal em relação a
qualquer coisa ou assunto, e entre uma ação deliberadamente livre e todas as
outras condições. ”(1985, p. 33) Isto parece fazer mais sentido com relação ao
curto-circuito (anormal) versus a presença de oxigênio (normal), mas ao preço
de tanta vagueza, que se pode pensar que em uma visão seria apenas
verbalmente distinto da visão sem base.
Inseparabilidade: Um argumento adicional contra a visão sem base é
que não temos nenhum conceito de causação sem seleção. Como Hart e
Honore colocam: “O contraste de causa com meras condições é uma
característica inseparável de todo pensamento causal, e constitui o significado
de expressões causais tal como a referencia implícita a generalização o
faz.” (1985, p. 12, ver também Schaffer 2005). O resultado desse argumento é
que a visão sem base nos priva de qualquer compreensão intuitiva da noção de
causa. Pois como é que vamos julgar se certos casos, como os casos
problemáticos revistos acima ou quaisquer outros, envolvem causação ou não,
se os nossos julgamentos estão infectados com um componente de capricho não
sistemático?
Lewis escreve: “Estou preocupado com a questão prévia do que é ser
uma das causas (falar de maneira não-seletiva). Minha análise destina-se a
capturar um conceito amplo e não discriminatório de causação” (1986a, p. 162).
Mas não é óbvio que tenhamos qualquer conceito como o que Lewis procura.
Ou, pelo menos, não é óbvio que nossas intuições sobre a causação possam
fornecer qualquer evidência a respeito desse “conceito amplo e não
discriminatório”, se nossas intuições forem afetadas por efeitos de seleção.
Aridade revisitada: Um último argumento a ser levado em conta na
questão da seleção revisita a aridade (Seção 1.3), e sustenta que os relata
causais adicionais podem reconciliar o capricho e a previsibilidade e explicar a
inseparabilidade (Schaffer, 2005 e 2012). O que é caprichoso sobre a seleção é
que falantes diferentes, em diferentes contextos de conversação, discordarão
sobre o que é uma causa e o que é uma condição de fundo. Se alguém não

112
sabe qual pergunta um orador está seguindo, pode-se achar as escolhas dela
caprichosas. O que é previsível sobre a seleção é que, uma vez em que o
contexto conversacional seja fixo, pode-se esperar um amplo acordo sobre
causas versus condições. Se soubermos quais inquéritos um orador está
investigando, veremos que suas seleções são previsíveis. Isso pode sugerir o
que está variando caprichosamente, será quais contrastes estão em jogo em
uma dada investigação e o que é previsível é o que contam como uma causa
real em relação aos contrastes em jogo.
Mackie (um teórico binário) fala do campo causal em referência a qual
seleção causal é feita: “Uma declaração causal será a resposta a uma questão
causal, e a pergunta "O que causou essa explosão? " Pode ser expandida em "O
que fez a diferença entre aqueles tempos, ou aqueles casos, dentro de um certo
intervalo, em que tal explosão não ocorreu, e este caso em que ocorreu uma
explosão? ”Ambas as causas e efeitos são vistos como diferenças dentro de
campo; qualquer coisa que seja parte da descrição assumida (mas comumente
não declarada) do campo em si será, então, automaticamente descartada como
um candidato para o papel da causa. ”(1974, p. 35) O contrastivista pode
oferecer uma implementação natural de noção de Mackie de um campo causal,
entendida agora como os aspectos da situação que são assumidos presentes e
para os quais alternativas (/ contrastes) não são consideradas. Isso é
particularmente apropriado para entender a seleção no contexto dos modelos
causais, nos quais apenas certos eventos são representados por meio de
variáveis enquanto (eventos que são representados por variáveis são equipados
com uma gama de valores alternativos; eventos que não são representados por
variáveis não são).
A seleção causal, em todas as visões, é um reflexo de quais alternativas
estão em questão. Para o teórico quaternário, a seleção é determinada pelos
valores dos relata contrastante (incluindo a questão de se qualquer contraste
que seja está sendo considerado para um dado fator). Ela é, portanto, um
componente inseparável do nosso conceito causal. Para a pessoa que pensa
que a causação é relativa a um modelo causal, a seleção pode ser determinada
de forma comparável a gama de eventos modelados por variáveis (que são
equipados com uma variedade de alternativas). Nessas visões, a própria noção
de conexão causal é apenas bem definida à luz de contrastes e / ou modelos, e
esses relata adicionais explicam a seleção.

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122
(IV) Consciência*

Autor: Robert Van Gulick


Tradução: Marco Aurélio Alves & Marcelo Fischborn
Revisão: André Abath

Talvez nenhum aspecto da mente seja mais familiar ou mais enigmático


que a consciência e a experiência consciente que temos de nós mesmos e do
mundo. O problema da consciência é provavelmente a questão central na
teorização atual sobre a mente. Apesar de não haver qualquer acordo nas
teorias da consciência, há um consenso difundido, se não universal, de que uma
abordagem adequada da mente exige uma compreensão clara da consciência e
do seu lugar na natureza. Precisamos entender não apenas o que a consciência
é, mas também como se relaciona com outros aspectos, não conscientes, da
realidade.

1. História da Questão
É provável que questões sobre a natureza da consciência [conscious

* Tradução do verbete “Consciousness” de Robert Van Gulick publicado pela The


Stanford Encyclopedia of Philosophy (Edição do Verão de 2011), edição de Edward N.
Zalta, URL = http://plato.stanford.edu/archives/sum2011/entries/consciousness/.
Publicado com a autorização do editor Prof. Dr. Edward Zalta. Tradução primeiramente
publicada em Investigação Filosófica: vol. E2, artigo digital 2, 2012. Disponível
em:<https://periodicos.unifap.br/index.php/investigacaofilosofica/article/view/4855/2182.

The following is the translation of the entry on Consciousness by Robert Van Gulick, in
the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows the version of the entry
in the SEP's archives at http://plato.stanford.edu/archives/sum2011/entries/
consciousness/. This translated version may differ from the current version of the entry,
which may have been updated since the time of this translation. The current version is
located at a http://plato.stanford.edu/entries/consciousness/. We'd like to thank the
Editors of the Stanford Encyclopedia of Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for
granting permission to translate and publish this entry.

123
awareness] sejam levantadas desde tanto tempo quanto têm existido os seres
humanos. As práticas de sepultamento neolíticas parecem expressar crenças
espirituais, e dão indícios primitivos de pensamento ao menos minimamente
reflexivo sobre a natureza da consciência humana (Pearson 1999, Clark and
Riel-Salvatore 2001). De modo similar, tem-se descoberto que culturas não-
letradas adotam invariavelmente alguma forma de concepção espiritual, ou ao
menos animista, que indica certo grau de reflexão sobre a natureza da
consciência.
Não obstante, alguns defenderam que a consciência, tal como a
conhecemos hoje, é um desenvolvimento histórico relativamente recente, que
surgiu em algum momento posterior ao período homérico (Jeynes 1974). De
acordo com essa concepção, os seres humanos anteriores, incluindo aqueles
que lutaram na Guerra de Tróia, não experienciaram a si mesmos como sujeitos
internos unificados de seus próprios pensamentos e ações, ao menos não do
modo como o fazemos hoje. Outros alegaram que, mesmo durante o período
clássico, não havia nenhuma palavra do grego antigo que correspondesse a
"consciência" (Wilkes 1984, 1988, 1995). Embora os antigos tivessem muito a
dizer sobre questões da mente, é menos claro que tivessem quaisquer conceitos
ou preocupações sobre o que entendemos hoje por consciência.
Embora as palavras "consciente" [conscious] e
"consciência" [conscience] sejam usadas de modo bem diferente hoje em dia, é
provável que a ênfase da Reforma na última, como uma fonte interna de
verdade, tenha desempenhado algum papel na interiorização tão característica
da concepção moderna do eu. O Hamlet que andava pelos palcos em 1600 já via
o seu mundo e a si mesmo com olhos profundamente modernos.
Aproximadamente no início da era moderna, no século XVII, a
consciência alcançou plenamente o centro do pensamento sobre a mente. De
fato, da metade do século XVII ao final do século XIX, a consciência foi
amplamente tratada como essencial ou definidora do mental. René Descartes
definiu a própria noção de pensamento (pensée) em termos de consciência
reflexiva ou autoconsciência. Nos Princípios da Filosofia (1640), ele escreveu
""pela palavra "pensamento" ("pensée"), entendo tudo aquilo de que estamos
conscientes como operando em nós.""
Mais tarde, perto do final do século XVII, John Locke fazia uma
afirmação similar, embora um pouco mais qualificada, no Ensaio sobre o
Entendimento Humano (1688):

124
Não digo que não há alma em um homem porque
ele não está ciente [sensible] dela durante o sono.
Mas digo que em nenhum momento, acordado ou
dormindo, ele pode pensar sem estar ciente disso.
Estar ciente não é necessário para nada, exceto
nossos pensamentos, e para eles isso é, e
sempre será, necessário.
Locke recusava-se explicitamente a fazer qualquer hipótese sobre a
base substancial da consciência e sua relação com a matéria, mas tratou-a
claramente como essencial ao pensamento, bem como à identidade pessoal.
G. W. Leibniz, contemporâneo de Locke, possivelmente inspirado por
seu trabalho matemático sobre diferenciação e integração, ofereceu uma teoria
da mente no Discurso de Metafísica (1686), que permitia infinitos graus de
consciência, e talvez mesmo de pensamentos inconscientes, as chamadas
“pequenas percepções” [petite perceptions]. Leibniz foi o primeiro a distinguir
explicitamente entre percepção e apercepção, isto é, grosseiramente, entre
consciência e autoconsciência. Na Monadologia (1720), ele também ofereceu
sua famosa analogia do moinho, para expressar sua crença de que a
consciência não poderia surgir da mera matéria. Ele convidou seu leitor a
imaginar alguém caminhando pelo interior de um cérebro expandido, tal como
caminharia no interior de um moinho, observando todas as suas operações
mecânicas, o que para Leibniz esgotava sua natureza física. Em nenhum lugar,
afirma ele, esse observador iria ver quaisquer pensamentos conscientes.
Apesar do reconhecimento de Leibniz da possibilidade de pensamento
inconsciente, na maior parte dos dois séculos seguintes os domínios do
pensamento e da consciência foram tratados como mais ou menos o mesmo. A
psicologia associacionista, seja a buscada por Locke, ou depois no século XVIII
por David Hume (1739), ou no século XIX por James Mill (1829), visava
descobrir os princípios pelos quais os pensamentos ou ideias conscientes
interagiam ou afetavam um ao outro. John Stuart Mill, filho de James Mill,
continuou o trabalho de seu pai na psicologia associacionista, mas permitiu que
combinações de ideias pudessem produzir resultantes que estivessem para além
de suas partes mentais constituintes, formulando assim um modelo primitivo da
emergência do mental (1865).
A abordagem puramente associacionista foi criticada no fim do século
XVIII por Immanuel Kant (1787), que argumentou que uma teoria adequada da
experiência e da consciência fenomenal exigia uma estrutura muito mais rica da

125
organização mental e intencional. A consciência fenomenal, segundo Kant, não
poderia ser uma mera sucessão de ideias associadas, mas teria de ser no
mínimo a experiência de um eu consciente situado em um mundo objetivo
estruturado com respeito a espaço, tempo e causalidade.
No mundo anglo-americano as abordagens associacionistas
continuaram a ser bastante influentes no século XX, tanto na filosofia como na
psicologia, enquanto que na esfera germânica e europeia houve um maior
interesse na estrutura mais ampla da experiência, que em parte levou ao estudo
da fenomenologia, através do trabalho de Edmund Husserl (1913, 1929), Martin
Heidegger (1927), Maurice Merleau-Ponty (1945) e outros que expandiram o
estudo da consciência aos reinos social, corporal e interpessoal.
No começo da psicologia científica moderna, na metade do século XIX,
a mente ainda era amplamente igualada à consciência e os métodos
introspectivos dominavam o campo, como no trabalho de Wilhelm Wundt (1897),
Hermann von Helmholtz (1897), William James (1890) e Alfred Titchener (1901).
Entretanto, a relação entre consciência e cérebro permanecia um grande
mistério, como expresso na observação famosa de T. H. Huxley:
Como algo tão notável quanto um estado de
consciência resulta da irritação de tecidos
nervosos é simplesmente tão inexplicável quanto
o surgimento do gênio, quando Aladim esfregou
sua lâmpada (1866).
O início do século vinte viu o eclipse da consciência pela psicologia
científica, especialmente nos Estados Unidos, com o surgimento do
behaviorismo (Watson 1924, Skinner 1953), embora movimentos como a
psicologia Gestalt a tenham mantido em curso como uma questão de interesse
científico na Europa (Köhler 1929, Köffka 1935). Nos anos 1960, o domínio do
behaviorismo enfraquecia com o surgimento da psicologia cognitiva e sua ênfase
no processamento de informação e na criação de modelos de processos mentais
internos (Neisser 1965, Gardiner 1985). Entretanto, apesar da ênfase renovada
na explicação de capacidades cognitivas como memória, percepção e
compreensão da linguagem, a consciência permaneceu como um tópico
enormemente negligenciado por mais algumas décadas.
Nos anos 1980 e 90 houve um grande ressurgimento da pesquisa
científica e filosófica sobre a natureza e a base da consciência (Baars 1988,
Dennett 1991, Penrose 1989, 1994, Crick 1994, Lycan 1987, 1996, Chalmers
1996). Uma vez que a consciência estava de novo em discussão, houve uma

126
rápida proliferação de pesquisas, com uma enxurrada de livros e artigos, e
também o início de revistas especializadas (The Jounal of Consciousness
Studies, Consciousness and Cognition, Psyche), sociedades profissionais
(Association for the Scientific Study of Consciousness - ASSC) e conferências
anuais dedicadas exclusivamente à sua investigação (Toward a Science of
Consciousness, ASSC).

2. Conceitos da Consciência
As palavras "consciente" e "consciência" são termos genéricos que
abrangem uma ampla variedade de fenômenos mentais. Ambas são usadas com
uma diversidade de significados, e o adjetivo "consciente" é heterogêneo em sua
extensão, sendo aplicado tanto a organismos inteiros – consciência da criatura –
como a estados e processos mentais particulares – consciência do estado
(Rosenthal 1986, Gennaro 1995, Carruthers 2000).

2.1. A Consciência da Criatura


Um animal, uma pessoa ou outro sistema cognitivo pode ser tratado
como consciente em vários sentidos diferentes.
Senciência [sentience]. Pode ser consciente no sentido genérico de ser
simplesmente uma criatura senciente, uma criatura capaz de sentir e responder
a seu mundo (Armstrong 1981). Ser consciente nesse sentido pode admitir
graus, e exatamente qual tipo de capacidades sensoriais é suficiente pode não
estar nitidamente definido. Peixes são conscientes no aspecto relevante? E
quanto a camarões e abelhas?
Vigília. Pode-se, ademais, exigir que o organismo esteja efetivamente
exercendo essas capacidades, e não meramente que tenha a habilidade ou
disposição de exercê-las. Assim, poderíamos considerá-lo consciente apenas se
estivesse acordado e em estado normal de alerta. Nesse sentido, organismos
não seriam considerados conscientes quando adormecidos ou em quaisquer dos
níveis mais profundos de coma. Novamente, os limites podem ser nebulosos, e
casos intermediários podem estar envolvidos. Por exemplo, está-se consciente
no sentido relevante quando se está sonhando, hipnotizado ou em estado de
fuga [fugue state]?
Autoconsciência. Um terceiro e ainda mais exigente sentido poderia
definir as criaturas conscientes como aquelas que estão não apenas
conscientes, mas também conscientes de que estão conscientes, tratando assim

127
a consciência como uma forma de autoconsciência (Carruthers 2000). A
exigência de autoconsciência poderia ser interpretada de maneiras variadas, e
de acordo com isso variará quais criaturas se qualificariam como conscientes no
sentido relevante. Se tomamo-la como envolvendo autoconsciência conceitual
explícita, muitos animais não-humanos e até crianças jovens poderiam não se
qualificar como tal, mas se apenas formas implícitas mais rudimentares de
autoconsciência são exigidas, então uma ampla variedade de criaturas não
linguísticas poderiam ser consideradas autoconscientes.
Como é [what it is like]. O famoso critério “como é” de Thomas Nagel
(1974) visa capturar uma outra, e talvez mais subjetiva, noção de ser um
organismo consciente. De acordo com Nagel, um ser é consciente apenas se há
“algo como é” ser essa criatura, isto é, algum modo subjetivo com o qual o
mundo pareça ou em que se apresente do ponto de vista mental ou experiencial
da criatura. No exemplo de Nagel, morcegos são conscientes porque há algo
que é como ser um morcego que experiencia seu mundo através de seus
sentidos ecolocalizadores, apesar de nós humanos, do nosso ponto de vista
humano, não podermos entender empaticamente como tal modo de consciência
é do ponto de vista do próprio morcego.
Sujeito de estados conscientes. Uma quinta alternativa seria definir a
noção de um organismo consciente em termos de estados conscientes. Isto é,
poderíamos primeiro definir o que torna um estado mental um estado mental
consciente, e então definir uma criatura como sendo consciente em termos da
posse desses estados. Nosso conceito de um organismo consciente dependeria,
assim, da abordagem específica que damos aos estados conscientes (seção
2.2).
Consciência transitiva. Além de descrever criaturas como conscientes
nesses vários sentidos, há também sentidos relacionados em que criaturas são
descritas como sendo conscientes de várias coisas. Essa distinção é por vezes
marcada como uma distinção entre noções transitivas e intransitivas de
consciência, com a primeira envolvendo algum objeto ao qual a consciência é
dirigida (Rosenthal 1986).

2.2. A Consciência de Estados


A noção de um estado mental consciente também tem uma variedade
de sentidos distintos, embora talvez inter-relacionados. Há ao menos seis
opções principais.

128
Estados em que se sabe que se está [states one is aware of]. Em uma
leitura comum, um estado mental consciente é simplesmente um estado mental
que se sabe estar nele (Rosenthal 1986, 1996). Estados conscientes, nesse
sentido, envolvem uma forma de meta-mentalidade ou meta-intencionalidade, na
medida em que exigem estados mentais que são eles mesmos a respeito de
estados mentais. Ter um desejo consciente de uma xícara de café é ter esse
desejo e também estar simultaneamente e diretamente consciente de que se tem
esse desejo. Pensamentos e desejos inconscientes, nesse sentido, são
simplesmente aqueles que temos sem saber [without being aware] que temos,
quer nossa falta de autoconhecimento resulte de simples falta de atenção ou de
causas psicanalíticas mais profundas.
Estados qualitativos. Estados podem também ser tratados como
conscientes em um sentido aparentemente muito diferente e mais qualitativo.
Isto é, poderíamos considerar consciente um estado somente se tem ou envolve
propriedades qualitativas ou experienciais do tipo ao qual frequentemente nos
referimos como “qualia” ou “qualidades sensoriais primárias” [raw sensory feels].
(Ver o verbete por Tye 2009.) A percepção que alguém tem do Merlot que está
bebendo ou do tecido que está examinando conta como um estado mental
consciente nesse sentido, porque envolve vários qualia sensoriais, por exemplo,
qualia de sabor no caso do vinho e qualia de cores na experiência visual que se
tem do pano. Há um considerável desacordo sobre a natureza de tais qualia
(Churchland 1985, Shoemaker 1990, Clark 1993, Chalmers 1996) e igualmente
sobre sua existência. Tradicionalmente, os qualia foram tratados como
características monádicas da experiência, privadas e inefáveis, mas as teorias
atuais dos qualia frequentemente rejeitam ao menos algum desses
comprometimentos (Dennett 1990).
Estados fenomenais. Por vezes refere-se a esses qualia como
propriedades fenomenais e ao tipo associado de consciência como consciência
fenomenal, mas o último termo talvez seja mais propriamente aplicado à
estrutura completa da experiência e envolva muito mais que os qualia sensoriais.
A estrutura fenomenal da consciência também abrange muito da organização
espacial, temporal e conceitual de nossa experiência do mundo e de nós
mesmos como agentes nele (ver seção 4.3). Por isso, é provavelmente melhor,
ao menos inicialmente, distinguir o conceito de consciência fenomenal do de
consciência qualitativa, embora sem dúvida eles se sobreponham.
Estados como-é [what-it-is-like]. A consciência em ambos esses
sentidos liga-se também à noção de Thomas Nagel (1974) de uma criatura

129
consciente, na medida em que se considera um estado mental consciente no
sentido de “como é” simplesmente se há algo que seja como estar nesse estado.
O critério de Nagel poderia ser entendido como buscando fornecer uma
concepção em primeira pessoa, ou interna, do que torna um estado um estado
fenomenal ou qualitativo.
Consciência de acesso. Os estados poderiam ser conscientes em um
sentido de acesso, aparentemente muito diferente, que tem mais a ver com as
relações intramentais. A este respeito, um estado ser consciente é uma questão
de sua disponibilidade para interagir com outros estados e do acesso que se tem
ao seu conteúdo. Nesse sentido mais funcional, que corresponde ao que Ned
Block (1995) chama de consciência de acesso, um estado visual ser consciente
não é tanto uma questão de ter ou não um “como é” [what it"s likeness]
qualitativo, mas de ele e a informação visual que carrega estarem ou não
geralmente disponíveis para uso e orientação do organismo. Na medida em que
a informação nesse estado está rica e flexivelmente disponível para o organismo
que a contém, então ele conta como um estado consciente no aspecto relevante,
quer ou não tenha qualquer percepção [feel] qualitativa ou fenomenal no sentido
de Nagel.
Consciência narrativa. Os estados também poderiam ser considerados
conscientes em um sentido narrativo que apela à noção de um “fluxo de
consciência”, considerado como uma narração de episódios progressiva, mais ou
menos serial, da perspectiva de um eu efetivo ou meramente virtual. A ideia seria
igualar os estados mentais conscientes da pessoa com aqueles que aparecem
no fluxo (Dennett 1991, 1992).
Embora essas seis noções sobre o que torna consciente um estado
possam ser especificadas independentemente, elas obviamente não o podem
sem conexões potenciais, e nem esgotam o reino das opções possíveis.
Extraindo conexões, poderíamos defender que estados aparecem no fluxo de
consciência apenas na medida em que estamos conscientes [aware] deles, e
assim forjar um vínculo entre a primeira noção meta-mental de um estado
consciente e o conceito de um fluxo ou narrativa. Ou poderíamos conectar a
noção de acesso com a noção fenomenal ou qualitativa de um estado
consciente, tentando mostrar que estados que representam daquele modo
tornam seus conteúdos amplamente disponíveis no aspecto exigido pela noção
do acesso.
Buscando ir além das seis opções, poderíamos distinguir estados
conscientes de nãoconscientes apelando a aspectos de sua dinâmica

130
intramental e de suas interações outras que não as meras relações de acesso;
por exemplo, estados conscientes poderiam manifestar um estoque mais rico de
interações sensíveis ao conteúdo, ou um grau maior de orientação intencional
flexível, do tipo associado com o controle autoconsciente do pensamento. De
modo alternativo, poderíamos tentar definir estados conscientes em termos de
criaturas conscientes. Isto é, poderíamos dar uma explicação [account] do que é
ser uma criatura consciente ou talvez até mesmo de um eu consciente, e então
definir a noção de um estado consciente em termos de ser um estado dessa
criatura ou sistema, o que seria o inverso da última opção considerada acima
para definir criaturas conscientes em termos de estados mentais conscientes.

2.3. Consciência como uma Entidade


O substantivo “consciência” tem uma variedade igualmente diversificada
de significados, que em grande medida são paralelos àqueles do adjetivo
“consciente”. Podem ser feitas distinções entre a consciência de criaturas e a de
estados, bem como entre as variedades de cada uma. Pode-se referir
especificamente à consciência fenomenal, consciência de acesso, consciência
reflexiva ou meta-mental e à consciência narrativa, entre outras variedades.
Aqui a consciência em si não é tratada tipicamente como uma entidade
substancial, mas meramente como a reificação abstrata de qualquer propriedade
ou aspecto que é atribuído pelo uso relevante do adjetivo “consciente”.
Consciência de acesso é simplesmente a propriedade de ter o tipo exigido de
relações internas de acesso, e a consciência qualitativa é simplesmente a
propriedade que é atribuída quando “consciente” é aplicado, no sentido
qualitativo, a estados mentais. O quanto isso por si só nos compromete com o
estatuto ontológico da consciência dependerá de quão platônico se é a respeito
de universais em geral (ver o verbete por Klima 2008). Isso não precisa nos
comprometer com a consciência como uma entidade distinta mais do que o uso
de “quadrado”, “vermelho” ou “suave” nos compromete com a existência da
quadradeza [squareness], vermelhidão ou suavidade como entidades distintas.
Embora não seja uma norma, poderíamos ainda assim adotar uma
concepção realista mais robusta da consciência como um componente da
realidade. Isto é, poderíamos pensar a consciência como algo mais parecido
com campos eletromagnéticos do que com a vida.
Desde a morte do vitalismo, não pensamos a vida por si só como algo
distinto de coisas vivas. Há coisas vivas, incluindo organismos, estados,

131
propriedades e partes de organismos, comunidades e linhagens evolutivas de
organismos, mas a vida não é ela mesma mais uma coisa, um componente
adicional da realidade, alguma força vital que se acrescenta às coisas vivas.
Aplicamos corretamente os adjetivos “vivo” e “animado” [alive] a muitas coisas, e
ao fazer isso poderíamos dizer que lhes estamos atribuindo vida, mas sem
nenhum significado ou realidade além daquele envolvido em serem coisas vivas.
Campos eletromagnéticos, por contraste, são tratados como partes reais
e independentes do nosso mundo físico. Mesmo que por vezes se possa
especificar os valores de um certo campo apelando ao comportamento das
partículas em seu interior, os campos são tratados eles mesmos como
constituintes concretos da realidade, e não meramente como abstrações ou
conjuntos de relações entre partículas.
De modo similar, poderíamos tratar “consciência” como se referindo a
um componente ou aspecto da realidade que manifesta a si mesmo em estados
e criaturas conscientes, mas que é mais do que meramente a nominalização
abstrata do adjetivo “consciente” que lhes aplicamos. Embora essas concepções
fortemente realistas não sejam muito comuns atualmente, elas devem ser
incluídas no espaço lógico de opções.
Há assim muitos conceitos de consciência, e tanto “consciente” como
“consciência” são usados de modos muito variados, sem um significado
privilegiado ou canônico. No entanto, isso pode ser menos um problema do que
uma excessiva fartura. A consciência é uma característica complexa do mundo, e
entendê-la exigirá uma diversidade de ferramentas conceituais para lidar com
seus vários aspectos diferentes. A pluralidade conceitual é, assim, justamente o
que se esperaria. Na medida em que se evita a confusão, sendo claro quanto a
seus significados, há um grande valor em se ter uma variedade de conceitos
pelos quais podemos acessar e apreender a consciência em toda a sua rica
complexidade. No entanto, não se deve supor que a pluralidade conceitual
acarreta divergência de referência. Nossos múltiplos conceitos de consciência
podem, de fato, apanhar aspectos variados de um mesmo e unificado fenômeno
mental subjacente. Se assim o é, e em que medida, permanece uma questão em
aberto.

3. Problema da Consciência
A tarefa de entender a consciência é um projeto igualmente
diversificado. Não só muitos aspectos diferentes da mente contam como

132
conscientes em algum sentido, mas cada um é também aberto a vários aspectos
em que poderia ser explicado ou modelado. Entender a consciência envolve não
apenas uma multiplicidade de coisas a serem explicadas [explananda], mas
também de questões que elas colocam e tipos de respostas que exigem. Sob
risco simplificar excessivamente, as questões relevantes podem ser reunidas sob
três rubricas cruas como as questões de o que é, como é e de por que existe:
• A questão descritiva: O que é a consciência? Quais são suas
características principais? E por que meios elas podem ser mais bem
descobertas, descritas e modeladas?
• A questão explicativa: Como a consciência do tipo relevante
passa a existir? Ela é um aspecto primitivo da realidade e, se não, como
a consciência no aspecto relevante surge (ou poderia surgir), ou é
causada, por entidades ou processos não-conscientes?
• A questão funcional: Por que a consciência do tipo relevante
existe? Ela tem uma função e, se sim, qual? Ela age causalmente e, se
sim, quais seus tipos de efeitos? Ela faz diferença para a operação dos
sistemas em que está presente e, se sim, por que e como?
As três questões focam respectivamente em descrever as
características da consciência, explicar sua base ou causa subjacente e explicar
sua função ou valor. A divisão em três é certamente um tanto artificial e, na
prática, as respostas que se dá a cada uma dependerão em parte do que se diz
sobre as outras. Não se pode, por exemplo, responder adequadamente à
questão do que é a consciência e descrever suas características principais sem
abordar a questão do porquê, de seu papel funcional nos sistemas cujas
operações afeta. Nem se poderia explicar como o tipo relevante de consciência
poderia surgir de processos não-conscientes a menos que se tivesse uma
abordagem clara de precisamente quais características teriam de ser causadas
ou realizadas para contar como a produzindo. Apesar dessas ressalvas, a
divisão em três vias de questões fornece uma estrutura útil para articular o
projeto explicativo global, e para avaliar a adequação de teorias ou modelos
particulares da consciência.

4. A Questão Descritiva: Quais são as Características da Consciência?


A questão do que é a consciência nos pede para descrever e modelar
as características principais da consciência, mas exatamente quais
características são relevantes variará de acordo com o tipo de consciência que

133
pretendermos capturar. As propriedades principais da consciência de acesso
podem ser completamente diferentes daquelas da consciência qualitativa ou
fenomenal, e as da consciência reflexiva ou narrativa podem diferir de ambas.
Entretanto, acumulando teorias detalhadas de cada tipo, podemos ter a
esperança de encontrar ligações importantes entre elas, e talvez até descobrir
que coincidem em ao menos alguns aspectos-chave.

4.1. Dados de Primeira e de Terceira Pessoa


O projeto descritivo geral exigirá uma variedade de métodos de
investigação (Flanagan 1992). Embora pudéssemos tratar ingenuamente os
fatos da consciência como bastante autoevidentes para exigir quaisquer métodos
sistemáticos de obtenção de dados, a tarefa epistêmica está realmente longe de
ser trivial (Husserl 1913).
O acesso introspectivo de primeira pessoa proporciona uma fonte de
conhecimento [insight] de nossa vida mental consciente, mas não é por si só
suficiente nem mesmo útil, a menos que usado de modo treinado e disciplinado.
Obter os indícios necessários da estrutura da experiência exige tanto que nos
tornemos observadores fenomenologicamente sofisticados quanto que
complementemos nossos resultados introspectivos com vários tipos de dados de
terceira pessoa disponíveis para o observador externo (Searle 1992, Varela
1995, Siewert 1998).
Como os fenomenólogos sabem há mais de um século, descobrir a
estrutura da experiência consciente demanda um rigoroso olhar introspectivo
[inner directed stance] que é completamente diferente de nossa forma cotidiana
de autoconsciência (Husserl 1929, Merleau-Ponty 1945). A observação
habilidosa do tipo necessário exige treino, esforço e a capacidade de adotar
perspectivas alternativas sobre a própria experiência.
A necessidade de dados empíricos de terceira pessoa obtidos por
observadores externos é talvez mais óbvia com respeito aos tipos claramente
mais funcionais de consciência, como a consciência de acesso, mas é exigida
mesmo com respeito à consciência fenomenal e qualitativa. Por exemplo,
estudos de déficit que correlacionam várias regiões de danos neurais e
funcionais com anomalias da experiência consciente podem tornar-nos cientes
de aspectos da estrutura fenomenal que escapam à nossa consciência
introspectiva normal. Como esses estudos de caso mostram, coisas que
parecem inseparavelmente unidas ou singulares, do nosso ponto de vista normal

134
de primeira pessoa, podem tornar-se separadas na experiência (Sacks 1985,
Shallice 1988, Farah 1995).
Ou, para apanhar um outro exemplo, dados de terceira pessoa podem
nos tornar conscientes de como nossas experiências de estar agindo e nossas
experiências da duração de eventos afetam umas as outras, de um modo que
nunca poderíamos discernir através da mera introspecção (Libert 1985, Wegner
2002). E esses fatos obtidos por métodos de terceira pessoa nem são
meramente a respeito das causas ou bases da consciência; eles frequentemente
dizem respeito à estrutura mesma da própria consciência fenomenal. Métodos
interativos de primeira pessoa, terceira pessoa e talvez até de segunda pessoa
(Varela 1995) serão todos exigidos para coletar a evidência necessária.
Usando todas essas fontes de dados, estaremos, espera-se, aptos a
construir modelos descritivos detalhados dos vários tipos de consciência.
Embora características específicas da maior importância possam variar entre os
diferentes tipos, nosso projeto descritivo global precisará enfrentar ao menos os
sete aspectos gerais da consciência a seguir (seções 4.2-4.8).

4.2. O Caráter Qualitativo


O caráter qualitativo é frequentemente igualado às chamadas
“sensações brutas” [raw feels], e ilustrado pela vermelhidão que se experiencia
quando se olha para tomates maduros ou o sabor doce específico que se
encontra ao provar um abacaxi igualmente maduro (Locke 1968). O tipo
relevante de caráter qualitativo não está restrito a estados sensoriais, mas é
tipicamente tomado como estando presente enquanto um aspecto dos estados
experienciais em geral, tais como os pensamentos ou desejos experienciados
(Siewert 1998).
Para alguns, a existência dessas sensações parece demarcar o ponto a
partir do qual estados ou criaturas são realmente conscientes. Se um organismo
sente e responde de maneira adequada a seu mundo, mas carece de tais qualia,
então no máximo poderia contar como consciente em um sentido frouxo e não-
literal. Ou ao menos assim pareceria àqueles que tomam a consciência
qualitativa, no sentido de “como é”, como sendo central filosófica e
cientificamente (Nagel 1974, Chalmers 1996).
Problemas de variadas formas sobre os qualia se avultaram no passado
recente – Pode haver qualia invertidos? (Block 1980a, 1980b, Shoemaker 1981,
1982) Os qualia são epifenomenais? (Jackson 1982, Chalmers 1996) Como os

135
estados neurais podem originar qualia? (Levine 1983, McGinn 1991) Mas a
questão do que é a consciência levanta um problema mais básico sobre os
qualia, a saber, o de dar uma descrição clara e articulada de nosso espaço de
qualia e do estatuto de seus qualia específicos.
Na ausência de tal modelo, erros factuais ou descritivos são muito
prováveis. Por exemplo, afirmações sobre a ininteligibilidade da ligação entre o
vermelho experienciado e qualquer substrato neural possível dessa experiência
tratam, às vezes, o quale da cor relevante como uma propriedade simples e sui
generis (Levine 1983), mas a vermelhidão fenomenal existe de fato em um
espaço complexo de cores, com múltiplas dimensões sistemáticas e relações de
semelhança (Hardin 1992). Entender o quale específico da cor em relação a
essa ampla estrutura relacional não nos dá apenas uma melhor apreensão
descritiva da sua natureza qualitativa, mas pode também fornecer-nos alguns
“ganchos”, aos quais poderíamos anexar as ligações psicofísicas inteligíveis.
A cor pode ser a exceção quanto a termos um entendimento formal
específico e bem desenvolvido do espaço qualitativo relevante, mas
provavelmente não é uma exceção com respeito à importância desses espaços
para o nosso entendimento das propriedades qualitativas em geral (Clark 1993,
P. M. Churchland 1995). (Ver o verbete “qualia”, por Tye 2009)

4.3. A Estrutura Fenomenal


A estrutura fenomenal não deve ser confundida com a estrutura
qualitativa, apesar do uso por vezes intercambiável de “qualia” e “propriedades
fenomenais” na literatura. A “organização fenomenal” abrange todos os vários
tipos de ordem e estrutura encontrados no domínio da experiência, isto é, no
domínio do mundo tal como nos aparece. Obviamente há ligações importantes
entre o fenomenal e o qualitativo. Com efeito, os qualia talvez fossem mais bem
entendidos como propriedades dos objetos fenomenais ou experienciados, mas
de fato há bem mais para o fenomenal do que sensações brutas [raw feels].
Como Kant (1787), Husserl (1913) e gerações de fenomenólogos mostraram, a
estrutura fenomenal da experiência é ricamente intencional e envolve não
apenas ideias e qualidades sensoriais, mas representações complexas de
tempo, espaço, causa, do corpo, de si mesmo, do mundo e da estrutura
organizada da realidade vivida, em todas as suas formas conceituais e
nãoconceituais.
Uma vez que muitos estados não-conscientes também têm aspectos

136
intencionais e representacionais, pode ser melhor considerar a estrutura
fenomenal como envolvendo um tipo especial de organização e conteúdo
intencional e representacional, o tipo distintivamente associado à consciência
(Siewert 1998). (Ver o verbete sobre “teorias representacionais da consciência”,
por Lycan 2008).
Responder a questão do que é a consciência exige uma abordagem
cuidadosa da estrutura representacional coerente e densamente organizada em
que as experiências particulares estão inseridas. Dado que a maior parte dessa
estrutura está apenas implícita na organização da experiência, ela não pode
simplesmente ser lida por introspecção. Articular a estrutura do domínio
fenomenal de modo claro e inteligível é um longo e difícil processo de inferência
e construção de modelos (Husserl 1929). A introspecção pode ajudar, mas muita
construção teórica e engenhosidade são também necessárias.

4.4. Subjetividade
A subjetividade é mais uma noção por vezes igualada na literatura aos
aspectos qualitativos ou fenomenais da consciência, mas novamente há boas
razões para reconhecê-la, ao menos em algumas de suas formas, como um
aspecto distinto da consciência – relacionada ao qualitativo e ao fenomenal, mas
diferente de cada um. Em particular, a forma epistêmica da subjetividade diz
respeito aos aparentes limites da cognoscibilidade ou mesmo da
compreensibilidade de vários fatos sobre a experiência consciente (Nagel 1974,
Van Gulick 1985, Lycan 1996).
Na abordagem de Thomas Nagel (1974), os fatos sobre como é ser um
morcego são subjetivos no sentido relevante, porque podem ser completamente
entendidos apenas a partir do tipo de ponto de vista do morcego. Apenas
criaturas capazes de ter ou experienciar de modo similar tais experiências
podem entender seu como-é no sentido empático necessário. Fatos sobre a
experiência consciente podem ser entendidos no máximo incompletamente de
um ponto de vista exterior, de terceira pessoa, tal como os que estão associados
com a ciência física objetiva. Uma concepção similar sobre os limites da teoria
em terceira pessoa parece estar por traz de afirmações a respeito do que a
Maria hipotética de Frank Jackson (1982), a super cientista de cores, não
poderia entender sobre experienciar o vermelho, devido à sua própria história
empobrecida de experiência visual acromática.
É um debate aberto se os fatos sobre a experiência são realmente

137
limitados epistemicamente dessa maneira (Lycan 1996), mas a alegação de que
entender a consciência exige formas especiais de conhecimento e de acesso a
partir do ponto de vista interior é intuitivamente plausível e tem uma longa
história (Locke 1688). Assim, qualquer resposta adequada à questão do que é a
consciência tem de cobrir o estatuto epistêmico da consciência, ambas as
nossas habilidades e limites para compreendê-la (Papineau 2002, Chalmers
2003).

4.5. Organização Autoperspectivista


A estrutura perspectivista da consciência é um aspecto de sua
organização fenomenal global, mas é importante o suficiente para merecer
discussão por si só. Na medida em que a perspectiva chave é aquela do eu
consciente, a característica específica poderia ser chamada de
autoperspectividade. Experiências conscientes não existem como átomos
mentais isolados, mas como modos ou estados de um eu ou sujeito consciente
(Descartes 1644, Searle 1992, em contraste com Hume 1739). Uma experiência
visual de uma esfera azul é sempre uma questão de haver algum eu ou sujeito
para o qual pareceu desse modo. Uma dor forte ou aguda é sempre uma dor
sentida ou experienciada por algum sujeito consciente. O eu não precisa
aparecer como um elemento explícito em nossas experiências, mas, como Kant
(1787) notou, o “eu penso” tem de acompanhar ao menos potencialmente cada
uma delas.
O eu poderia ser tomado como o ponto de vista perspectivista a partir do
qual o mundo de objetos está presente para a experiência (Wittgenstein 1921).
Ele fornece não apenas uma perspectiva espacial e temporal para nossa
experiência do mundo, mas também de significado e inteligibilidade. A coerência
intencional do domínio experiencial repousa sobre a interdependência dual entre
o eu e o mundo: o eu como perspectiva a partir da qual os objetos são
conhecidos e o mundo como a estrutura integrada de objetos e eventos cujas
possibilidades de serem experienciados implicitamente definem a natureza e a
localização do eu (Kant 1787, Husserl 1929).
Os organismos conscientes obviamente diferem na medida em que
constituem um eu unificado e coerente, e provavelmente diferem quanto ao tipo
ou grau de foco perspectivista que incorporam em suas respectivas formas de
experiência (Lorenz 1977). A consciência pode não exigir um eu distinto ou
substancial do tipo tradicional cartesiano, mas ao menos algum grau de

138
organização perspectivista semelhante a um ego parece essencial para a
existência de algo que poderia contar como uma experiência consciente. Parece
que as experiências não seriam capazes de existir sem um eu ou sujeito para
experienciá-las mais do que poderiam as ondas do oceano sem o mar através do
qual se movem. A questão descritiva exige, assim, alguma abordagem do
aspecto autoperspectivista da experiência e da organização de tipo egoica [self-
like] das mentes conscientes da qual depende, mesmo que a abordagem
relevante trate o eu de um modo relativamente deflacionário e virtual (Dennett
1991, 1992).

4.6. Unidade
A unidade está intimamente ligada à autoperspectiva, mas merece sua
própria menção como um aspecto chave da organização da consciência.
Sistemas conscientes e estados mentais conscientes envolvem ambos muitas
formas diversificadas de unidade. Algumas são unidades causais, associadas à
integração da ação e controle em um foco unificado de agência. Outras são
formas mais representacionais e intencionais de unidade, envolvendo a
integração de diversos itens do conteúdo em ligações de muitas escalas e níveis
(Cleeremans 2003).
Algumas dessas integrações são relativamente locais, como quando
diversas características detectadas com uma única modalidade sensorial são
combinadas na representação de objetos externos portando tais características,
por exemplo, quando se tem a experiência visual consciente de uma lata
vermelha de sopa passando sobre um guardanapo verde listrado (Triesman and
Gelade 1980).
Outras formas de unidade intencional envolvem uma gama muito mais
ampla de conteúdos. O conteúdo da experiência atual que alguém tem da sala
em que está sentado depende, em parte, de sua localização em uma estrutura
bem maior, associada com a consciência de sua existência como observador
temporalmente estendido em um mundo de objetos espacialmente conectados e
existentes de modo independente (Kant 1987, Husserl 1913). A experiência
individual pode ter o conteúdo que tem apenas porque reside nessa estrutura
unificada mais ampla de representação. (Ver o verbete “Unidade da consciência”,
por Brook e Raymont 2010.)

4.7. Intencionalidade e Transparência

139
Estados mentais conscientes são tipicamente tratados como tendo um
aspecto representacional ou intencional, na medida em que são sobre coisas,
referem-se a coisas ou têm condições de satisfação. A experiência visual de
alguém representa corretamente o mundo se há violetas em um vaso branco
sobre a mesa (em oposição a Travis 2004), sua memória consciente é do ataque
ao World Trade Center e seu desejo consciente é por um copo de água gelada.
Entretanto, estados não-conscientes também podem exibir intencionalidade
desse modo, e é importante entender de que maneiras os aspectos
representacionais de estados conscientes se assemelham e diferem dos não-
conscientes (Carruthers 2000). Searle (1990) oferece um ponto de vista
contrário, de acordo com o qual apenas estados conscientes e disposições para
ter estados conscientes podem ser genuinamente intencionais, mas a maioria
dos teóricos tratam a intencionalidade como estendendo-se amplamente no
interior do domínio inconsciente. (Ver o verbete “Consciência e intencionalidade”,
por Siewert 2011).
Uma dimensão potencialmente importante da distinção diz respeito à
assim chamada transparência, que é uma característica importante da
consciência em dois sentidos metafóricos inter-relacionados, cada um dos quais
com aspectos intencionais, experienciais e funcionais.
Diz-se frequentemente que a experiência perceptual consciente é
transparente ou, na expressão de G. E. Moore (1922), “diáfana”. “Olhamos
através” de nossa experiência sensorial transparentemente, na medida em que
parecemos diretamente conscientes dos objetos e eventos externos que
presenciamos, em vez de estarmos conscientes de quaisquer propriedades da
experiência pelas quais ela nos apresenta ou representa tais objetos. Quando
olho o vento a soprar no pasto, é da grama verde ondulante que estou
consciente, e não de qualquer propriedade verde da minha experiência visual.
(Ver o verbete “Teorias representacionais da consciência”, por Lycan 2008.) O
próprio Moore acreditava que poderíamos nos tornar conscientes dessas
qualidades posteriores com esforço e redirecionamento da atenção, embora
alguns defensores contemporâneos da transparência o neguem (Harman 1990,
Tye 1995).
Pensamentos e experiências conscientes também são transparentes em
um sentido semântico, em que seus significados nos parecem imediatamente
conhecidos no próprio ato de pensá-los (Van Gulick 1992). Nesse sentido,
poderíamos dizer que “através deles pensamos diretamente” no que significam
ou representam. Nesse sentido semântico, a transparência pode corresponder,

140
ao menos em parte, ao que John Searle chama de “intencionalidade intrínseca”
da consciência (Searle 1992).
Nossos estados mentais conscientes parecem ter seus significados
intrinsecamente, ou a partir do interior, apenas pelo que são por si mesmos, em
contraste com muitas teorias externalistas do conteúdo mental, que baseiam o
significado em relações causais, contrafactuais ou informacionais entre seus
objetos semânticos ou referenciais.
A concepção de conteúdos conscientes como determinados
intrinsecamente e internamente autoevidentes é por vezes apoiada por apelos a
intuições sobre o cérebro na cuba, que fazem parecer que os estados mentais
conscientes do cérebro encubado manteriam todos os seus conteúdos
intencionais normais, apesar da falta de todas as suas ligações causais e
informacionais normais com o mundo (Horgan e Tienson 2002). Há permanente
controvérsia sobre tais casos e sobre as concepções concorrentes internalistas
(Searle 1992) e externalistas (Dretske 1995) da intencionalidade consciente.
Embora a transparência semântica e a intencionalidade intrínseca
tenham algumas afinidades, não devem ser simplesmente igualadas, já que é
possível acomodar a primeira noção em uma abordagem mais externalista do
conteúdo e do significado. Obviamente, tanto a transparência semântica como a
sensorial não apenas dizem respeito aos aspetos representacionais e
intencionais da consciência, mas também são aspectos experienciais da nossa
vida consciente. Ambas também têm aspectos funcionais, na medida em que as
experiências conscientes interagem umas com as outras de maneiras ricamente
apropriadas ao conteúdo, que manifestam nosso entendimento transparente de
seus conteúdos.

4.8. Fluxo Dinâmico


A dinâmica da consciência é evidente na ordem coerente de seu
processo constante de fluxo e autotransformação, o que William James (1890)
chamou de “fluxo da consciência”. Algumas sequências temporais da experiência
são geradas por fatores puramente internos, como quando se raciocina sobre um
quebra-cabeça, e outras dependem em parte de causas externas, como quando
se persegue uma bola no ar, mas mesmo as últimas são em grande medida
moldadas pelo modo como a consciência transforma a si mesma.
Seja parcialmente em resposta a influências de fora, ou inteiramente do
interior, de momento a momento cada sequência da experiência cresce

141
coerentemente para além daquelas que a precederam, constrangida e permitida
pela estrutura global de ligações e limites incorporados em sua organização
anterior subjacente (Husserl 1913). A esse respeito, a consciência é um sistema
autopoiético, isto é, um sistema autocriador e auto-organizador (Varela e
Maturana 1980).
Como um agente mental consciente, posso fazer muitas coisas, tais
como vasculhar meu quarto, vasculhar uma imagem mental dele, rever na
memória os pratos de uma refeição recente em um restaurante, juntamente com
seus sabores e aromas, raciocinar passo a passo sobre um problema complexo,
ou planejar uma ida às compras e executar o plano quando chegar ao mercado.
Todos esses são hábitos e atividades comuns, mas cada um envolve a geração
dirigida de experiências, de uma maneira que manifesta uma compreensão
prática implícita de suas propriedades intencionais e conteúdos interconectados
(Van Gulick 2000).
A consciência é um processo dinâmico, e assim uma resposta descritiva
adequada à questão do que ela é tem de lidar com mais do que apenas suas
propriedades estáticas ou momentâneas. Em particular, tem de dar alguma
explicação da dinâmica temporal da consciência e da maneira pela qual seu
fluxo autotransformante reflete tanto sua coerência intencional quanto a
autocompreensão semântica incorporada nos controles organizados através dos
quais as mentes conscientes refazem continuamente a si mesmas, enquanto
sistemas autopoiéticos engajados em seus mundos.
Uma abordagem descritiva exaustiva da consciência precisaria lidar com
mais do que apenas essas sete características, mas ter uma abordagem clara de
cada uma delas seria andar um longo caminho em direção a responder a
questão “O que é a consciência?”.

5. A Questão Explicativa: Como a Consciência Pode Existir?


A questão de como a consciência pode existir foca na explicação, antes
que na descrição. Pede-nos para explicar o estatuto básico da consciência e seu
lugar na natureza. Ela é por si só uma característica fundamental da realidade,
ou sua existência depende de outros itens, não-conscientes, sejam eles físicos,
biológicos, neurais ou computacionais? Se a segunda opção é o caso, podemos
explicar ou entender como os itens não-conscientes relevantes puderam causar
ou realizar a consciência? Ou, colocado de modo simples, podemos explicar
como fazer algo consciente a partir de coisas que não são conscientes?

142
5.1. A Diversidade de Projetos Explicativos
A questão de como pode existir a consciência não é uma questão única,
mas antes uma família geral de questões mais específicas (Van Gulick 1995).
Todas dizem respeito à possibilidade de explicar algum gênero ou aspecto da
consciência, mas variam no que explicar [explananda], na explicação [explanans]
e nos critérios para uma explicação bem sucedida. Por exemplo, poderíamos
perguntar se podemos explicar a consciência de acesso computacionalmente,
simulando as relações de acesso necessárias em um modelo computacional.
Ou, em vez disso, poderíamos nos interessar em se as propriedades fenomenais
e qualitativas da mente de uma criatura consciente podem ser deduzidas a priori
de uma descrição das propriedades neurais de seus processos cerebrais. Ambas
são versões da questão de como a consciência pode existir, mas perguntam sob
perspectivas de projetos explicativos muito diferentes, e assim podem diferir em
suas respostas (Lycan 1996). Seria impraticável, se não impossível, catalogar
todas as versões possíveis da questão de como a consciência existe, mas
algumas das principais opções podem ser listadas.
O que explicar [explananda]. Os possíveis explicáveis incluiriam os
vários tipos de consciência de estados e de criaturas distinguidos acima, bem
como as sete características da consciência listadas em resposta à questão de o
que é a consciência. Esses dois tipos de coisas explicáveis se sobrepõem e
interagem. Poderíamos, por exemplo, buscar explicar o aspecto dinâmico tanto
da consciência fenomenal como da de acesso. Ou poderíamos tentar explicar a
subjetividade tanto da consciência qualitativa como da metamental. Nem toda
característica se aplica a cada gênero de consciência, mas todas se aplicam a
vários. A maneira de se explicar uma dada característica em relação a um
gênero de consciência pode não corresponder ao que é necessário para explicá-
la em relação a um outro.
Explicações [explanans]. O espectro de explicações possíveis também é
diversificado. Talvez em sua forma mais ampla, a questão de como pode existir a
consciência pergunta como a consciência do tipo relevante poderia ser causada
ou realizada por itens não-conscientes, mas podemos gerar uma profusão de
questões mais específicas, restringindo ainda mais o escopo das explicações
relevantes. Poderíamos buscar explicar como uma dada característica da
consciência é causada ou realizada por processos neurais, estruturas biológicas,
mecanismos físicos, relações funcionais ou teleofuncionais, por uma organização
computacional ou mesmo por estados mentais não-conscientes subjacentes. As

143
perspectivas para o sucesso explicativo irão variar de acordo. Em geral, quanto
mais limitado e elementar o escopo da explicação [explanans], mais difícil é o
problema de explicar como isso poderia ser suficiente para produzir a
consciência (Van Gulick 1995).
Critérios de explicação. O terceiro parâmetro chave é como se define o
critério para uma explicação bem sucedida. Poderíamos exigir que o que é
explicado seja dedutível a priori da explicação, embora seja controverso se isso
é um critério necessário ou mesmo suficiente para explicar a consciência
(Jackson 1993). Sua suficiência dependerá em parte da natureza das premissas
a partir das quais a dedução será feita. Como questão de lógica, serão
necessários alguns princípios de ponte para conectar proposições ou frases
sobre a consciência com aqueles que não a mencionam. Se as premissas dizem
respeito a fatos físicos ou neurais, então serão necessários alguns princípios de
ponte ou ligações que conectem esses fatos com fatos sobre a consciência (Kim
1998). Ligações brutas, sejam elas nômicas ou meramente correlações bem
confirmadas, poderiam fornecer uma ponte logicamente suficiente para inferir
conclusões sobre a consciência. Mas provavelmente não nos permitiriam ver
como ou por que tais conexões se dão, e assim estariam aquém de explicar
completamente como a consciência existe (Levine 1983, 1993, McGinn 1991).
Poderíamos legitimamente pedir por mais, em particular por alguma
abordagem que tornasse inteligível por que essas ligações se dão, e talvez por
que não poderiam deixar de ser assim. Um modelo em dois estágios familiar
para explicar as macropropriedades em termos de microsubstratos é invocado
frequentemente. No primeiro passo, analisa-se a macropropriedade em termos
de condições funcionais, e então, no segundo estágio, mostra-se que as
microestruturas obedecendo as leis de seu próprio nível é nomicamente
suficiente para garantir a satisfação das condições funcionais relevantes
(Armstrong 1968, Lewis 1972).
As micropropriedades de coleções de moléculas de H2O a 20ºC são
suficientes para satisfazer as condições para a liquidez da água que compõem.
Além do mais, o modelo torna inteligível como a liquidez é produzida pelas
micropropriedades. Poderia parecer que uma explicação satisfatória de como a
consciência é produzida exigiria uma história similar em dois estágios. Sem isso,
mesmo a dedutibilidade a priori poderia parecer explicativamente menos do que
suficiente, embora a necessidade de uma tal história permaneça uma questão
controversa (Block e Stalnaker 1999, Chalmers e Jackson 2001).

144
5.2. A Lacuna Explicativa
Seguindo Joseph Levine (1983), nossa incapacidade atual de suprir
uma ligação inteligível adequada é por vezes descrita como a existência de uma
lacuna explicativa, e como indicando nosso entendimento incompleto de como a
consciência poderia depender de um substrato não-consciente, especialmente
um substrato físico. A afirmação básica de que existe uma lacuna admite muitas
variações de generalidade e, portanto, de força.
Talvez em sua forma mais fraca, ela assere um limite prático em nossas
capacidades explicativas atuais; dadas as nossas teorias e modelos atuais, não
podemos articular agora uma ligação inteligível. Uma versão mais forte faz uma
afirmação em princípio sobre as nossas capacidades humanas, asserindo assim
que, dados os nossos limites cognitivos humanos, nunca seremos capazes de
ultrapassar a lacuna. Para nós, ou para criaturas cognitivamente semelhantes a
nós, deve permanecer um mistério residual (McGinn 1991). Colin McGinn (1995)
defendeu que, dada a natureza inerentemente espacial, tanto de nossos
conceitos perceptuais quanto dos conceitos científicos que deles derivamos, nós,
humanos, não somos conceitualmente ajustados para entender a natureza da
ligação psicofísica. Fatos sobre essa ligação estão tão cognitivamente fechados
a nós quanto os fatos sobre multiplicação ou sobre raízes quadradas estão para
os tatus. Eles não se enquadram em nosso repertório conceitual e cognitivo.
Uma versão ainda mais forte da asserção da lacuna remove a restrição à nossa
natureza cognitiva e nega em princípio que a lacuna possa ser preenchida por
qualquer agente cognitivo.
Aqueles que defendem a existência da lacuna discordam entre si sobre
que conclusões metafísicas, se alguma, seguem-se dos nossos supostos limites
epistêmicos. O próprio Levine relutou em extrair quaisquer conclusões
ontológicas antifisicalistas (Levine 1993, 2001). Por outro lado, alguns
neodualistas têm tentado usar a existência da lacuna para refutar o fisicalismo
(Foster 1996, Chalmers 1996). Quanto mais forte a premissa epistêmica, maior a
esperança de se derivar uma conclusão metafísica. Assim, não
surpreendentemente, conclusões dualistas são frequentemente sustentadas por
apelos à suposta impossibilidade em princípio de se fechar a lacuna.
Se pudéssemos ver, em bases a priori, que não há como a consciência
ser inteligivelmente explicada como surgindo do físico, então não seria um
grande passo concluir que isso não pode ser o caso (Chalmers 1996).
Entretanto, a própria força dessa alegação epistêmica torna difícil chegar, sem
incorrer em petição de princípio, ao resultado metafísico. Assim, aqueles que

145
desejam usar a alegação forte da existência de uma lacuna em princípio para
refutar o fisicalismo têm de encontrar bases independentes para sustentá-la.
Alguns apelaram para argumentos de conceptibilidade [conceivability] em
suporte, tal como a presumida conceptibilidade de zumbis molecularmente
idênticos a humanos conscientes, mas desprovidos de toda consciência
fenomenal (Campbell 1970, Kirk 1974, Chalmers 1996). Outros argumentos em
suporte invocam a suposta natureza não-funcional da consciência, e daí sua
alegada resistência ao método científico padrão de explicar propriedades
complexas (por exemplo, dominância genética) em termos de condições
funcionais realizadas fisicamente (Block 1980a, Chalmers 1996). Esses
argumentos antifisicalistas evitam incorrer em petição de princípio, mas
repousam, eles próprios, em alegações e intuições que são controversas e não
completamente independentes do ponto de vista básico que se tem sobre o
fisicalismo. Discussões sobre o tópico continuam ativas e em andamento.
Nossa incapacidade atual de ver qualquer maneira de preencher a
lacuna pode exercer alguma atração em nossas intuições, mas pode
simplesmente refletir os limites de nossa teorização atual, antes que uma
barreira intransponível em princípio (Dennett 1991). Além do mais, alguns
fisicalistas defenderam que lacunas explicativas devem ser esperadas, e são até
implicadas, por versões plausíveis do fisicalismo ontológico, versões essas que
tratam os agentes humanos como sistemas cognitivos fisicamente realizados,
com limites inerentes que derivam de sua origem evolutiva e do seu modo
contextual e situado de entendimento (Van Gulick 1985, 2003; McGinn 1991,
Papineau 1995, 2002). Nessa perspectiva, antes de refutar o fisicalismo, a
existência de lacunas explicativas pode confirmá-lo. A discussão e o desacordo
nesses tópicos permanecem ativos e em andamento.

5.3. Explicação Reducionista e não-Reducionista


Como a necessidade de uma ligação inteligível já mostrou, uma
dedutibilidade a priori não é, por si só, claramente suficiente para uma explicação
bem sucedida (Kim 1980), nem é claramente necessária. Alguma ligação lógica
mais fraca poderia ser suficiente em muitos contextos explicativos. Por vezes,
contando o suficiente de uma história sobre como os fatos de um tipo dependem
dos de outro podemos ficar satisfeitos de que os últimos de fato causam ou
realizam os primeiros, mesmo que não possamos estritamente deduzir
completamente os primeiros dos últimos.

146
A dedução interteórica estrita foi tomada como norma redutiva pela
abordagem empirista lógica da unidade da ciência (Putnam e Oppenheim 1958),
mas nas décadas mais recentes uma imagem não-reducionista mais frouxa das
relações entre as várias ciências tem ganhado preferência. Em particular,
materialistas não-reducionistas têm defendido a assim chamada “autonomia das
ciências especiais” (Fodor 1974) e a ideia de que entender o mundo natural
exige que usemos uma diversidade de sistemas conceituais e representacionais,
que podem não ser estritamente intertraduzíveis ou capazes de serem postos na
correspondência estrita exigida pelo antigo paradigma dedutivo das relações
entre níveis (Putnam 1975).
A economia é frequentemente citada como um exemplo (Fodor 1974,
Searle 1992). Fatos econômicos podem ser realizados por processos físicos
subjacentes, mas ninguém pede seriamente que sejamos capazes de deduzir os
fatos econômicos relevantes das descrições detalhadas de suas bases físicas
subjacentes, ou que sejamos capazes de colocar os conceitos e o vocabulário da
economia em correspondência estrita com aqueles das ciências físicas.
Apesar disso, nossa incapacidade dedutiva não é vista como motivo
para suspeitas ontológicas; não há um problema da relação “dinheiro-matéria”.
Tudo o que exigimos é algum entendimento geral e menos que dedutivo de
como propriedades e relações econômicas poderiam ter por base propriedades e
relações físicas. Assim, poderíamos optar por um critério similar para interpretar
a questão de como a consciência pode existir e o que conta como explicar como
a consciência poderia ser causada ou realizada por itens não-conscientes.
No entanto, alguns críticos, tais como Kim (1987), têm contestado a
coerência de qualquer concepção que pretenda ser tanto não-redutiva quanto
fisicalista, embora defensores dessas concepções tenham por sua vez replicado
(Van Gulick 1993).
Outros têm defendido que a consciência é especialmente resistente à
explicação em termos físicos, devido às diferenças inerentes entre nossos
modos de compreensão subjetivos e objetivos. Thomas Nagel (1974) ficou
famoso ao defender que existem limites inevitáveis impostos à nossa capacidade
de entender a fenomenologia da experiência do morcego devido à nossa
incapacidade de tomar empaticamente uma perspectiva experiencial como
aquela que caracteriza a experiência auditiva ecolocalizadora que o morcego
tem de seu mundo. Dada nossa incapacidade de submeter-nos a uma
experiência similar, podemos ter no máximo um entendimento parcial da
natureza de tal experiência. Nenhuma quantidade de conhecimento colhida pela

147
perspectiva objetiva externa de terceira pessoa das ciências naturais será
supostamente suficiente para nos permitir entender o que o morcego pode
entender de sua própria experiência a partir do seu ponto de vista subjetivo
interno de primeira pessoa.

5.4. Expectativas de Sucesso Explicativo


A questão de como a consciência pode existir subdivide-se, assim, em
uma família diversificada de questões mais específicas, dependendo do tipo ou
característica específica da consciência que se busca explicar, das restrições
específicas que se faz quanto ao escopo das explicações [explanans] e ao
critério que se usa para definir o sucesso explicativo. Algumas das variantes
resultantes parecem mais fáceis de responder que outras. O progresso pode
parecer provável em alguns dos assim chamados “problemas fáceis” da
consciência, tais como explicar a dinâmica da consciência de acesso em termos
da organização funcional ou computacional do cérebro (Baars 1988). Outros
podem parecer menos tratáveis, especialmente o assim chamado “problema
difícil” (Chalmers 1995), que é mais ou menos o de dar uma abordagem
inteligível que nos permita ver de uma maneira intuitivamente satisfatória como a
consciência fenomenal ou “como é” pode surgir de processos físicos ou neurais
no cérebro.
Respostas positivas a algumas versões das questões de como a
consciência pode existir parecem ao alcance da mão, mas outras parecem
permanecer profundamente frustrantes. Nem deveríamos supor que toda versão
tem uma resposta positiva. Se o dualismo é verdadeiro, então, ao menos em
alguns de seus tipos, a consciência poderia ser básica e fundamental. Se assim
o for, não seremos capazes de explicar como ela surge de itens nãoconscientes,
dado que ela simplesmente não surge dessa forma.
A concepção que adotamos sobre as expectativas de se explicar a
consciência dependerá tipicamente da perspectiva adotada. Fisicalistas otimistas
provavelmente verão os lapsos explicativos atuais como mero reflexo de um
estágio inicial de investigação, a serem certamente remediados num futuro não
tão distante (Dennett 1991, Searle 1992, P. M. Churchland 1995). Para os
dualistas, aqueles mesmos impasses significarão a falência do programa
fisicalista e a necessidade de reconhecer a consciência como por si só um
constituinte fundamental da realidade (Robinson 1982, Foster 1989, 1996,
Chalmers 1996). O que se vê depende em parte de onde se está, e o projeto em

148
andamento de explicar a consciência será acompanhado por contínuo debate
sobre o seu estatuto e as expectativas de sucesso.

6. A Questão Funcional: Por Que a Consciência Existe?


A questão funcional, ou do porquê, pergunta sobre o valor ou papel da
consciência, e assim pergunta indiretamente sobre a sua origem. Ela tem uma
função e, se tem, qual é? Ela faz alguma diferença na operação dos sistemas
onde está presente e, se faz, por que e como faz? Se a consciência existe como
uma característica complexa de sistemas biológicos, então seu valor adaptativo
é provavelmente relevante na explicação de sua origem evolutiva, ainda que,
evidentemente, sua função atual, se tem alguma, não precisa ser a mesma que
ela talvez teve quando surgiu. Funções adaptativas frequentemente mudam no
decorrer do tempo biológico. Questões sobre o valor da consciência também têm
uma dimensão moral em ao menos dois sentidos. Somos inclinados a ver o
estatuto moral de um organismo como ao menos parcialmente determinado pela
natureza e extensão em que é consciente, e estados conscientes, principalmente
estados conscientes afetivos, tais como prazeres e dores, desempenham um
papel central em muitas das abordagens do valor que subjazem a teoria moral
(Singer 1975).
Assim como as questões do que é e como pode existir, a pergunta de
por que a consciência existe também coloca um problema geral que se subdivide
em uma variedade de indagações mais específicas. Na medida em que as várias
formas de consciência, tais como consciência de acesso, fenomenal ou
metamental, são distintas e separáveis – o que permanece uma questão aberta
– elas provavelmente também diferem em seus papeis e valores específicos.
Portanto, a questão de por que a consciência existe pode muito bem não ter uma
resposta única ou uniforme.

6.1. Estatuto Causal da Consciência


Talvez a questão mais básica colocada por qualquer versão da pergunta
de por que existe é se a consciência do tipo relevante tem ou não algum impacto
causal. Se ela não tem nenhum efeito e não faz nenhuma diferença causal, seja
ela qual for, então ela pareceria incapaz de desempenhar qualquer papel
significativo nos sistemas e organismos onde está presente, eliminando assim,
de partida, a maior parte das questões relativas ao seu possível valor. A ameaça
de irrelevância epifenomenal também não poderia, dessa forma, ser

149
simplesmente descartada como uma não-opção óbvia, uma vez que pelo menos
algumas formas de consciência são seriamente defendidas na literatura recente
como não tendo nenhum caráter causal. (Ver o verbete sobre
“epifenomenalismo”, por Robinson 2011.) Esses problemas são levantados
principalmente em relação aos qualia e à consciência qualitativa (Huxley 1874,
Jackson 1982, Chalmers 1996), mas desafios também são apresentados ao
estatuto causal das outras, incluindo a consciência metamental (Velmans 1991).
Argumentos tanto metafísicos quanto empíricos são oferecidos para
sustentar ambas as posições. Entre os primeiros, estão aqueles que apelam a
intuições sobre a conceptibilidade e a possibilidade lógica de zumbis, ou seja, de
seres cujo comportamento, organização funcional e estrutura física até o nível
molecular são idênticos a agentes humanos normais, mas que não possuem
nenhum qualia ou consciência qualitativa. Alguns (Kirk 1970, Chalmers 1996)
afirmam que tais seres são possíveis em mundos que compartilham todas as
nossas leis físicas, mas outros negam isso (Dennett 1991, Levine 2001). Se são
possíveis em tais mundos, então parece seguir-se que, mesmo no nosso mundo,
os qualia não afetam o curso dos eventos físicos, incluindo os que constituem
nossos comportamentos humanos. Se esses eventos se desenrolam da mesma
forma, estejam ou não presentes os qualia, então os qualia parecem ser inertes
ou epifenomenais, ao menos em relação aos eventos do mundo físico. Porém,
esses argumentos e as intuições sobre zumbis nas quais se assentam são
controversos, e a correção [soundness] deles continua em disputa (Searle 1992,
Yablo 1998, Balog 1999).
Argumentos de um tipo bem mais empírico têm contestado o estatuto
causal da consciência metamental, ao menos na medida em que sua presença
pode ser medida pela habilidade de descrever o estado mental de alguém.
Argumenta-se que evidências científicas mostram que uma consciência desse
tipo não é nem necessária para nenhum tipo de habilidade mental nem ocorre
suficientemente cedo para servir de causa dos atos ou processos tipicamente
tomados como seus efeitos (Velmans 1991). De acordo com aqueles que
defendem esses argumentos, os tipos de habilidades mentais que normalmente
são vistas como necessitando a consciência podem todas ser realizadas
inconscientemente sem a autoconsciência supostamente necessária.
Ademais, mesmo quando a consciência autorreflexiva está presente, ela
supostamente ocorre tarde demais para ser a causa das ações relevantes, ao
invés de seu resultado ou, no máximo, um efeito conjunto de alguma causa
anterior compartilhada (Libet 1985). A autoconsciência ou consciência

150
metamental, de acordo com esses argumentos, mostra-se um efeito psicológico
posterior ao invés de uma causa iniciadora, mais como uma impressão post facto
ou o resultado exibido na tela do computador do que as efetivas operações do
processador que produziram tanto a resposta do computador quanto o que está
na tela.
Mais uma vez, os argumentos são controversos, e tanto os supostos
dados quanto sua interpretação estão sujeitos a intensos desacordos (ver
Flanagan 1992, e comentários acompanhando Velmans 1991). Apesar de os
argumentos empíricos, assim como o dos zumbis, exigirem que consideremos
seriamente se algumas formas de consciência são ou não causalmente menos
potentes do que normalmente se presume, muitos teóricos veem os dados
empíricos como não sendo uma ameaça real ao caráter causal da consciência.
Se os epifenomenalistas estão errados e a consciência, em suas várias
formas, é de fato causal, então que tipos de efeitos ela tem e que diferença faz?
Como os processos mentais que envolvem o tipo relevante de consciência
diferem daqueles que não o envolvem? Quais funções a consciência poderia
desempenhar? As próximas seis seções (6.2 – 6.7) discutem algumas das
respostas mais comuns. Apesar das várias funções se sobreporem até certo
ponto, cada uma delas é distinta, e elas diferem também quanto aos tipos de
consciência com os quais cada uma está mais adequadamente ligada.

6.2. Controle Flexível


Flexibilidade e sofisticação de controle aumentadas. Processos mentais
conscientes parecem fornecer formas de controle altamente flexíveis e
adaptativas. Ainda que processos automáticos inconscientes possam ser
extremamente eficientes e rápidos, eles normalmente operam de maneira mais
fixa e predeterminada do que aqueles que envolvem autoconsciência (Anderson
1983). A consciência é, portanto, da maior importância quando estamos lidando
com situações novas e problemas ou demandas não previamente encontrados
(Penfield 1975, Armstrong 1981).
As explicações convencionais da aquisição de habilidades ressaltam a
importância da consciência durante a fase inicial de aprendizado, que
gradualmente dá lugar a processos mais automáticos, do tipo que requer pouca
atenção ou supervisão consciente (Schneider e Shiffrin 1977). O processamento
consciente permite a construção ou compilação de rotinas especificamente
preparadas a partir de unidades elementares, bem como o controle deliberado

151
de suas execuções.
Há uma troca bem conhecida entre flexibilidade e velocidade; processos
conscientes controlados adquirem sua versatilidade sob medida às custas de
serem lentos e cansativos, em contraste com a rapidez fluida das operações
mentais inconscientes automáticas (Anderson 1983). Os crescimentos relevantes
na flexibilidade parecem mais intimamente conectados com o tipo metamental,
ou de ordem superior [higher-order], de consciência, na medida em que a
melhora da habilidade de controlar processos depende do aumento de
autoconsciência. No entanto, flexibilidade e modos sofisticados de controle
também podem ser associados às formas de consciência fenomenal e de
acesso.

6.3. Coordenação Social


Capacidade aumentada para coordenação social. A consciência de tipo
metamental pode envolver não apenas um acréscimo de autoconsciência, mas
também uma melhora na compreensão dos estados mentais de outras criaturas
com mentes, principalmente de outros membros do grupo social (Humphreys
1982). Criaturas que são conscientes no sentido metamental relevante não
apenas possuem crenças, motivações, percepções e intenções, mas também
compreendem como é ter tais estados e são conscientes tanto delas mesmas
como de outros como os possuindo.
Esse acréscimo de conhecimento mutuamente compartilhado da mente
um do outro permite que os organismos relevantes interajam, cooperem e
comuniquem-se de formas muito mais avançadas e adaptativas. Apesar de a
consciência metamental ser o tipo mais obviamente associado a essa função
socialmente coordenativa, a consciência narrativa, do tipo associado ao fluxo de
consciência, também é certamente relevante, na medida em que envolve a
aplicação na própria criatura de habilidades interpretativas que surgem em parte
de suas aplicações sociais (Ryle 1949, Dennett 1978, 1992).

6.4. Representação Integrada


Representação mais unificada e densamente integrada da realidade. A
experiência consciente nos apresenta um mundo de objetos existindo
independentemente no espaço e no tempo. Esses objetos nos são apresentados
tipicamente de uma forma multimodal, que envolve a integração de informações
de vários canais sensórios, assim como do conhecimento de base e da memória.

152
A experiência consciente não nos apresenta propriedades ou características
isoladas, mas sim objetos e eventos situados num mundo independente em
fluxo, e ela faz isso incorporando em sua organização e dinâmica experiencial a
densa rede de relações e interconexões que coletivamente constituem a
estrutura significativa de um mundo de objetos (Kant 1787, Husserl 1913,
Campbell 1997).
Evidentemente, nem toda informação sensória precisa ser
experienciada para ter um efeito adaptativo no comportamento. Conexões
adaptativas sensório-motoras não-experienciais podem ser encontradas tanto
em organismos simples quanto em alguns dos processos mais diretos e
reflexivos de organismos superiores. Mas quando há experiência, ela fornece
uma representação mais unificada e integrada da realidade, que normalmente
propicia vias mais abertas de resposta (Lorenz 1977). Considere, por exemplo, a
representação do espaço em um organismo cujos canais de entrada sensória
são simplesmente ligados ao movimento ou à orientação de poucos mecanismos
fixos, tais como aqueles para alimentação ou para agarrar presas, e compare
isso com um organismo capaz de usar sua informação espacial para a
navegação flexível do seu ambiente e para quaisquer outros objetivos ou metas
espacialmente relevantes que possa ter, como quando uma pessoa examina
visualmente seu escritório ou sua cozinha (Gallistel 1990).
É a representação desse último tipo que normalmente é disponibilizada
pelo modo integrado de apresentação associado à experiência consciente. A
unidade do espaço experienciado é apenas um exemplo do tipo de integração
associado à nossa consciência de um mundo objetivo. (Ver o verbete sobre a
“unidade da consciência”, por Brook e Raymont 2010.)
Esse papel ou valor integrativo é mais obviamente associado com o tipo
fenomenal de consciência, mas, na medida em que os qualia desempenham um
papel na apresentação de objetos na experiência, esse papel unificador também
é associado à consciência nos sentidos qualitativo e de “como-é” [what it"s like].
Ademais, ele está intimamente ligado à transparência da experiência,
principalmente a transparência semântica, descrita em resposta à questão sobre
o que é a consciência (Van Gulick 1993).

6.5. Acesso Informacional


Mais acesso informacional global. A informação carregada por estados
mentais conscientes normalmente está disponível para o uso de diversos

153
subsistemas mentais e para a aplicação em um amplo rol de situações e ações
potenciais (Baars 1988). A informação não-consciente é mais passível de ser
encapsulada no interior de módulos mentais particulares e ficar disponível
apenas para o uso concernente às aplicações diretamente conectadas às
operações desse subsistema (Fodor 1983). Tornar uma informação consciente
normalmente amplia a esfera de sua influência e o número de formas em que
pode ser usada para guiar e conformar adaptativamente tanto o comportamento
interno quanto externo. O caráter consciente de um estado pode ser em parte
uma questão daquilo que Dennett chamou de “celebridade cerebral”, ou seja, a
capacidade desse estado de ter um impacto compatível com o conteúdo de
outros estados mentais.
Essa função particular está ligada mais diretamente, e por definição, à
noção de consciência de acesso (Block 1995), mas a consciência metamental,
bem como as formas fenomenal e qualitativa, parecem todas associadas a esse
crescimento na disponibilidade de informação (Armstrong 1981, Tye 1985).

6.6. Livre-Arbítrio
Aumento da liberdade de escolha ou livre-arbítrio. A questão do livre-
arbítrio permanece um problema filosófico perene, não apenas no que diz
respeito à sua existência ou não, mas até mesmo no que se refere a em que isso
poderia ou deveria consistir (Dennett 1984, van Inwagen 1983, Hasker 1999,
Wegner 2002). (Ver o verbete sobre “Livre-arbítrio”, por O'Connor 2011.) Talvez a
própria noção de livre-arbítrio continue muito obscura e controversa para
esclarecer o que quer que seja sobre o papel da consciência, mas há uma
intuição tradicional de que as duas coisas estão intimamente ligadas.
A consciência é vista como abrindo um reino de possibilidades, uma
esfera de opções na qual o eu consciente pode escolher ou agir livremente. A
consciência parece, no mínimo, uma precondição necessária para qualquer
forma de liberdade ou autodeterminação desse tipo (Hasker 1999). Como
alguém poderia exercer o tipo exigido de livre-arbítrio e, ao mesmo tempo,
permanecer apenas no interior do domínio inconsciente? Como alguém poderia
determinar sua própria vontade sem ser consciente dela e das opções
disponíveis para moldá-la?
A liberdade para escolher a ação a tomar e a habilidade de determinar a
própria natureza e desenvolvimento futuro podem admitir diversos graus e
variações interessantes, ao invés de serem simplesmente uma questão de tudo

154
ou nada, e as várias formas ou níveis de consciência podem estar associadas a
graus e tipos correspondentes de liberdade e autodeterminação (Dennett 1984,
2003). A ligação com a liberdade parece mais forte para a forma metamental de
consciência, dada a sua ênfase na autoconsciência, mas conexões potenciais
também parecem igualmente possíveis para a maior parte das outras formas.

6.7. Motivação Intrínseca


Estados intrinsecamente motivacionais. Ao menos alguns estados
conscientes parecem ter intrinsecamente a força motora que têm. Em particular,
os papeis funcionais e motivacionais de estados afetivos conscientes, tais como
prazeres e dores, parecem intrínsecos ao seu caráter experiencial e inseparáveis
de suas propriedades qualitativas e fenomenais, ainda que isso tenha sido
colocado em questão (Nelkin 1989, Rosenthal 1991). O aspecto motivacional
positivamente atrativo do prazer parece uma parte de sua sensação fenomenal
diretamente experienciada, assim como o caráter afetivo negativo da dor, ao
menos no caso da experiência não-patológica normal.
Há considerável controvérsia sobre o quanto o sentimento e a força
motora da dor podem ser dissociados em casos anormais, e alguns negam a
própria existência de tais aspectos intrinsecamente motivacionais (Dennett
1991). No entanto, ao menos no caso normal, a força motivacional negativa da
dor parece constitutiva da sensação da própria experiência.
Exatamente como isso poderia ser o caso continua não sendo muito
claro, e talvez a aparente força motivacional intrínseca e diretamente
experienciada seja ilusória. Mas se for real, então pode ser um dos sentidos mais
importantes e evolutivamente mais antigos em que a consciência faz diferença
para os sistemas e processos mentais onde está presente (Humphreys 1992).
Outras sugestões foram feitas sobre as possíveis funções e valor da
consciência, e essas seis evidentemente não exaurem as opções. No entanto,
elas estão entre as hipóteses recentes mais proeminentes, e fornecem um
levantamento satisfatório dos tipos de respostas que têm sido oferecidas à
questão de por que a consciência existe por aqueles que acreditam que a
consciência de fato faz alguma diferença.

6.8. Papeis Constitutivos e Contingentes


Um ponto adicional exige esclarecimento sobre os vários sentidos em
que as funções propostas poderiam responder à pergunta de por que a

155
consciência existe. Em particular, deve-se distinguir entre casos constitutivos e
casos de realização contingente. No primeiro, desempenhar o papel constitui ser
consciente no sentido relevante, enquanto que no segundo a consciência de um
dado tipo é apenas uma entre várias formas em que o papel exigido poderia ser
realizado (Van Gulick 1993).
Por exemplo: tornar a informação disponível globalmente para uso de
uma ampla variedade de subsistemas e aplicações comportamentais pode
constituir seu caráter consciente no sentido de acesso. Por outro lado, mesmo
que as formas qualitativas e fenomenais de consciência envolvam uma
representação altamente unificada e densamente integrada da realidade
objetiva, pode ser possível produzir representações que tenham essas
características funcionais, mas que não sejam de natureza qualitativa ou
fenomenal.
O fato de que em nós os modos de representação com essas
características também tenham propriedades qualitativas e fenomenais pode
refletir fatos históricos contingentes sobre a solução particular de modelo que
calhou surgir em nossa linhagem evolutiva. Se isso for verdade, deve haver
meios bem diversos de se atingir um resultado comparável sem a consciência
qualitativa ou fenomenal. Não é claro que essa seja a forma adequada de se
pensar a consciência qualitativa e fenomenal; talvez a associação com
representações unificadas e densamente integradas seja de fato tão íntima e
constitutiva quanto parece ser o caso na consciência de acesso (Carruthers
2000). Independentemente de como essa questão seja resolvida, é importante
não misturar abordagens constitutivas com abordagens de realização
contingente quando se investiga a função da consciência e se responde à
questão de por que ela existe (Chalmers 1996).

7. Teorias da Consciência
Em resposta às perguntas sobre o que é, como é e por que existe,
muitas teorias da consciência foram propostas nos últimos anos. Entretanto, nem
todas as teorias da consciência são teorias da mesma coisa. Elas variam não
apenas quanto aos tipos de consciência que têm como seu objeto, mas também
em suas finalidades teóricas.
Talvez a maior divisão seja entre teorias metafísicas gerais, que
pretendem situar a consciência no interior de um esquema ontológico
abrangente da realidade, e teorias específicas, que oferecem explicações

156
detalhadas de sua natureza, características e função. A linha separando esses
dois tipos de teoria é um tanto obscura, principalmente na medida em que muitas
teorias específicas carregam ao menos alguns comprometimentos com questões
metafísicas mais gerais. No entanto, é útil manter a divisão em mente quando se
faz um levantamento do leque de ofertas teóricas correntes.

8. Teorias Metafísicas da Consciência


Teorias metafísicas gerais oferecem respostas para a versão consciente
do problema mente-corpo: qual o estatuto ontológico da consciência em relação
ao mundo da realidade física? Em grande medida, as respostas disponíveis
acompanham as alternativas convencionais ao problema mente-corpo, incluindo
as principais versões de dualismo e fisicalismo.

8.1. Teorias Dualistas


Teorias dualistas veem ao menos alguns aspectos da consciência como
estando fora do reino físico, mas formas específicas de dualismo diferem a
respeito de quais são, exatamente, esses aspectos. (Ver o verbete por Robinson
2011.)
O dualismo de substância, tal como o dualismo tradicional cartesiano
(Descartes 1644), afirma a existência de ambas as substâncias, física e não-
física. Essas teorias implicam a existência de mentes ou egos não-físicos como
entidades às quais a consciência é inerente. Apesar do dualismo de substância
estar em grande medida em desuso no momento, existem alguns defensores
contemporâneos (Swinburne 1986, Foster 1989, 1996).
O dualismo de propriedade, em suas várias versões, goza de maior
popularidade atualmente. Todas as teorias desse tipo afirmam a existência de
propriedades conscientes que não são nem idênticas nem redutíveis a
propriedades físicas, mas que podem, entretanto, ser instanciadas exatamente
pelas mesmas coisas que instanciam propriedades físicas. Nesse sentido, elas
podem ser classificadas como teorias de duplo aspecto. Elas tomam algumas
partes da realidade – organismos, cérebros, estados ou processos neurais –
como instanciando propriedades de dois tipos distintos e desconexos: as físicas
e as conscientes, fenomenais ou qualitativas. Teorias de duplo aspecto, ou
dualistas de propriedades, podem ser de ao menos três tipos diferentes.
O dualismo de propriedades fundamental vê propriedades mentais
conscientes como constituintes básicos da realidade, ao lado de propriedades

157
físicas, como carga eletromagnética. Elas podem interagir de maneira causal e
legiforme [law-like] com outras propriedades fundamentais, tais como as da
física, mas ontologicamente a existência delas não é nem dependente nem
derivada de nenhuma outra propriedade (Chalmers 1996).
O dualismo de propriedades emergentes vê as propriedades
conscientes como surgindo de organizações complexas de constituintes físicos,
mas de uma forma radical tal que o resultado emergente é algo para além de
suas causas físicas, não previsível a priori e não explicável em termos de suas
naturezas estritamente físicas. A coerência de tais abordagens emergentistas foi
desafiada (Kim 1998), mas elas têm defensores (Hasker 1999).
O dualismo de propriedades monista e neutro trata tanto propriedades
mentais conscientes quanto propriedades físicas como, de alguma forma,
dependentes ou derivadas de um nível mais básico de realidade, que não é, ele
mesmo, nem mental nem físico (Russell 1927, Strawson 1994). Entretanto, se
entendemos o dualismo como a tese de que há dois reinos distintos de entidades
ou propriedades fundamentais, então o monismo neutro talvez não devesse ser
classificado como uma versão de dualismo de propriedades, uma vez que não vê
nem as propriedades mentais nem as físicas como últimas ou fundamentais.
O pampsiquismo pode ser visto como um quarto tipo de dualismo de
propriedades, uma vez que toma todos os constituintes da realidade como tendo
algumas propriedades psíquicas, ou ao menos protopsíquicas, distintas de
qualquer propriedade física que possam ter (Nagel 1979). De fato, o monismo
neutro poderia ser consistentemente combinado com alguma versão de
pamprotopsiquismo (Chalmers 1996), na qual os aspectos protomentais dos
micro-constituintes poderiam dar origem, em condições de combinação
propícias, à consciência em sentido pleno. (Ver o verbete sobre “pampsiquismo”,
por Seager e Allen-Hermanson 2012.)
A natureza do aspecto protopsíquico relevante continua obscura e essas
teorias enfrentam um dilema, se oferecidas na esperança de responder ao
Problema Difícil [Hard Problem]. Ou as propriedades protopsíquicas envolvem o
tipo de sensação qualitativa fenomenal que gera o Problema Difícil, ou elas não
envolvem. Caso envolvam, é difícil entender como elas podem possivelmente
ocorrer como propriedades ubíquas da realidade. Como pode um elétron ou um
quark ter qualquer sensação experiencial desse tipo? No entanto, se as
propriedades protopsíquicas não envolvem sensações desse tipo, então não é
claro como seriam, de alguma forma, mais aptas do que as propriedades físicas
para dar conta da consciência qualitativa ao solucionar o Problema Difícil.

158
Muitos argumentos foram apresentados a favor da teoria dualista e de
outras teorias antifisicalistas da consciência. Alguns são, em grande parte, a
priori em natureza, como aqueles que apelam para a suposta conceptibilidade de
zumbis (Kirk 1970, Chalmers 1996) ou versões do argumento do conhecimento
(Jackson 1982, 1986), que visa alcançar uma conclusão antifisicalista sobre a
ontologia da consciência a partir dos aparentes limites em nossa habilidade de
compreender inteiramente os aspectos qualitativos da experiência consciente
através de abordagens físicas de terceira-pessoa dos processos cerebrais. (Ver
Jackson 1998, 2004 para uma visão contrária; ver também os verbetes sobre
“zumbis", por Kirk 2012, e “Qualia: o argumento do conhecimento”, por Nida-
Rümelin 2010.) Outros argumentos a favor do dualismo possuem bases mais
empíricas, tais como aqueles que apelam à suposta lacuna causal nas cadeias
de causação física no cérebro (Eccles e Popper 1977), ou aqueles que se
baseiam em supostas anomalias na ordem temporal da experiência consciente
(Libet 1982, 1985). Argumentos dualistas de ambos os tipos são muito
questionados por fisicalistas (P. S. Churchland 1981, Dennett e Kinsbourne
1992).

8.2. Teorias Fisicalistas


A maioria das outras teorias metafísicas da consciência é uma ou outra
versão de algum tipo já conhecido de fisicalismo.
Teorias eliminativistas negam redutivamente a existência da
consciência, ou ao menos a existência de alguns de seus tipos ou características
comumente aceitas. (Ver o verbete sobre “o materialismo eliminativista”, por
Ramsey 2011.) Os eliminativistas radicais rejeitam a própria noção de
consciência como sendo confusa ou enganadora, e defendem que a distinção
consciente/não-consciente não consegue cortar a realidade mental em suas
articulações (Wilkes 1984, 1988). Eles entendem que a ideia de consciência é
suficientemente equivocada para merecer ser eliminada e substituída por outros
conceitos e distinções que melhor reflitam a verdadeira natureza da mente (P. S.
Churchland 1983).
A maior parte dos eliminativistas é mais sofisticada em suas avaliações
críticas. Ao invés de rejeitarem a noção completamente, questionam apenas
algumas das características proeminentes que ela é comumente vista como
envolvendo, tais como os qualia (Dennett 1990, Carruthers 2000), o eu
consciente (Dennett 1992), ou o chamado “teatro cartesiano”, onde a sequência

159
temporal da experiência consciente é projetada internamente (Dennett e
Kinsbourne 1992). Portanto, eliminativistas mais modestos, como Dennett,
normalmente combinam suas negações mais qualificadas com uma teoria
positiva daqueles aspectos da consciência que tomam como reais, tal como
acontece no Modelo de Múltiplas Camadas [Multiple Drafts Model] (seção 9.3 a
seguir).
A teoria da identidade, ao menos a teoria da identidade psicofísica tipo-
tipo [type-type] estrita, oferece uma outra opção fortemente redutivista ao
identificar propriedades, estados e processos mentais conscientes com físicos,
normalmente de natureza neural ou neurofisiológica. Se ter uma experiência
consciente qualitativa do vermelho fenomenal é simplesmente estar em um
estado cerebral com as propriedades neurofisiológicas relevantes, então essas
propriedades experienciais são reais, mas a realidade delas é uma realidade
diretamente física.
A teoria da identidade tipo-tipo é chamada assim porque identifica tipos
ou propriedades mentais e físicas, da mesma forma que se identifica a
propriedade de ser água com a propriedade de ser composto de moléculas de
H2O. Após um breve período de popularidade nos primeiros dias do fisicalismo
contemporâneo, nos anos 1950 e 60 (Place 1956, Smart 1959), ela tem sido bem
menos amplamente adotada devido a problemas como a objeção da realização
múltipla, de acordo com a qual propriedades mentais são mais abstratas e por
isso capazes de serem realizadas por estruturas de fundo ou substratos
químicos diferentes (Fodor 1974, Hellman e Thompson 1975). Se uma e a
mesma propriedade consciente pode ser realizada por diferentes propriedades
neurofisiológicas (ou mesmo nãoneurofisiológicas) em diferentes organismos,
então as duas propriedades não podem ser estritamente idênticas.
Entretanto, a teoria da identidade tipo-tipo gozou um renascimento
recente, ainda que modesto, ao menos no que se refere aos qualia, ou
propriedades conscientes qualitativas. Isso se deu, em parte, porque tratar a
ligação psico-física como uma identidade foi visto por alguns como propiciando
uma forma de dissolver o problema da lacuna explicativa (Hill e McLaughlin
1998, Papineau 1995, 2003). Eles argumentam que se a propriedade qualitativa
consciente e a propriedade neural são idênticas, então não há necessidade de
explicar como a última causa ou faz surgir a primeira. Uma não causa a outra:
uma é a outra. Dessa forma, não há lacuna a ser preenchida, e nenhuma
explicação adicional é necessária. Identidades não são o tipo de coisa que pode
ser explicada, uma vez que nada é idêntico a nada além de si mesmo, e não faz

160
sentido perguntar porque algo é idêntico a si mesmo.
No entanto, outros contestam que o apelo à identidade tipo-tipo não
elimina de forma tão óbvia a necessidade de uma explicação (Levine 2001).
Mesmo quando duas descrições ou conceitos de fato se referem a uma e a
mesma propriedade, pode-se ainda esperar, racionalmente, por alguma
explicação dessa convergência, alguma explicação de como selecionaram uma e
a mesma coisa, ainda que, inicialmente ou intuitivamente, não pareçam fazer
isso. Em outros casos de identidades de propriedades empiricamente
descobertas, tal como entre calor e energia cinética, há uma história a ser
contada que explica a convergência correferencial, e parece justo esperar o
mesmo no caso psicofísico. Portanto, apelar para identidades tipo-tipo talvez não
seja suficiente, por si só, para dissolver o problema da lacuna explicativa.
A maior parte das teorias fisicalistas da consciência não são nem
eliminativistas nem baseadas em identidades tipo-tipo estritas. Elas reconhecem
a realidade da consciência, mas procuram situá-la no interior do mundo físico,
por meio de alguma relação psicofísica mais fraca que a estrita identidade de
propriedade.
Entre as variantes comuns, estão aquelas que tomam a realidade da
consciência como superveniente sobre o físico, como composta do físico ou
como sendo realizada pelo físico.
Teorias funcionalistas, em particular, apoiam-se largamente na noção de
realização para explicar a relação entre a consciência e o físico. De acordo com
o funcionalismo, um estado ou processo conta como sendo de um dado tipo
mental ou consciente em virtude do papel funcional que executa no interior de
um sistema apropriadamente organizado (Block 1980a). Um dado estado físico
realiza o tipo mental consciente relevante ao executar o papel apropriado no
interior de um sistema físico mais amplo que o contém. (Ver o verbete sobre o
“funcionalismo”, por Levin 2010.) O funcionalista apela muitas vezes a analogias
com outras relações entre níveis, como entre o biológico e o bioquímico, ou entre
o químico e o atômico. Em cada um desses casos, propriedades e fatos de um
certo nível são realizados por interações complexas entre itens de um nível
subjacente.
Os críticos do funcionalismo negam frequentemente que a consciência
possa ser adequadamente explicada em termos funcionais (Block 1980a, 1980b,
Levine 1983, Chalmers 1996). De acordo com alguns críticos, a consciência
pode ter características funcionais interessantes, mas sua natureza não é

161
essencialmente funcional. Essas afirmações são por vezes sustentadas por
apelo à suposta possibilidade dos qualia ausentes ou invertidos, ou seja, a
possibilidade de existirem seres funcionalmente equivalentes aos humanos
normais, mas que possuem qualia invertidos ou não possuem nenhum qualia. O
estatuto dessas possibilidades é controverso (Shoemaker 1981, Dennett 1990,
Carruthers 2000), mas se elas são aceitas, parecem suscitar um problema para
o funcionalista. (Ver o verbete “Qualia”, por Tye 2009.)
Aqueles que apoiam o fisicalismo ontológico na relação de realização
frequentemente combinam isso com uma visão não-redutivista, no nível
conceitual ou representacional, que ressalta a autonomia das ciências especiais
e os modos distintos de descrição e de acesso cognitivo que elas ensejam.
O fisicalismo não-redutivista desse tipo nega que os recursos teóricos e
conceituais apropriados e adequados para lidar com fatos do nível de substrato
subjacente, ou nível da realização, tenham de ser igualmente adequados para
lidar com aqueles do nível realizado (Putnam 1975, Boyd 1980). Como foi visto
anteriormente, em resposta à pergunta sobre como a consciência pode existir,
pode-se acreditar que todos os fatos econômicos são fisicamente realizados
sem, com isso, pensar que os recursos das ciências físicas oferecem todas as
ferramentas cognitivas e conceituais de que precisamos para fazer economia
(Fodor 1974).
O fisicalismo não-redutivista tem sido criticado pela suposta
incapacidade de “pagar sua dívida com o fisicalismo” em moeda redutivista. Seu
erro é supostamente o de não dar uma explicação adequada de como
propriedades conscientes são, ou poderiam ser, realizadas por estruturas e
processos neurais, físicos ou funcionais subjacentes (Kim 1987, 1998). Ele foi,
na verdade, acusado de incoerência, devido à sua tentativa de combinar a
afirmação da realização física com a negação da capacidade de explicitar essa
relação de uma forma estrita e inteligível a priori (Jackson 2004).
Entretanto, como observado antes na discussão sobre a questão de
como a consciência existe, os fisicalistas não-redutivistas reagem concordando
que uma abordagem da realização psicofísica é de fato necessária, mas
adicionam que a abordagem relevante pode diferir muito de uma dedutibilidade a
priori e, ainda assim, ser suficiente para satisfazer nossas legítimas demandas
explicativas (McGinn 1991, Van Gulick 1985). A questão continua em discussão.

162
9. Teorias Específicas da Consciência
Apesar de existirem várias teorias metafísicas/ontológicas gerais da
consciência, a lista de teorias específicas detalhadas acerca de sua natureza é
ainda mais longa e mais diversificada. Nenhuma investigação breve poderia
chegar perto de ser exaustiva, mas seis tipos principais de teorias podem ajudar
a indicar o leque básico de opções: teorias de ordem superior [higher-order
theories], teorias representacionais, teorias cognitivas, teorias neurais, teorias
quânticas e teorias não-físicas.

9.1. Teorias de Ordem Superior


Teorias de ordem superior (OS) 26analisam a noção de estado mental
consciente em termos de autoconsciência metamental reflexiva. A ideia central é
que o que torna um estado mental M um estado mental consciente é o fato de
estar acompanhado de um estado simultâneo e não-inferencial de ordem
superior (isto é, metamental), cujo conteúdo é que se está no estado M no
momento. Ter um desejo consciente por chocolate envolve ter dois estados
mentais: é preciso ter tanto um desejo por chocolate, quanto um estado de
ordem superior cujo conteúdo é que se está, no momento, tendo exatamente
esse desejo. Estados mentais inconscientes são inconscientes precisamente por
não termos os estados de ordem superior relevantes sobre eles. Seu caráter
inconsciente consiste no fato de não estarmos reflexiva e diretamente cientes de
estarmos em tais estados. (Ver o verbete sobre “teorias de ordem superior da
consciência”, por Carruthers 2011.)
Teorias de ordem superior aparecem em duas variantes principais, que
diferem quanto ao modo psicológico dos estados metamentais constitutivos da
consciência relevante. Teorias do pensamento de ordem superior (PenOS)
tomam o estado de ordem superior requerido como sendo um metaestado
assertórico similar ao pensamento (Rosenthal 1986, 1993). Teorias da percepção
de ordem superior (PerOS) os veem mais como estados perceptivos, associados
a uma espécie de sentido interno e a sistemas de monitoramento intramentais de
algum tipo (Armstrong 1981, Lycan 1987, 1996).27

26 A sigla original é “HO”, de “higher-order”.


27 As siglas originais são, respectivamente, “HOT” (Higher-Order Thought) e
“HOP” (Higher-Order Perception).

163
Cada uma tem suas relativas vantagens e problemas. Proponentes da
PenOS ressaltam que não temos nenhum órgão de sentido interno, e afirmam
que não experienciamos nenhuma qualidade sensível a não ser aquelas que nos
são apresentadas pela percepção direcionada ao exterior. Proponentes da
PerOS, por outro lado, podem argumentar que sua abordagem explica algumas
das condições adicionais exigidas por teorias OS como sendo consequências
naturais da natureza perceptiva dos estados de ordem superior relevantes. Em
particular, a exigência de que o metaestado constitutivo da consciência seja não-
inferencial e simultâneo ao objeto mental de nível inferior pode ser explicada
pelas condições correspondentes que normalmente se aplicam à percepção.
Percebemos o que está acontecendo agora, e o fazemos de uma forma que não
envolve nenhuma inferência, ao menos não uma inferência explícita no nível
pessoal. Essas condições são igualmente necessárias para a PenOS, mas não
são explicadas por essa teoria, o que aparentemente dá uma vantagem
explicativa ao modelo PerOS (Lycan 2004, Van Gulick 2000), ainda que alguns
teóricos da PerOS argumentem contrariamente (Carruthers 2000).
Sejam quais forem seus respectivos méritos, tanto teorias PerOS quanto
PenOS enfrentam alguns desafios comuns, incluindo o que poderia ser chamado
de problema da generalidade. Ter um pensamento ou uma percepção de um
dado item X – seja uma pedra, uma caneta ou uma batata – não faz, em geral,
de X um X consciente. Ver uma batata em cima do balcão, ou pensar nela, não
faz dela uma batata consciente. Por que deveria, então, o fato de ter um
pensamento ou uma percepção de um determinado desejo ou memória tornar
esse desejo ou essa memória consciente? (Dretske 1995, Byrne 1997). Também
não basta ressaltar que não utilizamos o termo “consciente” para pedras ou
canetas que percebemos ou pensamos, mas apenas para estados mentais que
percebemos ou a respeito dos quais pensamos (Lycan 1997, Rosenthal 1997).
Isso pode bem ser verdade, mas o que falta é uma explicação de por que isso é
adequado.
A abordagem de ordem superior é mais claramente relevante para as
formas metamentais de consciência, mas alguns de seus defensores acreditam
que ela explica também outros tipos de consciência, incluindo os tipos mais
subjetivos de consciência como-é e qualitativa. Uma estratégia comum é analisar
os qualia como características mentais que são capazes de ocorrer
inconscientemente; por exemplo, eles podem ser explicados como propriedades
de estados internos, cujas relações estruturadas de semelhança fazem surgir
crenças sobre semelhanças objetivas no mundo (Shoemaker 1975, 1990).

164
Apesar dos qualia inconscientes poderem desempenhar o papel funcional, não
precisa haver um como-é estar num estado que os possua (Nelkin 1989,
Rosenthal 1991, 1997). De acordo com o teórico da OS, o caráter como-é [what-
it"s-likeness] surge apenas quando nos tornamos cientes de um estado de
primeira ordem e de suas propriedades qualitativas através de um metaestado
apropriado direcionado a ele.
Críticos da abordagem OS questionaram essa perspectiva, e alguns
argumentaram que a noção de qualia inconsciente, na qual se baseia, é
incoerente (Papineau 2002). Independentemente de quão satisfatória seja a
abordagem dos qualia proposta pelas teorias OS, é importante ressaltar que a
maior parte dos defensores da OS acreditam estar oferecendo uma teoria ampla
da consciência, ou ao menos o cerne de uma teoria geral desse tipo, ao invés de
simplesmente uma teoria restrita a alguns tipos metamentais especiais de
consciência.
Outras variantes da teoria OS vão além das tradicionais versões PenOS
e PerOS, incluindo aquelas que analisam a consciência em termos de
pensamentos disposicionais de ordem superior, ao invés de pensamentos
ocorrentes (Carruthers 2000). Outras apelam para um entendimento de ordem
superior implícito, ao invés de explícito, e enfraquecem ou eliminam a
pressuposição tradicional de que um metaestado precisa ser distinto e separado
de seus objetos de ordem inferior (Gennaro 1995, Van Gulick 2000, 2004).
Outras variantes da teoria OS continuam sendo oferecidas, e o debate entre
defensores e críticos da abordagem básica continua vivo (Ver os artigos recentes
em Gennaro 2004).

9.2. Teorias Representacionalistas


Praticamente todas as teorias da consciência a veem como possuindo
características representacionais, mas as assim chamadas teorias
representacionalistas se definem pela afirmação mais forte de que suas
características representacionais exaurem suas características mentais (Harman
1990, Tye 1995, 2000). De acordo com o representacionalista, estados mentais
conscientes não possuem nenhuma propriedade mental além de suas
propriedades representacionais. Portanto, dois estados conscientes ou
experienciais que compartilham todas as suas propriedades representacionais
não diferirão em nenhum aspecto mental.
A força exata dessa afirmação depende de como se interpreta a noção

165
de ser “representacionalmente o mesmo”, havendo várias opções plausíveis de
critérios. Pode-se defini-la, grosso modo, em termos de condições de satisfação
ou de verdade, mas, assim entendida, a tese representacionalista parece
claramente falsa. Existem várias maneiras em que estados podem compartilhar
suas condições de satisfação ou verdade e, ainda assim, diferirem mentalmente,
incluindo aqueles referentes aos modos de conceitualizar ou apresentar essas
condições.
No extremo oposto, pode-se tomar dois estados como
representacionalmente distintos se diferirem em qualquer característica que
desempenhe um papel na operação ou função representacional deles. Numa
interpretação liberal desse tipo, qualquer diferença nos portadores do conteúdo
conta como diferença representacional, ainda que tenham o mesmo conteúdo
intencional ou representacional, podem diferir apenas em seus meios ou modos
de representação, e não em seus conteúdos.
Evidentemente, essa interpretação aumenta a plausibilidade da
afirmação de que as propriedades representacionais de um estado consciente
exaurem suas propriedades mentais, mas ao custo de enfraquecer
significativamente, ou mesmo trivializar, a tese. Portanto, o representacionalista
parece precisar de uma interpretação da igualdade representacional que vá além
das meras condições de satisfação, e que reflita todos os aspectos intencionais e
relativos ao conteúdo da representação, sem ser sensitivo a meras diferenças
em características subjacentes sem conteúdo dos processos no nível de
realização. Portanto, a maior parte dos representacionalistas estipulam
condições para experiências conscientes que incluem, ao lado de uma condição
relativa ao conteúdo, algum papel causal, ou exigências de configuração
adicionais (Tye 1995, Dretske 1995, Carruthers 2000). Outros
representacionalistas aceitam a existência dos qualia, mas tratam-nos como
propriedades objetivas que objetos externos são representados como possuindo.
Ou seja, tratam-nos como propriedades representadas, ao invés de propriedades
de representações ou de estados mentais (Dretske 1995, Lycan 1996).
O representacionalismo pode ser visto como uma forma qualificada de
eliminativismo, uma vez que nega a existência de propriedades de um tipo que
estados mentais conscientes são usualmente pensados como possuindo – ou ao
menos como parecendo possuir – a saber, aquelas que são mentais, mas não
representacionais. Qualia, ao menos se entendidos como propriedades
monádicas intrínsecas de estados conscientes acessíveis à introspecção,
pareceriam ser os alvos mais óbvios dessa eliminação. De fato, parte da

166
motivação do representacionalismo é mostrar que podemos acomodar todos os
fatos sobre a consciência, talvez dentro de um quadro fisicalista, sem
precisarmos encontrar um lugar para os qualia ou para qualquer outra suposta
propriedade mental não-representacional (Dennett 1990, Lycan 1996, Carruthers
2000).
O representacionalismo tem sido muito popular nos últimos anos e
possui muitos defensores, mas continua altamente controverso e contraintuitivo
quanto a casos e experimentos mentais cruciais (Block 1996). Em particular, a
possibilidade de qualia invertidos fornece um caso crucial para teste. Para
antirrepresentacionalistas, a mera possibilidade lógica de qualia invertidos
mostra que estados conscientes podem diferir em um aspecto mental significante
e, ao mesmo tempo, coincidir representacionalmente. Representacionalistas, em
resposta, ou negam a possibilidade de tal inversão, ou sua alegada significação
(Dretske 1995, Tye 2000).
Muitos outros argumentos foram levantados a favor ou contra o
representacionalismo, tais como aqueles a respeito das percepções em
diferentes modalidades sensoriais do mesmo estado de coisas – ver e tocar o
mesmo cubo -, o que parece envolver diferenças mentais distintas de como os
estados relevantes representam o mundo como sendo (Peacocke 1983, Tye
2003). Em cada caso, ambos os lados podem reunir fortes intuições e engenho
argumentativo. Um vívido debate continua.

9.3. Teorias Cognitivas


Modelos que procuram explicar a consciência em termos de processos
cognitivos têm sido oferecidos tanto por filósofos quanto por psicólogos.
O exemplo filosófico de maior destaque é o Modelo de Múltiplas
Camadas (MMC) da consciência, proposto por Daniel Dennett (1991)28 . Ele
combina elementos tanto do representacionalismo, quanto da teoria de ordem
superior, mas o faz de tal maneira que o distancia, de forma interessante, das
versões convencionais de ambos. O MMC inclui muitas características distintas,
mas inter-relacionadas.
Seu nome reflete o fato de que, num momento qualquer, determinações
de conteúdos de vários tipos ocorrem em todo o cérebro. O que faz alguns
desses conteúdos serem conscientes não é o fato de ocorrerem num local

28 A sigla original é “MDM”, de “Multiple Drafts Model”.

167
espacial ou funcional privilegiado – o chamado “Teatro Cartesiano” –, nem o fato
de ocorrerem de um modo ou num formato especial: tudo isso é negado pelo
MMC. Ao contrário, isso é uma questão do que Dennett chama de “celebridade
cerebral” [“cerebral celebrity”], isto é, o grau no qual um dado conteúdo influencia
o desenvolvimento futuro de outros conteúdos por todo o cérebro, especialmente
no que concerne como esses efeitos se manifestam nos relatos e
comportamentos da pessoa em resposta a várias indagações que podem indicar
seu estado consciente.
Uma das afirmações principais do MMC é que indagações diferentes
(por exemplo, receber diferentes questões ou estar em contextos diferentes que
fazem demandas comportamentais diferentes) podem levar a respostas
diferentes acerca do estado consciente da pessoa. Ademais, de acordo com o
MMC, pode ser que não haja uma questão de fato, independente da
investigação, sobre qual era, efetivamente, o estado consciente da pessoa. Daí o
“múltiplo” de Modelos de Múltiplas Camadas.
O MMC é representacionalista, pois analisa a consciência em termos de
relações de conteúdo. Ele também nega a existência dos qualia e, portanto,
rejeita qualquer tentativa de distinguir estados conscientes de estados não-
conscientes por meio de sua presença. Rejeita, também, a noção do eu como
um observador interno, esteja ele localizado no Teatro Cartesiano ou em
qualquer outro lugar. O MMC trata o eu como um aspecto emergente ou virtual
da narrativa aproximadamente serial e coerente que é construída pelo jogo
interativo dos conteúdos no sistema. Muitos desses conteúdos estão interligados
no nível intencional, como percepções ou fixações de um ponto de vista
relativamente unificado e estendido temporalmente, ou seja, são coerentes em
seus conteúdos como se fossem as experiências de um eu em movimento. Mas
é a ordem de dependência que é crucial para a abordagem de MMC. Os
conteúdos relevantes não são unificados porque são todos observados por um
único eu, mas exatamente o contrário. É porque são unificados e coerentes no
nível do conteúdo que eles contam como experiências de um eu único, ao
menos de um eu virtual único.
É nesse aspecto que o MMC compartilha alguns elementos com as
teorias de ordem superior. Os conteúdos que compõem a narrativa em série são,
ao menos implicitamente, aqueles de um eu em fluxo, mesmo que virtual, e são
eles que são mais provavelmente expressos nos relatos que a pessoa faz de seu
estado consciente, em resposta às várias indagações. Eles envolvem, então, um
certo grau de reflexividade ou autoconsciência de um tipo que é central para as

168
teorias de ordem superior, mas o aspecto de ordem superior é mais uma
característica implícita da corrente de conteúdos do que presente em estados
explícitos e distintos de ordem superior, do tipo encontrado em teorias OS
convencionais.
O MMC de Dennett é altamente influente, mas suscitou também críticas,
principalmente por parte daqueles que o acharam insuficientemente realista na
sua abordagem da consciência e, na melhor das hipóteses, incompleto quanto à
execução de seu proclamado objetivo de explicá-la completamente (Block 1994,
Dretske 1994, Levine 1994). Muitos de seus críticos reconhecem o valor e insight
do MMC, mas negam que não haja outros fatos reais sobre a consciência além
daqueles capturados pela teoria (Rosenthal 1994, Van Gulick 1994, Akins 1996).
Um grande exemplo psicológico da abordagem cognitiva é a teoria do
ambiente de trabalho global, de Bernard Baars (1988). Ela oferece um modelo
psicológico e, em grande medida, funcional da consciência, que lida mais
diretamente com a noção de consciência de acesso e tem muito em comum com
a ideia da consciência como uma forma de celebridade cerebral, do modelo de
múltiplas camadas. A principal ideia das teorias de ambiente de trabalho global é
que a consciência é uma capacidade ou módulo de recurso limitado que
disponibiliza a informação a ser “transmitida” amplamente por todo o sistema, e
que permite um processamento sofisticado mais flexível. Ela é, assim, bastante
similar aos vários modelos em psicologia cognitiva sobre a atenção e a memória
de trabalho. Muitos outros modelos cognitivos da consciência baseados
psicologicamente foram propostos, incluindo aqueles de George Mandler (1975),
Timothy Shallice (1988), e Daniel Schacter (1989).

9.4. Teorias Neurais


Teorias neurais da consciência assumem várias formas, ainda que de
alguma maneira a maioria se refira aos chamados “correlatos neurais da
consciência”, ou CNC29 . A menos que se seja um dualista ou um outro tipo de
não-fisicalista, algo mais do que mera correlação é necessário; ao menos alguns
CNC precisam ser os substratos essenciais da consciência. Uma teoria neural
informativa precisa explicar por que ou como as correlações relevantes existem,
e se a teoria está comprometida com o fisicalismo, precisará mostrar como os
substratos neurais subjacentes podem ser idênticos a estados conscientes, ou

29 A sigla original é “NCCs”, de “Neural Correlates of Consciousness”.

169
ao menos realizá-los ao executar suas funções ou condições exigidas (Metzinger
2000).
Essas teorias são diversificadas, não apenas quanto aos processos ou
propriedades neurais a que apelam, mas também quanto aos aspectos da
consciência que tomam como seus respectivos explananda. Algumas são
baseadas em características sistêmicas de alto nível do cérebro, mas outras se
concentram em propriedades fisiológicas ou estruturais mais específicas, com as
correspondentes diferenças em suas pretendidas metas explicativas.
Uma amostra de teorias neurais recentes deveria incluir modelos que
apelam para campos integrados globais (Kinsbourne), ligações através de
oscilações sincrônicas (Singer 1999, Crick e Koch 1990), conjunções neurais
transitórias mediadas por NMDA (Flohr 1995), padrões talâmicos modulados de
ativação cortical (Llinas 2001), circuitos corticais de reentrada (Edelman 1989),
mecanismos comparativos que executam círculos contínuos de ação-predição-
avaliação entre as áreas frontais e o mesencéfalo (Gray 1995), hemisfério
esquerdo baseado em processos interpretativos (Gazzaniga 1988), e processos
hemostáticos somatossensórios emotivos baseados no nexo frontal-límbico
(Damásio 1999), ou na substância cinzenta periaquedutal (Panksepp 1998).
Em cada caso, o objetivo é explicar como a organização e a atividade
no nível neural relevante poderiam estar por trás de uma ou outra característica
ou tipo importante de consciência. Campos globais ou conjunções sincrônicas
transitórias poderiam estar por trás da unidade intencional da consciência
fenomenal. Plasticidade baseada em NMDA, projeções talâmicas específicas no
córtex ou ondas oscilatórias regulares poderiam todas contribuir para a formação
de padrões ou regularidades neurais de curto prazo, mas bem difundidas,
necessárias para unir experiências conscientes integradas fora da atividade
local, em diversos módulos cerebrais especializados. Processos interpretativos
do hemisfério esquerdo poderiam oferecer uma base para formas narrativas de
autoconsciência. Assim, é possível que múltiplas teorias neurais distintas sejam
todas verdadeiras, cada uma contribuindo com algum entendimento parcial das
ligações entre a mentalidade consciente, em suas diversas formas, e o cérebro
ativo, em seus muitos níveis de organização e estrutura complexas.

9.5. Teorias Quânticas


Outras teorias físicas foram além do neural e situaram o lugar natural da
consciência num nível bem mais fundamental: em particular, no nível micro-físico

170
dos fenômenos quânticos. De acordo com essas teorias, a natureza e a base da
consciência não podem ser adequadamente compreendidas dentro do quadro da
física clássica, mas devem ser buscadas dentro do quadro alternativo da
realidade física fornecido pela mecânica quântica. Os proponentes da
abordagem da consciência quântica veem a natureza radicalmente alternativa e
muitas vezes contra-intuitiva da física quântica como exatamente o que é preciso
para superar os supostos obstáculos explicativos que confrontam tentativas mais
convencionais de eliminar a lacuna psico-física.
Mais uma vez, há um amplo leque de teorias e modelos específicos que
foram propostos apelando para vários fenômenos quânticos, de forma a explicar
várias características da consciência. Seria impossível catalogá-los aqui e
mesmo explicar, de uma maneira substancial, as principais características da
mecânica quântica às quais apelam. Entretanto, um breve exame seletivo pode
prover um sentido, ainda que parcial e obscuro, das opções que foram
propostas.
O físico Roger Penrose (1989, 1994) e o anestesiologista Stuart
Hameroff (1998) encabeçaram um modelo segundo o qual a consciência surge
através de efeitos quânticos que ocorrem dentro de estruturas sub-celulares
internas aos neurônios, chamadas de microtúbulos. O modelo postula os
chamados “colapsos objetivos”, que se referem ao sistema quântico mudando de
uma superposição de múltiplos estados possíveis para um único estado definido,
mas sem a intervenção de um observador ou de uma medida, como na maior
parte dos modelos mecânico-quânticos. De acordo com Penrose e Hameroff, o
ambiente interno aos microtúbulos é especialmente apropriado para tais
colapsos objetivos, e os auto-colapsos resultantes produzem um fluxo coerente
que regula a atividade neuronal e torna possível processos mentais não-
algorítmicos.
O psiquiatra Ian Marshall propôs um modelo que pretende explicar a
unidade coerente da consciência apelando para a produção, no cérebro, de um
estado físico parecido com um condensado de Bose-Einstein. Este é um
fenômeno quântico no qual uma coleção de átomos age como uma única
entidade coerente, e a distinção entre átomos discretos se perde. Apesar de
estados cerebrais não serem, literalmente, exemplos de condensados de Bose-
Einstein, razões foram dadas para mostrar por que cérebros são mais
suscetíveis a gerar estados capazes de exibir uma coerência similar (Marshall e
Zohar 1990).
Uma base para a consciência também foi buscada na natureza holista

171
da mecânica quântica e no fenômeno do entrelaçamento, de acordo com o qual
partículas que interagiram continuam tendo suas naturezas dependentes uma da
outra, mesmo depois da sua separação. Não surpreendentemente, esses
modelos pretendem explicar principalmente a coerência da consciência, mas
também foram invocados como um desafio mais geral à concepção atomista da
física tradicional, segundo a qual as propriedades do todo são explicáveis por
apelo às propriedades das partes mais seu modo de combinação, um método de
explicação que hoje poderia ser visto como fracassado para explicar a
consciência (Silberstein 1998, 2001).
Outros viram a mecânica quântica como indicando que a consciência é
uma propriedade absolutamente fundamental da realidade física, uma
propriedade que precisa ser introduzida no nível mais básico de todos (Stapp
1993). Apelaram principalmente para o papel do observador no colapso da
função de onda, isto é, o colapso da realidade quântica de uma superposição de
estados possíveis em um único estado definido, quando a medição é feita. Esses
modelos podem ou não adotar uma forma de quase-idealismo, na qual a própria
existência da realidade física depende dela ser conscientemente observada.
Existem muitos outros modelos quânticos da consciência que podem ser
encontrados na literatura – alguns defendendo uma metafísica radicalmente
revisionista, outros não –, mas esses quatro fornecem uma amostra razoável,
ainda que parcial, das alternativas.

9.6. Teorias Não-Físicas


A maior parte das teorias específicas da consciência – sejam cognitivas,
neurais ou da mecânica quântica – pretendem explicar ou propor modelos da
consciência vista como uma característica natural do mundo físico. No entanto,
aqueles que rejeitam uma ontologia fisicalista da consciência precisam encontrar
formas alternativas de tratá-la como um aspecto não-físico da realidade.
Portanto, aqueles que adotam uma visão metafísica dualista ou antifisicalista
precisam, por fim, fornecer modelos específicos da consciência, diferentes dos
cinco tipos mencionados. Tanto os dualistas de substância quanto os dualistas
de propriedades precisam desenvolver os detalhes de suas teorias de forma a
articular as naturezas específicas das características não-físicas relevantes da
natureza, com as quais igualam a consciência ou às quais apelam para explicá-
la.
Uma grande variedade desses modelos foi proposta, incluindo os

172
seguintes. David Chalmers (1996) ofereceu uma versão admitidamente
especulativa de pampsiquismo, que apela para a noção de informação, não
apenas para explicar invariâncias psicofísicas entre o fenomenal e espaços
informacionais fisicamente realizados, mas possivelmente também para explicar
a ontologia do físico como em si mesma derivada do informacional (uma versão
da teoria do “it from bit”). De forma um tanto similar, Gregg Rosenberg propôs
recentemente (2004) uma abordagem da consciência que, simultaneamente,
trata a base categorial última das relações causais. Tanto no caso causal quanto
no caso consciente, Rosenberg argumenta que fatos funcionais e relacionais
precisam, no fim das contas, depender de uma base categorial não-relacional, e
oferece um modelo segundo o qual relações causais e fatos fenomenais
qualitativos ambos dependem da mesma base. Ademais, como mencionado
anteriormente (seção 9.5), algumas teorias quânticas tratam a consciência como
uma característica fundamental da realidade (Stapp 1993) e, na medida em que
assim o fazem, também poderiam ser plausivelmente classificadas como teorias
não-físicas.

10. Conclusão
Uma compreensão completa da consciência provavelmente exigirá
teorias de vários tipos. Pode-se, com utilidade e sem contradição, aceitar uma
diversidade de modelos que, cada um à sua maneira, buscam explicar,
respectivamente, os aspectos físicos, neurais, cognitivos, funcionais,
representacionais e de ordem superior da consciência. É improvável que haja
uma perspectiva teórica única que seja suficiente para explicar todas as
características da consciência que pretendemos compreender. Portanto, uma
abordagem sintética e pluralista deve oferecer a melhor via para futuros
progressos.

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Sobre Tradutores e Revisores

Verbete (I) - Condições Necessárias e Suficientes:

Luiz Helvécio Marques Segundo (tradutor): Doutor em filosofia pelo PPG-Fil/


UFSC. Atualmente é pesquisador vinculado à Associação Brasileira de Filosofia
da Religião (ABFR). Tem atuado na interseção entre epistemologia, filosofia da
religião e filosofia da ciência, investigando questões relativas ao debate entre
ciência e religião, com particular ênfase à teoria da evolução biológica. Interessa-
se também por abordagens evolutivas à moralidade e à cultura.

Sérgio Ricardo Neves de Miranda (revisor): Mestre em Filosofia pela Univer-


sidade Federal de Minas Gerais (1997) e doutorado em Filosofia pela Universi-
dade de Bielefeld (2006). Atualmente é professor associado do Departamento de
Filosofia na Universidade Federal de Ouro Preto. Áreas de interesse: Episte-
mologia, Metafísica e Filosofia da Religião.

Verbete (II) - Referência:

Lucas Roisenberg Rodrigues (tradutor): Graduado em Filosofia pela Univer-


sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Possui mestrado em Filosofia
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Possui
doutorado em Filosofia Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS) Em seu mestrado tratou do paradoxo do prefácio, e de temas rela-
cionados como o papel da lógica na determinação da racionalidade e da justifi-
cação. Em seu doutorado, fez uma análise crítica das epistemologias modais.
Trabalhou como professor de filosofia na Universidade Federal Da Fronteira SUL
(UFFS). Principais áreas de interesse: metafísica, epistemologia, lógica e filosofia
da linguagem.

Jerzy André Brzozowski (revisor): Mestre e doutor em Filosofia, ambos pela


Universidade Federal de Santa Catarina. Sua tese de doutorado diz respeito à
natureza dos nomes próprios teóricos na biologia evolutiva. Entre 2011 e 2018,
foi professor adjunto na Universidade Federal da Fronteira Sul -- Campus
Erechim. Em 2018, foi pesquisador visitante na University of Utah. Atualmente, é

187
professor adjunto do Departamento de Filosofia na Universidade Federal de San-
ta Catarina. Atua sobretudo na área de Filosofia, particularmente em Teoria do
Conhecimento, Filosofia da Ciência, Filosofia da Linguagem e Filosofia da Biolo-
gia. Tem pesquisado alguns temas da relação entre conhecimento científico e
verdades modais.

Verbete (III) - A Metafísica da Causação:

Rodrigo Reis Lastra Cid (tradutor): Professor Adjunto de Filosofia na Universi-


dade Federal do Amapá. Pesquisador na área da Metafísica. Editor Chefe do
periódico Investigação Filosófica, Editor da Série Investigação Filosófica (NEP-
FIL/Editora UFPel). Líder do Grupo de Pesquisa Investigação Filosófica (DGP/
CNPq), membro do GT de Metafísica Analítica da ANPOF, da Society for the
Metaphysics of Science e do Laboratório de Estudos Aplicados em Infoprodutos
(UFES/CNPq). Residência Pós-Doutoral em Filosofia realizada na Universidade
Federal de Minas Gerais. Doutor e Mestre em Lógica e Metafísica (Filosofia) pelo
Programa de Pós-Graduação em Lógica e Metafísica da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, com período sanduíche na Université Catholique de Louvain.
Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal em Ouro Preto. Ex-Professor de
Filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Federal de Mi-
nas Gerais e na Faculdade Dom Luciano Mendes.

Bruno Borges Moura (tradutor): Graduando em Filosofia pela UNIFAP, inici-


ação científica em tradução e membro do Grupo de Pesquisa Investigação
Filosófica e secretário do Projeto de Extensão Jovem Bilíngue na UNIFAP.

Pedro Merlussi (revisor):  Doutor em filosofia pela Universidade de Durham


(orientadora: Nancy Cartwright; examinadores: Helen Beebee & Matthew Tugby).
Tem interesse nas áreas de metafísica, filosofia da ciência, lógica filosófica e
história da filosofia moderna. Atualmente é bolsista de pós-doutorado (FAPESP)
pelo Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da UNICAMP sob a
supervisão de Marco Ruffino.

Verbete (IV) - Consciência:

Marcelo Fischborn (tradutor): Professor de Filosofia no Instituto Federal Far-


roupilha, Campus Avançado Uruguaiana. Realizei pesquisa pós-doutoral em

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filosofia (bolsa Capes/Fapergs) na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
instituição onde também realizei douturado (2018), mestrado (2014) e licenciatu-
ra (2011) em filosofia. Durante o doutorado, fui pesquisador visitante na Florida
State University através do Programa Estágio de Doutorando nas Ciências Hu-
manas, Ciências Sociais, Letras e Artes nos EUA (financiado pela CAPES e pela
Comissão Fulbright Brasil). Minha pesquisa tem como preocupação central a
estruturação de uma investigação interdisciplinar sobre o aprimoramento das
práticas de responsabilização. Áreas e tópicos de interesse incluem: ética, psi-
cologia moral, filosofia da mente e da ação, livre-arbítrio, responsabilidade moral,
censura, punição e violência.

Marco Aurelio Sousa Alves (tradutor): Professor Adjunto (DFIME / UFSJ); Pro-
fessor Permanente (PPGFIL / UFSJ); Professor Permanente (POSDEFIL /
UFOP) Lecionou anteriormente nos departamentos de filosofia da UFMG, FAJE-
MG, PUC-MG, e University of Texas at Austin (EUA). Ph.D. em Filosofia pela
University of Texas at Austin (EUA). Mestrado e Graduação em Filosofia pela
UFMG. Trabalha com filosofia da mente e da percepção, filosofia da linguagem,
epistemologia, metafísica, filosofia da ciência, lógica e ética.

André Joffily Abath (revisor): Pofessor adjunto IV no Departamento de


Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais. Possui doutorado em
Filosofia pela Universidade de Sheffield (2007), mestrado em Filosofia da Lin-
guagem e da Consciência pela Universidade de Lisboa (2003), graduação em
Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba (2000), e graduação em Comuni-
cação Social pela Universidade Federal da Paraíba (1999). Pesquisa nas áreas
de epistemologia, filosofia da mente e filosofia da linguagem. Foi diretor da Re-
vista Kriterion (2014-2016) e tutor do Programa de Educação Tutorial (PET) em
Filosofia da UFMG (2016-2018).

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